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DOI: 10.1590/1413-81232018236.

05582018 1707

SUS: o que e como fazer?

DEBATE DEBATE
Future prospects for the SUS

Gastão Wagner de Sousa Campos 1

Abstract The aim of this article is to present Resumo O objetivo deste artigo é apresentar um
political strategies in relation to healthcare and conjunto de estratégias políticas, de gestão e de
management in order to support a strengthening ordenamento do cuidado objetivando o fortaleci-
of the Unified Health System (SUS). Rather than mento do Sistema Único de Saúde (SUS). Mais
providing ‘certainties’, the intention is to suggest a do que trazer certezas, objetiva oferecer bases para
basis for a wider discussion regarding the possibil- ampliar o debate sobre as condições de possibili-
ities of universal health rights in Brazil. dade para tornar concreto o direito universal à
Key words Unified Health System (SUS), Health saúde.
policies, Health reform Palavras-chave Sistema Único de Saúde, Política
de saúde, Reforma sanitária

1
Departamento de Saúde
Coletiva, Faculdade
de Ciências Médicas,
Unicamp. R. Tessália
Vieira de Camargo 126,
Barão Geraldo. 13083-
970 Campinas SP Brasil.
gastaowsc68@gmail.com
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Campos GWS

Apresentação Os sistemas públicos de saúde, implemen-


tados em vários países, constituíram espaços de
Esse é um texto escrito em defesa do Sistema não mercado dentro de economias capitalistas.
Único de Saúde (SUS). A sustentação destas políticas depende de vários
Para sugerir estratégias políticas e organiza- fatores, entre eles a construção de uma cultura
cionais visando à consolidação e fortalecimento diferente daquela prevalente no mercado. Uma
do SUS, trabalhei de maneira semelhante a um cultura que considera o desenvolvimento hu-
arquiteto. Depois de conhecer dez casas, o arqui- mano tão ou mais importante do que o cresci-
teto inventa uma décima primeira que não existi- mento econômico. Nesse sentido, o conceito de
ria sem o conhecimento das dez anteriores, mas efetividade, para a perspectiva pública, deverá
que, ao mesmo tempo, é diferente de todas aquelas considerar também a inclusão social como um
utilizadas como referência. Valendo-me do conhe- dos indicadores para compor a noção de que a
cimento sobre reformas sociais, sistemas públicos política, os gastos públicos e a prestação de ser-
de saúde e sobre a própria história do SUS, suas viço têm impacto sobre o bem-estar. Igualmente,
dificuldades e avanços, ousei sugerir interpreta- o conceito de eficiência não poderá ser calculado
ções e propostas que, na melhor hipótese, servirão sem contabilizar a exclusão de pessoas em cuida-
como provocação para aqueles comprometidos do decorrente de supostas medidas “racionaliza-
com o direito à saúde e com a democracia. doras” sugeridas pelo economicismo.
Apresentarei cinco teses que considero essen- Nesse mesmo relatório, o Banco Mundial2
ciais para ampliação e consolidação do SUS. considerou a atenção hospitalar ineficiente com
base em indicadores de produtividade, não con-
1. Assegurar sustentabilidade aos espaços siderando o conjunto de benefícios em relação ao
públicos e, portanto, ao SUS acesso e inclusão das pessoas:
Racionalização da rede de prestação de servi-
Considero essencial pensar o SUS como po- ços, especialmente a rede hospitalar, para atingir
lítica pública. A defesa da gestão pública passa um melhor equilíbrio entre acesso e escala (efi-
por reconhecer problemas e limitações do SUS, ciência). Mais especificamente, isso exigiria a re-
sugerindo mudanças que fortaleçam o caráter dução do número de hospitais de pequeno porte (a
público das políticas de saúde. maioria dos hospitais brasileiros tem menos de 50
Há uma série de evidências sobre a superio- leitos, e por volta de 80% têm menos de 100 leitos –
ridade, em efetividade e eficiência, dos sistemas quando o tamanho ótimo estimado varia entre 150
públicos e universais de saúde quando compara- e 250 leitos para alcançar economias de escala)2.
