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INTRODUÇÃO À FILOSOFIA
Tradução
Marco Antonio Casanova
Revisão de tradução
Eurides Avance de Souza
Revisão técnica
Tito Lívio Cruz Romão
,1
wmfma rtinsfontes
SÃO PAULO 2009
Esta obra foi publicada originalmente em alemão com o título
EINLEITUNG IN DIE PHILOSOPHIE
por Verlag Vittorio Klostermann, Frankfurt, Alemanha, 1996.
Copyright © Vittorio Klostermann GmbH - Frankfurt am Main.
Copyright © 2008, Editora WMF Martins Fontes Ltda.,
São Paulo, para a presente edição.
V. edição 2008
2a. edição 2009
Tradução
MARCO ANTONIO CASANOVA
Revisão da tradução
Eurides Avance de Souza
Tito Lívio Cruz Rotnão
Acompanhamento editorial
Luzia Aparecida dos Santos
Revisões gráficas
Luciana Veit
Marisa Rosa Teixeira
Produção gráfica
Geraldo Alves
Paginação/Fotolitos
Studio 3 Desenvolvimento Editorial
09-10736______________________________ _______CDD-101
índices para catálogo sistemático:
1. Filosofia : Introdução 101
INTRODUÇÃO
A tarefa de uma introdução à filosofia
PRIMEIRA SEÇÃO
FILOSOFIA E CIÊNCIA
Primeiro capítulo
O que significa filosofia?
§ 5. A filosofia é uma ciência?.................................................................. 15
§ 6. As concepções antiga e moderna de filosofia................................. 20
§ 7. O termo “filosofia”............................................................................... 22
Segundo capítulo
A pergunta sobre a essência da ciência
§ 8. Pergunta provisória sobre a essência da ciência a partir de sua crise 28
a) A crise na relação do indivíduo com a ciência........................... 29
b) A crise da ciência em vista de sua posição no todo do ser-aí
histórico-social................................................................................ 33
c) A crise na estrutura interna da própria ciência......................... 37
§ 9. Nova meditação sobre a essência da ciência................................. 42
a) Ciência como conhecimento metódico, sistemático, exato e
universalmente válido.................................................................... 45
b) Ciência e verdade —adaequatio intellectus ad rem.................... 47
§ 10. Verdade como verdade proposicional............................................... 48
a) O conceito tradicional de verdade............................................... 52
b) Verdade como caráter de uma proposição: ligação de sujeito e
predicado......................................................................................... 53
c) Os primórdios do problema da verdade na Antiguidade.......... 59
§11. Sobre o problema da relação sujeito-objeto. Relação predicativa
e relação veritativa............................................................................... 64
Terceiro capítulo
Verdade e ser
Da essência originária da verdade
como desvelamento
§ 12. A essência originária da verdade..................................................... 71
a) Retrocesso por detrás da relação sujeito-objeto: o ser junto a... 74
b) O ser junto a... como determinação existencial do ser-aí......... 75
c) O anunciar-se do ente em contextos conjunturais.................... 78
d) Verdade como desvelamento. Modos diversos de manifesta
ção do e n te ...................................................................................... 81
§ 13. Modo de ser e manifestação. Diversos modos de serdo ente....... 87
a) Subsistir-por-si-conjuntamente- ser-um-com-o-outro.............. 90
b) Ser-um-com-o-outro: o comportar-se de muitos em relação ao
m esm o.............................................................................................. 93
c) M esmidade...................................................................................... 97
d) O mesmo como algo compartilhado............................................ 102
e) Participação significa compartilhamento?.................................. 106
f) Do deixar-ser as coisas................................................................... 107
§ 14. Compartilhamos o desvelamento do e n te ....................................... 111
a) Ser-um-com-o-outro é um compartilhamento da verdade....... 113
b) O desvelamento do ente por si subsistente ............................... 115
c) O pertencimento da verdade ao ser-aí não implica que a ver
dade seja algo “subjetivo”.............................................................. 119
d) Ser junto ao ente por si subsistente e ser-um-com-o-outro per
tencem co-originariamente à essência do ser-aí........................ 123
e) O ser descobridor do ser-aí. Verdade do ente por si subsistente
e o ente que está à mão como o ter-sido-descoberto................ 127
Quarto capítulo
Verdade - Ser-aí —Ser-com
15 .O ser descobridor do ser-aí das crianças e do ser-aí dos primór
dios da hum anidade............................................................................ 129
l(>. O ter-sido-descoberto do ente por si subsistente e a manifes
tação do ser-aí...................................................................................... 133
^ 17. A manifestação doser-aí qua ser-aí.................................................... 140
18. Ser-aí e ser-com.................................................................................. 145
t) 19. A monadologia de Leibniz e a interpretação do ser-um-com-o-
outro..................................................................................................... 150
20. A comunidade sobre a base do um-com-o-outro............................ 154
Quinto capítulo
O âmbito essencial da verdade
e a essência da ciência
t) 21. Resumo de nossa interpretação da verdade.................................... 159
22. A determinação da essência da ciência a partir do conceito ori
ginário de verdade............................................................................... 167
a) Ciência, um tipo de verdade?...................................................... 169
b) Ser-aí pré-científico e ser-aí científico........................................ 171
c) Verdade científica.......................................................................... 176
^ 23. Ciência como postura fundamental possível da existência hu
mana. píoç Of,(j)pr|xiKÓç - vita contemplativa.................................. 178
^ 24. A implicação recíproca originária existente entre teoria e prática
no Orcoprív enquanto ato de tornar manifesto o e n te ................... 185
íj 25. Construção da essência da ciência.................................................. 191
a) Ser-na-verdade em virtude da verdade........................................ 191
b) A ação primordial. O deixar-ser o e n te ....................................... 196
26. A mudança da compreensão de ser no projeto científico. A nova
determinação do ente como natureza.............................................. 198
a) O caráter prévio da compreensão de ser em relação a todo
conceber.......................................................................................... 203
b) Mudança da compreensão de ser: um exemplo da física......... 207
c) A positividade da ciência. O projeto prévio, não-objetivo, de-
marcador do campo da constituição de ser................................ 209
Sexto capítulo
Sobre a diferença entre ciência e filosofia
§ 27. O projeto da constituição ontológica do ente como possibilita-
ção interna da positividade, isto é, da essência da ciência. Com
preensão de ser pré-ontológica e ontológica.................................... 212
§ 28. Verdade ôntica e ontológica. Verdade e transcendência do ser-aí 217
§ 29. Filosofar como transcender faz parte da essência do ser-aí humano. 229
§ 30. Os diferentes âmbitos de questionamento da filosofia e da ciência 232
§31. Um resumo do que foi anteriormente visto. Compreensão de ser
como fato originário do ser-aí: a possibilidade da diferença ontoló
gica. A diferença ontológica e a diferença entre filosofia e ciência 236
SEGUNDA SEÇÃO
FILOSOFIA E VISÃO DE MUNDO
Primeiro capítulo
Visão de mundo e conceito de mundo
§ 32. O que é visão de m undo?.................................................................. 245
a) A expressão “visão de mundo” ..................................................... 246
b) Interpretações da visão do mundo: Dilthey - Jaspcrs - Scheler 251
§ 33. O que significa mundo?..................................................................... 255
a) O conceito de mundo na filosofia antiga e no cristianismo pri
mitivo................................................................................................ 257
b) O conceito de mundo na metafísica escolar............................ 261
§ 34. O conceito kantiano de m u n d o ........................................................ 265
a) O conceito kantiano de mundo na Crítica darazão pura.......... 270
b) Excurso: a fundamentação kantiana da m etafísica.................... 275
a) As teses centrais....................................................................... 276
P) A fundamentação...................................................................... 281
c) Excurso: a dialética kantiana........................................................ 293
il) () conceito kantiano de “ideia” .................................................... 296
<■) Mundo como idéia da totalidade dos fenômenos: como corre
lato do conhecimento humano finito.......................................... 306
I) Idéia e ideal. A determinação plena do conceito de mundo
como ideal transcendental............................................................ 308
g) A significação existencial do conceito de m u n d o .................. 316
Segundo capítulo
Visão de mundo e ser-no-mundo
t) 35. Ser-aí como ser-no-mundo................................................................. 324
l(i. Mundo como “jogo da vida”.............................................................. 329
a) O ser-no-mundo como jogo originário da transcendência........ 331
l>) Transcendência qua compreensão de ser como jo g o ................ 335
c) A correlação entre ser e pensar. Seu estreitamento na inter
pretação “lógica” da compreensão de se r.................................... 337
t) 17. Obtenção de uma compreensão mais concreta da transcendência 344
a) O caráter-de-si-mesmo (em virtude de si mesmo) como deter
minação ontológica do ser-aí. O ser-entregue como determi
nação intrínseca ao ser-no-mundo............................................... 344
b) Estar entregue como o ter-sido-jogado........................................ 350
c) Facticidade e ter-sido-jogado. Nulidade e finitude do ser-aí.
