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Ateliê de Letras: Projetos no Tear |1

SUMÁRIO
ISBN 978-85-463-0244-4 |2

Ateliê de Letras
Projetos no Tear

Regina Celi Mendes Pereira


Poliana Dayse Vasconcelos Leitão
Organizadoras

Ideia
João Pessoa
2017

SUMÁRIO
Ateliê de Letras: Projetos no Tear |3

Todos os direitos reservados aos organizadores.


A responsabilidade sobre textos e imagens são dos respectivos autores.

Editoração/Capa
Magno Nicolau

Ilustração da capa
Tecelão perto de uma janela aberta, óleo sobre tela por Vincent Van Gogh (1853-1890, Netherlands)

Comissão Científica

Adriana Sales Barros


Alessandra Magda de Miranda
Bruna Costa Silva
Diana Ribeiro Guimarães
Edivânia Almeida
Evandro Gonçalves Leite
Gabriela Belo da Silva
Hermano Oliveira
Lília dos Anjos Afonso
Maíra Cordeiro dos Santos
Maria Jaberlânye da Silva Nelo
Monique César Galdino
Poliana Dayse Vasconcelos Leitão
Raquel Ribeiro Diniz
Rivadávia Porto
Renata de Lourdes Costa de Menezes

A864 Ateliê de letras: projetos no tear.


Regina Celi Mendes Pereira, Poliana Dayse Vasconcelos
Leitão (Organizadoras). - João Pessoa: Ideia, 2017.
274p.:il.
ISBN 978-85-463-0244-4
1. Linguística 2. Teoria e análise linguística

CDU 801

EDITORA
www.ideiaeditora.com.br
ideiaeditora@uol.com.br

SUMÁRIO
ISBN 978-85-463-0244-4 |4

SUMÁRIO

Apresentação
A NOSSA TECELAGEM 8
Regina Celi Mendes Pereira
Poliana Dayse Vasconcelos Leitão

A LEITURA DO GÊNERO TEXTUAL “TIRINHA”: ANÁLISE DE SUA


ABORDAGEM NO LIVRO DIDÁTICO DO ENSINO MÉDIO 11
Marcela Viana de Souza

O TRATAMENTO DOS GÊNEROS LITERÁRIOS E NÃO LITERÁRIOS NO


LIVRO DIDÁTICO 20
Victor de Medeiros Oliveira

O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA: ANÁLISE TIPÓLOGICA DE


UMA ATIVIDADE DE COMPREENSÃO 28
Larissa Brito dos Santos

GRAMÁTICA E ENSINO: UMA ANÁLISE DIACRÔNICA ATRAVÉS DO LIVRO


DIDÁTICO 47
Reginaldo Ponciano da Silva Júnior

A ABORDAGEM DOS GÊNEROS JORNALÍSTICOS CHARGE E TIRA NO


LIVRO DIDÁTICO 58
Josielle de Araújo Limeira

“AGORA É A SUA VEZ”: ESTRATÉGIAS DIDÁTICAS NAS ATIVIDADES DE


PRODUÇÃO TEXTUAL ESCRITA NO LD DE 9º ANO DO ENSINO
FUNDAMENTAL 68
Agna Bezerra da Silva

OS ASPECTOS IDEOLÓGICOS EM PRODUÇÕES TEXTUAIS DE ALUNOS DO


2° ANO DO ENSINO MÉDIO 79
Ingrid Cruz do Nascimento
Raquel Sousa da Silva

SUMÁRIO
Ateliê de Letras: Projetos no Tear |5

A REESCRITA: PROCESSO NO ENSINO – APRENDIZADO 87


Wanessa de Góis Moreira

A INFLUÊNCIA DO PROFESSOR NO DESENVOLVIMENTO ESCOLAR DO


ALUNO DURANTE AS AULAS DE PRODUÇÃO DE TEXTOS 96
Amanda Joyce de Jesus Ferreira

O PAPEL DO PROFESSOR DURANTE A REVISÃO TEXTUAL PARA O


DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES DE ESCRITA 105
Alessandra Magda de Miranda

SEQUÊNCIA DIDÁTICA: UM OLHAR PARA O ENSINO DOS GÊNEROS


TEXTUAIS 115
Laís de Almeida Silva

GÊNERO DEBATE: UMA PROPOSTA DE ENSINO 124


Jandeilson Rodrigues da Penha

DISCURSO OUTRO: A PARÁFRASE COMO MECANISMO DE ESCRITA NA


REDAÇÃO DO ENEM 132
Bruna Costa Silva
Regina Celi Mendes Pereira

CONSIDERAÇÕES SOBRE O EFEITO RETROATIVO DA REDAÇÃO DO ENEM


NO PLANEJAMENTO DOS PROFESSORES DE PRODUÇÃO TEXTUAL 142
Ana Gabriella Barbosa Silva
Janaína Ferreira

OS OPERADORES ARGUMENTATIVOS EM TEXTOS DE ALUNOS DO


PEC-G 152
Camila Geyse da Conceição Virgulino

AVALIAÇÃO DE PORTUGUÊS E SUAS CONCEPÇÕES: UMA ANÁLISE DO


PROCESSO DA PSICOGÊNESE DA ESCRITA NAS TURMAS DE 1º ANO DO
ENSINO FUNDAMENTAL 162
Flávia Tavares Gomes

SEMIÓTICA APLICADA: LEITURA DE POESIA CONTEMPORÂNEA NO


ENSINO MÉDIO 168
Elânia dos Santos Cavalcanti

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A RECUPERAÇÃO DA LITERATURA ESQUECIDA NAS BIBLIOTECAS DAS


ESCOLAS PÚBLICAS: PRIMEIRO PASSO PARA FORMAR FUTUROS
LEITORES 181
Tatiane Maciel da Rocha

FATORES MOTIVADORES PARA APRENDIZAGEM DA LITERATURA


BRASILEIRA ENTRE ALUNOS SECUNDARISTAS DO ENSINO MÉDIO 189
Carlos Henrique Castro França

POLÍTICAS PÚBLICAS E FORMAÇÃO DO PROFESSOR PARA O TRABALHO


COM TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS 195
Maíra Cordeiro dos Santos

A IMPORTÂNCIA DA LEITURA PARA ALUNOS E PROFESSORES DO ENSINO


MÉDIO 204
Francinilda de Brito Santos

UMA PROPOSTA DIALÓGICA COM O GÊNERO 209


CHARGE NO ENSINO MÉDIO 209
Larissa de Lourdes Domingos da Silva

A METACOGNIÇÃO COMO DESENVOLTURA DO PROCESSO DE


LEITURA 216
Laís Dantas de Araújo
Valter Correia da Silva

CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM: UM OLHAR SOBRE O ENSINO DE


LIBRAS 223
Amanda de Assis Silva

JOGOS: UMA ESTRATÉGIA NO ENSINO DE PORTUGUÊS PARA


SURDOS 230
Ana Claudia Nunes do Nascimento
Nayara Kalline Santos Andrade do Nascimento

UMA RESENHA SERIA O MENOS RELEVANTE PARA O RAMO DA


ENGENHARIA”: UMA ANÁLISE DA IMPORTÂNCIA DOS GÊNEROS TEXTUAIS
NAS VOZES DOS ENGENHEIROS QUÍMICOS EM FORMAÇÃO 238
Rodolfo Dantas Silva

SUMÁRIO
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MOVIMENTOS ENUNCIATIVOS NO GÊNERO SENTENÇA CRIMINAL:


TRAMA ARGUMENTATIVA EM CONTEXTO JURÍDICO 245
Alexandra Pereira Dias
Monique Galdino Queiroz

A INFLUÊNCIA DAS REDES SOCIAIS NO COMPORTAMENTO DE BELEZA


DO PÚBLICO FEMININO 260
Emília dos Santos Cavalcante
Irley David Fabricio da Silva

AS VOZES E SEU GERENCIAMENTO EM RELATÓRIOS DE ESTÁGIO DE


ALUNOS DE CURSO TÉCNICO DE NÍVEL MÉDIO INTEGRADO EM
INFORMÁTICA DO IFRN 267
Evandro Gonçalves Leite
Gladson Renato Queiroz Vidal
Vitória de Paiva Queiroz Silva

Organizadoras 274

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Apresentação
A nossa tecelagem

EVOLUÇÃO

as coisas grandes não nascem prontas


são vindas em sementes
embrulhadas em papel de vir a ser

pra que pressa?


deixai desenvolver
mas fazei por onde

a educação e a vida têm dessas coisas

(Regina Celi M. Pereira)

É sempre com muito carinho que nos reportamos às ações do Ateliê de Textos Acadêmicos
(ATA), nesse reportar-se, surge agora um sentimento de plenitude por já estarmos no nosso quinto
aniversário de existência. Desde 2012, quando se deu a constituição do grupo, temos trilhado uma
rotina acadêmica de parcerias e de muito trabalho colaborativo. Ao longo desse percurso, alguns
colaboradores já não participam mais do grupo, mas o movimento de chegada e de permanência
ainda é maior que o de partida. Nesses movimentos de idas, vindas e permanências, é preciso situar
para o leitor quem somos, o que fazemos, os objetivos e as ações do grupo.
O ATA surgiu do projeto de pós-doutoramento institucional (CAPES/PNPD)1 por meio do
qual foi possível contar com a participação de bolsistas de Estágio Pós-doutoral, enquanto estava
em vigência o auxílio financeiro da CAPES. Atualmente, não temos mais o apoio financeiro, mas
contamos com colaboradores voluntários doutores, doutorandos, mestres, mestrandos e alunos da
graduação, bolsistas de Iniciação Científica.
O ATA tem como objetivo maior investigar o processo de elaboração dos gêneros
acadêmicos em interface com diferentes áreas de conhecimento. Nesse sentido, temos atuado em
dois eixos: um voltado para os processos de didatização da escrita acadêmica em disciplinas de
Português Instrumental, Pesquisa Aplicada ao Ensino de Língua Portuguesa, Metodologia
Científica e Leitura e Produção de Textos I; e outro voltado para a análise dos parâmetros de
produção e da arquitetura textual dos artigos publicados em periódicos representativos dos vários
campos de investigação (BRONCKART, 1999, 2006, 2008).
No “chão” do ateliê já foram “tecidos” muitos frutos de nossas pesquisas. Publicamos o
nosso primeiro livro, Ateliê de Gêneros Acadêmicos: didatização e construção de saberes, em
2014, o qual reúne os primeiros resultados de nossas análises de resumos/abstracts de artigos
publicados em periódicos de diferentes áreas de conhecimento. O segundo livro, Entre conversas e
práticas de TCC, foi concebido a partir dos desdobramentos positivos do III Workshop de
Letramento Acadêmico – Nas Trilhas do TCC. Esse evento focalizou o processo de elaboração do
trabalho de conclusão de curso e seguiu a mesma trajetória e objetivos dos workshops anteriores:
promover e divulgar práticas de letramento acadêmico como forma de democratizar, ou
desprivatizar (Cf. GUEDES, 2006), as competências de leitura e de escrita no contexto

1
Apoio: CAPES – PNPD – Processo nº 23038.007066/2011-60

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universitário. Além desses livros, temos divulgado nossa pesquisa em periódicos qualificados e em
capítulos de livros de circulação nacional.
Um grande acontecimento que veio agregar reconhecimento e validação às ações do grupo
foi a integração do ATA à rede da Cátedra UNESCO de Leitura e Escritura da América Latina, no
final de 2015. As nossas atividades estão em sintonia com os objetivos da Cátedra, dentre os quais
se destaca o compromisso com as políticas públicas de promoção dessas práticas.
Nesse sentido, temos investido na organização dos eventos realizados na UFPB: I
WORKSHOP DE LETRAMENTO ACADÊMICO: pesquisa, conhecimento e autoria (plágio), em
2013; II WORKSHOP DE LETRAMENTO ACADÊMICO: paradigmas, método e ideologia nas
ciências e I ATELIÊ DE LETRAS – PROJETOS NO TEAR (2014); e III WORKSHOP DE
LETRAMENTO ACADÊMICO e II ATELIÊ DE LETRAS – NAS TRILHAS DO TCC (2015) IV
WORKSHOP DE LETRAMENTO ACADÊMICO - VIVÊNCIAS E EPISTEMES e III ATELIÊ
DE LETRAS – PROJETOS NO TEAR (2016).
A concepção do que seja um ateliê perpassa todo o envolvimento com o Projetos no Tear e
fundamenta nossa convicção de que as coisas não nascem prontas, são construídas, desenvolvem-se,
nesse sentido, os processos de mediação formativa ocupam um lugar decisivo na aprendizagem. E
se iniciamos falando do nosso carinho por tudo que se relaciona ao ATA, reforçamos, então, o
extremado carinho pelo Ateliê de Letras: Projetos no Tear, motivado por várias razões: por
priorizar práticas formativas e capacidades em construção, por seu caráter de inovação ao eleger
como protagonistas os alunos em formação inicial e por fornecer as condições para desenvolver
talentos. O evento é concebido inteiramente para os graduandos, desde a orientação que se inicia
nas aulas de Pesquisa Aplicada ao Ensino de Língua (PAELP), mas que se prolonga para além dela.
No decorrer da disciplina, possibilitamos a leitura e discussão de diferentes textos que, direta ou
indiretamente, auxiliam no processo de elaboração de um plano de ação para o desenvolvimento da
pesquisa e, posteriormente, para a documentação das atividades desenvolvidas e da análise e
discussão dos resultados, sob a forma de um artigo. Dessa forma, oportunizamos aos alunos a
vivência com a pesquisa, a escrita e reescrita(s) do artigo científico (Cf. PEREIRA; LEITÃO,
2017).
Por isso o processo não encerra na disciplina, ultrapassa o espaço da sala de aula e consagra-
se sob a forma de evento acadêmico, no qual os graduandos são os personagens principais,
acompanhados pela equipe do ATA, desde a elaboração do resumo, requisito para se inscreverem
na condição de expositores, até a orientação dos slides de apresentação. E esse acompanhamento
não se encerra na preparação, durante as apresentações tem-se a mediação intensa dos integrantes
do ATA como moderadores das exposições, pondo em prática algo que nem sempre acontece nos
eventos já que, muitas vezes, a participação de graduandos é restrita à apresentação de posters sem
a devida oportunidade de debaterem adequada e respeitosamente seus trabalhos.
Este ebook, portanto, é a realização de um sonho sonhado coletivamente. Dos 28 capítulos
aqui reunidos, a maior parte é fruto do Projetos no Tear e, ao longo do processo de germinação, a
comissão científica desempenhou um papel decisivo na leitura, avaliação e revisão dos textos. O
aprendizado foi recíproco, pois essa interação com o texto do outro nos permite diferentes
ressignificações como leitores e autores nessa tecelagem tão envolvente.
Outros capítulos são recortes de pesquisas desenvolvidas no âmbito das ações do ATA e que
têm relação direta com a preocupação de articular reflexão teórica ao ensino de língua portuguesa.
Assim, temos no ebook uma diversidade de temáticas que contempla, dentre outras questões, a
análise de materiais didáticos, em seus aspectos pedagógicos e ideológicos, a discussão sobre
objetos de aprendizagem, ensino de libras, abordagens de literatura e outros letramentos, produção e
interpretação de textos.

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Essa publicação interessa não apenas, mas especialmente aos alunos de graduação em Letras
e a professores que já atuam na educação básica. Fazendo referência ao poema epígrafe que
introduz esta apresentação, os capítulos deixam evidente a potencialidade de pesquisas, inicialmente
desenvolvidas no âmbito da disciplina cursada na graduação, mas que podem ter desdobramentos
outros em nível de mestrado e de doutorado, conforme já ocorreu nas edições anteriores do
Projetos no Tear. Tudo isso reforça o noção de tecelagem do texto e de construção colaborativa de
conhecimento dentro desse maravilhoso ateliê que é o ATA.

Regina Celi Mendes Pereira


Poliana Dayse Vasconcelos Leitão
Organizadoras

Equipe do ATA:
Adriana Sales Barros
Alessandra Magda de Miranda
Alexandra Pereira Dias
Anielle Andrade da Silva
Bruna Costa Silva
Diana Ribeiro Guimarães
Edivânia Almeida
Evandro Gonçalves Leite
Gabriela Belo da Silva
Geisiane Nunes
Hermano Oliveira
Lília dos Anjos Afonso
Maíra Cordeiro dos Santos
Maria Jaberlânye da Silva Nelo
Monique César Galdino
Poliana Dayse Vasconcelos Leitão
Raquel Ribeiro Diniz
Rivadávia Porto
Renata de Lourdes Costa de Menezes
Rodolfo Dantas da Silva

Referências

BRONCKART, Jean-Paul. Atividades de linguagem, textos e discursos. São Paulo: Educ, 1999.
MACHADO, Anna Rachel, MATENCIO, M. L. M. (Orgs.). Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento
humano. São Paulo: Mercado de Letras, 2006, p.25-120.
______. O agir nos discursos: das concepções teóricas às concepções dos trabalhadores. São Paulo: Mercado de
Letras, 2008.
GUEDES, Paulo Coimbra. A formação do professor de português: que língua ensinar? São Paulo: Parábola, 2006.
PEREIRA, Regina Celi M. (Org.). Ateliê de Gêneros Acadêmicos: didatização e construção de saberes. João Pessoa:
Idea, 2014.
PEREIRA, Regina Celi M.; LEITÃO, Poliana Dayse Vasconcelos. Mediação Formativa na Prática de Elaboração de
Artigos Científicos. Diálogo das Letras, v.6, n.01, 2017.

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A LEITURA DO GÊNERO TEXTUAL “TIRINHA”:


ANÁLISE DE SUA ABORDAGEM NO LIVRO
DIDÁTICO DO ENSINO MÉDIO

Marcela Viana de Souza1

Introdução

Em meio a um contexto o qual um dos maiores desafios do docente para com o ensino de língua
portuguesa é desenvolver no aluno o gosto e a capacidade leitora, esse trabalho tem por objetivo investigar
como o gênero tirinha está sendo abordado no livro didático do Ensino Médio e identificar as concepções de
gênero e de leitura, verificando se as atividades proporcionam o desenvolvimento de uma leitura crítica e
reflexiva.

Tal gênero foi escolhido em virtude de sua dinamicidade em relação à possibilidade de exposição de
várias temáticas que podem ser trabalhadas e analisadas em sala de aula, partindo da utilização do livro
didático, esse que é uma ferramenta de extrema importância na prática docente.

Podemos perceber que o humor e também a ironia têm papéis determinantes no processo de
construção do quadrinho. Outra característica bastante pertinente que atua no processo de compreensão é a
posição que o sujeito leitor ocupa na sociedade, pois, dependendo de sua posição social e ideológica, o aluno
conseguirá alcançar o propósito comunicativo do gênero.

A tirinha tem como principais características retratar fatos do cotidiano de forma crítica e
irônica, o que pode de certa forma contribuir para o desenvolvimento de um leitor crítico, assim
como sugerem os documentos oficiais que fundamentam a prática docente. Além disso, o
quadrinista, ao elaborar as tirinhas, faz uso da linguagem verbal ou não verbal. Tais características
precisam ser abordadas pelo professor em sala de aula, em virtude das inúmeras possibilidades de
temáticas possíveis de ser abordadas. Assim, tende a explorar a criticidade do leitor, perpassando
diversas áreas, como a da política, religiosa, social e outras. Sua estrutura é curta e breve,
característica fundamental do próprio gênero, pois necessita dessa brevidade.

As tiras são um subtipo de HQ; mais curtas (até 4 quadrinhos) e, portanto, de caráter
sintético, podem ser seqüenciais (capítulos de narrativas maiores) ou fechadas (um episódio
por dia). Quanto às temáticas, algumas tiras também satirizam aspectos econômicos e
políticos do país, embora não sejam tão “datadas” como a charge (SANTOS, apud
MENDONÇA, 2002, p. 199).

Outra característica peculiar do gênero é que ele se estrutura em um personagem central, estes que ao
longo das produções permanecem fixos, contudo interagindo com outros personagens, os mais conhecidos
são: Mafalda, Calvin e Haroldo, Hagar, o horrível e Recruta Zero. Utilizaremos como corpus as tirinhas dos
quadrinistas: Adão Iturrusgarai e Fernando Gonsales. Outro ponto é que esses personagens retratam algum
momento histórico e/ou estereótipos de uma determinada época.

1
Graduanda do curso de Letras-Português da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Campus I – João Pessoa/PB.
Aluna da disciplina Pesquisa Aplicada ao Ensino de Língua Portuguesa. E-mail: marcellavigermano@gmail.com

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A presença do gênero tirinha é muito recorrente no livro didático, em virtude da sua dinamicidade,
além de permitir o desenvolvimento da capacidade reflexiva no processo de ensino aprendizagem. A partir
dessa perspectiva, buscamos analisar como a leitura do gênero tirinha está sendo desenvolvida no ensino de
língua materna do Ensino Médio. Observaremos se o livro proporciona ao aluno realizar uma leitura crítica e
reflexiva a partir da leitura dos textos e se esse processo está proporcionando ou desenvolvendo os elementos
extralinguísticos, estes que em algumas abordagens não são considerados no processo de leitura e
compreensão do texto, a exemplo, o conhecimento de mundo.

Nosso corpus foi coletado do livro didático do ensino médio da coleção Português Linguagens para
o Ensino Médio, dos autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães (2013). Utilizamos como
base teórica, Martins (1989), Bakhtin (1997), Marcuschi (2008), Leite (2013), Geraldi (2006), Sales (2011) e
Santos (s.n.t.). Observaremos se a abordagem do gênero na coleção de livros em análise permite ao professor
desempenhar atividades de leitura crítica e reflexiva com alunos do ensino médio.

Assim, partimos da premissa que o docente, ao desenvolver a modalidade da leitura em sala de aula,
objetive “o desenvolvimento da percepção, senso de análise, reflexão e crítica acerca do que lê” (SALES,
2011, p.89). Desta forma, o gênero tirinha se encaixa perfeitamente como suporte metodológico para
desenvolver tais percepções.

A compreensão leitora

Maria Helena Martins, no seu livro de 1989, “O que é leitura”, conceitua as concepções de leitura em
duas caracterizações, são elas: a decodificação mecânica de signos linguísticos e o “processo de
compreensão abrangente, englobando as leituras (sensoriais, emocionais, intelectuais, fisiológicos,
neurológicos, bem como culturais, econômicos e políticos (cognitivo-sociológica))” (MARTINS, 1989, p.
31).

De acordo com a apresentação proposta acima, podemos perceber que há diferenças entre as
definições, porque uma está voltada para a prática da decodificação do código linguístico e a outra se
apresenta de forma mais completa e ampla e assim dialoga com as indicações propostas pelos PCN, segundo
o qual a leitura é interativa, com foco na compreensão do que se lê. Uma de certa forma não anula a outra,
porém, é necessário para o desenvolvimento sociocognitivo do aluno ver o processo de leitura como prática
que vai além de apenas decodificar o código linguístico. Como nos apresenta Martins, “Decodificar sem
compreender é inútil; compreender sem decodificar, impossível” (1989, p. 32).

É necessário reforçar que leitura é bem mais do que a decodificação, pois é indispensável que aluno
também atente para a leitura de outras linguagens como, por exemplo: a não verbal, presente em nossa
análise. Para Martins (1989 p. 32) “Acentua-se que, por sinais, entende-se aqui qualquer tipo de expressão
foral, ou simbólica, configurada pelas mais diversas línguas”.

Diante dessas condições apresentadas por Martins (1989), e das dificuldades encontradas
pelos professores ao trabalhar textos em sala de aula e de como é problemático tornar o processo de
ensino aprendizagem mais atrativos para os alunos, em meio a esse universo tecnológico em que
estamos inseridos, é de extrema importância ver a modalidade de leitura como “ponte para o
processo educacional eficiente, proporcionando a formação integral do indivíduo” (MARTINS,
1989, p. 25).
O LDP (Livro didático de português) em análise disponibiliza uma gama de gêneros
textuais, como a tirinha (objeto de nosso estudo), anúncios publicitários, charges, notícias,
reportagens. Todos esses gêneros são constantemente encontrados no universo tecnológico,
ambiente esse a que os alunos têm um total acesso. Assim, é mais viável trabalhar a prática da
leitura por tais gêneros, até por apresentarem uma linguagem mais atual, o que consequentemente
os torna mais aceitáveis pelo público do Ensino Médio. A leitura nessa etapa deve ser desenvolvida
junto com os alunos, pois é necessário “estabelecer relações entre as experiências e a tentar resolver

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os problemas que se nos apresentam – aí então estamos procedendo leituras, as quais nos habilitam
basicamente a ler tudo e qualquer coisa” (MARTINS, 1989, p. 17).
Visando uma maior aceitação e participação por parte dos alunos, é indispensável o uso de
gêneros textuais diversificados no ensino de língua portuguesa. Para entendermos melhor a
concepção de língua, recorreremos a Geraldi (2006, p.23), segundo o qual “a linguagem não é só
pensamento. [...] não é automática, mas intencional, não mero estoque de palavras (ou regras), mas
um modo de usá-las, um trabalho”, ou seja, esta área do ensino de linguagens que, normalmente
torna-se monótona pela forma como é ensinada, ganha uma nova perspectiva, pois a língua não se
resume, de forma alguma, ao conjunto de regras gramaticais. Para reafirmar tal ideia,
compartilharemos do pensamento de Martins (1989, p. 07) de que “o leitor é visto como um
decodificador da letra”, pois na escola é mais interessante decodificar a letra do que dar sentido e
interpretar o que se está lendo.
Desta forma, ao abordar a gramática partindo da leitura do gênero textual tira, é
indispensável que o professor mostre a seus alunos o uso e a funcionalidade de tais ferramentas para
que não recorra a pedagogia do sacrifício, como determina Martins (1989, p. 23) “do aprender por
aprender, sem se colocar o porquê, como e para quê, impossibilitando compreender
verdadeiramente a função da leitura, o seu papel na vida do indivíduo e da sociedade”. Logo, é
importante que o aluno tenha a consciência da utilidade em se conhecer tais regras, assim
proporcionando no aluno uma sensação de maior proximidade do conteúdo com o seu cotidiano.
Evita, também, que os professores cometam o erro de trabalhar a regra pela regra. Partindo, assim,
para uma exploração dos conteúdos de forma contextualizada como é indicado pelos documentos
oficiais.

PCN/LD

Com a publicação nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (BRASIL, 1998), os


estudiosos da área da linguística começaram a dar um direcionamento ao ensino da linguagem,
tendo como fundamento a língua como processo na interação social. Vejamos, então, como a
linguagem é abordada no documento:

A linguagem é considerada aqui como capacidade humana de articular significados


coletivos em sistemas arbitrários de representação, que são compartilhados e que variam de
acordo com as necessidades e experiências da vida em sociedade. A principal razão de
qualquer ato de linguagem é a produção de sentido (Brasil, 1998, p.19).

Com base neste pensamento, enfatizamos em nossa pesquisa a busca pela concepção de língua que
mais se aproxime do que determinam os PCN, para que este ensino possa despertar no aluno o sentimento de
pertencimento ao grupo social em que está citado para, consequentemente, fazer sentido o uso e o
entendimento de tais regras.

É indiscutível que o ensino deve ser norteado pela leitura de gêneros textuais, que estão inseridos em
nosso ambiente social. Desse modo, o professor não deve priorizar apenas os que são considerados mais
relevantes, como o romance, o conto, a fábula .É necessário familiarizá-los com os gêneros orais que
também são recorrentes em nossas vivências cotidianas, como afirma os PCN:

No caso da produção oral, essa prática é prioritariamente de explicitação do que os alunos


sabem utilizar — mas não têm consciência de que o fazem e por que —, ou seja, um
trabalho focado sobre aspectos da linguagem que, se compreendidos, podem contribuir para
o desenvolvimento da capacidade de produzir textos orais mais eficazes: a comparação, por
exemplo, entre formas de falar utilizadas em variadas situações, com o objetivo de que o
aluno se aproprie progressivamente dos diferentes registros (BRASIL, 1997, p. 53-54).

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Entretanto, o professor precisa se atentar às ideologias presentes no LDP, e se tal livro realmente
presa por um ensino amplo, que possibilite ao aluno ter vários olhares, e não apenas um: o proposto
implicitamente pelo LDP.

Conceituando gêneros

Na Estética da Criação Verbal, Bakthin (1992, p. 302) diz que “aprendemos a moldar nossa fala às
formas do gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe
o gênero”. Assim, para esse teórico, os gêneros são como modalizadores da nossa fala, pois a partir da
situação comunicacional escolhemos aquele que é mais adequado para determinada ocasião. Bakthin (1992)
divide os gêneros em duas modalidades: Os primários, que são considerados mais simples, pertencentes ao
nosso cotidiano e os secundários, referentes aos mais complexos e elaborados, pertencentes a um propósito
comunicacional mais formal.

Para Marcuschi (2008), o estudo dos gêneros textuais é indispensável para a formação crítica do
aluno, pois este revela o funcionamento da nossa sociedade, uma vez que nos realizamos pela linguagem e
comunicação, ou seja, pela interação verbal. A partir da análise do livro didático, foi possível observar uma
diversidade de possibilidades do trabalho em sala de aula. Os gêneros textuais não são ferramentas
estanques, são modelos infinitos, o que de certa forma está caracterizado no LD.

Os gêneros não são instrumentos estanques e enrijecedores da ação criativa, caracterizam-


se como eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos. Surgem emparelhados
a necessidade e atividades sócio-culturais, bem como na relação com inovações
tecnológicas, o que é facilmente perceptível ao se considerar a quantidade de gêneros
textuais hoje em relação à comunicação escrita (MARCUSCHI, 2008, p.19).

Compartilhamos com o pensamento do autor, no sentido de compreender que os gêneros do discurso


surgem de acordo com a necessidade do momento. Antes da escrita, os povos tinham uma quantidade mais
limitada de gêneros até porque eles eram apenas orais, pois não havia uma maneira de registrá-los. Com o
surgimento da escrita esse pequeno número se multiplicou, uma vez que surgiu a necessidade de escrevê-los
e consequentemente registrá-los.

A partir dos avanços da abordagem de gêneros textuais em sala de aula, passamos a enxergá-los
como um suporte indispensável para o desenvolvimento sociocognitivo dos alunos. Desse modo, o ensino de
língua portuguesa nas séries inicias, hoje, é baseado no estudo dos mais diferentes gêneros textuais, sejam
eles orais e/ou escritos.

Metodologia/Caracterização da pesquisa

Nosso trabalho apresenta uma abordagem metodológica de cunho quanti-qualitativa interpretativista,


com objetivo exploratório. A pesquisa tem o caráter documental e utilizou como corpus para coleta de dados
o LDP da coleção Português Linguagens para o Ensino Médio, dos autores William Roberto Cereja e
Thereza Cochar Magalhães (2013), visando observar em toda extensão das obras se o material prioriza uma
leitura interativa e reflexiva, ou está interessada apenas na fixação de conteúdos gramaticais.

A coleção do livro escolhido é dividida em quatro categorias: Literatura, Produção textual,


Gramática (Língua: uso e reflexão) e Interpretação textual. Vamos nos deter à terceira modalidade:
“Gramática (Língua: uso e reflexão)”, uma vez que temos como objetivo investigar como o livro didático
trabalha o gênero “tirinha” no ensino de língua materna.

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A partir desse panorama de como o livro está organizado, antes da seleção das tirinhas que iremos
analisar, apresentamos um detalhamento do quantitativo de tirinhas abordadas na modalidade “gramática”,
ressaltando que dentro desta área o livro redistribuiu em diferentes conteúdos. Observemos:

Tabela 1: Levantamento do quantitativo das tirinhas na seção Língua: uso e reflexão do Livro didático de
Língua Portuguesa - 2013

Subseções Construindo Exercícios Conceituando Semântica e Total


o conceito Discurso

1º Ano 2 9 5 3 18

2º Ano 7 20 9 3 39

3º Ano 1 13 4 2 20

Total: 77

Fonte: CEREJA (2013)

Com base na coleta de dados nos livros didáticos, observou-se que embora tenhamos verificado uma
significativa quantidade de tirinhas por todo o livro, contabilizamos 77, apenas no que se refere à seção de
língua, não considerando as demais seções do livro. Desta forma, nos delimitamos à categoria de Semântica
e Discurso, pois é a que melhor se adequa a nosso objetivo de pesquisa.

Por fim, selecionamos uma tirinha de cada volume para análise, e para tal atividade utilizamos como
fundamentação teórica a concepção de leitura proposta por Martins (1989): A do primeiro ano, de Adão
Iturrusgari (2005), que aborda o conteúdo de “A expressão escrita: a acentuação”. No segundo ano
utilizamos a tirinha de Fernando Gonsales (2002), que explora o conteúdo de conjunção. E, posteriormente,
a do terceiro ano, que tem como temática concordância nominal, de Fernando Gonsales (2003).

O gênero tira no Livro Didático

A partir da leitura da tirinha abaixo, pudemos observar, conforme os enunciados das atividades, o
aluno para respondê-las necessita reativar alguns conhecimentos prévios de mundo. As questões são sempre
em volta do uso e da reflexão, isso notamos a partir da utilização dos elementos linguísticos: “como?, Por
que?, O que?, Por quê?”, ou seja, partir da leitura efetiva da tirinha, de forma a dialogar com o texto a partir
de suas vivências. Mesmo sendo na seção de Gramática, o livro do primeiro ano utilizou de forma coerente a
gramática associada à “Semântica e Discurso”.

SUMÁRIO
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Figura 1: retirado do livro do primeiro ano

Fonte: CEREJA, 2013, p. 302.

Nossa próxima análise foi retirada do livro didático destinado ao segundo ano. O que observamos é
que para o aluno compreender a leitura da tirinha e os discursos que estão inseridos, é necessário que ele
tenha conhecimento acerca do significado e da expressão “tirar leite”, para que consiga responder os
questionamentos. O humor, característica sempre presente nesse gênero, aparece de forma contextualizada e
é explorado com base na ambiguidade do valor semântico da preposição de, o aluno deve observar o uso e a
funcionalidade da partícula de para solucionar tais questionamentos.

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 17

Figura 2: retirado do livro do segundo ano

Fonte: CEREJA, 2013, p. 192.

A seguir, analisaremos uma última tirinha retirada do livro do terceiro ano. Mais uma vez, o gênero é
utilizado como meio para fazer o aluno refletir, interagir com o próprio texto. Na primeira questão, mesmo
tratando de gramática, como pressupõe a seção, o autor já dá um direcionamento do uso com o enunciado
“contexto”, ou seja, que de certa forma contribui para o significado do termo em questão, que é o uso
adequado do “obrigado” e do “obrigada”. Esse recurso é utilizado nas questões seguintes, o LDP faz com
que os alunos analisem os discursos presentes e expliquem com suas palavras o que está sendo questionado.
Para realizar tal tarefa é necessário que siga as recomendações do enunciado, reativando os conhecimentos
prévios que possui.

SUMÁRIO
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Figura 3: retirado do livro do terceiro ano

Fonte: CEREJA, 2013, p. 266.

Portanto, com base nas análises realizadas acima, podemos perceber que a leitura é bem mais do que
decodificar o código linguístico, pois ela está além do texto verbal e não verbal. A partir das tirinhas
analisadas observamos que o leitor tem possibilidade de interagir: dialoga com o texto em diversos
momentos, tenta, a partir de sua leitura, estabelecer relações com os conhecimentos que adquiriu ao longo de
suas vivências, assim dando sentido as novas possibilidades de compreensão. Contudo, a leitura torna-se “um
processo, no qual o leitor participa com uma aptidão que não depende basicamente de sua capacidade de
decifrar sinais, mas sim de sua capacidade de dar sentido a eles, compreendê-los” (MARTINS, 1989, p. 32).

Palavras finais

As atividades propostas pelo LDP mostraram-se bastante pertinentes e potencializadoras para um


olhar mais atento e crítico do aluno, abordando não a forma pela forma (elementos gramaticais) e sim efeitos
de sentidos relacionados ao uso da linguagem nos diversos contextos.

Um ponto negativo que observamos foi que o LDP faz pouca utilização do gênero na seção
escolhida, o que para nós, aparentemente, é um desperdício, pois a quantidade que é utilizada na parte de
“Exercícios” é significantivamente maior (como ilustrado na tabela acima), porém utilizada apenas para
abordar a gramática. Tal aspecto parece ser totalmente excludente, pois a função da tirinha é proporcionar no
leitor, através das estratégias discursivas, um posicionamento mais investigativo e crítico.

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 19

Observamos atividades que além de propor uma leitura interativa, pode estimular nos alunos a
compreensão de inferências no texto, de acordo com a situação sociocomunicativa em que este está inserido.
O humor também foi abordado nas tirinhas, despertando assim um posicionamento crítico. Por fim, vimos
também questões gramaticais, porém de forma contextualizada.

Ressaltamos que as atividades propostas pelo LDP na seção de Semântica e Discurso, cumprem com
as orientações dos PCN (2000, p. 8-9), que é o de capacitar o aluno para que ele seja capaz de confrontar
qualquer informação, dialogando criticamente com as mais diversas linguagens, ou seja, é importante que o
aluno se aproprie dos conhecimentos da sua língua materna, assim facilitará a interação com o meio e os
sujeitos do seu convívio social.

Desta forma, podemos concluir que a concepção de leitura presente na seção de gramática
“Semântica e Discurso” se adequa à proposta de leitura interativa de Martins (1989), ou seja, que abre espaço
para interação junto com o aluno e permite que ele traga para dentro do texto os seus conhecimentos externos
sendo capaz de construir um novo sentido para o que está sendo lido. Constatamos também que o texto,
nessa modalidade, não é utilizado como pretexto para o ensino de língua materna, uma vez que, mesmo
trabalhando a gramática, ele não é isolado das suas funções reflexivas. A partir dessas considerações,
pudemos perceber que é totalmente possível, por intermédio da leitura do gênero tirinha, trabalhar questões
leitura a partir do LDP. O livro didático mostrou-se um excelente aliado do professor, em questão de
conteúdo, prática e dinamicidade.

Referências

BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Trad. do francês por Maria Ermantina Galvão Gomes. São Paulo:
Martins Fontes, 1992.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. MEC/SEMTEC. 2000.

CEREJA, William Roberto. Português: Linguagens. São Paulo: Saraiva, 2013.

GERALDI, João Wanderley. et al. (orgs.). O texto na sala de aula. 3. ed. São Paulo: Ática, 2006.

MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.

MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989.

SALES, Laurênia. Souto. A leitura em questão: reflexões sobre o discurso dos professores na formação continuada. In:
PEREIRA, Regina. Celi M. (Org.). Entre teorias e práticas: o quê e como ensinar nas aulas de português. João
Pessoa: Editora: Editora Universitária da UFPB, 2011, p. 89-112.

SANTOS, Márcia Maria da Silva. O gênero textual tirinhas: análises da sua inserção no livro didático do ensino
fundamental. In: VI Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais., 2011, Natal. Caderno de Programação e
Resumos do VI Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais. Natal: EDUFRN, 2011. p. 444.

SUMÁRIO
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O TRATAMENTO DOS GÊNEROS LITERÁRIOS E NÃO


LITERÁRIOS NO LIVRO DIDÁTICO
Victor de Medeiros Oliveira1

Introdução

O estudo dos gêneros textuais está sendo cada vez mais comum na sala de aula, o que prova
que a sua aparição no livro didático vem crescendo significativamente. Intrigados e motivados com
essa propagação dos gêneros nos livros didáticos, resolvemos elaborar essa pesquisa a fim de
verificar a predominância dos gêneros tratados nos livros didáticos de língua portuguesa da
coletânea Diálogo em gêneros. Nosso trabalho, intitulado “A abordagem dos gêneros literários e
não literários no livro didático”, tem como objetivo principal identificar e analisar quais os
(supostos) diferentes aspectos que determinam a diferenciação de tratamento dos gêneros literários
em relação aos não literários em livros didáticos do Ensino Fundamental II, tentando apresentar,
dessa forma, as possíveis distinções no tratamento de gêneros de caráter literário e no de caráter não
literário. Já enquanto objetivos específicos, pretendemos observar a predominância dos gêneros
(literário ou não), avaliando com que frequência os gêneros literários e não literários são abordados
no livro em análise.
Nossa pesquisa adotou como objeto de estudo os livros Língua Portuguesa Diálogo em
gêneros, de Eliana Santos Beltrão e Tereza Gordilho. Tais livros foram escolhidos justamente por
apresentarem, em cada módulo de estudo, um gênero diferente como norteador das discussões de
interpretação e de estudo gramatical. Escolhemos para análise o livro do 6º. A coleção em questão é
dividida em sete unidades e todas possuem como temática central um gênero textual específico.

Teorizando nossa análise

Gêneros textuais: uma ferramenta sociodiscursiva

Marcuschi faz uma pertinente explanação sobre os conceitos e as funções pertencentes aos
gêneros textuais, o que colabora e muito para nossa pesquisa, uma vez que a compreensão sobre o
que é o gênero e como se dá a sua estrutura, tanto interna quanto externa, são pontos fundamentais
para o avanço de nossas discussões.
Os gêneros textuais, segundo Marcuschi (2005, p 22), podem ser definidos como
“fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social”. Os gêneros podem ser
encontrados com facilidade em nosso cotidiano e, de uma forma geral, existem com a finalidade de
realizar uma determinada prática comunicativa.
Por possuírem esse caráter comunicacional, os gêneros textuais são vistos como eventos
textuais extremamente dinâmicos e instáveis (sob o ponto de vista bakhtiniano, relativamente
estáveis), características essas que acabam anulando supostos ideais de que os gêneros são
imutáveis e inflexíveis.

1
Graduando em Letras Português na Universidade Federal da Paraíba - UFPB
victormlp30@gmail.com

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 21

O dinamismo é um conceito basilar para os gêneros textuais, uma vez que o avanço do
tempo e de seus recursos pode proporcionar a alteração na estrutura de alguns, ou até mesmo a
criação de novos gêneros.
Marcuschi (2005, p 22) afirma ainda que “os gêneros textuais se constituem como ações
sociodiscursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo, constituindo-o de algum modo”. Tal
comentário nos faz inferir sobre a importância que os gêneros textuais possuem em relação ao nosso
cotidiano e convívio social, uma vez que afirma que os gêneros, de alguma maneira, estão inseridos
no mundo, sendo considerado, assim, um elemento participante dele.
Esse raciocínio reforça a ideia de que os gêneros textuais precisam ser tratados de uma
forma que leve o sujeito a dialogar com o mundo que lhe cerca, pois o próprio gênero é uma
ferramenta que mantém contato direto com o universo que o sujeito está exteriorizado.

Introduzindo a análise: conhecendo melhor o PNLD

O Programa Nacional do Livro Didático (nacionalmente conhecido como PNLD) não é algo
totalmente novo no âmbito escolar brasileiro. Essa medida passou a estar incluída nas práticas
políticas de nosso sistema educacional há alguns anos atrás. No entanto, era conhecido por outros
nomes, o que gera a impressão de que é um projeto relativamente recente.
A escolha do livro didático é um momento de extrema relevância para o mercado editorial.
Inúmeras editoras visam, no início do ano, o momento de obter um considerável lucro por meio da
venda de um bom número de livros para a escola “X”. Nesse contexto, é formada uma verdadeira e
acirrada disputa entre escolas, editoras, autores e professores.
Em virtude dessa fronteira entre o âmbito econômico e o escolar na qual o livro didático se
encontra, os autores estão, cada vez mais, buscando inovar na forma de transmitir o conteúdo para o
aluno, a fim de terem os seus livros circulando nas salas de aula, pois os professores/escolas, nos
últimos tempos, estão preferindo livros que consigam capturar a atenção do aluno.
Nessa procura pela diferenciação, o livro didático vem adotando alguns elementos que
possam lhe permitir fugir do tratamento convencional que era dado aos conteúdos, atendendo,
assim, às exigências do PNLD, dentre elas, destacamos: o uso de uma linguagem mais interativa e a
inserção de diversos gêneros textuais.
O uso dos gêneros, mesclado com o ensino de um assunto gramatical, representa, portanto,
essa tendência de essência inovadora tão requisitada pelos autores. E é justamente por essa razão
que os utilizaremos como principal recurso de nossa pesquisa.

Em análise: o tratamento dos gêneros literários e não literários no livro didático

Avaliaremos com qual frequência os gêneros literários e não literários são abordados nos
livros Diálogo em gêneros, de Eliana Santos Beltrão e Tereza Gordilho, e se há diferença no
tratamento recebido por eles.
Classificamos os gêneros enquanto “Literários” e “Não Literários” pelo fato deste abranger
uma maior variedade de gêneros em sua esfera discursiva, facilitando assim o nosso trabalho incluir
essa variedade em uma única modalidade – a de gêneros não literários.
Nossa análise centrou-se no livros do 6º ano do Ensino Fundamental II. Os livros em
questão estão divididos em sete unidades e todas possuem como temática central um gênero textual
específico. Segue abaixo um quadro para melhor esquematizar a estrutura do volume abordado.

SUMÁRIO
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QUADRO 01 – Organização interna do livro do 6º ano da coleção


Língua Portuguesa :Diálogos em gêneros

Turma Módulo Gênero Classificação do gênero


História em
6º ano 01 Não literário
quadrinhos
Narrativa de
6º ano 02 Literário
aventura
6º ano 03 Lenda Literário
Debate/Artigo
6º ano 04 Não literário
de opinião
Relato de
6º ano 05 Não literário
viagem
6º ano 06 Poema Literário

6º ano 07 Notícia Não literário

O quadro acima apresenta, de maneira sintética e basilar, a organização interna do livro do


qual nos apropriamos como corpus de análise de nossa pesquisa. Como bem ilustramos, podemos
notar, com facilidade, que há um considerável predomínio de gêneros não literários nas unidades
nas quais o livro do 6º ano está dividido.
Os sete módulos da coleção que estamos estudando apresentam a seguinte estrutura:
introdução do gênero previsto no índice, para ser estudado no respectivo módulo (essa introdução
envolve informações sobre o conteúdo e a estrutura do gênero e orientações/sugestões de atividades
que o professor pode trabalhar antes, durante e posteriormente à leitura do gênero em questão,
visando à melhor compreensão do aluno sobre o assunto que está sendo visto); exercícios referentes
à interpretação do texto selecionado para representar um gênero contemplado no módulo; e, por
fim, a seleção de outro texto (do mesmo gênero) que será usado como pretexto para desenvolver
questões gramaticais e linguísticas. Aspectos que podem ser comprovados nas figuras abaixo.

