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CARLOS BYINGTON
EXCELÊNCIA E HONORABILIDADE
Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica (SBPA)
Member of the International Association for Analytical Psychology (IAAP)
Junguiana
REVISTA LATINO-AMERICANA DA SOCIEDADE
BRASILEIRA DE PSICOLOGIA ANALÍTICA
Volume 37-1/2019
Editoral A revista Junguiana tem por objetivo publicar trabalhos originais que
Vera Lúcia Viveiros Sá – editora-geral contribuam para o conhecimento da psicologia analítica e ciências
Fani Goldenstein Kaufman – editora assistente afins. Publica artigos de revisão, ensaios, relatos de pesquisas, comu-
Victor Roberto da Cruz Palomo- editor assistente nicações, entrevistas, resenhas. Os interessados em colaborar devem
seguir as normas de publicação especificadas no final da revista.
Conselho Editorial A Junguiana também está aberta a comentários sobre algum
Augusto Capelo artigo publicado, bastando para isso enviar o texto para o e-mail
Fani Goldenstein Kaufman
artigojunguiana@sbpa.org.br.
Fernanda Gonçalves Moreira
Marfiza Reis
Maria Zelia de Alvarenga
Vera Lucia Viveiros Sá SOCIEDADE BRASILEIRA
Victor Roberto da Cruz Palomo DE PSICOLOGIA ANALÍTICA
Zara Oliveira Freitas Magalhães Lyrio
Editora CABOVERDE
Editorial
73 Amadeus. A Psicologia
The psychology of envy and its role in the da Inveja e sua função no
creative process: a study of processo criativo: um estudo
symbolic psychology
da Psicologia Simbólica
Carlos Amadeu B. Byington
275 Normas
Junguiana
v.37-1, p.7-20
Quando o amor e a convivência nos aproxi- médico psiquiatra, humanista, pensador, teórico
mam tanto de uma pessoa, fica muito difícil falar e criador da Psicologia Simbólica Junguiana.
sobre ela sem que uma parte de nós mesmos se A primeira vez que li um texto de Carlos foi em
entranhe em nossas palavras e nosso olhar pas- 1975. A revista Planeta publicou sua palestra em
se a ser mais subjetivo que objetivo. homenagem ao centenário de Jung. Passados 10
Ciente deste risco, atrevo-me a escrever so- anos de sua volta de Zurique, onde fez sua for-
bre Carlos Byington, meu marido e companheiro, mação de analista junguiano, várias vezes Car-
los se referiu a este momento como o retorno de No ano passado, quando estivemos em Bo-
sua criatividade. gotá para aquele que seria seu último congresso
Em 1978 estive no primeiro curso aberto latino-americano, visitamos a Catedral de Sal.
que Carlos ministrou aqui em São Paulo: “De- Fui surpreendida por um pedido de casamento
senvolvimento Arquetípico da Personalidade”. e pela realização de uma cerimônia só nossa,
Entre outubro e dezembro a Academia Paulista testemunhada por Rita, sua filha e minha grande
de Letras, no Largo do Arouche, recebeu por 10 e querida amiga. Era Carlos me surpreendendo
noites inúmeras pessoas ávidas por conhecer uma vez mais.
suas ideias. Em 13 de março, dia de seu aniver- Embora Carlos dissesse que, no fundo, nin-
sário, a SBPA havia sido fundada e o universo guém conhece o Outro, eu o conhecia bastante
junguiano instalava-se em São Paulo causando a ponto de poder imaginá-lo lendo este peque-
um grande frisson. Anos mais tarde, Carlos gos- no texto e dizendo: – “E a Sombra? Onde está
tava de dizer às pessoas que estávamos juntos a Sombra?”
Carlos não gostava de unilateralidade, e
desde então, embora ele sequer tivesse me vis-
menos ainda de imaginar alguém sem Sombra.
to e eu, nem na mais remota fantasia, pudesse
Dourar a pílula, ou – para de novo recorrer a
imaginar o que viveríamos.
uma expressão que ele usava – “passar a mão
Carlos foi muitos. Não à toa assinava seus
na cabeça da defesa”, não era com ele. Enquan-
e-mails para a família como Carlos, papai, vovô
to lhe foi possível, buscou elaborar sua Sombra
e biso. Foi extremamente criativo, vibrante, pro-
como poucos. Tinha tal desenvoltura com este
fundo, gentil, amoroso, exuberante – para usar
processo, que nem sempre agradava seus in-
uma palavra que lhe era cara. Sim, Carlos era
terlocutores, em geral menos familiarizados do
exuberante. Suas aulas e palestras eram mar-
que ele com a própria Sombra e incomodados
cadas pelo entusiasmo próprio de sua natureza
com o que lhes era apontado. O rigor que tinha
dionisíaca. Culto, interessado em aprender, ávi-
com os outros, tinha com ele próprio. Lembro-
do por viver, dedicado a transmitir suas ideias e
-me que, no início do nosso relacionamento,
conhecimento, seu processo de individuação era uma das coisas que mais me atraiu nele foi sua
inseparável da construção de sua obra. capacidade de encarar e elaborar a Sombra e,
Tive o privilégio de viver o século XXI a seu uma vez tendo percebido o erro, transformar
lado. Exceto quando estávamos em nossos sua atitude ou comportamento.
consultórios, passávamos praticamente todo o Carlos viveu intensamente. Permaneci a seu
tempo juntos. Em nossas vidas muitas coisas lado até que partiu para onde não me foi dado
poderiam acontecer – e aconteceram – mas té- acompanhá-lo. Generoso, deixou a todos nós
dio, jamais! Carlos sempre tinha uma ideia a de- uma obra profunda e abrangente. Comigo, den-
senvolver, um livro para escrever, um tema para tre tantas vivências, trago o som de sua voz amo-
elaborar, algo para descobrir e compartilhar. Seu rosa cantando para mim, quando sua chama já
universo era extenso e profundo, e estar com ele estava por se apagar, “é o amor...” e a foto que
era ser constantemente estimulada, desafiada, pediu para tirarmos juntos – símbolos vivos do
incentivada, provocada. amor que nos uniu.
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Passou...
10/02/2019
Gustavo Orlandeli Marques
Email: quironyoda@yahoo.com
Experiência e sabedoria;
Insistência e teimosia;
Inovação, nova teoria;
Dentro e fora da academia.
Ao Mestre Byington
Obrigado
Abraço
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Ao BYINGTON,
Iraci Galiás
E-mail: imeg@uol.com.br
Partiu dentre nós colega importante, por tan- Byington, seja qual for sua forma de existir.
to tempo amigo, mestre, com Que sua lembrança em nossos
sua criatividade ímpar. corações, pensamento e almas continuem
Receba minha gratidão e reconhecimento dando frutos, fertilizando como
eternos, por todo o aprendido e tantas vezes o fez. Que nossa gratidão che-
por todo o recebido, em momentos tão difí- gue a você.
ceis de minha vida. Um abraço amigo.
Que a criatividade, sua marca registrada in-
tensa, acompanhe você.
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Carlos Byington,
Nairo de Souza Vargas
E-mail: nairosvargas@gmail.com
Faleceu um colega, amigo e mestre. Conhece- Byington, você fará falta. A SBPA sabe disso.
mo-nos em 1975, centenário de Jung. Convidamos Você cumpriu sua missão e realizou seu sonho
professores de outros países, para nossos estu- de vida. Vá em paz e certo de que sua memória
dos. Por sugestão de Guggenbühl, então presi- permanecerá entre nós, que tanto aprendemos
dente da IAAP, fundamos nossa querida SBPA, com você.
motivo de orgulho e realização para todos nós. Um obrigado amigo.
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Pilar Amenzaga
Email: pilar.amenzaga@gamil.com
La relación de los uruguayos con Carlos duró Maestría en Psicoterapia Junguiana que se dicta
40 años. Comenzó con el encuentro de Carlos en la Universidad Católica de Uruguay desde 1994.
con Mario Saiz en un Congreso de Psiquiatría en Nos contagió primero que nada de entusias-
Rio de Janeiro y terminó físicamente con las pa- mo, de querer saber más, de imaginar abordajes
labras de Mario, en su nombre y en el nuestro terapéuticos nuevos, de pensar a las personas
durante su velatorio. unidas a la totalidad y por lo tanto participando
Nos fue educando en Psicología Analítica y en el de lo eterno en el hombre. Su Psicología Simbó-
análisis junguiano, como debe ser, a la manera de lico Arquetípica, su obra maestra, ha dejando en
Carlos Byington: gracioso, interesante, profundo, nosotros una profunda huella en la comprensión
cariñoso, siempre asombrado ante el misterio de de la Psicología Analítica.
cada persona y dispuesto a recorrer junto a noso- Podíamos mirar hacia San Pablo y rezar una
tros los caminos nuevos que se nos iban abriendo. oración secreta a Dios por haberlo conocido,
Supo conjugar para nosotros la fiesta brasi- por haber tenido la inmensa fortuna de poder
lera con la seriedad uruguaya. Nos tocó, nos re- contar con é l y con su enorme amor y sabiduría.
ímos, lloramos y nos recostamos en él, siempre Pionero y fundador, guerrero y sabio, buscó
imprevisiblemente confiable. incansablemente él también, como Jung, “aden-
Cuando llegó a Uruguay y dio su primera con- trarse en el secreto de la personalidad humana”
ferencia allá por 1980, supimos que habíamos con una ética de alteridad extraordinaria.
sido conquistados para siempre. Como amigo fiel, Esperemos, los que lo hemos seguido y que-
él volvió todos los años, todas las veces que se rido, que el dolor pase y que en el recuerdo de su
lo pedimos. Contagió al público que asistió a sus vida hallemos el consuelo para la partida de un
conferencias y a sus alumnos de los cursos de la Maestro-Amigo.
Ahora quisiera decirles personalmente que es- que marca su desarrollo posterior: su lado crea-
tos mensajes que he leído son ejemplos que nos tivo y lúdico se inicia en su tesis de Zurich, sobre
traen el sentir profundo de tristeza y admiración dos opuestos que se unen, Freud y Jung, y asi
de los analistas y routers de latinoamerica ante la se va introduciendo con fuerza y convicción en
partida Carlos, recordemos que hace más de 35 la importancia arquetípica de la alteridad, alteri-
años viajaba a Montevideo, participando en la dad en las relaciones humanas, en la amistad y
Maestría en Psicoterapia Analítica en Latinoameri- en el pareja, entre los opuestos, y por ahí se va
ca, viajando luego a Santiago de Chile en otra Ma- deshojando un nucleo de saber sobre lo simbó-
estria en Psicología Clínica, a Quito en la formaci- lico que recorre todo su pensamiento y su obra,
ón de los routers, a Caracas en varias ocasiones, asi como también su vida. No hay alteridad sin la
en Lima hace dos años, y finalmente en nuestro dimensión de lo simbólico, y ese es el comienzo
último Congreso latinoamericano en Bogotá… ese de un llamado potente, propio del siglo XXI, que
es el legado de su presencia, sus conferencias, nos impele a continuar explorando y transitando
sus talleres, sus supervisiones, sus analisis con por ese camino…
mucho de nosotros, sus encuentros, recuerdo Carlos ha sido, como lo llamaría Sócrates, un
que hace pocos años en uno de esos encuentros, maestro-amigo. Nos enseño el amor por el co-
luego de terminar un seminario, me decia: a ve- nocimiento, y mejor aún, el amor por el saber,
ces me parece que no leen lo que escribo, y yo le nos trajo a la experiencia del saber al convocar-
decía, bueno no es eso, es que lo tuyo requiere nos a encuentros más personales, más íntimos,
estudiarlo, pensarlo, reflexionar, no solo leerlo. Y pero de la intimidad de quien busca la verdad, la
por ahí nos íbamos… Y se quedaba pensando… plenitud, la conexión cósmica, de esto se trata
Ese es el legado de su presencia, pero ahora su obra sobre la psique humana y la psique del
tenemos ademas el legado de su ausencia que cosmos: el amor por el alma, la psique y la vida.
es otra presencia: la de su obra en el dominio de No hay palabras para despedirlo, hay solo
la psicologia, de la pedagogia, del arte, de la cul- sentires para el maestro-amigo, sentires que
tura, de la historia, y de la clinica… el nos enseño como la naturaleza misma aman ocultarse, para
una manera especial del sentir, del pensar, del un día despertar plenos de fecunda energía, ple-
intuir, con una actitud y un modo propiamente nos de Sophía, plenos de pasión por una vida
simbólico, origen de su pensamiento más crea- nueva, una vida que re-nace con la fuerza del
tivo y más propio, y por momentos el más íntimo. Eros que Carlos encarna en nosotros!
No podemos sintetizar aquí un pensar tan Un abrazo grande y profundo, una abrazo
vasto, pero si podemos hablar de un comienzo cósmico para Carlos, y para todos ustedes.!
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“... ele (Jung) gostaria que as pessoas per- 5) Fiquei muito impressionado com o artigo.
cebessem Deus presente nas coisas mais Naquela época eu exibia um comportamento es-
simples da vida como manifestação da tranho. Quando gostava de um determinado livro
sua grandeza absoluta e eterna”. procurava saber se o autor residia no Rio de Ja-
Carlos Byington no vídeo documentário neiro. E se residisse, ia até um “orelhão”, telefo-
JUNG E O OCULTISMO. Entrevista aos psi- nava para o indivíduo e perguntava se podia me
cólogos José Raimundo Gomes e Carlos receber para entrevista-lo sobre o tema abordado
no livro. Conheci muitas pessoas interessantes
Augusto Silva.
usando esse estranho método de aprendizagem.
1) Conheci CARLOS BYIGNTON afundado numa 6) Agi exatamente assim com CARLOS BYIG-
crise existencial. Estava no 4º período do curso NTON. Descobri o telefone de seu consultório e
de psicologia e acabara de me deparar com um marquei uma entrevista com sua secretária. Mas
livrinho chamado FUNDAMENTOS DE PSICOLOGIA neste caso, não se tratava de uma entrevista sobre
ANALÍTICA, de um autor completamente desconhe- o tema abordado na revista. Eu precisava urgente-
cido para mim. Chamava-se CARL GUSTAV JUNG. mente de um “hierofante” que ajudasse a tornar
minha vida angustiada em uma vida possível.
2) Naquela ocasião, minha vida era perambu-
lar pelo centro da cidade do Rio de Janeiro vas- 7) Tinha por volta de 23 anos naquela época.
culhando sebos e livrarias em busca de algum Frente a frente com CARLOS BYIGNTON derramei
conhecimento que inferisse sentido ao meu con- minhas mágoas, elenquei um por um dos meus
turbado mundo interior. traumas infantis, citei Freud, Adler, Klein e outras
autores para finalmente dizer que um certo CARL
3) Eu devorava toda sorte de literatura psico- JUNG, a quem acabara de conhecer no balcão da
lógica que atravessasse o meu caminho, mas ao livraria Vozes, havia me tocado profundamente e
me deparar com os “FUNDAMENTOS” tive a sen- eu senti que o meu coração ansiava por aquele
sação de que estava diante de um homem que alimento vital.
realmente falava com o coração.
8) Mas o pior ainda estava por vir.
3.A) Foi então que Eu quis ler tudo sobre Dr. CARLOS BYIGNTON me escutava atenta-
aquele autor, mas naquela ocasião “FUNDAMEN- mente e mal se mexia em sua cadeira. Depois de
TOS” era o único livro disponível de CARL JUNG derramar todas as minhas neuroses sobre o seu
em língua portuguesa. colo eu o encarei e respirando fundo busquei co-
4) Eu não tinha a menor ideia de que existiam ragem nas minhas entranhas para dizer: eu não
analistas junguianos espalhados pelo mundo tenho dinheiro para pagar a análise.
até me deparar com um artigo de um certo CAR- 9) De súbito a sua fisionomia séria e atenta
LOS BYINGTON publicado numa revista chamada cedeu a uma gargalhada estrondosa. Fiquei pa-
PSICOLOGIA ATUAL. O artigo era uma análise jun- ralisado pois não consegui compreender o que
guiana do filme O ILUMINADO do cineasta ameri- exatamente aquela ruidosa gargalhada poderia
cano STANLEY KUBRICK. significar. Lentamente seu rosto foi perdendo as
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Como diz a sabedoria, pelos frutos conhece- lítica no Brasil, a SBPA, e a constante atividade
remos a árvore, o que vale considerar o caminho de pesquisa e ensino da Psicologia Analítica
inverso desta reflexão: sem raízes não há frutos! em nosso meio, possibilitou a disseminação da
Nossa tradição de investigação da Alma abordagem de Jung, o conhecimento mais amplo
vem de longa data, oriunda nas práticas tri- de termos analíticos e a formação de analistas
bais, passando pelas correntes religiosas, pela e pesquisadores dando continuidade à constru-
alquimia e subjetividades do conhecimento, ção deste edifício de conhecimento.
chegando à filosofia e à ciência contemporâ- Enquanto esteve entre nós, muito contribuiu,
nea. Um longo caminho que tem nomes bem muito ensinou, com profundidade e simpático
conhecidos como Platão, Agostinho, Boehme, humor inteligente. Minha experiência pessoal
Mesmer e Jung. Um edifício sólido e antigo na com o mestre sempre foi muito agradável e aco-
investigação profunda da psique, como um zi- lhedora. Agora, não tendo mais a presença física
gurate a perscrutar o infinito. do colega e professor, Byington passa a compor
Esta tradição chegou a nós nas obras ini- o corpo histórico da Psicologia Analítica junta-
ciais de Nise da Silveira, Sandor, Bonaventure mente com os luminares que o antecederam. Fi-
e alguns poucos colegas que deram origem ao cam os frutos deste vasto trabalho, de sua Alma;
movimento junguiano no Brasil, dos quais Dr. sua obra, seus ensinamentos, a lembrança dos
Carlos Byington é um importante protagonista. encontros e a gratidão. Agora ele é mais uma es-
Sua fundamental contribuição no estabeleci- trela na grande constelação junguiana, ou inver-
mento da primeira associação de formação ana- samente, na raiz de nossa tradição!
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Minha eterna gratidão por ter compartilhado, contínuo processo de ampliação da consciência,
por anos, de sua criatividade, seu pensamento, seu inclusivo e de grande generosidade. Inquestioná-
fascinante percurso pelo simbólico, seja na psico- vel sua valiosa contribuição à Psicologia Analítica.
logia, nas artes plásticas, na literatura, no cinema. Inspiração eterna!
Um profissional questionador, inovador, fiel ao Descanse em paz.
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Byington
Arnaldo Motta, março/2019
Email: arnaldomotta@uol.com.br
Uma luz,
que a muitos inspirou
com sua vibração intensa
e saber inesgotável.
Uma criatividade,
que soube transformar
a inquietação em palavras
professadas com generosidade,
Um guerreiro,
que muitas lutas lutou
e, com sua força,
abriu caminhos para que pudéssemos seguir.
Obrigado Mestre!
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Quiero con estas palabras reconocer y agra- compartió su pensamiento y su quehacer, con
decer al maestro dr Carlos Byington por toda su una gran vehemencia y compromiso con la psi-
sabiduría y experienica compatida, en lo perso- cologia analítica, instándonos siempre a ir más
nal él fue un inspirador, un héroe capaz de inci- allá, buscando construir nuestro propio camino
tar a los junguianos a renovar la mirada y pen- de individuación.
sar-nos , un ejemplo vivo de una vida que logra Fue un gran inspirador y formador de los
profundizar en la capacidad creativa del ser hu- analistas en Chile y un gran motivador para que
mano , con valentía y compromiso. Fue y será un muchos otros profesionales de la psicología y
modelo de ser humano, cercano, disponible, un psiquiatría se interesaran por la formación jun-
maestro que iluminó el camino de la vida simbó- guiana en psicoterapia. Sus enseñanzas estarán
lica arquetípica, la experiencia simbólica, de la siempre presentes al realizar nuestro oficio tan
vida del alma. amado y valioso.
También escribo unas palabras hacienda Una de sus útilmas enseñanzas que tuve el ho-
eco del sentir de Sociedad Chilena de Psicología nor de recibir fue el valor de la meditación en el ca-
Analítica , como presidenta de la SCPA agrade- mino hacia el desapego, para transitar a una nueva
zco el acompañamiento, la formación y la amis- vida, y así haciendo honor a su búsqueda nos ha
tad construida después de al menos 15 años, de dejado para hacer su último viaje hacia la eterni-
frecuentes visitas a Chile, donde generosamente dad y el infinito, tal como tituló su ultimo libro.
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Apareció con su caminar suave y bondadoso Honro y agradezco el haber tenido el privi-
iluminando la sala. Era como la reencarnación legio de conocerlo y recibir sus enseñanzas.
de Jung, al menos así lo imaginaba y me llega- Profundos y poderosos misterios de la psiquis ,
ba su espíritu. expresados con esa cercanía y simplicidad que
Fue encantándonos con sus palabras y su sa- sólo tienen los verdaderos maestros que han al-
biduría, y empapando todo con su humanidad, canzado la síntesis.
su autenticidad, su ser sin máscaras. Buen Viaje querido Carlos!
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Lagostas
Henrique Torres
Email: torreshim@uol.com.br
No auge dos dezesseis, dezessete anos, Sem saber, minha primeira aula de análi-
percebendo que a vida não é o que as pesso- se: quantas vezes temos que mergulhar para
as diziam, percebendo que a vida é o que a enxergar.
VI-DADÁ. Um detalhe: na volta, rebocando a pequena
O pianista famoso não passeia com seu filho. lancha quebramos na estrada e eu passei três
As famílias não são o que elas parecem ser. horas sentado debaixo da lancha numa estrada
Eis que - um presente - Carlos Byington me no interior da Bahia. Bizarro.
convida para pescar lagostas com ele na Bahia
de São Salvador. Sentado na beira do cais
Uma pequena lancha, motor de popa, um ma- Uma enseada em Angra dos Reis. Numa pon-
rinheiro, e lá vamos nós. ta, a casa que eu ficava, do meu padrasto. Na
Ganchos na mão, lagostas no fundo do mar outra ponta, Carlos Byington e sua família. Entre
Primeiro mergulho: as pontas, muitos barcos. Numa tarde, ele com
Eu: duas varas de pescar, de bambu, me chama para
- Não vi nada. a beira do cais. Logo percebi que ele não estava
Ele: pescando. Como se diz, “estava dando banho na
- Não viu as lagostas no fundo? minhoca”. E chorando. Nada comentei, e nada
-Não. pescamos. A não ser eu aprender que o sal das
- Então vamos mergulhar de novo. lágrimas volta para o mar.
E assim fizemos. Uma, duas, três, quatro ve-
zes. Até que eu vi. Consultório
Um mar de lagostas no fundo do mar. Freud, Jung e Carlos Byington. Alguns anos.
Resumo Palavras-chave
O artigo busca desenvolver uma conceituação são vistos reintensificando o dinamismo patriarcal antropologia
de Antropologia Simbólica que possa perceber e a ponto de patriarcalizar o Mito Cristão, estabelecer simbólica,
história
estudar o Self Cultural a partir de quatro estru- a dicotomia Cristo-Diabo e levar à dissociação do
simbólica,
turas arquetípicas básicas: matriarcal, patriar- Self Cultural no século XVIII, produzindo uma grave
self cultural,
cal, alteridade e cósmica, na sua transformação fixação cultural no desenvolvimento da alteridade alteridade,
histórico-evolutiva da Consciência Individual e no Ocidente daí em diante. São discutidos alguns patologia
Coletiva por intermédio de símbolos estrutur- aspectos dessa dissociação cultural e enfatizada a cultural,
antes. Esta metodologia nos permite estudar a importância do conceito de Patologia Cultural e de dissociação de
interação dos símbolos estruturantes de cul- resgate do dinamismo matriarcal ferido. ■ self cultural,
turas diferentes nas sociedades pluriculturais inquisição,
em contexto dinâmico e igualitário. renascimento,
defesas
Esta perspectiva simbólica aplicada à História
patológicas do
da Cultura Ocidental se destina a estudar a tran-
self cultural,
sição da dominância patriarcal para a alteridade por histeria.
intermédio dos símbolos estruturantes do Mito Cris-
tão. Simbolicamente, os 14 séculos de Inquisição
1
Este artigo é o resumo de um livro em preparo, com o mesmo
nome, que desenvolve o tema básico do trabalho “Uma Teoria
Mitológica da História”, apresentado no Simpósio Internacional
de Indagação sobre o Inconsciente, Painel Inconsciente e História,
UERJ, 1981, que, por sua vez, já foi a continuação do trabalho
“O Padrão Pós-Patriarcal na Psicoterapia. Uma Aplicação de uma
Teoria Mitológica da História”, apresentado no VIII Congresso
Internacional de Psicologia Analítica em São Francisco, 1980.
Reescrito especialmente para o primeiro número da Revista Jun-
guiana (Revista Junguiana 1, 1983, p. 8-63) e revisado em 2000.
* Médico Psiquiatra e Analista Junguiano. Membro fundador
da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. Membro da
Associação Internacional de Psicologia Analítica. Criador da
Psicologia Simbólica Junguiana. Educador e Historiador.
E-mail: c.byington@uol.com.br. Site: www.carlosbyington.com.br
ção de nossa espécie. De fato, não é necessário de chefe, em Washington, pode confiar no
ser analista para perceber que aqueles que cada que o chefe Seathl diz, com a mesma cer-
dia mais se armam para manter a paz eviden- teza com que nossos irmãos brancos po-
ciam com isso uma mentalidade, cujo princípio dem confiar nas alterações das estações
de funcionamento psicológico é essencialmente do ano. Minha palavra é como as estrelas
repressivo e guerreiro. – não empalidece.
A desilusão com o progresso tecnológico e Como podes comprar ou vender o céu, o
material como a grande meta cultural tornou vi- calor da terra? Tal ideia nos é estranha.
vência inegável o aviso do filósofo dado no início Nós não somos donos da pureza do ar
do processo: “Ciência sem consciência é a ruína nem do resplendor da água. Como po-
da alma” (Montaigne, 1533–1592) e tem aberto a des então comprá-los de nós? Decidimos
Humanidade para a busca de uma mentalidade
apenas sobre o nosso tempo. Toda essa
capaz de englobar o processo tecnológico de for-
terra é sagrada para o meu povo. Cada
ma mais humanista.
folha reluzente, todas as praias areno-
A valorização de outras culturas, então, está
sas, cada véu de neblina nas florestas
ocorrendo, não só como uma necessidade do
escuras, cada clareira e todos os insetos
Terceiro Mundo, mas também do humanismo
a zumbir são sagrados nas tradições e
moderno em busca de uma mentalidade mais
na consciência do meu povo. Sabemos
sábia do que aquela que atualmente conduz os
que o homem branco não compreende o
destinos de nossa espécie. Desiludidos com o
nosso modo de viver. Para ele um torrão
poderio tecnológico, como sinônimo de sabedo-
de terra é igual a outro. Porque ele é um
ria, passamos, já agora por questão de sobrevi-
estranho que vem de noite e rouba da
vência, a buscar a sabedoria onde quer que ela
terra tudo quanto necessita. A terra não é
se encontre. É nesse verdadeiro estado depres-
sua irmã, mas sim sua inimiga, e depois
sivo que se pode abrir mão verdadeiramente de
de a exaurir, ele vai embora. Deixa para
todo um etnocentrismo para ouvir a sabedoria
trás o túmulo de seu pai, sem remorsos
de outras culturas e elaborar suas características
de consciência. Rouba a terra de seus
e seus parâmetros, transformando-os em novos
filhos. Nada respeita. Esquece as sepul-
caminhos de desenvolvimento. Um pequeno e
turas dos antepassados e o direito dos
grandioso exemplo é a divulgação extensa, pro-
filhos. Sua ganância empobrecerá a terra
movida recentemente, da carta que se segue do
e deixará atrás de si os desertos. A vista
Cacique Seathl, endereçada ao Presidente dos
Estados Unidos Franklin Pierce, em 1855, respon- de tuas cidades é um tormento para os
dendo à proposta do seu governo para adquirir o olhos do homem vermelho. Mas talvez
território da tribo Duwamish: seja assim, por ser o homem vermelho
um selvagem que nada compreende.
