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AS IDEIAS PRÉVIAS NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM

HISTÓRICA: DISCUSSÕES SOBRE GÊNERO EM ÂMBITO ESCOLAR


Ana Paula Rodrigues Carvalho 15

RESUMO: Este trabalho busca debater acerca da importância das ideias prévias no
processo de aprendizagem para a formação de sujeitos autônomos, críticos e aptos ao
convívio democrático, pensando sobre tudo as relações de gênero. Buscar
compreender quais as ideias históricas de jovens alunos à respeito das relações de
gênero, remete à perspectiva na qual o aluno participa de forma ativa do processo de
aprendizagem. A escola, enquanto local de debate e aprendizagem, mas também
como ambiente em que permeiam as relações de sexualidade e de gênero aparece
como espaço essencial para o debate e a desconstrução de concepções estereotipadas
e preconceituosas. As ideias prévias, sobre qualquer temática, são frutos da vivência
familiar, social, afetiva, entre outras e está intrinsecamente ligada a subjetividade de
quem aprende, fazendo assim parte da sua identidade. O processo que leva ao
reconhecimento respeitoso do outro é acompanhado por uma modificação subjetiva
de quem aprende. Para que a aprendizagem atinja tais resultados não é possível
ignorar as convicções de que o aluno é portador.
Palavras–chave: Ideias prévias; Aprendizagem histórica; Gênero

RESUMEN: Este trabajo busca debatir sobre la importancia de las ideas previas en el
proceso de aprendizaje para la formación de sujetos autónomos, críticos y aptos para
la convivencia democrática, pensando sobre todo las relaciones de género. Buscar
comprender qué ideas históricas de jóvenes alumnos acerca de las relaciones de
género, remite a la perspectiva en la que el alumno participa de forma activa del
proceso de aprendizaje. La escuela, como lugar de debate y aprendizaje, pero también
como ambiente en que permean las relaciones de sexualidad y de género aparece
como espacio esencial para el debate y la deconstrucción de concepciones
estereotipadas y preconcebidas. Las ideas previas, sobre cualquier temática, son fruto
de la vivencia familiar, social, afectiva, entre otras y está intrínsecamente ligada a la
subjetividad de quien aprende, haciendo así parte de su identidad. El proceso que lleva
al reconocimiento respetuoso del otro es acompañado por una modificación subjetiva
de quien aprende. Para que el aprendizaje alcance tales resultados no es posible
ignorar las convicciones de que el alumno es portador.
Palabras clave: Ideas previas; Aprendizaje histórico; género
Introdução
Este trabalho busca debater acerca da importância das ideias prévias no
processo de aprendizagem para a formação de sujeitos autônomos, 16
críticos e aptos ao convívio democrático, pensando principalmente nas
relações de gênero. As transformações pela qual passou o ensino de
história no Brasil, sobretudo no que diz respeito ao processo de
aprendizagem em história, deu início a uma nova forma de lidar com os
saberes que são mobilizados em sala de aula.

A década de 1980 foi prolífica quanto à elaboração de novas propostas de


como ensinar. Segundo Selva Fonseca (1993, p.90), nesse momento
“professores e alunos superam a condição de meros expectadores,
receptáculos de um saber produzido em outras esferas e assumem o
trabalho pedagógico como reflexão, como pesquisa”. As novas propostas
buscavam superar a ideia de que seria possível alcançar meios
satisfatórios de aprendizagem graças a elaboração de métodos eficientes
e de professores capazes de transmiti-los em sala de aula. Nessa
perspectiva de ensino, acreditava-se que o professor dotado de um bom
método era suficiente para fazer com que os alunos aprendessem História
e, portanto, a ênfase era na “formação de um professor qualificado,
competente, que domine conteúdos, metodologias e que saiba fazer”
(FONSECA; ZAMBONI, 2008, p.116). Essa concepção de ensino percebia o
professor como figura que deveria dominar conteúdos e técnicas eficazes
de ensino, sendo considerado apenas como “um instrumento de
transmissão de saberes produzidos por outros” (MONTEIRO, 2007, p.13).
A partir desse ponto de vista o papel dos alunos era limitado a “condição
de receptáculos de informações, conteúdos, currículos, livros e materiais
didáticos” (SCHMIDT, 2008, p.56). Os alunos não eram percebidos como
portadores de ideias históricas e, portanto não assumiam posição ativa na
construção do saber em sala de aula.