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 23

FIGURA 01 – Introdução (gênero textual poema)

O trabalho com os gêneros, como podemos observar, se dá tanto no âmbito teórico, ao


apresentar o quadro informativo sobre a definição, características e situações de comunicação do
gênero em questão, como no âmbito prático, com exercícios que exigem do aluno uma compreensão
sobre a estrutura e o conteúdo apresentados por aquele gênero. Na figura 01, que acabamos de
apresentar, é possível notarmos que as autoras do livro em análise elaboraram questões que
discutem diretamente o gênero poema, pondo, assim, em prática os conhecimentos que o aluno
obteve acerca do gênero, seja durante a leitura do capítulo ou no decorrer das aulas.
Já no que diz respeito ao trabalho gramatical, podemos notar que o texto não é o centro das
atenções, pois deixará o papel de protagonista que ocupava nos exercícios que priorizavam seu
estudo e entendimento e passará o protagonismo para os conteúdos gramaticais, servindo, assim,
apenas de pretexto para o estudo linguístico. Vejamos:

SUMÁRIO
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FIGURA 02: Estudo Gramatical (gênero textual poema)

SUMÁRIO
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Como bem vimos nas figuras 01 e 02, o livro se propõe, em um primeiro momento, a
realizar um trabalho, direta e genuinamente, com os gêneros textuais, no caso em análise, com o
poema, para só depois explorar os aspectos linguísticos.
Vejamos, agora, como o livro trabalha com o gênero notícia.

FIGURA 03 – Introdução (gênero textual notícia)

Na figura 03, a abordagem do gênero notícia segue os mesmos passos do trabalho que foi
realizado com o gênero poema (Figura 01). Em uma primeira seção, foi mostrado o texto pelo texto,
trazendo para o aluno um maior contato com o gênero, atribuindo ao gênero o caráter social ao qual
Marcuschi se refere. Nessa lógica, tanto o módulo que destaca o gênero poema (gênero literário)

SUMÁRIO
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quanto o que destaca a notícia (gênero não literário) dão aos gêneros o mesmo tratamento, sem
distinções nem quanto ao fato de um ser literário e o outro não literário nem quanto às séries a que
se destinam.

FIGURA 04: Estudo Gramatical (gênero textual notícia)

A figura 04 tem como ponto de partida o trabalho com o texto, objetivando desenvolver com
os alunos atividades gramaticais, utilizando o texto apenas como uma “ferramenta”, como um
“canal” para se aplicar os conhecimentos do aluno sobre os pronomes possessivos, como bem
podemos ver na figura 04, acima.
Percebemos que a gramática prescritiva ainda é muito utilizada e cobrada nos exercícios dos
livros didáticos, pois é tida como a linguagem “correta”, que todos nós devemos aprender. Nesse
contexto, Doretto e Beloti (2011, p. 94) afirmam que:

SUMÁRIO
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A concepção de gramática dessa tendência é a gramática prescritiva ou tradicional


(GT): conjunto de regas que devem ser seguidas, que corresponde ao conjunto de
todas as regras e normas impostas para falar e escrever bem, de acordo com a
norma culta, com os clássicos.

Por ser vista como um conjunto de regras tradicional, a abordagem da gramática prescritiva
não é abandonada inteiramente pelos livros, mas isso não impede que ela tenha o seu espaço
dividido com seções, como, por exemplo, a da abordagem do texto pelo texto. Esse processo dúbio
de tratamento do texto, no que diz respeito às seções – em uma primeira parte explora-se o
interpretativo e em uma segunda o gramatical – aparece em todos os módulos do livro, sem
restrições a classificações de gêneros (literário ou não literário).

Conclusão

Considerando que nossa pergunta de pesquisa e nossos objetivos visaram fazer uma análise
do tratamento dado aos gêneros literários e não literários, bem como de qual tipo de gênero
(literário ou não) tem maior destaque no livro didático, percebemos que o tratamento que é dado aos
gêneros não se distingue no que diz respeito à classificação, mas sim à seção na qual o gênero
(texto) estará inserido – de interpretação ou de estudo do texto ou gramatical – o que nos indica que
a o tratamento de um gênero para o outro não é diferenciado, mas a divergência está no que diz
respeito ao foco do tratamento.

Referências

BELTRÃO E GORDILHOS. Língua Portuguesa: Diálogo em Gêneros. 6º ano. 2º. ed. São Paulo; FTD, 2016.
DORETTO, S.A; BELOTI, A. Concepções de linguagem e conceitos correlatos: a influência no trato da língua e da
linguagem. Campo Mourão: Revista Encontros de Vista, 8º ed. p. 89-103.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. 4º ed. Rio de Janeiro, Lucerna, 2005.

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O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA: ANÁLISE


TIPÓLOGICA DE UMA ATIVIDADE DE COMPREENSÃO

Larissa Brito dos Santos1

Introdução

A leitura é um dos principais objetos de estudo da língua portuguesa na educação básica. Ler
não pode se resumir a decodificar palavras ou juntar sílabas, como se pensava anteriormente, pois a
leitura deve estar sempre associada à compreensão de textos, de acordo com a visão
sociointeracionista da linguagem, que afirma que ler é compreender, interpretar, inferir, identificar e
dialogar, visto que a leitura é um processo de interação com o texto e consequentemente com o seu
autor e contexto de produção (KOCH; ELIAS, 2006). O processo de leitura é um hábito muito
comum e importante na contemporaneidade e que é salutar para a vida em sociedade. Logo,
podemos afirmar que a leitura é um processo ativo que busca a formulação de um sentido, ou seja,
da compreensão.
Para que o processo de atribuição de sentido de um texto seja satisfatório, uma série de
elementos deve ser levada em consideração. Com o intuito de avaliar se as atividades de leitura e
compreensão executadas na educação básica levam em conta esses elementos e cumprem os seus
objetivos, decidiu-se por analisar o livro didático utilizado em uma turma de 8º ano, em uma escola
da capital paraibana, a partir da seguinte proposição: Como as atividades de leitura e compreensão
de textos são apresentadas no livro didático em uma turma da educação básica?
A motivação que resultou nesse questionamento surgiu a partir da vivência de uma
disciplina de estágio supervisionado com alunos do ensino fundamental que utilizavam,
primordialmente, o livro didático e suas atividades nas aulas de leitura e compreensão de textos.
Com a possibilidade de adquirir esse material didático, a análise se fez possível, tanto quanto
necessária, visto ser um livro amplamente utilizado nas escolas públicas do Brasil e considerando
também que a realidade de grande parte dos professores da educação básica não lhes permite
elaborar atividades mais individualizadas e que levem em consideração as turmas e suas
especificidades, tornando o livro como base para o ensino-aprendizagem.

O que é leitura?

Aprender a ler é uma das primeiras cobranças que recebemos da sociedade ainda na
infância. Apesar de reconhecermos que a importância da leitura é algo consensual, o que é leitura?
No que consiste o ato de ler?

1
Graduanda em Letras Português (UFPB). larissabs1@hotmail.com

SUMÁRIO
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De acordo com Koch e Elias (2006), três são as concepções de leitura existentes até a
atualidade, sendo estas associadas à diferentes concepções de língua e consequentemente de sujeito,
de texto e de sentido.
Se levarmos em consideração a concepção de que a língua é a representação do pensamento
e o texto é o produto desse pensamento entenderemos a leitura como mera captação das ideias do
autor, desconsiderando os demais aspectos. Essa concepção tem foco no autor do texto.
Quando a concepção de língua é o código, um instrumento de comunicação e o texto um
produto a ser decodificado, o foco está no texto e a leitura é voltada para a significação das palavras
e das estruturas.
Já numa concepção de língua como evento sociocomunicativo e interacional a leitura é um
ato interativo e complexo que está na relação entre o autor, o texto e o leitor, levando em
consideração aspectos da subjetividade e da intencionalidade na produção de sentidos.
Logo, o processo de leitura exige uma participação ativa do leitor, que precisa se posicionar
de maneira crítica perante o texto, indo além da sintaxe, mas explorando os aspectos semânticos e
pragmáticos da língua. Essa concepção de leitura também é explicitada nos Parâmetros Curriculares
Nacionais - PCN (1998, p. 69-70):

A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e


interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o
assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem etc. Não se trata de
extrair informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de
uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e
verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos
que possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de
dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto
suposições feitas. Um leitor competente sabe selecionar, dentre os textos que
circulam socialmente, aqueles que podem atender a suas necessidades, conseguindo
estabelecer as estratégias adequadas para abordar tais textos. O leitor competente é
capaz de ler as entrelinhas, identificando, a partir do que está escrito, elementos
implícitos, estabelecendo relações entre o texto e seus conhecimentos prévios ou
entre o texto e outros textos já lidos.

A partir disso, depreende-se que os livros didáticos de língua portuguesa apresentam


atividades de leitura e compreensão que estejam em consonância tanto com as concepções de língua
exigidas pelos PCN, quanto com as proposições concernentes ao que tem sido desenvolvido pela
academia na área, principalmente fundamentados no trabalho de professores e pesquisadores que
lidam com as principais dificuldades enfrentadas pelos alunos no cotidiano escolar.

Livro Didático e PNLD

O Livro Didático é um material utilizado como suporte para os professores e alunos e


geralmente apresenta o conteúdo total ou parcial das disciplinas curriculares da educação básica.
Foi instituído oficialmente no Brasil a partir de 1938 e a partir de então passou a ser um
representante de concepções ideológicas, de língua, de marketing e da sociedade, de acordo com

SUMÁRIO
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Ota (2009). Ele surgiu a partir da grande expansão da educação no Brasil, que fez com que a
demanda de alunos superasse a de professores qualificados para essa tarefa, forçando uma onda de
cursos rápidos que buscassem suprir essa demanda. Esse tipo de estratégia resultou em professores
com uma formação teórica insuficiente, não-qualificados e consequentemente desvalorizados.
Nesse contexto, surgia o LD, que tinha como objetivo atenuar as deficiências na formação dos
professores trazendo um manual com atividades, textos, conteúdos e respostas pré-estabelecidas.
Nesse sentido,

como há uma deficiência muito grande nas políticas de formação continuada, o LD


acaba funcionando, muitas vezes, como mecanismo de atualização profissional ainda
que não seja essa sua função. Assim, um instrumento que deveria ser visto de forma
crítica acaba por orientar o trabalho docente. (OTA, 2009, p. 4)

Para que os materiais didáticos distribuídos pelo país pudessem seguir um padrão de
qualidade que perpassasse o marketing das editoras e os acordos com as escolas, funcionando
também como uma forma de institucionalização das políticas de aquisição, distribuição e avaliação,
foi criado o Programa Nacional do Livro Didático - PNLD. De acordo com o MEC, o objetivo do
PNLD é “subsidiar o trabalho pedagógico dos professores por meio da distribuição de coleções de
livros didáticos aos alunos da educação básica”. Nesse programa, os livros são avaliados pela
Coordenação Geral de Materiais Midiáticos (COGEAM) podendo ser ou não aprovados de acordo
com os critérios estabelecidos. Em seguida, os professores das escolas recebem uma lista com o
acervo dos livros aprovados e podem escolher o material com o qual irão trabalhar em ciclos de três
anos.
Apesar de ser um importante instrumento de regulamentação, ainda assim, os LD de Língua
Portuguesa ainda possuem algumas inconsistências, principalmente quanto à articulação dos eixos
da língua, a variação linguística, e como iremos tratar neste livro, nas atividades de leitura e
compreensão, entre outros.

Atividades de leitura no LD

Marcuschi (2001) analisou os livros didáticos de língua portuguesa, com foco nas atividades
de compreensão, em cerca de 60 manuais. Para ele, uma das principais deficiências nesse tipo de
material didático é a própria concepção de língua, que muitas vezes não era explicitada ou não
estava em consonância com os estudos linguísticos atuais. Assim, as concepções de língua
subjacentes às atividades tomavam a língua como instrumento de comunicação, que se assimila à
segunda concepção de leitura apresentada por Koch e Elias, em que a leitura é voltada para a
significação das palavras e das estruturas.
Nas atividades voltadas para a compreensão de textos, alguns problemas foram identificados
por Marcuschi, sendo estes os mais presentes:

- A atividade de compreensão é considerada uma atividade de decodificação ou de cópia;


- As questões de compreensão estão associadas à perguntas que não se relacionam com o
assunto;
- As questões de compreensão não se relacionam com o texto;
SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 31

- Os exercícios não levam a reflexões críticas sobre o texto, como se a compreensão se


resumisse à identificação de conteúdos.

Os aspectos supracitados sugerem que, apesar da importância da compreensão dos textos


somada ao exercício da reflexão crítica, os LDLP, em sua maioria, não apresentam atividades de
leitura e compreensão que realmente sejam adequadas para que o aluno consiga efetivamente dar
um salto qualitativo em relação à leitura realizada. Marcuschi (2001) relaciona quais são os tipos de
perguntas mais presentes nesses manuais, afirmando quais seriam mais ou menos adequadas para
essas atividades através da Tabela de Tipologia das Perguntas de Compreensão em LDLP.

Tabela 1: Tipologia de Perguntas de Compreensão

Tipos de Perguntas Explicitação Exemplos

1. A cor do São P não muito frequentes e de *Ligue


cavalo branco perspicácia mínima, auto-respondidas
de Napoleão pela própria formulação. Assemelham-
se às indagações do tipo: “Qual a cor
Lilian Preciso falar sobre o
do cavalo branco de Napoleão?”
que aconteceu.

Mãe Não, mãe. Eu preciso


falar. Eu menti para você.

2. Cópias São as P que sugerem atividades *Copie a fala do trabalhador


mecânicas de transcrição de verbos, de
frases ou palavras. Verbos frequentes *Retire do texto a frase que...
aqui são: copie, retire, aponte, indique,
*Copie a frase corrigindo-a
transcreva, complete, assinale,
de acordo com o texto.
identifique, etc.
*Transcreva o trecho que fala
sobre...
*Complete de acordo com o
texto.

3. Objetivas São as P que indagam sobre conteúdos *Quem comprou a meia


objetivamente inscritos no texto (O azul?
que, quem, como, quando e onde...)
numa atividade de pura decodificação. *O que ela faz todos os dias?
A resposta acha-se centrada
*De que tipo de música
exclusivamente no texto.
Bruno mais gosta?
*Assinale com um X a
resposta certa.

4. Inferenciais Essas P são as mais complexas; *Há uma contradição quanto


Exigem conhecimentos textuais e ao uso da carne de baleia no

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outros, sejam pessoais, contextuais ou Japão. Como isso aparece no


enciclopédicos, bem como regras texto?
inferenciais e análise crítica para busca
de respostas.

5. Globais São as P que levam em conta o texto *Qual a moral dessa história?
como um todo e aspectos extra-
textuais, envolvendo processos *Que outro título você daria?
inferenciais complexos.
*Levando-se em conta o
sentido global do texto, pode
conclui que...

6. Subjetivas Estas P em geral têm a ver com o texto *Qual a moral dessa história?
de maneira apenas superficial, sendo
que a R fica por conta do aluno e não *Que outro título você daria?
há como testá-la em sua validade.
*Levando-se em conta o
sentido global do texto,
pode-se concluir que...

7. Vale-tudo São as P que indagam sobre questões *De que passagem do texto
que admitem qualquer resposta não você mais gostou?
havendo possibilidade de se equivocar.
A ligação com o texto é apenas um *Se você pudesse fazer uma
pretexto sem base alguma para a cirurgia para modificar o
resposta. funcionamento do seu corpo,
que órgão você operaria?
*Justifique sua resposta.

8. Impossíveis Estas P exigem conhecimentos *Dê um exemplo de


externos ao texto e só podem ser pleonasmo vicioso (não
respondidas com base em havia pleonasmo no texto e
conhecimentos enciclopédicos. São isso não fora explicado na
questões antípodas às de cópia e às lição).
objetivas.
*Caxambú fica onde? (O
texto não falava de
Caxambú).

9. Metalinguística São as P que indagam sobre questões *Quantos parágrafos tem o


s formais, geralmente da estrutura do texto?
texto ou do léxico, bem como de partes
textuais. *Qual o título do texto?
*Quantos versos tem o
poema?
*Numere os parágrafos do
texto.
Fonte: MARCUSCHI (2001)

SUMÁRIO
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A categorização apresentada neste quadro foi usada como critério de classificação na análise do
corpus desse artigo.

Metodologia

A pesquisa apresentada utilizou o método dedutivo, visto que partiu de uma constatação de
que os alunos de Língua Portuguesa, ao realizarem as atividades do LDLP, não avançavam
cognitivamente de forma significativa no que cerne à compreensão de textos proposta pelas
atividades de leitura. A partir daí, buscaram-se evidências que pudessem confirmar ou refutar essa
proposição através da análise de uma atividade do LD, selecionada a partir da sequenciação dos
conteúdos no plano curricular da disciplina, à luz da tabela de tipologia de perguntas de
compreensão, elaborada por Luiz Antônio Marcuschi (2001).
A mesma atividade foi aplicada em uma turma com os alunos do 8º ano do EF de uma
escola estadual em João Pessoa, seguida de um questionário objetivo que buscou compreender as
principais dificuldades encontradas pelos alunos na realização das atividades propostas pelo LD. A
pesquisa utilizou da abordagem quali-quantitativa, de acordo com os parâmetros apresentados por
Bertoni-Ricardo (2008), utilizando-se do método quantitativo, ao analisar os dados coletados
através dos questionários e na classificação das questões presentes nas atividades do livro didático
Português, Linguagens, (CEREJA; MAGALHÃES, 2015) utilizado nessa turma. Já do ponto de
vista qualitativo, avaliamos os resultados das análises ao relacionar as dificuldades de compreensão
encontradas pelos alunos com as perguntas classificadas como adequadas ou inadequadas por
Marcuschi (2001).
Trata-se de uma pesquisa de campo, haja vista que o pesquisador inseriu-se na realidade
escolar, para obter os resultados desejados, especificamente, se o LD cumpre o seu objetivo de
auxiliar na compreensão de textos a partir das atividades de leitura que apresenta. Foram
ministradas duas horas/aula que seguiram, respectivamente, as seguintes etapas:
Etapa 1: Leitura do texto proposto no LD;
Etapa 2: Leitura e realização das atividades propostas na seção Compreensão e
Interpretação no LD;
Etapa 3: Preenchimento de questionário sobre as atividades realizadas.

Análise de uma atividade de leitura no LD à luz da tabela de tipologia de perguntas de


compreensão

O livro didático de Português escolhido para a análise é Português, Linguagens, 8º ano,


escrito por William Cereja e Thereza Cochar Magalhães e publicado no ano de 2015 em sua 9ª
edição. Esse livro é amplamente utilizado nas escolas, principalmente em escolas públicas do
Brasil. A escolha desse livro se deu por meio da avaliação do material didático da turma do 8º ano
na escola estadual selecionada, no período de Estágio Supervisionado. Durante as observações das
aulas, ao se constatar que o livro didático guiava as aulas de português tanto em aspectos de
conteúdo quanto na seleção de textos literários e discursivos, percebeu-se pouca motivação por
parte dos discentes em realizar as atividades propostas. Muitas eram as queixas, sobretudo em

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relação à quantidade exaustiva de questões e na dificuldade de realizá-las, que deram origem ao


questionamento que guia essa pesquisa.
O livro didático está organizado em quatro unidades temáticas, uma para cada bimestre
escolar. São elas: Humor: entre o riso e a crítica, Adolescer, Consumo e Ser diferente. Cada unidade
se organiza em três capítulos sobre o tema que se iniciam com um texto literário, uma atividade de
compreensão e quatro atividades de linguagem relacionadas ao texto, uma seção de produção de
texto e quatro de conteúdos de análise linguística. A concepção de língua apresentada no livro
didático é a de linguagem como forma de emitir opiniões, expressar dúvidas, desejos, emoções,
ideias e receber mensagens, ou seja, a língua como um instrumento de comunicação.
A atividade de leitura e compreensão analisada foi escolhida a partir da sequência de
atividades e conteúdos, sendo, então, a atividade posterior à última realizada em sala de aula. Nesse
livro, as atividades de leitura e compreensão são apresentadas em seções denominadas
Compreensão e Interpretação. Existem também outras seções, são elas: A linguagem do texto,
Leitura expressiva do texto, Cruzando linguagens e Trocando ideias, podendo aparecer outras
seções a depender do gênero abordado.
A atividade selecionada abre a Unidade 2, denominada Adolescer, com um capítulo
intitulado “Na porta da vida”. O texto utilizado é Porta de Colégio, de Affonso Romano de
Sant’Anna.

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A análise das 17 questões apresentadas na atividade de leitura referentes ao texto A porta da


vida resultou em 7 questões do tipo cópias, 4 questões objetivas, 5 questões inferenciais e uma
questão global, como podemos observar a seguir:

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A primeira questão da atividade de compreensão é uma questão objetiva, como classifica


Marcuschi (2001). O item a exige que o aluno realize uma atividade de decodificação, visto que as
respostas esperadas estão inseridas unicamente no próprio texto sem que haja necessidade de que
processos cognitivos facilitadores da compreensão sejam realizados. A questão também aponta em
que lugar do texto as respostas deverão ser localizadas, no caso, no primeiro parágrafo.

1) No 1º parágrafo, o narrador traça um paralelo entre a porta do colégio e a porta da


vida.
a) A que se refere a palavra aquilo na frase “me veio uma sensação
nítida de que aquilo era a própria porta da vida”?

Já o item b é uma questão global, pois requer uma resposta que não está inserida de forma
específica no texto mas que pode ser subentendida a partir de uma observação geral das
informações presentes, associando-as com conhecimentos de mundo, para que seja capaz de
compreender a metáfora que o permeia.

b) Interprete: De acordo com o texto, o que é a porta da vida?

Na primeira questão do segundo item, trata-se de um processo de cópia. Nela, os alunos


deverão reler o parágrafo já indicado, identificar a crítica e transcrevê-la, de modo que poucos
processos cognitivos são ativados em sua resolução, como vemos a seguir:

2) Ainda no 1º parágrafo, o narrador percebe que a sensação que teve pode ser alvo
da crítica de seu leitor.
a) Que frase evidencia essa consciência?

No item b surge uma pergunta inferencial. Essa é uma forma de aprimorar o pensamento
crítico e as habilidades argumentativas dos alunos, visto que exigem conhecimentos textuais e
extra-textuais na formulação das respostas.

b) Por que a sensação que o narrador teve poderia ser qualificada dessa
forma?

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3) O narrador para diante da cena com o objetivo de “ver melhor o que via e
previa”.
a) Que parágrafo do texto descreve o que ele via?
b) Que parágrafos descrevem o que ele previa?

Os dois exercícios supracitados são atividades de cópia, mas que exigem outros processos
em menor grau. Neles, deverá existir a identificação dos parágrafos que apresentam ações descritas
pelo narrador. Ora, a simples identificação e cópia não exige muito do aluno, mas o modo como as
questões foram formuladas exigem um nível de compreensão, visto que as informações não são
literais e não estão marcadas objetivamente.
No quarto item, ambos os subitens são formados por questões objetivas. São perguntas nas
quais as respostas podem ser encontradas no próprio texto e que, mesmo com uma leitura rasa,
conseguem ser respondidas, pois não exigem interpretação.

4) Ao reparar no que vê, o narrador distingue dois grupos: um “bando de adolescentes


espalhados pela calçada” e “aqueles que transitam pela rua”.

a) Qual desses grupos já atravessou a porta da vida?


b) Além do uniforme e da idade, o narrador percebe uma diferença mais sutil entre os
dois grupos. O que caracteriza o grupo dos que ainda vão entrar pela “porta da
vida”?

Já na quinta questão, os dois primeiros subitens, a e b, respectivamente, necessitam


meramente de uma atividade de cópia e exigem baixo índice de autonomia por parte do aluno, pois
situam até mesmo o parágrafo em que as resoluções devem ser encontradas.

5) Situados entre a infância e a vida adulta, alguns adolescentes que começaram a


entrar pela “porta da vida” já sofrem os primeiros impactos da vida.
a) Que palavras ou expressões empregadas no 2º parágrafo, de sentidos opostos
entre si, mostram a fase de transição vivida pelos adolescentes?
b) Que exemplo de impacto é mencionado no texto, no 2º parágrafo?

Entretanto, no subitem c, observamos uma questão inferencial. Ele extrai uma informação,
no caso um período, do texto, e solicita do aluno uma interpretação, que é aliada não só com o
conhecimento adquirido a partir do texto como também de seu conhecimento de mundo, de outros
textos lidos e até mesmo de situações por ele já vivenciadas.

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c) Interprete a frase: “Aprenderam que a vida é também um exercício de


separação”.

A questão seguinte também é objetiva. As previsões apontadas pelo narrador são tomadas
por contrastes que evidenciam não só otimismo, como também pessimismo por parte dele. Essa
resposta é facilmente decodificada apenas com a leitura do texto.

6) Observe como é o futuro que o narrador prevê para cada um dos adolescentes.
a) As previsões são todas otimistas?

Na sequência, temos dois subitens com questões inferenciais. Nelas, como dito
anteriormente, os alunos têm a oportunidade de estabelecer relações que não se limitam apenas ao
texto, mas o extrapolam, estimulando a reflexão crítica e estabelecendo processos cognitivos que
geram um salto qualitativo.

b) O que ele prevê para esses jovens é diferente daquilo que são os adultos
hoje?
c) De acordo com a visão do narrador, esses jovens, no futuro, vão transformar
o mundo? Por quê?

Na questão 7 em seus subitens a e b, temos exercícios de cópia que também exigem baixo
índice de autonomia por parte dos alunos, visto que são facilmente identificáveis e tem até mesmo a
localização das respostas apontadas.

7) No último parágrafo, o narrador faz uma reflexão final sobre a cena que vê na frente da
escola.
a) Que sentimento ele revela ter pelos adolescentes que se preparam para entrar
pela “porta da vida”?
b) Que imagem ele utiliza para representar a chegada da vida futura? Ela é
positiva ou negativa? Por quê?

A última questão apresentada é do tipo inferencial, pois o texto apresenta aspectos positivos
e negativos que podem levar a ambas as respostas, a depender do raciocínio argumentativo
apresentado na explicação.

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c) Na visão do narrador, a vida é uma fatalidade ou ainda há esperança para


cada um dos adolescentes? Explique.

No exercício não foram encontradas questões de caráter “impossível”, “metalinguístico”,


“vale-tudo”, “subjetivo” ou “a cor do cavalo branco de napoleão”, como classificados por
Marcuschi (2001). Para ele, os tipos de questões mais adequados para atividades de compreensão
são as inferenciais e globais, que representam 35% dos exercícios de compreensão analisados. Já os
demais tipos de questões são considerados pouco eficazes para o processo de compreensão de
textos. Nesse exercício específico existem questões do tipo cópia e objetivas, que juntas compõem
65%, ou seja, mais da metade dos exercícios propostos.

Relação entre a análise tipológica e os questionários objetivos

A atividade analisada no capítulo anterior foi aplicada com alunos do 8º ano do Ensino
Fundamental no dia 17/05/2017. Participaram da aula 21 alunos em uma turma com cerca de 35
pessoas. O texto foi lido individualmente por todos e em seguida, lido pela professora estagiária.
Em seguida, as questões também foram lidas mas as dúvidas dos alunos não foram discutidas
devido ao propósito da pesquisa. Os alunos realizaram as atividades propostas no LD e
preencheram o questionário apresentado no Apêndice A, que resultou nos seguintes dados:

Tabela 2: Avaliação do texto literário

Avaliação do texto literário

Ótimo 33,3%

Bom 14,3%

Regular 52,4%

Ruim 0%

Péssimo 0%

Fonte: Elaboração própria

O alto índice de aceitação do texto literário apresentado no livro didático pode estar
relacionado a aspectos que levam em consideração o repertório do público-alvo: a extensão, a
linguagem, o tema, o gênero. Todos esses itens são primordiais para a seleção de um texto,
principalmente se utilizado no ambiente escolar, para que os alunos se sintam motivados e
participem efetivamente do ato de leitura.

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Em seguida, foi avaliado o nível de dificuldade apresentado pelos alunos na execução da


atividade de compreensão relacionada ao texto.

A maior parte dos alunos (38,1%) afirmou ter um nível médio de dificuldade na realização
dos exercícios de compreensão, apesar de constatarmos que a turma não possui um nivelamento
nesse aspecto, visto que apresentaram índices muito flutuantes nesse quesito.
O terceiro item do questionário buscava relacionar as questões que fossem consideradas
mais difíceis pelos alunos.

Tabela 3: Questões com alto grau de dificuldade

Alto grau de dificuldade

Questão Quantidade de votos Tipo

7a 12 cópia

4b 10 objetiva

6a 10 inferencial

7c 9 inferencial

2b 7 inferencial

Fonte: Elaboração Própria

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O tipo de questão que mais apareceu dentre os elevados índices de dificuldade na resolução
dos exercícios foram as questões inferenciais. De acordo com Marcuschi, as questões inferenciais
são consideradas mais difíceis por exigirem maior raciocínio por parte dos alunos. As questões
objetivas e de cópia podem estar presentes entre as mais difíceis tanto pelo grande número de
exercícios propostos (que precisaram ser realizados em apenas duas horas/aula), quanto pela falta de
atenção dos alunos ao lerem o texto e compreenderem as perguntas.
Em contrapartida, elencamos também as questões consideradas mais fáceis pelos alunos.
Dentre essas questões, uma é considerada global, duas são objetivas e duas são questões de cópia.
Concluímos, a partir dos dados, que as questões que compõem a primeira parte do exercício de
compreensão são consideradas mais fáceis do que as que compõem a segunda parte, sugerindo uma
progressão da dificuldade a ser enfrentada na resolução dos exercícios. Também é possível
depreender desses dados que as questões que proporcionam menor nível de autonomia, e por isso
são consideradas mais fáceis, resultam em um menor avanço cognitivo por parte do aluno leitor.

Tabela 4: Questões com baixo grau de dificuldade

Baixo grau de dificuldade

Questão Quantidade de votos Tipo

1a 16 Objetiva

1b 16 Global

3a 8 Cópia

3b 8 Cópia

4a 7 Objetiva

Fonte: Elaboração Própria

Quando questionados em relação ao número de questões presentes na atividade, obtivemos


que os alunos consideraram regular, em sua maioria, porém, nenhum dos alunos entregou a
atividade completa, com a resolução de todos os exercícios propostos, o que leva a crer que o tempo
estipulado para a realização da atividade não foi suficiente.

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Em relação ao nível de autonomia, ao responderem as questões apresentadas na atividade de


compreensão, visando constatar até que ponto era necessário se prender ao texto ou recorrer a
conhecimentos extra-textuais (outras leituras, conhecimentos de mundo, etc), os alunos, em sua
maioria, afirmaram ter o nível 8 de autonomia (28,6%). Esse resultado é esperado devido a presença
de questões globais e inferenciais na atividade, ainda que estas sejam minoria.

Com isso, observamos que as estratégias apontadas por Marcuschi (2001) apresentam uma
resolução para uma grande dificuldade dos livros didáticos de língua portuguesa: elaborar questões
que realmente propiciem a compreensão dos textos por parte dos alunos. Um exercício conforme o
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apresentado, que apresenta um baixo nível de questões consideradas adequadas e que não exigem,
em sua maioria, autonomia por parte dos alunos, não propiciam uma emancipação real, tendo
poucos avanços cognitivos e fazendo com que as mesmas dificuldades encontradas pelos alunos
surjam também na interpretação de outros textos.
A análise do Livro Didático de Língua Portuguesa ora apresentada constatou uma
proposição já confirmada por Marcuschi em suas análises. O número excessivo de atividades do
tipo cópia (41,2%) e objetivas (23,5%) dá a entender que a atividade de compreensão é considerada
pelos professores e autores dos manuais como uma atividade de decodificação, desvelando a partir
disso suas próprias concepções - embora defasadas- de língua. Apesar disso, cerca de 35% dos itens
era composto por questões do tipo global ou inferencial que são consideradas adequadas para
atividades de compreensão, fazendo com que avanços e reflexões críticas sobre o texto sejam
trazidas à tona e proporcionando um salto qualitativo e interpretativo.

Considerações Finais

O artigo apresentado partiu de um questionamento acerca da (d)eficiência das atividades de


compreensão presentes nos Livros Didáticos de Língua Portuguesa e consequentemente nos
avanços cognitivos apresentados pelos alunos, em relação ao texto, após executarem esse tipo de
atividade. Fundamentando-se a partir da concepção de que a leitura é uma atividade interativa e que
exige uma participação ativa e uma reflexão crítica por parte do leitor, observamos que o LDLP
analisado ainda apresentava um posicionamento acerca da língua como se a leitura se resumisse a
um ato de decodificação, fato constatado a partir do alto índice de questões que, de acordo com a
Tabela Tipológica de Atividades de Compreensão (Marcuschi, 2001), eram consideradas
inadequadas, visto que pouco contribuem para um salto qualitativo para aqueles alunos.

Referências

BERTONI-RICARDO, S. M. O professor pesquisador: introdução à pesquisa qualitativa. 2ª ed. São Paulo: Parábola
Editorial, 135 p.

BRASIL. Ministério da Educação. Plano Nacional do Livro Didático. Disponível em


<http://portal.mec.gov.br/pnld/apresentacao>. Acesso em: 09 mai. 2017.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro
e quarto ciclos do Ensino Fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em
<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf

>. Acesso em: 09 mai. 2017.

CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português, Linguagens, 8º ano. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 288 p.

ELIAS, V. M., KOCH, I. V. Ler e compreender: os sentidos do texto. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 216 p.

MARCUSCHI, L. A.. Compreensão de texto: algumas reflexões. In: DIONÍSIO, Â. P.; BEZERRA, M. A. O livro
didático de português: múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001.

OTA, I. A. S. O livro didático de Língua Portuguesa no Brasil. Educar, Curitiba, Curitiba, n. 35, p. 211-221, 2009.

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APÊNDICE A

Questionário

1)Qual sua opinião sobre o texto apresentado pelo livro didático?

péssimo ruim regular bom ótimo

2) Você teve dificuldades na execução da atividade de leitura proposta pelo livro didático?

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

3) Marque as questões que você considerou mais difíceis, em sua opinião, na atividade realizada.

1a 1b 2a 2b 3a 3b 4a 4b 5a 5b 5c 6a 6b 6c 7a 7b 7c

4) Marque as questões mais fáceis, em sua opinião, da atividade realizada.

1a 1b 2a 2b 3a 3b 4a 4b 5a 5b 5c 6a 6b 6c 7a 7b 7c

5) O que você acha do número de questões presentes na atividade?

péssimo ruim regular bom ótimo

6) Qual seu nível de autonomia no momento de responder às questões propostas?

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

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GRAMÁTICA E ENSINO:
Uma análise diacrônica através do Livro Didático

Reginaldo Ponciano da Silva Júnior1

Introdução

O ensino da gramática, a partir da década de 1980, configura-se em um quadro de constante


transformação, abrangendo novas perspectivas no cenário linguístico. Esse contexto pode ser
observado a partir da inserção do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) na educação
brasileira, apontando para mudanças significativas no ensino da gramática.
Desse modo, observar-se-á que essas mudanças ocorreram a partir da década de 1980, com a
introdução do PNLD. Antes desse período, tínhamos uma educação linguística baseada na
abordagem da gramática sistemática- que não pontuava os usos e as variações. Posteriormente, com
a inserção do PNLD, nota-se o ensino da língua inserido nas diversas situações de uso,
configurando novos avanços no estudo do Português.
Para compreender o ensino da gramática, é necessário entendermos o significado desse
termo. Para isso, utilizaremos os conceitos de Luis Carlos Travaglia e de Amini Boainain Hauy,
apontando as peculiaridades contidas nas diferentes concepções de língua e de gramática. Além
disso, verificaremos as mudanças históricas ocorridas antes e depois da inserção do PNLD e quais
foram as implicações para o ensino da Língua.
Nesse contexto, faremos uma análise diacrônica das mudanças ocorridas nos estudos
gramaticais. Para isso, utilizaremos dois livros didáticos de períodos distintos, estabelecendo
apontamentos sobre as modificações que foram estabelecidas em um período de trinta anos, tendo
como corpora dois livros didáticos de épocas diferentes: o primeiro, de 1972, o segundo- de 2002.
Dessa forma, estabeleceremos uma comparação entre os dois livros didáticos, com o intuito
de mostrar as mudanças realizadas no ensino gramatical. Para isso, mostraremos a teoria e algumas
atividades contidas em cada LD, demonstrando as particularidades concernentes a cada um.

Observação sobre os Conceitos de Gramática

Possuindo vários sentidos e estando inserida em diferentes contextos, a gramática sempre


esteve presente nos estudos da linguagem, apresentando-se em variadas perspectivas. A partir disso,
vejamos quais são essas perspectivas na visão de Travaglia e de Hauy.

A gramática sob o olhar de Amini Boainain Hauy (2015)

O termo “Gramática” advém do grego grammatiké , significando a “arte de ler e escrever”.


Com isso, observamos que essa palavra, hoje, possui um sentido polissêmico, referindo-se a
diversas perspectivas no âmbito da fala e da escrita. A gramaticista brasileira Amini Boainain Hauy
elenca quatro dimensões no estudo dessa categoria, as quais: a gramática descritiva, histórica,
comparativa e a normativa.
1
Graduando em Letras Português na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) rponcianojunior@hotmail.com

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A gramática descritiva refere-se ao estudo da língua em um determinado momento histórico,


baseando no funcionamento dos mecanismos linguísticos. No viés histórico (ou diacrônico) do
estudo da gramática, observa-se uma análise baseada nas mudanças da língua através do tempo,
retratando as modificações gerais e pontuais ocorridas no campo linguístico.
A gramática comparativa, como o nome já indica, é uma categoria de estudo gramatical que
propõe uma análise comparativa entre as línguas, identificando as semelhanças e diferenças
ocorridas, principalmente, entre línguas derivadas, como o exemplo básico das línguas românicas
(Português, Francês, Espanhol) advindas do Latim.
Por último, Hauy apresenta a gramática normativa. Essa categoria é caracterizada pelo viés
didático, pois estabelece normas de bom uso da língua em determinado contexto social. Com isso,
observa-se que essa perspectiva da gramática advém da lógica aristotélica, configurando um
processo de padronização da língua.

A gramática segundo Luiz Carlos Travaglia

Travaglia (2009), na sua obra “Gramática e interação”, afirma que há onze tipos de
gramática. Com isso, observa-se que há uma pluralidade de sentidos que são estabelecidos em
relação a essa categoria. Desse modo, elencaremos alguns tipos que serão pertinentes ao nosso
trabalho com o intuito de exemplificar essa proposição de Travaglia.
A primeira refere-se à chamada Gramática normativa. Nesse tipo, os estudos apontam para a
análise dos fatos da língua padrão, estabelecendo critérios de “certo e errado” e expondo regras de
bom uso da língua. De forma análoga ao exemplo de Hauy, esse primeiro tipo apresenta-se como
uma padronização da linguagem, caracterizando uma normatividade da língua O segundo tipo
intitula-se Gramática descritiva, preocupando-se em observar a funcionalidade da língua, dando
preferência ao estudo da forma oral da linguagem, diferentemente de Hauy que trata da língua
escrita e da língua oral.
Posteriormente, o teórico elenca a gramática internalizada, referindo-se ao “mecanismo
natural” que o falante dispõe para a viabilização da comunicação. De forma análoga vemos o tipo
implícito que difere apenas no sentido de que esse está intimamente relacionado com a linguagem
de uso. Depois, podemos observar o contexto da gramática histórica_ sendo aquela que acompanha
e estuda a evolução de uma língua através do tempo, caracterizando uma abordagem diacrônica.
Nesse viés, podemos exemplificar o estudo da Língua Portuguesa a partir do Latim vulgar,
observando as mudanças ocorridas até os nossos dias.

Um percurso histórico do livro didático e do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)

O livro didático teve sua trajetória pautada por instabilidades, caracterizando uma evolução
lenta e assistemática. Segundo Catiane Colaço de Bairro(2009), em seu artigo “Livro didático: um
olhar nas entrelinhas de sua história”, nos primeiros anos da Republica brasileira até meados da
década de 1930, a educação no Brasil tinha como material educativo as chamadas “cartilhas”-
herança do modelo português que influenciou a forma de aprendizado na ex-colônia. Contudo, essas
cartilhas constituíam um material esparso e de baixa qualidade, funcionando como um aparato de
grande valia educativa para aquela época.
Contudo, de acordo com Bairro(2009), em 1937 observa-se um relativo avanço: é criado o
Instituto Nacional do Livro (INL). Essa instituição colabora para a expansão da distribuição de
obras literárias, incentivando a formação cidadã da população- uma das propostas da forma de
governo republicana. O mesmo instituto também instiga a expansão das bibliotecas em âmbito
nacional.
De acordo com o portal do Fundo Nacional de desenvolvimento da educação (FNDE), no
ano seguinte (em 1938), o governo apresenta a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD) com
o intuito de fomentar e fiscalizar a produção dessa obra. Mas, consoante Catiane Colaço, faz-se
necessário mencionar que os referidos livros eram direcionados a uma parcela restrita da sociedade,

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A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 49

não abrangendo todo o território nacional. Durante esse período, observa-se que não havia um
apontamento para a valorização do livro didático, configurando, posteriormente, uma evolução lenta
nesse quesito.
Diante disso, é válido lembrar que na década de 1930 o Brasil é governado por Getúlio
Vargas. É no seu governo que o Livro didático passa a ser visto como um padrão a ser alcançado
para o ensino escolar. O mentor dessa perspectiva foi Gustavo Capanema- Ministro da educação do
Governo Vargas.
Ainda consoante o FNDE, em 1945 nota-se um avanço em relação à liberdade de escolha
das obras pelos professores. No ano citado, é criado o decreto-lei nº 8.460, de 26 de dezembro de
1945. No artigo quinto dessa legislação está descrito que o Estado não pode interferir na escolha e
nem obrigar a utilização de um determinado livro pelos professores, ou seja, esses tem liberdade
para estabelecer quais obras são mais compatíveis com o contexto escolar.
Posteriormente, de acordo com Bairro(2009), em 1966 é criada a Comissão do livro técnico
e do livro didático (COLTED). Com o intuito de fiscalizar a produção e a distribuição do LD, a
comissão também assegurou ao Ministério da Educação verbas para que fossem distribuídos 51
milhões de livros direcionados às escolas públicas. Foi a primeira remessa de distribuição em larga
escala direcionada ao setor público, de acordo com o referido Portal da educação.
A partir desse período, podemos salientar também as práticas de ensino em sala de aula que,
notadamente, é compatível com o conteúdo do LD. Em meados da década de 1960, com o golpe
militar, vemos a intensificação de um ensino tecnicista- baseado em uma educação autoritária e
altamente disciplinar (BAIRRO,2009, p.4). Com isso, o aluno figura-se como um receptor passivo
de uma aprendizagem predominantemente conteudista. De forma análoga, esse contexto era
refletido no ensino de língua materna, baseado nas regras de bom uso do idioma.
Muitas instabilidades na produção e na distribuição do LD estão relacionadas com esse
período. Contudo, a partir do processo de abertura política e com o fim do governo ditatorial,
segundo o portal do FNDE, em 1985 é criado o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).
Com a criação desse programa, foi garantida a liberdade de escolha da obra pelo professor, a
durabilidade das obras foi modificada: antes os livros eram praticamente descartáveis, com o PNLD
o material deve durar, no mínimo, três anos.
De forma gradual, o PNLD foi estabelecendo critérios para a reformulação do conteúdo das
obras. No ensino de língua, observamos uma mudança significativa: até os finais da década de 80
observa-se um ensino que enfatiza o aprendizado da língua como meio para “purificar” a fala do
estudante, apontando para uma perspectiva disciplinar no viés estudantil. Já a partir dos anos
noventa, iremos notar a inserção dos gêneros textuais e da variação linguística no LD.
A partir da segunda metade do século XX até os dias atuais, diversas foram as modificações
ocorridas no livro didático em relação ao ensino da gramática. Nessa perspectiva, observamos que
várias abordagens foram sendo modificadas ou melhoradas, levando em consideração o contexto
sócio-político ao qual à educação estava submetida. Sob essas influências, analisaremos dois livros
didáticos do Ensino Fundamental de períodos diferentes: o primeiro, do ano 1971, o segundo- do
ano 2005.
Pretendemos, dessa forma, viabilizar o entendimento das mudanças de aproximadamente
trinta anos, a partir das propostas do PNLD, estabelecendo comparações entre as teorias e as
propostas de atividade do LD.

Aspectos estruturais dos respectivos livros didáticos

O presente artigo viabiliza a seleção de dois livros didáticos de épocas distintas: o primeiro,
intitulado “Português Dinâmico”, de Siqueira e Bertolin, de 1972. O segundo, intitulado “Palavras”,
de Hermínio Sargentim, do ano 2002. A nossa pesquisa, de viés qualitativo e de caráter documental,
pretende analisar as abordagens gramaticais de cada obra citada, estabelecendo um paralelo entre as

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teorias e as atividades apresentadas em cada LD. Com isso, vejamos como o índice de cada obra
citada está disposto.
O índice do livro Português Dinâmico está disposto da seguinte maneira:
A partir do exemplário, observa-se que cada unidade do livro dispõe de um texto inicial.
Contudo, a unidade sempre enfatiza a proposta gramatical, como podemos notar com as sentenças
em negrito. Posteriormente é apresentada uma leitura suplementar- um texto menor que o inicial.
No final, apresenta-se uma proposta de redação para o aluno desenvolver.