dos com modelos de mercado. Nestes há custos Esse tipo de cálculo do Banco ignora o con-
excessivos, desigualdade no cuidado, fragmenta- texto de milhares de pequenos municípios e da
ção de direitos, políticas de saúde focais e com periferia de regiões metropolitanas, desconsi-
acesso definido não por necessidades de saúde, derando que a solução para a maioria destes
mas por regras de previdência e capacidade de pequenos hospitais seria sua transformação em
compra. Basta observar a diferença de gastos unidades mistas, integrando, no mesmo serviço,
entre Estados Unidos (16,4% do PIB) e Reino equipes de saúde da família, urgência, materni-
Unido (7,11% do PIB), e compará-los com in- dade, procedimentos cirúrgicos de baixa comple-
dicadores de saúde ou equivalentes, com ligeira xidade, etc. Assegurando com esta transformação
vantagem para Reino Unido1. maior cobertura populacional com grande racio-
No Brasil, 54% do gasto em saúde acontece nalidade assistencial e financeira. Há experiências
no setor privado, que atende a apenas 25% da nesse sentido já realizadas em cidades do Brasil3.
população. O SUS, exclusivamente responsável O mesmo relatório do Banco Mundial, en-
por 75% da população, além de realizar serviços tretanto, reconhece e aponta o uso privado do
voltados para toda a sociedade, conta com ape- orçamento público, impostos sendo repassados
nas 46% dos recursos. Seria inviável, financeira e diretamente a grupos empresariais e às classes de
socialmente, estender a política centrada no mer- maior renda:
cado e em seguros privados para todo o povo. Em O setor público também gasta recursos signi-
recente relatório, o Banco Mundial2 (2017) leva ficativos por meio de gastos tributários, principal-
a entender que o Brasil teria gasto excessivo em mente para subsidiar seguros privados de saúde
saúde (9,3% do PIB), sem, entretanto, assinalar (0,5% do PIB). Indivíduos podem deduzir despesas
que a maior parcela desse recurso se destina aos com saúde das despesas tributáveis, o mesmo se
estratos mais ricos da população. aplica para pessoas jurídicas que fornecem trata-
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mentos de saúde para os seus empregados. O gover- poder mesmo quando havia crescimento econô-
no também desonera impostos e contribuições da mico. Para enfrentamento desse contexto, orga-
indústria farmacêutica e de hospitais filantrópicos2. nizaram-se lutas políticas e parlamentares pelos
A sustentabilidade do SUS depende de am- direitos civis, políticos e sociais. Foram elabora-
pliação do aporte de recursos financeiros. O fi- dos os conceitos de “revolução” e de “reforma”.
nanciamento do sistema não poderá ampliar o O primeiro sugeria a abolição do mercado e sua
déficit público, será necessário apontar distorções substituição por um novo regime econômico
no uso do orçamento, e sugerir que sejam trans- e social. O segundo predominou em países que
feridos para políticas públicas. Assim, caberia a construíram políticas públicas, objetivando asse-
edição de lei ou norma que proibisse a utilização gurar direitos. Políticas que anulassem ou con-
destes recursos orçamentários para financiar pla- trolassem os efeitos de concentração de renda e
nos privados ou empresas. Essa proibição seria de poder decorrentes do livre funcionamento do
uma forma de induzir setores das elites econô- mercado4.
micas e políticas a se aproximarem do SUS, além No Brasil, as classes dominantes, tendo em
de aumentar o aporte financeiro ao SUS sem am- vista sua inapetência para enfrentar a abismal
pliação dos gastos públicos. desigualdade social e política, preferiram em vá-
Este artigo não pretende criticar cada uma rias ocasiões o uso abusivo do conceito de “revo-
das análises e recomendações do Banco Mundial, lução” para nomear movimentos conservadores.
mas, sim, recusar a racionalidade reducionista – As revoluções de 1930 e de 1964, efetuadas por
avessa às políticas sociais – que preside a constru- grupos dominantes, foram apresentados como a
ção de indicadores, análises e supostas soluções favor do bem-estar5. Recentemente, a partir dos
apontadas. Trata-se de uma racionalidade econo- anos setenta do século XX, instalou-se uma dis-
micista, que não leva em conta o direito à saúde puta em torno do conceito de “reforma”: ações
ou possíveis mudanças no modelo de gestão e de regressivas, centradas na desconstrução de di-
cuidado dentro do espaço público. reitos passaram a ser denominadas de reformas,
Este documento do Banco Mundial faz parte quando, em realidade, são contrarreformas. O
de um poderoso movimento político e cultural governo Temer não é reformista; ao contrário,
que objetiva fazer retroceder os espaços públicos, sob o pretexto de assegurar crescimento econô-
substituindo-o por processos típicos do merca- mico e reduzir privilégios, vem concentrando
do (acesso mediado pela capacidade de compra renda e poder político para os representantes do
dos sujeitos e pela concorrência – sobrevivência capital.