O grande chefe de Washington mandou Não se pode encontrar paz nas cidades
dizer que deseja comprar a nossa terra. O do homem branco. Nem um lugar onde se
grande chefe assegurou-nos de sua ami- possa ouvir o desabrochar da folhagem
zade e sua benevolência. Isto é gentil de na primavera ou o tinir das asas dos inse-
sua parte, pois sabemos que ele não ne- tos. Talvez por ser um selvagem que nada
cessita de nossa amizade. Porém, vamos entende, o barulho das cidades é, para
pensar em sua oferta, pois sabemos que mim, uma afronta aos ouvidos. E que es-
se não o fizermos, o homem branco virá pécie de vida é aquela em que o homem
com armas e tomará nossa terra. O gran- não pode ouvir a voz do corvo noturno
ou a conversa dos sapos no brejo, à noi- los de um povo que um dia foi tão pode-
te? Um índio prefere o suave sussurro do roso e cheio de confiança como o nosso.
vento sobre o espelho d’água e o próprio De uma coisa sabemos, e o homem bran-
cheiro do vento, purificado pela chuva do co talvez a descobrirá um dia: o nosso
meio dia e com aroma de pinho. O ar é Deus é o mesmo Deus. Julgas, talvez, que
precioso para o homem vermelho porque o podes possuir da mesma maneira como
todos os seres vivos respiram o mesmo desejas possuir a nossa terra. Mas não
ar: animais, árvores, homens. Não parece podes. Ele é Deus da humanidade inteira.
que o homem branco se importa com o ar E quer bem igualmente ao homem verme-
que respira. Como um moribundo, ele é lho como ao branco. A terra é amada por
insensível ao ar fétido. Ele. E causar dano à terra é demonstrar
Se eu me decidir a aceitar, imporei uma desprezo pelo seu Criador. O homem bran-
condição. O homem branco deve tratar co vai desaparecer, talvez mais depressa
os animais como se fossem seus irmãos. que as outras raças. Continuas poluindo
Sou um selvagem e nada compreendo que a tua própria cama e hás de morrer uma
possa ser certo de outra forma. Vi milha- noite, sufocado nos teus próprios dejetos!
res de bisões apodrecendo nas pradarias, Depois de abatido o último bisão e doma-
abandonados pelo homem branco que dos todos os cavalos selvagens, quando
os abatia a tiros disparados do trem. Sou as matas misteriosas federem a gente, e
um selvagem e não compreendo como quando as colinas escarpadas se enche-
um fumegante cavalo de ferro possa ser rem de fios que falam – onde ficarão os
mais valioso que um bisão, que nós – os sertões? Terão acabado. E as águias? Te-
índios – matamos apenas para sustentar rão ido embora. Restará dar adeus à ando-
nossa própria vida. O que é o homem sem rinha e a caça; será o fim da vida.
animais? Se todos os animais se acabas- Talvez compreendêssemos se conhecês-
sem, os homens morreriam de solidão semos com que sonha o homem branco,
espiritual, porque tudo quanto aconte- se soubéssemos quais as esperanças que
ce aos animais pode também afetar os transmite a seus filhos nas longas noites
homens. Tudo está relacionado entre si. de inverno, que visões do futuro oferece
Tudo quanto fere a terra, fere também os às suas mentes para que possam formar
filhos da terra. os desejos para o dia de amanhã. Mas
Os nossos filhos viram seus pais humi- nós somos selvagens. Os sonhos do ho-
lhados na derrota. Os nossos guerreiros mem branco são ocultos para nós. E por
sucumbem sob o peso da vergonha. E de- serem ocultos, temos de escolher o nosso
pois da derrota passam o tempo em ócio, próprio caminho. Se consentirmos, é para
e envenenam seu corpo com alimentos garantir as reservas que nos prometes-
adocicados e bebidas ardentes. Não tem tes. Lá talvez possamos viver os nossos
grande importância onde passaremos os últimos dias conforme desejamos. De-
nossos últimos dias. Eles não são muitos. pois que o último homem vermelho tiver
Mais algumas horas, até mesmo uns in- partido e a sua lembrança não passar da
vernos, e nenhum dos filhos das grandes sombra de uma nuvem a pairar acima das
tribos, que viveram nesta terra ou que têm pradarias, a alma do meu povo continua-
vagueado em pequenos bandos nos bos- rá a viver nestas florestas e praias, porque
ques, sobrará para chorar sobre os túmu- nós as amamos como um recém-nascido
4
Ciclo cósmico
CONSCIENTE INCONSCIENTE
3
Ciclo de alteridade
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Natureza
Self
Vida Arquétipo Arquétipo Arquétipo Self
Ideação da grande do pai Anima
Emoções mãe Animus
Coniunctio
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Sí
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Sí
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SELF SELF
Self Self
Conduta Conduta
parcialmente parcialmente
inconsciente Conduta inconsciente
consciente
Símbolo
estruturante
SE
Eixo Ego-Self
Corpo Natureza
Self
Arquétipos
Self Self
A estruturação simbólica da Personalidade e do Ego se faz através do Eixo Ego-Self por quatro ciclos arquetípicos, cujos apa-
recimento e dominância são sucessivos, mas cuja função estruturante, depois do seu aparecimento, age simultaneamente
durante o processo.
toda essa riqueza simbólica no Self Cultural da altamente elaborado e desenvolvido, poderá
Sociedade pluricultural. A percepção dos símbo- nos proporcionar uma perspectiva histórica mais
los estruturantes de alteridade, tais como busca criativa do que a atual. ■
de verdade, de conhecimento, de igualdade, de Byington, Carlos. A Symbolic Theory of History.
fraternidade, democracia, ecologia e comunhão The Christian Myth as the Main Structuring-Symbol
internacional, inerentes a pujança do Self Cul- of the Alterity Pattern in Western Consciousness.
tural Ocidental, interagindo criativamente com Junguiana, Ver. Soc. Bras. Psic. Anal., no. 1, 1983.
os Símbolos Estruturantes das Culturas Índias e
Negras, que não possuem sua fixação e disso-
Recebido em: 25/03/2019 Revisão: 24/05/2019
ciação e apresentam um dinamismo matriarcal
Keywords: symbolic anthropology. symbolic history. cultural self. alterity pattern. cultural pathology. inquisi-
tion. renaissance. pathological defenses of the cultural self. dissociation of the cultural self. hysteria.
Resumen
Una teoría simbólica de la historia. El mito cristiano como principal símbolo
estructurante del patrón de alteridad en la cultura occidental
El artículo busca desarrollar una conceptu- ar la transición de la dominancia patriarcal a la al-
alización de Antropología Simbólica que pueda teridad a través de los símbolos estructurantes del
percibir y estudiar el Self Cultural a partir de cuatro Mito Cristiano. Simbólicamente, los catorce siglos
estructuras arquetípicas básicas: matriarcal, pa- de Inquisición se ven nuevamente intensificando el
triarcal, alteridad y cósmica, en su transformación dinamismo patriarcal a punto de patriarcalizar el
histórico-evolutiva de la Conciencia Individual y Mito Cristiano, establecer la dicotomía Cristo-Dia-
Colectiva por intermedio de símbolos estructur- blo y llevar a la disociación del Self Cultural en el
antes. Esta metodología nos permite estudiar la siglo XVIII, produciendo una grave fijación cultural
interacción de los símbolos estructurantes de cul- en el desarrollo de la alteridad en Occidente de ahí
turas diferentes en las sociedades pluriculturales en adelante. Se discuten algunos aspectos de esa
en contexto dinámico e igualitario. disociación cultural y se enfatiza la importancia del
Esta perspectiva simbólica aplicada a la Histo- concepto de Patología Cultural y de rescate del din-
ria de la Cultura Occidental está destinada a estudi- amismo matriarcal herido. ■
Palabras clave: antropología simbólica. historia simbólica. self cultural. alteridad. patología cultural. disoci-
ación de self cultural. inquisición. renacimiento. defensas patológicas del self cultural. histeria.
BYINGTON, C. Uma leitura simbólica da luta de classes. Rio LEACOCK, E. B. Prefácio. In: MORGAN, L. H. Ancient Socie-
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Resumo Palavras-chave
O autor analisa a peça de teatro “Amadeus” e e atingindo o psicótico. Descreve a função estru- inveja
estuda a função da inveja na relação de Mozart e turante normal do ciúme para melhor discriminar construtiva
ou normal,
Salieri. Caracteriza a inveja como uma função es- a inveja e exemplificar o ciúme patológico com a
inveja destrutiva,
truturante normal da maior importância no desen- peça Otelo, de Shakespeare. Finalmente, diferen-
patológica ou
volvimento da consciência. Chama atenção para cia a função estruturante normal do ciúme e da in- defensiva,
a dificuldade de se compreender este fato devido veja nos ciclos arquetípicos matriarcal, patriarcal, criatividade
às nossas concepções psicológicas se acharem de alteridade e cósmico. ■ prostituída,
ainda dominadas pela obra repressora-puritana traição da
da Inquisição. Afirma que na apresentação da própria anima,
peça a patologia mental de Mozart é ainda maior ciúme normal
que a de Salieri. Relaciona a inveja patológica de ou criativo,
ciúme patológico
Mozart com um complexo paterno negativo e a de
ou defensivo,
Salieri com a prostituição de sua Anima. Explica
complexo
a deterioração progressiva das personalidades paterno
de Mozart e Salieri: ao não assumirem sua inveja negativo,
normal, esta se tornou cada vez mais sombria e complexo de
patológica, ultrapassando o dinamismo neurótico desadaptação
social.
1
Este artigo foi escrito inicialmente em julho de 1982 para
o Seminário de Psicopatologia Simbólica da Sociedade Bra-
sileira de Psicologia Analítica. Revisto e ampliado para publi-
cação na Revista Junguiana nº 3, 1985 p. 81-120.
* Médico Psiquiatra e Analista Junguiano. Membro fundador
da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. Membro da
Associação Internacional de Psicologia Analítica. Criador da
Psicologia Simbólica Junguiana. Educador e Historiador.
E-mail: <c.byington@uol.com.br>
Site: www.carlosbyington.com.br
A peça de teatro “Amadeus”, na qual foi ba- em “Amadeus” vamos encontrar uma verdadeira
seada o filme do mesmo nome, tem como tema antologia da inveja. Contudo, quando se refere à
central a relação historicamente famosa entre essência do fenômeno da inveja, o personagem
os músicos Antonio Salieri (1750–1825) e Wolf- que representa Salieri expressa de forma exube-
gang Amadeus Mozart (1756–1791) na corte de rante a conotação habitual em nossa cultura de
Viena no final do século 18. Salieri só é conheci- algo ruim e exclusivamente destrutivo, como se
do hoje devido ao escândalo histórico que teve a inveja fosse basicamente pecaminosa. Minha
com Mozart. Na época, porém, Salieri foi um dos intenção aqui é mostrar a natureza preconceituo-
músicos mais famosos da Europa não só por ser sa desta noção, usando algumas cenas centrais
primeiro Mestre Capela na corte de Viena como da peça para teorizar sobre a inveja e sua função
por suas 40 óperas e 12 oratórios que as grandes estruturante na Psicologia Simbólica.
capitais da Europa conheceram e aplaudiram. Esta peça tem sido muito apreciada e critica-
Mozart passou como um cometa musical pela da. Como qualquer criação romanceada de um
Europa no final do século XVIII. Menino prodígio, fato histórico, tão mal documentado como foi a
estudava desde os 3 anos, compunha e tocava vida de Mozart, no que concerne, sobretudo às
desde os 5 anos de idade. Sua trajetória feérica razões de sua pobreza e, mesmo, miséria cres-
teve muitos episódios de glória, mas seu tem- cente no final de sua vida, seguida de sua do-
peramento irreverente e mimado, sua descon- ença e sua morte em circunstâncias obscuras,
sideração para com os valores da sociedade do “Amadeus” é questionável em muito do que
seu tempo e sua incapacidade de promover sua afirma e deixa transparecer. A confissão de Sa-
carreira tiveram papel importante no fato de ele lieri indubitavelmente é um fato histórico. O seu
ter morrido aos 35 anos, abandonado por todos, conteúdo, porém, nunca foi apurado. Afora isso,
na miséria e enterrado como indigente numa o fato mais questionado da peça foi o exagero
vala comum. Salieri uniu-se à glória de Mozart nas irreverências de Mozart, que teria distorcido
na história da música, não devido à sua músi- para muitos a verdadeira natureza de sua perso-
ca, mas por ter confessado na velhice, em meio nalidade. Estes dois aspectos, porém, não pa-
a um episódio psicótico no qual tentou suicídio, recem invalidar as considerações que fazemos
que envenenara Mozart 30 anos antes por inve- sobre os símbolos provavelmente vivenciados
ja. A veracidade do fato nunca foi apurada, mas pelos dois músicos.
o acontecimento passou a fazer parte da glória e Não é necessário se ter visto ou o filme ou a
do fim trágico de Mozart. peça para se acompanhar este estudo. Todos os
A peça, há anos um sucesso nos Estados Uni- símbolos aqui estudados têm um contexto muito
dos e na Europa e atualmente em exibição no Rio claro e quando for necessário, repetirei as frases
de Janeiro, ilustra, por intermédio da competição da peça nas quais eles estão contidos. Apesar
de dois músicos, Salieri e Mozart, o conflito de disso, apresento a seguir um resumo da peça
inúmeras emoções, das quais a inveja sobressai para melhor situar o leitor. A ação decorre em
para dominar o enredo dramático do princípio Viena em novembro de 1182 e evoca a década
ao fim. Da mesma forma que o ciúme permeia de 1781 a 1791.
o Otelo de Shakespeare, e aí podemos perceber Ato 1 Cena 1 (Viena) – Salieri velho, numa cadei-
muitas de suas inúmeras nuances psicológicas, ra de rodas ouve o escândalo causado em Viena
por seus delírios de ter envenenado Mozart 32 emitindo compulsivamente uma risadinha esga-
anos atrás. niçada e chocante. Mozart, que recebera a enco-
menda de uma ópera há apenas duas semanas,
Ato 1 Cena 2 (Casa de Salieri) – Salieri invoca o
diz que já terminou o primeiro ato (O Rapto do
futuro e começa a contar sua história, preparan-
Seraglio) e choca o Conde Rosemberg, diretor
do sua confissão.
da ópera, pois não lhe submetera o libreto para
Ato 1 Cena 3 (1781 – A corte do Imperador José aprovação, ao mesmo tempo em que ofende os
II) – Salieri relata como os músicos viviam como brios patrióticos de Salieri, referindo-se à ópera
meros criados dos nobres e, no entanto, seriam em voga como “lixo italiano”. A sós, Mozart con-
mais reverenciados pela História do que aque- ta a Salieri que encontrara em Katherina Cavalieri
les. Salieri era o mais bem-sucedido de todos até uma cantora perfeita para o papel em sua ópera.
que se começou a falar em Mozart. Salieri enciuma-se, pois Katherina é sua melhor
Ato 1 Cena 4 (O Palácio de Schönbrunn) – Fala-se aluna. A seguir, toca a marcha de Salieri no pia-
em encomendar uma ópera em alemão para Mo- no de memória. Começa a desenvolver sua melo-
zart, cuja fama de menino prodígio era conheci- dia com incrível criatividade diante de um Salieri
da de todos – Salieri é convidado pelo Barão Van estupefato e a transforma na célebre Marcha do
Swieten para fazer parte de sua loja maçônica. Casamento de Fígaro como a conhecemos hoje.
Mozart também será convidado. Tratava-se de Salieri se despede, mal podendo dissimular o
uma grande honraria. ódio. Imagina Mozart no lugar do personagem de
sua ópera sobre a Lenda de Dannos, que, por ter
Ato 1 Cena 5 (A Biblioteca no Palácio da Baronesa cometido um crime monstruoso, foi acorrentado
de Waldstadten) – Durante uma recepção, Salieri a uma rocha para toda a eternidade com a cabe-
senta-se numa cadeira da Biblioteca e, por aca- ça sendo repetidamente golpeada por um raio.
so, ouve escondido uma cena entre Mozart e sua
noiva Constanze na qual brincam de gato e rato Ato 1 Cena 8 – A estreia do Rapto do Seraglio tem
com grande irreverência. A seguir são chamados relativo sucesso e, pelo papel dado a Katherina,
para ouvir o Adágio da Serenata para 13 Instru- Salieri imagina que Mozart a seduzira, jurando
mentos de Sopro (K-361) de Mozart. Salieri, de que seduziria Constanze em troca.
início, tenta ridicularizar o que ouve, mas, aos Constanze e Mozart casam-se, apesar de não
poucos, é invadido por uma imensa onda de in- haverem ainda recebido o consentimento do pai
veja e de dor. Salieri sai à rua desvairado pela dele. Comenta-se em Viena como Mozart é irre-
natureza divina da música que ouvira e, ao mes- verente e perdulário.
mo tempo, chocado pela infantilidade obscena
Ato 1 Cena 9 – A irreverência de Mozart choca e
da personalidade do artista que a criara.
insulta todos, até mesmo o Imperador, em meio
Ato 1 Cena 6 (Casa de Salieri) – O músico com- à sua risadinha compulsiva. Salieri percebe que
põe e ensina. Tem muitos alunos. É bem-suce- Mozart está em dificuldades financeiras e deci-
dido. À noite, ajoelha-se em desespero e implo- de agir.
ra a Deus a Graça de poder expressá-lo. Evita
Ato 2 Cena 10 (Biblioteca de Waldstadten) – Do
encontrar Mozart.
mesmo esconderijo da Cena 5, Salieri presencia
Ato 1 Cena 7 (Palácio de Schönbrunn) – O Impe- uma briga de ciúmes e ressentimentos entre Mo-
rador aguarda impaciente a chegada de Mozart zart e Constanze, que lhe acusa de seduzir todas
e o recebe, mandando Salieri executar sua Mar- as suas alunas, inclusive Katherina. Afirma que
cha de Boas-Vindas, aplaudida por todos. Mo- Salieri tem alunos porque não tem essa levian-
zart saúda a todos de forma exuberante demais, dade e Mozart revida descompondo-o. Salieri
finge acordar e cumprimenta o casal estarrecido. lento para o cargo de professor da princesa Eliza-
Mozart sai e Constanze se queixa e pede que Sa- beth, pedido por Constanze para Mozart.
lieri ajude Mozart com um emprego e alunos. Ele
Ato 2 Cena 3 – Mozart compõe genialmente, mas
a convida para ir à sua casa uma tarde.
pouco é ouvido, enquanto Salieri se torna cada
Ato 1 Cena 11 (Casa de Salieri) – Constanze che- vez melhor sucedido.
ga trazendo uma partitura do marido. Grosseira-
Ato 2 Cena 4 – Mozart planeja as Bodas de Fí-
mente, Salieri propõe a sedução de Constanze
garo. Com isso invade a Ópera Italiana, seara de
em troca de um emprego na Corte. Revoltada, ela
Salieri, e se indispõe pela vulgaridade do libreto
o destrata e ele se humilha confessando sua in-
com o Barão Van Smieten, seu protetor e diretor
veja. Ela o espezinha e ele, desesperado, repete
da Biblioteca Imperial, sempre com sua risadi-
sua proposta agressivamente.
nha debochada, impertinente e compulsiva. Sa-
Ato 1 Cena 12 – Culpado e envergonhado, Salie- lieri planeja com o Conde Van Strack, camareiro
ri se recrimina. Apanha a partitura deixada por imperial, impedir as Bodas de Fígaro pelo fato de
Constanze. É a Abertura da 29º Sinfonia em Lá ter um ballet no 3º Ato, o que contrariava uma
Maior. Ela havia dito que se tratava do original. determinação do próprio Imperador.
Maravilhado, ele se dá conta de que não há nada
Ato 2 Cena 5 – Mozart insiste em incluir o ballet,
a corrigir. É uma obra-prima acabada. Em outra
rompe com o Conde Rosemberg e pede a Salieri
partitura, vê a mesma coisa na Sinfonia Concer-
que, mentirosamente, concorda em interceder
tante para Violino e Viola e, a seguir, tudo se re-
junto ao Imperador.
pete com o Concerto para Flauta e Harpa. Súbi-
to, Salieri percebe que a genialidade criativa de Ato 2 Cena 6 – Por coincidência, o Imperador vem
Mozart é de tal ordem que ele compõe a música ao ensaio e mantém o ballet, contra Rosemberg e
já perfeitamente acabada. Ao som do Kyrie da Stratt. Mozart crê ingenuamente dever tudo a Salieri.
Missa em Dó Menor, Salieri é acometido de êx- Ato 2 Cena 7 – As Bodas de Fígaro são executadas
tase. O teatro se inunda de música e de luz. Ele incluindo a Marcha das Boas-Vindas de Salieri
cambaleia com as partituras na mão e desmaia. na célebre ária “Non piu andrai”. O Imperador
Salieri acorda e vocifera contra Deus por humi- boceja no final e pouco elogia Mozart que, deso-
lhá-lo ao ter criado Mozart: infantil, mal-educa- lado, é consolado por Salieri. Rosemberg furioso
do, irresponsável, mas... genial! – “Dio Ingiusto, será doravante um grande inimigo de Mozart.
exclama, vós sois meu inimigo eterno...” Declara Ato 2 Cena 8 (Biblioteca de Waldstadten) – Mo-
guerra a Deus por intermédio de sua criatura pre- zart fala em ir para a Inglaterra. Afirma que o pai
ferida – Mozart, chamado Amadeus. não o ajuda por nunca o ter perdoado por ter me-
Ato 2 Cena 1 (Casa de Salieri) - Estamos em 1823. nos talento que ele. Chega a notícia da morte do
Salieri continua a contar o que aconteceu na sua pai. Mozart desespera-se de culpa por tê-lo de-
luta com Deus para destruir Mozart. Constanze sobedecido ao se casar e, depois, abandonado.
vem a sua casa para cumprir o contrato. Salieri a Salieri o consola e depois, só, afirma que assim
rejeita e a manda embora com as partituras. Con- nasceu o fantasma do pai em D. Giovanni.
fessa para si mesmo que a deseja, mas que isso
Ato 2 Cena 9 – Em relação aos acordes de D. Gio-
atrapalharia seus planos. Dedica-se à sedução
vanni, Salieri afirma ali estar o pai mais acusador
da soprano Katherina, de quem se torna amante
da história da ópera, que condena o libertino cul-
durante muitos anos.
pado ao Inferno. Ele vê na risadinha de Mozart a
Ato 2 Cena 2 (Palácio de Schönbrunn) – Salieri gargalhada de Deus e reitera seu plano de lutar
vai ao imperador e recomenda alguém sem ta- contra ambos.
Ato 2 Cena 10 – Morre Gluck e o Imperador no- Mozart compõe sem parar. A figura reaparece
meia Mozart para seu posto, mas, por influência e ele a convida para a ceia com as palavras de
de Salieri, com um salário muito menor. Mozart D. Giovanni – “Oh estátua gentilíssima, venite a
iludido e já doente agradece tudo a Salieri que é cena!”. Salieri é agora o personagem e atravessa
nomeado Mestre-Capela Imperial. a rua em direção à casa de Mozart.
Ato 2 Cena 11 – Constanze novamente engravi- Ato 2 Cena 16 – Mozart dirige-se a Salieri como
da e Mozart diz que vê em pesadelos uma figura a figura e promete que já está quase terminan-
mascarada vestida de cinza que lhe chama. Eles do o réquiem. Salieri come o canto de uma par-
passam muita necessidade, mas seus compa- titura dizendo que os dois estão envenenados,
nheiros maçons os ajudam. um pelo outro. Mozart começa a delirar, regride
à infância e chama pelo pai. Chega Constanze,
Ato 2 Cena 12 – Van Swieten (maçom) ajuda
mas Mozart não a vê. Continua compondo, canta
Mozart se este fizer arranjos de Bach. Mozart,
“Gragna figata já!”. É o fim.
mesmo revoltado, concorda, pois os maçons
são agora seu único esteio. Salieri, também Ato 2 Cena 17 – Salieri se dá conta de que a figu-
maçom, quer lhe dar dinheiro. Mozart recusa, ra que amedrontava Mozart havia sido um criado
valorizando ainda mais sua amizade. Schikane- do Conde de Walsegg que, almejando passar por
der, ator e dono de teatro, entra para a loja ma- compositor, encomendara o réquiem para apre-
çônica e oferece a Mozart pagamento para uma sentar como seu. Salieri chegou a regê-lo sob
peça de vaudeville. Mozart pensa escrever so- esta falsa autoria.
bre o amor fraterno. Salieri ficou em Viena e, aos poucos, entendeu o
Ato 2 Cena 13 – O casal passa dificuldades. Cons- castigo de Deus. Ela não havia querido a fama?
tanze acusa o pai de Mozart de ter superprote- Pois bem, ele agora era o músico mais famoso
gido Mozart e de ter feito dele um eterno bebê. da Europa. Viveu para ver sua música esquecida
Diz que, na véspera, devido ao frio, queimara as e a de Mozart glorificada.
cartas do sogro para que se esquentassem. As Ato 2 Cena 18 (Casa de Salieri) – Salieri assina a
mesmas cartas que a atacaram tanto. Mozart fica confissão de ter envenenado Mozart e se declara
furioso. Brigam e, no meio da crise, ele vê a fi- o santo protetor da mediocridade. Tenta o suicídio.
gura chamando. Constanze entra em trabalho de
Ato 2 Cena 19 – No livro de conversas de Bee-
parto. Tem mais um filho e viaja para Baden com
thoven, no qual os visitantes escrevem para o
o pouco dinheiro que lhes resta. A figura volta e
compositor surdo, se lê em novembro de 1823:
lhe pede para escrever um réquiem.
“Salieri cortou a garganta. Está completamente
Mozart encena a Flauta Mágica com libreto de louco, afirmando que envenenou Mozart”.
Schikaneder, incluindo os rituais sagrados. Sa-
Salieri encerra a peça exclamando – “Mediocridades
lieri sente que, na obra, Mozart fazia as pazes
de todo o mundo, eu vos absolvo a todos. Amém!”.
com a figura do pai.
Minha prática como psicoterapeuta e minhas
Salieri avisara o Barão Van Swieten para ir à es-
vivências no meu próprio processo de individu-
treia e este, chocado com a abertura dos rituais
ação têm me levado cada vez mais a discordar
maçônicos para um público tão vulgar, condena
da noção dominante em muitas teorias psicoló-
Mozart veementemente.
gicas de que o Ego se estrutura em meio à tais
Ato 2 Cena 15 (O Teatro em Weiden) – Schikane- ansiedades durante e após o nascimento, que
der engana e rouba Mozart, dando-lhe dinheiro tem que lançar mão normalmente de mecanis-
apenas para beber. mos de defesa que habitualmente encontramos
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Vida Arquétipo Arquétipo Arquétipo Self
Ideação da grande do pai Anima
Emoções mãe Animus
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SELF SELF
Gráfico. A estruturação simbólica da personalidade e do ego se faz através do eixo ego-self por quatro
ciclos arquetípicos, cujos aparecimento e dominância são sucessivos, mas cuja função estruturante,
depois do seu aparecimento, age simultaneamente durante o processo.
porém, será sempre psíquico. De fato, para a re- a ser psíquica. Somos animais simbólicos e, por
alidade humana tudo é sempre psíquico. O todo isso, quando lidamos com o mundo objetivo a
universal é a nossa origem, é o meio no qual in- nossa volta, o fazemos por intermédio de sím-
teragimos e é o nosso fim, Ele e nós somos psi- bolos que discriminamos permanentemente em
quicamente um. Nosso Ego e nossa identidade componentes subjetivos e objetivos. Nós não te-
consciente se diferenciam do todo, mas, no fun- mos a capacidade de relacionar com um mundo
do, quer sejamos químicos, físicos ou místicos objetivo em si, dissociado do contexto simbó-
sabemos que o Cosmos e nós somos uma só en- lico. Nossa capacidade de objetividade advém
tidade. A diferenciação de nossa identidade do sempre e de novo da diferenciação da dimensão
todo não interrompe nem elimina a natureza de simbólica que é a fonte da objetividade e da sub-
nosso relacionamento com o todo que continua jetividade. A dificuldade de raciocinarmos den-
Keywords: normal, constructive or creative envy, pathological, defensive or destructive envy. prostituted
creativity, anima betrayal. negative father complex, social unadaptation complex, normal, constructive or
creative jealousy, pathological, defensive or destructive jealousy.