Quadro1. Índice exemplificativo de Português Dinâmico:


1- Arte de ser Feliz 2- El sombrero 3- O enamorado da vida

Revisão das classes de palavras Leitura suplementar Jogral ou recitação

Leitura suplementar Tipos de sujeito Tipos de predicado

Jogral Posição do sujeito na frase Textos suplementares

Recitação Redação Redação

Redação
Fonte: SIQUEIRA E BERTOLIN,1972

Agora, observemos a disposição do índice no LD Palavras:


Quadro 2. Índice exemplificativo do LD Palavras:
1-Texto: Gravação (Carlos 2-Texto: A Família e a festa na 3-Texto: O Plebiscito (Artur
Drummond de Andrade) roça (Martins Pena) Azevedo)

Análise do texto Análise do texto Análise do texto


Vocabulário
Vocabulário Vocabulário
Vamos entender o texto
Vamos entender o texto Vamos entender o texto

Como consultar o dicionário Técnicas de produção de texto: Técnicas de produção de texto:


Teatro Narração

Técnicas de produção de Estudos Linguísticos: Estudos linguísticos: Verbos


texto: A entrevista Classificação do predicado
Ortografia
Variações linguísticas
Ortografia

Estudos linguísticos: Atividades Atividades


Oração: sujeito/predicado
Variações linguísticas
Ortografia

Atividades Vamos revisar Vamos revisar

Vamos revisar
Fonte: SARGENTIM, 2002

SUMÁRIO
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A partir dessa explanação, o índice do LD Palavras apresenta ênfase na leitura e na


interpretação textuais. O texto que dá início à unidade é trabalhado nas atividades, configurando
estudos de gêneros e tipos textuais. Desse modo, a gramática é trabalhada a partir do texto, sendo
estudada a partir do contexto em que está inserida. Uma peculiaridade do livro são os “Estudos
linguísticos” que apresentam a norma gramatical padrão e, a posteriori, expõe a variação linguística
relacionada com o que foi explicitado. No final há uma revisão daquilo que foi trabalhado na
unidade.

As abordagens gramaticais pontuadas em períodos históricos distintos

Estabelecendo uma comparação entre duas obras diferentes, analisaremos as concepções de


língua e gramática através do tempo, viabilizando o entendimento sobre as mudanças ocorridas no
ensino da gramática durante o período aproximado de trinta anos. Vejamos as características de
cada LD:

O estudo da Língua em “Português dinâmico”

O Livro didático “Português Dinâmico”, dos autores Siqueira e Bertolin, data do ano de
1972. Nesse período o Brasil passa por um turbulento período político- o regime militar. Com isso,
observa-se um ensino tecnicista e baseado na disciplina nacional. Nesse contexto, vejamos como o
referido LD, nas considerações iniciais, pretende viabilizar o ensino da Língua Portuguesa:
Nas primeiras páginas desse LD, encontramos as seguintes proposições referentes à
educação linguística: “ Na linguagem oral deve-se sanar: o vocabulário pobre; a sintaxe defeituosa;
as ideias (sic) confusas; defeitos de pronúncia; tom de voz inadequado”(SIQUEIRA E BERTOLIN,
1972, p.IV). A partir dessa exposição, percebemos que o ensino da língua aponta para um processo
de “cura” para os “defeitos” da Língua, ou seja, não são consideradas as variações, tampouco as
diferenças linguístico-sociais.
Ainda nas páginas de apresentação, o Português Dinâmico apresenta três tarefas da escola
em relação ao ensino da “Gramática ativa”, os quais:

a) Purificar a língua espontânea e defeituosa que os alunos trazem da família e do


ambiente social; b) Enriquecê-la constantemente, dando-lhe flexibilidade,
adequação das palavras e expressões, correção, de acordo com a norma comum; c)
Introduzir gradualmente o aluno na observação e estudo dos fatos gramaticais nos
seus aspectos morfo-sintáticos (sic). (SIQUEIRA E BERTOLIN, 1972, p.V. Grifos
dos autores)

De acordo com essa citação, notamos que o estudo da língua é determinado pela gramática
normativa, em toda a sua extensão. O verbo purificar, do primeiro exemplo, remete a uma ideia de
língua impura, com vícios e defeitos que serão sanados pela escola. Essa ideia de “purificação” da
língua remete, (TRAVAGLIA, 2009, p.21) à concepção de linguagem como expressão do
pensamento- caracterizando a enunciação como um ato individual e baseada nas regras do “bem
falar e do bem escrever”. No segundo exemplo, observa-se um distanciamento da escola em
relação ao que é apreendido pelo estudante no contexto social, pois, segundo esse LD, a Língua só
poderá ser enriquecida no contexto escolar. Por último, quando forem sanados os “defeitos” da
língua do aluno, este poderá ser inserido, de forma gradual, aos estudos da gramática.
Posteriormente, ainda no prefácio, os autores apresentam a seguinte proposta: “Impõe-se um
constante ensino corretivo, tanto nos aspectos fonológicos (pronúncia, dicção, entonação) como nos

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sintáticos. Necessário, também, é oferecer aos alunos modelos expressivos que lhes aperfeiçoem a
fala.”(SIQUEIRA E BERTOLIM,1972,p.V)
Nessa citação, observa-se que a Gramática é fator primordial para que haja a efetivação do
ensino da língua. As variações são desconsideradas e, como está descrito explicitamente, há a
imposição de um ensino “corretivo” baseado na dicotomia “certo e errado”. Vale salientar que é
almejado um aperfeiçoamento linguístico, sempre sanando as variedades tomadas como “erros”.
Nesse contexto, o livro é baseado na predominância do ensino da Gramática Normativa. Isso
pode ser comprovado, inicialmente, a partir da leitura do índice: o LD é organizado em dez
capítulos, cada capítulo é composto por um texto base, uma leitura complementar e uma parte
destinada ao ensino da gramática que está em negrito para dar ênfase a esse aspecto. Nota-se
também a abrangência de atividades que dão destaque aos ensinos gramaticais tomando como base
o texto, contudo o texto funciona apenas como “pretexto” para viabilizar a exposição da gramática.
Além disso, as atividades são calcadas, predominantemente, no ensino de regras gramaticais.
Vejamos uma atividade referente à noção de predicado:

Atividade1. Fonte: SIQUEIRA e BERTOLIM (1972, p.52)

A partir do exposto, percebemos que há uma ênfase incisiva no ensino da gramática.


Inicialmente há uma rápida e sucinta explicação sobre o tema, no caso a tipicidade dos predicados,
logo depois observamos que os autores propõem uma atividade para que o aluno pratique de forma
a entender o que foi dito. Essa atividade não dispõe de nenhum texto base para ser trabalhado, ou

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seja, os exercícios são baseados em orações e frases soltas para que o aluno compreenda de forma
sistemática as regras gramaticais.
Nessa perspectiva, a primeira questão pede que o aluno grife o predicado que está disposto
na oração. A segunda questão propõe que o aluno produza uma oração a partir do sujeito que está
disposto em cada item.. Já a terceira atividade dispõe de sujeitos e predicados embaralhados em
duas colunas para que o estudante possa ligá-los.
Vale salientar que as frases que são colocadas nessa atividade não apresentam nenhuma
relação com o texto inicial do capítulo.
Com isso, viabiliza-se um ensino de gramática direcionado para a articulação e a
organização da língua, firmando um viés sistemático de uma lógica linguística. Dessa forma, têm-se
um exemplo prático do ensino da Gramática normativa como explicita Amini Boainain Hauy. A
referida atividade também demonstra a linguagem como expressão do pensamento, de acordo com
Travaglia. Nesse sentido, a atividade aponta para um ensino tradicional de Língua.

O estudo da Língua no LD “Palavras”

O livro de português “Palavras” é do autor Hermínio Sargentim, do ano 2002. Esse livro
didático apresenta uma maior ênfase no trabalho com o texto. Desse modo, podemos encontrar em
cada Unidade a seguinte divisão: Primeiramente a leitura de um texto, logo após temos uma
atividade direcionada exclusivamente para a análise desse texto, dando ênfase na interpretação.
Posteriormente, encontramos o subtópico “Estudos Linguísticos” para a exposição da gramática.
Após esse ponto, temos o estudo das variações linguísticas, que trata das diversas formas de falar
determinada frase ou expressão.
Em cada unidade do referido LD há um texto que dá início à explanação do conteúdo.
Baseando-se na perspectiva dos gêneros textuais, as unidades do livro dispõem de uma relação entre
texto e gramática, caracterizando um estudo de língua mais abrangente do posto de vista dos usos.
Com isso, observa-se nesse LD uma concepção de linguagem como “forma ou processo de
interação” (TRAVAGLIA,2009, p.23). Nesse contexto, a língua está inserida em um processo de
interação entre transmissor e interlocutor, tomando como base as situações sociais as quais os
indivíduos estão incluídos. Para exemplificar o que está sendo dito, observemos como Sargentim
trabalha o ensino dos predicados:

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Atividade 2. SARGENTIM( 2002, p.41)

De acordo com o exposto, notamos que há uma exposição teórica sobre o predicado. Essa
exposição é rápida e sucinta, expondo de forma rápida os tipos de predicado, os quais: o verbal, o
nominal e o verbo-nominal. Percebemos também que nessa parte teórica o autor faz uma pergunta
para que o aluno possa fazer inferências em relação à predicação verbal. Na parte de exercícios,
notamos uma ênfase na perspectiva teórica do predicado. Desse modo, é proposto ao aluno que este
complete a frase de forma a saber qual o tipo de predicado que está relacionado com o sujeito.
Logo, nota-se nessa primeira atividade desse LD um ensino de gramática baseado no viés
normativo. Como afirma Hauy, esse ensino de gramática está baseado na lógica aristotélica, Essa
proposição pode ser observada na atividade proposto, pois é um exercício que propõe ao aluno a
indicação de qual tipo de predicado pode ser adequado à relação com o sujeito. Portanto, há uma
sistematização dos fatos da língua, concatenando os elementos sintáticos da oração.
Posteriormente a essa atividade, o livro apresenta o subtópico “Variações linguísticas”-
caracterizado por estabelecer relações entres as diversas formas de falar para representar a mesma
ideia. Vejamos:

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Atividade 3. SARGENTIM( 2002, p.47)

A partir do exposto, notamos que o livro dá ênfase no contexto da variação linguística, pois
dedica uma atividade direcionada a essa perspectiva. Com isso, nota-se que o autor desse LD
apresenta, em cada capítulo, um texto, a teoria gramatical e, posteriormente, expõe as variações
relacionadas com os aspectos teóricos que foram apresentados- uma forma de mostrar a dimensão
variacional da linguagem nas diferentes situações.
Na atividade exposta acima, o autor tenta demonstrar ao aluno, na primeira questão, as
diferentes pessoas gramaticais presentes no texto ( você, tu), indicando o processo de variabilidade
linguística. Depois, o autor apresenta uma proposta de fazer o aluno pensar nas variedades
linguísticas regionais dos estados brasileiros, apontando a frequência da segunda pessoa (tu) na fala
da população brasileira.
Em seguida, Hermínio Sargentim propõe uma atividade de reescrita, alternando a segunda e
a terceira pessoas, para que o aluno possa perceber as peculiaridades contidas em cada situação. Por
fim, Sargentim ainda apresenta um diálogo, para que o estudante possa observar que, em grande
parte das regiões brasileiras, o verbo da segunda pessoa gramatical é flexionado de acordo com a
terceira pessoa. Com isso, o aluno entende a variabilidade linguística faz parte do contexto social.
A partir dessa explanação, observa-se que a atividade viabiliza uma noção de linguagem
como processo de interação verbal. Segundo Travalgia(2009), essa concepção explicita a
comunicação verbal no processo de interação social a partir das diversas situações linguísticas. Com
isso, nota-se que as atividades do referido LD denotam essa perspectiva proposta por Travaglia,
pois as atividades relacionadas com a variação linguística reflete esse contexto social. Além disso, a
normatividade gramatical também está presente, apontando para uma sistematização dos fatos
gramaticais- uma perspectiva que não se diferencia do LD Português Dinâmico. Entretanto, além da
norma, o LD de Sargentim mostra a variabilidade das propostas gramaticais apresentadas .

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Comparando aspectos pontuais entre as duas obras

A partir da exposição dos dois livros didáticos, podemos perceber diferenças acentuadas que
ocorreram através do tempo, sobretudo no que diz respeito às concepções de língua e de gramática.
O livro Português Dinâmico, de Siqueira e Bertolin, é um exemplo prático do trabalho com a
gramática normativa de forma sistemática e tradicional, viabilizando uma concepção de língua
como expressão do pensamento (TRAVAGLIA,2009). Esse viés tradicional também tem
influências da abordagem tecnicista advinda do contexto do período politico ditatorial ao qual o país
estava submetido(BAIRRO,2009), configurando uma abordagem gramatical tradicionalista, sem
levar em conta os aspectos variacionais da língua.
O livro Palavras, de Hermínio Sargentim, já apresenta uma perspectiva mais voltada para a
questão das variações. Desse modo, a obra apresenta a gramática padrão e posteriormente expõe a
variabilidade correspondente de cada modelo gramatical, configurando tanto o modelo normativo
de gramática (HAUY,2015), quanto a concepção de língua como processo de interação social
(TRAVAGLIA,2009), apontando para uma evolução sobre os fatos linguísticos. Evolução esta que
está relacionada com a criação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), a partir da década
de 1980. Com a criação desse programa, nota-se uma maior liberdade de escolha dos livros
didáticos pelos professores, apesar de algumas atividades explicitarem uma proposta de pura norma
linguística. Além disso, são propostas mudanças pontuais nas abordagens gramaticais, viabilizando
a questão da variação linguística. Vale salientar que as referidas mudanças são inseridas de forma
gradativa, pois em um período de trinta anos conseguimos notar aspectos tradicionalistas da
gramática, contudo nota-se a inserção de aspectos variacionais relativos às normas apresentadas.

Considerações finais

O nosso trabalho pretendeu viabilizar o entendimento acerca das abordagens gramaticais em


períodos distintos. Nessa perspectiva, conseguimos observar as mudanças formais e de conteúdo
que caracterizam cada período. Com isso, nota-se que os conceitos colocados por Hauy e Travaglia
puderam ser percebidos através das atividades dos livros didáticos- e também através da própria
exposição da gramática.
Desse modo, observa-se que no período anterior à criação do PNLD, o estudo da gramática
era baseado em uma perspectiva sistemática dos fatos língua. Além disso, até a criação do PNLD,
os estudos linguísticos eram baseados, predominantemente, na concepção de língua como expressão
do pensamento, denotando uma padronização dos fatos da língua que não tinha o intuito de observar
os usos linguísticos. Logo, pudemos perceber que esse contexto está relacionado com o LD
Português Dinâmico que demonstra esse viés tradicionalista da gramática.
A outra concepção- baseada na língua como instrumento de interação social- viabiliza a
inserção das variações linguísticas no contexto da gramática. Essa proposição pôde ser visualizada
no LD Palavras, pois vimos que o autor apresenta a teoria gramatical padrão e depois demonstra a
variabilidade linguística relacionada com o que foi exposto através da perspectiva teórica. Destarte,
notamos que há constantes mudanças no ensino da gramática, principalmente em relação à inserção
do contexto de uso da língua, demonstrando um novo modelo de ensino linguístico.

Referências

BAIRRO, Catiane Colaço de. Livro didático: um olhar nas entrelinhas da sua história. VIII Seminário Nacional de
Estudos e Pesquisas: “História, Sociedade e Educação no Brasil”. Campinas: HISTEDBR, 2009. Disponível em: <
http://www.histedbr.fae.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario8/_files/Cj5GgE6L.doc
HAUY, Amini Boainain. Gramática da Língua Portuguesa Padrão: Com comentários e exemplários- Redigida
conforme o Novo Acordo Ortográfico. São Paulo: Editora da Universidade de São Pulo,2015.
SARGENTIM, Hermínio. Palavras. 7º Série. São Paulo, IBEP, 2002.

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SIQUEIRA E BERTOLIN. Português Dinâmico- Comunicação e Expressão. 7º Série. São Paulo, IBEP, 1972.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1° e 2° graus.
São Paulo, Cortez, 1996. Disponível em:
http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-historico

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A ABORDAGEM DOS GÊNEROS JORNALÍSTICOS CHARGE


E TIRA NO LIVRO DIDÁTICO

Josielle de Araújo Limeira1

Introdução

Tem-se visto nos últimos anos um crescente interesse na utilização de gêneros textuais na
sala de aula, visto que eles são muitos e, por isso, abre-se um leque de opções para produzir uma
aula produtiva visando o ensino de língua.
De acordo com Marcuschi (2008), houve um consenso entre os linguistas teóricos de que o
ensino de língua deva se pautar através de textos (tanto orais como escritos), que é também uma
orientação central dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1997). O programa Nacional do
Livro Didático (PNLD), que tem como objetivo subsidiar o trabalho pedagógico dos professores
através das distribuições de livros didáticos aos alunos da educação básica, também contribuiu para
essa noção da utilização de textos nas aulas, conforme a sua progressão e aperfeiçoamento durante
os anos em que foram distribuídos até os dias presente, de forma que nas suas atividades
pedagógicas foram incluídos os textos, ou gêneros textuais, visando o ensino-aprendizagem.
Marcuschi ainda explica a importância de utilizar o texto como material de ensino, afirmando que
“o trabalho com texto não tem um limite superior ou inferior para exploração de qualquer tipo de
problema lingüístico, desde que na categoria texto se incluam tanto os falados como os escritos.”
(2008, p.51)
Nessa perspectiva, focando nos textos escritos, abordaremos na presente pesquisa os gêneros
textuais charge e tirinha, investigando como eles estão sendo explorados no livro didático visando o
ensino de língua. Para tanto, tem-se como objetivo geral analisar como as charges e tirinhas estão
sendo trabalhadas no livro didático, e como objetivos específicos avaliar a concepção de linguagem
adotada pelo livro didático que irá ser utilizado na análise, e investigar o enfoque que está sendo
dado na abordagem do gênero charge e tira.
Essa pesquisa é classificada como qualitativa do tipo documental com objetivos
exploratórios, e terá como corpus o livro didático Novas Palavras, de Emilia do Amaral (etal),
abordando apenas o livro do 3° ano do ensino médio. A justificativa baseia-se mediante a
inquietação de analisar como as charges e tiras estão sendo exploradas no livro didático, visto que
esses gêneros não foram elaborados, a princípio, para fins didáticos, mas jornalísticos. Dessa forma,
como eles estão em um ambiente que converge com o seu original, surge a inquietação de como
estão sendo retomados no meio didático, se são utilizados apenas como pretexto visando outros
objetivos que não seja o ensino de língua.
Nesse sentido, o artigo está dividido em quatro seções: a primeira se refere ao ensino de
língua e a conceituação das concepções de linguagens; a segunda se refere à contribuição do Livro
Didático e do PNLD no ensino de língua; a terceira está voltada para as análises das charges e tiras
obtidas no livro didático; e, por fim, a quarta será as considerações finais em que serão comentados
os resultados obtidos na pesquisa.

1
Graduanda em Letras Português na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). josielle_nina@hotmail.com

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1 Ensino de língua e concepções de linguagem

Quando tratamos de ensino de língua, estamos falando sobre o ensino de língua portuguesa
nas escolas do Brasil. Surgem, portanto, questionamentos a essa questão do ensino, pois se sabe que
quando as crianças do nível primário chegam às escolas, elas já são usuárias da língua portuguesa
na modalidade oral. Dessa forma, já que as crianças dominam a língua materna, cabe à escola
aperfeiçoar suas competências. A esse respeito, Marcuschi (2008) se posiciona afirmando que o
papel da escola não está em ensinar aos estudantes o que eles já sabem e nem desconsiderar as suas
capacidades já adquiridas e desenvolvidas antes mesmo de estarem numa sala de aula, ou até
mesmo em apenas está voltada somente para o ensino da escrita. Ela intervém para aperfeiçoar o
que já faz parte do domínio da criança, como a fala, e ensinar aquilo que geralmente não se sabe,
como a escrita. Ou seja, a escola não ensina ninguém a falar, pois já dizia Possenti (2006, p.37) “o
que é sabido não precisa ser ensinado”.
Observemos ainda com Marcuschi:
Considerando que a capacidade comunicativa já se acha muito bem desenvolvida no aluno
quando ele chega à escola, o tipo de atividade da escola não deve ser ensinar o que ele já
sabe. Nem tolher as capacidades já instaladas de interação. Assim, a resposta pode ser dada
na medida em que se postula que a escola não ensina língua, mas usos da língua e formas
não corriqueiras de comunicação escrita e oral. O núcleo do trabalho será com a língua no
contexto da compreensão, produção e análise textual. (MARCUSCHI, 2008, p.55)

Para nortear o trabalho com o ensino de língua portuguesa, é preciso adotar alguma
concepção de linguagem que rege a metodologia na disciplina portuguesa. A concepção irá
determinar a forma como o professor se posicionará no processo ensino/aprendizagem. Podemos,
assim, apontar três concepções de linguagem de acordo com Doretto e Beloti (1983):
1) Expressão de pensamento: Essa concepção remete-nos à ideia de que a linguagem é apenas
uma tradução do pensamento que parte de uma gramática normativa/tradicional em que
consiste num conjunto de regras que devem ser seguidas pelos falantes de uma dada língua.
Nessa gramática, é desconsiderada qualquer influência externa ou contexto de uso da língua
portuguesa do sujeito. Seu objetivo está somente para nortear e aperfeiçoar a exteriorização
do pensamento, buscando sempre a perfeição e coerência.

2) Instrumento de comunicação: Essa concepção considera a linguagem como sendo apenas


uma transmissão de mensagem de um emissor a um receptor, ambos isolados do social e da
história. Segundo Travaglia (1996), a linguagem é vista aqui como um intermédio para a
comunicação em que o emissor transmite um mensagem ou alguma informação sobre ele.
Seu funcionamento está regido por um gramática prescritiva, que são um conjunto de regras
que são seguidas para um bom processamento da língua.

3) Processo de interação: Essa concepção toma a linguagem enquanto atividade de interação


dos sujeitos situados num determinado contexto social e histórico. Aqui, segundo Doretto e
Beloti (1983, p. 97) a linguagem não é apenas considerada como um meio de comunicação e
expressão do pensamento, mas como um meio de estabelecer uma interação social. A
gramática dessa concepção passa ser agora contextualizada. O contexto sócio-histórico do
indivíduo que antes não era considerado, passa a ser referência para o uso da língua, levando
em conta, portanto, as variações do uso da língua.

O processo de ensino de língua, sempre subjacente a alguma concepção de linguagem,


também tem como subsidio os gêneros textuais. Eles vão agregar ao ensino de português uma nova
abordagem aos métodos tradicionais de ensino. No entanto, sabe-se que o estudo dos gêneros
textuais não é algo novo, pois já estavam em vigor no ocidente com Platão, na tradição poética, e

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Aristóteles, na tradição retórica. Com o tempo, seus estudos avançaram e passaram a não pertencer
apenas à retórica e à poética, mas à linguística.
Nessa nova área de conhecimento, os gêneros são voltados mais a perspectivas
discursivas e sociointerativas, considerado constitutivo da linguagem, isto é, considera-se que não
existe uso da linguagem sem o uso de gêneros, sendo “impossível não se comunicar verbalmente
por algum gênero.” (MARCUSCHI, 2008, p. 154) Para tal afirmativa, Marcuschi explica que isso
ocorre porque toda manifestação verbal se dá sempre por meio de texto realizados em algum
gênero, tornando apenas possível a comunicação verbal por algum gênero textual. Diante disso,
gêneros textuais “são os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões
sociocomunicativos.” (p.155)
Para Bakhtin (2000), a noção de gênero é vista como enunciado, dessa forma a utilização
da língua realiza-se em forma de enunciados, orais ou escritos, por qualquer esfera da atividade
humana, jornalística, midiáticas etc. Ele afirma que o enunciado “reflete condições especificas e as
finalidades de cada uma dessas esferas” (BAKHTIN, 2000, p. 279), pelo seu conteúdo temático,
recursos da língua, e pela sua construção composicional. Esses três elementos constituem o
enunciado como um todo, e sua realização, seja de forma escrita ou oral, é baseada em uma forma-
padrão relativamente estáveis que Bakhtin dominou como gêneros do discurso.
Diante da vasta heterogeneidade das esferas de comunicação, considera-se que, por
consequência, os gêneros também sejam heterogêneos. Dada essa qualidade, Bakhtin (2000) os
classifica em duas formas: gêneros primários e secundários. Os gêneros primários “são constituídos
em situações de comunicação ligadas a esferas sociais cotidianas de relação humana”, e os gêneros
secundários “são relacionados a outras esferas, públicas e mais complexas, de interação social.”
(KOCH e ELIAS, 2009, p. 55) Sendo assim, a diferença entre as duas formas são relacionadas
apenas ao grau de complexidade que um possui em relação ao outro.
A charge, que é um gênero textual, secundário e de cunho jornalístico, é conhecido por
possuir um caráter político e social que de forma humorística e muitas vezes sarcástica, aborda e
critica questões atuais que estão sendo debatidas num meio social. Dessa forma, o conteúdo é atual
e essencialmente político. E por se trabalhar com temas atuais, é preciso que o leitor esteja
informado a respeito dos acontecimentos da atualidade, pois, ao contrário, a leitura duma charge,
dependendo do que está sendo abordado, não produzirá efeitos de sentido no leitor. Seu formato é
em quadrinhos e usa-se de recursos tanto da linguagem verbal e não verbal ou um conjunto dos
dois.
Em Texeira (2010), a charge é:
Toda a charge retrata assuntos atualizados, reais, temas que estão sendo debatidos naquele
momento na sociedade, por isso prendem-se ao tempo, ou seja, é um texto temporal e sua
interpretação depende, muitas vezes, de relações intertextuais. Exige-se que o leitor esteja
inteirado com o que se passa no mundo a sua volta e faça inferências para realizar a leitura
do texto chárgico ou, ainda, busque complementar a leitura deste texto com a leitura de
outros textos (TEIXEIRA apud COSTA, 2010, p.97).

Sabe-se que o gênero charge fora criado a princípio para circular em meios jornalísticos
com o intuito de criticar de forma irônica e humorística problemas sociais e políticos de uma dada
região ou país. No entanto, ele tem circulado no meio escolar, a exemplo do Livro Didático, pois se
achava importante inserir gênero charge e os outros em geral, como carta, notícia, fábula, poema e
etc, no meio pedagógico para um melhor ensino aprendizagem dos alunos, visto que no caso da
charge ela estimula a criticidade do aluno de forma singular e isso faria com que eles se
interessassem mais sobre determinado assunto que o professor abordasse.
Tal acontecimento se deu através de várias discussões por profissionais da área acerca do
ensino brasileiro nos meados dos anos 80, defendendo que deveriam ser aperfeiçoados a sua
estrutura e o seu foco de ensino, conforme as orientações para o uso de gêneros textuais em sala de
aula pelos documentos que norteiam o ensino de língua como os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) e a Lei de Diretrizes de Base (LDB). No entanto, há uma problemática em relação a esse

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uso, detendo-se aqui ao uso da charge, por ser um mecanismo relativamente novo no meio
pedagógico, causando alguns conflitos entre os professores por não acompanharem essa evolução
de ensino, justamente por não saberem trabalhar com tal gênero e nem abordá-lo. Por isso, vê-se
que alguns descartam esse mecanismo de ensino da língua, detendo-se apenas a outros mais
tradicionais e estruturais. E quando o usa, geralmente, não o contextualiza e é utilizado apenas
como pretexto para o ensino da gramática normativa.
Há, ainda, uma problemática em relação à charge, pois muitos a confundem com outro
gênero textual, pois suas características são muito semelhantes: a tirinha ou apenas tiras. A tira é um
gênero que também é de cunho jornalístico, mas que pode ser encontrado em âmbitos pedagógicos,
e é conhecido por também abordar humor em seus conteúdos que, por sua vez, são voltados mais a
aspectos sociais. As diferenças entre a charge e a tira é que a charge está sempre associada a um
fato da atualidade e é motiva por crítica, e a tira não tem esse vínculo com a realidade e, também,
geralmente, são estruturadas por sequências de quadrinho. Mas ambas são encontradas e utilizadas
no livro didático com o mesmo propósito de introduzir nas escolas um ensino de língua
contextualizado.

2 A contribuição do livro didático e do Programa Nacional do livro didático (PNLD)

Sabe-se que o livro didático (LD) é um dos principais instrumentos de trabalho dos
professores e é nele que muitos encontram refúgio quando vão montar seu plano de aula. No
entanto, durante muito tempo ele foi alvo de críticas em torno do ensino por ter sido considerado
um dos motivos do fracasso escolar pela sua própria estruturação e conteúdo, pois não atendia as
demandas dos alunos. Seus conteúdos, no entanto, atendiam as concepções adotadas daquela época,
por exemplo, em princípio o LD materializava a concepção tradicional de ensino existente que
pairava na LDB n. 4024/61, procurando abordar apenas questões relacionadas à estrutura da língua,
sem se importar com as influências externas que a língua sofre. Ainda há aqueles que não
concordam com o seu uso nas escolas, pois defendem que ele não acompanha as mudanças e
aperfeiçoamentos que o ensino no Brasil tem sido alvo.
No entanto, podemos ver o outro lado da história a partir da contribuição que o PNLD vem
dando ao ensino no Brasil através da distribuição de livros didáticos aos estudantes de escola
pública nos níveis de ensino básico. Esse programa foi criado na década de 1930 e ao longo do
tempo vem sendo modificado mediante as exigências sociais. A distribuição dos livros depende de
uma avaliação pedagógica, de acordo com o Portal do MEC é feita pela Coordenação Geral de
Materiais Didáticos (COGEAM). Eles também são responsáveis pelo Guia dos Livros Didáticos
que servem para auxiliar aos professores na escolha do livro didático que adotará nas suas aulas. Tal
escolha deve considerar o projeto político-pedagógico da escola e a realidade sociocultural das
instituições e dos alunos.
Diante da importância que o livro didático exerce no ensino de língua portuguesa dos
níveis fundamental e médio, visto que ele irá subsidiar o trabalho pedagógico dos professores e,
assim, possibilitar êxito no ensino-aprendizagem dos alunos, analisaremos neste artigo a coleção
“Novas Palavras”, de Emilia do Amaral (etal), publicada pela editora FTD, no entanto nos
deteremos apenas no volume 3, que se refere ao 3° ano do ensino médio.
A estrutura do artigo está dividida em três partes e temas: 1) Literatura; 2) Gramática; e 3)
Redação e leitura. Cada parte está subdividida em conteúdos que se relacionam ao tema em questão,
por exemplo: no que se refere à Literatura, o primeiro tópico tem como conteúdo o pré-modernismo
no Brasil, na parte da Gramática, o primeiro tópico é referente ao período composto por
subordinação, na parte de Redação e leitura, o primeiro conteúdo refere-se à dissertação.
Nesse livro didático não há muitas evidências do trabalho com o gênero charge, há, em sua
totalidade, apenas quatro charges situadas na parte de Redação e leitura. No entanto, houve mais
ocorrências do uso de tiras, totalizando em dezessete tiras, nove na parte da Gramática e oito na
parte de Redação e leitura. O foco do livro, contudo, nesse volume, não está em trabalhar gêneros,

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mas sim em trabalhar tipologias textuais, pois em Redação e leitura seus conteúdos estão voltados
apenas a dissertações, a sua estrutura e como se escreve um texto dessa modalidade de escrita.

3 O tratamento da charge e tira no Livro Didático Novas Palavras

Esse tópico está voltado unicamente às análises das charges e tiras encontradas no corpus
em questão. Nessas análises constatamos qual foi a concepção de linguagem predominante utilizada
na sua produção e o tratamento dado na sua utilização.
A charge a seguir está localizada na seção de Gramática, na página 223 do vol° 3:

Charge 01

Na ilustração observamos que ela aborda um problema atual e social, que é o do lixo, por
meio da intertextualidade com o enigma da esfinge: “Decifra-me, ou te devoro: que criatura tem
quatro pés pela manhã, dois pés no meio do dia e três à tarde”? Portanto, a imagem utiliza-se da
mitologia clássica para enfocar um problema pertinente ao meio social que prejudica tanto o meio
ambiente quanto àqueles que vivem nele. Ao mesmo tempo em que é abordada essa problemática, é
também dada a solução, ou uma das soluções, que é a reciclagem.
No entanto, no contexto em que essa charge foi utilizada é apenas focada a questão
referente à gramática, como o uso da “coordenada sindética alternativa” que corresponde a
conjunções alternativas como: ou...ou, ora... ora.. ou quer... quer.. Dessa forma, vê-se que ela foi
utilizada apenas como pretexto para ser levantada uma questão de gramática, pois usa da sua frase
“Recicla-me, ou te devoro”!! para exemplificar contextos em que esse assunto gramatical é
encontrado. Assim, a explicação do uso de coordenadas sindéticas através da imagem não faz
referência aos sentidos que podem ser retirados dele ou à introdução da história mitológica que
serviu de apoio para a produção da charge. Contudo, como o livro didático utilizado é do domínio
do professor, há abaixo da imagem uma sugestão para ele de introduzir, por conta própria, esse
assunto do enigma da esfinge, mas se apenas julgar oportuno. Ou seja, não o obriga, mas deixa à
vontade do professor, como se não fosse necessário adentrar o contexto original do enigma para os
alunos.
A partir da análise da charge, percebemos que a concepção de língua utilizada pelo livro
didático corresponde à concepção de expressão do pensamento, pois a gramática não é
contextualizada (não considera os contextos de uso) e é insensível à realidade, visto que é
desconsiderado na explicação o contexto histórico e social, pois não são explorados os sentidos
veiculados pela charge, a intertextualidade e a relação com os problemas sociais. Assim,

2
As charges estão referenciadas de acordo com as informações que constam n o Livro Didático.

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corresponde a uma gramática tradicional (GT) que apresentam apenas os conjuntos de regras e
normas da língua portuguesa.
A próxima charge a ser analisada encontra-se na parte de Redação e leitura no capitulo 2
intitulado “Dissertar e descrever: a delimitação do tema, na página 384. Ele inicia com um texto
publicado na Folha de S.Paulo sobre os limites da ciência.

Charge 02

A charge acima trata da possibilidade de interferência na constituição da genética de um


ser humano, criticando, dessa forma, a banalização da vida e a reduzindo a uma mercadoria, tendo
como exemplo o nome que está na caixa em cima da moto: “Genoma delivery”, ou seja, entrega de
Genoma.
A atividade que traz essa imagem está toda contextualizada com o tema, pois quando se
inicia o capítulo no qual está inserida é apresentado um texto com o título “Os limites da ciência”,
que vai falar sobre clonagens, manipulação genética e as implicações. Então, ao ler essa ilustração,
o aluno é levado a associar esse assunto com a conversa do motoqueiro e do morador. Depois da
apresentação desse texto, é pedido que o aluno reconheça qual é o tema que a charge aborda e a
crítica que é suscitada.
Dessa forma, vê-se que, em comparação ao exemplo anterior, o contexto do tema foi
inserido na atividade, levando o aluno ao pensamento crítico, visto que ele tem que reconhecer o
que está sendo criticado na imagem. Não é utilizado uso de regras gramaticais nessa situação, mas a
linguagem é vista como processo de interação social e comunicativa pela produção de sentidos entre
o leitor e o autor da charge. Assim, considera que a concepção de linguagem é a do processo de
interação.
A próxima ilustração será uma tira que está localizada na parte de Gramática, na página
193 do capitulo 1 que tem como conteúdo a sintaxe do período composto.

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Tira 01

WATTERSON, Bill. Universal Unclick. 1989.

Como podemos observar na tira, a conversa entre Calvin e Hobbes está tratando do meio
ambiente e das ações que o afetam causada pela humanidade. Comprova-se isso quando, além da
ilustração da arvore cortada, Calvin fala que o sinal mais evidente de que há vida inteligente em
outros planetas é de que nenhum deles tentou entrar em contato conosco, levando-os a pensar que
não somos boas influências.
No entanto, na atividade em que a tira está inserida não é abordada a problemática da
situação atual em que o meio ambiente se encontra. Nele é pedido que observe e leia atentamente a
opinião perspicaz do garoto Calvin, e depois são feitas perguntas a respeito da organização sintática
empregada por Calvin, por exemplo: “Como se classifica a palavra que introduz o objeto direto do
verbo “acho”?
Assim, como a atividade está voltada apenas ao aspecto gramatical, o tratamento dado à
tira é apenas um pretexto para introduzir o assunto que estão abordando no capitulo em questão.
Dessa forma, a concepção adotada nessa seção é a exteriorização do pensamento. Vale ressaltar que
nesse artigo não critica o uso da gramática nos exercícios, mas sim a falta da contextualização com
os assuntos que servem de apoio para a introdução das suas atividades, pois se entende que, de
acordo com Doretto e Beloti (1983), a língua não é somente uma expressão de pensamento,
instrumento de comunicação ou se detêm apenas a interação social, mas, é, sim, um conjunto
desses.
As tiras a seguir estão na parte de Redação e leitura, na seção de discussão, na página 329.

Tira 02

WATTERSON, Bill. Universal Unclick. 1989.

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Tira 03

WATTERSON, Bill. Universal Unclick. 1989.

Tira 04

LINIERS. Folha de S. Paulo, 27 jul. 2009.

Os temas das tiras estão tratando de televisão, no entanto elas abordam diferentes aspectos
sobre esse tema. A primeira tira faz uma crítica em relação à dependência que as pessoas têm sobre
a TV e por esse motivo deixam de apreciar o momento e o que está ao seu redor, nesse caso é a
contemplação da natureza; a segunda diz respeito ao baixo nível de conteúdo que alguns programas
televisivos têm e que deixam a desejar para certo público, mas que contemplam determinados
grupos de pessoas; e a terceira diz respeito à necessidade de exposição pública para se auto
satisfazer como pessoa, vale ressaltar que essa tirinha também faz uma ligação com a famosa frase
do filósofo René Descartes: “Penso, logo existo.”
Na atividade que estas tiras estão inseridas é solicitado que discuta com os colegas o
aspecto focalizado em todas as tiras, associando assim a atividade com a sua seção, que é a de
discussão. A execução desse exercício ficou a cargo do professor, deixando a dúvida se ele
realmente irá fazer um círculo de leitura com os alunos para poderem discutir sobre os aspectos
explorados nas tiras ou se ele vai ministrar outro assunto, visto que essa parte é localizada
exatamente no fim do capitulo, desmerecendo de certa forma essa atividade.
Por fim, percebemos através das análises das tiras e charges e seus respectivos exercícios
que as concepções de língua adotadas são relativas à seção em que elas estão inseridas, por
exemplo, na parte de gramática vê-se adotado a concepção de exteriorização do pensamento e na
parte de Redação e leitura vê-se adotado a concepção de processo de interação, dessa forma tiras e
charges são utilizadas tanto com objetivos gramaticais, como também para exercitar a criticidade do
aluno e a sua escrita. À vista disso, os tratamentos das charges e tiras no Livro Didático Novas
Palavras variam de seção para seção e a concepção de língua adotada também.
A diferença de tratamento dos gêneros a partir das seções que eles se encontram revela a
dificuldade em elaborar uma atividade mais dinâmica e interativa com conteúdos gramaticais, as
tiras que têm propósito dinâmico e educativo no livro didático são exploradas de forma limitada e
estanque, levando-nos a pensar que não se pode ou não tem como ir além das regras gramaticais.
Em contraposição, podemos ver a flexibilidade das elaborações dos exercícios na seção de leitura e
redação, em que é adotada a concepção de língua interativa, e isso implica dizer que a linguagem
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nessa concepção não é vista apenas como expressão de pensamento e instrumento de comunicação,
mas é também, segundo Doretto e Beloti (1983), vista como um meio de interação social, e, por
isso, nas atividades que adotam essa concepção se faz referência aos possíveis sentidos que podem
ser considerados numa charge ou tira, se considera o contexto histórico, e, assim, não anulam, como
nas atividades da seção de Gramática, o assunto tratado nas imagens. Sendo assim, o campo do
saber em Redação e Leitura comparado ao da Gramática tende a ser mais interativo.
Sobre isso surge a pergunta: Como é possível elaborar, então, uma atividade de Gramática
que se articule com a proposta do texto ou da charge/tira? Para essa questão, baseando-se no que
Marcuschi (2009) diz sobre o ensino de língua em que o melhor meio de se pautar o ensino é
através de textos, é pertinente, então, que se utilize das próprias charges e tiras para se articular com
a Gramática, no entanto deve-se ter o cuidado de não utilizar esses gêneros como pretexto como
vimos nas análises acima. Dessa maneira, é preciso que na abordagem do assunto gramatical, seja
contextualizado para o aluno o tema da charge e tira falando sobre do que se trata, as implicações
que o tema reflete ao ensino, a importância e todos os pontos pertinentes que o tema provocar.
Assim, a gramática passará a ser contextualizada, pois irá considerar o contexto sócio e cultural, e
vai agregar ao aluno carga de conhecimento e saberes além das regras de estrutura do português.

4 Considerações Finais

Tendo em vista os aspectos observados na pesquisa, o ensino de língua tem uma relação
direta com as concepções de linguagem, pois irá determinar a maneira com que o professor vai se
posicionar no processo de ensino-aprendizagem. Além das concepções de linguagem, o ensino de
língua está associado com o uso de textos, tanto falado como escritos, na sala de aula.
A charge e tira se apresentam para o livro didático como uma proposta interativa de
educação em relação ao método de ensino tradicional. Os documentos que norteiam o ensino de
língua a exemplo do PCN e a LDB deram subsídios para a inclusão desses gêneros no LD. No
entanto, alguns professores não utilizam esses gêneros em suas aulas por não estarem familiarizados
com eles, visto que são gêneros relativamente novos, principalmente no meio pedagógico, pois eles
são gêneros genuinamente jornalísticos. No entanto, há quem os use, mas não é de forma interativa,
porque não os contextualizam.
A partir das análises realizadas, verificou-se que não há muita frequência de charges no
Livro Didático Novas Palavras, apenas quatro foram encontradas, em contrapartida foram
encontradas mais de dez tiras, uma na seção de Gramática e outras na seção de Redação e leitura.
Observou-se também que a concepção de língua adotada pelo Livro Didático varia de seção para
seção. Na seção da Gramática é adotada a concepção de exteriorização do pensamento, isso implica
dizer que o tratamento dado às tiras e charges encontradas nessa seção não foram contextualizadas e
não fizeram referência aos possíveis sentidos das imagens; na de Redação e leitura a concepção de
língua adotada foi a de interação, isso quer dizer que as charges encontradas nessa seção
contextualizaram o aluno acerca do tema proposto ou quando não contextualizava os levavam,
através dos exercícios, ao pensamento crítico acerca do assunto.
Os assuntos das charges e tiras variavam, mas eles tratavam de temas majoritariamente
sociais. Os resultados da pesquisa nos mostraram a tamanha dificuldade em elaborar atividades
gramaticais interativas, e a facilidade e flexibilidade da concepção de língua de interação está
presentes nas atividades de escrita e leitura. Acredita-se que isso acontece pelo fato de que o ensino
de língua tradicional esteja ainda muito empregado nas escolas e as suas pedagogias.
A partir desses resultados, conclui-se que os gêneros textuais charge e tira não
necessariamente precisam ser explorados em meios jornalísticos, pois eles se adéquam
perfeitamente ao meio pedagógico pela possibilidade que esses gêneros oferecem de abordar
assuntos pertinentes ao ensino, adquirindo, assim, um caráter de flexibilidade, por não apenas se
adequar a fins jornalísticos, mas também pedagógicos. Dessa forma, consideramos que essa
pesquisa alcançou seus objetivos, tanto o geral como os específicos.

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Referências

AMARAL, Emilia [et tal]. Novas Palavras: volume 03. 2 ª ed. São Paulo: FTD, 2013.
BAKTHIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BRASIL, Ministério da Educação. O programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/pnld/apresentacao> Acesso em: 15/05/2017
COSTA, Flávia. Gênero charge e ensino: humor e criticidade. f. 64. Dissertação em Letras português/inglês.
Universidade Estadual de Goiás. Goiás, 2013.
DORETTO, Shirlei; BELOTI, Adriana. Concepções de linguagem e conceitos correlatos: a influência no trato da língua
e da linguagem. Revistas Encontros de Vista. Paraná, v. 8°. p. 89 – 102, 1983.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção Textual, análise de gêneros e compreensão. SP: Parábola Editorial, 2008.
KOCH, Ingedore; ELIAS, Vanda. Ler e compreender: os sentidos do texto. 2 ª ed. São Paulo: Contexto, 2008.

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“AGORA É A SUA VEZ”: ESTRATÉGIAS DIDÁTICAS NAS


ATIVIDADES DE PRODUÇÃO TEXTUAL ESCRITA NO LD
DE 9º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

Agna Bezerra da Silva1

Introdução

A produção textual escrita tem sido objeto de estudos e discussões bastante amplas nos
últimos anos. É consenso entre muitos pesquisadores a sua importância no desenvolvimento
intelectual e social de todos os homens e mulheres, independentemente de suas ocupações. No
âmbito do ensino de língua portuguesa, seu papel é fundamental para ampliar as competências
necessárias para uma melhor compreensão da língua e, por isso, o domínio da língua escrita tem um
lugar de destaque nas instituições de educação básica.
Entre as várias ferramentas possíveis para auxiliar os professores de língua portuguesa e os
estudantes em sua jornada, o livro didático (doravante, LD) é o mais comumente utilizado, tanto nas
escolas privadas quanto nas escolas públicas. É através dele que, em geral, os estudantes terão um
acesso mais direto com a infinidade de gêneros textuais existentes reunidos num só lugar.
E não para por aí: se tomarmos a realidade das escolas públicas de nosso país onde a maioria
dos estudantes pertence às classes menos favorecidas – tanto economicamente quanto em
oportunidades de acesso à cultura em geral – será o LD o responsável quase absoluto em inserir
estes estudantes em mundos culturais além dos que eles vivem. Devido a essa posição de relevância
do LD, também não são poucos os debates acerca de suas contribuições e/ou desfavores à educação.
Muitos trabalhos têm relatado uma grande dificuldade com o desenvolvimento de ideias em textos
escritos por estudantes de escola pública no Ensino Médio, principalmente nos dois primeiros anos
deste. Poderíamos afirmar – junto com vários pesquisadores – que esta dificuldade está relacionada
a uma certa falta de familiaridade com a escrita nos anos anteriores.
Percebendo a importância de um certo domínio da língua escrita e da influência do LD no
acesso aos mais diversificados conhecimentos investigaremos, à luz da Linguística Textual, como a
produção textual escrita é trabalhada no LD do 9º ano do ensino fundamental II e selecionamos para
a análise o livro da coleção Linguagens (CEREJA; COCHAR, 2015) de mesma série.
Verificaremos como a produção textual escrita aparece no LD e quais as estratégias adotadas por
ele para proporcionar uma didatização no processo de escrita dos estudantes apresentando-lhes
elementos que facilitem a produção dos seus textos.