dos mais aptos – o denominado darwinismo A reforma sanitária brasileira faz parte da
social). Tratar-se-ia de assegurar prioridade ao tradição que vem lutando pela redução das desi-
econômico em detrimento de desenvolvimento gualdades. Deste esforço, resultou o SUS.
do humano e do ecológico. Na saúde, o recei- Infelizmente, esta polaridade ideológica tem
tuário implica no enfraquecimento e redução da produzido uma fratura entre intelectuais, pes-
amplitude do SUS, tanto em relação à cobertura quisadores e gestores do SUS, portanto, dentro
populacional quanto aos serviços prestados. As do próprio movimento de reforma sanitária,
recomendações são insistentes e monótonas pela gerando o discurso restritivo da “cobertura uni-
repetição: privatização, terceirização, parceria versal”6.
público-privada, descentralização com desregu- Reforma da Reforma: um SUS para o século
lação e fragmentação da rede, fim da gratuida- XXI.
de; enfim, uma trajetória de se produzir um SUS
restrito aos muito pobres, funcionando como se 2. Construção de um Bloco Político e
fosse mercado, sem a diretriz da solidariedade e de Sujeitos sociais capazes de assegurar
a de assegurar direitos. A grande mídia tem di- o direito à saúde e os sistemas públicos
vulgado e recomentado, de maneira acrítica, essa
linha de contrarreforma como caminho para os No Brasil, a relevância assistencial do SUS
problemas do cuidado à saúde e das políticas so- para, pelo menos, setenta por cento da população
ciais em geral. não tem encontrado correspondência no grau de
Vamos planejar um SUS para todos os bra- adesão política e ideológica dessa maioria ao sis-
sileiros. tema. Nos últimos anos, há como que um con-
Ao longo do século XX, pesquisadores, in- formismo ao desmonte do SUS. Talvez esse pa-
telectuais, partidos de extração popular e movi- radoxo poderia ser explicado em virtude de que
mentos sociais apontaram injustiças e abuso de a implementação do SUS ainda é parcial. Com
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o SUS, houve expansão importante do acesso à em virtude da crise de representatividade dos


Atenção Básica, às urgências, às vacinas, ao pré- partidos e movimentos sociais, inclusive daque-
natal, a serviços especializados e hospitalares; en- les que apoiavam o SUS.
tretanto, ao mesmo tempo, a saúde tem apareci- Um dos principais componentes desse Movi-
do como principal problema do país7. A força de mento é constituído pelos trabalhadores, docen-
nossa política pública de saúde é o SUS concreto, tes, investigadores e estudantes de saúde. Em rea-
é a extensão de benefícios trazidos à população, e lidade, participam do Movimento apenas uma
sua debilidade é também o SUS realmente exis- parcela destes trabalhadores, particularmente os
tente, com todas suas mazelas e insuficiências. de Saúde Coletiva, da Atenção Primária à Saúde,
Como o SUS se destina, na prática, a essa maioria da Saúde Mental, dos programas de combate à
explorada da população, a consideração com os AIDS/DST, entre outros. O CEBES e a Abrasco,
problemas de saúde e com a qualidade dos servi- entre várias associações, vem congregando estes
ços de saúde, em grande medida, se assemelha ao ativistas. As Universidades Públicas têm jogado
descaso com que esse povo é tratado. No Brasil papel decisivo na divulgação destas doutrinas e
há duas cidades diferentes, uma ordenada para a na formação de profissionais com visão reflexiva
minoria rica e outra, degradada, para os pobres; e dispostos a combinar o trabalho sanitário com
duas políticas de segurança púbica, de trans- ativismo democrático.