Resumen
La psicología de la envidia y su función en el proceso creativo: un estudio de la
psicología simbólica
El autor analiza la pieza de teatro “Amadeus” de Salieri con la prostitución de su Anima. Explica
y estudia la función de la envidia en la relación de el deterioro progresivo de las personalidades de
Mozart y Salieri. Caracteriza la envidia como una Mozart y Salieri: al no asumir su envidia normal,
función estructurante normal de la mayor importan- ésta se volvió cada vez más sombría y patológica,
cia en el desarrollo de la conciencia. Llama atención superando el dinamismo neurótico y alcanzando
a la dificultad de comprender este hecho debido a lo psicótico. Describe la función estructurante nor-
que nuestras concepciones psicológicas se hallan mal de los celos para mejor discriminar la envidia y
todavía dominadas por la obra represora-puritana ejemplificar los celos patológicos con la pieza Otelo
de la Inquisición. Afirma que en la presentación de de Shakespeare. Finalmente, diferencia la función
la pieza la patología mental de Mozart es aún may- estructurante normal de los celos y la envidia en los
or que la de Salieri. Relaciona la envidia patológica ciclos arquetípicos matriarcal, patriarcal, de alteri-
de Mozart con un complejo paterno negativo y la dad y cósmico. ■
Palabras clave: Envidia constructiva o normal, envidia destructiva, patológica o defensiva, creatividad
prostituida, traición de la propia anima, celos normales o creativos, celos patológicos o defensivos, complejo
paterno negativo, complejo de desadaptación social.
Resumo
O autor analisa a unilateralidade da objetiv- Demonstrando que o padrão de relação ob-
idade em detrimento da subjetividade no con- jetal Eu-Outro e Outro-Outro no padrão de alteri-
hecimento científico. Contrariamente a muitos dade é quaternário e que este padrão expressa a Palavras-chave
filósofos da ciência que situam esta unilaterali- plenitude simbólica na inter-relação das polari- ciência
dade como decorrente principalmente do próprio dades durante o desenvolvimento da consciên- simbólica,
padrões
desenvolvimento científico, o autor a interpreta cia, o autor propõe um método científico qua-
arquetípicos
basicamente como uma dissociação patológica ternário de relacionamento subjetivo-objetivo
da consciência,
do Self Cultural do Ocidente ocorrida no final do que denomina ciência simbólica e que relacio- padrão de
século XVIII quando da separação ciência-religião. na significativamente o conhecimento objetivo alteridade da
Apresentando sua teoria do desenvolvimento e subjetivo. consciência,
simbólico da consciência individual e coletiva por A seguir, o autor descreve a metodologia da elaboração
intermédio de quatro arquétipos principais (ma- ciência simbólica e a prática de uma pedagogia simbólica
triarcal, patriarcal, alteridade e totalidade), o au- simbólica. Propõe também a releitura de ensina- quaternária,
mentos de outras culturas e de pensadores do causalidade
tor caracteriza a prática do método científico por
mágica,
intermédio do arquétipo de alteridade. Descreve Ocidente antes da dissociação, para que, à luz
causalidade
cinco posições básicas para qualquer elaboração da interação quaternária, seus símbolos possam
demonstrativa,
simbólica (indiferenciada, insular, polarizada, di- ser reelaborados, resgatando muito do saber sincronicidade,
alética e contemplativa) e assinala que o cientista não compreendido devido ao emprego dissocia- via esotérica,
e a pesquisa científica podem percorrer todas es- do das polaridades subjetivo-objetivo. via objetiva,
tas cinco posições na relação sujeito-objeto. Concluindo, o autor assinala que esta disso- método
ciação no padrão de alteridade impede a elab- simbólico
1
Conferência pronunciada no I Congresso Holístico Internac- de pesquisa
ional. Brasília, março 1987, publicada no livro “O Novo Par- oração quaternária simbólica plena e dificulta
adigma Holístico”, São Paulo, Summus Ed., 1991. Publicado a compreensão de símbolos do Arquétipo da científica,
originalmente na Junguiana 5, 1987, p. 5-21.
Totalidade no processo existencial, que prepa- pedagogia
* Médico psiquiatra e Psicoterapeuta, Membro Analista da So-
ciedade Brasileira de Psicologia Analítica. simbólica.
ra a consciência para a morte como vivência
E-mail: <c.byington@uol.com.br>
Site: www.carlosbyington.com.br de transformação. ■
“O símbolo mais transcendente que rarem esta maior ênfase no polo objetivo como
existe é a verdade”. uma consequência natural da avalanche de
descobertas objetivas e da revolução industrial
Quando percorremos os marcos históricos tecnológica (CAPRA, 1982). Estes fatores, ainda
da ciência moderna, nos damos conta que po- que muito importantes, não me parecem a cau-
demos situar a reflexão sobre o conhecimento sa principal da dissociação subjetivo-objetivo,
(COMMINS; LINSCOTT, 1954) em função da re- ocorrida no humanismo ocidental. Como anali-
lação sujeito-objeto e da relação dos objetos sarei adiante, a causa principal disto foi prova-
entre si. Por mais que variem as epistemologias velmente a ruptura ciência-religião no século
(HOUDE; MULLALY, 1960), estes dois parâmetros XVIII e as raízes históricas deste rompimento
são permanentes. Existe um terceiro, inerente na obra persecutória e repressiva da Inquisição.
à metodologia do conhecimento, que também Não se tratou, pois, simplesmente da ocorrência
sempre foi reconhecido. Trata-se da constatação de uma maior ênfase cultural no polo objetivo,
de que a busca da verdade se faz dentro de um o que poderia ser explicado por intermédio da
todo imenso e desconhecido. revolução tecnológica, mas de uma dissociação
Examinando as maneiras como o ser humano patológica do Self Cultural europeu.
desenvolve o conhecimento, sem refletir especi- Acumulou-se assim um enorme saber sobre
ficamente sobre ele, vemos uma mistura desses a natureza, lado a lado com um mínimo conhe-
três parâmetros sob as mais variadas formas. cimento sobre a subjetividade. É comum encon-
Grande parte do desenvolvimento das ciên- trar-se um currículo de 18 anos de estudo (que
cias no Ocidente, porém, se fez seguindo um culminou com diploma universitário), durante o
caminho característico. Principalmente a partir qual não foi estudado, durante um semestre se-
do século XVIII, a polaridade sujeito-objeto foi quer, a formação e o desenvolvimento da cons-
considerada de modo específico, para se afastar ciência e as vicissitudes de amar, criar e morrer.
o componente subjetivo da inter-relação dos fe- Um engenheiro pode se especializar por
nômenos entre si. Isto foi feito, tanto nas chama- mais dez anos sem nunca aprender os padrões
das ciências da natureza, quanto nas ciências arquetípicos que regem o pensamento. Antro-
humanas (BACHELARD, 1960). pólogos, sociólogos e cientistas políticos po-
O polo subjetivo foi identificado com o erro e dem chegar ao mestrado e ao doutoramento
sistematicamente afastado da observação cien- após 25 anos de estudo (18 de graduação, três
tífica, vendo-se nele apenas o que poderia atra- de mestrado e quatro de doutorado) sem saber
palhar a observação e não o que poderia contri- o que quer dizer a estruturação da consciência
buir para ela (MARGENAU, 1950). Criou-se, com através de símbolos a partir de relações indife-
isso, um preconceito contra a subjetividade e um renciadas. Um médico pode se tornar professor
gigantesco viés na epistemologia. titular de Anatomia, Fisiologia ou Clínica Mé-
As dissociações mente-corpo, indivíduo- dica sem ter a menor noção do que é o corpo
-sociedade, psique-natureza e racionalidade- simbólico e sua função na estruturação normal
-irracionalidade (consciente-inconsciente) são da consciência, na formação de sintomas e na
consequências da grande dissociação sujeito- relação médico-paciente. No entanto, todos es-
-objeto. Apesar de muitos historiadores conside-
tes especialistas trabalham convictos de que mento do cientista diante do bem e do mal tem
sabem como é o ser humano. que acompanhar o desenvolvimento do conhe-
Os resultados produtivos deste caminho es- cimento. O conhecimento atual da formação do
tão aí inegáveis na imensa aquisição de conhe- caráter e dos seus distúrbios situa a ética como
cimento expresso, entre outras coisas, pela tec- uma função arquetípica inata no desenvolvimen-
nologia moderna. Este imenso acúmulo de saber to da personalidade. Nesse sentido, a defesa da
ocorre, porém, com frequência, indiferente ao separação da pesquisa e da responsabilidade
destino humano: fome e miséria em mais da me- moral do emprego do conhecimento adquirido
tade do mundo, devastação e desequilíbrio eco- é claramente uma proposta psicopática, isto é
lógico em larga escala, uso alienante progressivo um distúrbio da formação do caráter do cientis-
de psicotrópicos, envenenamento alimentar com ta. Isto quer dizer que a função ética é inerente
pesticidas e corrida armamentista mundial com à aquisição do conhecimento e que a proposta
potencial genocida aterrador, exaustão progres- da necessidade de se submeter artificialmente a
siva das reservas e contaminação da atmosfera pesquisa científica à ética advém da dissociação
e dos mananciais. anormal da polaridade subjetivo-objetivo.
À volta e no centro desta alienação humanis- A necessidade crescente do estudo do co-
ta e holística, distinguimos a ignorância defensi- nhecimento objetivo como um fenômeno huma-
va e orgulhosa sobre como se forma e desenvol- no, com a participação do parâmetro subjetivo
ve a consciência humana, a principal reguladora no próprio desenvolvimento da ciência a partir
do saber e da conduta. da teoria restrita da relatividade, publicada por
Nesse sentido, quero, neste trabalho, refle- Einstein em 1905, coincidiu significativamente
tir sobre os limites da ciência em duas grandes com as descobertas de Freud e Jung sobre a na-
fronteiras, ambas relacionadas com a negli- tureza da psique.
gência do estudo do polo subjetivo na relação O problema de trazermos a psicologia para
subjetivo-objetivo. socorrer a dissociação subjetivo-objetivo da ci-
A primeira, diz respeito ao próprio conheci- ência é que ela própria – também como ciência
mento do polo objetivo. Damo-nos cada vez mais que é – nasceu e floresceu dentro desta disso-
conta de que o estudo da natureza, da macro e ciação. Assim, as descobertas geniais dos seus
da microfísica, do universo dos átomos e das pioneiros foram por eles mesmos consideradas
galáxias, em meio do continuum espaço-tempo, num conceito de psique identificada com o sub-
para prosseguir, necessita conhecer o funciona- jetivo e dissociada da natureza em sua própria
mento da psique. De fato, o aprofundamento do essência. Como analisaremos adiante, o resgate
conhecimento de categorias básicas como gra- da dissociação subjetivo-objetivo só pode ser
vidade, energia, matéria, eletromagnetismo e feito por uma psicologia que perceba a energia
espaço-tempo implica no aumento do conheci- psíquica como uma das formas de energia física.
mento da imaginação (CAPRA, 1983). Soma-se a É à luz deste enfoque que edificaremos o con-
isso a noção crescente resultante das pesquisas ceito de símbolo, como ponto de união do subje-
em psicologia da criatividade, segundo a qual, tivo e do objetivo, viga-mestra de uma teoria de
a descoberta científica, longe de depender ex- ciência simbólica.
clusivamente da lógica, surge por vias frequen- Com Freud, percebemos a estruturação da
temente irracionais tais como intuições, sonhos consciência a partir do inconsciente e com Jung
e fantasias, ainda dificilmente compreensíveis aprendemos que o inconsciente é formado por
pelo conhecimento atual (KOESTLER, 1964). matrizes criativas de símbolos. A união das duas
A segunda diz respeito à inter-relação ética obras permite relacionar dinamicamente a es-
entre conhecimento e conduta. O posiciona- truturação de padrões operativos da consciên-
cia, coordenada por arquétipos do inconsciente a interação conjugal e familiar igualitária, a eco-
coletivo do início ao fim da vida através de sím- logia balanceada, a imunologia e a pedagogia
bolos. Isto quer dizer que a consciência opera criativa (BYINGTON, 1981).
arquetipicamente através de padrões de relacio- O dinamismo de alteridade, como padrão
namento independentemente da natureza dos estruturante da consciência coletiva, surge
símbolos em si. culturalmente através de expressões míticas e
As obras psicológicas de Freud e Jung e as históricas do inconsciente coletivo como, por
pesquisas delas decorrentes – desde que pen- exemplo, no Taoismo e no I Ching (oráculo qua-
semos a energia psíquica como uma diferen- drimilenar chinês), na interação consulta-êxta-
ciação da energia física – permitem-nos hoje se-revelação do Oráculo de Delphos e na rela-
perceber o desenvolvimento arquetípico da ção morte-vida dos Mistérios de Eleusis, ambos
consciência, através dos símbolos, do início ao na Grécia, no caminho do meio do Budismo e
fim da vida, como uma atualização do potencial no “amar ao próximo como a si mesmo” do Cris-
do arquétipo central, com suas características tianismo (BYINGTON, 1982).
de criatividade e centralização coordenada. O exposto nos demonstra que a prática do
Permitem-nos, também, descrever quatro ciclos método científico faz parte de um estado de
arquetípicos que regem, lado a lado, esse de- consciência e que, por isso, a mentalidade cien-
senvolvimento e, com isso, diferenciar quatro tífica não pode ser restrita a uma mera busca da
padrões básicos de funcionamento da consci- objetividade, sob pena de não compreendermos
ência: matriarcal, patriarcal, alteridade e cósmi- seu contexto humano. Reduzir a mentalidade
co (BYINGTON, 1983). científica à objetividade por ela estudada é equi-
Estas descobertas nos mostram que a atitu- valente a estudarmos as cores da natureza sem
de da consciência, com a neutralidade neces- jamais nos ocorrer a necessidade da compreen-
sária para o exercício sistemático do método são do fenômeno da visão.
científico, coincide com o terceiro ciclo arque- A formação do Ego, seu amadurecimento e
típico, ou seja, com o ciclo de alteridade. Com sua capacidade de relacionamento com os ob-
efeito, depois de sofrer a estruturação matriarcal jetos como um fenômeno inseparável foi uma
e patriarcal, é somente neste terceiro ciclo que descoberta da Psicanálise e tem sido um tema
a consciência ultrapassa o narcisismo inerente extensamente estudado por sua Escola Inglesa
aos ciclos parentais e se capacita para relacionar através do que passou a ser chamado de teoria
o Ego e o Outro (bem como as coisas entre si) do relacionamento objetal. Nesse sentido, Me-
dialética, criativa e igualitariamente: condições lanie Klein distingue duas posições básicas do
essenciais para o exercício da crítica científica Ego, a esquizoparanoide e a depressiva. Na pri-
sistemática. Percebemos aí, nitidamente, que meira, o Ego é basicamente “maniqueísta”, pois
a permanência da ciência no estudo da relação não consegue se relacionar com os polos ódio e
das coisas entre si, excluindo a subjetividade, amor no mesmo objeto. Na segunda, isto se tor-
não só não é necessária para o método científi- na possível (KLEIN, 1952 p. 292-94).
co, como é mutiladora para o funcionamento da Algo muito importante nas posições de Me-
consciência (BYINGTON, 1986a). lanie Klein é que ela inicialmente as descreveu
O conhecimento da estruturação de padrões como fases evolutivas do Ego. Posteriormente,
da consciência através dos arquétipos nos per- porém, percebeu que podiam ser adotadas dian-
mite ver que o padrão de alteridade, requerido te de qualquer relacionamento objetal, em qual-
para o método científico é o mesmo padrão ne- quer fase da vida, sempre mantendo uma rela-
cessário para as mais diversas atividades huma- ção evolutiva entre elas. Esta noção abre a teoria
nas, tais como a atividade política democrática, de formação da consciência para a noção de que
o Ego, mesmo adulto, passa necessariamente inadequado e imperfeito. Para Popper, a desco-
por situações “menos lúcidas” para adquirir lu- berta nova contribui para a verdade de duas for-
cidez diante de novas experiências. mas. Uma quando surge e explica novos fenôme-
O psicanalista argentino José Bleger seguindo nos. Outra, quando percebe o que ela ainda não
os trabalhos ingleses de Melanie Klein e de Mar- explica. Nesse sentido, o estado de constatação
gareth Mahler (1958) descreveu uma fase anterior do não saber é tão importante para a busca cien-
à posição esquizoparanoide, como um estado tífica da verdade quanto o saber (POPPER, 1974).
simbiótico, no qual, o Ego não pode perceber o Deste modo, o correspondente psicológico à
objeto por estar em fusão com ele. Denominou a constatação do não saber é exatamente o estado
esta posição gliscocárica (BLEGER, 1977). de indiscriminação do Ego que lhe permite per-
Quando aplicamos, em vez de fases, também correr as posições simbiótica, esquizoparanoide
a noção de posição a esta situação primária do e depressiva diante de objetos a cada nova si-
Ego chegamos, então, a três posições, ou seja, tuação de crescimento e transformação dentro
simbiótica, esquizoparanoide e depressiva. do ciclo arquetípico em que o objeto ou símbolo
Ora, descrevermos posições em vez de fases está naquele momento sendo elaborado.
significa admitirmos que estes padrões de rela- A correlação do conhecimento e dos esta-
cionamento não só se encontram na formação dos de transformação do Ego com os quatro
do Ego, como também na sua maneira de se ciclos estruturantes da consciência (matriarcal,
relacionar diante de vivências novas durante a patriarcal, alteridade e cósmica) permite-nos
vida. É o mesmo que dizer que estas posições perceber os padrões de relacionamento do Ego
do Ego são arquetípicas, ou seja, são formas com objetos (Eu-Outro) de forma mais ampla
inatas de relacionamento, acionadas diante de que as três posições acima referidas (simbió-
determinadas situações existenciais e cultu- tica, esquizoparanoide e depressiva), pois a
rais. Resta-nos, então, procurar a ligação entre forma como estas posições estão descritas tem
estes padrões e os arquétipos do inconsciente três grandes limitações.
coletivo para compreendermos a relação do A primeira é a evidente mistura com a pato-
conceito de arquétipo com a teoria do conheci- logia, presente já na sua denominação. A segun-
mento científico. da é a não percepção de que estas posições do
Esta aproximação entre psicologia e ciência Ego ou padrões de consciência são diferentes
para chegarmos à compreensão do que é ciência em cada ciclo arquetípico, apesar de em cada
simbólica requer admitirmos que o Ego, diante ciclo, passarem pelos estágios de simbiose, com
de situações novas, passa por estados de menor indiscriminação e discriminação, a cada nova
discriminação através dos quais se desenvolve à transformação do Ego. A terceira é a não percep-
medida que adquire conhecimento. Este estado ção de que a posição depressiva, ao caracterizar
de menor discriminação ou de indiscriminação o estado pleno da relação objetal, pela presen-
do Ego não é então uma regressão, pois é ineren- ça dos dois polos no mesmo objeto, permanece
te e, por isso, indispensável ao seu crescimento muito aquém de expressar a capacidade total
normal junto com a aquisição do conhecimento. psíquica de relacionamento.
Dentro da filosofia da ciência objetiva, o filó- Por isso, adoto para caracterizar os graus de
sofo Carl Popper referenda esta possibilidade, diferenciação da relação Eu-Outro durante a ela-
ao descrever as condições necessárias para o boração simbólica cinco posições denominadas
conhecimento objetivo. Segundo Popper, a men- indiferenciada, insular, polarizada, dialética e
talidade científica se abre para a verdade na me- contemplativa.
dida em que admite não só o erro como parte do A posição indiferenciada caracteriza-se por
caminho, mas, também, o próprio saber como tal fusão entre sujeito e objeto que frequente-
Eu “certo” Eu “errado”
1 3
causalidade sincronicidade
2 4
Estas pessoas podem ser honestas e bem- Dentro da cultura europeia, a ciência sim-
-intencionadas, mas estão privadas do conheci- bólica permite e estimula uma releitura das
mento da prática da objetividade, em parte por obras de cientistas e pensadores anteriores
culpa do método científico-cultural dissociado à dissociação subjetivo-objetivo no final do
que excluiu de sua prática diária a subjetivida- século XVIII, como fizeram Jung (1952) e Pauli
de. Intuem fenômenos e passam a descrevê-los (PAULI, 1955) com as obras de Paracelso e de
por vezes, com tantos detalhes objetivos, que se Kepler, respectivamente.
tornam ridículos perante a comunidade (CHUR- Nesse sentido, os padrões arquetípicos da
CHWARD, 1972). No caso de serem psicologica- consciência, pelo fato de existirem em todos
mente mal estruturadas, a confusão do subjetivo os indivíduos e culturas, podem servir de ins-
com o objetivo pode lhes conduzir a um quadro trumento para se compreender diferenças, em-
mental patológico. preender pesquisas e armazenar conhecimento,
Ainda outra consequência é a barreira cultu- valorizando-se igualmente subjetivo e o objetivo
ral que impede ainda hoje a ciência do Ocidente num todo holístico.
de receber a fertilização cruzada de outras cul- Uma consequência natural de uma teoria de
turas como, por exemplo, culturas antiquíssimas ciência simbólica é, por conseguinte, a pedago-
como as da Índia e da China. Ciências como as gia simbólica. A discriminação quaternária dos
da yoga e da acupuntura, no mais das vezes, símbolos dentro do padrão de alteridade traz
permanecem como práticas ocultas, praticadas um aprendizado da inter-relação criativa subje-
como curiosidades sem poder ser estudadas e tivo-objetivo que caracteriza a teoria do desen-
melhor compreendidas. É que a yoga e a medici- volvimento simbólico comum da consciência
na chinesa, não sofrendo das dissociações sub- individual e coletiva. Dentro de uma pedagogia
jetivo-objetivo e mente-corpo como a medicina simbólica é praticamente impossível o ensino
ocidental, não encontram uma relação compara- objetivo alienado que desconhece o subjetivo e
tiva e de mútua fertilização. ignora o processo de formação e amadurecimen-
O estudo das contribuições de outras cultu- to da consciência.
ras pela ciência simbólica permite a busca da Ao valorizar igualmente os dinamismos ma-
compreensão de suas descobertas objetivas dis- triarcal e patriarcal, a pedagogia simbólica busca
criminando-as das subjetivas. Afora a aproxima- sempre um equilíbrio entre a vivência corporal e
ção intercultural que isso traria, novos caminhos a abstração no aprendizado. Lado a lado com o
seriam abertos para a ciência objetiva somente pensamento e a sensação, são valorizados tam-
pelo reconhecimento da validade desta aborda- bém igualmente a intuição e o sentimento. Com
gem tão diferente. a vivência simbólica, o ensino se torna iniciático
Resumen
La ciencia simbólica. Epistemología y arquetipo. Una síntesis holística del
conocimiento objetivo y subjetivo
El autor analiza la unilateralidad de la objetiv- de Occidente ocurrida a finales del siglo dieciocho
idad en detrimento de la subjetividad en el cono- cuando ocurrió la separación ciencia-religión.
cimiento científico. Contrariamente a muchos filó- El autor caracteriza la práctica del método
sofos de la ciencia que sitúan esta unilateralidad científico a través del arquetipo de alteridad, pre-
como resultante principalmente del propio desar- sentando su teoría del desarrollo simbólico de la
rollo científico, el autor la interpreta básicamente conciencia individual y colectiva por medio de cu-
como una disociación patológica del Self Cultural atro arquetipos principales (matriarcal, patriarcal,
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1
Artigo baseado na palestra proferida no Seminário e Fórum
Nacional: Democracia e Diversidade Humana: Desafio Con-
temporâneo. Salvador, 18-21 março, 1992. Publicado origi-
nalmente na Revista Junguiana 10, 1992, p. 90-107.
* Médico Psiquiatra e Analista Membro Fundador da Sociedade
Brasileira de Psicologia Analítica.
E-mail: < c.byington@uol.com.br >,
site: < www.carlosbyington.com.br >
ser algo criativo e saudável. Neste final de sé- No final do século XVIII, a ciência, finalmente,
culo, descobre-se que o redutivismo é a maior assumiu o poder na universidade europeia, de-
doença do saber. Como no câncer, no qual as pois de três séculos de guerra com a Inquisição.
células jovens de um órgão se espalham e ma- Os vitoriosos foram implacáveis com os venci-
tam a pessoa, o redutivismo é algo novo que dos e exageraram a punição. Junto com a religião
puxa para si, exclusivamente, a compreensão e a prepotência criminosa do Santo Ofício, bani-
do todo e, assim, mata nossa capacidade de vi- ram toda a subjetividade do método científico.
vê-lo. Frequentemente, os gênios pioneiros são Em nome da libertação do saber, tanto tempo
os culpados do redutivismo. Eles descobrem o humilhado, perseguido, torturado e assassina-
novo e com ele se empolgam, a ponto de consi- do, identificaram o subjetivo com a prepotência,
derarem tudo mais uma mera consequência da a ignorância e a superstição e o excluíram da uni-
sua descoberta. Isto é compreensível, como é o versidade. Coroaram a objetividade como dona
caso de quem tem um filho e o considera centro exclusiva da verdade e se sentiram sábios ilumi-
nados, que livraram a humanidade para sempre
do mundo. Muitas vezes, seus seguidores são
do obscurantismo.
ainda mais culpados do redutivismo que eles,
O processo do saber é uma função psicoló-
ao transformarem suas descobertas na única
gica dentro de muitas outras. Ao aclamar exclu-
explicação do todo, de forma puramente racio-
sivamente o objetivo e dissociá-lo do subjetivo,
nal e dedutiva, sem terem, nem mesmo, o en-
o saber se mutilou e se autocondenou ao mate-
volvimento emocional dos pioneiros.
rialismo. A Europa do século XIX se orgulhou do
Por isso, hoje, quem descobre algo precisa
seu objetivismo e sobre ele desenvolveu o imen-
resguardar do redutivismo aquilo que cria, pois,
so poderio tecnológico que exportou para o pla-
quanto maior a descoberta, maior a voracidade
neta. Apesar de fazê-lo em nome do humanismo
do redutivismo para reduzir o todo a ela. Convi-
iluminista, não se deu conta, a princípio, que, ao
ver com a totalidade é conviver com um mistério
dissociar o objetivo do subjetivo no método cien-
infinito. O preço deste convívio é a dúvida per-
tífico, separara o galho industrial-tecnológico
manente da humildade e o engajamento na bus- do tronco humanista que lhe dera nascimento.
ca sem fim do saber. Os grandes pensadores da libertação republica-
O Ego e sua vaidade narcísica de poder fre- na ficaram enaltecidos e mumificados no século
quentemente se cansam. É mais cômodo reduzir XVIII, como pensadores do socialismo água com
tudo a alguma verdade imediata. O redutivismo açúcar. A célebre frase de Montaigne “ciência
traz segurança e comodidade, pela certeza per- sem consciência é a ruína da alma” foi esqueci-
manente de se dominar a verdade e o próprio da no museu do “idealismo”.
processo do conhecimento. No entanto, o todo O século XX foi o palco da atuação da dis-
não pode se subordinar à parte. O todo, assim sociação cultural materialista cultuada no sé-
reduzido, se vinga e se vai. O Ego redutivista fica culo XIX. Ele chega ao fim mostrando de forma
empobrecido, apesar de onipotentemente ilu- insofismável que a democracia não conseguiu
dido por suas pequenas verdades. Ao reduzir o acontecer dentro de uma teoria materialista
todo à parte, o Ego se relaciona com uma ilusão da história e da cultura. Este século termina
caricata do todo e no final perde sua verdadeira forçando a conscientização, através da unifi-
relação com ele. cação planetária do sistema de comunicação,
que o poderio tecnológico apreendido ameaça para hospitalizá-los, ao mesmo tempo em que
nossa espécie de genocídio e nosso ecossiste- Mesmer chega em Paris eletrizando plateias
ma de exaustão e devastação. É isto que nos com seus bastões de “magnetismo animal”. Na
faz, nesta última década, que é, significativa- própria conjuntura histórica do seu banimento,
mente, a última década também do milênio, o subjetivo começou a ressurgir. A patologia e a
buscar novamente o todo e repensar nossa re- energia psíquica criativa começaram a se apro-
lação com Ele. ximar da ciência, a duras penas, porém. Pinel
Muitos indivíduos e etnias estão voltando quase foi parar na guilhotina e o fenômeno do
ao todo através do reforço do culto das religi- Mesmerismo foi considerado charlatanismo e
ões. A ciência, no entanto, tem o seu caminho “um mero produto da imaginação”. Este pos-
próprio a trilhar. Esse caminho não é o mesmo sível charlatanismo de Mesmer é muito signifi-
das religiões, pois estas jamais submeteram o cativo historicamente, pois era devido a ser ele
questionamento de suas crenças e revelações apresentado como “magnetismo animal”. Para
à análise científica. Mesmo se o tivessem de- assegurar seu reconhecimento, de boa ou de
sejado, não poderiam tê-lo feito, pois a ciência, má fé, Mesmer vestira o subjetivo de objetivo.