Dispersão e singularização............................................................ 354
d) A ausência de apoio do ser-no-mundo........................................ 361
38. O caráter estrutural da transcendência............................................ 362
a) Retrospectiva do caráter estrutural conquistado pelo ser-no-
mundo .............................................................................................. 362
b) Visão de mundo como manter-se no ser-no-mundo, como apoiar-
se no ser-no-mundo........................................................................ 366
Terceiro capítulo
O problema da visão de mundo
39. Questões fundamentais referentes ao problema de princípio in
trínseco à visão de m undo................................................................. 369
a) Visão de mundo como ser-no-mundo faticamente assimilado ... 369
b) O conceito de visão de mundo em D ilthey............................... 371
§ 40. Como a visão de mundo se relaciona com ofilosofar?.................. 379
a) A forma vulgar do problema: a filosofia pode e deve formar
uma visão de mundo científica?.................................................. 379
b) Sobre a historicidade das visões de m u n d o ............................... 381
§ 41. Duas possibilidades fundamentais da visão de m undo................. 382
a) Visão de mundo no mito: concessão de abrigo como apoio ante
a supremacia do próprio e n te ....................................................... 382
b) Degeneração da concessão de abrigo: visão de mundo trans
formada em estrutura de funcionamento.................................... 388
§ 42. A outra possibilidade fundamental: visão de mundo como postura 392
a) A visão de mundo como postura e a confrontação com o ente
daí em ergente................................................................................. 392
b) Visão de mundo como postura e a mudança da verdade como
t a l ..................................................................................................... 397
c) Formas de degeneração da visão de mundo como postura.... 399
§ 43. Da relação interna entre a visão de mundo como postura e a fi
losofia.................................................................................................... 403
a) Sobre a problemática dessa relação............................................. 403
b) Filosofia é a visão de mundo como postura em um sentido
insigne.............................................................................................. 406
§ 44. Na visão de mundo como postura irrompe o problema do ser.... 409
a) O despertar do problema do ser a partir da visão de mundo no
mito como concessão de abrigo................................................... 411
b) Formas históricas da formação da filosofia a partir da visão de
mundo como concessão de abrigo e como postura................... 413
Quarto capítulo
A conexão entre filosofia e visão de mundo
§ 45. O problema do ser e o problema do m undo.................................. 419
a) A pergunta acerca do ser como pergunta acerca do fundamen
to e o problema do mundo............................................................ 420
b) No problema do ser e no problema do mundo a transcendên
cia ganha a forma de uma elaboração conceituai..................... 423
§ 46. Filosofia como postura fundamental: deixar acontecer a trans
cendência a partir de seu fundamento............................................. 425
3 Falo aqui intencíonalmente de uma “tendência” porque esse fato não impe
diu o surgimento de trabalhos cuidadosos e extremamente relevantes sobre o pen
samento de Heidegger no Brasil e no exterior.
Apresentação à tradução brasileira XV
M a r c o A n t o n io C asanova
INTRODUÇÃO
§ 3. Pré-compreensao da filosofia
í',m seu sentido corrente, a palavra alemã Bem/pode ser traduzida simples
mente por “profissão”. Nesse contexto, contudo, essa tradução obscureceria um
rlcmenlo decisivo no modo de compreensão heideggeriano. A palavra alemã Beruf
i nmpõe-se a partir do verbo rufen, que significa literalmente “chamar”. Com isso,
llrnif 6 uma palavra que não indica uma mera profissão, mas uma profissão que
Masco da escuta a um chamado específico, a uma vocação. Assim, optamos por tra
duzir Boro/por “vocação profissional”. (N. do T.)
1Como toda a preleção gira em torno de termos centrais compostos a partir do
verbo “ser”, optamos por não buscar soluções simplificadoras que facilitassem a
Irilura, mas acabassem por obscurecer o foco central do pensamento heideggeria-
iio. Mileinandersein poderia ser normalmente traduzido por “convivência”. No en-
liiulo, essa tradução acabaria produzindo uma espécie de turvamento dos intuitos
primordiais do texto. (N. do T.)
8 Introdução à filosofia
será que ela não tem primariamente nenhuma relação com uma
formação-de-mundo? A filosofia repousa sobre uma visão de mun
do ou essa conexão entre filosofia e visão de mundo não é absolu
tamente decisiva?
Por fim, tomemos conjuntamente os dois grupos de questões:
será que a filosofia é ou bem ciência ou bem visão de mundo, será
que ela é tanto ciência quanto visão de mundo ou será ainda que
ela não é nem ciência nem visão de mundo?
Mas não queremos discutir todas essas questões sobre a relação
entre filosofia e ciência, filosofia e visão de mundo, ciência e visão
de mundo como se estivéssemos, por assim dizer, contrapondo gran
dezas fixas —ainda não sabemos de maneira alguma o que é a filo
sofia. Partindo dos poderes determinantes que são a ciência e a vi
são de mundo, perguntamos muito mais o que elas próprias signi
ficam: por que e com que justificativa afinal estabelecemos uma li
gação da filosofia justamente com elas? Desse modo conquistamos
uma primeira pré-compreensão da filosofia a partir dos poderes
que são determinantes para nós, isto é, ao voltarmo-nos para nos
so próprio ser-aí.
Ao mesmo tempo, essas discussões têm por intuito tornar trans
parente em alguns traços fundamentais a situação de nosso ser-aí
atual. Nelas nos depararemos incessantemente com um contexto
ao qual cabe uma significação essencial: a filosofia e o filosofar,
justamente em sua automeditação, remontam sempre ao que de
nominamos história. E isso se dá antes de tudo porque a filosofia
se nos oferece inicialmente na e por meio da tradição historiográ-
fica. Por história não tenho em vista aqui a ciência histórica, mas
o acontecimento do próprio ser-aí. Mostrar-se-á que não é apenas
a filosofia que se encontra em uma confrontação interna peculiar
com a história.
Já ouvimos que a filosofia sempre já se nos oferece como algo
de certo modo conhecido na e por meio da história. Melhor ainda:
na tradição historiográfica. No entanto, o mesmo vale para a ciên
cia e para a visão de mundo. As duas são, cada uma a seu modo,
fundamentalmente históricas. Mas isso significa o seguinte:
Introdução 11
FILOSOFIA E CIÊNCIA
PRIMEIRO CAPÍTULO
( il . pp. 232-6.
16 Introdução à filosofia
guma apenas a ciência que colige todas as demais, mas aquela que
até mesmo as fundamenta, a ciência fundamental?
Todas essas questões se movimentam sobre o solo da pressupo
sição geral de que a filosofia é em todos os casos uma ciência. De
fato, é uma característica da filosofia moderna desde Descartes que
ela, em investidas sempre novas, tente se elevar à categoria de uma
ciência, aliás, à categoria da ciência absoluta. Precisamos deixar de
lado as perguntas específicas sobre como a filosofia se relaciona
com as demais ciências e responder inicialmente ao seguinte: afi
nal, a filosofia é uma ciência? Faz sentido falar de uma filosofia
científica e querer fundamentar a filosofia como “ciência, rigorosa’’?