portes, de tudo. Talvez por isto a ambiência nos Ainda hoje a defesa do SUS assenta-se, prin-
serviços do SUS seja tão degradada, por isto o cipalmente, nesse segmento social. Uma das ca-
respeito à dignidade e humanidade dos usuários racterísticas inovadoras do Movimento foi a de
seja tão descuidada. buscar realizar mudanças em todos os níveis do
Enfim, a luta pelo SUS depende da luta con- sistema. Os trabalhadores, apoiados em grupos
tra a desigualdade, contra o racismo, contra o de usuários, vêm buscando criar possibilidades
machismo, contra a concentração de poder em de cogestão no cotidiano dos serviços, com ob-
governantes, gestores, autoridades, e assim por jetivo de reformular radicalmente o processo de
diante. trabalho e de gestão em qualquer espaço em que
O Movimento da Reforma Sanitária é con- isto seja possível. Em muitos casos fazendo opo-
siderado um dos principais atores sociais no sição a gestores conservadores.
processo de invenção e implementação do SUS Para orientar este ativismo político e pro-
e do direito universal à saúde8. Esse Movimento fissional, O Movimento foi produzindo teoria,
pode ser entendido como um movimento social metodologias e estratégias de intervenção ino-
de novo tipo, pois foi se compondo como Bloco vadoras e em acordo a diretrizes do SUS. Várias
Político, em alguma medida, conseguindo agre- destas elaborações críticas se transformaram em
gar diferentes grupos de interesse, com distintas Políticas Nacionais do SUS. Para citar as mais no-
origens sociais, gêneros e etnias em torno de um tórias: Política Nacional de Saúde Mental, Políti-
projeto comum: direito à saúde, SUS e democra- ca Nacional de Controle da AIDS/DST, Política
cia. Havia diferença de ênfase em relação a estra- Nacional de Atenção Básica, de Atenção Hospi-
tégias e formas de atuação, com agrupamentos talar, de Saúde Bucal, de Urgência e Emergência,
priorizando o trabalho institucional, quer na Humaniza/SUS, de Educação Permanente, entre
base – reforma dos saberes e das práticas –, quer outras.
na implementação de novos programas e arran- O fortalecimento e ampliação desse estilo de
jos. Alguns setores do movimento praticaram o ativismo é fundamental.
“entrismo”, participando de governos favoráveis Para se ampliar as condições de possibilidade
às políticas públicas; outros preferiam aproxi- para a consolidação do SUS e do direito à saú-
mar-se dos movimentos sociais e da sociedade, de, é fundamental a aproximação do Movimento
advogando a articulação da construção do SUS da Reforma Sanitária com a maioria da socieda-
com a radicalização do processo democrático. de brasileira. Não se trata de desafio simples, ao
Esse movimento conseguiu aprovar o SUS na contrário. Os ativistas do direito à saúde pode-
Constituinte de 1988 e ainda vem implementado rão, com mais facilidade, integrar-se aos movi-
inovações organizacionais, como a gestão par- mentos atualmente emergentes: mulheres, ne-
ticipativa e o controle social do Estado pela so- gros, jovens, LGBT, luta por habitação, moradia,
ciedade. Ao longo destas três décadas de funcio- ensino público. No entanto, os setores populares
namento do SUS, o Movimento se enfraqueceu estão desorganizados, haveria que se investir na
devido à crescente predominância do trabalho reconstrução de movimentos sociais. Apesar de
político dentro do aparelho de Estado e, ainda, vivermos um período histórico de ataque aos
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direitos e políticas sociais, não bastará a crítica do que o SUS tenha estabilidade mesmo com a
ao governo e ao establishment político. Há que se rotatividade de governantes inerente aos sistemas
apontar problemas do SUS, das cidades, da socia- democráticos.
bilidade e, ao mesmo tempo, sugerir estratégias Pensar o SUS como um sistema autárquico,
para enfrentá-los. Assim, na saúde, as filas para mas que funcionasse em cogestão entre entes
atendimento hospitalar e especializado são reais federados, trabalhadores e usuários. Ampliando
e indicam desrespeito a direitos, nosso projeto e reforçando a capacidade de fiscalização e de
precisa apontar estas dificuldades e lutar para sua participação efetiva na gestão, no planejamento
superação. Para isto, é fundamental se radicali- e avaliação do SUS.