tendo reduzido a verdade à dimensão objetiva, Ao constatar que o fenômeno era causado pela
carecia de um método para estudar as manifes- imaginação, a comissão da Academia de Paris
tações subjetivas dentro da dimensão subjetiva concluiu que o Mesmerismo não precisava mais
da verdade. ser estudado. Logo a seguir, porém, o subjetivo
O caminho da ciência, seja ela ciência huma- voltou a se intrometer no espaço científico.
na ou da natureza, é buscar a volta ao todo, atra- No século XIX, surgiu na medicina o hipnotis-
vés do resgate do subjetivo na metodologia cien- mo, que era o Mesmerismo com características
tífica, e inter-relacioná-lo, significativamente, mais subjetivas. Sua natureza foi ferrenhamen-
com o objetivo. É este o desafio do holismo cien- te debatida pelas escolas de Paris e Nancy. Este
tífico. É somente através dele que a ciência po- debate simboliza a retomada do contato com o
derá sair do racionalismo e do materialismo, nos subjetivo, pela ciência médica, até então, redu-
quais foi encarcerada pelo redutivismo da disso- zida ao objetivo.
ciação subjetivo-objetivo. Esta busca inclui, ne- Bernheim, discípulo de Liebault e clínico ge-
cessariamente, a reconexão da ciência com o hu- ral em Nancy, achava que todas as pessoas eram
manismo democrático e socialista que lhe deu hipnotizáveis. Charcot, neurologista e organicis-
origem, antes da dissociação subjetivo-objetivo ta ferrenho, defendia a tese de que somente as
que ocorreu no final do século XVIII. A ferramenta pessoas histéricas eram hipnotizáveis. A Acade-
conceitual que pode empreender esta reconexão mia de Ciências de Paris, depois de relutar por
pode ser a teoria dos arquétipos, formulada por quase um século, finalmente admitiu estudar o
Jung, se esta for devidamente ampliada para in- hipnotismo, abraçando, porém, a tese de Char-
cluir os padrões arquetípicos da consciência in- cot. Quase no final de sua vida, Charcot, para
dividual e coletiva. quem a verdade era maior que a vaidade, final-
Junto com a dissociação cultural subjetivo- mente admitiu que a tese de Bernheim estava
-objetivo que se implantou no Ocidente, no final certa e a sua errada. Por que será que a Acade-
do século XVIII, a ciência começou a se reapro- mia de Ciências de Paris errara tão redondamen-
ximar do subjetivo, ainda que de forma distante te junto com Charcot?
e cautelosa. Foi como se, junto com a doença, Este “erro”, percebido simbolicamente den-
o organismo cultural começasse a formar um tro da História, exemplifica mais um capítulo
anticorpo para combatê-la. Já no final do sécu- do preconceito contra o subjetivo ser admitido
lo XVIII, Pinel retira os loucos das masmorras na ciência. Finalmente, ele foi admitido, mas
mesmo tempo em que professava exercer uma mano-natureza tem todas as características da
economia capitalista. democracia. Quando um padrão de relaciona-
Apesar de a Democracia só ser exequível mento começa a transpor uma dimensão huma-
dentro de um partilhamento da produção na- na para outra, abre-se uma boa oportunidade
cional por sua força de trabalho, ela transcen- de compreendê-lo arquetipicamente, ou seja,
de a dimensão econômica. A Democracia é um como uma estrutura ontológica comum a mais
humanismo. Por conseguinte, não se trata de de uma dimensão.
favorecer o subjetivo em detrimento do obje- Além deste denominador comum ser ob-
tivo, mas de tratar os dois igualmente. Nesse servado na democracia política e na ecologia,
sentido, ao denunciar a objetividade alienada o movimento holístico do saber moderno, ao
da ciência, percebida cada vez melhor nas so- denunciar a setorização estagnante do saber,
ciedades modernas, preocupa-me o retorno do como que prenuncia a necessidade de um pro-
fanatismo religioso e da superstição ocultista cesso de interação permanente da parte com o
e esotérica, que apresentam o subjetivo como todo, que impeça o redutivismo de voltar a se
se objetivo fosse. Esta imposição do subjetivo instalar como antes. Estes vários fatores insti-
sobre o objetivo é tão redutivista, obscurantista gam à concepção do Arquétipo da Alteridade,
e violentadora da verdade, quanto o redutivis- como o Arquétipo da Democracia. No entanto,
mo objetivista professado pelo materialismo. ao concebê-lo, notamos que só podemos fazê-
Democracia é um processo de livre interação -lo se ampliarmos o conceito de arquétipo de
das polaridades em função do todo e não pode Jung para englobar também a consciência além
ser identificada com um dos lados de qualquer do Inconsciente Coletivo. De fato, não podemos
polaridade, sobretudo com um dos lados da po- entender a relação democrática Eu-Outro sem a
laridade subjetivo-objetivo. participação da consciência individual e coleti-
A ideia da democracia na dimensão política, va. Ao dar esse importante passo, descobrimos
que envolve a eleição periódica de represen- que o redutivismo da psicologia ao inconscien-
tantes da nação, os direitos iguais para os ci- te encobria e mantinha a dissociação sujeito-
dadãos e a liberdade, se tornou modernamen- -objeto na epistemologia.
te um tema planetário almejado pela maioria
das nações. Esta ideia se fundamenta na livre 1. O Redutivismo da Psicologia ao
interação das polaridades em função do todo. Inconsciente
É para haver esta interação povo-governo que Como assinalei, a medicação para a disso-
se torna necessária a representatividade elei- ciação do ser cultural em subjetivo e objetivo
toral e sua renovação periódica. A devastação começou junto com sua instalação no final do
ecológica tem causado a inclusão da ecologia século XVIII, quando a ciência tomou o poder na
em todas as plataformas modernas de governo universidade. O subjetivo, aos poucos, dirigiu-se
e tem chamado a atenção para o fato de que, para o reencontro do objetivo. Vimos como à li-
para a sobrevivência da espécie, não basta beração dos psicóticos e à entrada de Mesmer
a interação dialética das polaridades em ní- em Paris, no final do século XVIII, seguiu-se o
vel político. É preciso praticar essa interação reconhecimento do hipnotismo, como fenômeno
democrática Eu-Outro também na relação ser normal, no final do século XIX. Estas foram eta-
humano-natureza, ou seja, em função do ecos- pas importantes na busca da reunião do subjeti-
sistema. É preciso respeitarmos os direitos hu- vo com o objetivo, que, infelizmente, ainda está
manos, mas também os direitos dos animais, longe de acontecer plenamente.
dos rios, do ar e da natureza em geral, para A teorização do inconsciente dinâmico por
sobrevivermos. Essa interação dialética ser hu- Freud teve um enorme impacto, no início do sé-
Palavras-chave
TOC, arquétipo e
sistema nervoso,
Resumo
símbolo,
O autor aborda o espectro obsessivo-compul- que compromete a eficácia de todo o quadro de- arquétipo
sivo através da dimensão simbólica e arquetípi- fensivo e configura sua exuberância sintomática matriarcal,
ca enraizada em três vertentes: neurológica, projetiva e ritualizadora num esforço para suprir arquétipo
psicofarmacológica, e psicodinâmica. Associa a deficiência. O autor tece considerações sobre patriarcal,
os dinamismos arquétipos matriarcal, patriar- a ineficiência da psicoterapia dinâmica exclusi- terapia
cal, de alteridade e de totalidade com estru- vamente verbal no TOC e a relativa eficiência da comportamental
cognitiva,
turas e funções do sistema nervoso. A seguir, o Terapia Comportamental Cognitiva e argumenta
elaboração
autor retoma a hipótese de Katz (1991), segun- que a associação destas duas teorias através
simbólica,
do a qual o TOC apresenta um distúrbio do pro- do conceito de técnicas expressivas poderá técnicas
cesso de repressão (Freud) possivelmente por contribuir com maior eficiência no tratamento expressivas,
uma disfunção neuroquímica, envolvendo neu- não só do TOC, como das fobias e da síndrome projeção,
rotransmissores, principalmente a serotonina. do pânico, desde que seja exercido dentro de introjeção.
A interpretação arquetípica desta disfunção é a um enfoque simbólico e arquétipo que inclua a
debilitação da função de delimitação, de organ- relação terapêutica no nível transferencial criati-
ização e de contenção do Arquétipo Patriarcal, vo e defensivo. ■
1
Trabalho apresentado no Simpósio sobre o Espectro Obsessivo-Compulsivo do Depto. de Psiquiatria, USP, em 08 de abril, 1995.
Revisado em 18/11/2011. Publicado originalmente na Revista Junguiana13, 1995, p. 90-119.
* Médico Psiquiatra e Analista Junguiano. Membro fundador da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. Membro da Associação
Internacional de Psicologia Analítica. Criador da Psicologia Simbólica Junguiana. Educador e Historiador.
E-mail: < c.byington@uol.com.br >, site: < www.carlosbyington.com.br >
caso que só melhora com clomipramina não ex- outro lado, como acentua Albert Camus no seu
cluem a perspectiva simbólica, mas se incluem livro sobre o mito, trata-se da representação da
nela com características objetivas diferentes que essência da condição humana. Controlar a natu-
precisam ser pesquisadas em cada caso. Junto a reza simbolicamente empurrando pedras mon-
estas estarão as características subjetivas, como tanha acima, que rolarão depois e serão outra
a ansiedade e a repugnância de se sentir sujo e vez empurradas por nós e algum dia por outros
contaminado, por exemplo. As características é uma forma de descrevermos o caminho da hu-
subjetivas podem ter componentes conscien- manidade. Bebemos, comemos e dormimos sem
tes e inconscientes. Freud (1909) percebeu que nunca acabarmos com a sede, a fome e o sono.
lavar o corpo no TOC tinha o significado de pu- Erradicamos algumas poucas doenças e logo
rificação de certas emoções projetadas no cor- descobrimos outras mais. Nisso tudo somos Sí-
po, que permaneciam inconscientes, como, por sifos. Seu mito é uma forma de situarmos nosso
exemplo, a agressividade ou a atração sexual. trabalho com a devida humildade e reverência
Chamou especialmente sua atenção nesta sín- diante da imensidão das forças cósmicas dentro
drome a constância da defesa de deslocamento das quais operamos. Afinal, empurramos pedras
no nível objetivo e subjetivo. Uma pessoa com montanha acima, sem nunca chegar a construir
TOC pode controlar compulsivamente o medo de as montanhas que subimos e descemos. Nesse
ser assaltado deslocando rituais de fechar por- particular, o mito de Sísifo nos exemplifica a re-
tas, para janelas, chaves, fechaduras, vigilância latividade e finitude do Eu diante da grandeza do
no prédio e saídas à rua. Da mesma forma, pode Self que o abrange.
obsessivamente deslocar sua ansiedade de uma
modalidade de assalto para outra com grande 2. A Polaridade Histeria/Neurose
versatilidade. Ora pode ser um ladrão, ora um Obsessivo-Compulsiva
terapeuta, ora um empregado, que carregará A argúcia clínica de Freud repartiu a impor-
sua fantasia do assaltante projetada. O mesmo tância da nosografia das neuroses principalmen-
ocorre com as obsessões-compulsões de lim- te entre a histeria e a neurose obsessivo-com-
peza e de simetria. A versatilidade da defesa de pulsiva. Deu importância secundária à neurose
deslocamento no TOC se contrapõe à ideia ob- de ansiedade (síndrome de pânico), às fobias e
sessiva de emagrecimento na anorexia nervosa, à neurose pós-traumática. Situou as perversões
por exemplo. Aqui, a compulsão é de emagrecer em outra categoria. A teoria da repressão e a teo-
o corpo através da dieta, dos eméticos ou dos ria dos instintos de morte e de vida de Freud me
laxativos. Não há deslocamento. dificultam relacionar o EOC com o desenvolvi-
A perspectiva simbólica do EOC é necessária mento normal, porque, a meu ver, são dualistas
para percebê-lo dentro do controle das ativida- (“maniqueístas”) e misturam muitos componen-
des humanas, cujo grande exemplo é o trabalho tes anormais com os normais. Além disso, a teo-
diário. O mito de Sísifo, que conta sua história ria não se mostra apropriada para correlacionar
no Hades, empurrando, dia após dia, uma pedra o sistema nervoso com a psicodinâmica porque
que atinge o cume de uma montanha e rola para ela é centralizada no controle do incesto e da
baixo outra vez é aqui significativo, sobretudo se agressividade dirigida aos pais no início da vida,
lembrarmos que Sísifo não se conformou com o que a torna limitada para expressar a criativi-
sua finitude e enganou a morte quando ela veio dade e as funções psíquicas durante todo o pro-
buscá-lo pela primeira vez. Por um lado, o mito é cesso existencial. A terceira dificuldade é o favo-
o exemplo da improdutividade do TOC. São pes- recimento do Arquétipo Patriarcal, identificado
soas que consomem uma energia e um tempo com o princípio da realidade, em detrimento do
enormes na repetição de seus rituais. Mas, por Arquétipo Matriarcal que é preconceituosamen-
te equacionado com o desejo, o inconsciente, o caso de histeria psicótica, assim também diag-
princípio do prazer, a imaturidade, o incesto, o nosticado por Breuer.
parricídio e as pulsões instintivas indiferencia- O Arquétipo Matriarcal é caracterizado pelo
das e incapazes de ética e de civilização. prazer, pela sensualidade, pela ludicidade, pela
O conceito de Arquétipo de Jung (1975) pare- intimidade e pela espontaneidade. Sua expres-
ce-me mais útil para situar o TOC no EOC e este, sividade consciente-inconsciente se exerce de
no desenvolvimento normal. Sendo o arquétipo preferência na relação simbiótica e bastante
um padrão de funcionamento psicológico, cuja indiscriminada entre o Eu e o Outro. Essa pou-
principal característica é a criatividade que en- ca diferenciação entre o Eu e o Outro, no nível
globa o desenvolvimento normal e patológico, do corpo, favorece a expressão corporal normal
ele é o conceito ideal para ser ampliado junto das emoções, através do sistema endócrino e do
com o conceito de símbolo para englobar tam- sistema nervoso vegetativo (simpático e paras-
bém as três vertentes: a psicodinâmica, a neu- simpático): sudorese, palpitação, peristaltismo
rológica e a psicofarmacológica na normalidade e secreções salivares, hepáticas, gástricas, pan-
e na patologia. Como parte do genoma humano, creáticas e intestinais, aumento ou diminuição da
os arquétipos correspondem aos padrões de circulação sanguínea em setores específicos do
conduta dos animais na etologia e podem ser organismo através da vasodilatação e vasocons-
compreendidos também como os padrões neu- trição (enrubescimento e palidez emocionais),
rológicos típicos de funcionamento do sistema com variação correspondente da pressão arterial,
nervoso e neuroquímico das neurosinapses, e tantas outras manifestações. A denominação de
onde operam os psicofármacos, também arque- psicossomática e de conversão é imprópria por-
tipicamente, isto é, de forma característica e úni- que ambígua, sobretudo quando não diferencia
ca em nossa espécie. Ampliado desta maneira, o o fenômeno normal do patológico. No nível das
conceito de arquétipo é ideal para retomarmos o ideias, este arquétipo, devido à simbiose do Eu
projeto de Freud (1895 p. 395), que este ano ani- com o Outro, opera grandemente com a magia e, a
versaria um século e associarmos as manifesta- intuição e no nível da natureza, com o animismo.
ções psicodinâmicas às neurológicas, como ele O Arquétipo Patriarcal é caracterizado por
começou a fazer. Para isso, é necessário, primei- funcionar com acentuada separação entre o Eu
ro, compreendermos a relação dos arquétipos e o Outro e entre o consciente e o inconsciente
com a histeria, o EOC e o sistema nervoso. (posição polarizada), que permite abstrair, or-
ganizar e controlar o processo psíquico. Desta
3. A Polaridade Matriarcal/Patriarcal organização nasce a ênfase no dever e na hie-
Retomando a divisão de culturas com dinâ- rarquização dos valores, na moral, na tradição e
mica matriarcal e patriarcal realizada por Bacho- na tarefa. É também esta organização que impõe
fen (1948) no século passado e embasada nos ao Eu os códigos de submissão aos princípios
arquétipos por Erich Neumann (1954), podemos abstratos e o apego ao poder de comandá-los.
reconhecer o espectro histérico (EH) e o EOC Freud (1913) identificou a moral com o superego,
como as duas grandes síndromes patológicas introjetado pela proibição do incesto. A concei-
dos arquétipos matriarcal e patriarcal. Apesar tuação do Arquétipo Patriarcal, tendo como base
de as encontrarmos com muito maior frequên- a organização abstrata que regula o incesto jun-
cia na dimensão neurótica, elas também podem to com o Arquétipo Matriarcal, é bem mais ampla
se apresentar na dimensão psicótica. O famoso que a teoria do superego. Enquanto o Arquétipo
caso de Anna O. (BREUER, 1969), tratado por Jo- Matriarcal se exerce muito melhor através do
seph Breuer (1893) e dez anos depois analisa- sistema nervoso vegetativo e do sistema endó-
do por ele e Freud, se tratava claramente de um crino, devido à forma sensual de simbiose cons-
Conduta
Consciência Inconsciência
Persona Sombra
Ego-Outro Ego-Outro
Vivências
Símbolos e Funções
Estruturantes
(Consciência – Inconsciência)
Gráfico 1. As funções estruturantes criativas e defensivas
Conduta
Consciência Inconsciência
Persona Sombra Normal e Patológica
Ego - Outro Ego - Outro
Nasceu com os pés torcidos e durante a adoles- estão sempre juntos e atuantes. O que diferencia
cência fizera exercícios obstinados até corrigir a sua psicodinâmica é a dominância de um ou
o defeito. Seu pai era mulherengo e jogador e do outro na expressão das estruturas criativas e
pouco ficava em casa. Sua mãe era trabalhadora defensivas. Nos indivíduos normais, encontra-
e “perfeita”. A tipologia do paciente era pensa- mos uma verdadeira tipologia inata, que além
mento sensação extrovertida com acentuada do- das funções da consciência e das atitudes de
minância patriarcal. Numa sessão, trouxe-me um extroversão e de introversão descritas por Jung
sonho no qual saía de um cabeleireiro unissex (1967), apresentam também uma dominância
de peruca e com um pé usando sapato de salto matriarcal ou patriarcal inata na personalidade.
alto. Examinamos sua identidade sexual e, de- O tipo de dominância matriarcal apresenta fre-
pois de muita resistência, confessou-me que se quentemente dominância das funções mais
sentia homossexual e, mais ainda, mulher. Essa atribuídas ao hemisfério cerebral direito e o tipo
ideia absurda era a vivência central, em torno da de dominância patriarcal apresenta também fre-
qual se organizara a neurose, usando todo o seu quentemente dominância das funções mais atri-
trabalho como um grande ritual para escondê-la. buídas ao hemisfério cerebral esquerdo.
As principais diferenças psicodinâmicas e clí- Uma mulher de meia-idade (caso C) procu-
nicas entre o EH e o EOC podem ser melhor com- rou terapia porque sofria de tantos males que
preendidas através da dominância dos dinamis- seu clínico não sabia mais o que fazer. Quan-
mos matriarcal e patriarcal e suas amplificações do melhorava de sua disfunção ovariana, tinha
neurológicas e psicofarmacológicas. Falamos insônia, logo depois sofria de faringite que de-
sempre em dominância, porque estes arquétipos saparecia em pouco tempo. Volta e meia apre-
Conduta
Consciência Inconsciência
Persona Sombra
Ego - Outro Ego - Outro
Vivências Símbolos e
Funções Estruturantes
Arquétipo Arquétipo
Matriarcal Patriarcal
Arquétipo Central
Arquétipo da Vida e da Morte
Arquétipo de Arquétipo
Alteridade da Totalidade
Keywords: OCD, archetype and nervous system, symbol, matriarchal archetype, patriarchal archetype, cog-
nitive behavioral therapy, symbolic elaboration, expressive techniques, projection, introjection.
Resumen
La perspectiva simbólica del espectro obsesivo-compulsivo. El “proyecto” de
Freud revisitado por el arquetipo de Jung
El autor aborda el espectro obsesivo-compulsivo cal, que compromete la eficacia de todo el cuadro
a través de la dimensión simbólica y arquetípica en- defensivo y configura su exuberancia sintomática
raizada en tres vertientes: neurológica, psicofarma- proyectiva y ritualizadora en un esfuerzo por suplir la
cológica, y psicodinámica. Asocia los dinamismos discapacidad. El autor hace consideraciones sobre
arquetipos matriarcal, patriarcal, de alteridad y de la ineficiencia de la psicoterapia dinámica exclusiv-
totalidad con estructuras y funciones del sistema amente verbal en el TOC y la relativa eficiencia de la
nervioso. A continuación el autor retoma la hipóte- Terapia Comportamental Cognitiva y argumenta que
sis de Katz (1991), según la cual el TOC presenta un la asociación de estas dos teorías a través del con-
disturbio del proceso de represión (Freud) posible- cepto de técnicas expresivas podrá contribuir con
mente por una disfunción neuroquímica, involucran- mayor eficiencia en el tratamiento no sólo del TOC,
do neurotransmisores, principalmente la serotoni- fobias y del síndrome del pánico, siempre que sea
na. La interpretación arquetípica de esta disfunción ejercido dentro de un enfoque simbólico y arquetipo
es la debilitación de la función de delimitación, de que incluya la relación terapéutica en el nivel trans-
organización y de contención del Arquetipo Patriar- ferencial creativo y defensivo. ■
Palabras clave: TOC, arquetipo y sistema nervioso, símbolo, arquetipo matriarcal, arquetipo patriarcal, tera-
pia conductual cognitiva, elaboración simbólica, técnicas expresivas, proyección, introyección.
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Resumo Palavras-chave
O autor elabora a posição dualista de Freud cial ênfase é dada ao Arquétipo do Coniunctio, arquétipo da
e dialética de Jung e Sabina Spilrein diante do descrito de forma típica nas fases do processo vida e da morte,
psicologia
Arquétipo da Vida e da Morte por intermédio da por intermédio de quatro formas de expressão:
simbólica.
conceituação de cinco posições arquetípicas da Coniunctio Insular, Coniunctio Parental, Coni- posições
consciência (Eu-Outro): posição indiferenciada, unctio Conjugal e Coniunctio Cósmico. Em con- arquetípicas
insular, polarizada, dialética e contemplativa, cada clusão, o autor descreve a função estruturante da consciência.
uma, em duas atitudes, passiva e ativa. Para isto, do Arquétipo da Vida e da Morte, e seu papel na posição
o autor expande conceitos fundamentais da Psic- elaboração simbólica, sobretudo na passagem indiferenciada,
insular,
ologia Analítica e da Psicanálise, principalmente de uma fase para a outra, dando especial ênfase
polarizada,
os conceitos de arquétipo e de defesa, num corpo ao estado terminal à discussão da eutanásia dialética e
teórico, que denomina Psicologia Simbólica. médica e da autoeutanásia. ■ contemplativa,
A seguir, o autor associa sumariamente as cin- atitudes passiva e
co etapas da vida (infância, adolescência, vida ativa das posições
adulta, maturidade e velhice) a estas posições arquetípicas,
teoria arquetípica
da consciência, junto com os seus quatro Ar-
das relações
quétipos Regentes correspondentes: Arquétipo objetais, coniunctio
Matriarcal e posição insular. Arquétipo Patriarcal insular, parental,
e posição polarizada. Arquétipo da Alteridade conjugal e cósmico,
(Anima e Animus) e posição dialética. Arquétipo eutanásia médica,
da Totalidade e posição contemplativa. Espe- autoeutanásia.
1
Artigo baseado na palestra de encerramento do Simpósio
“Freud e Jung, 90 anos de Encontros e Desencontros”. Museu
da Imagem e do Som, 17 e 18 de maio de 1996. Publicado
originalmente na Revista Junguiana 14, 1996, p. 92-112.
* Médico-Psiquiatra e Analista.
E-mail: < c.byington@uol.com.br>
Site: www.carlosbyington.com.br
À Silvia Freitas Tenucci tarei demonstrar, que ambos estão certos, pos-
In Memoriam to que não só tratam de realidades diferentes,
como adotam diferentes posições arquetípicas
da consciência para descrever a realidade psí-
1. Introdução quica? Freud escreve:
A função da polaridade Vida-Morte na trans-
formação psicológica foi o tema central do artigo Nosso debate teve como ponto de parti-
de Sabina Spilrein intitulado “A Destruição como da uma distinção nítida entre os instintos
causa da Transformação” (SPILREIN, 1912). Nes- do ego, que equiparamos aos instintos de
te artigo, publicado no Anuário de Psicanálise morte e os instintos sexuais que equipa-
e Psicopatologia de 1912, junto com a parte II ramos aos instintos de vida... Nossas con-
do livro “Símbolos e Transformações” de Jung cepções desde o início foram dualistas e
(1986), Sabina reconhece a influência de Jung no são hoje ainda mais dualistas que antes,
seu artigo, principalmente do capítulo 9, intitula- agora que descrevemos a oposição, como
do “A Mãe Dual”, no qual Jung relaciona Vida e se dando, não entre instintos do ego e
Morte na transformação, através do símbolo ar- instintos sexuais, mas entre instintos de
quetípico da mãe. Ela cita a seguinte passagem vida e instintos de morte. A teoria da li-
de Símbolos e Transformações: “[...] A libido tem bido de Jung é pelo contrário monista; o
dois lados: ela é a força que tudo embeleza e, fato de haver ele chamado sua única força
em determinadas circunstâncias, tudo destrói”. instintual de “libido”, destina-se a causar
E a seguir, Sabina acrescenta: “Na fecundação, confusão... (FREUD, 1920).
se dá a união das células do homem e da mulher.
Nesse momento, cada célula tem a sua unidade Apesar de entrincheirar-se firmemente nessa
destruída e desta destruição surge a nova vida”. posição dualista, Freud não se acha totalmente à
O estudo da polaridade Vida e Morte foi re- vontade nela e já na página seguinte, conjectura:
tomado por Freud em 1920 como tema central
da reformulação da sua teoria da libido descrita Na obscuridade que reina atualmente na
na obra “Além do Princípio do Prazer” (FREUD, teoria dos instintos, não seria de bom
1920 p. 73). senso rejeitar qualquer ideia que prometa
Neste artigo, quero abordar a polaridade Vi- lançar luz sobre ela. Partimos da grande
da-Morte como arquétipo e função estruturante oposição entre os instintos de vida e de
na elaboração simbólica, ao mesmo tempo em morte. Ora, o próprio amor objetal nos
que tentarei explicar o porquê da conceituação apresenta um segundo exemplo de po-
radicalmente diferente no enfoque desta pola- laridade semelhante: A existente entre o
ridade por Sabina e Jung, de um lado, e Freud, amor (afeição) e o ódio (ou agressivida-
do outro. De fato, enquanto que Jung e Sabina de). Se pudéssemos conseguir relacionar
situam a dualidade Vida e Morte na unidade, mutuamente essas duas polaridades e
Freud a mantém na dualidade. Acho da maior derivar uma da outra! Desde o início iden-
importância para a teoria psicológica compre- tificamos a presença de um componente
ender porque isto ocorreu. Será que um lado sádico no instinto sexual... Mas, como
está certo e o outro errado ou será, como ten- pode o instinto sádico cujo intuito é pre-
judicar o objeto, derivar de Eros, o conser- manter na dualidade apesar de afirmá-la, Freud,
vador da vida? (FREUD, 1920 p. 74). nas considerações finais desse artigo, retoma a
unidade, só que desta feita, subordinando o ins-
Desta maneira, Freud aventa a possibilidade tinto de vida ao instinto de morte:
de englobar a dualidade na unidade, mas, logo
a seguir, dela se afasta pelo seu preconceito ao Ainda não podemos decidir com certeza
unitarismo místico. em favor de nenhum desses enunciados,
mas é claro que a função (do prazer) esta-
Se uma pressuposição assim é permis- ria assim relacionada com o esforço mais
sível, atendemos então a exigência de fundamental de toda substância viva: o
que produzimos um exemplo de Instinto retorno à aquiescência do mundo inorgâ-
de Morte, embora se trate de um instinto nico... (e, uma página depois) [...] O prin-
deslocado. Mas essa maneira de conside- cípio do prazer parece, na realidade, ser-
rar as coisas está muito longe de ser fácil vir aos Instintos de Morte (FREUD, 1920).
de captar e cria uma impressão positiva-
mente mística. Sua aparência é suspeita, Bastante cônscio da dificuldade lógica dos
como se estivéssemos tentando achar um seus próprios argumentos, Freud termina o ar-
modo de sair a qualquer preço de uma si- tigo com uma citação poética, segundo a qual
tuação embaraçosa (FREUD, 1920 p. 75). “Ao que não podemos chegar voando, devemos
chegar mancando...”.