Quanto à pergunta sobre se a filosofia é uma ciência, precisamos
dizer de antemão: não, a filosofia não é nenhuma ciência. Será que
a filosofia é então, por natureza, não-científica, será que ela não
pertence à universidade, será afinal que têm razão aqueles que, se
guindo Schopenhauer e Nietzsche, tomam a “filosofia universitá
ria” por um construto extremamente questionável? Sim e não. Será
que o empenho da filosofia moderna desde Descartes, passando
por Kant e Hegel, e chegando até Husserl, o empenho por elevar
a filosofia à categoria de ciência não é apenas vão, mas fundamen
talmente equivocado em seu intuito? Sim e não. Será que o título
“filosofia científica” é afinal tão absurdo quanto o conceito “ferro
lígneo”? Sim e não. Com a tese de que a “filosofia não é nenhuma
ciência” também não se está negando e contestando justamente o
esforço que a fenomenologia vem fazendo há décadas para funda
mentar a “filosofia como ciência rigorosa” (é esse o título de um co
nhecido ensaio de Husserl, publicado na revista Logos I, 1910)? Sim
e não.
Portanto, a nossa tese de que a “filosofia não é nenhuma ciên
cia” permanece inicialmente ambígua, e isso precisa ser assim, uma
vez que ela só se enuncia por meio de uma negativa e diz apenas
de modo genérico o que a filosofia não é. Do fato de a filosofia não
ser ciência talvez não resulte absolutamente que ela precise ser ou
mesmo apenas possa ser “não-científica ”.
Filosofia e ciência 17
Mim ii i|tli' significa agora essa tese de que a filosofia não é qiên-
1Mi I >*« Inicio, ela não significa mais do que o seguinte: a filosofia
ttilu | ii ii li- sei subsumida ao conceito de ciência como um gênero
*u| ii'i li ii Não podemos dizer que a filosofia é uma ciência como
illn mm. i um razão: o vermelho é uma cor, o verde é uma cor ou a
llili a é uma ciência, a filologia é uma ciência.
Iiiiliiviu, sc- declaramos de maneira tão resoluta que “a filosofia
tutu i' nenhuma ciência”, então de modo não menos decidido sur
to liilnbem a contrapergunta: mas, então, o que ela é afinal? Nós
li "pundemos: filosofia é filosofar. De qualquer forma, essa é uma
Inlm mação que não diz nada, uma informação que parece dizer
•iinlii quanli) a sentença: uma mesa é uma mesa. No entanto, não
•‘Hto11ii is simplesmente dizendo que a filosofia é a filosofia. Ao con-
IMilu, eslamos dizendo que a filosofia é filosofar. Assim, parece
havei por fim uma resposta em meio a essa tese positiva: a filoso
fia iiilu pode ser definida em consideração a algo diverso - algo
1oiim a idéia de ciência, ou então algo como a idéia de "poesia” ou
aiie Se a equação filosofia = filosofar procede, então isso signifi-
1 ii *|iie a filosofia precisa ser determinada a partir de si mesma.
Aieniii se pouco demais para a problemática peculiar oriunda
'In liiln de a filosofia ter de ser determinada a partir de si mesma.
Mesmo que a filosofia - em certa medida —fosse impossível, so-
inenie ela mesma poderia mostrá-lo. Somente ela mesma pode de-
1idli se e como ela é possível. Não é senão uma conseqüência de
"eu eiiráier originário que a filosofia se volte para si própria e esta-
l" leça uma ligação consigo mesma.
I'oilauto, se dizemos que a filosofia não é nenhuma ciência, e
se a i iência não é a idéia ou o ideal a partir do qual a filosofia pode
e deve ser medida, então a tese que recusa à filosofia o caráter de
i inicia não pode afirmar sem dificuldades que a filosofia está to
m ada por uma falta de cientificidade. Sc algo não pode e não deve
m i ciência, então a falta de cientificidade não lhe pode ser impu
tada como uma falha grave. Já ouvimos, porém, o seguinte: a aiir-
inação de que a “filosofia não é ciência” não diz que ela é acientí-
18 Introdução à filosofia
§ 7 . 0 termo "filosofia”
mais ou menos por “formação”, mas não pela nossa “formação ge
ral” de hoje. Assim, em vista da antiga cunhagem do conceito de
“filosofia”, Cícero constata: Omnis rerum optimarum cognitio atque
in iis exercitatio philosophia nominata est7. “Tudo o que se constitui
como uma compreensão das coisas em sua essência própria e como
um saber lidar com essa essência foi chamado de filosofia.”
A essa ampliação da esfera daquilo que pode ser compreendido
e a essa extensão do conceito de aoqpía não apenas à música e à
poesia, mas também à ciência e a todo tipo de possibilidade de for
mação está associada, porém, de maneira característica, uma limi
tação: esse compreender experimenta limites em si mesmo. Quan
to mais o homem aprende a compreender o mundo na totalidade,
tanto mais experimenta que esse compreender não está simples
mente aí e que tampouco é possível tomar posse dele sem maiores
7 Cf. M. Tullii Ciceronis, libri tres, with introduction and notes by August S.
Wilkins, Oxford 1892, III, 60 (16), p. 439.
Filosofia e ciência 25
[segundo o
yviDinç f)c,ío>v -te koci ávftpocwúvcov jtpaypáxcov seu objeto]
leonhecimento das coisas divinas e humanas] ,
I Icrmann Díeis. Die Fragmente der Vorsokratiker, primeiro volume, 4? ed., Ber
lim. 1022, p. 85.
9 Ammon, in Porph. Isag. (Comm. in Arist. Graeca IV, 3), p. 1; David Prol.
u 'iiinm, in Arist. Gr. XVIII, 2), pp. 20, 25; Elias (Comm. in Arist. Gr. XVIII, 1),
PP A
26 Introdução à filosofia
Niiltci seria uma obra fragmentária. Não é por nunca chegar ao fim
i|iie a Iilosofia é finita. A finitude não reside no fim, mas no come-
t,n dn Iilosofia; ou seja, a finitude precisa ser assumida em sua es-
sDirla no conceito de filosofia. Decisivo não é querer trilhar infi-
iillnmenle, porém até o fim, os caminhos uma vez conquistados,
mus sempre voltar a traçar a cada vez um novo caminho.
Podemos obter uma clara e derradeira caracterização do concei
to e da palavra “filosofia” por meio de uma comparação com ter
mos correspondentes, utilizados para designar ciências como a
Mo logia, a teo-logia, a antropo-logia ou a filo-logia. O sufixo “logia”
i onesponde à palavra grega Xóyoç, que significa tornar manifesto,
npieeiidcr, determinar algo. Com isso, zoologia significa o tornar
mimileslo, o apreender e o conhecer dos animais; antropologia, o
mesmo com respeito ao homem; teologia, o mesmo com respeito
a I )eus. Aqui, Xóyoç, -logia, é o termo para o tipo de apreensão le-
vmIn :i cabo em determinados âmbitos de objetos. No termo “filo
logia", em contrapartida, Xóyoç é o objeto da ciência mesma, a lin
guagem, o discurso; com certeza reside aqui uma certa <pi?úa. Por
analogia com a filologia, o objeto da filosofia seria a aocpía. No en
tanto, Iilosofia não é o conhecimento da sabedoria.
filosofia não designa o que deve ser aí tratado e reconhecido,
tilas o modo, o tipo fundamental do comportamento. Daí dizermos:
lllosolia c filosofar. Mas, por mais importante que essa explicação
leimmológica possa ser, não podemos nos agarrar a ela e achar que
|it conquistamos por meio disso uma compreensão da filosofia.
SEGUNDO CAPÍTULO
Pois bem, para clarificar o modo como a ciência como tal está
presente na filosofia, ao mesmo tempo em que, porém, a filosofia
jamais pode ser denominada ciência, precisamos determinar pro
visoriamente a essência da ciência.
A pergunta acerca do que é a ciência foi freqüentemente formu
lada pelos gregos. Ela é uma questão antiga, ou seja, uma questão
sempre nova. Ela constitui uma daquelas questões que não se
aquietam quando dela já temos à mão uma definição. Ao contrá
rio, a pergunta acerca da essência da ciência nos impele a uma me
ditação fundamental. Se, como afirmamos, a ciência é um dos po
deres de nosso ser-aí, então ela não apenas o determina, mas,
como tudo o que é essencial, ela traz uma in-quietude específica
para o cerne do ser-aí.