De acordo com esta perspectiva de aprendizagem os bons alunos eram


aqueles capazes de absorver passivamente o que era dito em sala pelo
professor. Todavia, esta visão foi superada e a sala de aula não é mais
considerada “apenas um espaço onde se transmite informações, mas
onde uma relação de interlocutores constroem sentidos” (SCHIMDT, 2008, 17
p.57). Como afirma Katia Abud, “o sistema educativo não vulgariza,
simplesmente, as ciências de referência das disciplinas, mas produz ele
mesmo, um saber próprio: o saber escolar” (ABUD, 1999, p.149). De
acordo com os debates recentes em torno do ensino, a sala de aula é vista
como um local de produção de conhecimento. O saber deixa de ser visto
como algo alheio à realidade escolar e propalado de forma simplificada
visando à transmissão de um conhecimento pronto e acabado, uma vez
que os professores e alunos passam a ser considerados sujeitos no
processo de aprendizagem.

Atualmente as pesquisas que se debruçam sobre o ensino de História se


voltam para os alunos, considerando suas aptidões, interesses e limitações
como fundamentais para a aprendizagem histórica. Por aprendizado
histórico entende-se “o processo mental de construção de sentido sobre a
experiência do tempo através da narrativa histórica, na qual as
competências para tal narrativa surgem e desenvolvem” (SCHMIDT, 2010,
p.43). Dentro desta proposta, a eficácia da aprendizagem histórica ocorre
quando o aluno é capaz de vincular a experiência do tempo a sua própria
subjetividade, dotando-a de significância e usos para sua vida prática.

A partir dos desdobramentos dessa nova forma de conceber o ensino,


surgiram campos de pesquisas preocupados em investigar a escola e os
seus sujeitos enquanto produtores de conhecimento. Um destes campos é
o da Educação Histórica, que consiste em uma “área de investigação
centrada nas questões relacionadas à cognição e metacognição histórica,
tendo como fundamento principal a própria epistemologia da História.”
(CAINELLI; OLIVEIRA, 2011, p.127). Ao contrário das teorias generalistas
sobre o processo de aprendizagem, a Educação Histórica tem como base
teórica a própria racionalidade histórica.
Buscar compreender quais as ideias históricas de jovens alunos à respeito
das relações de gênero, diversidade cultural ou qualquer outro tema,
remete à perspectiva na qual o aluno participa de forma ativa do processo 18
de aprendizagem. Parte-se do pressuposto que o indivíduo

 [...] tanto nos aspectos cognitivos e sociais do comportamento


como nos afetivos – não é um mero produto do ambiente nem um
simples resultado de suas disposições internas, mas, sim, uma
construção própria que vai se produzindo, dia a dia, como resultado
da interação entre esses dois fatores. (CARRETERO, 1997, p.10).

O conhecimento é uma construção do indivíduo resultante da mobilização


de fatores internos (inteligência, experiência) e de fatores externos
(interação social). A aprendizagem, segundo esta perspectiva, é “um
processo ativo no qual o aluno compara, expande, restaura e interpreta o
conhecimento, recorrendo à experiência e à informação que a todo o
momento recebe” (GAGO, 20121, p. 24). Além disso, segundo Driver
(1988, p.111),

 Lo que se aprende no depende, pues, solamente de las


características de la situación presentada (sea el texto de un libro o
un fenómeno físico), sino de los «esquemas» que tiene disponibles
el que aprende. En otras palabras, el proceso de aprendizaje es una
interacción entre los esquemas mentales del que aprende y
características del medio de aprendizaje.

A interação constante entre os esquemas que o sujeito possui e a


realidade que vive faz com que estes esquemas estejam em constante
transformação, tornando-os cada vez mais complexos e sofisticados. É
importante ressaltar, no entanto, que a base para a transformação destes
esquemas são as próprias ideias prévias ou representações iniciais que se
tinha sobre a nova informação, já que é a partir da interação do novo com
os esquemas mentais já presentes que o conhecimento é construído.
Desta forma, o aluno e o conhecimento que ele dispõe, ou seja, suas
ideias prévias, tornam-se elementos centrais para o desenvolvimento de
um pensamento histórico mais elaborado. 19

Conforme Gago (20121, p.26), a ideia prévia é “aquela que o aluno dispõe
no seu sistema cognitivo para explicar determinado fenómeno ou
conceito. Esta ideia resulta da sua experiência e vivência pessoal própria e
individual, face a determinada realidade ou problema”. As diferentes
esferas de sociabilidade do aluno (família e meios de comunicação, por
exemplo) contribuem para formação do seu conhecimento histórico e
portanto não devem ser ignorados em sala de aula. Segundo Barca (2001,
p.15), tratam-se de saberes advindos da experiência e cultivados pela
memória, que amparam construções identitárias e fomentam
determinadas atitudes e posicionamentos. A escola perde a exclusividade
de locus de aprendizagem e as representações de mundo que os alunos
dispõem adquirem centralidade em sala de aula.