Compreendendo as teorias
A escrita na história

Ao longo dos anos, as transformações ocorridas na sociedade influenciaram os estudos sobre


as práticas pedagógicas e sobre as teorias das diversas áreas do saber. Sob um olhar diacrônico,

1
Graduanda em Letras-português UFPB. agnabezerra.ufpb@gmail.com

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observamos quanta coisa foi se modificando – em se tratando da educação e ensino – e quantas


concepções teóricas foram superadas por estudos mais atuais, que acompanhavam as mudanças do
mundo a sua volta.
A noção de escrita passou por transformações também afetando o seu ensino nas instituições
de educação e podemos organizá-la, de modo geral, em três momentos, de acordo com o proposto
por Marcuschi (2010). São eles: a) início do século XX aos anos 1950; b) anos 1960 e 1970; c) anos
1980. Discorreremos sobre cada período brevemente.
Do início do século XX aos anos 50, não havia, nas atividades de escrita, direcionamentos muito
concretos que pudessem didatizar a produção textual. A escrita era descontextualizada, com foco
meramente ortográfico e, muitas vezes, a temática da produção atendia a apelos morais e espirituais.
Seria necessário apenas saber unir frases para compor um texto: o texto aqui não é tomado como
um processo.
Os anos de 1960 a 1970 foram marcados pelo ingresso de várias pessoas na escola pública, o
que modificou o retrato estudantil vigente, que era elitista. Modificou-se também o ensino de língua
portuguesa. As obras clássicas, que antes eram obrigatórias, foram flexionadas e surge uma
diversidade de gêneros textuais, impulsionados pela turbulência comunicativa, trabalhista e
tecnológica da época.
O escrever bem de antes é "trocado" pelo comunicar-se bem. Digo "trocado" pois a escola
entra em conflito diante destes dois caminhos: incentivar o aluno a expor suas ideias (mesmo sem
dar direcionamentos claros para este fim) e dominar a comunicação de forma que o receptor da
mensagem a compreenda sem dificuldade (para isto, utilizando-se de modelos pré-existentes). A
língua é vista como um código. É neste período que "consolidam-se os chamados “gêneros
escolares” dissertação, narração e descrição" (MARCUSCHI 2010, p. 73) que já eram utilizados nas
escolas antes.
Nos anos de 1980 podemos perceber uma mudança em relação à concepção do que é escrita.
Muitos trabalhos são publicados a respeito da redação escolar e consolida-se a orientação para que
as instituições de educação básica passem a ensinar seus alunos a escreverem textos e não apenas
redações (vistas como "não-textos"). Passa-se a perceber que o trabalho na elaboração de textos é
um processo, por isso, uma produção textual. Todavia, o foco neste momento recai nos aspectos
formais.

O texto e a produção textual

Nesta mesma perspectiva de transformações, se antes concebíamos os gêneros textuais


apenas no âmbito da literatura (lírico, épico e dramático), hoje compreendemos que estes tipos de
enunciados relativamente estáveis estão presentes no nosso cotidiano, em todas as práticas
comunicativas. Assim também as concepções de texto, tidas como simples sucessões de frases, têm
hoje sua complexidade atestada; o que podemos perceber até mesmo na formulação de um conceito
que seja comum às diversas áreas da Linguística.
Marcuschi (2008, p. 79) afirma que “o texto se dá como um ato de comunicação unificado
num complexo universo de ações alternativas e colaborativas”, ou seja, não se trata mais de apenas
signos interligados numa sequência lógica, mas um ato que envolve atividades mais globais e se
realiza juntamente com um outro sujeito além do interlocutor. A própria origem da palavra “texto”
– "textum" é o supino do verbo "texere" que significa "tecer", de modo que "tecido" vem a ser a
tradução mais precisa – nos infere a essa série de processos (linguísticos, psíquicos, contextuais)
envolvidos na sua produção.
Para construirmos o sentido do texto não basta apenas compreendermos os signos
linguísticos presentes nele, mas é no curso da interação que esse sentido é estabelecido (cf. Koch,
2008). Em resumo, podemos afirmar que é necessário que exista(m) outro(s) indivíduo(s) para que a
produção textual seja identificada como tal: é preciso saber para quem se fala/escreve. A
dinamicidade da atividade verbal é levada em consideração mesmo quando tratamos das questões
da subjetividade.

SUMÁRIO
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O livro didático de língua portuguesa

O livro didático (doravante LD) costuma acompanhar as transformações teóricas e no ensino


no nosso país. Desde 1929 (com o Instituto Nacional do Livro – INL) temos sua presença na
educação brasileira e políticas para legislá-lo2. Destaco aqui particularmente a criação do Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD), em 1985, que possibilitou que os livros fossem indicados
pelos professores, reutilizados e fossem ofertados para escolas públicas e comunitárias.
Entre as várias ferramentas possíveis para auxiliar os professores de língua portuguesa e os
estudantes em sua jornada, o LD é, sem dúvida, o mais comumente utilizado, tanto nas escolas
privadas quanto nas escolas públicas. É através dele que, em geral, os estudantes terão um acesso
mais direto com a infinidade de gêneros textuais existentes reunidos num só lugar, não importando
a sua qualidade.
Além do mais, se tomarmos a realidade das escolas públicas de nosso país onde a maioria
dos estudantes pertence às classes menos favorecidas – tanto economicamente quanto em
oportunidades de acesso à cultura em geral – será o LD um dos responsáveis em inserir estes
estudantes em mundos de conhecimento além dos que eles vivem. Devido a essa posição de
relevância do LD, também não são poucos os debates acerca de suas contribuições e/ou desfavores
à educação.
Atividades de produção textual também são encontradas no LD, estando de acordo com os
documentos oficiais que colocam o texto na centralidade das aulas de língua portuguesa. No
trabalho em sala de aula é de suma importância que, nessas atividades de produção textual, o
estudante consiga encontrar orientações suficientes para executá-la; dados que funcionem como
facilitadores para a escrita, como a definição do gênero que deverá ser produzido, o destinatário do
texto, por exemplo.
A situação de produção dos textos dos estudantes que estão acontecendo na sala de aula –
salvo algumas exceções como o gênero debate, por exemplo - não é, digamos, 100% real: estamos
num ambiente controlado, não envolvidos de fato no contexto social em que aquele gênero é criado
como, por exemplo, sendo um repórter que precisa ir atrás de várias fontes para gerar a notícia,
mandar para o jornal, etc. O contexto de produção real é a sala de aula, onde existe um professor
que irá fazer vários apontamentos no texto do estudante.
Este é um ponto negativo para o aluno e estas orientações que encontramos nos enunciados
das produções de texto funcionam como estratégias de didatização para a sua escrita, ferramentas de
auxílio situacionais (ou não). Tomando as atividades de produção textual do LD de língua
portuguesa iremos investigar se essas orientações existem, como elas são apresentadas e colocadas
para o estudante a fim de perceber se elas funcionam como instrumentos didáticos que estabelecem
o contexto de produção de gênero, o interlocutor e o objetivo da produção textual.

Metodologia de pesquisa

Nossa pesquisa partirá de uma abordagem quanti-qualitativa e exploratória quanto aos seus
objetivos, sustentada pelas teorias da Linguística Textual. A pesquisa tem caráter documental e
usará o LD para o 9º do ensino fundamental da coleção Linguagens, 2015, identificando em toda a
obra indicações e/ou orientações aos estudantes para a produção textual escrita, como veremos
detalhadamente mais adiante.
O LD de pesquisa possui quatro unidades e cada unidade contém três capítulos. Cada
capítulo do livro possui uma atividade de produção textual sendo, ao todo, doze atividades de
2
Para uma linha do tempo mais detalhada sobre o livro didático acesse: http://www.fnde.gov.br/programas/livro-
didatico/livro-didatico-historico

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 71

destaque no LD tratando disso, contemplando textos orais (duas atividades) e escritos (doze
atividades). As unidades não são divididas por conteúdo, mas sim por temática e as atividades de
produção de texto estão relacionadas com a temática do capítulo e, consequentemente, da unidade.
No fim de cada unidade existe uma seção à parte intitulada “Passando a limpo – intervalo” que traz
sugestão de atividades com as produções textuais construídas pelo estudante. No quadro a seguir
podemos observar mais detalhadamente como o LD está organizado.

UNIDADE TEMA CONTEÚDO

Capítulo 1: o registro de mim mesmo


- Produção de texto
- Para escrever com expressividade
- A língua em foco
- De olho na escrita
Unidade 1 Caia na rede! - Divirta-se
Capítulo 2: Posto... Logo, existo
- Estudo do Texto
- Produção de texto
- A língua em foco
- De olho na escrita
- Divirta-se
Capítulo 3: Eu: entre o real e o ideal
- Estudo do texto
- Produção de texto
- A língua em foco
- Divirta-se

Passando a limpo – intervalo: Projeto: Jovem: o que você quer?

Capítulo 1: O primeiro amor


- Estudo do texto
- Produção de texto
- Para escrever com expressividade
- A língua em foco
Unidade 2 Amor - Divirta-se

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Capítulo 2: Amar não tem idade


- Cruzando imagens
- Produção de Texto
- A língua em foco
- De olho na escrita
- Divirta-se
Capítulo 3: O verdadeiro presente
- Estudo do texto
- Produção de texto
- A língua em foco
- De olho na escrita
- Divirta-se

Passando a limpo – intervalo: Projeto: Quem conta um conto aumenta um ponto

Capítulo 1: O brilho do consumo


- Estudo do texto
- Produção de texto
Unidade 3 Ser jovem - Para escrever com expressividade
- A língua em foco
- Divirta-se
Capítulo 2: Ser jovem é...
- Produção de texto
- A língua em foco
- De olho na escrita
- Divirta-se
Capítulo 3: De frente para a vida
- Estudo do texto
- Produção de texto
- A língua em foco
- De olho na escrita
- Divirta-se

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 73

Passando a limpo – intervalo: Projeto: Jovem: cadê sua opinião?

Capítulo 1: “Mais louco é quem me diz...”


- Estudo do texto
- Produção de texto
- Para escrever com coerência e coesão
- A língua em foco
Unidade 4 Nosso tempo - Divirta-se
Capítulo 2: O igual é diferente
- Produção de texto
- Para escrever com coerência e coesão
- A língua em foco
- De olho na escrita
- Divirta-se
Capítulo 3: Ciranda da indiferença
- Estudo do texto
- Produção de texto
- A língua em foco
- De olho na escrita
- Divirta-se

Passando a limpo – intervalo: Projeto: No nosso tempo

Tendo, pois, essa visão geral de como a obra está organizada, selecionamos duas atividades
de produção textual escrita para a nossa análise, embora, como já comentamos anteriormente, as
atividades estão relacionadas entre si o que nos leva sempre a falarmos de atividades anteriores e de
outras seções do livro. As atividades selecionadas são: Produção de texto: O editorial (capítulo 3 da
unidade 1) e o conto III (capítulo 3 da unidade 2).
Sabendo, pois, que “a pesquisa qualitativa procura entender, interpretar fenômenos sociais
inseridos em um contexto” (Bortoni 2007, p. 34), a escolha pelo 9º ano do ensino fundamental se
deu por ser esta fase anterior ao Ensino Médio, aonde as produções textuais escritas passam a ser
uma realidade muito mais frequente e rigorosa para os estudantes.
Como a seção de produção textual escrita deste LD ocupa entre três e quatro páginas, vamos
selecionar apenas alguns trechos dos direcionamentos das atividades a fim de não nos estendermos
demais e saírmos do nosso objetivo de trabalho que é identificar as estratégias de didatização para a
escrita do estudante.

SUMÁRIO
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“Agora é a sua vez”: os direcionamentos das produções


Os gêneros textuais solicitados nas atividades de produção de texto que selecionamos são
bem diferentes entre si: um editorial e um conto. Percebemos que o LD traz em cada unidade, como
já dissemos anteriormente, uma temática que acaba relacionando as atividades entre si, dando uma
ideia de continuidade pois não altera o raciocínio sendo praticamente um mesmo contexto –
imaginário – de produção. Para explicarmos melhor, vamos subdividir a nossa análise comentando
um gênero de cada vez.

O Editorial
Tomemos primeiro o caso da atividade de produção do editorial que é solicitado no terceiro
capítulo da primeira unidade. O gênero editorial vai seguir a mesma linha de raciocínio das outras
atividades de produção de texto e também dos textos que são trabalhados na unidade nas atividades
de interpretação, por exemplo, explorando muito a questão jornalística. O estudante consegue, com
isso, ter mais facilidade de usar a criatividade e criar o texto “de forma adequada à situação”
(KOCH 2004, p. 25). Vejamos abaixo o enunciado da atividade:

Enunciado 1
(Cereja e Cochar 2015, p. 53)

Percebemos que não há evidência de elementos do contexto de produção do gênero nem no


enunciado acima e nem na seção completa destinada à produção de texto .São inferências
desenvolvidas à medida que as atividades da unidade – todas de caráter jornalístico – vão sendo
realizadas, tendo em vista que “há sempre elementos implícitos que necessitam ser recuperados pelo
ouvinte/leitor” (KOCH 2004, p. 25) e apesar de não estarem evidentes no enunciado em si, podem
ser recuperados pelo trabalho desenvolvido na unidade. O aluno vai desenvolver o gênero a partir
do editorial trabalhado no capítulo e do editorial que inicia a seção de Produção de texto – o que é,
inclusive, um padrão no LD analisado.
Outro aspecto que observamos nas atividades de produção de texto diz respeito ao
interlocutor. Antes de escrever um texto temos a necessidade de saber para quem estamos nos
dirigindo porque, dependendo de a quem eu vou me dirigir, algumas escolhas lexicais podem não
ser bem vistas. Sobre isto Marcuschi (2008 p. 78) nos diz:

Um dos problemas constatados nas redações escolares é precisamente este:


não se define com precisão a quem o aluno se dirige. A cena textual não fica
clara. Ele não tem um outro (o auditório) bem determinado e assim tem
SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 75

dificuldade de operar com a linguagem e escreve tudo para o mesmo


interlocutor que é o professor. E nós sabemos que a mudança de interlocutor
leva a se fazer seleções lexicais diversas e níveis de formalidade distintos.

Marcuschi se refere às redações escolares, mas esta premissa é aplicável a todos os gêneros textuais
que venham a ser solicitados.
Observando o enunciado de produção do gênero editorial veremos que não há nele nenhuma
orientação clara acerca de um interlocutor, apenas expondo que a atividade irá compor um jornal.
Assume-se, portanto, numa primeira vista, que o interlocutor do estudante será apenas o professor.
Porém, a seção de produção não é composta apenas pelo enunciado que solicita o gênero. Existem
várias orientações para que o aluno construa seu texto, além de um exemplo do gênero solicitado.
Observemos:

Orientações 1
(Cereja e Cochar 2015, p. 53)

O LD vai explicitar que, para construir o seu texto, o estudante tem que levar em
consideração “o público para quem vai escrever” e, como o editorial será colocado num jornal
produzido posteriormente na seção Intervalo, já aponta os prováveis leitores do gênero (colegas da
turma, de outras turmas, professores, funcionários da escola etc). Tendo em vista os prováveis
leitores do editorial pode-se pensar na linguagem que será utilizada, no grau de formalidade que o
texto será escrito, entre outros aspectos.
E já abordando esse aspecto da publicação do gênero, vamos falar da questão do objetivo da
produção textual. Ele já fica evidente no enunciado que solicita a atividade: será exposto para toda a
escola. Percebemos, com isso, que as discussões realizadas em sala de aula não ficam limitadas a
este espaço específico, mas são sempre ampliadas.
Inclusive, a seção Intervalo traz uma temática bem interessante para atestar essa tese de
ampliação dos debates. A proposta intitula-se “Jovem: o que você quer?” ou a turma pode escolher
outro título e tem o objetivo de tornar públicos os gêneros produzidos na sala de aula que
abordaram assuntos relacionados à juventude. Quando o LD traz esse tipo de proposta, está
contribuindo na formação integral do estudante, preparando-o, por exemplo, para receber críticas e
sugestões de outras pessoas e até mesmo tirá-lo da “zona de conforto” no que se refere às atividades
escolares.

SUMÁRIO
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O gênero Conto
No caso da produção de texto do conto (III) ocorre algo diferente. A temática da unidade é o
“amor” e os textos trabalhados nos três capítulos são contos. Por essa razão a atividade selecionada
para análise é sempre acompanhada do “III”, pois ao longo da unidade são solicitadas mais duas
produções de contos e a que analisamos é a última delas. O estudante já está bem familiarizado com
o gênero, mas, diferente do que ocorre no editorial, não é necessário um dado contexto para o
produzirmos. Vejamos abaixo o enunciado da atividade:

Enunciado 2
(Cereja e Cochar 2015, p. 112)

O conto é um gênero profundamente ligado à literatura e sua realidade poética não é tão
exigente no que diz respeito ao lugar de produção. Podemos produzi-lo em qualquer lugar. Essa
particularidade do conto e dos gêneros mais ligados à literatura (como o poema , por exemplo) não
se mostra como um obstáculo para que o estudante produza o gênero, tendo em vista que ele já está
bem familiarizado com o conto, suas características e diferentes tipos, pois foi o gênero exclusivo
de trabalho durante toda a unidade. O estudante produziu, ao todo, três contos diferentes e todos,
pelo menos segundo a orientação do LD, com trabalho de escrita e reescrita onde o professor
poderia fazer os apontamentos necessários para melhorar a qualidade da produção.
Também não encontramos no enunciado do conto (III) – assim como no editorial – as
indicações de quem seja o interlocutor da sua produção. As indicações estão presentes logo após o
enunciado, como podemos observar abaixo.

Orientações 2
(Cereja e Cochar 2015, p. 113)

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 77

O conto será lido pelos mesmos interlocutores do editorial: alunos da escola, professores,
funcionários, familiares, etc. Essas orientações – tanto para o conto quanto para o editorial – estão
funcionando como estratégias didáticas que deixam mais claro para o estudante os prováveis
caminhos que seu texto terá que percorrer. Porém, uma grande diferença entre a atividade do conto
e do editorial é a temática.
Perceberemos claramente que não existe uma temática determinada para desenvolver a
atividade, podendo o aluno escolher “o assunto que quiser”. À primeira vista pode parecer que
deixar o tema livre vai propiciar que a atividade fica muito “solta”, sem uma das orientações básicas
que é a temática. Porém, se analisarmos as atividades deste LD, perceberemos que quase todas elas
– com exceção desta – determinam ou sugerem uma temática.
O estudante praticamente não tem oportunidades de exercitar uma escrita mais livre de uma
temática que lhe seja mais próxima ou que goste mais. O que queremos dizer com isso é que não é
de todo negativo deixar uma atividade sem temática. O problema estará se for sempre assim. É bom
que existam produções sem um tema específico para que o aluno resgate, de outros contextos ou até
mesmo da escola, informações e conhecimentos para construir seu texto.
A respeito do objetivo da produção do conto, como aconteceu no editorial, ele está
explicitado no enunciado que solicita a construção do texto. Também trata-se de projeto da seção
Intervalo denominada “Quem conta um conto aumenta um ponto” que é destinada a organizar e
produzir um ou mais livros com alguns contos selecionados pelo professor e pela turma.
O objetivo nem sempre precisa ser uma exposição ou publicação. Quando o aluno constrói
um texto, ele está aperfeiçoando seu domínio da língua escrita, está aprendendo a identificar
aspectos formais ou informais da língua em seu texto e em outros textos e também desenvolvendo
no domínio de uma variedade de gêneros textuais. Ao colocarmos que o objetivo identificado é a
exposição na escola estamos tratando do caso das atividades analisadas. É importante que o
professor exponha aos estudantes o porquê daquela atividade estará sendo realizada, mesmo que a
finalidade não seja uma publicação.

Mais algumas palavras

Como podemos perceber ao longo deste trabalho, cada vez mais os LD de língua portuguesa
têm trazido diferentes gêneros textuais nas atividades de produção textual. Essas atividades de
produção de texto não estão soltas e deslocadas dentro do livro, mas vêm articuladas com as
temáticas e gêneros trabalhados fazendo com que os estudantes tenham mais facilidade de
reconhecer o gênero e assim tenha ainda mais facilidade de produzi-lo. Também percebemos que há
uma especial atenção as orientações dadas aos estudantes de alguns elementos que eles devem levar
em consideração para produzir um bom texto, como o interlocutor e a finalidade para a qual estarei
desenvolvendo aquela produção.
Dito isto, observamos que as nossas inquietações iniciais, que geraram nossos objetivos de
pesquisas que “desabrocharam” neste artigo foram sanadas. Assim como sugeria nosso objetivo
principal, constatamos que as produções textuais são continuamente trabalhadas no LD do 9º ano
fazendo com que antes mesmo de o aluno entrar no Ensino Médio já tenho desenvolvido – ou pelo
menos começado a desenvolver – um hábito maior de escrita de diversos textos, ou seja, as
produções textuais aparecem no LD como atividades de rotina.
Também verificamos que existem diversos elementos que auxiliam o estudante a produzir
seu texto como, por exemplo, o contínuo trabalho com o gênero desde atividades gramaticais até as
atividades de interpretação e produção deles, como também atividades de produção textual que vão
além de simples enunciados e trazem orientações dos interlocutores do texto, contexto de produção
do gênero e objetivo da atividade. Com isto, concluímos que todos estes aspectos, apresentados em
síntese anteriormente, funcionam como estratégias didáticas que proporcionam um processo de
escrita mais fluido e menos traumático para o estudante.

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Referências

BAKHTIN, Mikhail M. (1979). Os gêneros do discurso. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 6ª ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2011.
CEREJA & COCHAR. Português linguagens, 9º ano. 9. ed. reform. São Paulo; Saraiva, 2015.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. O professor pesquisador: introdução à pesquisa qualitativa. 1ª ed. São Paulo;
Parábola Editorial, 2008.
KOCH, I. G. V. A inter-ação pela linguagem. 9ª ed. São Paulo; Contexto, 2004.
____________O Texto e a Construção dos sentidos. 9ºed. São Paulo; Contexto. 2008.

MARCUSCHI, Beth. Escrevendo na escola para a vida. In: Egon de Oliveira Rangel; Roxane Rojo. (Org.). Coleção
Explorando o Ensino: Língua Portuguesa. 1ed.Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica,
2010, v. 19, p. 65-84.
MARCUSCHI, L. A. Produção Textual, análise de gênero e compreensão; São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

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OS ASPECTOS IDEOLÓGICOS EM PRODUÇÕES TEXTUAIS


DE ALUNOS DO 2° ANO DO ENSINO MÉDIO
Ingrid Cruz do Nascimento
Raquel Sousa da Silva

Introdução

Sabemos que tudo o que nos cerca, bem como o que fazemos e dizemos, é carregado de
ideologia, sendo ela explícita ou não; consideramos também que ela pode ser influenciada e
influenciar de diversas maneiras através das relações sociais e/ou dos discursos presentes em uma
música ou um artigo de opinião, por exemplo. Desse modo, a escola e o professor não ficam imunes
de exercer alguma influência, e o estudante, enquanto ser ainda em desenvolvimento cognitivo e
social, recebe essa carga de informações, o que, por muitas vezes, pode ser prejudicial, caso ele não
realize alguma reflexão sobre tais informações.
É preciso considerar que as habilidades e as competências que o estudante de Ensino Médio
precisa ter no momento de expor sua opinião não permeiam somente o campo daquilo que é exposto
como exemplo ou modelo para ele. Pensando assim, consideramos que as experiências e as crenças
dos discentes devem ser vistas como prática constitutiva de significação, já que um dos propósitos
de quem o avalia é perceber seu posicionamento pessoal, cuja construção é social e indispensável
para a formação de uma ideologia.
De acordo com as experiências proporcionadas pelo curso de Letras, nossas observações nos
permitiram perceber que as produções textuais dos alunos geralmente são determinadas por vozes
de terceiros (professores, mídia, família). Sabendo que essa prática, quando não modificada, afeta
diretamente no reconhecimento da autoria própria dos educandos, vislumbramos analisar qual o
nível de influência que essas vozes exercem no processo construtivo da opinião crítica dos alunos
de Ensino Médio.
Acreditamos que os estudantes devem refletir sobre suas escolhas em relação às vozes que
serão consideradas por ele, bem como à ideologia, uma vez que elas têm influência direta no modo
de pensar e agir em sociedade, de acordo com Fritzen (s/d). É por isso que a nossa proposta vai ao
encontro daquilo que se espera de um aluno do século XXI, um sujeito em formação que saiba
refletir e criticar o que lhe é posto.
É diante do que circunda todo o universo dos alunos adolescentes enquanto indivíduos que
estão no auge da elaboração de suas concepções ideológicas, os quais provavelmente influenciarão
outros e aos poucos uma grande massa de pessoas que não refletem acerca daquilo que ouvem/leem,
que acreditamos ser importante a divulgação dos resultados obtidos no nosso trabalho face ao nosso
principal objetivo: analisar a(s) ideologia(s) presentes nas produções textuais dos alunos do 2º ano
do Ensino Médio.
Para isso, tomaremos como base o conceito de ideologia advindo das ideais marxistas, as
quais têm por ideologia aquele tipo de conceito ou prática com vistas à dominação e à alienação do
sujeito. Em outras palavras, as ideias que são disseminadas nos muitos discursos sociais versam
bem mais do que algo que parece inocente, beirando a pretensão de práticas positivistas e, por
vezes, preconceituosas.

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Fundamentação teórica

Entendemos que, no atual contexto escolar do século XXI, diferentes vozes têm
interferência direta na formação dos alunos. É por isso que reforçamos a necessidade de incitar uma
discussão acerca de toda carga ideológica que permeia os contextos dos alunos, visto que o que é
depreendido neles repercute em diversos âmbitos sociais.
Para embasarmos nossa pesquisa em torno desse assunto, recorremos ao livro O que é
ideologia, de Marilena Chauí (2004), como principal fonte teórica. A autora elucida elementos
gerais do que constituem pensamentos e atitudes ideológicas desde a antiguidade clássica,
recorrendo desde a etimologia do termo “ideologia” aos seus diversos usos em épocas distintas.
Dando continuidade à sua defesa, a estudiosa centra sua discussão nos postulados marxistas,
pontualmente categorizados no que ela diz:

Além de procurar fixar seu modo de sociabilidade através de instituições


determinadas, os homens produzem idéias ou representações pelas quais procuram
explicar e compreender sua própria vida individual, social, suas relações com a
natureza e com o sobrenatural. Essas idéias ou representações, no entanto, tenderão
a esconder dos homens o modo real como suas relações sociais foram produzidas e
a origem das formas sociais de exploração econômica e de dominação política.
Esse ocultamento da realidade social chama-se ideologia. Por seu intermédio, os
homens legitimam as condições sociais de exploração e de dominação, fazendo
com que pareçam verdadeiras e justas. (CHAUÍ, 2004, p. 8-9)

Diante disso, tomaremos tais ideais como ponto de partida para analisarmos nosso corpus de
modo consistente, pois reconhecemos a necessidade de os alunos terem voz própria, mesmo que
influenciadas por outrem. Mencionamos isso por entendermos que tal influência não é equivocada,
e sim o fato de os alunos, por vezes, não refletirem sobre o que concebem e em que medida isso
pode significar na sociedade, positiva ou negativamente.
Dessa forma, ao pensarmos no contexto trabalhista que se encontra na proposta do artigo de
opinião que solicitaremos, é cabível induzirmos que identificaremos a maioria das opiniões dos
alunos embebidas da realidade que os cercam, as formadoras de ideologia. Uma experiência de
trabalho contada pelo pai, uma alteração na situação financeira da família ou até mesmo algo que o
amigo passou poderão vir à tona no desenrolar do texto e, de acordo com Marx (s/d apud CHAUÍ,
2004, p. 21), isso pode ser considerado como algo ideológico justamente por ser construído na e
pela sociedade. Em vista disso, os alunos não se distanciarão da sociedade na qual estão inseridos a
fim de avaliá-la e isso é primordial para que obtenhamos resultados satisfatórios do nosso trabalho.

Metodologia

Em vista de a nossa pesquisa ter sido desenvolvida em sala de aula, caracterizamo-la como
uma pesquisa de campo exploratória, visto que investigamos quais as ideologias estão presentes nos
materiais definidos em nossa pesquisa para a obtenção dos dados, os quais foram disponibilizados
pelos alunos. Para isso, nos utilizamos da pesquisa de cunho qualitativo, por termos como corpus as
produções textuais dos discentes, as quais foram interpretadas e analisadas com o intuito de mostrar
seus posicionamentos ideológicos mais recorrentes; e da abordagem quantitativa, a fim de
descrever, em percentual, quais foram as ideologias mais recorrentes nessas produções.
Em vista do exposto, fica claro que, para tal realização, foi necessária mais de uma técnica
de coleta de dados. Fizemos uso dos métodos que Michel (2005) detalha; primeiramente, fizemos a
observação direta não participante, visto que não fazíamos parte da comunidade na qual realizamos
a pesquisa em grupo (no caso, em dupla) e sistemática, pois dispúnhamos de mecanismos e
instrumentos planejados para a coleta de dados. Em segundo lugar, fizemos uso da escala Likert, a
qual Michel (2005) apresenta em um livro que versa sobre modelos metodológicos de pesquisa.
Esta técnica, que se utiliza de uma escala que delimita conceitos em extremos de cinco a sete
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opções de escolha, foi necessária para calcularmos o percentual das ideologias mais recorrentes nas
produções textuais. Em vista disso, escolhemos para a composição das alternativas do nosso
questionário apena cinco itens, os quais vão do ponto “Discordo totalmente” ao “Concordo
totalmente”.
Ainda no primeiro contato com a turma, após a apresentação da proposta e da retomada do
conteúdo sobre artigo de opinião, solicitamos que os alunos fizessem uma produção textual
utilizando o gênero em questão, visto que esse é um dos gêneros que mais favorecem a exposição
direta das opiniões de quem escreve. Tal proposição teve como texto motivador uma tirinha que
dispomos a eles, versando sobre o tema “relações de trabalho”, objetivando saber o que permeia
seus pensamentos ideológicos acerca do assunto. Após a discussão sobre a proposta, foi solicitado
que eles respondessem um questionário composto por dez questões (disposto no apêndice),
colocando-se hipoteticamente na condição de trabalhadores e, em seguida, posicionando-se sobre
situações trabalhistas opostas que nós levantamos a partir do que a tirinha apresentava. Essas
respostas foram utilizadas para complementar os dados que encontramos nas produções textuais,
posto que são nos questionários que visualizamos posicionamentos com carga ideológica mais
explícita.
É importante registrarmos que, nas produções textuais e nos questionários, foi preservada a
identidade dos alunos, sendo denominados, portanto, como M(1, 2, 3...) para os informantes do sexo
masculino e F(1, 2, 3...) para os do sexo feminino. Fizemos essa divisão para constarmos se há
divergências significativas de opiniões entre os grupos opostos, a fim de identificarmos se a carga
ideológica desses grupos se contrapõe ou não, tendo em vista que os espaços destinados a eles
colaboram para que tal segregação seja cada vez mais consolidada e, devido a isso, possivelmente,
as opiniões deles sejam divergentes.

Análise dos dados

Ao desenvolvermos o projeto de pesquisa que utilizamos como base para este artigo,
tínhamos em mente que os discentes já haviam estabelecido contato com o gênero artigo de opinião
e, por se tratar de uma turma de 2° ano do ensino médio, teriam um domínio satisfatório desse
gênero. Entretanto, ao fazermos uma sondagem através de uma conversa informal durante o início
da aula para verificarmos essa hipótese, constatamos que grande parte da turma (composta por 35
alunos) não lembrava ou acreditava não possuir domínio suficiente do gênero em questão.
Em vista dessa constatação, resolvemos apresentar e discutir o material que explica sobre
artigo de opinião confeccionado por nós apenas para que servisse de fonte de consulta para os
alunos em casos de necessidade. Devido a isso, solicitamos que eles fizessem a produção textual em
casa e que nos entregassem na aula seguinte. No total, recebemos 13 artigos de opinião e 33
questionários; entretanto, utilizamos apenas os questionários daqueles alunos que escreveram o
artigo de opinião para ratificar o(s) posicionamento(s) ideológicos existentes de quem participou de
todas as etapas de aplicação do projeto. O corpus da nossa pesquisa constituiu-se, portanto, de 13
artigos de opinião e 13 questionários, aplicados no campo da sala de aula no período de 2 aulas de
45 minutos cada. Diante disso, exploraremos nas próximas etapas deste trabalho algumas leituras
dos dados que obtivemos, a começar:

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Gráfico 01: Concordância em relação às assertivas contra o chefe

Fonte: Pesquisa direta, 2016.

O gráfico acima ilustra as cinco assertivas presentes no questionário que estão associadas ao
posicionamento que revela a opinião de não ser a favor das atitudes do chefe de determinada
empresa. A linha horizontal apresenta os pontos de A a E, os quais se referem às alternativas que
estabelecemos, tomando como base a Escala Likert. Tais pontos representam os extremos de
discordância (A) e concordância (E), enquanto os demais estão no campo da parcialidade (B e D) e
da neutralidade (C) das opções, conforme a legenda. A linha vertical, por sua vez, diz respeito às
porcentagens que estão relacionadas aos posicionamentos contra o chefe, sendo elas as de número
2, 4, 5, 6 e 8, como também pode ser conferido no questionário localizado no apêndice deste
trabalho.
Percebemos que há uma diferença significativa do que os alunos acreditam estar mais
coerente com suas ideologias de classe nas relações hierárquicas de trabalho presentes em uma
empresa. Eles atentam para a importância de se estabelecer diferentes vinculações entre patrão e
empregado, entretanto, suas respostas revelam forte posicionamento ideológico no que diz respeito
à aceitação de atitudes que podem ser entendidas como exploração. A exemplo: as respostas da
questão 3, a qual objetiva saber se o empregado abdicaria de seu tempo livre para realizar alguma
atividade do trabalho sem receber remuneração extra. Os alunos, em sua maior parte, concordaram
com a opção “discordo totalmente”, o que nos leva a entender que seus posicionamentos
ideológicos acreditam que tal atitude seria uma exploração de trabalho.
Para termos uma visão mais ampla das discussões anteriores, elaboramos uma tabela que faz
uma alusão geral de alternativas escolhidas pelos alunos no questionário na seção que versa sobre
atitudes contra o patrão, como, por exemplo, o que há nas assertivas 2 e 4. São elas,
respectivamente, “Se o(a) meu(minha) chefe gritasse comigo, eu rebateria. Mereço respeito como
pessoa e como profissional.” e “Não trabalharia durante o fim de semana, mesmo que para isso
recebesse hora extra.”.

SUMÁRIO
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Tabela 01: Porcentagem das alternativas escolhidas das assertivas contra o chefe

De acordo com a tabela acima, percebemos que a alternativa E (Concordo totalmente)


obteve 42% das escolhas, ou seja, foi a mais recorrente para as assertivas que apresentavam
situações voltadas ao posicionamento do trabalhador em relação a ocasiões que, de alguma forma,
não respeitavam os direitos do empregado. Isso vai ao encontro de uma das nossas hipóteses, que
consiste na tomada de partido de uma ideologia de caráter comunista, na produção textual
solicitada. Prova disso é a consciência ideológica tomada pela aluna F3, a qual entende por trabalho
na sociedade capitalista atual que “As pessoas tende a procurar emprego para forma uma
independencia mas acabam virando escravas do trabalho [...] (sic.)”.
Conforme os 13 artigos de opinião analisados, percebemos que os posicionamentos
ideológicos presentes neles revelam uma consciência dos direitos trabalhistas do cidadão, ora
exigindo uma mudança de atitude por parte dos chefes e das empresas, a fim de melhorar as
condições do trabalhador; ora abominando situações em que o empregado seja desmerecido ou
desfavorecido. Tudo isso corrobora com os dados obtidos (ver Tabela 01) no questionário quanto às
assertivas contra o chefe quando este age de forma impositiva e desconsiderando muitas
necessidades que o empregado tem em sua vida pessoal.
Para comprovarmos a elucidação acima, selecionamos trechos dos artigos de opinião
elaborados por dois alunos diferentes. O primeiro, F4, diz que “[...] os líderes devem pensar na
possibilidade de analizar (sic.) melhor para a empreza (sic.) e os funcionários [...]”. O segundo, M8,
afirma que “No trabalhador existe uma carga extrema sobre a sua função da carga horária (sic.),
quando estão exercendo lucro para empresa, os empregados menos qualificados veêm (sic.) sendo
excluídos pouco a pouco pelo seu chefe e tratados como escravos.”.
Os exemplos expostos mostram que a construção das opiniões dos alunos está firmada em
uma consciência do trabalho como forma de exploração, revelando que o patrão, por vezes, se
aproveita da situação menos favorecida em que seu funcionário se encontra para o crescimento da
empresa e de si. Além disso, mostram que o reconhecimento da produção do funcionário é algo
primordial para a melhoria “tanto da empresa quanto dos funcionários”, como diz o aluno M5,
revelando que seu pensamento ideológico sobre os vínculos de trabalho está pautado na
contribuição mútua entre empregador e empregado, sem que para isso haja a pressuposição do
trabalho escravo e/ou a desigualdade de classes sociais.
Também é possível observar que a qualificação pessoal, segundo o aluno M8, é a chave para
que o trabalhador não fique sujeito a qualquer condição que lhe for imposta, visto que a busca pelo
lucro por partes das empresas é inerente à ideologia capitalista que, por vezes, explora o empregado
em demasia para que haja a concretização desse objetivo. Assim, quanto mais qualificado e
consciente de seus direitos for o trabalhador, sua submissão às explorações indevidas do patrão
tende a ocorrer cada vez menos.
A partir do que apresentamos até aqui, exploraremos, em outro gráfico, as opções que
contrapõem as assertivas analisadas anteriormente.

SUMÁRIO
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Gráfico 02: Concordância em relação às assertivas a favor do chefe

Fonte: Pesquisa direta, 2016.

A disposição deste gráfico é semelhante à do gráfico 1, diferenciando apenas no fato de este


representar as assertivas que vão ao encontro da opinião do chefe quando relacionadas à exploração
do empregado. Da mesma forma que no gráfico 1, os pontos A e E representam, respectivamente,
os extremos de discordância e concordância, enquanto os demais estão no campo da parcialidade (B
e D) e da neutralidade (C) das opções, de acordo com a legenda. A linha vertical exibe as
porcentagens que estão relacionadas aos posicionamentos a favor do chefe, sendo elas as de número
1, 3, 7, 9 e 10, também mostrado no questionário que está no apêndice deste trabalho. A seguir,
discorreremos sobre as afirmativas que consideramos mais relevantes nessa primeira divisão da
análise.
A questão 1, a qual põe em cheque os aspectos ético e moral, mostra que 2% discordaram
parcialmente (B), 5% não concordaram nem discordaram (C), 12% concordaram parcialmente (D) e
2% concordaram totalmente (E). Esses dados evidenciam que o maior percentual de um mesmo
item, os 12% de concordância parcial em acatar tudo o que o chefe exige, pode estar relacionado às
situações vivenciadas pelos alunos a partir da experiência de outros que tangenciam o medo de
perder o emprego. Tal posicionamento também pode revelar que, enquanto empregado, há uma
consciência da sua função na empresa que aceitou trabalhar já sabendo suas normas, mas que sabe
dos limites entre o que permeiam o campo do profissional enquanto ocupa um cargo e quando esses
extremos são extrapolados, já que “acatar tudo” aquilo que o chefe quer pode não corresponder a
tais limites.
No caso da questão 7, que direciona para o aspecto das condições de trabalho que uma
empresa oferta, as respostas “Concordo parcialmente” (D) e “Concordo totalmente” (E) obtiveram a
mesma porcentagem, 9%, enquanto a alternativa “Não concordo nem discordo” (C) obteve 2%. O
fato revela que ideologicamente os informantes não têm total consciência de que as condições de
trabalho são extremamente importantes para que eles cresçam ou tenham satisfação com aquilo que
façam, pois, se ocorresse o caso de tais condições serem péssimas, eles não se atentaram em se
posicionar contra a assertiva da questão. Comprovando nossas explanações, temos em 18% o
percentual de concordância, mesmo que metade dele tenha a ressalva do “parcialmente”. Na
produção textual do aluno M1, destacamos a seguinte passagem: “[...] muitas vezes o patrão [...]
acaba exigindo muito de seus servidores, [...] transformando o seu próprio trabalho um local de
estresse, diminuindo sua produtividade.”. Logo, entendemos que tal afirmação está pautada em uma
posição ideológica de não concordância com a exploração inadequada do trabalho.
Na assertiva 9, cuja ideia direciona para o aspecto dos direitos trabalhistas, as questões B
(Discordo parcialmente) e D (Concordo parcialmente) foram, cada uma, a escolha de 6% dos
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alunos; 3% C (Não concordo nem discordo) e E (Concordo totalmente) cada e 2% A (Discordo


totalmente). Sobre tal assunto, o aluno M5 acredita que “Os empregadores devem ver a questão dos
esforços trabalhistas, analisando bem em prol de melhorias tanto da empresa quanto dos
funcionários do (sic.) determinado local de trabalho.” A partir disso, visualizamos que a metade dos
alunos que marcaram os itens que estão no âmbito da parcialidade colocam a saúde em primeiro
plano, mesmo que o segundo seja o trabalho. Tal posicionamento mostra que suas concepções vão
além da lógica capitalista, que em primeiro lugar coloca o lucro, como já explanamos
anteriormente, independentemente dos outros fatores que envolvem o caráter humano das relações
trabalhistas.

Tabela 02: Porcentagem da escolha das alternativas das assertivas a favor o chefe

Quando analisamos as assertivas que traziam ideias de posicionamento a favor do chefe, que
dizem respeito aos seus comportamentos que se caracterizam como inadequados ao que aos alunos
acreditam ser mais coerentes para com os trabalhadores, a totalidade dos dados apresentou que 29%
dos estudantes marcaram a assertiva D (Concordo parcialmente) e 15% marcaram a E (Concordo
totalmente), enquanto 17% marcaram a A (Discordo totalmente) e 20% marcaram a B (Discordo
parcialmente). Isso significa que o percentual de concordância com atitudes que denigrem os
direitos do trabalhador, mesmo que relativamente baixo, quando comparado ao percentual de
concordância com as assertivas a favor de atitudes voltadas à contemplação dos direitos do
trabalhador, deve ser considerado, pois indica, ainda, um posicionamento voltado à subalternidade
das relações de trabalho.
Entretanto, ao verificarmos esses dados de forma mais específica, percebemos que as
alternativas que não expressam uma certeza plena, como o “Concordo parcialmente” (29%) e
“Discordo parcialmente” (20%) revelam que, provavelmente, o posicionamento deles frente a
situações com caráter benéfico para a empresa ou o patrão pode ser alterado à medida do
surgimento de uma nova situação ou reflexão sobre esta. Além disso, pelo fato de o índice de
concordância ser maior do que o da discordância, acreditamos na ideia de que a ideologia capitalista
desses alunos é permeada pela democrática e, por isso, possui certo grau de flexibilidade para
aceitar ou não as decisões do chefe e/ou da empresa, uma vez que, ao fazer isso, ele (o empregado)
estará participando ativamente do ambiente de trabalho, contribuindo, assim, com a manutenção do
sistema capitalista.

Considerações finais

A relevância de verificar as posições ideológicas imersas nas opiniões dos alunos concedeu-
nos um corpus para que essa pesquisa pudesse se desenvolver de maneira consistente, com o intuito
de conceder um protagonismo às vozes dos alunos enquanto realizadoras de um discurso. Nossas
inquietações foram respondidas à medida que assertivas foram opinadas pelos alunos no momento
da escolha das alternativas presentes em questionários, bem como por meio da elaboração de

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produções textuais do gênero artigo de opinião, as quais revelaram algumas de suas ideologias mais
marcadas acerca das relações de trabalho, econômicas e sociais.
É importante destacarmos a informação contida na tabela 01, pois a alternativa que versa
sobre a concordância total (E) alcançou 42% das escolhas. Desse modo, houve maior recorrência
nas assertivas que dizem respeito a situações que alocam o posicionamento do trabalhador em
relação a ocasiões que em determinado modo não respeitavam os direitos do empregado. Tudo isso
corrobora com uma de nossas hipóteses: a tomada de partido de determinada ideologia nas vozes
dos alunos, encontradas nas produções textuais solicitadas.
Reiteramos a importância de não apenas analisar as atividades que sejam solicitadas aos
alunos, mas também de fazer dessa proposta um tema recorrente em sala de aula, para que, cada vez
mais, os alunos sejam capazes de protagonizar uma voz própria sobre aquilo que os cercam. Além
do mais, consideramos necessária a consciência dos alunos em entender que tudo o que produzem
está permeado de carga ideológica, a qual é construída através de relações sociais.