Não é nenhum acaso, embora seja motivado por uma série de
relações extrínsecas, o fato de muito se falar, em nosso tempo, da
crise da ciência; não apenas da crise dessa ou daquela ciência, por
exemplo, a crise da física ou a crise das ciências humanas cm meio
ao abalo momentâneo causado por Oswald Spcngler. Pressente-se
uma crise da ciência pura e simplesmente. Comparando-se com a
situação vigente poucos anos atrás, não há dúvida de que hoje já
se consegue perceber novamente com maior clareza a tentativa de
escapar dessa crise ora emergente e de manter afastada toda in-
Filosofia e ciência 29
Iniciaremos pela crise que foi citada por último: a crise da posi
ção do indivíduo ante a ciência. Depois da guerra difundiu-se o
lema da revolução da ciência. Uma juventude romântica queria er-
liilu querer ila ciência, por outro, que impedem que a crise autên-
lli a iif|a deflagrada - ou se, contudo, isso se deve ao fato de tanto
a llItiMilia quanto as ciências operarem com uma idéia de ciência
11Hi* não é suficiente para compreender o problema. Esta última
hipótese vem a ser de fato o caso.
Nau nos encontramos tão originariamente no cerne da ciência
piiia apreender sua crise desde o seu fundamento, ou seja, para
»rimos envolvidos pela própria crise de modo crítico e no senti
do mais sério possível. Não nos apropriamos da ciência de modo
Mo elementar e transparente para poder deparar com os limites
da própria ciência, para compreender junto a esses limites por
que ela não está casualmente, mas necessariamente delimitada
( mui) ciência. Enquanto não chegarmos ao ponto em que os pes
quisadores que atuam nas ciências particulares percebam que, com
os meios de sua ciência, eles nunca estarão em condições de
( oneeber os fundamentos dessa ciência e de perscrutá-la nesses
lundam entos, toda investigação de fundam entos será em vão.
A matemática não pode ser concebida matematicamente, e ne
nhum lilólogo pode iluminar a essência da filologia com métodos
lllológicos.
I.m primeiro lugar, precisamos aprender a compreender o que
significam os fundamentos de uma ciência e em que medida a cri
se dos fundamentos revela justamente os limites essenciais da
i iene ia como tal. Não é essencial saber se a crise das ciências hoje
i onlinua ou não sendo publicamente tratada e o modo como isso
se dá; decisivo, porém, é se estamos suficientemente dispostos e
lorles para atravessar a crise, ou melhor, para penetrá-la. Pois a cri
se não deve ser superada. Ao contrário, ela deve se tornar vital; e
isso não apenas para que as ciências se tornem melhores, mais de
sobstruídas e mais rápidas em seus progressos, mas para que elas
possam em geral se tornar tão existentes quanto, de acordo com a
sua essência, quiserem.
Essa mudança na posição da existência ante a ciência não é, po-
iem, uma questão de organização e de funcionamento, tampouco
42 Introdução à filosofia
' ( ipuscules et fragments inédits de Leibniz, Paris, ed. Louis Couturat. 1903,
|>|i S18-9. Primae veritates. Phil. VIII, 6.
50 Introdução à filosofia
Ir i niiliccer de- uma vez por todas uma tal conexão entre a verda-
■lii di iivuda e a verdade originária. Uma característica de todas es-
«itc i luio.xnes essenciais é que nunca podemos ter conhecimento
•li Iiin ilii mesmo modo que detemos um conhecimento qualquer.
\u i uni itirio, sou sempre eu que preciso me apropriar delas uma
w / mais e, em meio a essa nova apropriação, sempre me deparo
i um um novo ahismo. A essência do simples e do auto-evidente é
iiur 1 1 iiislit11i o lugar propriamente dito para o caráter abismal do
mundo r, esse abismo só se abre se filosofamos, mas não se acre-
illliiiuos já saber do que estamos falando.
10 Cí. Boethius, De interpretatione. Patrologia Latina, ed. J.-P. Migne, vol. 64,
Paris, 1891, p. 364, A.
11 Como fica claro a partir da formulação indicada entre parênteses. (N. do T.)
12 Em português também só colocamos uma vez a negação, mas temos duas
possibilidades de posicionar o advérbio de negação. (N. do T.)
Filosofia e ciência 55
veritativo
mim para a outra, mas que subsiste aí uma unidade peculiar, ape-
NiiI de procurarmos em vão por um laço que conecte os fonemas
uns aos outros.
Assim, surge para Platão o problema de como as palavras, essas
i|.invi|, encontram-se nessa estranha e ainda obscura comunidade
liilerna e como mantêm uma unidade entre si, isto é, o problema
■111 comunidade e da unidade interna [Koivoovía] oriundo da mul
tiplicidade de palavras na proposição. Para Platão, a unidade pecu-
lliii dessa seqüência de palavras consiste no fato de as palavras não
neiern meros sons, não serem meras fonações, mas sim signos que
qgnilicam algo; no fato de elas não serem apenas (provfp mas Àóyoç
hi|\nüv. A proposição é uma unidade de significação, ela é, segun
do Plalão e Aristóteles, um signo de algo, crqpelov. A proposição,
0 Mryoç, não significa apenas algo. Ao contrário, em seu significar,
ela lambem quer dizer algo, sobre o qual ela faz então um enun-
1lado: o giz branco, a coisa mesma, o jTpãypa ou, como também
podemos dizer, o objeto. Portanto, em razão de sua unidade de sig
nificação, que significa algo, a proposição se encontra ao mesmo
Iempo cm conexão com a coisa por ela visada, conexão esta desig
nada por Platão pela primeira vez como conhecimento fundamen-
lal, esse Xóyoç é Xóyoç-uvòç ôqtaópa, discurso, enunciado. Esse
enunciado é enunciado sobre algo e, com efeito, ele o é de modo
essencial e não apenas ocasional. O que e sobre o que versa um
enunciado é em contrapartida variável. No falar reside com isso
um rico contexto relacional, que ainda não exaurimos de maneira
alguma. Pois essa unidade da significação, a unidade do que é pen
sado, é determinada pelo pensamento daquilo que a possibilita. O
pioprio pensar enquanto atividade, enquanto estado tjtáffqpa] re
mei e uma vez mais para a alma ativa.
I )isso decorre uma crescente junção de relação a relação, partin
do da proferiçâo do juízo como posição primordial. Ouvimos que e
cm que medida essa junção é “natural”. No fundo, essa seqüência
lelacional também irá oferecer-se ainda hoje para uma primeira
deierminação. Se todos os elementos da relação estão completa e
62 Introdução à filosofia
V V V V
Relação sujeito-objeto
Com que direito podemos afirmar que esse todo das relações ci
tadas não é determinado em sua totalidade, não é nem mesmo pro-
blematizado? Esse todo de relações é, porém, conquistado se olha
mos o laço que congrega todas as relações que se acham entre os
dois pólos extremos, se conectamos os dois pólos extremos desse
todo de relações, ou seja, alma e coisa, ou, como se diz hoje, sujeito
e objeto. Desse modo, é na relação sujeito-objeto que reside a to
talidade específica desse todo.
Filosofia e ciência 65
Será que existe algo que tenha sido mais freqüentemente dis-
i ululo e problematizado desde o começo da modernidade e parti-
i uliirmente hoje do que a relação sujeito-objeto? E justamente
dessa relação que se originam os dois pontos de vista centrais da
lllosoíia, realismo e idealismo, assim como as suas modalidades e
mediações.
( IcTtamente, tudo isso é incontestável. Mas a questão é saber
se, ao tomarmos conjuntamente os dois pólos extremos, o todo é
lealmente abarcado, se essa totalidade pode ser apreendida a par
iu dos dois pólos extremos e de sua conexão. Uma tal apreensão é,
i oi iludo, impossível - já pelo único fato de que exatamente esses
dois pólos, assim coligados como pólos extremos, surgem sobre o
solo de um ponto de partida que até aqui esqueceu de levar em
i onsideração o todo fundante. Os dois pólos extremos, sujeito e
objclo, eles mesmos o resultado de um ponto de partida não-escla-
11 ’cido e inadequado, não podem reconquistar e determinar a tota
lidade antes indeterminada por meio do fato de eles agora —de que
m.moira for —se acharem interligados.