Mapear as representações e ideias históricas dos alunos tendo em vista o


desenvolvimento de um pensamento histórico mais elaborado está
diretamente ligado a um dos principais objetivos do ensino de história: a
formação de sujeitos críticos e autônomos. É necessário que os alunos
pensem a história “não como um repertório de datas e factos há muito
sucedidos, mas como uma arma para compreender o mundo, situar-se e
intervir nele” (GAGO, 2012, p.62).

Gênero em sala de aula


A partir desta perspectiva de aprendizagem histórica, pretende-se aqui
afirmar a relevância das discussões de gênero em sala de aula, tendo em
vista o objetivo do ensino de história com a formação de identidades
abertas e aptas para o convívio democrático em uma sociedade
globalizada e pautada pela diversidade cultural.
Para se entender como a produção das desigualdades de gênero ocorre é
necessário compreender quais mecanismo engendram este processo.
Desta forma, a contribuição dos movimentos feministas e das pesquisas 20
realizadas em âmbito acadêmico são essenciais para a análise, a
identificação e a desconstrução destes mecanismos de exclusão e
desigualdade.

Segundo Joan Scott (1995), o conceito de gênero, enquanto categoria


histórica e sociocultural, passou a ser utilizado pelos movimentos
feministas estadunidenses como forma de ressaltar as construções sociais
que permeiam as diferenças baseadas no sexo. De acordo com a autora, o
conceito de gênero pode ser pensado a partir de algumas chaves de
análise. A primeira diz respeito aos modelos que a sociedade fornece
sobre o que significa ser uma mulher ou um homem, adequados ou não.
Na segunda, a autora afirma que “o gênero é uma forma primária de dar
significado às relações de poder” (SCOTT, 1995, p.86). A terceira aponta
para entender como as instituições sociais são responsáveis pela
reiteração do modelo binário do gênero e a quarta diz respeito as
identidades subjetivas, ou seja, as imposições de gênero não são
apropriadas da mesma forma, pois além da sexualidade outras categorias
devem ser incluídas, como raça, religião, classe social entre outras.

É preciso esclarecer que não há um consenso sobre a categoria de gênero.


No entanto, todos concordam que se trata de uma construção histórica,
social e cultural. Como apontado por Ana Maria Marques, os estudos de
gênero apresentam três correntes teóricas distintas:

 A do universalismo, baseada no universal Homem, uno, em cujo


sujeito está contido a mulher; a do diferencialismo, que faz uma
crítica à dominação masculina e propõe uma resistência ao uno,
fálico e masculino; e a do pós-modernismo, que propõe uma
indissociabilidade do masculino/homem e feminino/mulher, o que
implica o entendimento de um feminino ou masculino que poderia
ser assumido indiferentemente por homens ou mulheres
(MARQUES, 2014, p. 287-288).
21
A obra de Judith Butler, filósofa estadunidense, pode ser inserida dentre o
rol de intelectuais que compõem a corrente pós moderna dos estudos de
gênero. A partir dos trabalhos de Michel Foucault e de Jacques Derrida, a
autora propõe pensar a identidade de gênero a partir do termo de
perfomatividade. Conforme Butler,

 El género no debe interpretarse como una identidade estable o un


lugar donde se asiente la capacidad de acción y de donde resulten
diversos actos, sino, más bien, como una identidad débilmente
constituida en el tiempo, instituida en un espacio exterior mediante
una repetición estilizada de actos. El erecto del género se produce
mediante la estilización del cuerpo y, por lo tanto, debe entenderse
como la manera mundana en que los diversos tipos de gestos,
movimientos y estilos corporales constituyen la ilusión de un yo con
género constante. Esta formulación aparta la concepción de género
de un modelo sustancial de identidad y la coloca en un terreno que
requiere una concepción del género como temporalidad social
constituida. Es significativo que si el género se instituye mediante
actos que son internamente discontinuos, entonces la apariencia de
sustância es precisamente eso, una identidad construida, uma
realización performativa en la que el público social mundano,
incluidos los mismos actores, llega a creer y a actuar en la
modalidad de la creencia (BUTLER, 2001, p.172).