Referências

CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. Data da Digitalização: 2004. Data Publicação Original: 1980.
FRITZEN, Aloísio. Ideologia e Alienação: Conceitos Básicos. Disponível em:
https://sites.google.com/site/aloisiofritzen/Home/fotos/filosofia-conteudos/ideologiaalienacao. Acesso em 07
maio 2016.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
MICHEL, Maria Helena. Metodologia e Pesquisa Científica em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas, 2009.
MOTTA-ROTH, Désirée; HENDGES, Graciela Rabuske. Artigo acadêmico: análise e discussão dos resultados. In:
Produção textual na universidade. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.

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A REESCRITA: PROCESSO NO ENSINO – APRENDIZADO

Wanessa de Góis Moreira1

Introdução
A produção textual é uma materialização de ideias de uma mente produtora de
conhecimentos diversos. O texto surge de forma embrionária e contínua, ou seja, o exercício da
escrita é dinâmico, por isso, não podemos dizer que os textos nascem prontos e acabados. Conforme
afirma Leite (2012, p.141) “os alunos, na condição de escritores, encontram-se em fase de aquisição
de habilidades de escrita.”, pois, sabemos que a linguagem é viva e está no contexto de
socialização, consequentemente, as mudanças estão presentes na fala, pensamentos e escrita o
tempo todo. Em razão disso, a reescrita tem a funcionalidade de aperfeiçoar as inadequações da
escrita, sendo a ponte para que os aspectos textuais e linguísticos sejam modificados de maneira
reflexiva.
Portanto, “os estudos linguísticos sobre a escrita atestam que ela é processo composto de
diferentes fases que se ligam recursivamente: o planejamento, a escrita e a revisão/reescrita”
(LEITE, 2012, p.141). Ao ser solicitado, pelo professor, a produção do texto, a escrita tem que ser
considerada como processo e não como produto, sendo a partir dela que poderá ocorrer a reescrita,
e, assim, deve-se considerar a reescrita de suma importância na formação da escrita do aluno. É por
meio dela que o aluno reflete criticamente o seu texto, lendo e relendo o que escreveu,
acrescentando e retirando determinadas inadequações textuais, permitindo que o sujeito escritor,
apodere-se da autonomia textual, reelaborando os aspectos textuais (estrutura, forma, e léxico) e,
ademais, os conteúdos abordados no texto. Em virtude disso, o aluno vai entender que a produção
textual é um processo constante de escrita e reescrita que está para além da limpeza ortográfica.
Dado exposto, minha experiência no PROMEB (Projeto de melhoria da educação básica)
motivou-me a pesquisar: quais aspectos da textualidade são mais afetados na reescrita dos alunos do
terceiro ano do Ensino Médio, na tipologia dissertativa argumentativa? Pois, na época, percebi que
a reescrita, quando acontece na escola, é considerada lições extracurricular, acumulando os textos
do aluno sem dar um feedback para que eles possam aprimorar sua compreensão de texto e de
escrita.
Levando em conta os fatos apresentado, pretendemos identificar nas produções textuais, em
que medida as observações do professor/mediador interferiram na reescrita dos alunos do terceiro
ano médio; Analisar no processo da reescrita, dos alunos, o que melhorou no texto em termos de
estrutura, ortografia e discurso. Propormos em nosso trabalho elencar a suma importância da
reescrita nos textos dos alunos, expondo que a reescrita não está, somente, no sentido de limpeza
ortográfica, mas como “prática (...) para além da higienização” (PEREIRA e MALAQUIAS, 2012,
p.97).
Neste trabalho procuramos elucidar questões acerca do processo da reescrita no ensino-
aprendizado do aluno. Para isso, dividimos a nossa abordagem em três partes. Na primeira,
apresentamos uma contextualização de gêneros textuais, escrita e reescrita, em sala de aula. Em
seguida, apresentamos a metodologia que utilizamos para realizar a pesquisa. E por fim, analisamos

1
Graduanda em Letras Português (UFPB), bolsista de Iniciação Científica wanessa1806@gmail.com

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as produções textuais dos alunos, observando as nuances presentes nas aulas que abordam a
reescrita.

Funções sociais do gênero: Redação do ENEM

Bakhtin afirma que os gêneros discursivos possuem “perspectiva sócio histórico e dialógico
(MARCUSCHI, 2008, p.152)”. O gênero discursivo é considerado sócio histórico por estar
vinculado à vida social e cultural da sociedade, servindo para ordenar os diversos usos da língua,
nas diferentes ocorrências comunicativas e dialógico por haver interação na língua, entre o locutor e
o interlocutor em diversos contextos comunicativos.
Silva e Malaquias (2012, p. 94) entendem que “os gêneros textuais não são apenas
instrumentos metodológicos para o aprendizado de alguns aspectos linguísticos do texto, mas
representam a própria ação de linguagem”. Portanto, é significativo o gênero ser ensinado de
maneira apropriada para o aluno, fazendo-o entender: o exercício social de sua escrita - dentro de
determinado gênero, e, qual a função social - o gênero escrito por ele representa nas diversas
ocorrências comunicativas. Assim, o aluno terá entendimento da funcionalidade das suas produções
textuais. Não se limitado ao entendimento, unicamente, de como se estruturar e organizar
formalmente um gênero, mas, apropriando-se do papel do mesmo nos diversos discursos.
Utilizamos, para nossa pesquisa, como um dos meios de investigação: o gênero redação do
Enem, de tipologia dissertativa argumentativa, no qual tem a função de apresentar um argumento e
defendê-lo – e, por fim, proporcionar uma intervenção para a problematização do tema abordado. A
redação do Enem está imersa no ambiente escolar, por servir de ingresso para algumas
universidades. Em virtude disso, a importância de ensinar qual a função da redação do Enem, no
contexto social, é de grande estima, pois, como dito, o ensino do gênero em sala de aula, faz o aluno
se apropriar da intencionalidade e situcionalidade do gênero, por entender onde ocorre sua prática
comunicativa. Por isso, abordamos o gênero redação do ENEM, para a prática pedagógica da
escrita-reescrita, em razão da imersão - influenciada pelas universidades, nas aulas de produções
textuais escolares.

A prática pedagógica da escrita

Depois da entrada dos gêneros textuais na escola - no ponto de vista conceitual e orientando
as atividades de produção de texto - a escrita exerce a ação de corporificar as ideias de uma mente
produtora de conhecimento e estando desde os primórdios da constituição da fala e interação do ser
humano, construindo-se a partir da necessidade de comunicação do diálogo humano. Portanto, a
escrita está para além de formações de frases, “ou seja, a escrita, como atividade de linguagem, tem
que ser percebida na sua dimensão de texto. Tanto para quem escreve quanto para quem lê
(ANTUNES, 2009, p. 209)”. No entanto, a escrita é considerada texto, quando há construção de
sentido entre o locutor e interlocutor.
Leite (2012, p.143) salienta que os “estudos discursivos e cognitivos apontam que a escrita é
um processo que envolve várias fases e conhecimentos em diferentes níveis.”, ou seja, a escrita não
está, somente, nas junções de palavras para formar uma oração, está, também, no arquétipo do
texto, para dar sentido a ele. Consequentemente a escrita é a interação que o autor possui com seu
interlocutor na construção de sentido e de compreensão do texto.
No entanto, a escrita “raramente nasce pronta para ser apreciada pelos leitores” (SAMPAIO,
2015, p. 11), por ser construto - que sofre modificação a todo tempo, não podemos cristalizar a
escrita. Sabemos que a linguagem é viva e está no contexto de socialização, consequentemente, as
mudanças estão presentes na fala, pensamentos e escrita - o tempo todo.

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A importância da reescrita na produção textual

Após a inserção dos gêneros textuais e das produções textuais nas escolas, o texto passou,
relativamente, a ser considerado processual – podendo sofrer modificações. Para Silva e Malaquias
(2012, p.97) “a prática da reescrita está para além da higienização’’, ou seja, sistematicamente, a
reescrita é mascarada como ato de “passar a limpo” o que foi corrigido no texto. Por isso, as autoras
afirmam que o ato de reescrever não aborda, tão-somente, a limpeza ortográfica das palavras
inadequadas, considerando que a reescrita se dá pelo processo de autorreflexão da produção textual,
além de uma purificação lexical. A reescrita, assim, está para além da higienização, podendo causar
uma reflexão no que deve ser melhorado - no texto: tanto na estrutura quanto no conteúdo.
Leite (2012. p. 143) propõe que “a reescrita está articulada a um processo amplo e complexo
que envolve conhecimentos vários”. O autor compreende que no processo de reescrita, o indivíduo,
desenvolve diversas habilidades textuais, não somente as operações linguísticas de estruturação de
um texto, mas, também, os conhecimentos extrínsecos que são ativados no momento de reescrever.
O acionamento de informações exerce a reflexão do autor ante a sua escrita, de forma crítica, pois o
escritor terá que realizar uma revisão estrutural e temática do texto. No artigo para a revista “Na
Ponta do Lápis” o cronista Antônio Prata (2016, p. 21) relata: “Nem sei o que é revisar porque a
escrita é revisar. Escrever é reescrever o tempo inteiro”. Ou seja, a escrita está sendo afirmada como
um ciclo constante de “leitura-reflexão-reescrita”, por permitir o autor buscar o aprimoramento do
seu texto pela reescrita.
A reescrita, muitas vezes, quando solicitada, causa desconforto ao sujeito que irá refazer o
texto, porque está enraizado o discurso que a reescrita só serve como “limpeza ortográfica”, por
isso, ainda encontramos indivíduos, que sentem vergonha em reescrever seu texto, por achar que a
primeira versão, da produção textual, significou um fracasso, considerando-se incompetentes,
desistindo da reescrita.
Por essa razão, é de suma importância que o professor - mediador, informe - quando solicitar
a reescrita, que refazer o texto não significa que a primeira escrita foi uma falha, e sim, funciona
para aguça-los a reconhecer a reescrita como parte de uma construção, eficaz, de um texto coeso e
coerente. Além do mais, é pertinente de ser falado, que a reescrita corrobora para melhoria da
construção discursiva do texto, ou seja, o refazer textual serve para além das entrelinhas lexicais,
adentrando, também, no conteúdo.
Portanto, focalizamos nossa pesquisa na importância da reescrita nas produções textuais,
visando o texto como processo. O método da reescrita é de suma relevância na formação das
habilidades de escrita do aluno, sendo a partir dela que o aluno refletirá criticamente o seu texto,
lendo e relendo o que escreveu, e assim, podendo acrescentar/eliminar informações presentes e
analisar quais aspectos da ortografia e da estruturação do texto está de acordo com o gênero que ele
está/irá escrever.
Desse modo, nosso trabalho pretende analisar o que foi aperfeiçoado na produção de
reescrita do aluno, sabendo que o processo de escrita-reescrita requer do autor (aluno) - na
construção do texto, capacidades de linguagem a serem trabalhadas na composição textual. De
acordo com Leite (2012, p. 150-151) as capacidades de linguagem são:

Capacidades de ação: possibilitam ao sujeito adaptar sua produção à situação de


ação linguagem (representações do conteúdo temático e dos contextos físicos,
social e subjetivo) e ao gênero textual;
Capacidades discursivas: possibilitam escolher a infraestrutura textual (tipos de
discurso, articulação entre os tipos de discurso, articulação entre os tipos de
discurso, sequencias e outras formas de planificação, plano geral);
Capacidades linguístico-discursivas: possibilitam realizar operações de
linguagem implicadas na produção do texto e são de quatro tipos: (1) mecanismos
de textualização (conexão, coesão nominal e coesão verbal); (2) mecanismos
enunciativos (gerenciamento de vozes e modalizações); (3) construção de
enunciados, orações e períodos; e (4) escolha de itens lexicais.

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Juntamente com as capacidades de linguagem e sua importância na construção do texto,


traremos, também, a influência da correção do professor, no processo da reescrita, observando quais
aspectos são solicitados a serem refeitos: ortográfico ou discursivo. Segundo Ruiz (2001, p. 146,
p.147 apud LEITE) são elas:

Correção resolutiva: o professor aponta e também resolve as inadequações que


encontram, adicionando, suprimindo ou deslocando palavras e/ou expressões do
texto do aluno;
Correção indicativa: o professor detecta inadequações, indicando-as por meio de
um sublinhado, um círculo ou outra forma de sinalização, mas a resolução fica a
cargo dos alunos;
Correção classificatória: o professor detecta as inadequações, classificando-as
segundo um conjunto de símbolos previamente convencionado (um código), de
modo que a resolução também fica a cargo dos alunos;
Correção textual-interativa: acontece através de comentários mais longos, feitos
à margem do texto ou no ‘’pós-texto’’ (espaço abaixo do texto) em forma de
‘’bilhetes’’.

Destarte, as correções são pontos que juntamente com as capacidades de linguagem devem
ser observadas criticamente. Ambas, oferecem mecanismos para realização de um exame textual,
por ter a função de indicar quais pontos devem ser verificados e alterados no momento da reescrita.
Levando em conta os fatores apresentados sobre capacidades e correções, nos basearemos
neles para categorizar nossa análise. Nosso diagnóstico será realizado em duas partes, considerando
seis textos. De início serão textos na primeira versão (escrita) e textos na segunda versão (reescrita);
em fragmentos: introdução, desenvolvimento e conclusão. Na segunda parte, estarão
concomitantemente as discussões de acordo com as capacidades de linguagem - sobre os aspectos
que foram modificados - e quais as implicações da correção na modificação textual.

Iniciando a pesquisa...

Para investigar o processo de reescrita nas produções textuais, do gênero Redação do


ENEM, de uma turma de terceiro ano do Ensino Médio, utilizamos a pesquisa de cunho qualitativo-
interpretativista, com objetivos exploratórios de base documental, por saber que:
A pesquisa qualitativa valoriza o conteúdo da ocorrência e a análise interpretativa,
independente da porção a ser investigada, pois cada elemento possui características
idiossincráticas, peculiares que merecem ser observadas (BARROS; LEITÃO; SILVA,
2016, p.63).

Observamos que na pesquisa qualitativo-interpretativista são levados em conta o contexto


em que o corpus estudado está inserido e quais as variáveis que compõem a pesquisa empreendida.
A investigação qualitativa remete à fundamentação histórica e filosófica, ou seja, busca as
percepções e entendimentos sobre a natureza geral e/ou ser ontológico, a partir de uma análise
meticulosa de todas as características, intrínsecas e extrínsecas, que compõem a investigação.
Devido à relevância da pesquisa qualitativa-interpretativista em analisar de maneira processual o
corpus estudado, utilizamo-la com intuito de investigar, de forma crítica, os aspectos levados em
conta nas produções textuais dos alunos, nas aulas de escritas e reescritas.
Nossa investigação foi realizada numa Escola Estadual, em João Pessoa – PB, através do
Programa de Melhoria da Educação Básica – PROMEB -, com a turma de terceiro ano do Ensino
Médio - do turno da tarde, no período de Junho a Dezembro de 2015. A perspectiva do projeto é
levar para os alunos, do Ensino Médio, leituras e produções textuais, na pretensão de desenvolver as
habilidades de escrita e leitura-crítica dos alunos. O PROMEB conta com a parceria da Secretaria
de Estado da Paraíba, juntamente com Universidade Federal da Paraíba.

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O caminho da escrita a reescrita...

Nossa pesquisa foi realizada em seis aulas, cada qual com duração de 45 minutos, uma vez
por semana. Tivemos a participação de oito alunos, por aula, mas, utilizaremos para análise três
produções textuais, por não conseguir incluir todos neste artigo, por questões de espaço.
Sabendo que os alunos do Ensino Médio estão prestes a ingressar numa Universidade, cujo
meio de entrada é a prova do Enem, a professora estava trabalhando com os alunos o gênero
Redação do Enem. Abaixo, segue a sequência do que foi trabalhado em cada aula.

Passo a passo da produção textual: o texto de maneira processual

AULAS PROCEDIMENTOS

Primeira aula A professora trouxe orientações de como


estruturar o gênero e a tipologia que o
constitui: dissertativo-argumentativo.

Segunda aula Em seguida, debateu com os alunos a


função comunicativa do gênero. Logo
após, a professora trouxe o tema:
‘’Ostentação e Consumismo’’, junto a um
texto de apoio para que os alunos
pudessem se informar mais sobre a
temática.
Foram lidos em conjunto e
deliberadamente debatidos alguns tópicos
relacionados à temática e as dúvidas que
surgiam sobre a construção do gênero.

Terceira aula Houve a solicitação da produção textual


aos alunos - sobre o tema: “Ostentação e
Consumismo”.
A professora informou aos alunos que
seus interlocutores seriam os corretores do
ENEM, por isso, tinham que seguir a
estrutura textual do gênero exposto.

Quarta aula Os textos foram corrigidos pela


professora, que marcou os desvios e as
inadequações ortográficas e estruturais
cometidas pelos alunos, informando, no
final do texto, quais mudanças teriam que
fazer no texto.

Quinta aula Antes de entregar a primeira versão da


escrita corrigida, a professora escreveu no
quadro negro algumas palavras,
inadequadas, encontradas repetidamente
no texto dos alunos, e pediu para que os
alunos identificassem o que estava

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impróprio naquela escrita.


Com isso, ela pretendia que os alunos
refletissem sobre o que eles haviam
escrito e associassem ao seu texto as
modificações que deveriam fazer.

Sexta aula Por fim, os alunos receberam seus


respectivos textos e foram solicitados a
refazerem de acordo com o que estava
pontuado no final do texto.

Praticando a reescrita: diagnóstico das produções textuais

Nesse momento analisaremos o recorte dos textos dos alunos para refletir sobre quais
aspectos foram afetados em seu texto, após a correção da professora e o pedido da reescrita.

Primeira versão da introdução (texto 1)

Comentários da professora (texto 1)


Não houve comentários, apenas indicações no próprio texto.

Segunda versão da introdução (texto 1)

No exemplo acima, a correção que a professora utiliza é a indicativa. Ela faz indicações por
meios de sublinhados e círculos referenciando os aspectos de ordens lexicais e estruturais que
devem ser modificados, havendo, somente, uma preocupação com a limpeza ortográfica. A

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professora indica apenas quais palavras devem ser substituídas - por serem informais - uma vez que
- o gênero redação do ENEM requer a norma culta, e não a coloquial. A correção e a reescrita dessa
produção textual estão atreladas à capacidade linguístico-discursiva, pois, visa à adequação de
termos formais e linguísticos: ortografia, coesão e coerência. Na correção não há diálogo professor-
aluno, de maneira interativa, visando somente questões pontuais - ortográficas, mas, mesmo diante
dessa correção, as indicações levam os alunos à reflexão sobre sua escrita, por identificar que o uso
de determinadas palavras dentro do meio comunicativo exposto não é adequado, sabendo que na
ocorrência comunicativa que está situada o ENEM, não se pode utilizar variedades linguísticas, ou
seja, o aluno adequará sua linguagem para o contexto que está inserido, mas ficará, somente, na
superfície textual.

Primeira versão do desenvolvimento (texto 2)

Comentários da professora (texto 2)

Segunda versão do desenvolvimento (texto 2)

Nesta ocasião, a professora utiliza duas correções: a primeira é a indicativa, sublinhando as


palavras que estão inadequadas no texto e ao gênero redação do ENEM, de maneira que o aluno,
novamente, limpe as inadequações ortográficas, visando uma “higienização textual”, a segunda é a
textual-interativa, já que nessa correção há um diálogo entre a professora e o aluno, no final do
texto, em que ela explica por meio de comentários o que pode ser incrementado na construção
textual. Identificamos que a capacidade de linguagem utilizada pela professora é a discursiva,
levantando litígios para melhorar a argumentação e o discurso do aluno no desenvolvimento do

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texto, na pretensão que o leitor construa sentido ao ler o texto do seu aluno, de maneira coesa e
coerente.

Primeira versão da conclusão (texto 3)

Comentários da professora (texto 3)

Segunda versão da conclusão (texto 3)

Aqui, a professora se apropria de três correções: a indicativa, sublinhando quais palavras


devem ser modificadas; a textual-interativa, nos comentários ao trazer aspectos da gramática
normativa que tem que ser seguida na produção textual, relacionando-se ao contexto comunicativo
em que o ENEM está inserido - a norma padrão, por meio de comentários - no final do texto e a
resolutiva, por meio da qual a professora escreve em cima das palavras inadequadas, como deve ser
escrito. Percebemos que a capacidade de linguagem desenvolvida pela professora, nas correções, é a
discursiva, e, também, a capacidade linguístico-discursiva, quando a professora pontua nos
comentários que a conclusão dever ser mais - “dominada” -, induzindo no aluno a reflexão-crítica
sobre trazer mais informatividade, de maneira coesa e coerente, para seu texto. Na reescrita, de fato,
o aluno traz mais dados na conclusão, de maneira significativa, ao seu texto, executando a
capacidade linguístico-discursiva e o discurso.

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 95

Conclusões

De acordo com as perguntas iniciais que nos motivou a pesquisar e tendo em vista nosso
objetivo de investigar nas produções textuais dos alunos do terceiro ano Ensino Médio quais
aspectos do texto foram mais afetados na reescrita, verificamos que a professora priorizou, nas
correções, as capacidades linguístico-discursiva e discursiva.
Percebemos, em algumas correções da professora, que o processo de reescrita está na
superfície textual, como limpeza ortográfica e ajustes na concordância. Levando o aluno a revisar os
elementos mais formais da língua, engessando o texto, não o considerando processual. Quando
encontramos, na correção da professora, o pedido de incrementar mais informatividade ao texto,
subjaz a priorização da higienização ortográfica, porque há uma preocupação dos aspectos formais:
ortografia e estrutura, maior do que o pedido de desenvolvimento no conteúdo.
Entendemos, então, que a reescrita, nessa análise, não aguça a reflexão-criticidade do aluno,
por entendermos que a reescrita está para a autonomia do autor e nesses dados não observamos esse
tópico. Por isso, é de grande relevância analisar as correções dos professores, porque é através dela
que o aluno se apropria para refazer seu texto. No processo de correção quando a professora dialoga
com o aluno o que pode ser modificado e como ser modificado, aguça a reflexão do que
incrementar ao texto, diferentemente, quando a professora só indica e resolve as inadequações
ortográficas, não leva o aluno a refletir o que deve ser refeito em seu texto.
Levando em conta os fatores apresentados, defendemos que a correção do professor deve
induzir à reflexão-crítica do aluno, dialogando com o seu texto e apresentando o que pode ser
modificado e onde deve ser modificado. Deste modo, consideramos a importância da correção para
a reescrita, pois será ela a porta para que o aluno leia o que não está adequado em seu texto, reflita,
e refaça, de maneira eficaz.
Portanto, concluímos que a reescrita é processual, sendo através dela que o criador do texto
poderá ajustar as inadequações: discursiva e ortográfica, e incrementar informações construtivas, na
qual ajudem na legibilidade de seu texto, para que o leitor, ao ler a produção textual, construa
sentidos eficazes sobre o conteúdo abordado no texto.

Referências

ANTUNES, Irandé. Língua, texto e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.
LEITÃO, Poliana Dayse Vasconselos; SILVA, Gabriela Belo da; BARROS, Webert Cavalcanti. Sugestões para a
construção do desenvolvimento do TCC. In: PEREIRA, Regina Celi Mendes (Org.). Entre conversas e práticas de
TCC. João Pessoa: Idea, 2016.
LEITE, Evandro Gonçalves. A Produção de Textos em Sala de Aula: Da Correção do Professor à Reescrita do Aluno.
In: PEREIRA, Regina Celi Mendes (Org.). Nas Trilhas do ISD: Práticas de ensino-aprendizagem da Escrita.
Campinas, SP: Pontes Editores, 2012.
MALAQUIAS, Aline da Silva; PEREIRA, Regina Celi. O Estatudo da Reescrita no LD e suas Implicações na Prática
Docente. In: PEREIRA, Regina Celi (Org.). Nas Trilhas do ISD: Práticas de ensino-aprendizagem da Escrita.
Campinas, SP: Pontes Editores, 2012.
MARCUSHI, Antônio Luiz. Produção Textual, Análise de Gêneros e Compreensão. 1. Ed. Parábola Editorial, 2008.
PRATA, ANTONIO. “Uma das graças de escrever é ver onde aquilo vai dar.” In: Olímpiada de Língua Portuguesa,
Escrevendo o futuro. Na ponta do lápis. São Paulo: AGWM Editora e Produções Editoriais, Julho, 2015.
SAMPAIO, Emílio Davi. “A reescrita textual: como aprimorar o texto do meu aluno?” In: Olímpiada de Língua
Portuguesa, Escrevendo o futuro. Na ponta do lápis. São Paulo: AGWM Editora e Produções Editoriais, Março, 2015.

SUMÁRIO
I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 2 4 4 - 4 | 96

A INFLUÊNCIA DO PROFESSOR NO DESENVOLVIMENTO


ESCOLAR DO ALUNO DURANTE AS AULAS DE
PRODUÇÃO DE TEXTOS
Amanda Joyce de Jesus Ferreira1

Considerações iniciais

Nas últimas décadas, a educação vem sendo estudada devido aos baixos índices de
rendimento escolar que repercutem em todos os níveis escolares no país. Alunos saem do ensino
fundamental e chegam ao ensino médio sem produzir e/ou interpretar textos simples, como as
narrativas, por exemplo. Problemas como esses são perceptíveis em sala de aula e cabe ao professor
identificar e procurar a melhor maneira de trabalhá-los para que o aluno não desenvolva déficit em
vez de aquisição de conhecimentos e formação ética.
É necessário que, ao elaborar as atividades para as turmas, o professor tenha em mente
propor reflexões aos alunos. Os textos apresentados devem ser discutidos e problematizados, devem
estimular a capacidade argumentativa do aluno, como, por exemplo, nas aulas de produção textual.
Junto ao aluno, o professor deve explorar as ramificações, os temas transversais, a linguagem, o
gênero textual, entre outros.
O âmbito escolar é o local em que o aluno, sob orientação do professor, passa a ter contato
com os textos, a explorá-los, discuti-los e, posteriormente, criá-los mediante a situação
sociocomunicativa. Tudo vai depender da capacidade e dos estímulos. Mas o que acontece quando o
professor, em vez de estimular o contato do aluno com o texto, afasta-o deste? Problemas como esse
podem decorrer da formação tradicional do professor e da ausência de uma formação continuada, a
qual é sugerida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB n° 9.394/96, art. 63,
inciso 3: “Os institutos superiores de educação manterão: III – programas de educação continuada
para os profissionais de educação dos diversos níveis”.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), os índices de repetência nas séries
iniciais são catastróficos, pois decorrem da dificuldade do ensino de leitura e produção de textos.
Um outro motivo também seria a questão da mudança ocorrida no sistema de educação por meio da
implantação da progressão continuada, em que o aluno (da rede pública de ensino) não mais fica
preso (reprovado) em nenhuma das etapas dos anos letivos seguintes. Ou seja, os alunos
“desinteressados” aproveitam essa “brecha” no sistema para ganhar autonomia e desfrutar da
relativa liberdade em sala de aula, o que, consequentemente, contribuirá cada vez mais para o
elevado número de repetências no sistema educacional e/ou para a formação de indivíduos não
capacitados.
O professor é o principal responsável na relação aluno-texto. É ele quem vai
mediar/apresentar ao aluno os gêneros textuais. Estes, que surgem nos anos 90 e que passam a
ganhar espaço nas salas de aula, são meios maleáveis utilizados para realizar a comunicação verbal
de forma a proporcionar ao indivíduo a construção de sentido do texto. Para Marcuschi (2002), os
gêneros textuais contribuem na organização e equilíbrio das situações sociocomunicativas em que o
sujeito está inserido. Ou seja, o ensino dos gêneros amplia o uso da linguagem e, dessa forma, cabe

1
Graduanda em Letras Português e bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID).

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 97

à escola e ao professor trabalhar os textos dentro da realidade de cada aluno de forma gradativa. A
importância desse trabalho com os gêneros proporciona ao aluno o preparo necessário para a
realidade em que vive.
Tendo em vista os problemas elencados acima quanto ao ensino de produção textual, à
relação professor-aluno e à formação de ambos, o presente trabalho, com base na interpretação de
documentos oficiais para o Ensino Médio, propõe contribuir para uma melhoria significativa do
ensino de língua.
Após a apresentação dos documentos oficiais, será feita uma exploração sobre o Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM), tendo em vista que este é uma das principais formas de
verificar se as sugestões propostas pelos documentos são elencadas no decorrer dos anos finais da
Educação Básica.
Em seguida, partiremos do ponto de observação e interpretação de duas redações
produzidas durante o simulado proposto pelo Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência (PIBID), em agosto de 2015, cujo propósito era testar os conhecimentos e habilidades dos
alunos adquiridos durante todo o ano letivo do Ensino Médio e preparar os estudantes para o
ENEM. Ambos os textos vão nos ajudar a analisar a prática docente durante o processo de produção
textual e nos guiar na investigação da relação professor-aluno, a fim de que possamos contribuir
para um melhor entendimento do ensino de língua e suas ramificações.

Documentos oficiais do Ensino Médio e suas concepções para a escola, o professor e o aluno

Esta seção traz os documentos oficiais para o ensino médio e suas sugestões para a escola,
o professor e o aluno quanto ao ensino de gêneros textuais e as concepções de linguagem para uma
formação ética e cidadã.
As Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM) foram criadas “com a intenção
de apresentar um conjunto de reflexões que alimente a sua prática docente. ” (OCEM, 2006, p. 8).
Esse documento sugere debates acerca da prática docente e colabora para uma educação de
qualidade. Trata-se de um resultado de discussões que envolvem a educação no Ensino Médio, no
que tange ao processo de aprendizagem dos estudantes, ao currículo escolar e a todas as disciplinas
em suas particularidades.
As OCEM são compostas por três volumes (aqui só abordaremos o volume 1) que
objetivam contribuir para a relação professor e escola. O volume 1, “Linguagens, códigos e suas
tecnologias”, tem por finalidade trazer uma abordagem de ensino sociointeracionista. Essa nova
abordagem é o ponto de conflito entre aqueles que são adeptos a essa perspectiva e os
tradicionalistas, que defendem a gramática prescritiva.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) possuem como eixo
norteador o respeito à diversidade. Sua composição inclui “uma visão da área e de suas disciplinas
potenciais, bem como reflexões sobre o sentido do processo de ensino-aprendizagem de
competências gerais a serem objetivadas no Ensino Médio. ” (PCNEM, 2000, p. 4).
O referido documento foi criado em 1996 a partir da colaboração de diferentes
profissionais da área de ensino que, por meio de críticas e sugestões, deram continuidade a diversas
versões do documento, objetivando melhorá-lo para contribuir com o ensino nas escolas. O foco do
PCNEM é a escola, pois é nela que acontece o sucesso ou fracasso desse documento.
As Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN+) são voltadas para o professor e sua formação profissional, “reconhecendo seu papel central
e insubstituível na condução e no aperfeiçoamento desse nível. ” (PCN+, 2002, p. 7). O objetivo
deste documento é “facilitar a organização do trabalho escolar” quando se trata da área de
linguagens. Embora seja voltado para a formação do professor e sua relação com a escola, esse
documento visa à escola em toda sua completude.
Os documentos acima possuem diferentes focos, mas ao mesmo tempo são similares, pois
são voltados para o ensino e aprendizagem do aluno e do professor e as relações com a escola. Na

SUMÁRIO
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sequência, daremos continuidade ao estudo desses documentos trazendo como foco as concepções
de linguagem que eles abordam.

As concepções de gêneros textuais presentes nos Referenciais Curriculares para o ensino de


língua materna

A proposta dos documentos oficiais para o ensino de língua materna, oral ou escrita, está
baseada na abordagem dos gêneros textuais que se manifestam por meio de diferentes formas de
linguagem, sendo constituídos de “enunciados relativamente estáveis” (BAKHTIN, 1997)
realizados durante uma interação verbal.
Os documentos oficiais e os livros didáticos utilizados nas escolas públicas sofreram, nas
últimas décadas, fortes influências dos gêneros textuais. No ensino de língua portuguesa, há uma
larga apropriação e seleção quando se trata dos gêneros, conforme aborda os Referenciais
Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba (2006, p. 36):

A diversidade de gêneros, praticamente ilimitada, impede que a escola trate todos eles
como objeto de ensino; torna-se necessária uma seleção. Neste documento, foram
priorizados aqueles cujo domínio é fundamental à efetiva participação social. No entanto,
não se deve considerar a relação apresentada como exaustiva. Em função do projeto da
escola, do trabalho em desenvolvimento e das necessidades específicas do grupo de alunos,
outras escolhas poderão ser feitas. Portanto, antes de selecionar os conteúdos sugeridos para
as práticas de linguagem, faz-se necessário escolher quais gêneros orientarão o trabalho
com os textos – unidade básica de ensino – tanto no uso (escuta de textos orais/leitura de
textos escritos e produção de textos orais/escritos) como na reflexão (prática de análise
linguística).

A partir dessa seleção, tem-se a organização dos conteúdos para serem ministrados nas
séries finais da educação básica. Os Referenciais organizam e selecionam esses gêneros com base
no uso e na reflexão, ou seja, eles partem dos gêneros mais próximos ao cotidiano familiar do aluno,
pois são mais fáceis de trabalhar e de fazer com que o aluno os entenda. Por intermédio deles, pode-
se trabalhar os gêneros mais complexos, tendo em vista que “pode-se trabalhar um mesmo gênero
em diferentes esferas”, cabendo, assim, ao professor, ensinar ao aluno que existem ilimitados
gêneros textuais, orais ou escritos, e que cada um deles pode ser utilizado em diferentes situações.

Os gêneros textuais e suas características segundo Marcuschi e Bakhtin

Nesta seção, abordaremos o conceito de gênero textual e suas características, segundo


Marcuschi e Bakhtin. Ambos os conceitos serão de fundamental importância nesta etapa e para a
análise dos nossos dados, que virão posteriormente.
Segundo Marcuschi (2002, p. 1), os gêneros textuais “são fenômenos históricos,
profundamente vinculados a vida cultural e social”. Eles contribuem para uma melhor comunicação
entre os sujeitos e estão vinculados sob o aspecto cultual. Os gêneros possuem influência quando se
trata da interação verbal e, dessa forma, não são caracterizados como formas estanques, mas, pelo
contrário, os gêneros possuem vínculo com o desenvolvimento progressivo das novas tecnologias.
Assim como a língua e a escrita, os gêneros evoluem e de acordo com seus usos, mas é
notável que, em comparação com a antiguidade, os gêneros passaram a evoluir com os avanços das
tecnologias e ficaram cada vez mais evidentes, conforme aponta Marcuschi:

[...] os gêneros textuais surgem, situam-se e integram-se funcionalmente nas culturas em


que se desenvolvem. Caracterizam-se muito mais por suas funções comunicativas,
cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades linguísticas e estruturais.
(MARCUSCHI, 2002, p. 1).

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 99

Os gêneros são passíveis de modificações, principalmente na interação/evolução entre os


sujeitos, e não surgem das tecnologias, mas, a partir do uso destas, passam a entrar em foco, como,
por exemplo, o e-mail, blogs e as redes sociais. É preciso deixar claro que esses exemplos não são
inovações, eles advêm de alguns gêneros já existentes, como a carta e o diário. Esse processo, como
fala Marcuschi (2002), chama-se “transmutação dos gêneros e na assimilação de um gênero por
outro gerando novos. ” O avanço da tecnologia trouxe em foco os gêneros, mesmo que não sejam
novos, mas passaram a emergir diante dos diferentes usos da linguagem.
Esses novos gêneros possibilitam uma melhor relação entre a oralidade e a escrita, criando,
assim, novas formas de comunicação, e, como diz Marcuschi (2002), “com um certo hibridismo que
desafia as relações entre oralidade e escrita e inviabiliza de forma definitiva a velha visão
dicotômica ainda presente em muitos manuais de ensino de língua”. A linguagem desses novos
gêneros torna-se mais maleável em seu uso e funcionalidade.
Embora caracterizem-se sob aspectos sociocomunicativos, os gêneros não descartam as
formas que os caracterizam. Segundo Marcuschi (2002), há a possibilidade de que o suporte ou o
ambiente em que se encontram determinem o gênero a ser utilizado. É importante esclarecermos a
distinção entre o que seria tipo textual e gênero textual:

a) Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção teórica
definida pela natureza linguística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos,
tempos verbais, relações lógicas}. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia
dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição e
injunção.
b) Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir
os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam
características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais,
estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os
gêneros são inúmeros. Alguns exemplos de gêneros textuais seriam: telefonema,
sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem jornalística, aula
expositiva, reunião de condomínio, notícia jornalística, horóscopo [...] carta eletrônica,
bate-papo, aulas virtuais e assim por diante. (MARCUSCHI, 2002, p. 3-4).

Dessa forma, enquanto os tipos textuais são limitados e fazem parte da composição dos
gêneros, estes são vistos como “textos materializados” que circulam na sociedade e nos quais
“predominam os critérios de ação prática, circulação sócio-histórica, funcionalidade, conteúdo
temático, estilo e composicionalidade” (MARCUSCHI, 2002, p. 5). Os gêneros são formas
comunicativas relativamente estáveis de enunciados encontrados nas interações entre os sujeitos.
Ao falarmos de gêneros textuais é importante conhecermos os três componentes que Bakhtin os
caracteriza: a temática, a composição e o estilo.
Segundo Bakhtin (1997), o conteúdo temático, a construção composicional e o estilo fazem
parte do “todo do enunciado”, são características específicas da comunicação, e a utilização da
língua nesse meio requer uma relativa estabilidade de enunciados durante as interações sociais,
gerando, assim, os gêneros discursivos.
Quando falamos de enunciados (gêneros discursivos primários e secundários), os situamos
em um importante ponto que aborda as características específicas da comunicação, como: temática,
composição e estilo.
O estilo diz respeito à forma em que são utilizados os recursos linguísticos em um texto de
determinado gênero, mas nem todos possuem estilo individual, como no caso dos gêneros do
discurso apontado por Bakhtin:

Na maioria dos gêneros do discurso (com exceção dos gêneros artístico-literários), o estilo
individual não entra na interação do enunciado, não serve exclusivamente às suas
finalidades, sendo, por assim dizer, seu epifenômeno, seu produto complementar. A
variedade dos gêneros do discurso pode revelar a variedade dos estratos e dos aspectos da
personalidade individual, e o estilo individual pode relacionar-se de diferentes maneiras
com a língua comum. (BAKHTIN, 1997, p. 160).

SUMÁRIO
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A relação entre estilo e gênero passa a ser “problema do enunciado” quando se trata do
estilo ou função, que nada mais são do que estilo de um gênero em uma determinada situação
sociocomunicativa. Na construção composicional, Bakhtin (1997) traz os gêneros textuais
organizados por meio de um modelo formal que define a quantidade, a seleção e a ordem que
compõem os textos2, enquanto que a temática atende às necessidades comunicativas em uma dada
situação de uso.
Dessa forma, como diz Bakhtin (1997), não devemos diminuir a heterogeneidade dos
gêneros discursivos, pois eles estão ligados ao conteúdo composicional, à temática e ao estilo que,
por sua vez, estão interligados ao uso da linguagem.
Após os postulados dos documentos oficiais que regem o ensino de língua no Brasil e dos
aportes teóricos de Bakhtin e Marcuschi acerca dos gêneros textuais, partiremos a seguir para uma
exploração sobre o ENEM, tendo em vista que este é uma das principais formas de verificar se as
sugestões propostas pelos documentos oficiais são elencadas no decorrer dos anos finais da
Educação Básica.

Sobre o ENEM e sua matriz de correção

Em 1998, o Ministério da Educação (MEC) criou o ENEM com o objetivo de avaliar o


desempenho do estudante no fim da escolaridade básica (Ensino Médio), acompanhar a qualidade
de ensino no país e orientar as políticas públicas na área da Educação. No ano de 2009, o ENEM
passou a ser visto como mecanismo que seleciona candidatos com a nota mínima exigida para
ingresso no Ensino Superior.
O ENEM é disponibilizado todos os anos para os estudantes das redes públicas e privadas
de ensino em todo o país. O exame é composto por 180 questões e uma prova de redação que deve
ser realizada em prosa, do tipo dissertativo-argumentativo, sobre um tema social, cultural ou
político, e deve ser escrita em até 30 linhas.
As 180 questões são de múltipla escolha e divididas nas quatro áreas de ensino e
conhecimento: ciências humanas e suas tecnologias (história, geografia, filosofia e sociologia),
ciências da natureza e suas tecnologias (química, física e biologia), linguagens, códigos e suas
tecnologias (língua portuguesa, língua estrangeira e literatura) e matemática e suas tecnologias.
Na elaboração da prova do ENEM, é utilizada uma matriz de competências que avalia a
prova objetiva e a redação. Quando falamos em “competência”, nos referimos à capacidade do
estudante de: (a) demonstrar domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa; (b)
compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para
desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa; (c)
selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações fatos, opiniões e argumentos em defesa
de um ponto de vista; (d) demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a
construção da argumentação; e (e) elaborar proposta de intervenção para o problema abordado,
respeitando os direitos humanos. Cada uma das competências citadas está relacionada a um
conjunto de habilidades que objetivam demonstrar sua prática.
A matriz de referência possui um conjunto de 120 habilidades em sua totalidade, divididas
dentro das quatro áreas de conhecimento que fazem parte do exame. Quando se trata da redação, a
matriz de referência utiliza um conjunto de competências específicas e seus níveis de conhecimento.
Desde sua criação, a estrutura do ENEM é focada nas habilidades, no incentivo e no
conhecimento do aluno por meio da interdisciplinaridade. Desde 2009, o ENEM passou a ser a
principal porta de acesso dos estudantes para o ingresso nas universidades, e o modelo de prova
mantém as mesmas características de sua criação, agregando apenas os conteúdos que são
relacionados especificamente para o Ensino Médio, como as questões contextualizadas, que devem
decorrer da prática do conhecimento e não apenas da memorização de informações.

2
Cf.. FERREIRA, Helena Maria. Gêneros textuais e discursivos: guia de estudos. UFLA, 2013.

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 101

Analisando os dados...

No presente tópico, trazemos duas redações realizadas durante o simulado ENEM–UFPB


em agosto de 2015. Ambas as redações aparecerão “em partes”, estando separadas a introdução, o
desenvolvimento e a conclusão. O propósito do simulado era testar os conhecimentos e habilidades
dos alunos adquiridos durante todo o ano letivo do Ensino Médio.
Optamos por essas duas redações pois elas mereceram destaque em suas respectivas
correções. A primeira, que aqui chamaremos de redação A, encontra-se em destaque por fugir ao
tema proposto mesmo com o auxílio dos textos motivadores presentes no caderno de questões, o
que denota, em nossa análise, que o aluno não obteve conhecimento acerca da tipologia textual e
dos gêneros como forma de exercitar sua escrita. A segunda chamaremos de redação B e se destaca
por conter todas as competências estipuladas pela Matriz de Correção, excedendo-se no uso da
pontuação/acentuação e da norma padrão da língua escrita, o que, consequentemente, gerou uma
penalização durante a correção.
Para a correção dessas redações, foi desenvolvido um sistema de símbolos que são
adequados às competências postuladas pela Matriz de Correção das redações e que auxiliaram os
bolsistas do PIBID durante a correção das provas de redação do simulado. O objetivo desse sistema
de símbolos é ajudar os alunos a compreenderem as inadequações empregadas em suas produções
dissertativo-argumentativas durante o simulado.
O sistema desenvolvido possui cinco símbolos de acordo com cada uma das competências
da Matriz de Correção, a saber: 1. Domínio da norma padrão da língua escrita (+); 2. Compreensão
da proposta (Δ); 3. Seleção e organização das ideias (∞); 4. Coesão e coerência textual (ϟ); e 5.
Apresentação da proposta de intervenção (Φ).

Redação A

A introdução da redação A apresenta falta de domínio da norma padrão da língua escrita,


ausência de elementos coesos e de alguma menção ao tema proposto pelo simulado:

Figura 1: Trecho 1 da redação A.

Fonte:
arquivo pessoal.

A redação possuía como eixo temático a “Estética e saúde no Brasil”. No trecho destacado
acima, notamos a ausência, como dito anteriormente, do domínio da norma padrão da língua escrita
e dos elementos coesos. Segundo Marcuschi (2002), os gêneros textuais tornaram-se mais evidentes
com os avanços da tecnologia, ou seja, o indivíduo passa a utilizar os gêneros textuais com mais
frequência nas interações verbais e, consequentemente, tendem a desenvolvê-los durante a produção
escrita. O trecho destacado acima nos mostra que o aluno não desenvolveu, durante sua produção
textual, o seu conhecimento acerca dos gêneros e tipos textuais.
Quanto à abordagem relacionada ao assunto da “estética”, em nenhum momento, durante o
desenvolvimento do texto dissertativo-argumentativo, o referido assunto é citado. Vejamos o trecho
abaixo:

Figura 2: Trecho 2 da redação A.

SUMÁRIO
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Fonte:
arquivo pessoal.

Como já foi elencado anteriormente nos tópicos acima, o foco de alguns documentos
oficiais é o ensino-aprendizagem do aluno. Os Referenciais, por exemplo, sugerem a seleção e a
organização dos conteúdos a serem ministrados nas séries finais da Educação Básica e, dentre eles,
tem-se o texto dissertativo-argumentativo. É imprescindível que o professor ensine ao aluno como
se constrói esse tipo de texto, seus argumentos e estrutura, tendo em vista que o aluno, no terceiro
ano do Ensino Médio, deve estar apto a redigir esse texto durante a realização do ENEM.
Entretanto, como vimos na redação anterior, o aluno não demonstra conhecimento na construção do
seu texto, não há presença de recursos simples como espaçamento e acentuação gráfica, gerando,
assim, e aliado à falta de atenção às competências da matriz de correção, um mau desempenho em
sua produção. Isso pode ser decorrente do mau comportamento em sala de aula nas horas de
explicação ou falta de didática do professor ao passar o conteúdo para o aluno. Essa questão surgiu
em um momento em que devemos refletir sobre a condição do professor em sala de aula da rede
pública de ensino e sobre o respeito que o aluno deve ter pelo professor que, com base em
experiência pessoal, parece não existir mais.
No ensino de língua portuguesa, o professor deve incentivar seu aluno a conhecer os
gêneros e tipos textuais e a produzi-los, trabalhando escrita e reescrita para um bom desempenho
nas provas futuras, como ENEM ou concurso público, e até mesmo nas produções textuais em sala
de aula.