zar e estender o esforço tanto para financiamento É fundamental a reformulação de normas de
adequado, quanto para mudança dos modelos licitações, compras e manutenção, prestação de
de atenção, para a humanização e para a gestão contas, objetivando trazer agilidade e segurança
participativa. no manejo do orçamento público, e que ainda
Toda mudança começa onde for possível e combine ações centralizadas para gestão de insu-
necessária – não esperar ordens de cima. mos estratégicos, com a transformação de pro-
Apesar da relevância do SUS, o tratamento gramas e serviços em Unidades Orçamentárias
que tem recebido por parte dos políticos tem com responsabilidades gerenciais ampliadas.
sido pequeno.O SUS não foi destaque, desde sua O SUS encontra-se bastante fragmentado,
criação, em nenhum dos governos da União9. o que torna precária a governança do sistema
Nenhum governo ou partido político assumiu o na lógica de redes de atenção integral. É funda-
financiamento e a implementação do SUS como mental que seja ampliada a integração sistêmica
prioridade nacional. Em consequência, vem sen- do SUS. Com essa finalidade é importante rever
do construído de maneira incremental e com dé- a dinâmica de centralização e descentralização.
ficit de recursos10. Durante as primeiras décadas Um dos elementos que ajudam o equilíbrio entre
de implementação do SUS, os secretários mu- estes dois polos são as Políticas Nacionais de Saú-
nicipais e sua entidade o CONASEMS tiveram de, construídas em cogestão e aprovadas pelos
importante protagonismo na defesa do sistema, organismos de cogestão do SUS: Conferências,
mas, nos últimos anos, em sua atuação tem pre- Conselhos e Comissões Tripartites. A tendência
dominado o esforço para radicalizar a descentra- recente de desmonte destas Políticas Nacionais
lização do sistema, o que implica, na prática, no acordadas tende a fragmentar ainda mais o SUS,
enfraquecimento das várias Políticas Nacionais. além de expor as gestões estaduais e municipais
Em realidade, os gestores do SUS estão cada vez à pressão de grupos interessados em se aprovei-
mais integrados e controlados pela lógica predo- tar do SUS para atender objetivos particulares. A
minante na política partidária brasileira e no pre- Política Nacional de Atenção Básica, aprovada e
sidencialismo de coalizão. Fenômeno que os têm publicada em 2006 e 2012, por exemplo, vinha,
afastado das necessidades de saúde e acentuado a duras penas, contribuindo fortemente para a
seu compromisso com clientelismo e patrimo- expansão e a qualificação do sistema. As modi-
nialismo. ficações aprovadas pela Comissão Intergestores
Tripartite (CIT) representa um retrocesso na me-
3. Reconstruir a institucionalidade do SUS dida em que deixa a cargo de cada município o
objetivando aperfeiçoar o seu caráter público modelo e as estratégias de organização da aten-
ção primária. O mesmo impasse foi estabelecido
Para assegurar sustentabilidade do SUS se faz em relação à Política Nacional de Saúde Mental
necessário prosseguir com a reforma do Estado em virtude da proposta de contrarreforma apre-
e do modelo de gestão objetivando corrigir di- sentada em 2017 pelo Ministério da Saúde.
versos obstáculos estruturais e funcionais. Um Outro tema central para adequar a dialética
destes desafios é encontrar um desenho organi- centralização e descentralização é a constituição
zacional que, ao mesmo tempo, que permaneça de Regiões de Saúde com funções de gestão da
dentro da racionalidade da coisa pública (cen- rede e não somente de negociação e planeja-
trado nas necessidades de saúde), consiga operar mento. Para início, seria importante redesenhar
com importante autonomia em relação ao mer- as Regiões de Saúde, revendo a atual divisão que
cado, ao poder executivo e aos partidos políticos. criou 437 Regiões, quando há indicações de que
Em linhas gerais, seria importante reorganizar o seriam necessárias entre 200 e 250. Para fortale-
SUS reforçando seu caráter de sistema nacional cer a função das Regiões em gestão é essencial o
(não apenas federal, mas tripartite), asseguran- estabelecimento de Fundo Regional de Saúde,
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com orçamento próprio mediante repasses dos multiprofissionais operem tanto com normas e
entes federados, em especial da União. A Região protocolos como com a variação de procedimen-
de Saúde deveria ser a responsável pela gestão da tos e condutas conforme o caso e o contexto.