Para Butler (2003), a identidade de gênero não é algo determinado


biologicamente, mas sim decorrente de práticas discursivas e atos
reiterados - gestos performativos que pretendem naturalizar sua própria
fabricação. Portanto, se os atos do gênero e,
 [...] as várias maneiras como o corpo mostra ou produz sua
significação cultural, são performativos, então não há identidade
preexistente pela qual um ato ou atributo possa ser medido; não 22
haveria atos de gênero verdadeiros ou falsos, reais ou distorcidos, e
a postulação de uma identidade de gênero verdadeira se revelaria
uma ficção reguladora” (BUTLER, 2003, p.201).

Logo, se o corpo é marcado pelo performativo e o gênero é uma


fabricação inscrita sobre os corpos, a necessidade de uma identidade fixa
e determinada de gênero, sustentada por uma visão ontológica, vem ao
chão. Posto que não há uma origem por trás das categorias masculino e
feminino, torna-se possível por meio da perfomatividade reapropriar-se
de normas e códigos propalados pelas estruturas que sustentam o
discurso da heterossexualidade compulsória para trazer à luz as suas
fragilidades.

Butler, assim como Scott, também menciona a relação indissociável entre


gênero e aspectos políticos e culturais. Neste sentido, torna-se necessário
articular o gênero com outras modalidades como raça e classe. Este
debate é levantado sobretudo na chamada “terceira onda” do movimento
feminista a partir da década de 1990. O feminismo, enquanto movimento,
teve origem no século XVIII na Europa e defendia por meio de um
“discurso intelectual e político a igualdade de direitos e uma vivência
humana livre da opressão baseada no gênero” (MIRANDA; SCHIMANSKI,
2014, p.83). De acordo com Miranda e Schimanski, a “primeira onda”
ocorreu no século XIX e início do XX; a “segunda onda” deu-se entre as
décadas de 1960 e 1970 e a “terceira onda” sobreveio na década de 1990
e prossegue até a atualidade.

No entanto, como aponta Joana Maria Pedro (2010), é importante


enunciar que o movimento feminista no Cone Sul sucedeu-se com
temporalidades ligeiramente diferentes e apresentou configuração
específica em relação aos movimentos que estavam ocorrendo na Europa
e nos Estados Unidos. Segundo a autora,
23
 O contexto político tornou difícil, senão quase impossível, em
alguns lugares, durante as ditaduras, qualquer forma de
manifestação, reunião, panfletagem e reivindicações. É possível
acompanhar a emergência do feminismo nos momentos de
democratização e o silenciamento nos períodos de ditadura
(PEDRO, 2010, p. 116).

A “primeira onda” do movimento se concentrou principalmente na luta


pelos direitos políticos, como o de votar e ser eleita. Outras reivindicações
levantadas pela bandeira feminista, sobretudo nos Estados Unidos, se
referem às lutas pelos direitos sexuais, reprodutivos e econômicos. O fim
da “primeira onda” ocorreu em 1919 com a conquista do voto, mediante
aprovação de uma emenda constitucional que concedia o direito ao voto a
todas as mulheres estadunidenses.

A expressão “segunda onda” passou a ser adotada após a Segunda Guerra


Mundial para descrever as lutas contra as desigualdades sociais, culturais
e políticas. Neste momento, a prioridade é dada “às lutas pelo direito ao
corpo, ao prazer, e contra o patriarcado. Naquele momento, uma das
palavras de ordem era: “o privado é político” (PEDRO, 2010, p.115).
Durante a “segunda onda” o movimento foi criticado, especialmente por
mulheres intelectuais afro-americanas, por não levar em consideração as
diferenças de raça e classe.

A partir desta crítica, teve início na década de 1990 a “terceira onda” do


movimento feminista. A ideia principal era aquela de preencher as lacunas
da “segunda onda” mostrando que as questões de gênero não deveriam
ser pensadas alheias à categorias de classe e étnico-racial. Pensar a
intersecção classe, raça, gênero e sexo é fundamental para demonstrar a
exclusão histórica das mulheres não brancas escondidas sob a categoria
de Mulher.
24
As feministas negras primam pela análise intersecional das categorias de
gênero e raça porque:

 [...] la interseccionalidad nos muestra lo que se pierde, nos queda


por delante la tarea de reconceptualizar la lógica de la intersección
para, de ese modo, evitar la separabilidad de las categorías dadas y
el pensamiento categorial. Solo al percibir género y raza como
entretramados o fusionados indisolublemente, podemos realmente
ver a las mujeres de color. (...) Esto implica que el término ‘mujer’
en si, sin especificación de la fusión no tiene sentido o tiene un
sentido racista, ya que la lógica categorial históricamente ha
seleccionado solamente el grupo dominante, las mujeres burguesas
blancas heterosexuales (LUGONES, 2014, p.21).