Redação B

A redação B, diferentemente da redação A, atende às competências postuladas pela Matriz


de Referência, excedendo-se no emprego de pontuação gráfica e em uma única “falha” na
introdução acerca da coesão e coerência textual:

Figura 3: Trecho 1 da redação B.

Fonte: arquivo pessoal.

SUMÁRIO
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Notamos que, na linha 1, a vírgula vem antes do pronome relativo “que”; na linha 3, temos
a ausência da vírgula para separar o adjetivo do advérbio; na linha 4, mais uma vez a vírgula
encontra-se antes do pronome relativo, entre outros. São erros de pontuação gráfica que
penalizaram o aluno na hora da correção da prova, assim como a ausência de coesão na linha 7. Ao
longo de todo o texto, o aluno demonstra bom desempenho na compreensão da proposta,
organização das ideias, utilização dos recursos de coesão e coerência e apresenta uma proposta de
intervenção para a situação-problema:

Figura 4: Trecho 2 da redação B.

Fonte:
arquivo pessoal.

No trecho acima do desenvolvimento da redação B, notamos uma organização e a


preocupação do aluno ao entrelaçar a “estética” e a “saúde” com seus benefícios e consequências
para a população. No decorrer de todo o texto, o aluno tem o cuidado em não fugir do tema
proposto e o desenvolve muito bem, sendo atento também para uma proposta de intervenção que
respeita os direitos humanos.
O domínio do aluno sobre o tema ao longo da produção textual evidencia seu
conhecimento sobre o assunto, sobre a estrutura da redação e sobre as competências postuladas pela
matriz curricular, bem como o reconhecimento da influência do professor nesse processo de
produção.
Enquanto que, na redação A, notamos a ausência dos processos de produção de um texto
dissertativo-argumentativo e a falta de conhecimento sobre as tipologias e os gêneros textuais, na
redação B, percebemos o quão bem eles são abordados, organizados e desenvolvidos. Dessa forma,
notamos que a influência e o auxílio do professor, assim como sua formação continuada, em sala de
aula, são imprescindíveis para o desenvolvimento crítico do aluno.

Considerações finais

Levando em consideração a exposição feita no decorrer deste trabalho sobre os


documentos oficias (OCEM, PCNs, PCN+ e Referenciais) e dos estudos de Marcuschi e Bakhtin
quanto ao ensino-aprendizagem de língua portuguesa, relação professor-aluno e influências em sala
de aula no tocante à produção textual, o nosso objetivo foi o de contribuir para uma melhoria no
desempenho do ensino de língua portuguesa.
A partir do auxílio das redações propostas pelo PIBID no simulado ENEM–UFPB,
pudemos comprovar que o desempenho do professor em sala de aula confere grande influência para
o aluno e que isso se reflete nos resultados obtidos pelo estudante após a realização do simulado.
Dessa forma, deixamos claro que a nossa pesquisa alcançou seu objetivo inicial de
contribuir para um melhor desempenho no ensino de língua e que o professor, como profissional
capacitado, deve sempre influenciar o aluno a produzir textos, pois por meio deles o aluno terá um
melhor conhecimento do vasto campo de comunicação que o cerca.

SUMÁRIO
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É importante deixarmos claro que este trabalho é apenas uma contribuição para os estudos
sobre o referido tema, sendo possível sua continuidade.

Referências

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n°. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional. 11.ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015.

BRASIL/SEC-PB. Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba. Vol. I. Linguagens, códigos e suas
tecnologias. João Pessoa: UFPB/BC, 2006.

BRASIL/SEMTEC. Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Brasília: Mec/Semtec, 2002.

BRASIL/SEMTEC. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Mec/Semtec, 2002.

BRASIL/SEMTEC. PCN+ Ensino Médio: Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares
Nacionais. Volume Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: Mec/Semtec, 2002.

FERREIRA, Helena Maria. Gêneros textuais e discursivos: guia de estudos. Lavras: UFLA, 2013.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, A. P. et al. (Org). Gêneros
textuais & ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002, p. 19-36.

SUMÁRIO
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O PAPEL DO PROFESSOR DURANTE


A REVISÃO TEXTUAL PARA O DESENVOLVIMENTO DAS
HABILIDADES DE ESCRITA
Alessandra Magda de Miranda1

Palavras iniciais

A produção textual tem sido considerada, tanto por renomados teóricos quanto pelos
documentos oficiais, uma prática relevante no processo de formação educacional de um indivíduo.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio
(OCEM), por exemplo, consideram-na como um dos objetivos do ensino de Língua Materna, por
consistir numa tarefa capaz de proporcionar aos indivíduos alto grau de desenvolvimento intelectual
e pessoal, refletindo não apenas na vida educacional, mas também em sua vida social.
Nesse sentido, os estudos linguísticos mais recentes apontam-na como uma atividade
processual e interativa, composta por fases interdependentes e intercomplementares, a saber:
planejamento, escrita, revisão e reescrita. Neste estudo, nosso foco será a etapa da revisão, que,
segundo os PCN de Língua Portuguesa (1997), consiste no instante da articulação entre as práticas
de leitura, escrita e reflexão sobre a língua.
Por considerarmos que este momento da produção textual pode revelar as concepções
teóricas subjacentes à prática docente e, consequentemente, o modo como o trabalho de produção
foi conduzido, nosso foco será a revisão realizada pelo professor na primeira versão dos textos
escritos.
Pretendemos, portanto, refletir a respeito da importância das atividades de revisão para o
ensino da escrita. Para tanto, propomo-nos analisar quais as capacidades de linguagem são
mobilizadas/priorizadas pelo professor ao revisar os textos dos alunos e verificar qual a relevância
dessas orientações para o aprimoramento das habilidades de escrita dos educandos. Deste modo,
serão analisadas as revisões realizadas por uma professora, ainda em formação, na primeira versão
de textos produzidos por alunos do Ensino Médio.
Essas produções são resultantes de uma sequência didática elaborada e executada por
graduandos do curso de Letras – Língua Portuguesa, da Universidade Estadual da Paraíba, que
participaram, em 2011, do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência –
PIBID/CAPES. Os dados coletados serão analisados à luz dos postulados do Interacionismo
Sociodiscursivo (ISD), quanto à concepção de ação de linguagem e capacidades de linguagem.
Deste modo, apresentaremos incialmente algumas considerações teóricas a respeito do
objeto de estudo: a revisão; em seguida, situaremos brevemente o leitor a respeito das concepções
de ação de linguagem e capacidade de linguagem, conforme a perspectiva teórica utilizada, o ISD;
na sequência, realizaremos a análise do corpus; e, por fim, apresentaremos nossas reflexões acerca
do estudo empreendido.

1
Mestre em Linguística pelo Programa de Pós-graduação em Linguística (PROLING/UFPB) e professora do ensino
fundamental (SEEPB). alessandra_ufpb@hotmail.com

SUMÁRIO
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Competências a serem desenvolvidas nas aulas de Língua Portuguesa

De acordo com os documentos oficiais, os objetivos de ensino de cada disciplina são


definidos tendo em vista a descentralização do processo educativo dos conteúdos acadêmicos. Para
tanto, são inclusas, nesse processo, ações que possibilitem a aquisição e o desenvolvimento de
competência e habilidades por parte do aluno (cf. PCN+, 2002). Tal perspectiva, relaciona-se às
proposições da Unesco, ao sugerir que a educação tenha como pilares os seguintes princípios:
aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver com os outros e aprender a ser. Princípios
esses que ultrapassam os limites da aquisição de conhecimentos, pois se relacionam à formação
humana e social do indivíduo.
Seguindo essa linha de raciocínio e partindo do princípio de que é pela linguagem que o
homem se constitui como sujeito, esses documentos ressaltam que o ensino de Língua Portuguesa
deve levar o aluno a compreender a linguagem e seus mecanismos expressivos e enunciativos.
Assim, o papel dessa disciplina é “possibilitar, por procedimentos sistemáticos, o desenvolvimento
das ações de produção de linguagem em diferentes situações de interação” (OCEM, 2006, p.27).
Tais orientações tomam como base a pedagogia por competências, formulada a partir do
conceito de Perrenoud, e, portanto, defendem que o ensino das disciplinas deve buscar o
desenvolvimento de competências e habilidades. Sendo as competências o conjunto de eixos
cognitivos (os saberes e o saber fazer) que devem ser adquiridos pelos sujeitos por meio da
formação e das experiências, associando-se à capacidade de utilizá-los em diferentes situações; e as
habilidades às especificações dessas competências em um determinado contexto, ou seja, a
capacidade que os indivíduos têm de usar os saberes já adquiridos para resolver situações das mais
simples às mais complexas.
Nesse sentido, segundo Travaglia (1998), o principal objetivo do ensino de Língua
Portuguesa é desenvolver nos educandos a competência comunicativa, que se relaciona à
capacidade de empregarmos adequadamente a língua nas diversas situações de comunicação. O
desenvolvimento dessa competência está diretamente relacionado ao desenvolvimento das
competências textual/discursiva e gramatical/linguística. A primeira refere-se à capacidade do
falante produzir e compreender diversos gêneros textuais/discursos, de acordo com as situações
comunicativas. A outra diz respeito à capacidade que todo usuário da língua tem de formar
sequências linguísticas/gramaticais próprias do seu idioma.
Relacionando essas orientações aos postulados do ISD, é possível afirmarmos que as
competências a serem desenvolvidas nas aulas de Língua Portuguesa relacionam-se às capacidades
de linguagem apresentadas por Schneuwly e Dolz (2004).
De acordo com esses autores,

uma ação de linguagem consiste em produzir, compreender, interpretar e/ou memorizar um


conjunto organizado de enunciados orais ou escritos [...]. Toda ação de linguagem implica,
por outro lado, diversas capacidades da parte do sujeito: adaptar-se às características do
contexto e do referente (capacidades de ação), mobilizar modelos discursivos (capacidades
discursivas) e dominar as operações psicolinguísticas e unidades linguísticas (capacidades
linguístico-discursivas). (SCHNEUWLY e DOLZ, 2004, p.63).

A respeito dessas capacidades, Cristóvão (2010) destaca que a capacidade de ação é


constituída pela habilidade do indivíduo de construir conhecimentos e/ou representações sobre o
contexto de produção de um texto, o que pode contribuir para o reconhecimento do gênero e sua
adequação à situação de comunicação, por isso, engloba os conhecimentos referentes ao contexto de
produção e ao conteúdo temático. Já a capacidade discursiva se constitui pela habilidade do agente
em mobilizar conhecimentos e/ou representações sobre a organização geral do texto e seu conteúdo,

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ou seja, os aspectos pertinentes à infraestrutura textual2. Por fim, a capacidade linguístico-


discursiva consiste na habilidade do sujeito em construir conhecimentos e/ou representações sobre
as operações e os recursos de linguagem necessários à produção ou compreensão de um texto,
englobando, portanto, os mecanismos de textualização, que são responsáveis pelo estabelecimento
da coerência temática, e os enunciativos, que cooperam para a sustentação da coerência pragmática
e atuam diretamente na orientação da interpretação do texto pelos leitores.
Nesse contexto, pensar o ensino de Língua Portuguesa tendo como princípio o
desenvolvimento dessas capacidades significa considerar aquilo que o aluno já conhece e oferecer-
lhe meios para o aprimoramento das habilidades já dominadas e para o desenvolvimento de outras
habilidades ainda desconhecidas. Tal feito só se torna possível quando o professor concebe o texto
como unidade básica do ensino, o que implica, portanto, o desenvolvimento de atividades por meio
das quais os alunos sejam capazes de compreender, interpretar e atribuir sentido aos textos, bem
como de produzi-los e compreender como são estruturados.
A respeito do trabalho de produção de textos em sala de aula destacamos dois fatores
importantes: a concepção do ensino de escrita subjacente à prática do professor e os critérios por ele
adotados para o trabalho de produção textual com os alunos, fatores sobre os quais discutiremos a
seguir.

Ensino de produção textual: o trabalho com a revisão

Como já dito anteriormente, nas últimas décadas, a produção de um texto tem sido
concebida como uma atividade processual, composta por etapas intercomplementares e
interdependentes. Após o planejamento e a escrita, a revisão é a primeira etapa a ser realizada
depois do texto escrito e, portanto, pode ser definida como um momento de análise e reflexão sobre
o que foi escrito, a fim de verificar se o que foi dito condiz com o que foi planejado.
De acordo com Antunes (2003, p.56), é na revisão que se decide “sobre o que fica, o que sai,
o que se reformula” no texto. Pensando assim, é por meio das atividades de revisão que o aluno é
conduzido a avaliar o que escreveu e a observar se atingiu ou não os objetivos almejados para tal
atividade e, a partir disso, realizar a reescrita de seu texto para realizar os ajustes necessários. Por
essa razão, o ato de revisar um texto não pode restringir-se ao mero apontamento de erros, deve, ao
contrário, funcionar como direcionamento para a reescrita, por meio do qual o aluno poderá
enxergar as falhas cometidas e, juntamente com o professor, melhorá-las.
A esse respeito, Rocha (2003) destaca que a revisão é uma atividade que possibilita ao
indivíduo enxergar o texto de outra perspectiva e conjecturar estratégias mais adequadas para seu
aprimoramento, sendo um meio para o exercício da reflexão crítica. Em acordo com essa ideia, nos
PCN (1997, p.55) já se afirma que tal atividade “tem objetivos pedagógicos importantes: o
desenvolvimento da atitude crítica em relação à própria produção e a aprendizagem de
procedimentos eficientes para imprimir qualidade aos textos”.
A respeito do ensino dessa fase, Ruiz (2010) propõe uma classificação dos tipos de
correção/revisão correspondentes à postura do professor mediante o texto do aluno. São elas:
indicativa, resolutiva, classificatória e textual-interativa. De acordo com essa autora, no primeiro
tipo, o professor simplesmente aponta/sinaliza os ‘erros’ na produção do aluno sem apresentar-lhe
nenhuma orientação para a resolução do problema. No segundo, a atividade do professor consiste
em identificar e corrigir o texto do aluno, podendo ser vista como uma “tentativa de o professor
assumir, pelo aluno, a reformulação de seu texto” (RUIZ, 2010, p.41). Por conseguinte, a terceira
consiste em, identificado o ‘erro’, o professor classificá-lo por meio de códigos/símbolos que
indiquem ao aluno a natureza dos problemas de sua produção, tais códigos são criados pelo próprio
professor e, dependendo dos procedimentos utilizados, são facilmente reconhecidos pelos alunos.

2
Esta noção refere-se a Bronckart (2009), segundo o qual todo texto é organizado em três níveis superpostos e, em
parte interativos, que constituem o “folhado textual”: a arquitetura interna dos textos, os mecanismos de textualização e
os mecanismos enunciativos.

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Por fim, na correção textual-interativa, o professor, ao realizar a correção, escreve comentários a


respeito do texto do aluno, que são apresentados na forma de pequenos bilhetes, que comentam a
correção e incentivam o aluno a realizar a reescrita. De acordo com a autora,

trata-se de comentários mais longos do que os que se fazem na margem, razão pela qual são
geralmente escritos em sequência ao texto do aluno [...]. Esses “bilhetes”, em geral, têm
duas funções básicas: falar acerca da tarefa de revisão pelo aluno (ou, mais
especificamente, sobre os problemas do texto), ou falar, metadiscursivamente, acerca da
própria tarefa de correção pelo professor. (RUIZ, 2010, p. 47)

Mediante o exposto, é possível perceber que o tipo de correção utilizado pelo professor
influencia diretamente na compreensão da atividade pelo aluno e, consequentemente, no
desenvolvimento da reescrita. Vale salientar, ainda, que, para obter-se sucesso na realização deste
trabalho, o professor precisa adotar determinados critérios que possibilitem ao aluno refletir acerca
dos ‘erros’ cometidos, bem como adquirir o conhecimento das propriedades do gênero e,
consequentemente, o aprimoramento das habilidades de escrita.

A revisão do professor e as capacidades de linguagem: o que os textos revelam?

O corpus desse estudo foi produzido durante a execução de uma sequência didática sobre o
gênero artigo de opinião, elaborada e executada por graduandos do último período do curso de
Letras – Língua Portuguesa, ao participarem do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à
Docência (PIBID) da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Tal projeto funcionava sob a
coordenação de uma professora do curso de Licenciatura em Letras, habilitação em Língua
Portuguesa, da UEPB, era supervisionado por uma professora de Língua Portuguesa lotada na
escola pública, onde o projeto estava sendo desenvolvido, e tinha como público discente alunos do
segundo e terceiro ano do Ensino Médio de uma escola pública do município de Campina Grande-
PB.
Considerando a necessidade de delimitação do corpus, selecionamos a versão inicial de dois
textos produzidos pelos discentes participantes do projeto e as revisões que realizamos enquanto
professores no projeto.
O procedimento metodológico utilizado para a efetivação do estudo compreende uma
pesquisa-ação, que se caracteriza como “um tipo de pesquisa social com base empírica que é
concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema
coletivo, onde todos pesquisadores e participantes estão envolvidos e de modo cooperativo e
participativo” (THIOLLENT apud GIL, 2010, p.42). Vale salientar que tal estudo constitui a
apresentação dos resultados de uma intervenção e influência na prática escolar, uma vez que
atuamos, no momento da elaboração dos dados, como docentes e, hoje, como pesquisadores
interessados em constatar e refletir sobre problemas presentes na própria prática, visando possíveis
mudanças na ação docente.
Na referida situação, as atividades desenvolvidas foram norteadas por uma sequência
didática, que compreendeu os seguintes momentos: produção inicial, módulo 1, módulo 2 e
produção final, conforme a proposta de Schneuwly e Dolz (2004). O momento da produção final
ocorreu nas seguintes etapas: planejamento, escrita, revisão e reescrita coletiva de um dos textos
produzidos, revisão do texto por um colega, revisão do próprio texto, revisão do texto pelo
professor e reescrita do próprio texto. Destas etapas, analisaremos a revisão realizada pelo
professor, a fim de verificar quais capacidades de linguagem foram contempladas pelo docente na
realização dessa atividade e como elas contribuem (ou não) para a apropriação das habilidades de
escrita pelos alunos.
Apenas para fins de contextualização, os textos a serem analisados foram produzidos a partir
da seguinte proposta:

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QUADRO DE PROPOSTAS PARA A PRODUÇÃO TEXTUAL

A partir do trabalho que vem sendo desenvolvido no projeto sobre Artigo de opinião e a
temática Representações da mulher na sociedade contemporânea, leia as propostas que seguem e
escolha uma delas para escrever seu texto. As produções serão publicadas no mural do colégio X,
no blog Argumentar para produzir e farão parte do arquivo do projeto.

1ª PROPOSTA
Diante das inúmeras polêmicas que envolvem a mulher em seu convívio social, assista ao
vídeo “HOJE, RECEBI FLORES” e produza um artigo de opinião, posicionando-se de forma
consciente e objetiva a respeito da temática em questão. Em sua produção, lembre-se de buscar
convencer o leitor da relevância de sua opinião.

Texto 1 – revisado pelo professor (frente)

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Texto 1 – revisado pelo professor (verso)

Texto 2 – revisado pelo professor (frente)

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Texto 2 – revisado pelo professor (verso)

Considerando a proposta de Ruiz (2010), nas duas produções, o professor realiza a revisão
classificatória e a textual-interativa. Como é possível perceber, encontramos ao longo dos textos
algumas palavras sublinhadas com a indicação de números/símbolos, o que corresponde à correção
classificatória, bem como pequenos comentários ao final dos textos, que correspondem à correção
textual-interativa.
Observando as marcações realizadas na correção classificatória, os números/símbolos
utilizados tiveram a seguinte significação:

Texto 01 Texto 02
1. Melhore a construção 1. Ortografia
2. Use a impessoalidade *. Observe quantas vezes você utilizou as
3. Construção confusa palavras ‘marido’ e ‘mulheres’. Repetitivo
4. Problema de concordância demais!
5. Ortografia
O. Reveja o uso deste sinal de pontuação

Diante do corpus, constatamos que, no primeiro texto, o docente realiza dois apontamentos
subjetivos, “melhore a construção” e “construção confusa”, que dificilmente
influenciariam/direcionariam o aluno para a compreensão e resolução do problema. As demais
observações exploram conhecimentos pertinentes à capacidade linguístico-discursiva, que engloba
mecanismos de textualização (coesão nominal) e elementos microestruturais como a ortografia e o
uso de sinais pontuação.
Igualmente, no segundo texto, a correção classificatória contempla a mesma capacidade de
linguagem e os mesmos aspectos: mecanismos de textualização (coesão nominal), uma vez que ao
apontar a repetição excessiva de alguns termos - ‘mulher’ e ‘marido’ - o professor, implicitamente,
espera que o aluno faça retomada ou substituição dessas palavras; além dos elementos
microestruturais, no caso, apenas a ortografia.
No que se refere à correção textual-interativa, é possível perceber que o professor preocupa-
se em deixar comentários tanto no pós-texto, quanto no corpo do texto. Esses comentários, contudo,
são em boa parte vagos/superficiais, uma vez que se restringem a colocações como “sem sentido”,
“reveja essa construção”, “construção confusa” e “como assim?”. Desse modo, ao invés de
orientar o aluno na compreensão dos problemas cometidos e, consequentemente, na realização da
reescritura, essas marcações configuram-se como impressões de leitura.
Observando a revisão realizada pelo professor tendo como parâmetro as capacidades de
linguagem, é possível constatarmos que:
a) Quanto à capacidade de ação, em nenhum dos comentários apresentado pode-se
encontrar questões pertinentes ao contexto de produção. E, embora ele tenha sido
apresentado no enunciado de proposta, os dois textos revelam que os objetivos da

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produção não foram tão bem explicitados pelos alunos-autores. Não podemos deixar de
ressaltar que houve, por parte do professor, uma preocupação em destacar os
conhecimentos pertinentes ao conteúdo temático, que são constituintes da capacidade de
ação, como revelam os seguintes apontamentos:
Texto 1:
 “só na sociedade moderna? Se é algo que já faz tempo, como você mesmo disse.
Reveja essa construção.” (linha 1);
 “será que isso só acontecia com as mulheres de antigamente?” (linha 22);
 “[...] Reveja as informações do primeiro parágrafo e compare-a com as demais, pois
no início do texto você diz que “na sociedade moderna, a mulher é alvo de
preconceito, discriminação e pancadas” por conta do “fantasma do medo”, e mais
adiante você diz que “graças à sociedade moderna, hoje as mulheres tem a
possibilidade de derrotar esse fantasma”, não é contraditório, não?”. (Bilhete pós-
texto).

Texto 2:
 “Apenas “essas mulheres” ou a sociedade inteira?” (linha 21);
 “Não são as leis que concedem isso, não?” (linha 25).

Embora os dois textos necessitem de observações referentes ao contexto de produção e


adequação à situação comunicativa, evidencia-se que os comentários apresentados, de certo modo,
abordam questões pertinentes ao conteúdo temático, não indicando a resolução da questão, mas
fazendo questionamentos para que, a partir de seu conhecimento de mundo e do conhecimento
sobre a temática, o aluno reflita, compreenda o seu ‘erro’ e, no momento da escrita, possa repará-lo.
b) No que se refere às capacidades discursivas, que são aquelas que mobilizam os
conhecimentos pertinentes à infraestrutura textual, percebemos que há uma tentativa, por
parte do professor, de ressaltar a necessidade de contra-argumentos no gênero em
questão: “Sim, não esqueça de apresentar contra-argumentos na próxima versão deste
texto” (texto 2, pós-texto).

No entanto, essa é a única ocorrência nos textos analisados, o que revela um déficit na
abordagem dessa capacidade nas correções do professor.

c) Por fim, a capacidade linguístico-discursiva é a que aparece em maior quantidade, uma


vez que maioria das marcações fazem referência aos mecanismos de textualização:
conexão – o professor acrescenta um comentário para alertar o aluno a respeito do uso da
conjunção mas, que funciona como um organizador textual: “essa conjunção indica que
você vai apresentar uma ideia contrária ao que você disse anteriormente, é isso mesmo?
(texto 1, linha14)”; bem como aos mecanismos enunciativos: embora não encontremos
nenhuma observação a respeito do posicionamento enunciativo e das vozes,
encontramos, no primeiro texto, o verbo poder no presente do indicativo sublinhado e
com a marcação “use a impessoalidade” (linha 7), bem como um julgamento realizado
pelo autor, ao qual o professor sugere a modificação/modalização da seguinte expressão
“jeito estúpido de ser” através do seguinte comentário “modalize esta expressão! Seja
menos agressivo”(linha29). Além disso, nas correções dos dois textos, o professor
menciona os problemas referentes aos elementos microestruturais, como problemas de
ortografia como: “degredindo (texto 1, linha17) – denigrindo? (correção do
professor)”, e várias marcações indicando desvios ortográficos. Bem como aspectos
que Leite (2012) classifica como mecanismos supratextuais, que são aqueles referentes
à formatação da página que, nos textos em questão, ocorre por meio da paragrafação.
Observação feita no texto 2 e que o professor faz questão de mencionar tanto no corpo

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do texto, “parágrafo longo demais”, como no pós-texto “você precisa revê-lo e


melhorar alguns aspectos como [...]paragrafação”.

No que diz respeito às orientações vagas/superficiais, essas se repetem também na correção


textual-interativa, por meio dos comentários do mesmo tipo: “observe as marcações que realizamos
e tente melhorá-lo” (texto 1, pós-texto), “Construção confusa” e “você precisa revê-lo e melhorar
alguns aspectos como: algumas construções confusas”(texto 2).

Algumas reflexões a respeito da análise: considerações (não)finais

Mediante o exposto, é possível perceber que a problemática em torno do ensino de Produção


Textual (PT) ultrapassa as questões de nomenclaturas - ‘redação ou produção?’, ‘correção ou
revisão?’, ‘reescrever ou passar a limpo?’- e encontra-se no nível das concepções e práticas de
ensino subjacente a cada um desses termos.
Por muito tempo, apontou-se a necessidade de o professor realizar atividades que
contemplassem todas as etapas da PT. No entanto, a partir da análise do corpus, evidenciamos que
não basta ‘contemplar’ tais etapas, solicitando ao aluno que revise ou reescreva o texto, sem
apresentar um direcionamento mais consistente, sem apontar o que o aluno deve de fato realizar, ou
seja, sem conduzi-lo a uma reflexão, a partir da qual ele saiba “o quê”, “como” e “por quê” revisar e
reescrever. Em outras palavras, não basta corrigir o texto identificando os ‘erros’, é necessário que,
na realização dessa atividade, o aluno seja levado a refletir sobre a língua e a compreender os
mecanismos de funcionamento da língua para poder utilizá-los nas diversas situações
comunicativas.
Os dados analisados revelam que, ao invés de orientações que conduzissem à compreensão
do gênero e ao aprimoramento da escrita, foram apresentadas impressões de leitura, o que nos
permite afirmar que tais orientações refletiram diretamente nas ações realizadas pelos alunos no
momento da reescrita, pois, como já afirmara Leite (2012, p.147), “se os parâmetros ou critérios
apontados como orientação para a reescrita ocorrem de forma genérica ou vaga, o trabalho dos
alunos tende a ser pouco produtivo”.
No que se refere às capacidades de linguagem, evidenciamos que foram priorizados aspectos
pertinentes à capacidade linguístico-discursiva, o que revela que há uma predominância da
abordagem de questões referentes à microestrutura do texto.
Desse modo, podemos concluir que as condições oferecidas para o progresso dos alunos, no
que se refere à apreensão do gênero, ao aprimoramento das habilidades de escrita e,
consequentemente, ao desenvolvimento das ações de linguagem, durante a realização destas
atividades, ainda foi muito singelo, por que não dizer precário, devido às nossas condutas enquanto
professor, às abordagens e aos aspectos priorizados.
Considerando ainda o tipo de nossa pesquisa, nos propomos a apresentar alguns aspectos
que poderiam ter sido abordados no trabalho com o gênero artigo de opinião, contemplando
igualmente as três capacidades.
Assim, no que se refere à capacidade de ação, a produção desse gênero permite explorar
questões pertinentes ao papel do aluno-autor enquanto enunciador, observando o lugar e posição
social por ele ocupados, adequação à situação comunicativa, ressaltando a quem o texto é destinado,
o suporte pelo qual será veiculado e os objetivos da produção.
No tocante as capacidades discursivas, poderíamos, através de questionamentos, levar os
alunos a refletirem se o texto produzido pode ser considerado um exemplo de artigo de opinião, se
cumpre as funções do gênero, se apresenta uma tese e argumentos de sustentação ou refutação, se
há transmissão de ideias por meio de argumentos consistentes, se apresenta a sequenciação
argumentativa (premissa, tese, argumentos, contra-argumentos, conclusão); como se deu a
hierarquização e relevância/consistência dos argumentos, além de questões pertinentes à progressão
temática.

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Por fim, no que diz respeito às capacidades linguístico-discursivas, faz-se necessário levar o
aluno a perceber a necessidade de determinados elementos linguísticos como os organizadores
textuais (os operadores argumentativos) para a estruturação e sequenciação do texto, além da
relevância das vozes sociais para uma maior credibilidade ao que se expõe no texto e das
modalizações para a formulação de aspectos do conteúdo temático, bem como o uso das anáforas e
referenciações para o estabelecimento da coesão, sem excluir, é claro, os elementos
microestruturais, que também são importantes para a constituição dos textos.
Mediante o exposto, evidencia-se a necessidade de um melhor
preparo/fundamentação/orientação para o trabalho com a escrita desde a formação inicial dos
professores de língua portuguesa. Necessita-se de um trabalho de formação por meio do qual os
futuros docentes, além de tomarem conhecimento da importância de se trabalhar a escrita como um
processo, sejam levados a compreender como esse trabalho deve ocorrer. Ou seja, é preciso
entender que, para realizar efetivamente as etapas de planejamento, escrita, revisão e reescrita, é
necessário identificar as habilidades já dominadas pelos alunos e trabalhar de modo eficaz a partir
daquelas que eles ainda não dominam e são essenciais em determinados textos, para assim
contribuir para o aprimoramento das habilidades de escrita e, consequentemente, para o efetivo
domínio da língua.
Ressalta-se, enfim, a importância de se considerar as contribuições do ISD para o ensino de
língua, além da necessidade de apresentar este quadro teórico-metodológico e suas contribuições
aos professores de Língua Materna, seja na formação inicial, seja na formação continuada.

Referências

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BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa / Secretaria de
Educação Fundamental. – Brasília : MEC/SEF, 1997.
BRONCKART, J. P. Atividades de linguagem, texto e discursos. Por um interacionismo sociodiscursivo. Trad. Anna
Rachel Machado, Péricles Cunha. 2ed., 1 reimp. São Paulo: EDUC, 2009.
CAVALCANTI, M. & MOITA LOPES, L. P. Implementação de Pesquisa na Sala de Línguas no Contexto Brasileiro.
In: Trabalhos de Lingüística Aplicada. Campinas: UNICAMP, n.17, p. 133-144, jan/jun. 1991.
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LEITE, E. G. A produção de textos em sala de aula: da correção do professor à reescrita do aluno. In: R. C. M.
PEREIRA (Org.). Nas trilhas do ISD: Práticas de ensino-aprendizagem da escrita. Campinas, SP: Pontes Editores,
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ROCHA, G. O papel da revisão na apropriação de habilidades textuais pela criança. In: M. da G. C. VAL & G. ROCHA
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Autêntica/CEALE/FaE/UFMG, 2003. p. 85-107. (Coleção Linguagem e educação, 10).
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SUMÁRIO
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SEQUÊNCIA DIDÁTICA: UM OLHAR PARA


O ENSINO DOS GÊNEROS TEXTUAIS

Laís de Almeida Silva (UEPB/CH – Campus III)


Profa. Dra. Adriana Sales Barros (UEPB/CH – Campus III)

Introdução

Há um bom tempo, estudiosos têm se debruçado sobre pesquisas a respeito da


elaboração de textos pelos alunos em sala de aulas, como o trabalho de dissertação de Hellen
Cristine Bido Brandt Dellosso (2013), intitulado “A produção de texto na sala de aula: uma análise
de produção de ensino”, e o de Maria de Fátima Alves (2014), intitulado “A escrita de textos na sala
de aula: uma abordagem sobre as condições de produção”. As dificuldades em realizar produções
textuais preocupam professores e pesquisadores, que buscam entender o porquê de um rendimento
pequeno e procuram melhorar as técnicas para o trabalho com gêneros textuais.
Assim, este trabalho tem o intuito de apresentar a relevância dos gêneros textuais como
objetos de ensino nas salas de aula de língua portuguesa, ou seja, relatar sobre a importância de se
utilizar gêneros para ensinar não só o que se refere à estrutura dos textos e à literatura, mas também
o que tange a estrutura da língua, isto é, os aspectos gramaticais, devido à grande riqueza de
detalhes e características possíveis de se destacar em um texto.
Para apresentar a referida importância, será necessário observar, nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), as disposições sobre gêneros textuais e planejamento didático, e o
que propõem para o ensino de textos em sala de aula e para a produção de sequências didáticas.
A elaboração e, consequentemente, a aplicação das aulas com base em sequências
didáticas devem proporcionar uma melhora no rendimento dos alunos por se apresentarem mais
interativas e abrangerem mais aspectos do que aulas organizadas baseadas em estratégias propostas
por estudos precedentes às sequências didáticas. Assim, este estudo aborda uma temática referente a
processos de melhoramento das práticas didáticas de professores, práticas estas pertencentes ao eixo
de ensino-aprendizagem produção textual.
Dessa forma, a presente pesquisa sobre gêneros textuais como objetos de ensino é de
grande valia para as aulas de língua portuguesa, para as ciências linguísticas, visto que, trabalhando-
se um gênero textual a partir de uma sequência didática, é possível abordar literatura, produção
textual e gramática de forma mais elaborada e interligada. Isso proporciona uma aula mais
interativa e consequentemente uma maior apreensão de conteúdos por parte dos alunos,
aumentando, pois, o desempenho deles.

Metodologia

Este estudo foi realizado em cinco etapas. Primeiramente, ocorreu a escolha do objeto a
ser analisado, com o intuito de se encontrar alguma temática que apresentasse importância
significativa para o processo educacional. O segundo passo foi a decisão do corpus teórico para
servir de base conceitual da pesquisa. Depois realizou-se a coleta de dados, com obtenção de um
plano de aula cedido por uma professora de língua portuguesa do nono ano, ensino fundamental II,
de uma escola da rede municipal, com a finalidade de se comparar o planejamento entre planos de
aula e sequências didáticas. No quarto passo, foi realizada a leitura de todo o arcabouço teórico em
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que a pesquisa está fundamentada, a saber: Schneuwly e Dolz (2004), Bronckart (1999), e Bakhtin
(1992). Após a leitura da base teórica, explanamos sobre os documentos oficiais, mais
especificamente, sobre os PCN de língua portuguesa do 3º e 4º ciclos (BRASIL, 1998), com o
intuito de observar o que abordam sobre o planejamento de aulas, que devem, consequentemente,
basear os professores. Em seguida, elucidamos sobre as sequências didáticas, e, finalmente, na
análise dos dados, foi realizada a comparação citada entre sequências didáticas e planos de aula,
além da produção de uma proposta de sequência didática e das considerações finais.

Documentos oficiais

Os documentos oficiais são registros que servem de orientação para as escolas e para os
professores, pois é a partir deles que serão formados os planos de escola, de ensino e de aula.
Apresentam um guia de conteúdos e modos de ensino que podem ser ajustados pelas instituições
educacionais a depender de suas necessidades. Eles são projetados para a educação básica, o que
inclui ensino fundamental e médio; para o ensino fundamental, tem-se os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN); e, para o ensino médio, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio
(OCEM).

Concepções de planejamento

Organizar estratégias de ensino e situações favoráveis à aprendizagem requer uma


reflexão e um consequente planejamento por parte do professor e também da escola, ou seja, exige
um trabalho conjunto para que os objetivos propostos para a obtenção de conhecimentos dos alunos
sejam alcançados.
Os PCN (1997, p. 22) defendem que:

Organizar situações de aprendizado, nessa perspectiva, supõe: planejar situações de


interação nas quais esses conhecimentos sejam construídos e/ou tematizados;
organizar atividades que procurem recriar na sala de aula situações enunciativas de
outros espaços que não o escolar […].

Mais do que codificar e decodificar textos, é necessário que sejam feitas atividades
interativas que busquem reproduzir situações do cotidiano dos estudantes em que eles se utilizem da
linguagem para cumprir um determinado papel social e assim apreender conhecimentos a respeito
da constituição da língua. O objeto de ensino proposto, portanto, é o texto em sua totalidade, com
todas as suas nuances, o gênero textual. É necessário exercícios que façam o aluno pensar/refletir
sobre a sua língua materna, envolvendo também a questão gramatical.
Bakhtin (1992, p. 280) afirma que cada esfera da sociedade cria formas relativamente
estáveis de textos, correspondentes a determinadas situações sociais, e esses textos ou enunciados
apresentam conteúdo temático, que implica o conteúdo abordado pelo enunciado; estilo, que faz
menção às escolhas linguísticas realizadas pelo enunciador do texto no momento de sua produção; e
construção composicional, ou seja, as características organizacionais características do gênero. Tal
afirmação define o que se conhece por gêneros textuais ou gêneros do discurso, os quais são
agrupamentos de textos que apresentam características semelhantes. Este é um dos pontos dos
documentos oficiais: trabalhar com o gênero de acordo com essa tríade defendida por Bakhtin.
Por sua vez, os PCN definem como eixos organizadores dos conteúdos de língua
portuguesa a serem ensinados no ensino fundamental a prática de leitura, a produção textual e a
análise linguística. Esses organizadores levam em conta os usos sociais que os falantes fazem da
língua no cotidiano em interação com a comunidade em que vivem.
Quanto à avaliação, é proposto que o processo seja gradual; que, em meio às atividades
realizadas, o professor vá atribuindo pontos, e não que a atividade avaliativa seja unicamente uma
prova com questionário. O aluno precisa refletir sobre o que aprendeu e, a partir desse conjunto de

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atividades, necessita perceber o quanto progrediu e o quanto precisa melhorar. Uma avaliação, além
de analisar o conhecimento dos alunos, permite uma reflexão do próprio docente em relação à sua
prática pedagógica, por isso todo o processo educativo a ser realizado em sala de aula precisa de
planejamento.

O que é planejar?

No sentido mais amplo e popular que se conhece, planejar significa preparar, prever ou
antecipar algo que não aconteceu, mas que se tem como intuito que ocorra. Para que haja o
planejamento de uma exposição oral em determinada palestra, por exemplo, é necessário que o
suposto expositor tenha em mente todos os aspectos envolvidos: o objetivo da conferência, a
temática, o público-alvo etc.
O mesmo ocorre no planejamento escolar, uma vez que, para conseguir uma boa
organização do processo de ensino, é preciso ter consciência dos objetivos educacionais gerais e
específicos; dos conteúdos a serem ministrados; do grupo de alunos que será trabalhado
juntamente com sua realidade social; dos instrumentos e meios possíveis de utilização para obter
sucesso no processo de ensino-aprendizagem; e também da avaliação que pode ser utilizada para
verificar o rendimento do alunado.
Planejamento escolar é, pois, a organização do processo de ensino, é a definição de
como e do que será trabalhado nas escolas, nas disciplinas, nas salas de aula. Mais que isso, é a
organização que relaciona aspectos escolares e elementos que vão além dos muros da escola,
levando-se em consideração o contexto de vida dos alunos e todo o conhecimento que eles trazem
de suas comunidades.
De modo geral, o planejamento unifica e permite certa coerência na atividade docente,
permitindo ao professor realizar as atividades de forma que o tempo seja utilizado da maneira
mais eficiente. É preciso considerar a objetividade, a realidade do contexto. A respeito disso,
afirma Libâneo (1994, p. 224):

Em terceiro lugar, devemos considerar a objetividade. Por objetividade entendemos


a correspondência do plano com a realidade à que se vai aplicar. Não adianta fazer
previsões fora das possibilidades humanas e materiais da escola, fora das
possibilidades dos alunos. Por outro lado, é somente tendo conhecimento das
limitações da realidade que podemos tomar decisões para superação das condições
existentes.

Muitas vezes, ao encontrar obstáculos, alguns professores acomodam-se, acham que


determinada situação não tem solução, certas vezes até ficam procurando culpados para problema
x ou y, quando, na verdade, deveriam buscar meios de superar essas situações e garantir o
aprendizado dos alunos. Professor tem que ser ativo, não adianta simplesmente reclamar.
Não se pode esquecer de que o planejamento é um guia de orientação, seja para a
escola, para o ensino ou para a aula. É o plano que vai direcionar o processo de ensino. Deve ter
uma sequência lógica a ser seguida, tem que ser coerente com os objetivos propostos e ser
flexível, em decorrência das diferentes realidades sociais existentes. Prova dessa flexibilidade são
os documentos oficiais que regem as diretrizes educacionais, PCN e OCEM. Tais documentos
servem de guia para a educação básica do Brasil inteiro, mas cada região adéqua os conteúdos de
acordo com suas necessidades.
As aulas devem ser bem planejadas para que possam fluir de modo que os alunos
apreendam os conhecimentos previstos; para isso a elaboração de um plano de aula é fundamental.
Libâneo (1994, p. 241) afirma que:

A preparação de aulas é uma tarefa indispensável e, assim como o plano de ensino,


deve resultar num documento escrito que servirá não só para orientar as ações do

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professor como também para possibilitar constantes revisões e aprimoramentos de


ano para ano.

Com o passar do tempo, o professor vai adquirindo mais experiência devido à sua
prática em sala, e isso permite que ele aprimore seus métodos na hora de ministrar as aulas, fazendo
com que ele seja mais flexível e consiga reorganizar com mais facilidade e competência o plano das
aulas subsequentes, revendo se a prática aplicada está de acordo com os objetivos propostos e se o
tempo está sendo usado de maneira adequada, por exemplo.
O plano de aula pode contemplar uma ou mais aulas, já que o tempo previsto para a
transmissão de um conteúdo pode variar. Assim, o tempo é um dos pontos principais sobre o qual o
professor deve refletir na elaboração de um plano. Outros elementos devem estar presentes nesse
planejamento, como objetivos específicos, metodologia e conteúdo, gênero textual escolhido, no
caso de uma aula sobre produção e interpretação pessoal, e avaliação. Porém, o plano de aula não é
a única forma de planejamento disponível para os professores, há também o que se conhece por
sequências didáticas.

Sequências didáticas

As sequências didáticas são instrumentos de auxílio utilizados pelos professores para


organização de suas aulas e também servem como guia enquanto as estiverem ministrando. São um
grupo de atividades diversas, dinâmicas e perspicazes que objetivam ajudar a aprimorar os
conhecimentos dos alunos. Elas são atividades planejadas pelo professor da disciplina com o intuito
de fazer com que o rendimento de seus alunos melhore. Tais atividades são voltadas para o trabalho
com gêneros textuais e proporcionam um dinamismo e até uma proximidade maior entre o docente
e seus alunos, pois o professor poderá analisar melhor quais são as necessidades daqueles.
As sequências correspondem à metodologia do docente, uma vez que explanam o passo
a passo, todas as etapas a serem seguidas durante as aulas de acordo com os objetivos pretendidos
pelo professor, que, por sua vez, estão inclusos nos objetivos dos planos de ensino e da escola. Um
professor que se dispõe a elaborar uma sequência didática pretende abordar um gênero textual em
que os alunos apresentem um determinado grau de dificuldade ou que seja novidade para a turma,
como defendem Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 83): “As sequências didáticas servem,
portanto, para dar acesso aos alunos a práticas de linguagem novas ou dificilmente domináveis.”.

Etapas para construção de uma sequência didática

Para a elaboração de uma sequência didática, é necessário o planejamento de quatro


etapas distintas que vão desde a apresentação da situação, passam pela produção inicial, depois para
os módulos, até chegar à produção final, em que será avaliado se os objetivos estabelecidos
inicialmente foram atingidos ou não.
A primeira etapa, a da apresentação da situação, prevê a apresentação, como o próprio
nome já diz; prevê a elucidação do que será abordado durante todo o processo de estudo referente
ao gênero escolhido, o passo a passo das atividades que serão desenvolvidas.
A apresentação é feita pelo professor e permite que ele perceba quais são os
conhecimentos prévios que os alunos possuem sobre a temática em questão, para assim poder
escolher e moldar os exercícios de forma que sejam os mais adequados possíveis no empenho de
eliminar as dificuldades apresentadas pelo alunado.
Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 85) afirmam:

A fase inicial da apresentação da situação permite, portanto, fornecer aos alunos


todas as informações necessárias para que conheçam o projeto comunicativo visado
e a aprendizagem de linguagem a que está relacionado. Na medida do possível, as
sequências didáticas devem ser realizadas no âmbito de um projeto de classe,

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elaborado durante a apresentação da situação, pois este torna as atividades de


aprendizagem significativas e pertinentes.