Precisamos antes dizer, inversamente, o seguinte: justamente o
l.io discutido problema da relação sujeito-objeto com todas as suas
variantes é o indício de que não se foi além do velho ponto de par-
lula da Antiguidade e de que ainda não se tocou o problema cen-
lial Esse problema só pode ser formulado depois que se tiver com
preendido que a questão da relação sujeito-objeto e, com maior ra-
/a<>, Ioda “teoria do conhecimento” repousam sobre o problema da
verdade e não —como reza a opinião usual —o inverso.
Sempre podemos inventar novas teorias para a solução do pro
blema sujeito-objeto. No entanto, essas invenções só têm o méri
to duvidoso de aumentar a confusão e fornecer sempre novas pro
vas de que não se está manifestamente de posse do problema de-
i isivo. Todavia, esse problema não consiste senão na formulação
da pergunta pela essência da verdade, isto é, ao mesmo tempo na
pergunta pelos pressupostos e pelo problema originário da deter
minação essencial da verdade. A “conjuntura” supostamente “nova
66 Introdução à filosofia
Verdade e ser
I )a essên cia originária da verdade co m o desvelam ento
e imediato junto ao próprio giz não foi concebido por nós por meio
de qualquer teoria sobre os enunciados ou sobre a relação sujeito-
objeto, mas essa relação se revelou justamente quando deixamos
de lado todas as teorias e nos lançamos simplesmente em direção
ao que reside na enunciação natural. Questionamos aquilo para o
que o enunciado sobre o giz aponta, conforme a sua opinião pró
pria, conforme a opinião viva no enunciado. Nada de consciência,
alma, ou mesmo apenas representações, imagens de coisas, mas
somente nós mesmos, tal como nos conhecemos, estamos relacio
nados com o giz, nosso ser junto a um ente por si subsistente em
sentido maximamente amplo. Com certeza, essa é uma vez mais
uma constatação deveras trivial. Já se sabia algo desse gênero havia
muito tempo: à v x tK e íp e v a . De fato, algo desse gênero já tinha sido
freqüentemente visto. A dificuldade não está no fato de que tería
mos deixado de ver esse “relacionar-se” com objetos, de que o le
riamos deixado faltar, mas no fato de que sempre tomamos de ma
neira muito aligeirada sua trivialidade - por exemplo, com a argu
mentação habitual que faz com que mesmo o realismo se deixe in
timidar e com isso incorra em equívocos principiais - e de que
passamos rápido demais adiante na busca por explicações. O que
de certa maneira constatamos - o ser junto a... - não conquistou
absolutamente o seu direito e foi logo coberto por teorias.
A dificuldade e o ponto decisivo residem, aqui e em todas as
correspondentes constatações triviais, no sentido de reter também
agora o que é aí constatado, de tal modo que os problemas venham
à tona pela primeira vez a partir do que se mostra inicialmente v
do modo como é mostrado. Acreditamos poder afastar essa trivia
lidade e elevá-la ao nível do conhecimento, precipitando-nos sobre
a questão de saber como a alma pode se relacionar com as coisas,
expondo-nos a toda uma sorte de teorias. E isso se dá de uma ma
neira tal que - para empregar uma analogia —se desenvolve um
sistema terapêutico cuidadosamente elaborado e em si talvez mes
mo valioso, sem que se tenha feito antes qualquer diagnóstico.
Com um gasto descomunal de teorias e argumentos sagazes bus-
Filosofia e ciência 73
tlfiili t niiduz
nos de volta à pergunta peculiar acerca de nós mes-
tlin» ludiivia, isso é inicialmente apenas um a caracterização ante-
i Ipalõiia o genérica do horizonte no qual temos de nos inserir de
•huiH lia queslionadora e que vai se esclarecendo pouco a pouco,
*•■* medida em cpie as questões vão progressivamente se tornando
MIiiIn determinadas.
1'un'm, para <|ue vejamos mais concretamente esse horizonte em
11 Uai estruturas centrais, a fim de podermos esclarecer mais es-
pei titi amenle o ser junto a..., precisamos determinar ainda mais
i uia telamenle o ponto de partida de nosso questionar sobre a pos
sibilidade interna do ser junto a... Mas o que ainda pode ser dito
i|iiatili) a isso?
Iletninemos ao nosso enunciado “Esse giz é branco’’. Essa enun-
i laçiln sobre... é realizada e só é realizável com base no fato de já
nos mantermos junto ao giz. Se realizamos esse enunciado sobre o
gW e, ao fazê-lo, em certa medida o abarcamos com a vista, não
apenas nos mantemos junto a ele, mas também junto a outras coi-
mh Antes de proferirmos o enunciado, não estamos de maneira al
guma ocupados com o giz. Só dirigimos a atenção de nosso olhar
paia o giz no momento em que co-executamos ou acompanhamos
n desmiolar da execução do enunciado proferido.
Assim, resulta daí que nossa permanência junto às coisas pos-
• til i ui tosas modificações, e que essa permanência não implica ne-
i emnii lamente ocupar-se de tais modificações. Nós nos mantemos
iiqui n.i sala, isto é, também nos mantemos junto à porta, junto às
luiiilnaiias, junto ao cabideiro, sem que nos ocupemos com essas
i ninas A ocupação com as coisas constitui, portanto, apenas um
mudo tolalmente determinado do permanecer junto a elas. Se di-
......... . a atenção de nosso olhar para as coisas, ou seja, se em
melo ao enunciado sobre o giz dirigimos a atenção de nosso olhar
paia a <oisa mesma, então podemos apreender nessa coisa a deter
minada propriedade de ela ser branca; nessa atenção do olhar para
a i nha experimentamos ao mesmo tempo que essa coisa, que so-
nn 111 e agora apreendemos expressamente, já era antes por si sub-
78 Introdução à filosofia
Mu* será que com essa enumeração conquistamos algo por mais
luliiliuu que seja para a aclaração do ser junto a... e, por conseguin
te, ili* nosso comportamento em relação às coisas? Certamente
qui', no aspecto específico, a adequada ocupação com o giz ou o
"Ui lever no quadro-negro pode ser algo diverso do modo como eu
lido i oui um gorro, que apenas coloco ou tiro da cabeça. Depreen
demos daí que há um modo determinado de trato com essas coi
sas de uso ao lidarmos com elas. No entanto, ainda não esgotamos
lildo o que há no fato de que não é apenas esse giz sobre o qual fa
li mos expressamente um enunciado que subsiste por si, mas mui
tas oi il ias coisas. As coisas, porém, não subsistem por si para nós
• oitto em um ferro-velho ou em um brechó, onde se acham enfi-
li liadas em uma confusão desordenada. Em verdade, o giz talvez
"s|e|a ao lado do apagador e os dois ao lado do quadro-negro. To
davia, esse estar um ao lado do outro é um estar próximo um do
iiiilio lolalmente determinado. Esse é co-determinado pelo con-
|i ildo objetivo, pelo que e pelo modo como as coisas são. O giz ser
ve para escrever sobre o quadro-negro, o apagador, para apagar o
que loi escrito. Essas coisas não subsistem por si lado a lado jun-
lo i oui várias outras apenas sob o ponto de vista espacial, mas es-
lito xiluadas em um contexto de serventia para... No meio desse
i oulexio, elas travam entre si relações específicas. Para as coisas,
pui su.i vez, esse contexto é algo anterior que já subjaz fundamen-
liilinenle a elas. O fato de ter essa conjuntura composta pelo giz,
pi lo apagador, pelo quadro-negro determina-se no todo porque aqui
nessa sala faz-se uso da oportunidade para escrever, um escrever
que serve para comunicar de maneira mais determinada aquilo
■1111' esla sendo exposto, ou seja, aquilo que está em conexão com
Hplijeção.
i nul udo, essa sala já está de antemão determinada no todo por
essa tarefa: uma totalidade de relações conjunturais perpassa e do-
iiilna a multiplicidade das coisas que aqui subsistem por si, bem
i moo o modo aparentemente óbvio com que todas essas coisas
subsistem aqui por si —um modo a que inicialmente não damos
80 Introdução à filosofia
a) Subsistir-por-si-conjuntamente —ser-um-com-o-outro
zar, mas sim pelo que precisa ser possível para que algo diverso
seja possibilitado. Para que uma apreensão mútua em geral seja
possível como tal, é preciso antes que o um-ser-um-com-o-outro
seja possível. Somente em razão dessa possibilidade do um-com-o-
outro há a possibilidade secundária da apreensão mútua entre ser-
aí e ser-aí.