No que concerne a realidade brasileira é possível afirmar que os estudos


de gênero têm angariado número maior de pesquisadores e que os
movimentos feministas se encontram sempre em primeira linha na luta
pela igualdade. Todavia, é necessário ressaltar que nos últimos anos tem-
se experienciado um retrocesso no que diz respeito a legislação acerca dos
estudos de gênero no âmbito escolar. O avanço do fundamentalismo
religioso, o conservadorismo político e a ascensão de movimentos
reacionários de direita tem alavancado uma série de medidas que
cerceiam e tolhem alguns dos direitos sociais obtidos pelos movimentos
feministas e LGBT.

Prova disto é a eliminação do artigo que promovia a igualdade de gênero


e de orientação sexual do PNE 2014 – 2024, instituído em 15 de junho de
2014 pela Lei nº 13.005. Conforme Groof, Maheirie e Mendes, este
retrocesso legislativo advém de representantes da câmera federal, de
deputados vinculados à “bancada evangélica” e por deputados católicos
conservadores,
25
 [...] preocupados em manter princípios que negam o gênero como
uma construção histórica, social e cultural, bem como as múltiplas
possibilidades de expressão das sexualidades e das formas
contemporâneas de constituição familiar, estes setores
conservadores tem negado a perspectiva de uma educação inclusiva
pautada nos direitos humanos. (GROFF et al., 2016, p.1433).

De acordo com as autoras, a partir da instituição do PNE 2014 – 2024,


coube aos estados e municípios se alinharem com as medidas contidas nas
propostas nacionais. Cerca de oito Estados e vereadores de diversos
municípios votaram a favor da eliminação das medidas que previam a
discussão de gênero nas escolas.

O estado de Mato Grosso se inclui nesta lista. No plano de educação não é


feita nenhuma menção as temáticas relativas a gênero. Segundo
Aragusuku e Lopes, na votação ocorrida em julho de 2015, a Câmara de
vereadores de Cuiabá votou por unanimidade para retirar,

 [...] as referências à gênero e diversidade sexual do Plano Municipal


de Educação, sob pressão de grande manifestação, organizada
principalmente pela Igreja Católica, contra a “ideologia de gênero” e
pelo direito de famílias educarem ‘meninos a serem meninos e as
meninas serem meninas’ (ARAGUSUKU; LOPES, 2016, p.245 -246).

Tendo em vista que as relações sociais ensejam representações de


sexualidade e de gênero, que também são reproduzidas no âmbito
escolar, as escolas têm o potencial de se tornarem espaço propício para
discussão destas construções ou para reiteração das práticas hegemônicas
que perpetuam desigualdade e exclusão. Trata-se de repensar de forma
crítica as práticas educativas muitas vezes já naturalizadas que reforçam
preconceitos sexuais e de gênero.
26
Em pesquisas realizadas por Louro (2000) e Carvalho (2001) constatou-se
como professores podem reiterar discursos preconceituosos e
estereotipados quando afirmam, por exemplo, que “‘meninas são mais
organizadas e passivas e meninos mais bagunceiros’, apresentando os
últimos melhores desempenhos em ciências, daí, talvez, o número maior
de homens nos cursos vinculados às áreas científicas e tecnológicas”
(BITENCOURT, 2017, p.157). Os reforços destes preconceitos “podem vir
revestidos de frases, atitudes e naturalização de situações que para nós
parece corriqueira, como exemplo, afirmar que “menino não chora” ou
então que “isso não é conduta de menina” (COSTA et al., 2010, p. 04). A
reiteração destes preconceitos encontram justificativa na suposição que a
diferença sexual é o:

 [...] suporte primordial e fixo da identidade de gênero, na qual as


expressões anatômicas são responsáveis pela divisão entre homens
e mulheres. Isso os obrigaria a se desenvolverem de maneiras
diferentes quanto as suas atitudes, emoções, vocações e
comportamentos. Essa distinção radical e absoluta entre homens e
mulheres, a partir de sua anatomia, se coloca como medida de
“normalidade” no que se refere ao gênero, moldando corpos e
mentes no sentido de responderem ao que se espera do casal
hétero e reprodutor, onde o “normal” é o homem sentir-se
masculino e a mulher sentir-se feminina. As pessoas, cujo gênero e
identidade social não combinam com o seu sexo biológico, ou que
se identificam com um gênero que não é o que lhe foi estabelecido
desde seu nascimento, são consideradas por muitos como
desviantes em relação à norma de gênero (MIRANDA; SCHIMANSKI,
2014, p.86).
Para que as escolas se tornem local de debate e de promoção da
igualdade de gênero e sexual faz se necessário uma formação docente
inicial e continuada voltada para discussão de tais temáticas, de modo que 27

 [...]os (as) profissionais da educação possam se tornar agentes que


lutam contra todas as formas de desigualdades que possam ocorrer
na escola. Agindo criticamente e reflexivamente durante as suas
práticas, discentes podem desnaturalizar a dicotomia masculino e
feminino a fim de compreender as diversas identidades de gênero
que transitam no universo escolar” (BITENCOURT, 2017, p.158).

Considerações finais
Um ensino de história voltado para a formação de educandos autônomos
e aptos para o convívio democrático se preocupa com a formação de
cidadãos capazes de viverem de forma respeitosa diante das diversidades.
Segundo Jörn Rüsen, a aprendizagem deve ser,

 [...] organizada como uma tentativa de intervir no processo de


individualização e socialização. Esta tentativa deve estar
comprometida com o propósito de ajudar os estudantes a encontrar
sua identidade pessoal dentro do contexto social pré-estabelecido.
Esta descoberta deve ter lugar de tal forma que ele ou ela possam
encontrar o reconhecimento de sua individualidade e, ao mesmo
tempo, serem capazes de reconhecer a alteridade. (RÜSEN, 2015,
p.31).

A escola, enquanto local de debate e aprendizagem, mas também como


ambiente em que permeiam as relações de sexualidade e de gênero
aparece como espaço essencial para o debate e a desconstrução de
concepções de gênero estereotipadas e preconceituosas. Todavia, para
que a sala de aula se torne um espaço de promoção da igualdade e
liberdade de gênero faz se necessário assumir uma concepção diferente
acerca da aprendizagem histórica e do papel que o aluno exerce neste
processo.
28
Para que concepções preconceituosas e excludentes sejam desconstruídas
é necessário entender os mecanismo utilizados pelos alunos que
permitem que tais ideias permaneçam organizando sua forma de pensar e
agir na sociedade. Para que ocorra uma mudança conceitual no aluno é
imprescindível considerar o ponto de vista que ele defende quando
interrogado sobre questões relativas a gênero, violência doméstica,
desigualdade de gênero, homofobia ou transfobia. As ideias prévias, sobre
qualquer temática, são frutos da vivência familiar, social, afetiva, entre
outras e está intrinsecamente ligada a subjetividade de quem aprende,
fazendo assim parte da sua identidade. O processo que leva ao
reconhecimento respeitoso do outro é acompanhado por uma
modificação subjetiva de quem aprende. Para que a aprendizagem atinja
tais resultados não é possível ignorar as convicções de que o aluno é
portador.

Somente quando as ideias previas do aluno a respeito do tema que se


busca debater forem mapeadas será possível prosseguir de forma a buscar
construir ideias mais sólidas, pautadas por pontos de argumentação
válidos do ponto de vista lógica e disciplinar. Aprender história não é algo
instantâneo e definitivo. Trata-se de um percurso que envolve trabalho
constante em direção a uma progressão do pensamento histórico. Desta
forma, torna-se imprescindível conhecer as ideias que os alunos
manifestam acerca dos temas que se busca tratar. Um ensino de história
que ignora as ideias histórias dos alunos é tão inútil quanto a organização
de uma expedição que desconhece seu próprio local de partida.

BIBLIOGRAFIA
Ana Paula Rodrigues Carvalho: Doutoranda do Programa de Pós
Graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Mestra em História Social pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Graduada em História pela Universidade Estadual do Centro-Oeste do
Paraná (UNICENTRO). Membro do Laboratório de Ensino de História
(LEHIS/UNICENTRO) e do Grupo de Pesquisa História, Ensino e Infância. E- 29
mail: anapaularcb77@gmail.com.

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