No entanto, a dualidade também não é cômo- Por seu lado, Jung e Sabina não têm proble-
da para Freud, como nunca o foi para o espírito mas em considerar a polaridade Vida e Morte in-
científico. Einstein dedicou os últimos 25 anos teragindo de forma antagônica, mas também sin-
de sua vida na tentativa de formular uma teoria crônica, dentro do processo de desenvolvimento
unitária de campo que pudesse reunir a Teoria psicológico. Já no início do seu artigo, Sabina
da Relatividade, que formula os conceitos de es- exemplifica a interação destruição-construção
paço, tempo, gravidade, com a Teoria Quântica, na transformação do ser, com a fecundação, na
que formula os conceitos do átomo, de matéria qual os gametas morrem para formar o ovo com
e de energia. Apesar de ele não ter conseguido a nova vida. Jung, por sua vez, percebeu dialeti-
inter-relacionar num todo significativo a dimen- camente não só a polaridade Vida e Morte, mas
são gravitacional e a dimensão eletromagnética, todas as demais polaridades, interagindo dentro
Einstein justificou sua busca durante os 25 anos da unidade do Self. É difícil encontrar uma obra
finais de sua vida afirmando que “a ideia de que de Jung onde ele não ressalte a importância da
estas duas estruturas do espaço, (a micro e a bipolaridade psíquica operando dentro da uni-
macro) são independentes entre si é intolerável dade do Self. Nesse sentido, Jung e Sabina são
para o espírito teórico” (BARNETT, 1962 p. 110). monistas, mas incluem no monismo processual,
Ainda em “Além do Princípio do Prazer”, al- a dualidade Vida e Morte em permanente intera-
gumas páginas depois, Freud hesita quanto a ção dialética na geração de todo fenômeno psí-
manter-se na dualidade e escreve: “Pode-se quico. Por isso, afirmar, como Freud fez acima,
perguntar, e até onde, eu próprio me acho con- que Jung, ao definir a libido como energia psíqui-
vencido da verdade das hipóteses que foram for- ca, se tornou monista, não está inteiramente cor-
muladas nestas páginas. Minha resposta seria reto. A resposta correta me parece ser sim e não.
que eu próprio não me acho convencido a nelas Sim porque, ao identificar a libido com a energia
acreditar, ou mais precisamente, que não sei até psíquica, Jung se tornou monista, pois unificou
onde nelas acredito.” E como se não pudesse se todas as funções psíquicas dentro do Self. Não
porque Jung não renegou a dualidade das fun- Minha vida profissional desenvolveu-se nes-
ções psíquicas. Pelo contrário, Jung sempre afir- ta segunda metade do século, na qual os confli-
mou e reafirmou a existência das polaridades tos emocionais, entre os seguidores da Psicaná-
dentro de todos os símbolos, dos arquétipos e lise e da Psicologia Analítica foram aos poucos
do próprio Self. Por conseguinte, na essência de arrefecendo. Desde minha monografia de gradu-
sua obra, Jung operou a dualidade dialeticamen- ação em Zurique (BYINGTON, 1965), considero as
te dentro da unidade. obras de Jung e Freud complementares. Por isso
Como procurarei demonstrar a seguir, este mesmo, sempre achei que, apesar da animosi-
posicionamento tão diferente de Jung e de Freud dade tradicional entre as duas escolas, seus
diante da psique pode ser atribuído a duas for- conteúdos naturalmente se encontrariam no Self
mas diferentes de a consciência funcionar. Freud, Cultural, produzindo novas sínteses e conceitos
a partir da posição polarizada, característica do para a Psicologia. No entanto, observei, com o
Arquétipo Patriarcal. Jung a partir da posição passar do tempo, que esta síntese espontânea
dialética, característica do Arquétipo da Alteri- estava de fato ocorrendo, mas, frequentemente,
dade. Como veremos cada posição está correta, sem a preservação das contribuições essenciais
dentro da sua maneira de ver e, também errada, da Psicanálise e da Psicologia Analítica. O que
quando pretende ser a única válida e quer usur- se observa nestas sínteses espontâneas é uma
par ou invalidar as demais posições. A posição colcha de retalhos que mistura o referencial ar-
polarizada é necessária para se compreender a quetípico, o conceito de Sombra, as defesas, as
elaboração do Arquétipo do Coniunctio na for- técnicas expressivas e o desenvolvimento da per-
mação do Eu pelo Complexo Parental (Complexo sonalidade de forma confusa. A mistura com as
de Édipo). Já a posição dialética é imprescindível contribuições de outras correntes psicológicas
para a compreensão e elaboração do Arquétipo confundiu ainda mais esta colcha de retalhos,
do Coniunctio na formação do Eu na adolescên- na qual, frequentemente se perde a articulação
cia e na segunda metade da vida (Complexo Con- conjunta das grandes descobertas das defesas
jugal no Processo de Individuação). e da transferência defensiva na teoria da fixação
Para tudo isto melhor compreender, temos e da regressão da Psicanálise e dos arquétipos e
que estudar a questão das posições arquetípi- da transferência criativa, dentro do Processo de
cas da consciência. Ao fazê-lo, abordaremos Individuação, da Psicologia Analítica.
conceitos básicos da Psicologia Analítica e da Para aproximarmos estes conceitos teorica-
Psicanálise, incluindo a Teoria das Relações Ob- mente e, ao mesmo tempo, evitar a Babel da
jetais de Melanie Klein. colcha de retalhos, necessitamos de um refe-
Este Simpósio, comemorativo dos 90 anos rencial teórico que os possa abranger de forma
do relacionamento de Freud e Jung, me parece coerente e não redutiva. A Psicologia Analítica
uma ocasião propícia para colocar determinadas não possui este referencial porque Jung des-
questões referentes às diferenças entre as obras creveu o Processo de Individuação na segunda
destes dois grandes gênios da Psicologia do sé- metade da vida e não se ocupou sistematica-
culo XX, sem o que não poderemos compreen- mente da formação e transformação arquetípi-
der em profundidade seu diferente enfoque das ca do Eu e da Sombra desde o início da vida. A
polaridades, inclusive da polaridade Vida-Morte. Psicanálise também não possui este referencial
A compreensão desta diferença é também da porque descreveu a formação da personalida-
maior importância para se compreender melhor de somente até a puberdade e o embasou num
a concepção do incesto no Complexo de Édipo referencial dominantemente genético, infantil,
da Psicanálise e a descrição arquetípica do in- literal, pessoal e não arquetípico. Cada corren-
cesto na Psicologia Analítica. te descreveu a natureza da psique em função
do que descobriu e estudou. É óbvio que o re- nantemente patriarcal, organizando meus docu-
ferencial de uma não está apto para englobar o mentos para o Imposto de Renda. Poderia ainda
que a outra descreveu e vice-versa, posto que optar pela dominância de alteridade e dar uma
o que cada uma descreveu envolve etapas da palestra num centro comunitário sobre as várias
vida e fenômenos psíquicos muito diversos. O polaridades do crescimento da criminalidade na
que mais faltou à Psicanálise, a meu ver, foi o cidade. Poderia também optar pela dominância
conceito de arquétipo. Já na Psicologia Analíti- do Arquétipo da Totalidade e passar a tarde medi-
ca, o que mais faltou foi a ampliação do con- tando de forma contemplativa. Assim, a polarida-
ceito de arquétipo para englobar as defesas e a de Eu-Arquétipo permite uma certa participação,
formação e interação da polaridade Eu-Outro na isto é, um livre arbítrio relativo do Eu. Se os arqué-
consciência e na Sombra (inconsciente). tipos fossem exclusivamente inconscientes, isto
Para descrever a formação e transformação jamais seria possível. Por isso, ampliei o conceito
da polaridade Eu-Outro na consciência e na Som- de Arquétipo para abranger também o consciente
bra durante toda a vida, por intermédio das vi- (BYINGTON, 1996). Nesse caso, os arquétipos tor-
vências pessoais percebidas arquetipicamente, nam-se a base da Psique Coletiva, que engloba as
desenvolvi uma série de conceitos, que diferem características conscientes e inconscientes dos
da Psicanálise e da Psicologia Analítica, princi- símbolos e não exclusivamente inconscientes
palmente pela ampliação dos conceitos por elas como acontece na Teoria do Inconsciente Coletivo
formulados. Reuni estes conceitos na disciplina formulada por Jung.
que denomino Psicologia Simbólica. Sua finali-
dade não é discordar da Psicologia Analítica nem 1.2. O Conceito de Psique
da Psicanálise, e sim preservar, reunir coeren- A psique é concebida como o Cosmos e a
temente e continuar desenvolvendo o que elas diferenciação da consciência como uma dife-
têm de imensamente importante para a Psicolo- renciação deste próprio cosmos, através da
gia. Veremos que diferenças tão fundamentais sua humanização (CHARDIN, 1955). Neste caso,
quanto os conceitos de Vida-Morte, de parricídio desaparece a dualidade mente-corpo e psique-
e de incesto não foram devidamente compreen- -natureza como uma realidade profunda. Estas
didas por Freud e Jung devido às limitações do polaridades só existem no que se referem a po-
seu referencial teórico. laridade Eu-Outro mas, na dimensão arquetípica
Vejamos os principais conceitos da Psicolo- além do Eu e do Outro, elas não existem como
gia Simbólica que nos permitirão discutir e reunir polaridades. Apesar de Jung ter frequentemente
conteúdos e diferenças da Psicologia Analítica e considerado a realidade única da psique e da
da Psicanálise, englobando os pressupostos te- matéria, ele não chegou a uniformizar sua teoria,
óricos destas disciplinas. correlacionando esta polaridade exclusivamente
com a polaridade Eu-Outro. De fato, inúmeras ve-
1.1. A Teoria do Inconsciente Coletivo zes, Jung formulou a psique separada da maté-
Segundo me parece, Jung seguiu Freud inde- ria, posto que as reunia através dos conceitos de
vidamente ao reduzir o conceito de Arquétipo ao sincronicidade (JUNG, 1960a), psicoide (JUNG,
inconsciente. De fato, qualquer pessoa adulta 1960b) e unus mundus (JUNG, 1964). Quando,
pode optar, isto é, escolher conscientemente um porém, conceituamos de início, a psique como
determinado padrão arquetípico para elaborar a mesma coisa que o conceito de Cosmos para a
determinada situação. Posso optar para elaborar ciência e o conceito de Deus para a religião, os
uma tarde de domingo, por exemplo, de forma conceitos de unus mundus, psicoide e sincroni-
dominantemente matriarcal, com um banho de cidade são úteis e dinâmicos, tão somente para
piscina e um bom churrasco ou de maneira domi- descrevermos a percepção da realidade comum
SELF
Eixo Simbólico
(Função Transcendente)
Consciência Sombra
Eu-Outro
Símbolos e Funções
Estruturantes
Arquétipos
Gráfico 1. Eixo simbólico.
Indiferenciada Corpo-Natureza-Sociedade-Ideia-Som
Insular Imagem-Emoção-Palavra-Número-Comportamento-Silêncio
Polarizada Quatérnio Arquetípico Regente
FUNÇÕES DA CONSCIÊNCIA
Dialética
Pensamento-Sentimento-Intuição-Sensação
Contemplativa
A - Posição Indiferenciada – O Eu e o Outro se ilhas não estão totalmente separadas, pois são
acham indiferenciados dentro do símbolo e do dinamicamente articuladas entre si através do
Self. Corresponde ao estado urobórico descrito inconsciente, dentro do Self.
por Erich Neumann. A posição insular é característica do esta-
B - Posição Insular – Nesta posição psicoló- do de consciência, que opera pela dominância
gica, o Eu e o Outro convivem em ilhas de cons- da coordenação do Arquétipo Matriarcal, como
ciência. Numa ilha, a criança pode vivenciar o ocorre na primeira infância, no animismo e nas
ódio pela mãe e noutra, o amor. Normalmente, religiões politeístas. A proximidade da relação
não se trata de um split, e sim de um estado de Eu-Outro dentro destas ilhas de consciência
consciência normalmente insular. Nos estados estabelece uma intimidade binária sensual e
patológicos, surgem as defesas dissociativas ou emocional, que mantém a consciência operando
splits entre as ilhas ou dentro delas. A denomi- muito próxima das reações primárias instintivas
nação insular ou ilhada chama a atenção para de prazer/desprazer. A posição insular, na infân-
o fato de que essas ilhas Eu-Outro conscientes cia, foi denominada de estado libidinal perver-
são cercadas de inconsciência, como as ilhas so-polimorfo por Freud e corresponde também,
são cercadas pelas águas do mar. Assim, estas durante a vida à consciência lunar ou matriarcal,
Fases
Posições
Infância Adolescência Vida adulta Maturidade Velhice
Indiferenciada passiva +++ passiva ++ ativa + ativa ++ ativa +++
Insular passiva +++ ativa + ativa +++ ativa ++ passiva +
Polarizada passiva +++ ativa + ativa +++ ativa + passiva +
Dialética passiva + passiva ++ ativa + ativa +++ ativa ++
Contemplativa passiva +++ passiva ++ passiva + ativa ++ ativa +++
Resumen
El arquetipo de la vida y de la muerte: Un Estudio de la Psicología Simbólica
El autor elabora la posición dualista de Freud tro Arquetipos Regentes correspondientes: Ar-
y dialéctica de Jung y Sabina Spilrein ante el Ar- quetipo Matriarcal y posición insular. Arquetipo
quetipo de la Vida y de la Muerte por medio de la patriarcal y posición polarizada. Arquetipo de la
conceptualización de cinco posiciones arquetípi- Alteridad (Anima y Animus) y posición dialéctica.
cas de la conciencia (Yo-Otro): Posición indiferen- Arquetipo de la Totalidad y posición contempla-
ciada, insular, polarizada, dialéctica y contempla- tiva. Se hace especial énfasis en el Arquetipo del
tiva, cada una, en dos actitudes, pasiva y activa. Coniunctio, descrito de forma típica en las fases
Para que esto se realice, el autor expande con- del proceso por medio de cuatro formas de ex-
ceptos fundamentales de la Psicología Analítica presión: Coniuntio Insular, Coniunctio Parental,
y del Psicoanálisis, principalmente los conceptos Coniunctio Conjugal y Coniunctio Cósmico. En
de arquetipo y de defensa, en un cuerpo teórico, conclusión, el autor describe la función estruc-
que denomina Psicología Simbólica. turante del Arquetipo de la Vida y de la Muerte, y
A continuación, el autor asocia sumaria- su papel en la elaboración simbólica, sobre todo
mente las cinco etapas de la vida (infancia, ad- en el paso de una fase a otra, dando especial én-
olescencia, vida adulta, madurez y vejez) a estas fasis al estado terminal a la discusión de la euta-
posiciones de la conciencia, junto con sus cua- nasia médica y de la auto- la eutanasia. ■
BYINGTON, C. A. B. A autenticidade como dualidade na JUNG, C. G. Tipos psicológicos. Rio de Janeiro, RJ: Zahar,
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Resumo Palavras-chave
O autor estuda os órgãos dos sentidos pelo vinho, da audição pela música e do tato pela órgãos dos
como funções estruturantes da Consciência e cosmetologia. Considera que, enquanto a cultura sentidos,
da Sombra Individual e Coletiva. Comparando aumentou o poder da visão e da audição, o mesmo símbolos e
funções
o cérebro a um computador, o autor argumen- não aconteceu com o olfato, o paladar e o tato.
estruturantes
ta que as funções fisiológicas são equivalentes Finalmente, à guisa de ilustrar o desenvolvi- da visão,
aos hardware e as funções estruturantes aos mento cultural dos órgãos dos sentidos como da audição,
software. Com esta comparação, o autor pre- funções estruturantes da Consciência Individual do olfato,
tende chamar a atenção para a extraordinária e Coletiva, o autor aplica sua Teoria Arquetípica do paladar
transformação da Consciência operada pela da História à História da Arte Moderna. ■ e do tato,
Civilização, fato que tem sido pouco consider- hardware,
ado pela Psiquiatria moderna, devido ao seu software,
teoria
justificável, mas lamentável fascínio atual pela
arquetípica
neuropsicofarmacologia.
da história
A seguir, o autor tece considerações resumidas da pintura
sobre cada órgão dos sentidos percebido como ocidental.
função estruturante e cita a expressividade da visão
pela pintura, do olfato pelos perfumes, do paladar
1
Publicado originalmente na Revista Junguiana 20, 2002 p. 7-15.
** Médico Psiquiatra e Analista Junguiano. Membro fundador
da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. Membro da
Associação Internacional de Psicologia Analítica. Criador da
Psicologia Simbólica Junguiana. Educador e Historiador.
E-mail: < c.byington@uol.com.br >,
site: < www.carlosbyington.com.br >
manejo das coisas e ensejou o aumento progres- estruturantes mais importantes para conhecer,
sivo do brincar com os objetos para conhecê-los catalogar e lidar com as coisas pelo fato de eles
e manipulá-los com destreza. Foi esta conjunção andarem voltados para o chão e, por isso, elas
fantástica entre o cérebro, a visão e as mãos do- são mais muito desenvolvidas neles do que em
tadas da oponência do polegar, que nos permitiu nós. Espécies aladas também nos ultrapassam
chegar às maravilhas da tecnologia moderna. A na audição, como, por exemplo, os morcegos
visão como função estruturante é tão importante que voam por radar.
que a criação da Consciência é frequentemente A diminuição da importância da audição e
reduzida à luz e o conhecer equacionado com da dimensão sonora com relação à visão na
o ver. Não é por acaso que uma imensa propor- evolução fisiológica do sistema nervoso foi, no
ção de símbolos psíquicos se apresenta pela entanto, altamente compensada e até mesmo
imagem. Este fato impressionou tanto Jung que, invertida na cultura com o desenvolvimento da
em muitas partes de sua obra, ele equacionou linguagem. O aparelho auditivo é o receptador
os símbolos expressos pelos arquétipos com as sonoro e, por isso, é inseparável da fala que é o
imagens arquetípicas. nosso emissor sonoro através da função estru-
turante da respiração. O software da linguagem
2.1.1 A Visão e a Pintura é dos mais complexos e poderosos da nossa
A pintura é um exemplo da conjunção criativa espécie, fato que transformou a limitação fisio-
entre o cérebro, a visão estereoscópica a cores e lógica da audição ocorrida na evolução, numa
as mãos na dimensão estética. A diferenciação das funções estruturantes mais significativas da
em cores dos objetos, das roupas, da moradia Civilização. A descoberta da linguagem escrita
e do corpo, com o tempo se constituiu num sof- reverteu relativamente essa vantagem.
tware significativo para a organização e o funcio-
namento da Consciência Individual e Coletiva. 2.2.1 A Audição e a Música
A especialização da pintura trouxe, no decorrer Ao passar da dimensão sonora para a escrita,
das gerações, uma representatividade crescente a linguagem teve uma nova fase histórica mui-
para reproduzir e modificar a natureza pela ima- to importante para difundir a cultura através da
ginação, frequentemente usando a imagem cor- visão. Alavancada pela descoberta da imprensa
poral nas representações. (Gutenberg, 1444), a linguagem escrita propiciou
o desenvolvimento da literatura, cuja dimensão
2.2 A Audição cotidiana originou o jornal. Paralelamente, po-
Trata-se de uma função estruturante de rém, as descobertas do telefone e do rádio de-
grande importância, que constrói a Consciência ram um novo ímpeto à linguagem falada. Num
conhecendo e catalogando as coisas através terceiro round, o cinema e a televisão acabaram
do som. Se a bipedestação uniu-se à visão e à por reunir, na modernidade, a audição e a visão
oponência do polegar e a nossa capacidade glo- nos órgãos de comunicação e na produção cria-
bal aumentou, com a audição e o olfato não foi tiva da cultura. Infelizmente a Consciência pla-
assim. Pelo contrário, com a evolução e a bipe- netária ainda não se deu conta de todo o poten-
destação, nossa capacidade auditiva e olfativa cial estruturante pedagógico da mídia (Byington,
diminuiu muito. A bipedestação aliada à visão 1996, cap. XII).
inseriu os primatas nas polaridades acima-abai- Um dos sistemas estruturantes mais impor-
xo e céu-terra, que na nossa espécie teve gran- tantes derivados da função estruturante da au-
de repercussão cultural na polaridade espiritu- dição é a música. Apesar de a teoria musical ter
al-material, reino do céu-reino da terra. Para os sido favorecida pelo impacto histórico da lingua-
quadrúpedes, a olfação e a audição são funções gem escrita, sua essência permaneceu auditiva.
e que empregarei agora, resumidissimamente, ticelli, Tintoretto, Tiziano e tantos outros dentro
para a História da Pintura Ocidental. do rótulo do Arquétipo Patriarcal.
No mesmo século XIII em que Dante deixou o Quero que o leitor se prepare para perceber,
latim para escrever a Divina Comédia em italia- através de uma imensa abstração, por que, no
no, a singeleza da pintura de Giotto (1266–1336) século XIX, os salões oficiais de Paris rejeitaram
e de Cimabue (1240?–1302?) rompeu com a tra- como não arte o Movimento Impressionista e
dição bizantina e inaugurou a Arte Ocidental pro- tudo o que se seguiu para caracterizar a Arte Mo-
priamente dita. A dominância arquetípica desta derna no século XX. Não arte por quê?
fase pode ser associada à sensualidade da ex- No século XVIII, com o Impressionismo, co-
pressividade matriarcal, pois expressa a pintura meçaram o rompimento e o desapego à exatidão
essencialmente motivada pela espontaneidade representativa da forma em função da expres-
afetiva e pelo prazer devocional religioso, pic- sividade da imaginação. Ativado intensamente
tórico-narrativo, sem nenhuma imposição ou pelo padrão dialético da compaixão expresso
compromisso primário com tradições, normas e pelo Mito Cristão, o Arquétipo da Alteridade
regras de procedimento. continuou sua implantação sociocultural no Oci-
Através do gótico, do maneirismo e do barro- dente de forma cada vez mais intensa. Junto com
co, durante cinco séculos vemos o aperfeiçoa- as ciências e a transformação política, as artes
mento crescente da técnica, inclusive química, romperam cada vez mais com a dominância pa-
com a inovação da pintura a óleo, atribuída a triarcal clássica e aprofundaram a alteridade. A
Leonardo da Vinci, com um conhecimento cada pintura caminhou para o Impressionismo saindo
vez maior da perspectiva e da habilidade de re- das igrejas, das cortes e do atelier para o meio do
presentar objetivamente a realidade nos seus povo e para as variações da luz do dia. Apesar do
menores detalhes e movimentos. Por certo, reacionarismo patriarcal dos salões, a alteridade
além dos aspectos objetivos, cresce também em marcha rompeu progressivamente com a re-
a capacidade de pintar nuances subjetivas de presentatividade tradicional da forma através do
emoções e sentimentos de forma cada vez mais Expressionismo que culminou no Cubismo. A ge-
pungente, proporcionalmente à genialidade ometrização da forma no Cubismo foi um acinte
dos grandes mestres. A superexigência perfec- para as curvas do real objetivo e contribuiu para
cionista da exatidão técnica no culto da pers- liberar o real fantástico no Surrealismo. Rompeu-
pectiva, da exatidão das formas, do movimento -se até mesmo com a tradição da subordinação
e da organização espacial e a devoção religiosa da pintura ao pincel e à tinta e surgiu a colagem
em função da representatividade do real subja- com os materiais mais diversos, que incluíram
cente a este período caracterizam a dominância até mesmo a sucata de ferro. A alteridade na arte
organizadora do Arquétipo Patriarcal. A admira- requereu liberdade e expressividade absolutas
ção perfeccionista pela grandiosidade clássica e essa conquista final surgiu quando Duchamps
e a voracidade pela riqueza do seu imaginário suspendeu um bidê no ar e o proclamou um ob-
levaram à ressuscitação da Mitologia Greco-Ro- jeto de arte.
mana que inundou o Renascimento. O caminho para a Arte Moderna atingiu seu
As generalizações costumam atropelar as in- apogeu na segunda metade do século XX com a
dividualidades e, por isso, despertam o despre- liberação total das formas e dos materiais reu-
zo dos especialistas. nidos à palavra na arte conceitual, derrubando
De forma alguma quero dar a impressão ao limites e mais limites entre a prosa, a palavra,
leitor que através de um psicologismo simplório a pintura e a escultura. Esta alteridade da cria-
redutivista ao extremo estou empacotando a ge- tividade, que tudo pode empregar e que é reco-
nialidade de Da Vinci, Miguelangelo, Rafael, Bo- nhecida em tudo, ampliou e transformou de tal
Indiferenciada Corpo-Natureza-Sociedade-Ideia-Som
Insular Imagem-Emoção-Palavra-Número-Comportamento-Silêncio
Polarizada Quatérnio Arquetípico Regente
FUNÇÕES DA CONSCIÊNCIA
Dialética
Pensamento-Sentimento-Intuição-Sensação
Contemplativa
Keywords: organs of the senses, symbols and structuring functions of vision, hearing, smell, taste and touch,
hardware, software, archetypal theory of the history of western painting.
Resumen
Los sentidos como funciones estructurantes de la conciencia. Un estudio de la
psicología simbólica
El autor estudia los órganos de los senti- A continuación, el autor hace consideraciones
dos como funciones estructurantes de la Con- resumidas sobre cada órgano de los sentidos
ciencia y de la Sombra Individual y Colectiva. percibido como función estructurante y cita la ex-
Comparando el cerebro a una computadora, el presividad de la visión por la pintura, el olfato por
autor argumenta que las funciones fisiológi- los perfumes, el paladar por el vino, la audición
cas son equivalentes a los hardwares y las por la música y el tacto por la cosmetología. Con-
funciones estructurantes a los softwares. Con sidera que mientras que la cultura aumentó el
esta comparación, el autor pretende llamar poder de la visión y de la audición, lo mismo no
la atención sobre la extraordinaria transfor- ocurrió con el olfato, el paladar y el tacto.
mación de la Conciencia operada por la Civi- Finalmente, a la luz de ilustrar el desarrollo
lización, hecho que ha sido poco considerado cultural de los órganos de los sentidos como fun-
por la Psiquiatría moderna, debido a su justi- ciones estructurantes de la Conciencia Individual
ficable pero lamentable fascinación actual por y Colectiva, el autor aplica su Teoría Arquetípica
la neuropsicofarmacología. de la Historia a la Historia del Arte Moderno. ■
Palabras clave: órganos de los sentidos, símbolos y funciones estructurantes de la visión, de la audición, del
olfato, del paladar y del tacto, hardware, software, teoría arquetípica de la historia de la pintura occidental.