média e alta complexidade e da Vigilância em Além do mais, o SUS vem se ordenando com a
Saúde. Até este momento, o SUS vem tendo gran- lógica do trabalho compartilhado, em equipes,
de dificuldade com a gestão de hospitais próprios em apoio matricial e no trabalho em redes de
e conveniados, que tem funcionado em descone- cuidado. Nesse sentido, a que se pensar em polí-
xão com a atenção básica e a urgência, além de, tica e em carreiras que respeitem a identidade de
em geral, operarem com problemas de eficiência cada especialidade ou profissão, mas que estimu-
e efetividade. Problema semelhante vem ocor- le a prática interdisciplinar e o compartilhamen-
rendo com o controle de epidemias em que não to de responsabilidades e de tarefas. A fragmenta-
se logra ações coordenadas nos territórios. ção do processo de cuidado em tarefas estanques
Para que as Regiões operem desta forma será e a circulação dos cidadãos entre profissionais e
importante se aprovar modificações em relações serviços como se fosse uma peça deslizando por
às normas operacionais do SUS, criando uma uma linha de produção tem resultados ineficazes,
autoridade sanitária em cada Região de Saúde, desumanos e ineficientes.
bem como uma estrutura de administração com Para o SUS seriam necessárias várias carrei-
aporte de pessoal e recursos dos estados e dos ras – organizadas a partir das características das
municípios. principais áreas do sistema de saúde. Identifi-
A crise de sustentabilidade do SUS poderá cam-se cinco áreas temáticas no SUS: atenção bá-
ser atenuado se aprovarmos uma legislação que sica; atenção de média e alta complexidade (rede
reduza drasticamente os cargos de confiança – secundária e terciária – ambulatórios, centros de
ou de livre provimento – na sua gestão. Somente referência, serviços de atenção domiciliar e hos-
ministro, secretários de estado e de município e pitais); rede de urgência e emergência; rede de
um pequeno grupo de assessores seriam indica- vigilância à saúde; e apoio à gestão do SUS (setor
dos segundo interesse político; todos os demais administrativo, manutenção e financeiro).
gestores do sistema seriam indicados mediante Os direitos trabalhistas, definidos em lei, e as
critérios técnicos sanitários e experiência com o especificidades da prática de cada profissão ou
SUS. especialidade seriam considerados de maneira
Nenhuma destas mudanças dependerá de al- matricial em cada uma das carreiras das cinco
teração da Constituição. áreas temáticas. Assim, as normas e as caracterís-
ticas do trabalho de enfermagem, médico, odon-
4. Política de Pessoal unificada para o SUS tológico, farmacêutico, etc., serão considerados
na organização de cada uma destas carreiras te-
A sustentabilidade do SUS depende tanto máticas. Funcionarão como vetores matriciais
da formação de um novo profissional de saú- para as carreiras horizontais temáticas.
de, quanto de uma política e de uma gestão de O desenho de carreiras com duplo condicio-
pessoal que contemple diversidades funcionais namento – um vertical que favorece o trabalho
das várias profissões e especialidades e também colaborativo e interdisciplinar, e outro horizon-
a diversidade sanitária e de contexto das várias tal que respeita direitos e especificidade de cada
regiões brasileiras. profissão e especialidade – objetiva enfraquecer o
A tradição da gestão pública de pessoal favo- corporativismo entre as profissões de saúde, em
rece a burocratização, desumanização e alienação especial aquele do médico, e fortalecer a relação
no trabalho de cuidar de pessoal e comunidades. dialógica com os usuários. É uma estratégia para
Considero superada a organização de carreiras se ampliar as condições de possibilidade para a
com base nas categorias profissionais. O trabalho constituição de um novo tipo de trabalhador de
em saúde tem características especiais, depende saúde para o SUS.
da motivação e do envolvimento de cada traba- Cada uma dessas áreas temáticas teria lógica
lhador com a saúde de outras pessoas. A impor- organizacional e de funcionamento específica11.