Assim, o docente pode levar para a sala de aula exemplos concretos do gênero, como
textos escritos no gênero artigo de opinião de uma revista para que os alunos leiam e falem sobre a
estrutura e argumentação. Nesse momento, o professor explana um pouco mais sobre o que é o
gênero escolhido; sobre a quem é dirigido, visto que tudo o que se escreve é direcionado a algum
leitor; sobre a forma que o texto assumirá e quem vai participar da realização dos textos. Ou seja, o
professor pode mostrar um prévio roteiro de como ocorrerá a sequência didática.
Na segunda etapa, a da produção inicial, é realizado um texto tendo como base o que foi
dito pelo educador na apresentação da situação; é a concretização do que foi ouvido na primeira
etapa, é o primeiro contato com a prática da tentativa de produção do gênero.
Por meio da produção inicial, o professor tem indícios precisos para decidir
definitivamente quais exercícios serão de fato usados, quais corresponderão melhor às dificuldades
apresentadas.
Com essa produção, o professor é capaz de refletir se as práticas nas quais estava
pensando durante a apresentação, por exemplo, de fato responderão bem aos objetivos propostos.
Essa primeira produção ainda não deve ser válida para formação de nota escolar, deve avaliar o
desempenho dos alunos para o professor melhor se posicionar frente à sequência didática. Segundo
afirmam Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 86), essa produção inicial será de valia tanto para o
professor quanto para o aluno, pois permite que ambos percebam quais as dificuldades mais
presentes.
O terceiro passo, os módulos, constituem a aplicação das atividades e exercícios.
Durante a realização dos módulos, não há construção textual; as partes constituintes do gênero em
questão são analisadas individualmente para uma melhor apreensão por parte dos alunos, e dessa
forma, conseguir sanar as dificuldades observadas.
Cada gênero textual tem suas características próprias, então, antes da produção final, os
alunos têm que ter em mente quais os aspectos característicos ao gênero em estudo, além de
aprenderem a utilizar a linguagem da maneira adequada ao gênero escolhido. Conforme concordam
Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 88): “O aluno deve escolher os meios de linguagem mais
eficazes para escrever um texto: utilizar um vocabulário apropriado a uma dada situação.”.
A última e quarta etapa é a produção final, que vai mostrar o resultado de todo o
trabalho realizado em sala de aula, todo o avanço alcançado. É o momento em que os alunos
juntarão todo o conhecimento adquirido em cada atividade e poderão perceber o quanto mudaram.
Um resultado positivo tem a tendência de fazer os estudantes sentirem-se mais motivados e, dessa
forma, buscarem obter conhecimentos ainda mais. Sendo assim, muito se tem defendido que as
sequências didáticas são mais produtivas que os planos de aula, como veremos a seguir.

Sequências didáticas X Planos de aula

Numa comparação entre planos de aula e sequências didáticas, é possível perceber que,
entre os dois tipos de planejamento escolar, existem semelhanças e diferenças em suas
constituições. A sequência didática tende a abranger mais os critérios sociais indicados pelos PCN,
isto é, tende a realizar atividades que envolvam possíveis situações fora da escola, em maior
proporção que os planos de aula.
A primeira e mais óbvia semelhança entre as duas espécies de planejamento é que
ambas organizam exclusivamente aulas. A segunda semelhança está na estrutura, pois apresentam o
tempo estimado para as aulas, em minuto correspondente a cada dia; o nível de ensino e a turma em
que será trabalhado determinado conteúdo; os próprios conteúdos; os objetivos a serem alcançados
na classe; e a metodologia. Porém, a forma como os objetivos, conteúdos e metodologia estão
dispostos é distinta.

SUMÁRIO
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Nas sequências didáticas, a produção inicial, que já é uma atividade, vai mostrar que
tipo de texto será produzido pelos alunos. Os módulos apresentam quais atividades serão aplicadas,
atividades essas que são interativas e buscam sempre tentar recriar situações do convívio social real
dos alunos e também ocasiões pelas quais um dia poderão passar para que, dessa forma, estejam
aptos a utilizar a linguagem da maneira mais adequada ao contexto situacional. E a produção final
mostra uma atividade que geralmente serve para a contagem de notas e também um processo
somativo para fins avaliativos.
Um ponto a ser salientado é que o plano de aula, além de bastante sucinto, não é
exposto aos alunos pelo professor. Na grande maioria das vezes, em praticamente sua totalidade, os
estudantes não têm acesso de forma alguma a esse planejamento. O planejamento do professor fica
para o professor, é um documento de uso e conhecimento exclusivo dele. O aluno só descobre como
as atividades acontecerão quando o docente dá as coordenadas. Isso acaba gerando, de maneira
indireta, um afastamento dos alunos e agravando desinteresse por parte de alguns, pois não há muita
interação que os faça prender-se àquela aula, diferentemente do que acontece com as sequências
didáticas, as quais envolvem os alunos durante todo o processo.

Análise dos dados

Para análise dos dados, um plano de aula foi cedido por uma professora do ensino
fundamental II, do nono ano, a fim de uma comparação com as sequências didáticas. Percebemos,
no entanto, que, no referido plano de aula cedido, não consta o gênero textual escolhido para ser
trabalhado em sala de aula, como é de costume aparecer nos planos, e também não aparecem as
formas avaliativas que seriam usadas pela docente para avaliar seus alunos e respectivamente sua
didática.
No plano analisado, em conformidade com os planos geralmente produzidos pelos
professores, tem-se a presença dos conteúdos, objetivos, estratégias ou métodos e recursos. E,
diferentemente do que se encontra nas sequências didáticas e nos PCN, os objetivos e os conteúdos
relacionados não levam em conta a preocupação de ensinar a língua em concordância com as
situações sociais.
Tendo em vista o conteúdo e os objetivos encontrados no plano analisado, notamos que
não há exploração de atividades que tentem proporcionar situações de vivência social, real. É uma
didática que aborda o gênero textual de maneira superficial e que não explora a produção de texto,
ou seja, não trabalha com a tríade proposta por Bakhtin (conteúdo temático, estilo e construção
composicional), a qual está nos trâmites dos PCN.
Lembrando que mesmo o estudo da norma culta deve ser feito dentro do texto, com
orações interligadas, inter-relacionadas, nada de análise de frases soltas. O que é mostrado sobre a
gramática no plano é o que se refere ao segundo assunto/conteúdo, gramática: frase, oração e
período, com o objetivo de analisar enunciados a partir dos conceitos de frase, oração e período,
faltando expor se dentro do contexto do texto ou não. Quanto aos conteúdos ortografia e
acentuação, mais uma vez os objetivos se restringem a aspectos da gramática prescritiva, sem
intenção de explanar pontos e situações mais abrangentes.
Com relação às estratégias de ensino, há aulas expositivas, algumas atividades escritas,
uso de materiais como dicionário e exercícios de memorização, o que torna perceptível a falta de
atividades reflexivas que façam os alunos pensarem sobre o que estudam, já que assim não terão
muitas ideias críticas e reflexivas sobre variados temas, como possivelmente a respeito de alguns
dos temas transversais exigidos nos PCN.
Percebemos, pois, que o trabalho com a sequência didática é bem mais interessante no
sentido de ser mais amplo, mais completo, de responder bem aos critérios exigidos pelos
documentos oficiais e também por envolver mais os alunos nos processos de ensino e de
aprendizagem.
Para exemplificar tal afirmação, segue uma proposta de sequência didática com um
texto argumentativo, no gênero artigo de opinião.

SUMÁRIO
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ESCOLA MARIA EULÁLIA CANTALICE


DISCIPLINA: LÍNGUA PORTUGUESA
PROFESSOR(A):

SEQUÊNCIA DIDÁTICA
Tema - Gênero texto argumentativo: Artigo de Opinião
Público-Alvo - Ensino Fundamental II
Tempo Estimado - 5 Aulas (45 min. cada)
- Trabalhar as competências discursivas dos alunos
Objetivo Geral
sobre o gênero textual artigo de opinião.
- Identificar os elementos do gênero;
- Apresentar a práxis do gênero;
Objetivos Específicos
- Analisar a constituição das orações coordenadas e
subordinadas nos enunciados.
- Introdução ao gênero: dinâmica para trazer sentido
1º Momento
aos alunos sobre o gênero artigo de opinião.
- Buscar os conhecimentos prévios dos alunos por
2º Momento
meio de uma roda de conversa referente à dinâmica.
- Explanação sobre a estrutura do artigo de opinião;
3º Momento - Exemplos com diferentes artigos de opinião;
- Produção de um artigo de opinião.
4º Momento - Autoavaliação da produção.
- Análise Linguística: Constituição das orações
5º Momento
coordenadas e subordinadas.
- Participação dos alunos nas atividades propostas:
Avaliação
orais e escritas.
REFERÊNCIAS -------

Considerações finais

O presente artigo teve como principal intenção mostrar a importância de se ensinar língua
portuguesa nas salas de aula a partir dos gêneros textuais, em virtude das grandes possibilidades de
destrinchamento dos elementos dos textos. O trabalho relacionou esse ensino com base no que é
proposto pelos documentos oficiais para o ensino fundamental, levando à percepção de que os
planos de aula geralmente não correspondem como deveriam aos objetivos desejados para a
educação do ensino fundamental, diferentemente do que acontece com as sequências didáticas, que
se baseiam nos PCN com mais atenção, para organizarem e planejarem as atividades pedagógicas.
Sendo assim, este trabalho é de suma importância para os professores da área de língua
portuguesa que estejam de fato envolvidos com seus papéis de docente, que se preocupam com a
educação de seus alunos, visto que aborda pontos sobre qual seria a forma mais adequada de
planejar aulas, transformando-as em práticas interativas que atraiam a atenção e participação mais
efetiva dos alunos.
Quando uma aproximação na relação aluno-professor, quando os estudantes sabem o que
vão estudar e de que maneira, o interesse pelo estudo aumenta, o rendimento escolar acompanha e
cresce. O rendimento é uma das preocupações de muitos professores, pois se tem notado que,
durante as produções textuais, especificamente, o rendimento do aluno não é como deveria ser, não
corresponde às expectativas. E o que se pode fazer para melhorar essa situação é aperfeiçoar os
planejamentos, utilizando-se de atividades reflexivas e que abordem mais detalhada e
interligadamente os aspectos textuais, ou seja, programando-se sequências didáticas.

SUMÁRIO
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O meio social precisa de cidadãos reflexivos, que estejam aptos a desenvolver seus papéis
sociais a depender do contexto e de sua função dentro da sociedade. Sendo assim, é necessário que
os olhares voltem-se para o planejamento dos professores, uma vez que, a partir de boas aulas e,
consequentemente, do melhor rendimento e do maior envolvimento dos alunos, os docentes vão
conseguir desempenhar suas funções sociais de forma mais eficiente e perspicaz.

Referências

ALVES, M. de Fátima. A escrita do texto na sala de aula: uma abordagem sobre as condições de produção. In: XVII
Congreso Internacional Asociación de Lingüistica y Filología de América Latina, João Pessoa, p. 1109-1123, 2014.
Disponível em: <http://www.mundoalfal.org/CDAnaisXVII/trabalhos/R1145-1.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2017.

BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Língua Portuguesa. Ensino Fundamental. Terceiro ciclo.
Brasília: MEC/SEF, 1998.

BRONCKART, J. PAUL. Atividades de linguagem, texto e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. São
Paulo: EDUC, 1999.

DELLOSSO, H. C. Bido. Brandt. A produção de texto na sala de aula: uma análise de produção de ensino. 2013. 173
f. Tese (Mestrado em Educação) – Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Metodista de Piracicaba, São Paulo,
2013. Disponível em: <https://www.unimep.br/phpg/bibdig/pdfs/docs/21062013_114406_dissertacaohellen.pdf>.
Acesso em: 11 mar. 2017.

DOLZ, J.; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY, B. Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um
procedimento. In: DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros Orais e Escritos na Escola. 3. ed. Campinas, SP: Mercado
de Letras, 2004, p. 81-108.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.

SUMÁRIO
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ANEXO

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO


Logradouro - PB

ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL MARIA ELOI LEITE


DISCIPLINA: LÍNGUA PORTUGUESA
PROFESSORA:
PERÍDODO DE REALIZAÇÃO: DE 22/02 A 04/03
TURMA(S) 9º ( ) Ed. Infantil ( ) Fundamental I ( X ) Fundamental II ( ) EJA

PLANO DE AULA QUINZENAL

CONTEÚDO OBJETIVOS ESTRATÉGIAS RECURSOS


Gênero textual Exercitar a leitura oral de Quadro branco;
Leitura: e forma adequada. Aula expositiva e Pincel atômico;
compreensão. dialogada. Papel sulfite.
Aprimorar a leitura oral
exercitando-a a partir de Atividade escrita e
Gramática: orações sobre entonação, comentada.
Frase, oração e pontuação e ênfase.
período Dinâmica:
memorização e
Analisar enunciados a interação (nome e
Ortografia partir dos conceitos de qualidade atribuída
frase oração e período. ao nome) .
Acentuação
Apropriar-se de regras Uso do dicionário.
notacionais da língua que
permitam acentuar Uso do material
corretamente as palavras. impresso.

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GÊNERO DEBATE: UMA PROPOSTA DE ENSINO

Jandeilson Rodrigues da Penha1

Introdução

Este trabalho pretende mostrar como o gênero oral debate pode ser utilizado para uma
proposta para o ensino de língua materna, uma vez que é no seio da interação que acontece a prática
de linguagem verbal entre sujeitos. Além disso, pretende contribuir para a prática pedagógica do
professor de português, evidenciando um ensino centrado no uso social da língua. Isto é, focando na
linguagem como prática social, e a representação do oral nas aulas de português, como na vida
cotidiana via vivência como o gênero oral debate, e seus respectivos interlocutores, que (re)
produzem verdadeiros enunciados através também de gêneros orais.
É por meio da apropriação com gêneros que se desenvolvem diversas capacidades
intelectuais e expressivas no aluno, dando-lhe certa liberdade diante de uma ação comunicativa de
linguagem oral ou mesmo escrita. Isso acontece porque o objeto determina seu comportamento,
afina e o modifica para uma situação particularizada, mas, após ter percebido funcionalidade desse,
ou seja, depois de ter adquirido a estrutura de base para uma representação desse mesmo
instrumento diante dos colegas de classe, ou em outro contexto de fala.
Com isso, nosso objetivo maior é propor uma sequência didática com gênero oral debate
público da esfera social, considerando a temática, os elementos composicionais e estilísticos , a
partir das orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais para produção didática,
especificamente, através da aplicação de um questionário sobre gêneros, na Escola Municipal Maria
Elói Leite, na turma do no 9ª ano, afim de verificar e selecionar qual temática que os alunos
gostariam de ver ou participar em um debate.
Assim, partimos de algumas questões para desenvolver a presente pesquisa, como: por que a
prática de linguagem oral, nas aulas de português, é sempre ensinada apenas por leitura? Ou, por
que a exposição sobre um determinado tema acontece espontaneamente, sem levar em conta antes
uma orientação do professor sobre como trabalhar com o objeto? Qual o motivo que leva à prática
do professor a não se enquadrar ao ensino de língua materna? Considerando a hipótese de que não
há um material didático-pedagógico, o qual possa favorecer um ensino com práticas orais, escritas e
práticas correlacionadas, e que o professor mesmo sabendo das teorias o faz inadequadamente no
seu fazer pedagógico. Isso acontece porque talvez o profissional não tenha se apropriado bem das
bases teóricas ou porque lhe falta liberdade para aplicar os conhecimentos necessários na sala de
aula, uma vez que a escola é o lugar privilegiado para isso: ensinar, preparar e formar sujeitos
capazes de se expressar diante de uma ação comunicativa de linguagem.
Para atingir tal objetivo, no primeiro momento, iremos discutir a concepção de gênero, com
base nos documentos oficias, provando que esse existe e que pode ser ensinando através de
elementos tais como temática, construção composicional e estilo. Basearemo-nos nos escritos de
Bakhtin, enfatizando que o gênero do discurso também é um instrumento para o ensino-
aprendizagem de língua. No segundo momento, apresentaremos uma proposta de ensino, uma vez
que é foco central da pesquisa, com gênero oral: Debate Público. Portanto, compreendemos que o

1
Graduando em Letras pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) jandeilsonletras@gmail.com

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trabalho contribui como exemplo para novas pesquisas em língua materna, sobre como trabalhar
com gêneros orais em sala de aula, e que também propõe uma abertura para o profissional dessa
área, que precisa, o quanto antes, encontrar-se nesse novo universo de ensino que é seu.

Metodologia

Para realizar esta pesquisa, foram utilizados documentos oficiais voltados para o ensino de
Língua Portuguesa, tais como os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1998),
referentes aos 3º. e 4º. ciclos de ensino, cujo foco é analisar as seções de leitura frente o que está
proposto nos documentos oficiais mencionados. Para tal, A pesquisa possui caráter misto, uma vez
que, o seu foco está na interpretação dos dados coletados, pois, como consideram Marconi; Lakatos
(2011), uma pesquisa com esta característica está preocupada com a interpretação dos dados. Eles,
os autores, ainda destacam que o método qualitativo “fornece análise mais detalhada sobre as
investigações, hábitos, atitudes, tendências de comportamento, etc.” (ibidem, p. 269).
Quanto à análise de dados, trata-se de uma pesquisa bibliográfica, pois segundo Gil (2010,
p. 29) “é elaborada com base em material já publicado”. Para este autor, considera-se fonte
bibliográfica, ou seja, quanto (do) o material está disponível em bibliotecas ou bases de dado, no
caso em específico, o gênero textual debate e os aportes teóricos ambos disponíveis em cópias
impressas e em websites.
Para o corpus do nosso trabalho, definimos quatro critérios de escolha: 1) o contato com a
escola Maria Elói Leite, na cidade de Logradouro – Paraíba, no dia 13 de abril de 2016, no turno da
manhã. 2) a elaboração das questões no formato questionário. 3) a aplicação do questionário à
turma do 9ª ano, realizada no dia 14 de abril de 2016, no turno da tarde. E 4) uma revisão de
literatura e uma produção final.
Considerando que esta é uma pesquisa mista, de natureza qualitativa, e do tipo bibliográfica,
conforme dito anteriormente, podemos fazer um recorte no que concerne o material a ser analisado.
Para realizar as análises, criamos um passo-a-passo, nos quais podemos observar três classificações:
1) seleção dos matérias (livros), que contém os dados válidos. 2) seleção dos capítulos os quais
pôde ser encontrado os assuntos para pesquisa. 3) anotações interpretativas para constituição do
trabalho, com base no fichamento produzido das ideias principais.

Conhecendo o gênero: definição

A linguagem é o veículo entre a estética e dialética de criação discursiva entre sujeitos, que
se encontram e se apreendem numa ação real de fala2, ou seja, por meio da interação3. Segundo
(BAKHTIN, 1997, p. 294), é uma a “alternância” que os põe diante das fronteiras enunciativas (os
gêneros do discurso) com um começo absoluto e um fim absoluto, conforme a ideia de Bakhtin4
(1997), fazendo-os, a um só tempo, significarem durante a ação de linguagem. Assim, a interação,
para (BAKHTIN, 1997, p. 294) acontece quando “o locutor termina seu enunciado5 para passar a
palavra ao outro ou para dar lugar à compreensão responsiva ativa do outro”, que logo deverá
interagir no momento do diálogo ou após esse, em outra circunstância.
Segundo os PCN de LP (BRASIL, 1998) é “dizer alguma coisa a alguém, de uma
determinada forma, num determinado contexto histórico e em determinadas circunstâncias de
interlocução”, que leva os participantes compreender, refletirem e produzirem claramente um

2
Fala ou oral é tudo que ocorre por meio do aparelho fonador humano. Um exemplo mais sucinto seria a linguagem que
acontece por meio da expressão oral.
3
Interação é uma ação a qual coloca diferentes interlocutores numa situação de fala ou escrita, por meio da linguagem.
4
Mikhail Bakhtin (1895-1975) é uma das figuras mais fascinantes e enigmáticas da Cultura europeia de meados do
século XX.
5
Enunciado(s) são gêneros do discurso primário ou secundário produzidos/efetivados num determinado contexto,
conforme Bakhtin (1997).

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assunto com maior entendimento, numa determinada cultura linguística, social e econômica. Isso
acontece porque:

O discurso, quando produzido, manifesta-se linguisticamente por meio de textos que são
reais e próprios de cada esfera social, que acaba se encadeando na prática oral e escrita dos
atores, através da coesão e coerência significativa dessa – linguagem. Assim é preciso
dizer, ou considerar que a produção dos discursos não acontece no vazio, mas, sim com
relação a outros já produzidos e existentes. (BRASIL, 1998, p. 21)

Conforme evidenciado acima, todo texto se organiza dentro de determinado gênero em


função das intenções comunicativas para informar, discutir, argumentar, relatar, propagar, descrever
etc. Ou seja, ele define o que é dizível através da intenção que pretende transmitir num discurso e
num certo contexto, para um público alvo. Por sua vez, os gêneros são determinados historicamente,
que possui formas relativamente estáveis e que estão depositados na cultura (BRASIL, 1998), como
meio de (re) produção e utilização. Conforme proposto nos documentos oficiais de ensino, os
gêneros devem ser caracterizados em três partes elementares:

Conteúdo temático, o que é ou pode tornar-se dizível por meio do gênero. Construção
composicional, estrutura particular dos textos pertencentes ao Gênero. Estilo, configurações
específicas das unidades de linguagem derivadas, sobretudo, da posição enunciativa do
locutor; conjuntos particulares de sequências que compõem o texto etc. (BRASIL, 1998, p.
21)

Os gêneros, assim, possuem características particulares que os fazem ser modular e flexivo
quando apropriados, permitindo ao aluno realizar diversas manifestações durante uma prática de
linguagem oral ou escrita, para um determinado interlocutor. Para explicar isso, buscamos um
capítulo que ressalta sobre as condições do objeto de ensino. De acordo com os PCNs (BRASIL,
1998, p. 23) “um dos aspectos da competência discursiva é o sujeito ser capaz de utilizar a língua de
modo variado”, ou seja, ser ágil ao defender um argumento num debate, objetivo ao dar uma notícia
ou ao expor ideias num seminário (gêneros orais). Pode-se, assim, considerar que o objeto é o mais
apropriado para o ensino-aprendizagem de língua.
Ao observarmos o que compõe o corpo de um gênero escrito e oral, podemo-nos apropriar,
então, das características do gênero oral de modo mais amplo. Mas o que vem a ser esse gênero
oral? É isso que iremos discutir no primeiro momento, sobre este objeto transformador, uma vez
que desmembraremos seus aspectos durante toda exposição do assunto.
Discurso ou gênero?
Na primeira parte, mostraremos que o gênero por sua forma e instrumentalização é, ao
mesmo tempo, o enunciado que emana através do discurso, uma vez que pode ser estruturado
adequadamente para um determinado fim (evento, congresso, seminário, diálogo entre namorados
ou amigos, etc.), que engloba desde a postura dos participantes no espaço até a formação da
pronuncia, como: a voz, sonoridade, vibração que compõe toda manifestação de fala.
a. Um terreno fecundo para prática de linguagem

Segundo (BAKHTIN, 1997), “todas as esferas humana, por mais variadas que sejam, estão
sempre relacionadas com a utilização da língua” (p. 280), a conversa entre amigos, exposição de um
discurso num evento, a palavra proferida pelo juiz, a conversa amorosa, entre outros que podem ser
citados como gêneros orais, assim como o debate público que exige uma argumentação consistente
para defesa de um ponto de vista. Visto que a linguagem nessas esferas varia quanto a suas

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particularidades e funções que os determinam, como pôde ser observado anteriormente. Com isso, o
sujeito, diante de um contexto, tem como base as diversas formas linguísticas e não linguísticas 6
para se expressar por meio de enunciados claros, que são verdadeiramente significativos para quem
ouve durante uma ação.
A língua por sua vez torna-se o eixo de comunicação por meio desses enunciados. Esses, entretanto,
podem variar quanto a sua estrutura. Como diz (BAKHTIN, 1997):

A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e


únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. O
enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não
só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos
recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramáticas –, mas também, e sobre
tudo, por sua construção composicional (p. 280).

Ao observamos o que o compõe, podemos constatar e ter como evidencia que essa
especificidade fundamenta-se não apenas na ação, mas na construção do enunciado, no todo que o
faz significar durante a ocorrência. A ocorrência de linguagem, por sua vez, ultrapassa e põe os
interlocutores em referência (um ao outro), adequando-os ao contexto. Isso acontece porque os
gêneros orais e escritos são instrumentos que possibilitam apropriação e, evidentemente, podem
transformar-se em um ato de fala mais sofisticado (discurso técnico) quando ensinados. Desse
modo, não pode separar um do outro, porque são eles que possibilitam o aluno a se expressar
claramente, ou seja, eles são o guia de qualquer eloquência. Assim como acontece com os textuais,
os enunciados orais também possuem definições. Nesse sentido, “são considerados como esferas de
utilização que elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que
denominamos gêneros do discurso” (BAKHTIN, 1997, p. 280). E, por isso, devem ser ensinados
em sala de aula, porque eles também têm uma estrutura, estilo de linguagem e um assunto que pode
ser (re)apresentado sempre na escola.
É equívoco considerar e dizer que as esferas sociais são abstratas e inoperantes para todos e
qualquer gênero do discurso, é ir contra a legitimidade do caráter que ele possui como meio
transformador de ações entre sujeitos. Uma vez que podemos dizer que são concretos e únicos,
conforme orienta Bakhtin (1997), e de fácil conhecimento quando pronunciados num determinado
contexto de linguagem. Por exemplo: escola, teatro, rádio, televisão, congresso, apenas para citar
alguns, e ao mesmo tempo vemos as diversas funcionalidades que cada um desses contém em seu
particular. Assim, o ensino com esses gêneros permite que a língua seja dinâmica e adaptável, ou
seja, que o sujeito após ter se apropriado, saiba operar tanto psicologicamente como
linguisticamente (SHNEUWLY; DOZ, 2004). O que deve considerar é que a prática de linguagem
acontece, não espontaneamente, mas sim estruturada com base em uma comunicação mais
complexa. Para o autor,

Importa, nesse ponto, levar em consideração a diferença essencial existente entre o gênero
de discurso primário (simples) e o gênero de discurso secundário (complexo). Os gêneros
secundários do discurso – o romance, o teatro, o discurso científico, o discurso ideológico,
etc. – aparecem em circunstancias de uma comunicação cultural, mais complexa e
relativamente mais evoluída, principalmente escrita: artística, científica, sociopolítica
BAKHTIN (1992, p. 282).

Diante dessa ideia, pode-se ter como evidencia que os gêneros secundários, que têm
aspectos mais específicos e estruturais (além de ser o mais correto para o ensino), adentram na vida
do sujeito e transforma os gêneros primários (fala descontraída), através dos gêneros de textos que,
por sua vez, é o viés para representação e adaptação da nova linguagem, por meio da expressão oral.
6
Não linguísticas: esse aspecto consiste no comportamento do interlocutor quanto à roupa, expressão fácil, bocejo, etc.
Visto em Schneuwly; Dolz, 2004.

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Assim, percebe-se logo que ocorrência que era antes desprovida de tais características, agora passa
a ter um valor estético diante da situação contextual. Como diz Bakhtin (1997), o discurso que era
alheio e espontâneo passa a ter uma característica particular e definida, cujo interlocutor
compreende a situação na qual está inserido e adapta de modo imediato a fala. Mas, e isso não
acontece, a língua perde todo seu valor semântico e o discurso que era antes proferido, agora é mal
compreendido por quem escuta (BAKHTIN, 1997). Por isso, o autor propõe que haja uma definição
para gêneros secundários e primários. De modo que são esses enunciados que proporcionam o
estudo e a prática em sala de aula, uma vez que também acarreta na aprendizagem do bem falar;
melhor, do discurso.
Assim, deve-se pensar que os enunciados é o caminho mais apropriado para ensino de língua
materna, cujo mediador – professor – deve estar preparado e ciente para modificar esse universo
junto com seus alunos. Por isso, o gênero do discurso “é indispensável para qualquer estudo, seja
qual for a sua orientação específica” (BAKHTIN, 1997, p. 282), como para análise do conteúdo,
interpretação linguística de enunciados ou dos efeitos do som na fala. Porém, não se pode descartá-
los, como também não pode ser ensinados de qualquer maneira, é preciso conhecê-los realmente
(não que vá abraçar todo oral, porque é impossível). E para isso, eles estão materializados nas
diversas esferas sociais humana, uma vez que podem servir como suporte para ensino-
aprendizagem na escola, abarcando uma atividade tanto oral como escrita.
Para que uma ocorrência de comunicação exista, entre interlocutores situados num
determinado contexto, é necessário que haja apropriação por meio dos gêneros materializados, de
modo a proporcionar a efetivação de linguagem adequada. O trabalho por meio desses ocorre de
duas maneiras: adaptação e execução que o sujeito realiza durante uma prática de comunicação
social. Em seguida, tentaremos exemplificar o que é esse instrumento e qual é a sua funcionalidade.

b. Instrumento adaptável: o gênero

O instrumento como meio de produção desenvolve nos indivíduos diversas capacidades que
são, geralmente, respondidas através de ações que se realizam numa situação de linguagem oral e
escrita. Schneuwly (2004, p. 21) ressalta que “a ação é mediada por objetos específicos, socialmente
elaborados, frutos das experiências das gerações precedentes”, que após serem apropriadas, essas se
alargam e multiplicam por outras novas e já existentes. Considerando isso, é certo dizer que são os
objetos que determinam o sujeito, ou seja, seu comportamento numa ação. Como diz o autor:

A intervenção do instrumento – objeto socialmente elaborado – nessa estrutura diferenciada


dá à atividade uma certa forma; a transformação do instrumento transforma evidentemente
as maneiras de nos comportarmos numa situação. Um instrumento media uma atividade,
dá-lhe uma certa forma, mas esse mesmo instrumento apresenta também essa atividade,
materializa-a. Dito de outra maneira: as atividades não mais se presentificam somente em
sua execução SCHNEUWLY (2004, p. 21).

Assim, entendemos que objeto – gênero – além de ser um material que desenvolve diversas
capacidades nos indivíduos, ele também se comporta quanto a sua linguagem, como citado
anteriormente. Como exemplo dessa atividade, temos o debate público. As atividades são
específicas e constituídas no objeto, mas se tornam reais quando pronunciadas no discurso.
Segundo Schneuwly 2004, p. 21) “elas existem, de uma certa maneira, independente desta, nos
instrumentos que as representam e, logo, significam-nas”, por sua vez a transformação acontece e
os comportamentos são expressos de forma objetiva.
Se o instrumento desenvolve capacidades nos interlocutores, é certo dizer que ele também
pode ser ensinado através de um material didático, abarcando qualquer eixo de ensino-

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A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 129

aprendizagem na escola. Para tanto, o próximo ponto mostraremos apenas a estrutura de base que
pode ser aplicado para qualquer objeto, de preferência, para os secundários.

c. Sequência didática: produção

Favorecer um ensino diferenciado, é promover uma aprendizagem significativa. Isso quando


ensinada através de procedimentos adequados, ou melhor, sequências didáticas bem acabadas e
delimitadas, mas o que vem a ser sequências didáticas? Segundo Schneuwly; Dolz 2004, p. 82) “é
um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero
oral ou escrito” (secundários), que permite o aluno a se adaptar de modo mais fácil com as práticas
de linguagem social, ou seja, com as novas ou dificilmente domináveis. Para isso, há uma estrutura
de base para uma ocorrência do objeto nessa produção, segundo (SHNEUWLY E DOZ, 2004, p.
83):

Figura 1. Sequência didática

A orientação desse mega instrumento, como pôde ser visualizado, permite que ação se
realize conforme a escolha do gênero (aqui, o Debate Público), que se insere na vida do agente
através de duas formas que podem ser consideradas: experiência e consciência. A primeira admite
que o aluno esteja com contato direto com os seus semelhantes e que ao mesmo tempo permita a
troca de formas diversas de informações por meio da linguagem. A segunda o põe o aluno num
estado de interpretação, compreensão e realização que irá fazer conforme ao contexto inserido, ou
seja, o indivíduo vai formular o que será transmitido coerentemente (afirmar, defender, questionar,
opinar, etc.), isso quando estiver diante de uma atividade comunicativa, e exigir algo mais de si
(meios linguísticos e paralinguísticos).
As etapas desse material didático, no que lhe concerne, permitirá que o professor passe de
um eixo de transmissão de conhecimento para um posto de mediador, guiando os alunados através
de avaliações (dentro dos módulos) para chegar ao objetivo visado – a realização de uma produção
final -, que será eventualmente realizada em sala de aula, durante técnicas de aprendizagem, de
maneira que possibilite a superação das dificuldades que possuem para produzir e ter o domínio
(não parcialmente, uma vez que é impossível) das diversas esferas sociais. Estas serão manipuladas
através de observação, análise e experimento (execução através da prática para validar o objeto) por
parte dos integrantes, ou melhor, trata-se de levar o sujeito ao domínio do gênero, exatamente como
este funciona (realmente).

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Schneuwly; Dolz 7 (2004), através de um trabalho bem definido para se adquirir a técnica do
oral e da escrita que se deseja, cujo profissional irá dispor de “modularidades” para isso. Ainda de
acordo com os autores, “este se inscreve numa perspectiva construtivista, interacionista e social que
supõe a realização de atividades intencionais, estruturadas e intensivas que devem adaptar-se às
necessidades particulares dos diferentes grupos de aprendizes” (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p.
93), e que perpetuará no discurso como via de transmissão por meio de enunciados reais e,
efetivados excentricamente pela fala, constituindo assim o gênero em sua forma e especificidade
adequada para prática em classe.
Com isso, pode-se ressaltar que é o professor que deve estar integrado nessas abordagens
(ponto de apoio) para constituir um trabalho diferenciado com as sequências didáticas, uma vez que
possibilita uma flexibilidade com relação aos conteúdos selecionados para aula. Porém, não
acarretando o insucesso dos demais em classe, mas possibilitando o melhor desempenho entre os
interlocutores após terem se apropriado do fenômeno – gênero -, devido aplicação de
“modularidades” adequadas e fundamentadas corretamente no instrumento. Desse modo, podemos
esboçar com nitidez que o gênero do discurso – como o oral – é um instrumento de adaptação, ou
melhor, de ensino-aprendizagem na vida escolar, constituídos por meio de um tema, função, estilo
de linguagem e composição, que o faz ser diferente e particular de outros.

Considerações finais

A presente pesquisa proporcionou mostrar-nos um breve diálogo sobre os gêneros,


principalmente, os orais, para o ensino de língua em sala de aula. Uma vez que entendemos que a
fala para se tornar um bom discurso, precisa de um instrumento que possa mediar e conduzir o dito.
E para isso, temos os instrumentos que são verdadeiros e próprios de cada esfera social, para efetuar
qualquer prática de linguagem bem acabada, os gêneros textuais e orais. Considerando isso,
podemos afirmar que os gêneros orais como os textuais, devem sim ser ensinados através dos seus
três elementos: temática, construção composicional e estilo.
Assim, pode-se constar que o objetivo geral foi realizado com êxito. Propusemos um
procedimento didático que compreende as capacidades do aluno (cognitiva e expressiva), com
relação ao seu desenvolvimento comunicativo social, ou seja, conduzindo-o a uma prática de
linguagem real com seus semelhantes. Na segunda parte, os objetivos específicos aconteceram. No
primeiro, o questionário foi aplicado e respondido conforme o que se pedia, na Escola Municipal
Maria Elói Leite, onde foi realizado. No segundo, tivemos os dados concretos para dar continuidade
ao objetivo geral.
Esse trabalho tem fundamento, uma vez que trata do gênero como meio mais apropriado de
ensino de língua. Não cabendo, portanto, ignorá-lo de tal modo, porque são eles que nos conduzem
para uma realização de atividade oral ou escrita. Onde podemos nos expressar por meio de ideias,
sentimentos e emoções.

Referências

BAKHTIN, Mikhail: Estética da criação verbal. In: Problemática e definição: O enunciado, unidade da comunicação
verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997,;
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa.
In: Discurso e suas condições de produção, gênero e texto. Brasília: MEC/SEF, 1998.;

7
Bernard Schneuwly é professor e pesquisador em Didática de Francês/Língua Materna, da Faculdade de Psicologia e
Ciências da Educação (FAPSE) da Universidade de Genebra (UNIGE), Suíça, e coordenador do Grupo Grafe.
Joaquim Dolz é professor e pesquisador em Didática do Francês/Língua Materna, da Faculdade de Psicologia e Ciências
da Educação (FAPSE) da Universidade de Genebra (UNIGE), Suíça, e membro do Grupo Grafe.

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BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa.
In: Discurso e suas condições de produção, gênero e texto: Condições para o tratamento do objeto de ensino: o texto
como unidade e a diversidade de gêneros. Brasília: MEC/SEF, 1998.;
BAKHTIN, Mikhail: Estética da criação verbal. In: Problemática e definição. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997,;
BAKHTIN, Mikhail: Estética da criação verbal. In: Problemática e definição. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997,;
SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim: Gêneros orais e escritos na escola. In:Gêneros e Tipos de Discurso:
Considerações Psicológicas e Ontogenéticas. 3. Ed. Campinas, SP: Mercados das Letras, 2004;

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DISCURSO OUTRO: A PARÁFRASE COMO MECANISMO DE


ESCRITA NA REDAÇÃO DO ENEM
Bruna Costa Silva1
Regina Celi Mendes Pereira2

Introdução
O caráter dialógico da linguagem nos faz pensar essa atividade enquanto algo dinâmico e
que exige dos agentes em interação uma constante retomada a discursos anteriores. Nesse sentido, o
agir na linguagem manifesta-se por meio de gêneros tanto orais quantos escritos, conforme apontam
os estudos de Bakhtin (1952), constituídos essencialmente pelo caráter responsivo da interação.
Marcada de forma mais expressiva, a atividade de escrita exige maior cautela por parte do agente
que assume o lugar do discurso, uma vez que a sua voz é constantemente perpassada por outros
discursos já presentes na memória social. Sob esta perspectiva, é fundamental pensar o uso da
paráfrase como um mecanismo que permite ao autor retomar algo já dito, de modo a atuar na
sociedade por meio da atividade escrita.
Tendo em vista que a esfera acadêmica é uma das mais validadas na produção e circulação
de textos socialmente legitimados, julgamos importante dar atenção ao processo de seleção que
julga a capacidade dos agentes que serão, futuramente, responsáveis pela propagação desses
discursos. Desse modo, a atual dimensão assumida pela utilização do Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM), como instrumento avaliativo para o acesso ao Ensino Superior pela maioria das
universidades brasileiras, chama nossa atenção, de forma especial, no que confere ao processo da
atividade de escrita.
Partindo dessa contextualização, o presente artigo tem o objetivo de investigar as relações
intertextuais, no nível da paráfrase, estabelecidas nos diálogos entre os textos motivadores e as
redações dos candidatos no ENEM. Para tanto, temos em vista que os textos motivadores, ao
funcionarem como ponto de referência para a reflexão que antecede o momento da escrita, podem
direcionar a tomada de decisão dos argumentos e pontos de discussão a serem elencados ao longo
da redação, provocando a emergência de textos com pouca presença autoral.
O ENEM é uma prova realizada em nível nacional, assumida pelo Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Anísio (INEP) e é utilizada hoje como principal meio de ingresso ao ensino
superior. Dentro desse processo, a proposta de redação é algo crucial no momento de avaliação do
candidato, sendo um requisito que pode ser responsável por grande parcela de aprovação ou
reprovação deste no Exame Nacional e, consequentemente, pela entrada em cursos superiores de
diversas universidades brasileiras, tanto da rede pública quanto da rede privada. A redação é
proposta desde o primeiro ano de aplicação do exame e deve ser estruturada na forma de texto em
prosa, seguindo o padrão estrutural do texto dissertativo-argumentativo.

1
Mestre em Linguística pelo PROLING/UFPB, integrante do Grupo de Estudos em Letramentos, Interação e Trabalho
(GELIT) e do Ateliê de Textos Acadêmicos (ATA) brunacostascb@gmail.com
2
Doutora em Letras e professora da UFPB/DLCV/PROLING, líder do GELIT e coordenadora do ATA,
reginacmps@gmail.com

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Para compor nosso corpus, selecionamos a proposta de redação do ENEM 2011, bem como
3 redações produzidas pelos candidatos que realizaram o exame no citado ano. A escolha dessa
proposta justifica-se por ser este um dos anos em que o INEP operou reformulações na estruturação
da proposta da prova, em decorrência do grande número de universidades que aderiram à seleção de
estudantes não mais por exames vestibulares, mas por ingresso via ENEM. Selecionamos as
redações disponíveis no site do INEP, usando como critério de seleção as que obtiveram notas
máximas no exame.
Do ponto de vista metodológico, a pesquisa apresenta cunho qualitativo uma vez que se
pauta na análise interpretativa de redações do ENEM, tendo como foco de investigação o
posicionamento enunciativo do candidato. Para subsidiar a análise do corpus apontado acima,
pautamo-nos, entre outros autores, em Bronckart (2012) e Silva (2012), na medida em que
trabalham a escrita como atividade de interação social; Bakhtin (2003), Barros (2014) e Fuchs
(1985) na perspectiva da paráfrase enquanto mecanismo para retomada dos discursos.

A perspectiva sociointeracionista na produção textual


No processo evolutivo que conduziu o homem à necessidade de criar novos instrumentos
que pudessem ser colocados na mediação entre ele e o meio, está o desenvolvimento da linguagem.
Esta, por sua vez, acaba exercendo forte influência na reestruturação do comportamento social.
Vygotsky, um dos pilares da epistemologia sociointeracionista, propunha a construção de um
conceito unificador que articulasse os vários aspectos das ações humanas, observando-se sua
dimensão social e discursiva.
A partir das ideias de Léontiev (1979), a noção de atividade é usada para designar “[...] as
organizações funcionais de comportamentos dos organismos vivos, através das quais eles têm
acesso ao meio ambiente e podem construir elementos de representação interna (ou de
conhecimento) sobre esse mesmo ambiente” (BRONCKART, 1999/2012, p. 30). A espécie humana
traz como principal característica a diversidade de formas de atividade. Isso se deve ao uso da
linguagem como forma de comunicação social e da constituição do ser humano no mundo. Dessa
forma, “na espécie humana, a cooperação dos indivíduos na atividade é, ao contrário, regulada e
mediada por verdadeiras interações verbais e a atividade caracteriza-se, portanto, por essa dimensão
que Habermans (1987) chamou de agir comunicativo” (BRONCKART, op. Cit., p. 32).
Logo, a língua pode ser percebida como um contrato social em que os signos são postos para
cada indivíduo, de forma particular e, ao mesmo tempo, compartilhada. Habermas propõe que a
relação entre os signos e a sociedade pode ser percebida por meio de mundos representados. Nesse
sentido, a linguagem que produzimos está diretamente relacionada às nossas representações do
mundo, tanto social, quanto objetivo e subjetivo, que se materializam tanto na fala quanto na
escrita. É, sobretudo, em situações de escrita que interagimos com textos e vivências anteriores e
podemos constatar a relação entre linguagem e o cotidiano ou a nossa ação no mundo.
Esse quadro teórico exerceu forte influência na constituição da proposta do Interacionismo
Sociodiscursivo (ISD), que entende as ações humanas enquanto sendo determinadas pelo social. Tal
teoria considera que “as atividades de linguagem são diversificadas, porque suas propriedades
dependem também de opções assumidas pelas formações sociais [...]” (BRONCKART 2006, p.
138). Desse modo, as atividades de linguagem realizam-se em forma de textos e, devido à variedade
dessas atividades, os textos diversificam-se, apresentando-se na forma de gêneros também
variáveis, que servem aos diferentes contextos de uso da língua.
Considerando-se a necessidade de o indivíduo aprender a escrever textos, Silva (2012, p. 31)
destaca que

[...] é necessário reconhecer que esses modelos textuais dizem respeito aos gêneros,
os quais passam a ser entendidos como ferramentas da linguagem imputáveis a
qualquer participante de uma interação verbal. Assim sendo, torna-se fundamental
sua inserção no processo de ensino-aprendizagem da escrita.

SUMÁRIO
I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 2 4 4 - 4 | 134

O trabalho com produção textual exerce grande importância no processo do ensino de


língua, na medida em que propicia ao aluno/produtor do texto o conhecimento da função
desempenhada por cada gênero na sociedade. Nesse sentido, vale ressaltar que, por se constituir
enquanto ação de linguagem social, a escrita do texto envolve atividades psicológicas e experiências
vividas pelo sujeito. Logo, “no trabalho de escrita, o autor combina o seu conhecimento de mundo,
suas crenças e seus pontos de vista com os conhecimentos linguísticos e textuais construídos na
escola ou fora dela para expressar aquilo que deseja” (VAL et. al, 2009, p. 70).
Levando em consideração nosso contexto de pesquisa, entendemos que o sujeito autor, que
produz o texto dissertativo-argumentativo, durante a seleção do ENEM, transfere para sua redação
marcas do contexto social em que se insere, partindo do conhecimento que possui sobre o mundo e
a língua. Por ser esta uma avaliação realizada em nível nacional, abarca sujeitos de lugares e classes
variadas. Isso pode ser sentido através da maneira como escrevem e do direcionamento dado aos
pontos de vista defendidos por cada candidato. Esse aspecto, por sua vez, reforça a ideia do caráter
sociodiscursivo assumido pela linguagem e manifestado por meio dos gêneros textuais.