Palavras-chave
Resumo arte e psicologia,
O autor, dentro do referencial teórico da Psico- passividade covarde e masoquista do seu complexo identificações
logia Simbólica Junguiana, estuda a relação da Arte materno negativo. Descreve também a identificação primárias e
com a Psicopatologia e situa o sadomasoquismo do Outro na Consciência dominantemente com a suas fixações,
complexo
como a defesa central dos relacionamentos hu- exuberância vital, a produtividade e a dedicação ao
parental e o
manos. Postula a sua formação através da fixação trabalho e à família do seu complexo paterno posi-
vínculo mãe
das identificações parentais, que inclui o vínculo tivo e do seu Outro na Sombra com a agressividade e pai, funções
entre mãe e pai e as reações do Ego a eles. Esta egocêntrica, sádica, prepotente e extrovertida do estruturantes
fixação envolve a interação da função estruturante seu complexo paterno negativo. A resultante desta do amor e
do amor (afeto e agressividade) com a função es- grave fixação foi uma relação sadomasoquista da do poder,
truturante do poder (obediência e comando). polaridade Ego-Outro na sua personalidade, clar- sadomasoquismo,
O autor ilustra estes conceitos na vida e na obra amente expressa na sua famosa Carta ao Pai e na arquétipo
central e
de Franz Kafka, descrevendo a identificação do seu maior parte de sua obra, inclusive na sua ordem
sistema
Ego na Consciência dominantemente com o afeto para que fosse destruída junto com seus diários.
defensivo da
delicado, sensível e introvertido do seu complexo Byington conclui mencionando alguns as- sombra,
materno positivo, e do seu Ego na Sombra com a pectos da relação entre Arte e Psicopatologia e ultrapassagem
postula que o Arquétipo Central abrange os com- da psicopatologia
plexos fixados do sistema defensivo da Sombra, pela arte no self
1
Artigo publicado na Junguiana, Revista da Sociedade Brasilei- cultural.
ra de Psicologia Analítica, São Paulo, nº 22, 2004, p. 87-107. mas busca ultrapassá-los na autorrealização cri-
* Médico Psiquiatra e Analista Junguiano. Membro fundador ativa do Processo de Individuação. No caso de
da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. Membro da
Associação Internacional de Psicologia Analítica. Criador da Kafka, isto não aconteceu no Self Individual, mas
Psicologia Simbólica Junguiana. Educador e Historiador. realizou-se vigorosamente através da imagem
E-mail: < c.byington@uol.com.br >,
site: < www.carlosbyington.com.br > arquetípica da ressurreição no Self Cultural. ■
“sulcos em seu cérebro” (KAFKA, 2002b p. 30), tava muito de ouvir os outros... “Mesmo quando
seu sistema sadomasoquista. sua doença já o estava torturando, ele mantinha
As descrições de sua personalidade, tanto na sua expressão sorridente” (BROD, 1995, p. 255).
biografia escrita por Max Brod (1995) como nas Esconder do mundo, defensivamente, seu
referências de pessoas que o conheceram (Feli- sofrimento talvez tenha sido uma das grandes
ce Bauer, Dora Geritt, Milena Pollack, Friedrich razões para pedir ao amigo Max que destruísse a
Thierberger, Dora Dymant, Gustav Janouch, den- parte não publicada de sua obra, que era grande,
tre outros), trazem uma personalidade riquíssi- junto com os diários e cartas, o que, felizmente,
ma e complexa, o que, para muitos, certamente não foi feito, e que deixou explícita a sua defesa
invalidaria a importância que estou atribuindo sadomasoquista. Seus sonhos e suas fantasias
às suas possíveis identificações primárias nega- ilustram exuberantemente o quanto sofria, mes-
tivas. Meu argumento, no entanto, vem da obra, mo antes de contrair a tuberculose que o tortu-
dos Diários (KAFKA; BROD, 1948), das cartas e rou durante os últimos sete anos de sua vida.
principalmente do que o próprio Kafka escreveu
na Carta ao Pai (2002b). No meu entender, aí se A janela estava aberta, em meus pensa-
encontra o fio condutor do significado profun- mentos desconexos eu me jogava da ja-
do do seu Processo de Individuação e de toda nela de quinze em quinze minutos, con-
a sua obra, que descreve com uma inteligência, tinuamente. Aí vinha um trem, os vagões
uma sensibilidade e uma criatividade literária iam passando sobre o meu corpo estirado
geniais, a tortura de buscar a vida dentro da in- nos trilhos, aprofundando e alargando
viabilidade absoluta de ser. “Tudo é imaginário: os dois cortes, no pescoço e nas pernas
família, emprego, amigos, a rua, lá longe, ou (KAFKA, 2003a p. 66)
aqui perto, a mulher. A maior verdade, porém, é
só essa: que você está batendo sua cabeça na
parede de uma cela que não tem porta nem jane- 3. As Funções da Afetividade e da
la” (KAFKA; BROD, 1948 p. 395). Agressividade fazem parte do Amor
Na Carta, o próprio Kafka (2002b) se apre- Se concebermos a afetividade como a função
senta como um prisioneiro de suas identifica- estruturante arquetípica que busca a aproxima-
ções primárias negativas e, principalmente, do ção daquilo que nos agrada, e a agressividade
vínculo parental, característica central de sua como a função que afasta o que repudiamos,
identidade fixada na Sombra. De um lado, o pai podemos compreender a polaridade afetivida-
exuberante e provedor, mas grosseiro, vaidoso, de-agressividade fazendo parte do centro dos
onipotente, autoritário e sádico; de outro, a mãe relacionamentos emocionais, nos quais a afeti-
amorosa, sensível e introvertida, mas covarde, vidade diz sim e acolhe e a agressividade diz não
passiva e masoquista. Este vínculo expressa o e repudia. Por conseguinte, a interação normal
desespero da maldição profética de não poder da afetividade e da agressividade, do sim para o
ser, que permeia cada parágrafo. afeto e do não para a frustração, é a essência da
Conta Rudolf Fuchs que, certa vez, entre ami- psicodinâmica do amor, e a sua disfunção, par-
gos em Weinberg, numa noite gelada, Kafka es- te importante da defesa sadomasoquista, que
tava usando um casaco muito leve, pelo que foi nos faz ter afetividade e aceitação pelo que nos
criticado. Kafka levantou sua calça, mostrou sua desagrada e agressividade e rejeição por aquilo
perna nua e contou que tomava banhos gelados que nos agrada. “Meu irmão cometera um crime,
no inverno. Acrescentou Fuchs que Kafka sofria de talvez um assassinato. Eu e outras pessoas es-
insônia e de terríveis dores de cabeça – provavel- távamos envolvidos... Meu sentimento de felici-
mente enxaquecas –, pouco falava de si, mas gos- dade estava no fato que eu recebia tão livremen-
te, com tanta convicção e alegria, o castigo que Em 1913, um ano antes de escrever Na Colô-
viria...” (KAFKA, 2003a). “Meu desenvolvimento nia Penal (KAFKA, 2001b), conto no qual detalha
foi simples. Quando eu estava contente, eu que- minuciosamente os sentimentos do torturador e
ria estar infeliz e, com todos os meios de que do torturado junto com uma terrível máquina as-
dispunha, mergulhava na infelicidade – e de- sassina, Kafka fantasia: “a imagem frequente de
pois queria voltar” (KAFKA; BROD 1948 p. 405). uma fatiadora muito larga, que vai me cortando
“É impressionante como eu sistematicamente em alta velocidade e com regularidade mecânica
me destruí ao longo dos anos, como uma fenda em fatias muito fininhas, que saem voando qua-
que foi se alargando na barragem de uma repre- se enroladas por causa da rapidez do trabalho”
sa” (KAFKA; BROD 1948 p. 393). (KAFKA, 2003a p. 70; KAFKA; BROD 1948).
Como tenho assinalado o centro da Consciên-
4. A Relação entre o Amor e o Poder ocu- cia não é ocupado somente pelo Ego, mas pela
pa o Centro da Elaboração Simbólica polaridade Ego-Outro e Outro-Outro. A Psicolo-
Outra polaridade que abrange a polaridade gia Simbólica Junguiana descreve a formação e
afetividade-agressividade, e é tão central quanto a transformação da identidade do Ego junto com
ela nos relacionamentos humanos, é a polarida- a identidade do Outro a partir de toda e qual-
de amor-poder. Trata-se do poder como função quer elaboração simbólica. O relacionamento
estruturante, que pode atuar junto ou separado Ego-Outro, como todas as demais polaridades,
da sexualidade e do amor. A associação entre o inclusive das funções tipológicas, é assimétrico
amor e o poder, devido à sua importância central na elaboração simbólica e, com o tempo, busca
na vida psíquica, abrange todos os matizes dos desenvolver o polo até então subdesenvolvido.
relacionamentos humanos. Ela reúne, dentro da A polaridade ativa-passiva tem aqui um papel
moldura arquetípica do Processo de Individu- significativo (MONTELLANO, 1996).
ação, aspectos centrais da Psicanálise – a pul- A assimetria intensa da polaridade pai-filho
são sexual libidinosa (FREUD, 1969) e a pulsão na personalidade de Kafka foi muito significa-
egoica da assertividade tanática (FREUD, 1976) tiva, pois, ao não poder ser transformada, dila-
–, da Psicologia Individual de Adler (a função es- cerou sua alma e tornou-se a fixação central do
truturante do poder compensatória ao complexo seu quadro defensivo. “De todas as impressões
de inferioridade) e da Psicologia Analítica (o Pro- de sua infância, a mais extraordinária é a ima-
cesso de Individuação) dentro do referencial da gem grandiosa de seu pai”, escreve seu biógrafo
Psicologia Simbólica Junguiana. Quando a pola- e amigo Max Brod (1995, p.13). No entanto, foi
ridade amor-poder sofre uma fixação e passa a impedido de integrar essa idealização por ser
atuar na Sombra, forma-se a defesa sadomaso- ela incompatível com sua introversão, sensibili-
quista, que pode então ser compreendida como dade e delicadeza, provenientes de sua própria
a conjunção defensiva entre o amor e o poder e natureza e da identificação com a família de sua
incluir formas defensivas as mais variadas nos mãe. O pai criou-o com “violência, gritaria e des-
relacionamentos humanos (BYINGTON,1987). temperos” para fazê-lo “um jovem forte e cora-
joso”, mas sua incapacidade de corresponder
5. A Assimetria Normal das Polaridades fê-lo sentir-se “um mero nada”; “a menor crítica
Psíquicas e a Busca de Equilíbrio do pai era um fardo enorme para o filho, termi-
Kafka parece-me ter sido de tipologia senti- nando por fazê-lo desprezar a si próprio” (BROD,
mento-sensação introvertidos. A imensa repres- 1995 p. 22). “Como, pai, você era forte demais
são de sua agressividade contra seu pai apre- para mim, principalmente porque meus irmãos
senta-se fixada, internalizada e dirigida contra morreram pequenos, minhas irmãs só vieram
si próprio. muito depois e eu tive, portanto, de suportar in-
Keywords: art and psychology, primary identifications and their fixations, parental complex and the bond
between mother and father, structuring functions of love and power, sadomasochism, central archetype and
defensive system of the shadow, overcoming psychopathology by art in the cultural self.
Resumen
Arte y psicopatología: la defensa sadomasoquista y la rrascendencia del mal.
Un enigma que reúne la vida y la obra de Franz Kafka. Un estudio de la Psico-
patología Simbólica Junguiana
El autor, dentro del referencial teórico de la través de la fijación de las identificaciones paren-
Psicología Simbólica Junguiana, estudia la rel- tales, que incluye el vínculo entre madre y padre
ación del Arte con la Psicopatología y sitúa el y las reacciones del Ego a ellos. Esta fijación im-
sadomasoquismo como la defensa central de plica la interacción de la función estructurante
las relaciones humanas. Postula su formación a del amor (afecto y agresividad) con la función
Palabras clave: arte y psicología, identificaciones primarias y sus fijaciones, complejo parental y el vínculo
madre y padre, funciones estructurantes del amor y del poder, sadomasoquismo, arquetipo central y sistema
defensivo de la sombra, superación de la psicopatología por el arte en el self cultural.
BYINGTON, C. A. B. Arquétipo e patologia: introdução à psico- KAFKA, F. Josefina, a cantora. In: KAFKA, F. Um artista da
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Palavras-chave
Resumo
ética, bem e
A Sombra, concebida pela Psicologia Simbóli- cem todo o apreço dos que buscam o desen- mal, fixação,
ca Junguiana como a sede do Mal, é impre- volvimento da Consciência e da ética. defesa, alienação,
scindível para o processo de individuação e de Prosseguindo, o autor discorre sobre a dificul- processo de
humanização pelo fato de conter, fixados no dade que Jung teve para inserir o Bem e o Mal lado individuação,
seu interior, símbolos e funções fundamentais a lado dentro da divindade e do Self, por descon- processo de
para a vida. hecer, até a década de 1950, que o Ego da Consciên- humanização,
Nesse sentido, como na parábola do fil- cia e o Ego da Sombra são o produto da elaboração integração
da sombra,
ho pródigo, os símbolos e funções da Sombra simbólica coordenada pelo Arquétipo Central.
harmonia da
merecem ser buscados mais do que os símbolos O paradoxo ético do Arquétipo Central é que
personalidade,
normais, pois, enquanto estes já estão sendo ele busca a totalidade através da atuação normal paz.
elaborados no caminho da plenitude e do Bem, e também da patológica. A explicação do paradoxo
aqueles estão fixados e alienados no caminho é que o Arquétipo Central almeja acima de tudo im-
do Mal. Pelo fato de os símbolos da Sombra es- pulsionar a vida, seja através do Bem ou do Mal e,
tarem dissociados devido à fixação e oferecerem ao mesmo tempo em que expressa o Mal, propicia
resistência à elaboração, o reconhecimento da o resgate dos símbolos e funções nele contidos
importância da Sombra e o seu confronto mere- através da função estruturante da ética. ■
1
Palestra de encerramento das comemorações dos 30 anos de
fundação da SBPA. PUC – SP, em 27/09/2008. Publicado orig-
inalmente na Revista Junguianas 27, 2008, p. 72 -78.
* Médico psiquiatra e analista junguiano. Membro fundador da
Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. Educador e Histo-
riador. Criador da Psicologia Simbólica Junguiana.
E-mail: c.byington@uol.com.br. Site: www.carlosbyington.com.br
A função ética é um tema central em qualquer o vinho e nada sentira, Jung afastou-se cada vez
teoria de desenvolvimento psicológico e em toda mais da religião cristã institucionalizada.
filosofia do comportamento humano. Freud apre-
sentou-a em sua última conceituação da psique Pouco a pouco a igreja tornou-se para mim
como duas pulsões antagônicas, eros e tanatos, uma fonte de suplício, pois nela se falava
vida e morte, que se guerreiam durante a vida. em voz alta – eu diria: quase sem pudor
Jung evitou essa posição dualista e buscou – de Deus, de Suas ações e intenções. O
conceituar a relação entre Bem e Mal dentro do povo era exortado a cultivar tais sentimen-
Self no processo de individuação. Essa formula- tos, a crer em tais mistérios que, para mim,
ção da dualidade na unidade, na obra de Jung, provinham da mais íntima e profunda cer-
corresponde à relação dialética que considero teza e a respeito dos quais nenhuma pa-
típica da expressão do Arquétipo da Alteridade lavra poderia testemunhar. Concluí que,
na Consciência (BYINGTON, 2008). No entanto, aparentemente, ninguém conhecia esse
talvez por sua educação religiosa, ele abordou mistério, nem mesmo o pastor; senão ja-
o Bem e o Mal principalmente em função da sua mais teria ousado expor publicamente o
relação com o Deus Judaico-Cristão e não dentro mistério de Deus, profanando com aquele
da Sombra e da psicologia propriamente ditas, o sentimentalismo insípido sentimentos ine-
que dá margem a muita ambiguidade. fáveis (JUNG, 1975, p. 52).
Jung foi criado numa atmosfera religiosa, na
qual a relação com Deus era um assunto cor- Lado a lado com essa vivência direta de Deus,
riqueiro guiado pela Bíblia. Seu pai era pastor Jung buscou durante toda a sua vida descrever
protestante e tinha dois irmãos, também pas- o espontâneo, o imprevisível e terrível dentro
tores. Na família de sua mãe existiam nada me- da divindade e combateu incessantemente a
nos que seis pastores protestantes. Era comum doutrina do Summum Bonun da Igreja Católica,
ouvir, em reuniões de família, sermões e dis- segundo a qual, pensava Jung, Deus seria exclu-
cussões de temas religiosos, enquadrando-se a sivamente bom e o Mal seria a privação de Deus
ética e a natureza de Deus dentro das Escrituras (privatio boni), pois para ele isso excluiria a pre-
(JUNG, 1975). sença do Mal dentro da divindade.
No entanto, desde muito jovem, Jung vivia Jung viveu o sonho com o falo e a visão da ca-
a religiosidade de modo significativamente di- tedral espatifada como uma revelação da natu-
ferente daquela de sua família, pelo fato de se reza de Deus e da sua relação com Ele. Por isso,
relacionar com Deus de maneira individual e contrapôs essas vivências do Deus vivo com
não programada. O sonho com o falo gigante em aquelas pregadas por seu pai, tios e religiosos
cima de um altar subterrâneo, que tivera antes – um deus idealizado do qual falavam, mas cuja
de completar 4 anos, e a visão que teve aos 12 existência não vivenciavam emocionalmente.
anos, com Deus num trono de ouro acima do Levei muitos anos para compreender o que
mundo, defecando e espatifando a Catedral de Jung queria realmente dizer quando afirmava
Basiléia, marcaram decisivamente sua religiosi- que a divindade abriga o Bem e o Mal. Finalmen-
dade com a experiência viva de Deus. Depois de te, acho que o compreendi, não em seus escritos
sua primeira comunhão, na qual ingerira o pão e teóricos, mas em suas memórias (JUNG, 1975).
O que ele passou sua vida querendo descrever, olhos ergueu-se a bela catedral e, em
me parece, é uma experiência religiosa na qual cima, o céu azul. Deus está sentado em
Deus se revela de todas as maneiras, inclusive seu trono de ouro, muito alto acima do
pela transgressão e agressividade, não poden- mundo e, debaixo do trono, um enorme
do, por isso ser enquadrado, a priori, racional- excremento cai sobre o teto novo e colori-
mente. Assim, ele achava que a teologia, os do da igreja; este se despedaça e os mu-
sermões e os escritos religiosos jamais podem ros desabam.
prever e codificar o deus que Abraão vivenciou
Então era isto! Senti um alívio imenso e
ao subir a montanha e levar Isaac para o holo-
uma libertação indescritível... Fora como
causto, ou aquele que sacrificou seu próprio fi-
uma iluminação... Fizera a experiência que
lho na cruz. O que ele queria descrever, então,
meu pai não tinha tentado – cumprira a
acredito, é o lado terrível de Deus dentro do mito
vontade de Deus, à qual ele se opunha pe-
Judaico-Cristão, que o Ego não pode conceber,
las melhores razões... Quando põe à prova
mas que o Self, que é maior que o Ego, é capaz
a coragem do homem, Deus não se prende
de impor como uma vivência imprescindível no
a tradições, por mais sagradas que sejam.
processo de individuação. Para isso, segundo
Em Sua onipotência, cuida de que nada
ele, Deus não pode ser definido unilateralmente
realmente mau resulte dessas provações.
por nenhuma função estruturante específica que
invalide outras, pois quando assim fazemos eli- Quando se cumpre a vontade de Deus, não
minamos sua abrangência da totalidade. Desta há dúvida de que se segue o bom caminho
maneira, a agressividade e a destruição fazem (JUNG, 1975, p. 47-48, grifo meu).
parte da divindade, pois só isso poderia explicar
suas fezes terem espatifado seu próprio templo, Desta maneira, Jung está referindo-se ao Bem
justo aquele que mais representava a religião da e ao Mal na divindade, em função da relação do
família Jung. cristão com ela. Para sermos guiados por Deus,
O contexto religioso que Jung transferiu para nesse contexto, não podemos restringir de an-
sua visão do Self, então, é que o Ego não pode temão a sua natureza, mas permitir que ela se
determinar a priori o que é o Bem e o que é o revele plenamente.
Mal no desenvolvimento psicológico, pois esse No entanto, por mais que Jung tenha querido
conhecimento é revelado ao Ego durante a vida colocar o Bem e o Mal dentro da divindade, em
(NEUMANN, 1991). Toda esta postura teórica e momento algum ele a admite realmente como a
prática de Jung diante da religião e da Psicolo- morada do Mal, muito pelo contrário, pois afirma
gia, inclusive da ética, está expressa na elabora- que, “quando se cumpre a vontade de Deus, não
ção da visão da destruição da catedral por Deus. há dúvida que se segue o bom caminho”.
Lembremos que Jung pressentiu a visão, mas Como pode Jung condenar a doutrina do
não conseguiu abrir-se para ela, e ficou duran- Summun Bonum, quando sua afirmação acima
te dois dias atormentado pela noção de pecado. corresponde exatamente ao que é postulado
No terceiro dia, decidiu enfrentar o que intuía ser nessa doutrina? Jung torna sua teorização do
uma grande transgressão e viu a destruição da Mal ainda mais confusa, quando afirma no Aion
catedral, sentindo-se ao mesmo tempo aliviado (1959), sem maiores explicações, que o Mal é
e iluminado. relativamente fácil de se identificar na Sombra,
mas que é muito mais difícil de se perceber quan-
Reuni toda a coragem, como se fosse sal- do expresso pela Anima e pelo Animus. Nada,
tar sobre as chamas do Inferno e deixei porém, se iguala em falta de clareza, quando ele
o pensamento emergir: diante de meus termina esse capítulo sobre a Sombra afirman-
do, sem a menor justificativa, que: “Em outras quétipo Central é virtual e é o coordenador dos
palavras, é muito possível para uma pessoa re- demais arquétipos e de todo o processo de ela-
conhecer o Mal relativo da sua natureza, mas é boração simbólica. Esta conceituação me parece
uma experiência rara e aterradora para ela olhar importante para solucionar a controvérsia entre
na face do Mal absoluto” (1959, par. 19). Jung e a doutrina do Summun Bonum. Dentro do
Se o Self, por definição, abriga o Bem e o conceito de Self, a totalidade abrange o Bem e o
Mal, e se não queremos maniqueizá-lo em dois Mal, a Consciência e a Sombra, e é incompatível
instintos antagônicos, como fez Freud, devemos com a Doutrina do Summun Bonum. No entanto,
então, de alguma maneira, relacioná-los plena- dentro do conceito do Arquétipo Central, a Som-
mente dentro da unidade. bra se forma através de uma fixação, uma disfun-
A psicologia simbólica junguiana procura ção da elaboração simbólica, sendo, portanto,
estudar a função ética conjugando conceitos da uma privação do Bem (privatio boni). Ao mesmo
psicanálise e da psicologia analítica dentro do tempo, o Arquétipo Central exprime a Sombra,
processo de individuação, conceituado por Jung, o Mal, e propicia seu resgate e integração para
e de humanização, formulado por Teilhard de buscar a totalidade, o que o torna compatível
Chardin (1948). com a doutrina do Summum Bonum.
É exatamente esta conceituação da Sombra
1. A Psicologia Simbólica Junguiana, a como o Mal que Goethe espressa no Fausto,
Sombra e o Mal quando faz Mefistófeles se definir como: “sou
Para representar o Mal na psique, escolhi o parte da energia que sempre o Mal pretende e
conceito de Sombra da psicologia analítica para que o Bem sempre cria” (GOETHE, 2004 p. 139).
equivaler ao de inconsciente reprimido desco- Ele se refere ao Mal, à Sombra, cujo resgate se
berto pela psicanálise. A seguir, ampliei o concei- torna fonte geradora do Bem.
to de Sombra para abranger, não só os símbolos Outro exemplo exuberante da necessidade de
do mesmo gênero que o Ego, como a definiu Jung o Self e de o Arquétipo Central abrigarem a Som-
(1959), mas também aqueles do gênero oposto. bra (o Mal) para expressar e elaborar os símbolos
Por outro lado, restringi o conceito de Sombra e funções estruturantes fixados está no poema
aos símbolos pessoais e coletivos fixados e com épico indiano Ramayana. Ravana é um demônio
defesas, e não o emprego para abranger todo o (raksasa) com grande capacidade de praticar o
inconsciente coletivo, como às vezes acontece Mal. Ele tem dez cabeças, cada uma com mil anos
na literatura junguiana (VON FRANZ, 1985). de vida. Antes de se esgotar a vida da última,
No que se refere à psicanálise, ampliei o con- quando a humanidade finalmente se livraria dele,
ceito de defesa para percebê-la como função Brahma renova a vida das dez cabeças. O demô-
estruturante arquetípica que se tornou fixada e nio enche-se de vaidade e diz a Brahma: “Folgo
que, por isso, é sempre patológica. Assim, todas em saber que vos agrado”. – “Tua vontade é terrí-
as funções estruturantes arquetípicas normais vel”, respondeu Brahma, “tão forte que não pode
podem se tornar defensivas e, quando fixadas, ser esquecida; preciso tratá-la como uma doença
expressar a Sombra. ruim. As tuas dores me ferem” (BUCK, 1988 p. 55).
Para evitar a ambiguidade da polaridade Ao considerar Ravana uma doença, Brahma afir-
virtual-real, que ocorre quando empregamos o ma a necessidade de tratá-la. Ao fazê-lo, declara
conceito de Self para o todo e para o principal ser a Sombra imprescindível, mesmo com o sofri-
dos arquétipos, separei os conceitos de Self e de mento que ela traz para o Self, pelo fato de ela ser
Arquétipo Central. O Self abrange a totalidade, parte do Todo.
inclusive o Ego, a Sombra, todos os símbolos e O Arquétipo Central e o Self, como não po-
funções estruturantes e os arquétipos. Já o Ar- deria deixar de ser, abarcam todos os símbolos
e funções psíquicas, inclusive o Bem e o Mal. unificada para expressar a Sombra em todas
O Self os abrange porque inclui a Consciência as dimensões humanas, seja na ciência, como
e a Sombra. O Arquétipo Central também o faz erro; no direito, como crime; na arte, como plá-
porque expressa a elaboração simbólica, tanto gio; na ecologia, como expoliação ambiental;
normal quanto aquela que é fixada, se torna pa- no corpo, como doença; na religião, como peca-
tológica e é expressa pelas defesas, isto é, na do; na economia, como exploração; e na psico-
Sombra. O fato de o Arquétipo Central continuar logia, como Mal (BYINGTON, 2008). Perceber a
expressando os símbolos fixados e as defesas, Sombra como expressão do Mal é da maior im-
torna-o responsável também pelo Mal. Esta é a portância para que seus conteúdos simbólicos
sua grande ambiguidade, cuja busca de com- sejam devidamente identificados, elaborados e
preensão é o centro deste artigo. Trata-se, sem resgatados de suas fixações e reintegrados no
dúvida, do problema ético capital da psicologia caminho da normalidade e do Bem.
e da teoria do conhecimento. Nesse sentido, a Assim, em qualquer uma das dimensões
teoria do desenvolvimento arquetípico da elabo- existenciais, a elaboração da Sombra é preciosa
ração simbólica, que inclui o Ego e a Sombra, é o para que a psique ferida e alienada nas trevas
caminho científico para abordá-lo. reencontre o caminho da luz e da totalidade.
Assim sendo, parece-me que a grande di- Exatamente porque os símbolos da Sombra,
ficuldade que Jung teve para incluir o Bem e o do Mal e do Demônio expressam todos a fixa-
Mal psicodinamicamente na totalidade do Self, ção, o descaminho e a perdição do Ser dentro do
como tanto desejou, foi o desconhecimento desregramento, da ruindade e do nada (SARTRE,
da formação tanto da Consciência quanto da 1943), é que eles merecem toda a consideração,
Sombra através da elaboração simbólica, que a atenção cuidadosa, o temor, o respeito e a ela-
somente começou a ser descoberta por seus boração por aqueles que buscam a totalidade.
seguidores na década de 1950. Foi esta desco-
berta que revelou a enorme diferença entre os 2. A Gravidade do Mal
conceitos de Arquétipo Central (potencial da to- O tema do grau da maldade humana pode
talidade) e de Self (totalidade psíquica a cada ser abordado em função das estratégias que a
momento da vida). Sombra dispõe para praticá-lo. Estas estratégias
Nesse sentido, a Consciência é o caminho arquetípicas e existenciais são as defesas: neu-
do Bem, pois elabora os símbolos e as fun- rótica, psicopática, borderline e psicótica. Estas
ções estruturantes para expressar o potencial estratégias podem ser circunstanciais ou cronifi-
do Arquétipo Central em direção à totalidade. cadas, o que dá origem aos conceitos de Sombra
Lembremos que a etimologia de símbolo é Circunstancial e Sombra Cronificada.
sin=unir + ballein=lançar, ou seja, lançar junto, Na defesa neurótica, o Mal é praticado em
enquanto que a de diabo vem de diábolo, que é grande parte inconscientemente, contra a vonta-
dia=através, separar + ballein=lançar, ou seja, de da pessoa, gerando arrependimento, culpa e
lançar separado. Em contraposição, a fixação um esforço para mudar.
que forma as defesas, ou seja, a Sombra desvia Na defesa psicopática, a função estruturan-
os significados simbólicos da sua integração e te da vontade é envolvida pela defesa, o que a
os atua de forma separada do Todo, distorcida, torna dolosa e capaz de atingir o máximo da gra-
inadequada e não raro destrutiva, quer no Self vidade da sociopatia e da delinquência. No Self
individual como no grupal. individual, ela pode perpetrar crimes hediondos,
A Sombra é muito importante para o desen- e no Self cultural, ser capaz de atrocidades ino-
volvimento humano e, por isso, é preciso ser mináveis. A vontade dedicada à criatividade pla-
devidamente considerada. Conceituei a Sombra neja e realiza o que a inteligência tem de melhor.
Keywords: ethics, good and evil, fixation, defense, alienation, process of individuation, process of
humanization, integration of the shadow, psychological harmony and peace.