tação de modelos de gestão de fábricas ou de ser- Um único organismo responsável pela polí-
viços privados não tem colhido bons resultados tica de pessoal: dada a complexidade da política
quando aplicados na área da saúde. O trabalho de pessoal será impossível que a responsabilidade
em saúde é do tipo denominado de práxis, isto é, por sua construção e manutenção seja transferida
em geral, não funciona em linhas mecanizadas de a municípios ou a prestadores locais ou regionais
produção, exigindo que trabalhadores e equipes de saúde. A gestão dessa nova política seria neces-
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sariamente compartilhada entre União, estados e As filas no Brasil se devem tanto à insuficiente
municípios, ficaria a cargo da Comissão Tripartite capacidade instalada, quanto à ausência de cri-
do SUS, mediante a criação de um órgão público térios de encaminhamento adequados. A rede
(autarquia ou Fundação Pública) e de um Fundo hospitalar e de especialidades precisa ser integra-
Orçamentário para Política de Pessoal. da de forma a funcionar como referência terri-
torial e apoio para Atenção Primária e urgência.
5. Consolidar e qualificar as políticas O planejamento para implementação de novos
e práticas em saúde programas e serviços deveria ser realizado nas
Regiões de Saúde.
O acesso, a humanização e a qualidade con- É fundamental o reordenamento dos mode-
creta do cuidado são os pontos que, concre- los da área hospitalar e das especialidades. Para
tamente, mais interessam à população, todo o isto será importante aplicar diretrizes da atenção
resto são meios. Meios para atingir a finalidade primária de saúde em ambulatórios: armar equi-
fundamental do SUS que é a defender a vida das pes interprofissionais de referência e de apoio
pessoas. matricial; criar responsabilidade de equipes por
Uma estratégia fundamental para sensibilizar coortes de pacientes: vínculo, continuidade e
a população é sempre vincular a luta por recursos coordenação de caso; adensamento tecnológico e
orçamentários para o SUS a projetos específicos, pró-atividade; ampliação de cenários de práticas:
como expansão e qualificação da atenção básica, grupo, leitos de observação, procedimentos diag-
eliminar filas com investimento e melhor gestão nósticos, terapêuticos e cirúrgicos; atendimento
de hospitais e serviços especializados, gastos com demanda (não agendado) e programado; clínica
política de pessoal, medicamentos, inovação e (especializada) ampliada e compartilhada com
ciência e tecnologia em saúde, etc. usuários.
A comunicação e a integração com a socieda- A política e a gestão de hospitais pouco sofreu
de é fundamental para a democratização e para a mudanças desde a criação do SUS. Tem modelo
sustentabilidade do SUS. Nesse sentido, é impor- de gestão e de cuidados tradicionais. São serviços
tante analisar e divulgar informações sobre pa- isolados (interligação é realizada pelo paciente/
drão de gastos com orçamento público, dificul- familiar); utiliza departamentalização segundo
dades e problemas do SUS, repercussão negativa categorias profissionais/especialidades; a respon-
sobre a saúde decorrente de cortes no financia- sabilidade dos profissionais é com procedimen-
mento e nos serviços de saúde. tos; há fragmentação da gestão e do cuidado. É
A expansão da Estratégia de Saúde da Fa- fundamental estender a reforma sanitária aos
mília para 80% da população é prioritária. Sua hospitais, para isto: integrá-los à rede como re-
qualificação também deverá ser uma prioridade ferência para média e alta complexidade; criar
para o SUS. A reordenação do funcionamento departamentos organizados por função ou áreas
da rede de serviços implica em reforçar o papel temáticas (Unidades de Produção); organizar
de regulação da Atenção Básica e informatizar o equipes interdisciplinares de referência e apoio
SUS mediante sistema integrado. A regulação do matricial, modelo de gestão que cobre responsa-
acesso no SUS não deveria ter um caráter buro- bilidade por coorte de pessoas: fortalecimento do
cratizado, delegado a instâncias isoladas da rede. vínculo, continuidade e coordenação do cuidado,
Nos tradicionais sistemas públicos de saúde, a instituir formas de cogestão do cuidado e de ges-
regulação fica a cargo dos profissionais e equi- tão participativa.
pes da rede mediante a definição de normas para Ao debate! À construção de um projeto que
ordenar o acesso segundo critérios de risco e de nos unifique!
vulnerabilidade.
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/2017/11/ENSAIOS-DI%C3%81LOGOS-5_ARTI-
GO-1.pdf>

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