De qualquer modo, já vimos em um outro contexto como toda
apreensão pressupõe a manifestação. Naquele momento o que es
tava em questão era a apreensão do ente por si subsistente, agora
o que está em jogo é a apreensão do ser-aí. O ser-aí já precisa ser
antes manifesto para o ser-aí, para que seja possível a apreensão
mútua. Esse ser-manifesto-um-para-o-outro referente aos seres-aí
toca a essência do um-com-o-outro ou será que ele não pertence
essencialmente ao ser-um-com-o-outro? Em todo caso precisamos
tentar discutir o um-com-o-outro a partir da orientação por esse
ser-manifesto-um-para-o-outro.
Se o ser-manifesto-um-para-o-outro não equivale à apreensão
mútua, então todos os modos de apreensão mostram-se desde o
princípio insuficientes para o esclarecimento do um-com-o-outro.
Ser-manifesto-um-para-o-outro não consiste, portanto, em que eu
conheça o outro - e inversamente que o outro me conheça - em
sua assim chamada vida interior, em que eu saiba o que está ocor
rendo em sua interioridade, que tipo de disposições, peculiarida
des e manias ele tem; tampouco consiste, por conseguinte, na
apreensão de sua constituição externa ou de seu comportamento.
Se o ser-manifesto-um-para-o-outro deve conter uma indicação da
essência do um-com-o-outro, então nós a encontraremos por lim
lá onde constatamos um um-com-o-outro; por exemplo, em meio
ao arrebatamento exercido pela vista da montanha sobre os dois
viandantes. Aqui vigoram exatamente uma não-apreensão-mútua
e, não obstante, um com-o-outro peculiar. O “com” aponta nesse
contexto para compartilhamento. O que é compartilhado reside
aqui no fato de que um é tão arrebatado quanto o outro, de que
algo vale igualmente para os dois. Assim como um se comporta, <>
Filosofia e ciência 93
c) Mesmidade
t> nrlr mesmo enquanto essa coisa de uso, ele é o seu modo de ser.
N......deixamos íicar, nós o deixamos ser assim como ele é e o que
ele i' Nosso ser junto ao giz é algo assim como um deixar-ser o giz.
I ielxamos esse ente ser, não tiramos nada dele e não damos
liada a ele. Não o repelimos para longe de nós nem o atraímos para
p e i i o de nós; entregamos esse ente a si mesmo e justamente nes-
Hii entrega sucede ao giz ser o que e como ele é como esse giz.
f) Do deixar-ser as coisas
nosso ser junto a..., ele é desvelado. Portanto, a verdade é algo que
advém ao giz e, contudo, não pertence à consistência por si sub
sistente de suas propriedades qua giz.
É nesse desvelamento do giz que o giz se mostra nele mesmo
como essa coisa de uso, que ele se maniíesta como o ente que ele
é. Com isso, não é senão por intermédio do desvelamento (verda
de) que deixamos justamente esse ente enquanto ele mesmo ser o
que e como ele é.
Percebemos agora, porém, que esse deixar-ser as coisas se en
contra em uma relação de condição com o ter parte no ente. Dei-
xar-ser só acontece e só pode mesmo acontecer de um modo tal
que se torne manifesto para nós, ou seja, que se mostre como ver
dadeiro aquilo que deixamos ser-aí. Deixar-ser encontra-se em
uma relação de condição com a verdade. Mais além, essa verdade
(desvelamento) é algo “no ente”, algo que lhe advém, mas, não obs
tante, não o altera. Quando o giz é desvelado, quando ele é mani
festo como o ente que é, nada ocorre nele, não entra em cena nele
nenhum processo natural, e, todavia, acontece algo com ele: ele
entra em uma história.
Nós perguntamos por uma participação no ente, participação
essa em que partilhamos algo entre nós que advém ao ente, sem
que no ente algo acabe por se perder ou seja alterado. O que par
tilhamos entre nós nesse curioso tomar parte no ente? Partilha
mos entre nós o seu desvelamento, a sua verdade. Somente por
quanto partilhamos entre nós o desvelamento do ente podemos
deixar o ente ser assim como ele se manifesta. E, se partilhamos
entre nós o desvelamento, algo que não constitui um pedaço do
giz e não poderia se mostrar jamais como o objeto de uma mera
posse se nos torna compartilhado. O desvelamento tampouco é
uma propriedade por si subsistente do giz, tal como, por exem
plo, a sua cor branca, uma propriedade que poderia ser dissocia
da do giz.
Filosofia e ciência 111
a... por meio do fato de o ente por si subsistente ser desvelado. As
sim, o que a tese por fim defende é o seguinte: o que partilhamos'
é a verdade sobre o ente, seu desvelamento, de modo que surge o;
problema de determinar mais exatamente em que medida partilha
mos entre nós, no um-com-o-outro, a verdade sobre as coisas, e
como é possível um compartilhamento da verdade, do desvela
mento do ente por si subsistente.
Tentando cumprir a tarefa de caracterizar um certo modo de ser
e, com efeito, abstraindo-nos do problema da verdade, deparamo-
nos com a verdade. Ao ser-uns-com-os-outros, à estrutura desse
ser, à estrutura da maneira como o ser-aí é em relação ao ser-aí per
tence a verdade, se é que ser-um-com-o-outro quer dizer: compar
tilhamento da verdade.
0 que significa isso? Ao “ser” desse ente que denominamos ser-
aí e que nós mesmos somos pertence a verdade. O que é sua es
sência? Somente quando essa essência estiver clarificada o “ser”
do ser-aí também o estará. Sem nos darmos conta, a pergunta acer
ca do modo de ser de um ente transformou-se na pergunta acerca
da essência da verdade. Pois, somente se ficar claro o que é a es
sência da verdade, tornar-se-á apreensível o compartilhamento da
verdade; e isso significa: o ser-um-com-o-outro como modo de ser
do ser-aí. Discutimos a essência da verdade com o intuito de ca
racterizar o modo de ser do ser-aí em contraposição ao modo de ser
do ente por si subsistente. Agora temos necessariamente de carac
terizar a verdade com o intuito de uma clarificação de um modo de
ser específico: temos de discutir o fato de precisarmos caracterizar
justamente dessa maneira a verdade como algo pertencente ao ser
do próprio ser-aí. Esse não é um fato qualquer, mas é algo que já
aponta de antemão para uma determinação essencial da verdade
em geral: para o fato de que seu lugar não é a proposição, mas o
ser-aí (ou mesmo o inverso)1. Daí já extraímos uma intelecção to-
6 A sentença acima contém uma homofonia entre os verbos ser e comer em ale
mão que não tem como ser traduzida de maneira similar para o português: Der
Mensch ist, was er isst. (N. do T.)
Filosofia e ciência 157
pode ser traduzido pela conjunção integrante “que". Nesse contexto, ele indica o
fato de ser. Exatamente essa é a opção utilizada por Heidegger. O homem é a me
dida do fato de que as coisas são e do fato de que elas não são. (N. do T.)
166 Introdução à filosofia
cia, diante do ente; e de um tal modo que ele —como ente essen
cialmente descerrado - pode se guiar pela primeira vez pelo que
necessariamente se tornou manifesto com o descerramento de seu
aí. Somente se o ser-aí como um ente descerradamente descobri
dor puder se guiar pelo ente, ele poderá construir adequadamente
enunciados sobre o ente. A partir dessa clarificação da essência
originária da verdade, fica evidente algo que é originariamente dis
tinto dessa construção de enunciados: o descerramento do aí —as
sim como fica evidente que e como a verdade enunciativa se fun
da nesse descerramento. O enunciado sobre... é viabilizado pelo
ser junto ao ente por si subsistente, descobridor do ente por si sub
sistente, pelo ser-aí descerrado como um ente enunciador. A per
tinência essencial da verdade qua desvelamento ao ser-aí garante
uma possível objetividade da verdade. Não há dúvida de que há
uma relatividade da verdade e, com efeito, uma relatividade mui
to essencial. Todavia, essa relatividade não coloca em risco a obje
tividade, mas, ao contrário, viabiliza justamente a riqueza e a mul
tiplicidade da verdade objetiva.