Resumen
La Sombra y el Mal. La paradoja del Arquetipo Central. Un estudio de la Ética
por la Psicología Simbólica Junguiana
La Sombra, concebida por la Psicología Sim- los que buscan el desarrollo de la Consciencia
bólica Junguiana como la sede del Mal, es impre- y de la ética.
scindible para el proceso de individuación y de Prosiguiendo, el autor discurre sobre la di-
humanización por el hecho de contener, fijados ficultad que Jung tuvo para insertar el Bien y el
en su interior, símbolos y funciones fundamen- Mal lado a lado dentro de la divinidad y del Self,
tales para la vida. por desconocer, hasta la década de 1950, que el
En este sentido, como en la parábola del hijo Ego de la Conciencia y el Ego de la Sombra son el
pródigo, los símbolos y funciones de la Sombra producto de la elaboración simbólica coordinada
merecen ser buscados más que los símbolos por el Arquetipo Central.
normales, pues mientras que éstos ya están La paradoja ética del Arquetipo Central es que
siendo elaborados en el camino de la plenitud ella busca la totalidad a través de la actuación nor-
y del Bien, aquéllos están fijados y alienados en mal y también de la patológica. La explicación de la
el camino del Mal. Por el hecho de que los sím- paradoja es que el Arquetipo Central anhela sobre
bolos de la Sombra estén disociados debido a la todo impulsar la vida, sea a través del Bien o del Mal
fijación y ofrecer resistencia a la elaboración, el y, al mismo tiempo que expresa el Mal, propicia el
reconocimiento de la importancia de la Sombra rescate de los símbolos y funciones en él contenidos
y su confrontación merecen todo el aprecio de a través de la función estructurante de la ética. ■
Palabras clave: ética, bien y mal, fijación, defensa, alienación, proceso de individuación, proceso de
humanización, integración de la sombra, armonía de la personalidad, paz.
JUNG, C. G. Aion. Princeton, NJ: Princeton University, 1959. VON FRANZ, M. -L. A sombra e o mal nos contos de fadas.
(Obras Completas 9, Tomo II). São Paulo, SP: Paulus, 1985.
Resumo
Baseado na Psicologia Simbólica Junguiana, vivência planetária, o crescimento do futebol em
o autor interpreta o futebol como um poderoso todos os continentes, afirma sua raiz arquetípica Palavras-chave
futebol, função
sistema simbólico de alto valor pedagógico para num mito messiânico e se revela um exemplo de
estruturante
estruturar a consciência individual e coletiva alteridade e de esperança. ■
da ética,
com o Arquétipo da Alteridade, que é o arquétipo paixão do povo,
da democracia. pedagogia
Esta capacidade estruturante do futebol consti- das emoções,
tuiu-se num ritual coletivo de custo irrisório, capaz arquétipo da
de elaborar coletivamente a agressividade, a com- alteridade,
petição, a ambição da vitória e, ao mesmo tempo, psicologia
simbólica
coordenar a função ética para absorver a frustração
junguiana.
da derrota dentro da união amorosa de cada time.
Segundo o autor, é a interação destas emoções,
expressando exuberantemente o Arquétipo Ma-
triarcal, que, subordinada às regras do Arquétipo
Patriarcal, permite a vivência apaixonante dos ar-
quétipos da Alteridade e da Totalidade.
Para concluir, o autor afirma que diante do
desequilíbrio cultural que afeta nossa sobre-
1
Publicado originalmente na Revista Junguiana 28/2, 2009,
p. 41-48.
* Médico Psiquiatra e Analista Junguiano. Membro fundador
da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. Membro da
Associação Internacional de Psicologia Analítica. Criador da
Psicologia Simbólica Junguiana. Educador e Historiador.
E-mail: c.byington@uol.com.br site: www.carlosbyington.com.br
outra, que é o estádio, e numa terceira, fora do com segurança, o grau intenso de empolgação
estádio, que é a cidade, o país e, na Copa do necessária para que o povo se torne também
Mundo, o planeta. agente do drama que se desenrola.
Corpo e emoção, sujeito e objeto, são insepa-
ráveis na formação dos símbolos que expressam 3. Os arquétipos e o futebol
qualquer fenômeno humano. A vida psíquica é As vigas mestras da consciência individual e
orientada pelos significados das experiências coletiva são o arquétipo matriarcal, da sensua-
e, por isso, nada do que é humano deixa de ser lidade, e o arquétipo patriarcal, da organização.
coordenado pelo sistema nervoso e pode existir Ambos estão fartamente presentes no futebol.
sem ser simbólico. O fato de a bola ser redonda A sensualidade do arquétipo matriarcal está ex-
para melhor quicar e rolar não nos deve impedir pressa em cada lance do jogo. Corridas, saltos,
de vê-la também como símbolo. Platão já con- disputas de bola no corpo a corpo do drible, co-
siderava a esfera a forma mais perfeita da geo- ragem, vitalidade, força, destreza, agressividade,
metria. Inúmeras culturas expressam através da competição, coração, raça, ambição, pura emo-
esfera e do círculo seus símbolos de totalidade, ção. É a alma guiando o corpo. E haja adrenali-
por serem formas geométricas onde não se pode na! Mas a vida individual e coletiva não é apenas
diferenciar o princípio do fim e nas quais todos sensualidade. E, por isso, o arquétipo patriarcal
os pontos da periferia distam igualmente do cen- da organização e da lei não pode faltar.
tro. O controle da bola é um exercício físico, mas As regras começam nas medidas do campo,
também emocional, de busca de coordenação das áreas e do gol. Na pequena área não se pode
total do ser. encostar no goleiro. E, na grande área, uma falta
A mandala do campo contém, delimita e pro- cometida pelo time defensor é o temido pênalti.
picia o desenvolvimento da tensão necessária O tempo é rigorosamente respeitado e corrigido
à ação dramática. Ela é, ao mesmo tempo, es- pelas prorrogações. O drama é finito. O que não
pacial, vivencial e emocional: delimita os que aconteceu nos 90 minutos, nunca mais; a menos
jogam, os que torcem nas arquibancadas e em que as regras imponham um jogo com prorroga-
casa, separando-os fisicamente para reuni-los ção e, pior, uma decisão nos pênaltis! E tem o es-
emocionalmente como um todo durante o desen- canteio e o impedimento, “a banheira” que poli-
rolar dramático. A identificação simbiótica torce- cia o atacante. Tudo fiscalizado por um juiz e dois
dor/jogador é muito estimulada pela cobertura bandeirinhas. O famoso trio de arbitragem. Doa
da imprensa, que torna o espetáculo mais íntimo a quem doer, é a lei em campo, expressa pelo
de todos. Retratos e entrevistas de jogadores, apito que assinala a falta, mantém a disciplina o
acrescidas de comentários, fofocas e desafios respeito às regras. Para quem transgredi-las, car-
de dirigentes, aumentam a expectativa dramáti- tão amarelo. Mas, se a falta for de má-fé, ou se
ca e favorecem a participação emocional. São os o jogador ofender o juiz, cartão vermelho! Desta
rituais emocionais de aquecimento preparatório. maneira, o espírito da lei do Arquétipo Patriarcal
Através deles, a identificação espectador/joga- confronta as emoções da alma do arquétipo ma-
dor é ativada de antemão. Durante o jogo, esta triarcal. Que expressão mais completa do emba-
identificação chega a tal ponto que precisa ser li- te entre os dois grandes arquétipos da civiliza-
mitada e contida, sem o que não seria possível a ção exercido num ritual coletivo!
ação dramática e, por isso, entre o campo e a tor- A interação da sensualidade (desejo) e da
cida há um fosso e policiais prontos para conter organização (lei) marca o dia a dia das pesso-
a alma transbordante dos mais exaltados. Esta as e também cada evento na vida dos povos.
delimitação física é necessária para favorecer a Este embate costuma ocorrer aos trancos e bar-
identificação emocional, que assim pode atingir, rancos, de forma imprevisível, intempestiva e,
Grega, por Hermes, mensageiro de Zeus que co- através do padrão patriarcal, usada, sobretudo,
munica os seres humanos e os deuses e conduz de forma repressiva; por ser um esporte coletivo
as almas para o além. e, assim, contrariar os esportes individualistas
No padrão do arquétipo da alteridade, perce- das elites patriarcais dominantes; por dirigir as
be-se que o conflito com o outro é também criati- emoções do povo para uma disputa que acaba
vo. E esta é a grande mensagem da democracia, bem, contrariamente aos torneios patriarcais que
que propõe o resgate dos polos inferiorizados terminam com a queda, ferimento ou morte do
social e economicamente na cultura, para que adversário; e, finalmente, por ser uma atividade
os vários setores e funções da vida se confron- social que subordina a agressividade ao esporte
tem, e se transformem pacificamente. O padrão e congraça a coletividade. Contrariamente aos
de alteridade permite ao ego e ao outro se rela- torneios patriarcais, que submetiam o esporte à
cionarem afirmando sua identidade junto com agressividade, preparando o povo para a guerra,
as suas diferenças. Ele traz uma proposta de o futebol conseguiu sobrepor o esporte à agres-
desenvolvimento individual e social tão superior sividade através da transformação da morte do
ao padrão repressivo patriarcal que, depois de inimigo no símbolo do gol. Como disse poetica-
2000 anos de sua revelação no Oriente Médio, mente o cronista: “no calor da pugna, Ronaldo
sua implantação no processo civilizatório ainda venceu três adversários, e mandando um canho-
está no seu início. A própria história do futebol naço de fora da área, decretou inapelavelmente
é a maior prova de ser ele praticado exatamente a queda da cidadela adversária. É GOOOOOOOL
dentro desse novo padrão da cultura ocidental, do BRASIIIIL!!!!”.
daí o seu fascínio no mundo moderno. O futebol O futebol caracterizou-se, desde o seu iní-
se tornou uma grande paixão planetária durante cio, como um encontro entre opostos, no qual o
a globalização em curso porque ele representa a conflito comunitário é admitido, exercido e su-
implantação de um padrão de consciência que bordinado prazerosa e agressivamente a um fim
busca consciente e inconscientemente a salva- pacífico. No princípio, o futebol era muito mais
ção da nossa vida no Planeta. violento, mas sua própria prática foi canalizando
As origens do futebol perdem-se na História. a agressividade de maneira cada vez mais ade-
Há uma hipótese de que o futebol tenha nascido quada. Na sua trajetória antipatriarcal, inúmeros
dos costumes primitivos de chutar a cabeça dos foram seus símbolos antimachistas como, por
inimigos para comemorar as vitórias. Há relatos exemplo, a existência de uma partida anual, à
sobre jogos muito parecidos com o futebol na época muito famosa, realizada na cidade de Mi-
China no Japão e na Grécia antigos. Na Inglaterra dlothian, na Escócia, onde as mulheres casadas
ele começou a partir do harpastum, jogo de bola se defrontavam com as solteiras. Tão antipatriar-
com as mãos, trazido da Grécia pelos romanos. cal e antiguerreiro foi sempre o futebol que, já
Desde muito se tem notícia do futebol jogado em 1297, uma guerra entre a Inglaterra e a Es-
nas terças-feiras de carnaval, em Chester, cidade cócia acabou desmoralizada porque os soldados
inglesa fundada no tempo dos romanos. de Lankshire, tradicionais inimigos dos escoce-
Diante da repressão preconizada pelo padrão ses, desobedeceram a seus comandantes e pre-
patriarcal, o futebol sempre foi um jogo revolu- feriram disputar sua rivalidade no futebol e não
cionário por quatro grandes razões: por ser as- no campo de batalha. Conta uma lenda que até o
sociado, desde o seu início, ao Carnaval, festa Rei Eduardo I acabou participando.
sabidamente ligada à liberação das emoções e É importante frisar que, depois disso, os reis
instintos; por ser jogado com os pés, símbolos Eduardo III, Ricardo II, Henrique IV, Henrique VIII
do irracional numa cultura que se tornava cada e até Elizabeth I, já no século XVI, legislaram con-
vez mais racionalmente organizada e planejada tra o futebol, porque ele desviava os jovens dos
Keywords: football, structuring function of ethics, education of emotions, archetype of alterity, jungian
symbolic psychology.
Resumen
Fútbol: la gran pasión del pueblo Brasileño. Un estudio de la Psicología
Simbólica Junguiana
Basado en la Psicología Simbólica Junguiana, el Según el autor, es la interacción de estas emo-
autor interpreta el fútbol como un poderoso sistema ciones, expresando exuberantemente el Arquetipo
simbólico de alto valor pedagógico para estructurar Matriarcal, que, subordinada a las reglas del
la conciencia individual y colectiva con el Arquetipo Arquetipo Patriarcal, permite la vivencia apa-
de la Alteridad, que es el arquetipo de la democracia. sionante de los arquetipos de la Alteridad y de
Esta capacidad estructurante del fútbol se la Totalidad.
constituyó en un ritual colectivo de costo irriso- Para concluir, el autor afirma que ante el
rio, capaz de elaborar colectivamente la agresivi- desequilibrio cultural que afecta nuestra super-
dad, la competencia, la ambición de la victoria y, vivencia planetaria, el crecimiento del fútbol en
al mismo tiempo, coordinar la función ética para todos los continentes, afirma su raíz arquetípica
absorber la frustración de la derrota dentro de la en un mito mesiánico y se revela un ejemplo de
unión amorosa de cada equipo. alteridad y de esperanza. ■
Palabras clave: fútbol, función estructurante de la ética, pasión del pueblo, pedagogía de las emociones,
arquetipo de la alteridad, psicología simbólica junguiana.
Resumo Palavras-chave
O artigo conceitua o Arquétipo da Sombra anticristo,
como o Arquétipo do Mal na Psicologia Simbólica arquétipo da
Junguiana e busca integrá-lo como expressão do sombra e do
mal, morte,
Arquétipo Central, ao lado do Arquétipo do Bem.
ressurreição,
A interpretação de Jung da limitação da im- deus patriarcal,
agem de Jeovah na relação com Job é aqui con- santíssima
tinuada com o reconhecimento do sadismo do trindade, deus
Deus patriarcal, que necessita do filicídio sacri- da alteridade.
ficial para transformar-se no Deus da compaixão
e do entendimento, pois só assim se tornará a
Trindade e expressará o Arquétipo da Alteridade.
Em conclusão, o autor segue Jung na inter-
pretação do Apocalipse como a Sombra do Novo
Testamento e chama a atenção para o texto ser
escrito em nome de Jesus, o que sugere a inte-
gração do símbolo do Anticristo no mito, como a
Sombra de Jesus. ■
1
Publicado originalmente na Revista Junguiana, 29/1,
2010, p. 50-57
* Médico psiquiatra e analista junguiano. Membro fundador
da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. Educador
e Historiador. Criador da Psicologia Simbólica Junguiana.
E-mail: c.byington@uol.com.br. Site: www.carlosbyington.com.br
Os mitos são projeções de funções estrutu- Boni, na qual o Mal é conceituado como a ausên-
rantes simbólicas que expressam o Arquétipo cia de Deus (cartas entre Jung e Father-While).
Central através dos Arquétipos Regentes. Ao se- Apesar de Jung descrever o Bem e o Mal, prin-
rem elaborados, formam com o tempo, a iden- cipalmente dentro da religiosidade, como uma
tidade do Ego e do Outro na Consciência. Eles polaridade fundamental do Self, a Psicologia Ana-
nos trazem o conhecimento objetivo e subjetivo. lítica não conceituou psicologicamente o apareci-
Nosso mito de criação, por exemplo, nos trouxe, mento do Mal e o seu relacionamento psicodinâ-
entre outras vivências, a função ética, que deu mico com o Bem, no processo de individuação.
origem às Tábuas da Lei. Por sua vez, o Mito O principal conceito da Psicologia Analítica
Cristão, ativou intensamente no Self a função es- que poderia incluir o Mal como função estrutu-
truturante da compaixão e do discernimento, e rante arquetípica, é a Sombra. No entanto, o con-
nos levou à democracia e às ciências modernas ceito da Sombra na Psicologia Analítica está até
(BYINGTON, 2008). hoje confuso e incapaz de abranger o Mal pelas
Devido à dissociação subjetivo-objetivo ocor- seguintes razões:
rida no final do século XVIII quando a ciência 1. Jung definiu a Sombra como sendo formada
tomou o poder na universidade, muitas funções exclusivamente por símbolos do mesmo gêne-
psíquicas, com forte predominância subjetiva, ro que o Ego. Assim sendo, se escolhermos a
deixaram de ser estudadas, como por exemplo, Sombra para abrigar o Mal, deixamos fora dela
a função ética. Durante o século XIX, com a hip- os símbolos contrassexuais da personalidade, o
nose e, posteriormente, com a descoberta da que consiste numa limitação conceitual irrepará-
formação do Ego e dos processos inconscientes vel (JUNG, 1967).
pela Psicanálise, o subjetivo voltou, paulatina-
2. Jung referiu-se, no Aion, ao Mal absoluto,
mente a ser tema de pesquisa. Assim, ainda que
sem explicar o que isso significa (JUNG, 1982).
tardiamente, a função estruturante da ética pode
3. Apesar de descrever o desenvolvimento psi-
ser estudada dentro da ciência, na teoria psico-
cológico, a Psicologia Analítica não definiu como
lógica. Sua primeira e grande limitação, porém,
a Sombra se forma e, sobretudo, não relacionou
já existia na religião a identificação redutiva do
sua formação com o desenvolvimento do Ego.
Mal com a condição humana dentro do concei-
Isto ocorreu possivelmente pelo fato de até a dé-
to de pecado original. Esta redução continuou,
cada de 1950 não se saber que o Ego é formado
quando a psicanálise descreveu toda criança
pelos arquétipos.
como perverso-polimorfa ao nascer, e, por isso,
necessitada de repressão para formar um Supe- 4. A Psicologia Analítica não relacionou especi-
rego e civilizar-se. ficamente a formação da Sombra com as dimen-
Jung, por sua vez, desenvolveu, com muita fre- sões transindividuais do Self como, por exemplo,
quência e ênfase, o tema da conjunção de opos- com o crime, no Direito; à destruição ambiental,
tos dentro do Self, enfatizando a inclusão do Bem na Ecologia; ao sintoma, na patologia; ao peca-
e do Mal dentro da imagem de Deus. Em função do, na Religião; à exploração, na economia; ao
dessa postura, combateu ferrenhamente a dou- erro na Ciência; e ao Mal, na Ética.
trina católica do Summum Bonum, na qual Deus 5. Erich Neumann foi quem melhor estudou a
é considerado exclusivamente bom e do Privatio ética na Psicologia Analítica. Ele conceituou a
ética no processo de individuação como a Nova ções estruturantes fixados durante o processo
Ética em contraposição à Ética tradicional, des- de elaboração simbólica, ele pode ser visto no
crita a partir das religiões (NEUMANN, 1991). Self Individual e transindividual.
Contudo, ele também não precisou como e quan- A Psicologia Simbólica Junguiana descreveu
do se forma a Sombra no desenvolvimento e sua também o processo de elaboração simbólica,
relação psicodinâmica com o Bem. originando cinco posições da relação Ego-Outro
6. Marie Louise Von Franz escreveu sobre o Mal como as cinco inteligências do Self articuladas
nos “Contos de Fada”, mas incluiu na Sombra arquetipicamente pelo Arquétipo Central e os
quatro Arquétipos Regentes. A posição indife-
o Mal e todo o inconsciente, o que também re-
renciada expressa o Arquétipo Central, a insular,
lativizou e enfraqueceu o conceito de Sombra e
o Arquétipo Matriarcal, a polarizada, o Arquéti-
invalidou seu emprego como Arquétipo do Mal
po Patriarcal, a dialética, o Arquétipo da Alte-
(VON FRANZ, 1985). Além disso, ela afirmou que
ridade que inclui os Arquétipos da Anima e do
a Sombra não é só má, pois inclui símbolos bons.
Animus, e a posição contemplativa, o Arquétipo
Este último argumento é muito usado para da Totalidade. Desta maneira, fica caracteriza-
não se identificar a Sombra com o Mal. No entan- da a inseparabilidade da polaridade Ego-Outro
to, não quero afirmar que os símbolos que estão dos arquétipos junto com as cinco inteligências
na Sombra são o Mal, mas que, por estarem fixa- arquetípicas do Self. Da mesma forma, através
dos, passam a fazer parte do Mal. Na depressão, do conceito de Sombra, formulado acima para
por exemplo, a autoestima pode estar fixada e, abranger o Mal, todas as fixações da elaboração
por isso, opera dentro do Mal e até leva ao suicí- simbólica e das cinco inteligências do Self estão
dio. O fato de símbolos bons estarem dentro da nele incluídas. (BYINGTON, 2008). Gráfico
Sombra e passarem a fazer parte do Mal levou a Segundo Sabina Spielrein (1912) e Jung
sabedoria popular a afirmar que “de boas inten- (1912), o fenômeno da morte é aqui considera-
ções o inferno está cheio”. do simbolicamente dentro da transformação
Quaisquer símbolos e funções estruturan- psicológica do processo de individuação. Assim
tes podem ser bons se estruturarem livremente sendo, o conceito de Morte é visto como uma
a Consciência ou maus se forem fixados e esti- função estruturante e um arquétipo operando ao
verem na Sombra. Como escreveu Shakespea- lado da função estruturante e do Arquétipo da
re: “Nada é bom ou mau, é o pensamento que Vida, com o qual forma uma das principais pola-
o faz!”1 (WIKIQUOTE, 2014). ridades do Arquétipo Central. Ambos podem ser
A Psicologia Simbólica Junguiana (BYINGTON, normais ou defensivos, dependendo de estarem
2008) reformulou o conceito de Sombra para ser ou não fixados durante a elaboração simbólica
a representação do Mal na psique, e, para isso, (BYINGTON, 1996).
nele integrou os conceitos de fixação, defesa, re-
sistência e compulsão de repetição descobertos 1. A relação da Psicologia com o
pela psicanálise. A Sombra pode assim se tornar Mito Cristão
o Arquétipo do Mal na psicologia, e relacionar-se Uma vez aparelhada a Psicologia com o con-
com o Arquétipo do Bem, formando um comple- ceito de Sombra como o Arquétipo do Mal e o
xo de opostos dentro do Arquétipo Central, tudo conceito da Morte como arquétipo, podemos
o que Jung sempre almejou. continuar a abordagem da transformação histó-
Dentro desta perspectiva, pelo fato do Arqué- rica da Consciência Coletiva através dos arquéti-
tipo da Sombra ser expresso por símbolos e fun- pos, como fez Erich Neumann, no seu livro “His-
tória e Origens da Consciência” (1995), e Jung,
1
“Nothing is either good or bad, but thinking makes it so!”. no livro “Resposta a Job” (1954 p. 553-758).
Símbolos Estruturantes
Funções Estruturantes
Sistemas Estruturantes
Arquétipo do Herói
Arquétipo da Conjunção
Arquétipo da Totalidade
Demais arquétipos
Gráfico. Processo de Elaboração Simbólica
No Mito de Job, o Diabo é reconhecido como cias do Eixo Simbólico, ou Eixo Ego-Arquétipo
filho de Deus, isto é, como função estruturante Central, cujas polaridades estão fixadas e mal
do Arquétipo Central. Ao seduzir Deus para testar elaboradas, o que nos leva à pergunta: Quem é
Job e mostrar que sua fé é limitada, o Diabo de- que Satanás está testando? Job ou Deus? Quem
sencadeia a elaboração da função estruturante se dispõe a elaborar a Sombra, ou seja, a con-
da fé. A questão a ser examinada dentro da fé se frontar o Diabo, precisa estar disposto a ver o
revelará como a função estruturante da justiça. Mal tanto no Outro como em si mesmo.
Satanás não aponta abertamente a falta de Iniciado o drama, sem ter feito nada de mal,
fé de Jó porque esta realmente não existe, mas Job é despojado de sua família, sua saúde e
cria ardilosamente um sofrimento atroz para seus bens. Inconformado, ele questiona Deus
que Job se insurja contra Deus e que o proble- por isso, com grande convicção. Seus três ami-
ma da fé seja mais profundamente elaborado gos, Elifaz, Bildade e Zofar admitem a infelici-
no Self Cultural. dade de Job, mas são contra o seu protesto.
Ao expressar símbolos, complexos e funções A seguir, Deus se revela a Jó e lhe mostra a sua
estruturantes fixados, a Sombra veicula vivên- grandeza. Jó se arrepende de sua contestação
Keywords: antichrist, shadow and evil archetype, death, resurrection, patriarchal god, holy trinity, god of alterity.
Resumen
La muerte y la resurrección del Mesías. La Sombra, el Mal y el Anticristo.
Un estudio de la función ética, por la Psicología Simbólica Junguiana
El artículo conceptualiza el Arquetipo de la Som- compasión y del entendimiento, pues sólo así se
bra como el Arquetipo del Mal en la Psicología Sim- convertirá en la Trinidad y expresará el Arquetipo
bólica Junguiana y busca integrarlo como expresión de la Alteridad.
del Arquetipo Central, al lado del Arquetipo del Bien. En conclusión, el autor sigue a Jung en la in-
La interpretación de Jung de la limitación de terpretación del Apocalipsis como la Sombra del
la imagen de Jeovah en la relación con Job es Nuevo Testamento y llama la atención sobre el
aquí continuada con el reconocimiento del sadis- texto ser escrito en el nombre de Jesús, lo que su-
mo del Dios patriarcal, que necesita del filicidio giere la integración del símbolo del Anticristo en
sacrificial para transformarse en el Dios de la el mito, como la Sombra de Jesús. ■
Palabras clave: anticristo, el arquetipo de la sombra y del mal, muerte, resurrección, dios patriarcal,
santísima trinidad, dios de la alteridad.
JUNG, C. G. Tipos psicológicos. Rio de Janeiro, RJ: Zahar, OTTO, R. The idea of the holy. London: Pelican Books, 1959.
1967. (Obras Completas Vol. 8).
THE NAG HAMMADI LIBRARY. San Francisco, CA: Harper &
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Resumo Palavras-chave
Baseada na formação da identidade pela afirma também que grande parte desse peque- amor, relação
elaboração dos símbolos e funções estru- no conhecimento acumulado está deformado homem-mulher,
turantes coordenadas por arquétipos nas in- por projeções defensivas mútuas, oriundas da formação da
identidade do
contáveis vivências existenciais, a Psicologia constituição física, do problema do desenvolvi-
homem e da
Simbólica Junguiana argumenta, neste artigo, mento diferente de um e de outro e da confusão mulher,
que o amor exige o conhecimento das personal- da identidade do homem e da mulher com os redutivismo da
idades dos amantes e que o desconhecimento papéis que desempenharam na história. identidade às
entre o homem e a mulher, que ainda é muito Assim sendo, o autor descreve resumida- circunstâncias
grande, dificulta sua vivência. mente essas deformações e, concluindo, afirma históricas,
A seguir, o autor defende a tese segundo a que, para se conhecerem e poderem se amar, principais
qual o conhecimento entre o homem e a mulher o homem e a mulher necessitam antes de tudo entraves ao
amor.
vem se desenvolvendo lentamente na história da elaborar essas deformações milenares que os
humanidade, mas ainda está no seu início. Ele afastaram e ainda hoje os iludem. ■
1
Publicado originalmente na revista Junguiana 32/1, 2014,
p. 63-72.
* Médico Psiquiatra e Analista Junguiano. Membro fundador
da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. Membro da
Associação Internacional de Psicologia Analítica. Criador da
Psicologia Simbólica Junguiana. Educador e Historiador.