Somente porque é essencialmente na verdade, o ser-aí pode
construir enunciados sobre os entes. O lugar da verdade não é a
proposição, mas ao contrário: a proposição tem seu lugar, sua pos
sibilidade interna na “verdade” qua desvelamento do aí. Não é a
proposição que é o lugar da verdade, mas sim a verdade que é o lu
gar da proposição. O “lugar” é aquilo por meio do que a possibili
dade interna de algo é determinada. Daí resulta a recondução do
conceito tradicional de verdade, de verdade proposicional, ao des
velamento originário do ser-aí que denominamos sinteticamente o
descerramento.
Teremos a comprovação de que as coisas se dão dessa forma se
e na medida em que conseguirmos delimitar o conceito de ciência
a partir da determinação essencial da verdade que conquistamos.
Essa interpretação da essência da ciência precisa se dar de um
modo tal que ela nos auxilie a compreender realmente as questões
obscuras que se escondem em meio à crise da ciência tal como a
Filosofia e ciência 167
seja, em uma livre construção das ciências que são necessárias se
gundo sua essência —, tampouco pode estar aqui em jogo uma dis
cussão de todas as questões concretas que se impõem em meio à
crise das ciências. Em consideração a essas questões, contudo, o
decisivo precisa vir à luz, e, com efeito, porque, com a comprova
ção do caráter essencial da existência, intrínseco à ciência em ge
ral, uma série de perguntas que se costumam colocar quanto à re
lação do indivíduo com a ciência resolve-se por si mesma.
c) Verdade científica
6 Hermann Díeis. Die Fragmente der Vorsokratiker, grego e alemão, voi. I, 4.“ ed.,
Berlim, 1922, p. 382. Cf. mais além os relatos sobre Anaxágoras (vida e doutrina).
Loc. cit. pp. 375 ss.
7 Alexandros Aphrodisias, em Aristóteles, Analytica priora I, ed. Wallies, pp.
3, 20.
Filosofia e ciência 181
111 Tomás de Aquino, Scriptum super libros sententiarum magistri Petri Lom-
bardi episcopi Parisiensis (1253-1255). 4. sent., dist. 15, quaest. 4, art. 1, solutio 2,
ad primum.
11 Ou traduzindo diretamente do latim de maneira diversa da proposta por
Heidegger: Por vezes, contemplação pode ser entendida em sentido estrito como
o ato do entendimento que medita sobre as coisas divinas. Nesse caso, a contem
plação é um ato de sabedoria ou um ato da sabedoria. Outras vezes, considera-se
contemplação todo ato com o qual alguém, apartando-se dos negócios exteriores,
se dedica somente a Deus. Isso pode acontecer de duas maneiras: ou bem na me
dida em que o homem escuta Deus falando nas Escrituras, o que acontece por
meio da leitura, ou na medida em que se fala a Deus, o que acontece por meio
da oração. (N. do T.)
Filosofia e ciência 183
[1. KmT amó.ç, 2. 56 êxepa.] m í)’ abxàç 5’ eícriv aípexai àqf rov
pqSèv erctÇqxeixai Ttapà xqv evépyeiav [A felicidade deve ser antes
considerada como uma atividade, e, no que diz respeito às ativida
des, umas são escolhidas por si mesmas, e outras por causa de ou
tras. Por si mesmas são escolhidas aquelas que não visam a outra
coisa senão ao exercício da própria atividade].
K 7: eúôatpovía rax àpexq v èvé.pyeia, aAoyov Kaxàxqv Kpaxíaxqv
[Se a felicidade é uma atividade conforme à virtude, então é razoá
vel dizer que ela é conforme à virtude mais excelente —1177 a 12 s.].
KpaxÍCTTq xe yòcp afrxq éaxív q évépyeta... [ifeoopqxiKq ]... ò voüç xcõv
évqpiv... Ttepí a ò voõç [Pois essa atividade teórica é a mais exce
lente... O pensamento é mesmo o mais excelente em nós... assim
como os objetos do pensam ento- 1177a 19 ss.]. ifelovò voüçtrpòç
xòv avüpamov (Em comparação ao homem, o pensamento é algo
divino —1177b 30). A postura teórica fundamental é aquela rrpà^iç
na qual o homem pode ser propriamente homem. Com certeza é
preciso atentar para o fato de a Oecopía não ser apenas uma rcpãípç
em geral, mas a rtpaçiç mais própria.
E possível que Aristóteles tenha pressentido aqui a existência
de algo à primeira vista incompatível, a ■ôeropía como aptcrxoç
píoç e esse rtpccKxiKÓç Na Metafísica A 1 e 2, Aristóteles expõe
detalhadamente como a postura teórica vai se formando por meio
da abstração cada vez maior da utilidade e do emprego “práticos”,
até não ter por meta outra coisa senão a consideração do ente nele
mesmo, pf) npòç xPhmv (não por utilidade). Como é então que a
Vecopía ainda pode ser denominada prática? Todavia, não seria
preciso que ela fosse prática se o aptoxoç píoç éò TtpaKXiKÓç? Aris
tóteles responde a essa objeção de maneira totalmente unívoca na
Política H (VII) 3, 1325b 16: áÀÀà xòv 7tpaKxiKÒv oÒKàvayraiov
eivai tcpòç exépouç ícaíiárop oívovxai xiveç, oòSè xàç ôtavoíaç eivai
póvaç xaóxaç TtpaKxiKcxç, xàç xròvàTcopatvóvxrov %ápiv ytvopévaç
k,K xau ícpáxxeiv. áÀ.Àà rco/tò pãXÀov xáç abxoxe/xiç Kai xáç anxcbv
eveKev riecopuxç Kai Stavoqaeiç' q yàp eiOTpaçía xéXoç, tòcrxe Kai
Filosofia e ciência 187
obra14 uma vez que esse próprio pôr em obra qua tvèpytia é o pró
prio téXoç.
Assim, fica claro que a contemplação pensante é também um
agir. Mas por que justamente a frecopía deve ser o píoç supremo, a
eújtpa^ía pura e simplesmente? Em que medida, então, o Oeropelv,
a postura teórica é a jtpãÇtç mais elevada, o agir propriamente dito?
De início poder-se-ia dizer que toda contemplação é contemplação
de algo, de um ente. Portanto, esse agir também depende daquilo
com o que ele se relaciona. Ouvimos, além disso, que o àya-dóv
cucpÓTotov deveria permanecer supostamente estável. Todavia, o
ente muda, surge e perece, de modo que não oferece, sem maio
res problemas, um bem estável. Como é que Aristóteles responde
ria a isso? Certamente, o "becopElv se relaciona com os x à dvra. No
entanto, a única coisa que é em sentido próprio é aquela que nun
ca deixa de ser, que sendo é sempre, Ó e í bv. Somente na medida
em que a contemplação pura se dirige para o que é sempre ela pode
conferir a si própria, enquanto se detiver junto àquilo que perma
nece, o caráter da presença constante.
Contudo, está claro que apenas se mostrou com mais ênfase que
a i&Eoopía como Jípcdjiç depende do EXEpov, do outro. Em que me
dida ela pode ser então avcoTEXrjç e, somente em razão desse cará
ter, chegar a se mostrar como um oLkelov (XYccdòv ávffpcímoTj [um
bem próprio do homem]? Em que medida a ■ÔEtopía é uma Jtpãíjtç
(xijoteX.Í|ç, uma jtpãÇiç dirigida para o ente, mas que, não obstante,
possui o téXoç no seu ser-aí, uma jxpãÇiç que possui a consumação
em si justamente ao estar dirigida para o ente, para fora de si, para
fora da ação? Precisamente a essência da ação, para que essa ação
mesma possa se mostrar como xá^oç, não precisa ser apreendida
nesse processo. Todavia, os objetos são efetivamente exEpov.
Será que esse “só” da expressão “só fixar o olhar” significa que
não arranjamos mais uma serventia para as coisas e nos abstemos
da lida prática? O ente com o qual lidamos não se torna já nele
mesmo manifesto de modo característico simplesmente porque
nos abstemos de manipulá-lo? Ao contrário, o não fazer nada en
quanto abster-se de uma ocupação talvez torne as coisas muito
mais manifestas justamente naquele aspecto, segundo o qual elas
precisam ser resolvidas, isto é, enquanto tais objetos que requerem
um processamento específico.