E-mail: c.byington@uol.com.br site: www.carlosbyington.com.br
Heidegger nos ensina que, para pensar on- te, pelo Arquétipo Patriarcal, com sua posição
tologicamente, o ser humano necessita temati- polarizada, a qual é seguida pela coordenação
zar os problemas. A tematização da identidade do Arquétipo da Alteridade por meio da posição
do homem e da mulher é uma ocupação que se dialética (BYINGTON, 2008).
perde na origem dos tempos, mas o aprofunda- A elaboração simbólica tem início na posi-
mento do seu estudo faz parte de várias ciências ção insular matriarcal por intermédio da função
humanas na modernidade. Continuando esse estruturante da imitação, que pode ser sintô-
estudo, quero aqui enfatizar que, apesar de mui- nica (semelhante) ou distônica (reativa), e se
tos acharem esse tema resolvido com o rótulo aperfeiçoa, na posição polarizada patriarcal,
simplório “homens são de Marte e mulheres são por tantas repetições quanto forem necessárias
de Vênus”, ele é muito mais complexo do que das funções estruturantes da introjeção e da
aparenta e está ainda no seu início. Sua impor- projeção. A elaboração na posição dialética da
tância é devida à polaridade biológica e emo- alteridade continua a ser feita pelas repetições
cional homem-mulher ser das mais importantes seguidas das funções estruturantes da introje-
na vida da espécie e ao fato de ela estar muito ção e da projeção, que vão, paulatinamente,
deformada e em grande parte fixada na Sombra. aperfeiçoando a identidade do Ego e do não
Da mesma forma que muitos de nós ainda Ego, ou seja, do Outro.
acreditamos na imobilidade da Terra e, por isso, De acordo com a Psicologia Simbólica Jun-
temos dificuldade em imaginar a descoberta he- guiana, o Arquétipo Matriarcal, da sensualidade,
liocêntrica de Copérnico, também achamos que e o Arquétipo Patriarcal, da organização, englo-
sabemos como são o homem e a mulher, por- bam o masculino e o feminino, ou seja, estão
que, afinal... já nos conhecemos há bem mais de presentes na psique tanto do homem quanto da
100 mil anos, não é? mulher. Ao considerar o matriarcal igual ao femi-
nino, e o patriarcal igual ao masculino, a cultura
1. A formação da identidade e da sombra em geral e a psicologia em particular projetaram
A identidade das coisas na Consciência não defensiva e redutivamente no masculino e no
se forma diretamente pelas vivências. A iden- feminino os papéis históricos vivenciados pelo
tidade se cria e se organiza com a formação da homem e pela mulher durante os mais de 10 mil
polaridade Ego e não-Ego, ou seja, da polarida- anos de dominância patriarcal.
de Ego-Outro. Vou descobrindo quem eu sou, Quando ocorre um distúrbio da elaboração
junto com a descoberta de quem eu não sou. simbólica, a polaridade Ego-Outro fica deforma-
A identidade do Ego e do Outro emerge da indife- da. Suas características não se diferenciam cor-
renciação psíquica original pela elaboração dos retamente e a identidade dos dois fica misturada
símbolos e das funções estruturantes coordena- e comprometida. O distúrbio da elaboração é a
da pelos arquétipos a partir das vivências. principal origem da fixação que forma a Sombra,
A elaboração simbólica começa com a aten- ou seja, o pecado, o crime, o mal e toda a psico-
ção do Self focada em um símbolo que está na patologia (BYINGTON, 2008).
posição indiferenciada do Arquétipo Central. Ela Devido à sua complexidade e às circunstân-
continua pela coordenação do Arquétipo Matriar- cias da vida, a elaboração da identidade e da
cal por meio da posição insular e, posteriormen- relação homem-mulher foi se deformando com o
tempo e passou a apresentar fixações e defesas saram o culto das divindades como forças cria-
tanto na dimensão matriarcal quanto na patriar- doras da fertilidade da natureza. No entanto, a
cal e, também, na alteridade, que inclui os Ar- identificação dessas forças exclusivamente com
quétipos da Anima e do Animus. as grandes mães foi um redutivismo do Arqué-
Pelo fato de a elaboração simbólica somen- tipo Matriarcal ao feminino, como já mencionei.
te realizar o seu potencial pleno dentro da po- Na realidade, os grandes deuses também ex-
sição dialética de alteridade, é de fundamental pressam a criatividade da fertilidade.
importância elaborar as fixações da relação ho- Dentro da dominância patriarcal, o mito da
mem-mulher na dimensão matriarcal, depois na Gênese na mitologia judaico-cristã descreve o
dimensão patriarcal e, finalmente, na própria nascimento de Eva a partir de uma costela de
dimensão de alteridade. Precisamos compreen- Adão e, assim, deforma matriarcalmente a re-
der, então, que a função estruturante do amor só lação homem-mulher nessa importante raiz mi-
pode ser profundamente elaborada e vivenciada tológica da Cultura Ocidental. Essa deformação
quando o homem e a mulher se tornam capazes matriarcal serve de base para uma deformação
de se conhecer ao exercerem plenamente a posi- patriarcal da relação de poder, segundo a qual a
ção dialética, que inclui os Arquétipos da Alteri- mulher deve obedecer ao homem.
dade, da Anima e do Animus. Essa elaboração é A organização social patriarcal deu uma for-
inseparável da liberdade, da consideração mú- ma à sociedade, que influenciou todas as suas
tua e dos direitos iguais para o desenvolvimento dimensões, a começar pela propriedade priva-
do homem e da mulher como companheiros no da, pelas classes sociais e pela família, em torno
processo de individuação de cada um. das quais se formularam a moral (superego) e as
leis para aplicá-la.
2. As principais disfunções da polar- Como todas as polaridades do Self Cultural,
idade homem-mulher na dimensão a relação homem-mulher também foi intensa-
insular matriarcal mente coordenada pela organização patriarcal.
O assentamento dos povos deu origem à Apesar da mudança do paradigma sensual
formação das aldeias, das vilas e das cidades- matriarcal para a organização patriarcal, a lei
-reino. Uma vez garantida a alimentação com a do mais forte continuou a ser a diretriz maior
introdução da silagem, o convívio social das pes- da elaboração simbólica. Os governantes foram
soas necessitava agora ser organizado. A partir privilegiados com o poder diante do povo, os
daí, o Arquétipo Patriarcal, que é o arquétipo da nobres diante dos servos e, posteriormente, o
organização, foi intensamente ativado e propi- proprietário diante do operário, o latifundiário
ciou a organização da povoação do Planeta. diante do trabalhador do campo, os pais diante
Os mitos são os sonhos do Self Cultural, dos filhos, o professor diante dos alunos, o ser
oriundos da atuação da função estruturante da humano diante da flora e da fauna, e assim por
imaginação (função transcendente, de Jung) so- diante. A polaridade homem-mulher sofreu a
bre fatos históricos, circunstâncias ambientais mesma deformação que a organização da famí-
ou sobre ideias e emoções individuais ou cole- lia e da sociedade.
tivas. Eles desempenham funções estruturantes O trabalho no lar, dividido entre a função
importantes para a formação da identidade indi- procriadora e doméstica, foi atribuído à mulher,
vidual e cultural. enquanto as funções religiosa, militar, jurídica e
Durante a dominância matriarcal da pré-história operacional social foram atribuídas ao homem.
predominaram os mitos de fertilidade, nos quais As funções do homem foram claramente privile-
grandes deusas e deuses propiciam as forças da giadas pelo “pátrio poder”. As consequências
natureza. As religiões panteístas bem expres- desse arbítrio na civilização marcaram a ferro e
fogo, pela polaridade opressor-oprimido, a iden- poder, como é o caso do favorecimento da au-
tidade histórica do homem e da mulher. Apesar tomutilação das pretendentes ao casamento em
da grande diferença que observamos entre esses algumas tribos africanas.
papéis sociais nas diferentes culturas, o deno- É dentro dessa mentalidade de repressão da
minador comum arquetípico da polarização pa- sensualidade da mulher na família patriarcal que
triarcal na organização social, baseada na lei do vemos sociedades islâmicas, nas quais milhões
mais forte, nos permite perceber uma desigual- de mulheres só podem mostrar sua face para os
dade inegável, que tem impedido a realização seus maridos dentro de casa. Nesse contexto,
emocional e existencial do homem e da mulher floresce a repressão não só à sensualidade da
como indivíduos e como casal. Não importa, para mulher, como também ao seu desenvolvimen-
esse impedimento, se o homem é o repressor e to intelectual. Tornou-se emblemático o caso
a mulher a reprimida, pois ambos tiveram impor- de ácido jogado no rosto de meninas indo para
tantes aspectos da sua identidade deformados e a escola, coroado pelo tiro dado na cabeça da
fixados na Sombra, os quais limitam muito, até menina Malala, pelo fato de ela defender o cres-
hoje, sua realização, o seu conhecimento mútuo cimento da escolaridade feminina no Paquistão
e a busca do amor. (G1, 2013). A serviço da repressão da mulher está
A manutenção dessa desigualdade por meio até mesmo o estupro recomendado por lei tribal.
do poder tem sido uma das características da or- Recentemente, na Índia, uma jovem foi estupra-
ganização patriarcal. Uma de suas formas foi o da por 12 homens por ter sido vista namorando
controle da sensualidade da mulher pela mutila- um rapaz de outra comunidade (FOLHA DE SÃO
ção dos seus órgãos sexuais externos, que pode PAULO, 2014).
incluir a extirpação dos grandes lábios vaginais Dentro dessas barbaridades que nos causam
e a cliterotomia. horror e que são praticadas em muitas culturas
Existem hoje, na África, por volta de 130 mi- há milênios, mas que pouco se conhecia e hoje,
lhões de mulheres genitalmente mutiladas (BBC com a internet, ficamos sabendo dia a dia, de-
BRASIL, 2014). Geralmente, essa mutilação é vemos reconhecer também as consequências da
feita em meninas, ainda inconscientes da sexu- dominância patriarcal nas sociedades ocidentais
alidade, pelas velhas parteiras do grupo, elas consideradas “evoluídas” e nas quais achamos
próprias já mutiladas na sua infância. Em certas que os homens e as mulheres têm direitos iguais
sociedades, porém, as próprias moças pedem e que, se não se amam, é porque não querem.
para ser mutiladas, pois o fato de não o serem A descoberta de Freud (1972) da sexualida-
significa que gostam de sexo e, por isso, devem de infantil foi um choque para o puritanismo da
ser preteridas para casar, pois não podem ser cultura ocidental. No entanto, mesmo dentro da
“moças de família” (Idem, ib.). almejada isenção científica, a Psicologia não
se liberou da misoginia patriarcal. Assim é que
3. O sadomasoquismo na relação Freud, junto com a descoberta da sexualidade
homem-mulher infantil, descreveu a reação da menina quando
Ao ampliar a visão sobre a sexualidade utili- percebe que não tem pênis, atribuindo a ela um
zando o conceito de função estruturante arque- complexo de castração e a inveja do pênis. Um
típica, a Psicologia Simbólica Junguiana pode exemplo significativo de sadomasoquismo, den-
percebê-la como uma função estruturante da tro da teoria psicológica, parece-me ser profes-
Consciência, junto com a função estruturante do soras de Psicologia ensinarem essa interpreta-
poder. Dessa maneira, a relação sadomasoquis- ção psicanalítica como verdadeira.
ta pode ser vista, além de uma perversão sexual Outro exemplo da interpretação patriarcal de-
(KRAFFT, 1986), como um distúrbio da relação de fensiva atribuída pela Psicanálise ao desenvolvi-
mento da sexualidade infantil foi a fase de latên- tidade. Quando assim fazemos com as reações
cia descrita da infância até a puberdade. Ora, o de Laio, Jocasta e de Édipo, temos uma noção
menino não tem essa fase porque sua sexuali- muito mais abrangente da formação deste com-
dade é desde sempre estimulada como incenti- plexo, de sua fixação e do grau de sua patologia.
vo à sua masculinidade. Quem apresenta a fase Ao elaborar, dentro da sincronicidade, a família
de latência da sexualidade é a menina, mas não dos Labdácidas, que gerou Laio, vemos que o
por ser ela natural, e sim por ter sua sexualidade Complexo de Édipo é tudo, menos normal e de
reprimida. Desta maneira, a própria descoberta responsabilidade exclusiva de Édipo. Isso evita
da sexualidade infantil feminina deu margem a a redução da normalidade à patologia na for-
mais uma oportunidade para a organização pa- mação da identidade e a responsabilização da
triarcal da Consciência inferiorizar a mulher. criança pela patologia familiar.
Keywords: love, man-woman relationship, formation of the identity of man and woman, reduction of
identity to historical circumstances, main obstacles to love.
Resumen
El difícil arte de amar. La limitación del conocimiento entre el hombre y la
mujer. Una interpretación de la Psicología Simbólica Junguiana
Basada en la formación de la identidad por la su inicio. También afirma que gran parte de ese
elaboración de los símbolos y funciones estruc- pequeño conocimiento acumulado está deforma-
turantes coordinadas por arquetipos en las in- do por proyecciones defensivas mutuas, oriundas
contables vivencias existenciales, la Psicología de la constitución física, del problema del desar-
Simbólica Junguiana argumenta en este artículo rollo diferente de uno y otro y de la confusión de la
que el amor exige el conocimiento de las person- identidad del hombre y de la mujer con los pape-
alidades de los amantes y que el desconocimien- les que desempeñaron en la historia.
to entre el hombre y la mujer, que aún es muy Por lo tanto, el autor describe brevemente es-
grande, dificulta su vivencia. tas deformaciones y, concluyendo, afirma que,
A continuación, el autor defiende la tesis para conocerse y poder amarse, el hombre y la
según la cual el conocimiento entre el hombre y mujer necesitan antes de todo elaborar esas de-
la mujer se está desarrollando lentamente en la formaciones milenarias que los alejaron y aún
historia de la humanidad, pero todavía está en hoy los engañan. ■
Palabras clave: amor, relación hombre-mujer, formación de la identidad del hombre y de la mujer,
reductivismo de la identidad a las circunstancias históricas, principales obstáculos al amor.
Resumo Palavras-chave
Minha teoria arquetípica da história (BYING- anos da história (WATSON, 2005) e a dominância nomadismo,
TON, 1983) segue os passos de Bachofen e de patriarcal iniciada após a revolução agropastoril, arquétipo
Neumann com a modificação do conceito do matriarcal,
mais de 12 mil anos atrás, quando nos tornamos
sociedades
arquétipo matriarcal para o arquétipo da sen- povos assentados.
assentadas,
sualidade, e do arquétipo patriarcal para o ar- A seguir, marcada pelos mitos do Buda, há arquétipo
quétipo da organização, ambos presentes na 2.500 anos, e do Cristo, há 2 mil anos, essa teoria patriarcal,
psique da mulher, do homem e do Self cultural descreve o início da implantação mitológica e civ- metanoia,
(BYINGTON, 2013). ilizatória do arquétipo da alteridade, cujos heróis arquétipo da
Essa teoria descreve a dominância matriarcal messiânicos pregam a elaboração dos confrontos alteridade,
durante a vida nômade dos primeiros 140 mil arquétipos da
humanos pela dialética da compaixão.
anima e do
Finalizando, o artigo elabora a dificuldade
animus,
da transcendência da dominância do arquétipo crucificação.
1
Escrito em 1983, e posteriormente em 2015, aumentada e aper- patriarcal para a implantação do arquétipo da
feiçoada até esta última versão em 2016, para ser publicada
na Junguiana 34, revista da Sociedade Brasileira de Psicologia
alteridade. Concluindo, o autor tenta explicar a
Analítica, São Paulo, 2016. p. 37-49. razão para Jesus não haver evitado Sua crucifi-
* Médico, psiquiatra e analista junguiano. Membro fundador
da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. Membro da cação na implantação da missão heroica para
Associação Internacional de Psicologia Analítica. Criador da transformar o deus patriarcal, do Velho Testa-
psicologia simbólica junguiana. Educador e historiador.
E-mail: c.byington@uol.com.br; site: www.carlosbyington.com.br mento, na Trindade, do Novo Testamento. ■
porque ele considerou o estágio primordial como cal, na posição passiva. Nossa espécie tem,
um arquétipo e isso manteve a importância des- aproximadamente, 150 mil anos, de acordo com
sa etapa ao longo da vida. a biologia molecular (WATSON, 2005). Durante
Seguindo Bachofen (1967), Neumann, ao con- cerca de 140 mil anos, fomos grupos nômades
siderar o arquétipo matriarcal como o arquétipo caçadores-coletores com nossa consciência co-
da grande mãe, maternal e feminina, deixou de ordenada pela posição matriarcal insular. Nossas
fora o masculino e o pai das relações primordiais. vidas eram centradas nos símbolos da comida e
Assim, ele estabeleceu um desequilíbrio na teoria na função estruturante da alimentação que guia-
de desenvolvimento que precisa ser corrigido. va nossas andanças. Vivenciamos o arquétipo
Esse é o motivo pelo qual mudei o sentido matriarcal (sensualidade) e o elaboramos predo-
do arquétipo matriarcal, sinônimo de grande minantemente na posição passiva, porque, além
mãe, para o arquétipo da sensualidade, que in- da pesca e da caça, comíamos apenas o que a
clui a mãe e o pai, o masculino e o feminino. Da natureza nos dava. Pouco a pouco, durante sé-
mesma maneira, mudei o sentido de arquétipo culos, integramos a sensualidade matriarcal na
patriarcal como sinônimo do arquétipo do pai e posição ativa, para melhorar instrumentos, para
do masculino para o arquétipo da organização, tecer, para fazer roupas ou para caçar e pescar.
que também inclui a mãe e o pai, o feminino e Alguns instrumentos também eram usados como
o masculino. armamento, para combater grupos rivais. O fogo
Ao reduzir o matriarcal ao feminino e o pa- era usado para cozinhar e para manter animais
triarcal ao masculino, Neumann cometeu o mes- selvagens afastados. A magia era praticada para
mo erro de Bachofen e da psicologia tradicional: todos os fins: a polaridade ego-outro era vivida
reduzir a sensualidade do quatérnio primário à de maneira tão íntima e simbiótica que o ego
mãe, ao seio e ao feminino, e a organização mo- podia tratar o outro como parte de sua própria
ral ao complexo paterno, ao pai e ao masculino. imaginação e desejo. Pela mesma razão, a re-
Essa redução da sensualidade (Eros e Vê- ligiosidade era vivida num panteísmo em que
nus) à mãe e à mulher e da organização (Logos tudo é sagrado e subordinado à integralidade na
e Marte) ao pai e ao homem pertence à fase cir- participação mística (LÈVI-BRÜHL, 1936). O sen-
cunstancial da história (dominação patriarcal), timento era inerente à intimidade e à intuição,
que durou mais de 10 mil anos e que não deve relacionando permanentemente as dimensões
ser considerada como realidade psicológica es- consciente e inconsciente.
trutural. Ao contrário, ela deve ser transcendida, Durante milhares de anos, a sexualidade não
de modo que mulheres e homens, mães e pais, foi associada à gravidez e à função paterna. Os
crianças de ambos os gêneros e de todas as cul- homens eram protetores, amantes, caçadores e
turas possam buscar o pleno desenvolvimento guerreiros, mas não pais. Mães procriavam com
de sua consciência coordenado pelo arquétipo diferentes homens, sem associá-los à sexualida-
(anima e animus) da alteridade, dentro de uma de e à gravidez. O objetivo da vida era comer e
perspectiva de liberdade e democracia. É isso o perambular para buscar mais comida, ter rela-
que pretendo propiciar com as concepções da ções sexuais, criar os filhos, cantar e dançar em
psicologia simbólica junguiana. rituais religiosos, fabricar cerâmica e utensílios,
escapar de animais selvagens, combater grupos
1. Pré-história rivais e sobreviver.
Uma das grandes ilustrações de que a inte- Durante esses 140 mil anos de dominân-
gração dos arquétipos depende da experiência cia matriarcal, predominantemente na posição
existencial é a duração dos 140 mil anos de do- passiva, iniciou-se, paulatinamente, uma inte-
minância no Self cultural do arquétipo matriar- gração do arquétipo matriarcal na posição ati-
va. O acesso permanente à comida, entretanto, a organização social comunitária das nossas
não foi alcançado e a coordenação do arquétipo tarefas diárias como assentados. Esse desafio
matriarcal permaneceu grandemente na posição extraordinário ativou intensamente o arquétipo
passiva. Dessa forma, nossa espécie era apenas patriarcal, o arquétipo da organização. Para nós,
uma entre inúmeras outras. é difícil imaginar a grandiosidade dessa meta-
O historiador Yukal Noah Harari sugere que noia: a aquisição da autossuficiência alimentar
tenha ocorrido uma mutação em nossa espécie, e a criatividade do arquétipo da organização da
por volta de 70 mil anos atrás, que teria desenca- vida social.
deado um grande aumento de nossa capacidade A formação de vilas e pequenos povoados,
imaginativa, seguida por uma revolução cogniti- seguidos pelas cidades, foi resultado da orga-
va. Daí em diante, teríamos nos tornado capazes nização da vida social de seres humanos se-
de formar extensos grupos comunitários unidos dentários. Muitas novas funções estruturantes
e guiados por ideias (HARARI, 2015). foram ativadas, como a organização do território
individual, da propriedade privada e da herança
2. A revolução agropastoril. centradas na família patriarcal, como célula da
A primeira metanoia da teoria sociedade. Nessa etapa, a sexualidade foi ple-
arquetípica da história namente relacionada à procriação. Os papéis
Por volta de 12 mil anos atrás, começamos do pai e da mãe na família foram firmemente
a plantar e a criar animais, sobretudo equinos, estabelecidos. O tabu do incesto, a virgindade
bovinos, ovinos e caprinos. Cães foram domes- feminina antes do casamento e a proibição legal
ticados muito antes. Isso significou a integração do adultério feminino tornaram-se politicamente
da posição insular do arquétipo matriarcal na corretos. A organização social patriarcal dividiu a
posição ativa e a ativação do arquétipo patriarcal sociedade em classes subordinadas a uma coor-
na posição passiva. denação central, o que, em seu tempo, formou a
Considero a revolução agropastoril a pri- ideia do Estado (ENGELS, 1977).
meira metanoia da teoria arquetípica da histó- A função organizadora do arquétipo patriar-
ria, porque trouxe a primeira mudança de do- cal separa-se da posição simbiótica matriarcal
minância arquetípica na consciência coletiva, insular (ego-outro) e relaciona as polaridades,
Após participarmos da criatividade da nature- separadas entre si, para formar sistemas. A se-
za por mais de 140 mil anos, finalmente apren- paração das polaridades e a função de organiza-
demos a imitá-la, cavando buracos no solo, ção são grandemente reforçadas pelas funções
neles enfiando as sementes e produzindo nos- estruturantes do poder e da agressividade para
so próprio alimento. Após tão longo tempo de manter a abstração, a tradição, a ordem e a de-
busca da nutrição na vida nômade, finalmente sigualdade social. Essa organização patriarcal
integramos essa capacidade da natureza, con- rígida foi imensamente produtiva para dirigir a
trolamos a produção do nosso próprio susten- sociedade e para dominar a natureza e as na-
to e tornamo-nos assentados. Assim fazendo, ções, na paz e na guerra. A visão de mundo pa-
integramos o arquétipo matriarcal na posição triarcal organizou todas as polaridades: a pola-
ativa, realizamos uma revolução sociológica, ridade inferior-superior, reforçada pelas funções
ultrapassamos a maioria das outras espécies estruturantes da agressão e do poder, tornou-se
e passamos a dominar e a mudar a vida em um denominador comum a todos os sistemas
nosso planeta. da consciência.
A energia poupada como fim do trabalho Todas as polaridades sofreram essa ela-
exaustivo da atividade nômade foi aplicada no boração hierárquica e foram integradas na
segundo grande problema da espécie humana: consciência, de acordo com a conotação infe-
rior-superior. Todas as forças naturais foram Seguindo Freud, descrevo a formação das
dominadas e organizadas com a conotação in- defesas, da patologia, da Sombra e do mal,
ferior-superior do poder e do controle (ADLER, fixação das funções estruturantes normais. É
1914). A abstração simbólica e a metaforização o conceito de fixação, de defesa, de comple-
produzidas pelo arquétipo patriarcal introdu- xo e de Sombra que nos permite compreender
ziram a consciência na dimensão das ideias e como o arquétipo patriarcal foi capaz de criar
das ideologias. Foi ela que permitiu o aumento e de organizar tantos feitos geniais do bem na
considerável dos grupos humanos, formando civilização e ao mesmo tempo realizar tanta
sociedades, em função de uma identificação carnificina, destruição e horror, dentro do mal
com valores e ideias (HARARI, 2015). (BYINGTON, 2006 p. 15-46).
Após muitos milhares de anos, durante os
3. As cinco posições arquetípicas quais a organização patriarcal modelou frontei-
(inteligências) da consciência ras, sociedades e culturas, a espécie humana con-
O arquétipo do herói é o grande auxiliar da quistou a Terra, reinou sobre ela e transformou a
função estruturante do arquétipo central (BYING- maioria das espécies de sua fauna e de sua flora.
TON, 2002). Ele age de forma diferente em cada Sua forma extrema de dominação foi a guerra e o
uma das cinco inteligências arquetípicas do Self. genocídio, que mancharam com sangue, matan-
Como descrevi anteriormente, elas são: a posi- ça, coragem, covardia, vergonha e horror os mais
ção unitária indiscriminada (urobórica) ego-ou- gloriosos ideais da história “civilizada”.
tro do arquétipo central, a posição insular binária A organização patriarcal moldou de tal manei-
ego-outro do arquétipo matriarcal, a posição ter- ra uma visão de mundo sistematicamente hierár-
nária polarizada ego-outro do arquétipo patriar- quica que as sociedades modernas estão pro-
cal, a posição quaternária dialética ego-outro do fundamente divididas entre ricos e pobres, entre
arquétipo da alteridade, que inclui os arquétipos a elite econômica, política e militar e a maioria
da anima e do animus, e, finalmente, a posição do povo, mesmo nas democracias. As minorias
unitária contemplativa ego-outro do arquétipo foram estigmatizadas, dominadas e, quando re-
da totalidade (BYINGTON, 2008). beladas, frequentemente dizimadas. A visão de
Reforçando a implantação da posição pola- mundo patriarcal separou rigidamente as pola-
rizada do arquétipo patriarcal, o arquétipo do ridades e estabeleceu uma clara discriminação,
herói expressou muitos feitos extraordinários favorecendo um polo e desfavorecendo outro,
na conquista das forças planetárias naturais, na de acordo com a sua capacidade de poder e
travessia de oceanos, aventurando-se na desco- agressão. As polaridades homem-mulher e adul-
berta dos polos norte e sul e escalando as mais to-criança foram fortemente afetadas. O poder fí-
altas montanhas. Seus feitos mais ousados e sico dos homens e dos adultos estabeleceu cla-
mesmo suicidas aconteceram nos campos de ramente uma relação de dominação e opressão
batalha, combatendo inimigos, conquistando nas sociedades, com a dominação patriarcal,
nações e morrendo, em nome do dever, para al- que varia, mas que foi e ainda é flagrantemente
cançar a glória. A função do arquétipo do herói, presente em todas elas.
reforçando o arquétipo patriarcal na mitologia, Apesar da lenta implantação da alteridade
sugeriu erradamente ao mundo acadêmico ser nas dimensões econômica, política e social em
o herói patriarcal o único padrão possível de busca do socialismo democrático, o controle pa-
expressão do arquétipo do herói (CAMPBELL, triarcal ainda resiste intensamente à implanta-
1995). Na realidade, cada posição ego-outro na ção da liberdade, igualdade, sustentabilidade, e
consciência tem uma forma característica do ar- amor social propiciado pela posição dialética do
quétipo do herói. arquétipo da alteridade.
Keywords: nomadism, matriarchal archetype, settlers’ societies, patriarchal archetype, metanoia, alterity
(otherness) archetype, anima and animus archetypes, crucifixion.
Resumen
Una explicación de la crucificación de Jesús por la teoría arquetípica de la historia
Mi teoría arquetípica de la historia (BYING- A continuación, marcada por los mitos de Buda,
TON, 1983) sigue los pasos de Bachofen y de hace 2.500 años, y de Cristo, hace 2 mil años, esta
Neumann con la modificación del concepto del teoría describe el inicio de la implantación mitológica y
arquetipo matriarcal para el arquetipo de la civilizatoria del arquetipo de la alteridad, cuyos héroes
sensualidad, y del arquetipo patriarcal para el mesiánicos predican la elaboración de los enfrenta-
arquetipo de la organización, ambos presentes mientos humanos por la dialéctica de la compasión.
en la psique de la mujer, el hombre y el self cul- Finalizando, el artículo elabora la dificultad de
tural (BYINGTON, 2013). la trascendencia de la dominación del arquetipo
Esta teoría describe la dominancia matriarcal patriarcal para la implantación del arquetipo de la
durante la vida nómada de los primeros 140 mil alteridad. Concluyendo, el autor intenta explicar
años de la historia (WATSON, 2005) y la domi- la razón de que Jesús no haya evitado su crucifix-
nación patriarcal iniciada tras la revolución ag- ión en la implantación de la misión heroica para
ropastoril, hace más de 12 mil años, cuando nos transformar el dios patriarcal, del Antiguo Testa-
convertimos en pueblos asentados. mento, en la Trinidad, del Nuevo Testamento. ■
Palabras clave: nomadismo, arquetipo matriarcal, sociedades asentadas, arquetipo patriarcal, metanoia,
arquetipo de la alteridad, arquetipos de la anima y del animus, crucifixión.
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