O “só fixar o olhar” nas coisas tal como elas são nelas mesmas
não é de maneira alguma idêntico ao mero não fazer nada. O “só”
não designa de modo algum algo a menos ou uma restrição, ou,
ainda, algo negativo, mas algo eminentemente positivo. Limitar-
se a fixar o olhar significa unicamente transpor-se para o lugar em
que as coisas se oferecem nelas mesmas. Com isso se está expres
sando ao mesmo tempo o fato de as coisas não fazerem absoluta
mente por si mesmas algo desse gênero, por mais solidamente
que elas possam subsistir por si. E preciso que lhes sejà propicia
da a ocasião para que elas se manifestem como os entes que são.
Essa é a ação primordial. A contemplação detida junto às coisas
não se confunde de forma alguma com um não fazer nada; mas
carece-se certamente de ócio para desenvolver essa atividade em
sentido extremo.
Mas o que significa dizer que precisamos ajudar as coisas a se
tornarem manifestas? Se o ente deve se mostrar nele mesmo, en
tão não podemos nos meter no processo de sua aparição; não po
demos alterar nada no ente, mas devemos justamente nos retrair
para que ele, o ente, possa se tornar manifesto a partir dele mes
mo. Justamente agora a única coisa que importa é que deixemos o
ente ser como ele é e o tomemos assim como ele se dá.
Portanto, reside no agir científico uma atividade que possui o
caráter do retrair-se diante do ente. Precisamente essa curiosa ati-
Filosofia e ciência 197
<• t|iio significa aqui apreender algo assim como o ser? E mais:
»• que significa apreender previamente o ser? Como é que isso
pude viabilizar justamente a apreensão do ente e, o que diz o mes
mo, a manifestação do ente?
I )c início parece uma estranha exigência apreender o ser do
• nlc Ente - certamente algo que conhecemos; sim, a todo mo-
mchio nós nos comportamos em relação a entes de múltiplos ti
pos Pm isso, podemos indicar facilmente e com segurança um
I nlc, dando provas do que temos em vista com esse termo. Entes
Hin I asas, homens, árvores, sol, terra: coisas em relação às quais
podemos construir representações. Todavia, o ser —o que devemos
pensai nesse caso? O ser diferencia-se manifestamente do ente e
iiiio ó d e mesmo nada ôntico; pois senão também precisaríamos
designa lo como um ente. “Ser” - se formos totalmente sinceros e
n io nos deixarmos enredar em ilusões, então precisaremos confes-
■•II que não estamos em condições de pensar nada sob esse termo,
'o I ele se parece de fato com o nada, se é que não deve ser um
• nlc ( ) não-ente é o nada. O ser seria, então, o nada. Hegel não
dl/ nada menos que isso em sua Wissenschaft der Logik, em sua
na lale.ii a ser e nada são o mesmo1 .
guram uma maçaneta, e se eles realizam algo assim como abrir uma
porta. Com isso, falamos como se o cachorro realizasse o mesmo
que nós. No entanto, não se tem presente o menor critério para
afirmar que o cachorro usa de fato uma maçaneta; sim, ainda mais,
não há o menor critério para dizer nesse caso que ele se comporta
em relação ao ente, por mais que ele se relacione a algo que co
nhecemos como um ente.
Nunca conseguiriamos reconhecer e utilizar uma coisa que fun-
dadamente denominamos uma faca como uma faca, como uma
coisa para cortar, se não compreendêssemos essa coisa como algo
do gênero de uma coisa para..., um utensílio para cortar. Não
aprendemos o que é um utensílio por meio da utilização de uma
faca, de um utensílio para escrever ou para costurar, mas, inversa
mente, só podemos nos deparar com entes desse gênero porque e
na medida em que compreendemos algo assim como um utensílio.
Compreendemos isso de antemão, nós já trazemos conosco uma
tal compreensão e somente por isso podemos aprender a lidar com
um utensílio dessa espécie. Compreendemos previamente algo as
sim como um utensílio e como um ser-à-mão, c, contudo, estamos
muito longe de poder dizer o que significa um utensílio como tal,
de poder dizer como ele deve ser concebido. Compreensão de ser
ainda não é concepção do ser. No comportamento em relação ao
ente, não importa de que tipo seja, movemo-nos em uma com
preensão prévia de ser e, em verdade, em uma compreensão de ser
pré-conceitual.
Visto que também em um comportamento não-científico em re
lação ao ente já nos movemos em uma compreensão prévia de ser
desse ente, não notamos de início e por muito tempo de maneira
alguma o que no fundo sucede quando nós, em vez de utilizarmos
coisas de uso, passamos a investigar corpos materiais em vista de
seus contextos de movimento e de suas leis. Não notamos que se
realizou uma mudança da compreensão prévia de ser. Parece antes
que justamente o ente se tornou diverso. Sim, mesmo aqueles pes
quisadores que são os primeiros a fundamentar uma ciência e a co-
Filosofia e ciência 207
\go ia , porém, é importante ver que com esse projeto não ape-
.............s e i do ente é determinado de antemão de maneira diversa,
in,i'. que, nesse e com esse projeto do ser, é delimitado e demarca-
......... campo ôntico. Pois, com isso, é decidido desde o princípio
ii <1111 pertence ao campo denominado natureza, ainda que todo
. mu' i .impo não seja faticamente mensurado de antemão ou mes-
11111 apenas conhecido. O projeto prévio não-objetivo da constitui-
ii, in de ser é um projeto que demarca um campo.
210 Introdução à filosofia
fica do que uma ciência jamais pode ser. É por isso que o adendo
“científico” para a filosofia não é apenas supérfluo - o que pode
ríamos ainda aceitar —, mas também conduz a erro; e, em verdade,
tal erro surge de uma falta de clareza fundamental quanto à essên
cia da ciência e, com maior razão, quanto à essência da filosofia.
Filosofia é transcender, isto é, filosofar. Os senhores podem
comprovar o quão amplamente compreenderam esse estado de coi
sas a partir de uma tentativa de reconhecer por meio da interpreta
ção aqui realizada da essência da ciência em que medida a crise tri
pla da ciência é uma crise necessária, assim como o fato de essa cri
se se acentuar em sentido autêntico justamente no filosofar, isto é,
de ela se tornar uma crise essencial que, por isso, também não pode
se transformar em objeto de discussões jornalísticas.
Por certo, quanto mais seriamente nos empenhamos pelo filo
sofar, tanto mais se evidencia que o filosofar, apesar de acontecer
na essência do ser-aí, sim, exatamente porque ele acontece aí e so
mente aí, carece de uma libertação e de uma condução próprias,
de uma libertação junto à qual o ser-aí precisa usar de violência
contra si mesmo. Toda violência, porém, encerra dor em si. E não
se pode falar sobre o que é compreendido [?] e concebido no filo
sofar como se fala de todas as outras coisas, a saber, como se fala
sobre as coisas que se pode aprender e dominar junto ao ente. Pla
tão conhecia muito bem tudo aquilo que a filosofia traz consigo
como um direcionamento do olhar para o ser mesmo, tendo apre
sentado isso com freqüência. Podemos acompanhar uma tal apresen
tação, levada a termo segundo vários aspectos, sobretudo no Fédon,
no Fedro, na Apologia, na República e na carta 7.
Fedro (247b): A elevação da alma para a visualização do ser traz
kóvoçte Kcci àytóv, fadiga e luta da alma7; Fédon (79d, 81a): jrXávoç,
a odisséia da alma8. Na carta 7 (341c), que ele escreveu na velhice,
encontramos a seguinte formulação: pexòv yàp oúôaprôç ècmvíbç
9 Idem, Tomus V.
Filosofia e ciência 237
10 Max Scheler. “Probleme einer Soziologie des Wissens”. In: Versuche zu einer
Soziologie des Wissens, org. por Max Scheler. Munique, 1924. Versão revista em
Max Scheler. Die Wissensformen uni die Gesellschaft, Leipzig, 1926.
242 Introdução à filosofia