A paráfrase como mecanismo de escrita

Pensar a atividade de escrita exige uma atenção ao caráter dialógico assumido pela língua.
Quando profere ou escreve algo, o sujeito que assume o lugar da fala/escrita recorre e faz uso de
outras vozes, retoma parcialmente o que já foi dito antes por outras pessoas. Conforme aponta
Bakhtin (2003, p. 294), “a experiência discursiva individual de qualquer pessoa se forma e se
desenvolve em uma interação constante e contínua com os enunciados individuais dos outros”.
Nesse contexto, levando em consideração a heterogeneidade dos discursos, é de fundamental
importância observar até que ponto aquilo que é dito por um autor é atravessado por vozes alheias.
Entre os vários mecanismos que cooperam para a retomada ao discurso do outro,
destacamos, para o propósito do nosso trabalho, a paráfrase. Tendo origem com a atividade de
tradução realizada por gregos e romanos na antiguidade, a paráfrase surge inicialmente dentro do
campo literário, como parte do processo de estilização, e só posteriormente passa a ser utilizada na
linguística, conforme aponta Fuchs (1985), por volta dos anos 60, devido à necessidade de
pesquisas voltadas para o estudo das relações entre frases e expansão dos estudos semânticos.
Muito já foi discutido acerca do significado desse termo, e ainda há muito a se pensar.
Assumiremos a definição proposta no dicionário3 de Beckson e Gànz (Apud SANT’ANNA 2003,
p.17) no qual ela é vista como a “reafirmação, em palavras diferentes, do mesmo sentido de uma
obra escrita. Uma paráfrase pode ser uma afirmação geral da ideia de uma obra como
esclarecimento de uma passagem difícil. Em geral ela se aproxima do original em extensão”. Nesse
sentido, a paráfrase pode ser entendida como uma interpretação realizada por um leitor que, no
momento em que assume a posição de autor, toma para si a voz do outro, recriando subjetivamente
o que foi dito anteriormente.
Catherine Fuchs (1985) apresenta a paráfrase sob três perspectivas, nas quais aponta para os
enfoques dados pelas diferentes teorias linguísticas. Na primeira abordagem, a autora direciona para
a paráfrase como equivalência formal entre frases. Os linguistas formais de base semântico
gerativa tratam a paráfrase na perspectiva da equivalência lexical e gramatical, na qual enunciados
de uma língua são equivalentes quando fazem parte da mesma família sintática, ou seja, têm o
“mesmo sentido”. A maior parte dos linguistas formais, que fazem parte da escola de Harris,
apontam a base da “derivação de enunciados equivalentes a partir de uma fórmula abstrata comum”
(FUCHS 1985, p. 130 - grifo da autora). A relação entre frases ativas e passivas é colocada pela
autora como modelo desse tipo de paráfrase. A segunda abordagem – paráfrase como sinonímia
de frases – aponta para o uso de expressões de mesmo sentido. Nessa perspectiva, a substituição de

3
BECKSON, Karl & GÀNZ, Arthur. Literary Terms: A Dictionary. New York, Farrar-Strauss and Giroux, 1965.

SUMÁRIO
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uma frase por outra em que as palavras têm sentido igual constitui uma paráfrase. Sobre as duas
abordagens descritas acima, Fuchs aponta que

As duas abordagens da paráfrase, em termos de equivalência formal ou de


sinonímia semântica têm como ponto comum tratar a paráfrase como uma relação
virtual na língua, e não como uma relação atualizada no discurso, ou seja, como
uma propriedade intrínseca de grupos de enunciados, abstração feita a toda
consideração sobre a prática linguística concreta dos sujeitos. (1985, p. 133 – grifos
da autora)

É apenas na concepção de paráfrase como reformulação que o plano discursivo é


abordado. Nessa linha, o locutor retoma o conteúdo de um “texto-fonte”, podendo a atividade de
paráfrase ser associada à atividade de tradução. Por permitir o contexto enunciativo, pragmático e
discursivo, essa abordagem conduz à percepção de três questões principais. Inicialmente “[...] a
reformulação parafrástica repousa sobre uma interpretação prévia do texto-fonte” (FUCHS, 1985, p.
134 - grifo da autora). Desse modo, a interpretação que é conferida ao texto base pode variar
conforme a leitura de cada autor. Na segunda posição, Fuchs defende que a paráfrase se constitui na
identificação do significado do texto seguida de sua reconstrução. Na terceira questão proposta, o
elemento a ser parafraseado passa por uma atividade metalinguística no momento da reformulação
do que foi dito.
É, pois, na terceira concepção descrita por Fuchs, que se apoia a maior parte das pesquisas
realizadas a respeito da paráfrase, tendo em vista o caráter social/discursivo da linguagem, o que
nos leva a pensar a paráfrase como o já dito redito a partir de um novo olhar. Entretanto é
importante que o autor esteja atento para os riscos de se apropriar da ideia do outro, uma vez que
“não se trata apenas de dizer o que outros disseram, mas ‘como’ dizê-lo. Além disso, não é tarefa
nada fácil dizer de outro modo o que já está posto [...]” (BARROS, 2014, p. 382). Não basta,
simplesmente, encontrar sinônimos para substituir as palavras enunciadas no discurso anterior e ter
a paráfrase pronta. Dizer o já dito vai além de uma simples reprodução e exige um momento de
reflexão do autor, uma vez que este assume a responsabilidade de ressignificar o discurso do outro,
por meio da sua voz.
Nisto reside parte da dificuldade dos candidatos que se veem diante da necessidade de
escrever a redação no ENEM. Na maioria das vezes, são estudantes que ainda estão cursando o
ensino médio, ou que acabaram de sair desse nível de ensino, tendo vivenciado em poucas
oportunidades a atividade de escrita. A emergência em ter um discurso próprio ainda não está bem
situada entre esses candidatos, que, por muitas vezes, não demonstram a habilidade de separar
aquilo que é próprio daquilo que é do outro, no momento da construção do discurso. Desse modo,
“dizer aos estudantes que devem ‘fazer uso de suas próprias palavras’ pode não surtir o efeito
desejável se estes acabarem tratando certas ideias sem as devidas referências.” (BARROS 2014, p.
384). Justifica-se, assim, a importância do trabalho com a paráfrase ainda no ensino médio, de
modo que esses candidatos possam estar aptos a fazerem uso da palavra do outro, enquanto autores,
e não apenas meros reprodutores do discurso alheio.

A paráfrase na redação do ENEM

Iniciaremos nossas reflexões com a análise da proposta de redação do ENEM 2011, tendo
como foco os textos motivadores que compõem a prova, seguida das três redações selecionadas4.
Conforme apresentado ao longo deste artigo, além de veicularem conhecimentos sociais, históricos

4
As redações foram retiradas do Guia do participante, que vem sendo disponibilizado anualmente pelo INEP/MEC,
desde o ano de 2012, e tem como objetivo esclarecer os critérios que são adotados no processo de avaliação das
redações do Enem. Além de responder às principais dúvidas dos candidatos, o manual traz exemplos e análises de
redações que obtiveram nota máxima no Exame realizado no ano anterior.

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e culturais, elementos da estrutura da língua, os textos motivadores podem direcionar a escrita do


candidato, bem como demarcar o espaço enunciativo da produção escrita. Desse modo, “[...] numa
perspectiva sociointeracionista poder-se [sic] afirmar que a leitura favorece a apropriação de
enunciados dos outros para que o enunciado de cada um torne-se um elo da cadeia de enunciados de
que se constitui a linguagem verbal” (SOUZA 2003, p. 58).

Proposta de redação 2011

A proposta de redação de 2011 traz como tema “Viver em rede no século XXI: os limites
entre o público e o privado”. Os textos motivadores apresentados na proposta são do gênero artigo e
notícia – fragmento de “Liberdade sem fio” e adaptação de “A internet tem ouvidos e memória”,
além de uma tirinha – Quadrinhos dos anos 10 – do autor Dahmer.

Figura 2- Texto 1 da proposta de redação do ENEM 2011

Fonte:<http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/provas/2011/05_AMARELO_GAB.pdf>.
Acesso em 12 de out. de 2014 às 14h12min.

O primeiro texto (Figura 1) levanta a questão do acesso à internet como algo a que todos têm
direito. O conteúdo é colocado de uma forma mais objetiva e institucional, por meio de uma recente
declaração da Organização das Nações Unidas (ONU). Desse modo, o objetivo principal do
fragmento é mostrar os rumos que a utilização da rede virtual vem tomando em todo o mundo. Já o
segundo texto da proposta (figura 2) dá um maior enfoque à necessidade de se redobrar a atenção
quanto ao uso da internet e de seus aplicativos, como as redes sociais.

Figura 2- Texto 2 da proposta de redação do ENEM 2011

Fonte:<http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/provas/2011/05_AMARELO_GAB.pdf>.
Acesso em 12 de out. de 2014 às 14h12min.

São apresentados os lados positivos e negativos, a partir do uso cada vez mais acentuado da
internet. Trata-se de um texto de cunho informativo, que traz dados quantitativos (por meio de
números e porcentagens apontadas em pesquisas realizadas anteriormente), sem que se apresente,
pelo menos aparentemente, nenhum juízo de valor por parte do autor/escritor. Os dados numéricos,
no entanto, atuam como recurso argumentativo a que o candidato pode recorrer.
O terceiro texto motivador (Figura 3), que pertence ao gênero tirinha, de cunho mais crítico
e reflexivo, faz uma crítica à atual sociedade de controle, em que o homem é constantemente
monitorado por meio de câmeras. A parte icônica do gênero, de grande importância para a

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 137

interpretação do texto, sugere que o homem não tem como escapar do controle imposto pela
sociedade, uma vez que, até mesmo aquele que vigia está, também, sendo vigiado.

Figura 3 - Texto 3 da proposta de redação do ENEM 2011

Fonte:<http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/provas/2011/05_AMARELO_GAB.pdf>.
Acesso em 12 de out. de 2014 às 14h12min.

Entendemos que os textos motivadores apresentam uma carga de conteúdo suficiente para
orientar a construção do conteúdo temático por parte do candidato no momento de sua produção,
uma vez que através deles é dado o subsídio que impulsiona a uma reflexão sobre os pontos
positivos, bem como os negativos, gerados a partir da convivência da sociedade com as novas
tecnologias de monitoramento e informação. É possível notar, também, que há certa tendência a que
o candidato planeje a defesa de sua tese e direcione sua proposta de intervenção de modo a tentar
conduzir a um alerta e/ou conscientização por parte da sociedade para o uso inadequado das novas
tecnologias.
Redação I

A redação em análise tem como título “O fim do Grande Irmão”. O texto encontra-se
organizado em cinco parágrafos, nos quais o candidato traça um caminho que conduz à defesa da
tese de que a internet é uma das principais formas de manipulação das pessoas na sociedade atual.
Ao longo de todo o texto, é possível perceber traços das ideias e discussões apresentadas pelos
textos motivadores da proposta. No início do texto destacamos o enunciado “câmeras que gravam
qualquer movimento”, que associamos diretamente à proposta apresentada na tirinha – Quadrinhos
dos anos 10 – no que se refere às características da sociedade de controle e monitoramento social
por meio de câmeras.
Ao fazer uso da ideia veiculada na tirinha como base para a discussão apresentada ao longo
da redação, o candidato lança mão de uma série de mecanismos que permitem a retomada a
discursos outros, por meio de uma reflexão e posterior recriação daquilo que foi dito, no que Fuchs
(1985) caracteriza como “texto-fonte” de forma a não se limitar apenas às informações trazidas
pelos textos motivadores.
Desse modo, ao alicerçar o propósito principal da redação, conforme os requisitos da
competência II – compreender a proposta de redação e aplicar conceitos de várias áreas do
conhecimento para desenvolver o tema dentro dos limites estruturais do texto dissertativo
argumentativo em prosa – da Matriz de Referência para a redação, o candidato recorre ao seu
conhecimento social – o que aponta para o caráter sociodiscursivo do uso da linguagem.
Destacamos a referência feita pelo candidato ao “mundo de George Orwel”, descrito na obra
“1984”, para fundamentar a noção do controle do homem por meio da tecnologia. O fato de o
candidato retomar a obra ao final da redação reforça a posição dialógica estabelecida ao longo de
todo texto, já que o autor estrutura o seu discurso estabelecendo uma rede de ligação
interdiscursiva, de modo que além de parafrasear o texto motivador, este se apropria também de
outras vozes presentes na memória social.
Ainda em relação aos textos motivadores, destacamos o terceiro parágrafo da redação:
SUMÁRIO
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Figura 4 - Fragmento da redação I

Fonte:<http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/downloads/2012/guia_participante_redacao_enem
2012.pdf >. Acesso em 21 de nov. de 2014 às 14h12min.

Nesse trecho, de uma forma geral, fica marcada a ideia discutida pelo segundo texto
motivador da proposta, no momento em que o candidato-autor coloca em evidência o aumento do
número de pessoas que têm acesso à rede, bem como a grande quantidade de informações que
circulam por ela. Destacamos o caráter de reformulação apresentado pela paráfrase, conforme
apontado nas concepções de Fuchs (1985), na medida em que o candidato se apoia nos textos
motivadores, fazendo uma retomada, por meio de uma reflexão, ao discurso por eles veiculados.
Nas palavras de Sant’Anna, “falar de paráfrase é falar de intertextualidade das semelhanças” (2003,
p. 28).
Assim, observamos outro mecanismo utilizado pelo estudante, que dá um novo
direcionamento aos aspectos discutidos nos textos, apresentando também, um fato vivenciado na
sociedade para embasar a ideia discutida. Na referência a ‘Hugo chaves e a ditadura na Venezuela’
visualizamos o enunciado articulado pelo candidato dentro dessa construção na ‘cadeia de
enunciados’ de constantes ligações e ressignificações.
Ao longo de todo o texto, é possível perceber o posicionamento do autor por meio de
argumentos negativos para o uso da internet, como a “alienação cultural e social” evidenciada no
parágrafo ilustrado acima. Dessa forma, ao concluir o texto, o candidato-autor coloca como
proposta de intervenção a criação de medidas que garantam um maior controle da internet. Para
tanto, a formação crítica dos cidadãos, por meio da escola, é colocada como importante ferramenta
para alertar e conscientizar a população dos riscos que o uso inadequado das novas tecnologias
oferece.

Redação II

A segunda redação, estruturada em quatro parágrafos, tem como título “Cidadania virtual”.
Nela, o candidato apresenta a tese de que as pessoas precisam desenvolver uma postura crítica para
poder desfrutar dos benefícios trazidos pela globalização. Desse modo, a análise aponta para a
influência do discurso veiculado, sobretudo, pelo segundo texto motivador da proposta.
Exemplificamos essa ocorrência com um trecho que corresponde ao terceiro parágrafo da redação.

Figura 5 - Fragmento da redação II

Fonte:<http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/downloads/2012/guia_participante_redaca
o_enem2012.pdf >. Acesso em 21 de nov. de 2014 às 14h12min.

SUMÁRIO
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No trecho em análise, as palavras em destaque reforçam a ideia levantada acima, no que diz
respeito ao direcionamento que foi dado à redação a partir da leitura dos textos motivadores, em
especial, do segundo texto, do qual destacamos as expressões “disseminar ideias”; “não acoberta
anonimato”, “saber ponderar o que se publica nela” e “a internet é um ambiente social”, o que
direciona para a apropriação, por parte do candidato/autor, de termos e expressões presentes no
texto motivador.
No entanto, apesar de o candidato não ter feito referência ao “texto-fonte”, não
consideramos essa apropriação como algo totalmente negativo, uma vez que, embora fique evidente
essa apropriação, o estudante estabelece as relações necessárias à organização do seu discurso.
Desse modo, retomamos a ideia de Authier-Revuz, no sentido de que “todo discurso se mostra
constitutivamente atravessado pelos ‘outros discursos’ e pelo discurso do Outro” (2004, p. 69). Ao
fazer essa afirmação, a autora considera o outro como uma condição para a construção do discurso.
Assim, a paráfrase é uma estratégia utilizada pelo candidato ao longo da redação como uma forma
de retomar o já dito por meio de uma nova organização de ideias.
Para defender sua tese, o candidato se utiliza de argumentos positivos, como a disseminação
de ideias e informações, e negativos, como a interferência do mundo virtual no real. Na sequência,
ao concluir o texto, há o alerta para a necessidade de construção da criticidade. Mais uma vez, a
proposta de intervenção aponta para a educação como principal meio de conscientização da
população.

Redação III

A terceira redação analisada não possui título, o que é permitido pelo exame, uma vez que
não consta como requisito nas orientações de elaboração fornecidas ao candidato. Na produção em
questão, que se encontra estruturada em cinco parágrafos, seguindo a estrutura do texto dissertativo-
argumentativo, a tese defendida pelo autor é a de que é preciso questionar os limites entre o público
e o privado nas redes sociais.
As palavras em destaque no trecho abaixo (Figura 6), mais uma vez, reforçam a retomada ao
discurso veiculado pelo segundo texto motivador da proposta, apontando para uma apropriação da
voz do outro, inclusive, por meio da utilização de sinônimos, como a substituição de “disseminar
ideias”, do texto motivador, por “propagar ideias”, na redação; ou, “tornar alguém popular” por
“divulgar o talento de pessoas”. Nesse ponto, podemos compreender que o candidato se aproxima
da primeira concepção de paráfrase, que trata da “equivalência lexical”, mas que não se mantém
preso a ela.
Desse modo, a ideia de paráfrase fica comprometida na redação, podendo, em alguns
momentos ser substituída pela simples reprodução da voz do outro, uma vez que é possível perceber
a substituição de palavras por sinônimos, ou, até mesmo, a cópia de palavras do texto motivador.
Nesse momento, é importante lembrar, conforme aponta Barros (2014, p. 395) que “[...] tem-se
acreditado parafrasear, quando, na realidade, a simples troca de termos não tem conferido muito
para uma autêntica ressignificação textual”. É preciso ter claro que a paráfrase é uma forma de
reconstruir a voz do outro por meio da própria voz.

Figura 6 - Fragmento da redação III

Fonte:<http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/downloads/2012/guia_participante_redaca
o_enem2012.pdf >. Acesso em 21 de nov. de 2014 às 14h12min.

SUMÁRIO
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Na sequência, o candidato aponta os lados positivos do uso da internet, contrapondo-os às


consequências reveladas pelo uso de maneira inadequada dessa tecnologia. Nesse aspecto,
constatamos no trecho, outro mecanismo para estabelecer a relação com a voz do outro, uma vez
que, ao resgatar os fatos da ‘primavera árabe’, bem como a divulgação das fotos de uma atriz na
internet, o candidato recorre a elementos da memória social para dar um novo sentido, não apenas
aos fatos, que passam a ser vistos na perspectiva do tema abordado, como também ao que foi
discutido nos textos motivadores.
O último parágrafo, conforme ilustrado abaixo (Figura 7), mais uma vez, reforça a
necessidade de conscientização dos internautas, com a finalidade de que estes estejam cientes dos
riscos que correm, e possam evitar as situações desagradáveis que possam vir a acontecer, caso
exponham algo da vida privada no espaço público da rede. Nesse momento, o candidato dialoga
com a voz do autor do segundo texto motivador, recriando aquilo que é dito, já que faz uso do
mecanismo da paráfrase para explicar o que se recomenda no texto-fonte como “ponderar o que
publica na rede”, trazendo novos dados e inserindo essa ideia na proposta de intervenção.

Figura 7 – Fragmento 2 da redação III

Fonte:<http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/downloads/2012/guia_participante_redacao_e
nem2012.pdf >. Acesso em 21 de nov. de 2014 às 14h12min.

A análise das redações nos aponta certa regularidade no que diz respeito ao direcionamento
dado ao tema proposto, bem como à proposta de intervenção, uma vez que nas produções, essa
preocupação com o desenvolvimento de estratégias que motivem o alerta e a conscientização da
população são recorrentes. Assim, em nosso entendimento, a voz dos autores dos discursos que
embasam os textos motivadores perpassou as redações por meio dos mecanismos que permitiram a
retomada do discurso e do estabelecimento dos diálogos necessários para manutenção da interação.

Considerações Finais

O estabelecimento dos diálogos traçados ao longo da análise das redações nos mostra que os
textos motivadores, ao funcionarem como uma espécie de “gancho” para a reflexão que antecede a
escrita do texto, acabam levando a certa regularidade e uniformidade na condução e abordagem do
tema, uma vez que o candidato-autor considera na sua escrita o discurso veiculado por esses textos.
Entendemos que os candidatos foram capazes de compreender a proposta de redação, bem como os
textos que a motivam, no entanto, o nível de informatividade das redações limita-se, por vezes, às
informações trazidas neles, o que acaba conduzindo à escrita de redações/paráfrases dos textos
motivadores, em que o estudante deixa que se sobressaia a voz do outro, não havendo, muitas vezes,
a marca clara da presença da sua autoria.
Desse modo, dentre as estratégias utilizadas pelos candidatos no processo de retomada da
voz do outro, destacamos o uso de palavras pertencentes ao vocabulário utilizado pelos autores dos
textos motivadores, além da interpretação daquilo que é dito no “texto-fonte”, por meio de uma
reflexão sobre o discurso do outro, reconfigurado no seu dizer. Nesse sentido, identificamos,
também, que o uso de exemplos, como fatos presentes na memória coletiva, são um recurso

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 141

utilizado por esses candidatos para reorganizar a retomada de voz do outro, o que, por sua vez,
configura uma tomada de posição do autor, para além da paráfrase.
O caráter dialógico da língua prevê a necessidade do atravessamento da voz do outro em um
discurso posterior. Há, portanto, que se entender o texto motivador como um elemento importante
na construção da proposta de redação, uma vez que permite o estabelecimento do diálogo
necessário para a atividade de escrita. Essa característica é marcada mais fortemente no nível de
atuação em que se encontram os candidatos do ENEM, já que há uma constante necessidade de se
apoiar no que já foi dito, para proferir seu discurso com maior segurança. Desse modo, é
imprescindível o trabalho, ainda no ensino médio com as noções de cópia, plágio e paráfrase, de
modo a permitir que os alunos estejam aptos a recorrerem à voz do outro na escrita de seus textos,
sem que a sua voz seja completamente apagada.

Referências

AUTHIER-REVUZ, J. Entre a transparência e a Opacidade: um estudo enunciativo do sentido. Porto Alegre:


Edipurcs, 2004.
BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BARROS, W. C. Das práticas de plágio à autonomia textual. In: PEREIRA, R.C.M. (org). Ateliê de gêneros
acadêmicos: didatização e construção de saberes. João Pessoa: Ideia, 2014. p. 381-396
BRASIL, INEP. A redação no ENEM 2012 Guia do participante. Brasília – DF, 2012.
Disponível:<http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/downloads/2012/guia_participante_redacao_enem2012
.pdf>. Acesso em 21 de nov. de 2014 às 14h12min.
_____________. Caderno 2 amarelo com gabarito. Disponível em:
<download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/provas/2011/05_AMARELO_GAB.pdf>. Acesso em 12 de out. de 2014
às 14h12min.
BRONCKART, J. P. Atividades de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. MACHADO, A. R.;
MATENCIO, M. de L. M. (org). São Paulo: mercado de Letras, 2006.
_____________. Atividade de linguagem, textos e discursos: Por um interacionismo sociodiscusivo. MACHADO,
A. R.; CUNHA, P. (trad.). São Paulo: EDUC, 2012.
FUCHS, C. A paráfrase linguística - equivalência, sinonímia ou reformulação?. GERALDI, J. W. (trad.). Caderno de
estudos linguísticos. Número 8, 1985. Disponível em:
<http://revistas.iel.unicamp.br/index.php/cel/article/view/3394>. Acesso em 04 de maio de 2015 às 20:00h.
SANT’ANNA, A. R. de. Paródia, paráfrase e cia. São Paulo: Editora Ática, 2003.
SILVA, F. P. da. Os objetivos do ensino-aprendizagem da escrita na aula de Língua Materna à luz do Interacionismo
Sociodiscursivo. In: PEREIRA, R. C. M. (org). Nas trilhas do ISD: Práticas de ensino-aprendizagem da escrita.
Campinas, SP: Pontes Editores, 2012. p. 27-46.
SOUZA, E. G. de. Dissertação: gênero ou tipo textual?. 2003, 177f. Dissertação (Mestrado em Linguística).
Programa de Pós Graduação em Letras. Universidade FVAL, M. da G. C. (et. al). Avaliação do texto escolar:
Professor-leitor/Aluno-autor. Belo Horizonte: Autêntica Editora. Caele, 2009.

SUMÁRIO
I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 2 4 4 - 4 | 142

CONSIDERAÇÕES SOBRE O EFEITO RETROATIVO DA


REDAÇÃO DO ENEM NO PLANEJAMENTO DOS
PROFESSORES DE PRODUÇÃO TEXTUAL.

Ana Gabriella Barbosa Silva1


Janaína Ferreira2

Introdução

O presente trabalho é oriundo do projeto desenvolvido pelo Prolicen/2015, intitulado “A


argumentação no Ensino Médio: a redação do Enem em foco”, o qual também está vinculado ao Núcleo de
Estudos e Pesquisa em Política e Educação Linguística (NEPEL) da UFPB.

Neste trabalho, no entanto, versaremos sobre o efeito retroativo da redação do Enem no


planejamento das aulas dos professores de produção textual, de modo a verificar em que medida esse teste
afeta o ensino-aprendizagem. Averiguaremos, também, se a dissertação-argumentativa é colocada como
prioridade no planejamento do professor.

A relevância desse trabalho está centrada no fato de que, a partir desses estudos, possamos entender
a discrepância no ensino-aprendizagem na rede pública e, assim, conseguirmos, quiçá, em pouco tempo, uma
solução para dirimir os problemas encontrados na educação pública.

Para a realização desse trabalho, foram feitas entrevistas semiestruturadas com cinco (05)
professores que ministram aulas de produção textual em uma escola pública de referência localizada no
centro da cidade de João Pessoa. Na entrevista constavam perguntas sobre como são estruturadas as aulas de
produção textual, bem como os docentes planejam suas aulas para a realização significativa da mesma.

Este artigo está estruturado da seguinte maneira: a primeira parte é composta da presente introdução,
seguida da fundamentação teórica, da síntese metodológica e análise dos dados e, por fim, as considerações
finais.

O Efeito Retroativo no ensino e aprendizagem

Foi implantado no Brasil, no ano de 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio, o qual teve,
inicialmente, o objetivo de avaliar o desempenho dos alunos concluintes do Ensino Médio. De acordo com o
Documento Básico de 1998, o fito era pôr em prática as mudanças designadas pela LDB de 1996, cuja
finalidade era averiguar as competências e habilidades desenvolvidas a partir dos conteúdos da Educação
Básica (VINCENTINI, 2015).

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Graduanda em Letras Português – Universidade Federal da Paraíba/UFPB
2
Graduanda em Letras Português – Universidade Federal da Paraíba/UFPB

SUMÁRIO
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No entanto, o Enem, ao longo dos anos, foi tomando proporções cada vez mais amplas, ao passo que,
em 2010, tornou-se exame/teste obrigatório para os que objetivavam o ingresso nas instituições de Ensino
Superior. Essa obrigatoriedade, entretanto, promoveu uma série de mudanças no modus operandi de ensino e
aprendizagem de professores e alunos da Educação Básica.

Partindo dessas mudanças provocadas pelo Enem, procuramos investigar o efeito retroativo da
redação desse teste nos planejamentos dos professores de produção textual do Ensino Médio. Contudo, faz-
se necessário apresentar informações acerca do conceito “Efeito Retroativo”. No cenário internacional, essa
expressão é designada como washbach ou backwash effect (SCARAMUCCI, 2005).

Essa é uma teoria relativamente nova, sendo mencionada a partir dos anos de 1970. Ainda, são
poucos os estudiosos dessa teoria, tais como Jones (1977), Morrow (1977), Canale e Swain (1980), Shohamy
(1995, 2006), Bailey (1999), Alderson e Wall (1993). O último afirma que o “efeito ocorre dentro da sala de
aula por influência de avaliações, e impacto, ao que ocorre nas pessoas, políticas e práticas, dentro ou fora da
sala de aula, no sistema educacional ou na sociedade” (SCARAMUCCI, 2005 apud SILVA, 2007). Mas,
afinal, o que é o efeito retroativo? O efeito retroativo é o impacto promovido pelos testes/exames no que diz
respeito ao ensino e à aprendizagem.

O efeito retroativo possui diferentes conceitos, de acordo com a área de estudo. Neste trabalho,
utilizamos o conceito no que se refere ao impacto que os testes promovem no ensino e na aprendizagem.
Para embasar este trabalho, nos apoiaremos em Alderson e Wall (1993) e Vicentinini (2015), os quais
abordam a temática sobre o efeito retroativo dos testes no contexto da educação.

Compreender o conceito de efeito retroativo pressupõe ir fundo nos mecanismos


operantes na relação entre ensino, aprendizagem e avaliação, relação essa muito
mais complexa do que apenas a influência de um teste no ensino e na
aprendizagem. O impacto teria, nesse caso, de ser avaliado com referência às
variáveis, objetivos e valores da sociedade, do sistema educacional em que os
exames são usados, assim como resultados potenciais de seu uso, o que justifica
estudos em contextos diversos (SCARAMUCCI, 2005, p. 23)

Vicentini (2005) faz uma ampla pesquisa sobre o efeito retroativo da redação do Enem e explica que,
apesar de vários trabalhos serem direcionados para esse teste, ainda há uma lacuna a ser preenchida no que se
refere ao ensino e à aprendizagem. A autora afirma que o efeito retroativo é um fenômeno “de grande
interesse de pesquisadores da área de avaliação, na medida em que permite entender melhor a relação de
exames com práticas de ensino e com a aprendizagem, com implicações para o aprimoramento do exame”.

Efeito retroativo (washback ou backwash effect) pode ser entendido como o


impacto ou influência que a avaliação em geral, seja através de exames externos,
tais como vestibulares e proficiência, ou através da avaliação de rendimento, pode
exercer no ensino, na aprendizagem, no currículo e na elaboração de materiais
didáticos assim como nas atitudes dos envolvidos - alunos, professores, escola
(SCARAMUCCI 2001/2002)

Alderson e Wall (1993) fizerem estudos em escolas secundárias do Siri Lanka, essa pesquisa teve o
objetivo de investigar o impacto de um novo teste/exame no ensino da língua inglesa nessas instituições.
Para a realização desse estudo, os autores analisaram o discurso dos professores sobre o impacto do teste em
sua prática a partir de observações em sala de aula.

No nosso estudo, porém, nos ateremos aos discursos dos professores sobre o planejamento das aulas
de produção textual.

SUMÁRIO
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Análise e discursões

Este trabalho é fruto do projeto “A argumentação no Ensino Médio: a redação do Enem em foco”
desenvolvido no Programa de Licenciaturas/Prolicen no ano de 2015. Esse programa tem por objetivo
melhorar os cursos de licenciaturas fazendo com que os estudantes tenham um contato maior com a prática
docente, como também trazer melhorias para o ensino na educação básica. No contexto do projeto
desenvolvido em 2015, as linhas de pesquisas diferem da perspectiva teórica adotada aqui. Naquele ano, o
referencial teórico que embasava a pesquisa era a Linguística de Texto (LT) e a Política Linguística (PL).
Contudo, a partir das entrevistas com os professores, foi possível chegarmos à literatura sobre o efeito
retroativo dos testes que trouxe para os nossos dados uma outra possibilidade de análise.

Dessa forma, a presente pesquisa olha o discurso dos professores com o objetivo de investigar em
que medida a redação do Enem afeta o planejamento e, mais especificamente, averígua se o texto
dissertativo-argumentativo é colocado como prioridade nesse planejamento. Finalizada as explicações sobre
as escolhas que fundamentam esse novo projeto, passaremos para a contextualização da pesquisa e ao perfil
dos nossos colaboradores.

Essa pesquisa é de natureza qualitativa e de caráter empírico. Entrevistamos cinco professores de


língua portuguesa que ministravam aulas em turmas do 3º Ano do Ensino Médio em uma escola de
referência, localizada no centro da cidade de João Pessoa. Essa escola abarca alunos de diversas localidades,
tanto da cidade em questão quanto das circunvizinhas. Os professores entrevistados foram o Carlos formado
em Língua Portuguesa, docente há 35 anos e tem experiência tanto em escolas públicas quanto privadas; a
professora Marlene é formada em Língua Portuguesa e Inglesa pela UFPB, atua há mais de 10 anos em
escolas públicas; a professora Isabel é formada em Língua Portuguesa, é docente há mais de 27 anos,
sempre em escolas públicas; a professora Fátima é formada em Língua Portuguesa, atua há 35 na docência,
possui experiência em escolas públicas e privadas e, por fim, a professora Sônia, formada em Língua
Portuguesa, é docente há 15 anos e possui experiência em escolas públicas e privadas.

A entrevista foi semiestruturada e as perguntas versavam sobre: a quantidade de aulas destinadas à


produção textual, se os professores utilizavam as diretrizes da redação do Enem em seu planejamento e as
representações que eles tinham em relação à matriz de correção do Enem. A coleta das entrevistas foi feita
entre os meses de agosto e setembro de 2015. Após a gravação, as pesquisadoras fizeram as transcrições e
posteriormente analisaram o conteúdo temático presente nas entrevistas. Entre os conteúdos temáticos
analisados, a questão do planejamento suscitou questões para serem analisadas à luz do efeito retroativo.

O efeito da redação do Enem no planejamento do professor: um olhar sobre os discursos dos nossos
colaboradores.

Com o objetivo de investigarmos em que medida a redação do Enem afeta o planejamento do


professor, observamos, em nossos dados, que o efeito retroativo ocorre em níveis 3 diferentes, ou seja, o
efeito pode ser identificado com mais expressividade nos discursos de dois colaboradores e com menos
expressividade em outros dois, além disso percebemos um efeito intermediário do teste no discurso acerca do
planejamento de um dos professores do nosso corpus. Esse resultado pode estar relacionado com a formação
e a construção do trabalho docente desempenhado por esses professores. Para ilustrar de que maneira esse
efeito ocorre, segue um esquema “termômetro”, o qual mensura a força do teste nos discursos dos
professores:

3
Categorizamos em níveis – do maior para o menor – os impactos do teste nos professores. Os critérios foram
estabelecidos a partir da análise, uma vez que nos discursos dos professores percebe-se quem se apropria mais das
estruturas metodológicas estabelecidas pelo Enem.

SUMÁRIO
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TESTE 1 2 3 4

CARLOS SÔNIA E
ISABEL MARLENE
FÁTIMA

Figura 1: Elaborada pelas autoras

A título de explicação, descreveremos como o esquema foi construído. Quanto mais próximo da
palavra “teste” mais o planejamento do professor é afetado, sendo assim, os professores Carlos e Isabel
são mais afetados pelo teste, a professora Marlene encontra-se em um nível intermediário, já as
professoras Sônia e Fátima não são afetadas pelo teste. Após essa breve discussão, focaremos nos dizeres
dos professores, a fim de encontrarmos caminhos que nos levem aos indícios do impacto da redação do
Enem no planejamento das aulas de produção textual.

Aulas de produção textual: um critério definido pelo professor na escola pública

Sabemos que, nos últimos anos do Ensino Médio, existe uma tendência das escolas em
intensificarem as aulas de produção textual, haja vista que os alunos se aproximam dos exames de seleção e
as instituições sentem a necessidade de preparar os estudantes para o teste, por isso a conhecida aula de
“redação” geralmente ganha destaque em relação às disciplinas de gramática e literatura. Contudo, no
contexto de escola pública, não existe essa fragmentação na disciplina de língua portuguesa, ou seja, um
único professor é responsável pelos conteúdos, tanto de gramática, quanto de produção de texto e literatura.
Sendo assim, os professores de escola pública escolhem como vão distribuir o conteúdo da disciplina ao
longo das quatro aulas semanais.

A priori acreditávamos que a presença do teste, principalmente no 3º Ano, condicionaria o professor


a destinar boa parte da sua carga horária para a disciplina de produção de texto, contudo, a partir dos
discursos, percebemos que o critério dos docentes, mesmo daqueles afetados pelo teste de modo expressivo,
é a necessidade da turma e não a relevância do teste. Vejamos o que diz os professores:

SUMÁRIO
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Sônia: Seguinte: nós temos um programa, Né? Não sou só eu aqui no Prisma, tem mais professores. Temos
um programa. Oscilamos entre literatura, produção de texto e gramática.

Sônia: depende da dificuldade da turma. Porque, por exemplo, você tá dando uma coisa que tá vendo que
não esta atingindo. Aí você tem que parar, voltar um pouco. Porque, como eu disse anteriormente: tem
aluno que não tem base de nada. Principalmente gramática: concordância, entendeu? Concordância
nominal, coesão, coerência. Isso porque a gramática está interligada à produção de texto, a leitura.

Carlos: […] porque o professor do Estado… veja bem, ele é professor de gramática… vamos
dizer… redação e literatura. Então, ele tem que distribuir sabiamente esses três conteúdos pra que
não fique (pausa) ensinando só um né? Um conteúdo, por exemplo, se você … é ….escolher uma
aula só de redação é ruim porque às vezes tem um feriado, tem uma coisa e aula de redação eu
sempre punho o seguinte: eu sempre dou um conteúdo de literatura, por exemplo, avanço uma
parte de literatura, depois gramática no final e depois vem redação. Então, fica uma, duas, três
semanas só de redação pra pegar uma sequência, porque se você der aula de redação hoje e
amanhã dar literatura aí eles esquece. Saí, vamos dizer, da sequência didática. Entendeu? Essa ….
quem não tem experiência… essa… fica dando… aí o povo: “Ah! Eu não lembro o que você
disse”. Então, temos que ter preocupação com essa sequência didática.

Isto posto, percebemos que, nessa escola pública, o teste não provoca mudanças na distribuição dos
conteúdos ao longo carga horária da disciplina, pois o professor leva em consideração a necessidade dos
alunos e não o peso e relevância do Exame Nacional do Ensino Médio. Finalizada essa discussão,
passaremos analisar de que modo o professor, no planejamento, estrutura sua aula de produção textual.

Planejamento das aulas de produção textual: o que diz os nossos colaboradores.

Como já foi discutido na seção “O efeito da redação do Enem no planejamento do professor: um


olhar sobre os discursos dos nossos colaboradores”, percebemos que o efeito do teste pode ser mensurado em
níveis, os quais vão do mais expressivo, passando pelo intermediário até ao menos expressivo. Sendo assim,
observamos que dois dos nossos colaboradores não fazem menção à redação do Enem em seus
planejamentos:

Fátima: Nosso livro escolhido em sala foi um livro muito bom. Eu gosto, não só eu, mas todos os colegas.
Foi uma escolha nossa. Esse livro, ele traz toda a parte teórica tudo… tudo... nós no início, antes de exigir a
redação, texto, elaborar seu texto, nós (pausa), vou falar por mim: eu fiz primeiro, peguei o livro, mandei
eles pegarem aquela parte que trabalha tudo, vai ensinando passo a passo para chegar a uma boa redação, ai
em seguida vem o exercício, ai em seguida eu vou cobrando e ai eles já sabem todos os passos que devem
fazer numa redação, eles tem na parte teórica.

SUMÁRIO
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Sônia: Com certeza! Tem que ter a parte teórica e a parte prática, como a estrutura... né?

Primeiro eu faço uma sondagem para saber o nível em que eles se encontram. Eu peço uma redação básica.
Eles escrevem. Eu levo pra casa e vejo o que eles precisam. Por exemplo, na parte gramatical, na parte de
ortografia... aí trago a redação com os defeitos, mostrando as partes positivas e negativas. E, a partir disso,
eu começo a elaborar a minha aula de redação. Porque não adianta eu dar uma coisa linda e maravilhosa e o
aluno não entender. Adianta de quê? Como repeti, muitos alunos não têm base.

Os dois professores afirmam que planejam suas aulas de produção textual em uma parte teórica e
outra prática, mas não tocam nas particularidades do texto dissertativo-argumentativo exigido pela redação
do Enem. A primeira professora afirma seguir as sugestões do LD escolhido pela escola, já a segunda solicita
uma primeira produção que ela chama de “redação básica” com o objetivo de fazer uma sondagem nos
alunos, contudo a professora não especifica qual é o gênero escolhido por ela e nem os critérios que
embasam sua correção.

Já a docente que se encontra no nível intermediário, traz em seu discurso o texto dissertativo, todavia
percebemos que ela conhece algumas particularidades da redação do Enem e essas informações acabam
reafirmando e perpetuando uma prática de produção textual baseada nas tipologias textuais.

Marlene: Temos as duas partes, teórica e prática sempre.

A gente fala sobre... detalhadamente sobre como fazer a redação, né? Se é narrativa, dissertativa, descritiva,
falamos cada um e trabalhamos cada uma delas e principalmente a dissertação porque é o que cai mais no
Enem

Em relação aos professores afetados pelo teste, percebemos nos discursos uma referência bem
explícita das particularidades da redação do Enem no planejamento das suas aulas de produção textual. A
professora Isabel afirma trabalhar com ênfase no texto dissertativo-argumentativo pontuando, antes dos
alunos escreverem as primeiras produções, as características desse texto:

Isabel: Por exemplo: quando... a primeira vez que eu vou fazer uma aula de redação no terceiro ano... que
quando eu pego eles já vêm do primeiro ano com uma professora, segundo, terceiro comigo. Por que as
primeiras vezes eu vou fazer... por que é que eu trabalho assim, com ênfase no texto dissertativo-
argumentativo? Porque é... o gênero especificamente... a primeira coisa que eu faço antes de produzir um
texto é dar uma aula dizendo o que é um texto, as características de um texto dissertativo-argumentativo. Aí
eu programo, xeroco textos dissertativo-argumentativos, os primeiros passos são esses. Depois dessas
leituras, quando tem internet... quando funcionava aqui, vamos pra internet vê. Aí é que a gente começa a
produzir. É assim que eu procedo.

Já o professor Carlos comunga da mesma estratégia da professora Isabel. Ele apresenta as


particularidades do Enem, a estrutura do texto dissertativo-argumentativo, explica a relação tese e
argumentos sempre demonstrando planejar as suas aulas de produção de texto em uma parte teórica e outra
prática:

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Carlos: Primeiro, explico a ele como o Enem é… a produção está focada na dissertação-argumentativa e
nós não podemos fugir disso. Então, eu entrego o modelo de um texto dissertativo argumentativo, digo o
que é uma introdução, o que é desenvolvimento e uma conclusão e as propostas do Enem tem na conclusão
e, a partir disso, explico o que é uma tese, o que é um poder de argumentação… como é trabalhar esses
argumentos na redação, essa sustentação e depois nós vamos ensinar a ele a trabalhar… como trabalhar
uma introdução. Porque a dificuldade dele é como introduzir. O aluno fica com o lápis na cabeça dizendo:
“eu não sei produzir uma ideia. Como vou partir de uma ideia?” Então, nós trabalhamos (pausa) nós damos
pequenos temas e dali vão fazendo a introdução. Primeiro na introdução quando ele tá bem prático
elaborando a introdução, o princípio da tese, nós vamos em outras aulas trabalhar o que é
desenvolvimento... vamos desenvolver, por etapa, depois a conclusão. Depois nós juntamos o texto em
geral até ele saber, porque se você deixar: Faça uma redação ai ah! Eles fazem de todo o jeito.

Os nossos colaboradores também responderam a respeito dos materiais utilizados e dos textos
solicitados nas aulas de produção de texto. As professoras que não foram afetadas pelo teste afirmaram
utilizar o livro didático e complementar com pesquisas realizadas por elas. Ambas não fizeram referência,
por exemplo, à matriz de correção do Enem ou ao Guia do Participante. Vejamos o que diz a professora
Sônia e Fátima:

Sônia: Material é o livro, que o livro é dividido em três partes produção de texto, literatura e gramática e a
grade curricular que nós seguimos aqui no Prisma.

Fátima: (+) Eu uso muito o livro didático, livro didático e os conhecimentos do dia a dia através de leituras
que eu conheço. Não uso muito artifício de mandar eles irem buscar em internet, buscar em etc, etc, etc….
Eu uso só o livro didático e o meu conhecimento do dia a dia em sala de aula.

Em relação aos textos solicitados nas aulas de produção textual, a professora Fátima não deixa claro
se trabalha na perspectiva dos gêneros textuais, ou das tipologias. Ela traz em seu discurso os “temas”
trabalhados ao longo do ano, mas não relaciona esses com o texto dissertativo-argumentativo, já a professora
Sônia não informa na entrevista quais são os textos solicitados em suas aulas:

Fátima: Eu já vou trabalhando três textos (+) bem conhecidos. Primeiro trabalhei sobre a violência e eles
trabalharam bem, depois foi a crise hídrica, eles também trabalharam bem!

Fátima: Não, trabalho outros pequenos textos em sala de aula e veio outro texto que foi pelo ministério
público que já veio organizadinho, fiz em sala e eles se saíram bem e vários textos trabalhados em sala.
Tem a parte negativa, mas em seguida eu mando refazer o mesmo tema, vou corrigindo dizendo o ponto
negativo e o ponto positivo e na minha avaliação eu coloco regular, boa, ótima e depois eu digo: sua nota
poderia ser essa, se tivesse melhorado poderia ser essa! Tudo dialogado!

A professora Marlene, aquela que se encontra em um nível intermediário, planeja suas aulas de
produção textual fazendo referência aos temas das edições passadas do Enem, mas quando nos informa a
respeito dos materiais utilizados para preparar essas aulas, a docente apenas cita superficialmente alguns
materiais que remetem à redação do Enem:

SUMÁRIO
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Marlene: Eu pego os textos passados pra comparar, uso textos do livro, que traz muitos textos
interessantes e busco textos novos de... de... autores, né, novos como Ariano Suassuna que eu trabalhei
com Ariano, foi bastante interessante que a gente viu a vida e obra de Ariano, ainda vimos, é... o
movimento armorial dele e incluímos com a cultura que tivemos um trabalho aqui que trazemos um cavalo
marinho e falamos sobre ele... qual a importância da cultura? Esse resgate todo e... os textos de Ariano são
maravilhosos.

O professor Carlos e a professora Isabel são mais tributários à redação do Enem, uma vez que eles
são mais afetados pelo teste. O professor afirma que tenta trabalhar outros gêneros textuais em suas aulas de
produção de texto, entretanto ele se sente pressionado pelos alunos, pois esses acreditam que o texto
dissertativo-argumentativo4 deve ser priorizado em sala de aula:

Carlos: [...] quer queira que não no livro tem outros textos, né? Tem o trabalho de interpretação com
cartuns e charges, num é. Tem como (+), mas ultimamente os livros da gente ele tá trazendo todos, num
é… o resumo, resenha, sendo que o professor fica mais focado na dissertação, porque não adianta você
fazer resumos, porque eles não querem: “não isso não cai”. Então, nós somos ( +) a questão é essa [...]

Por isso, é possível levantarmos a hipótese de que, em certa medida, o efeito do teste sobre os alunos reflete
também no professor, já que ele se sente pressionado por esse grupo e se ver, de alguma forma, obrigado a
priorizar no planejamento das suas aulas o texto dissertativo-argumentativo.

A seguir, vejamos o que diz o professor Carlos e a professora Isabel a respeito dos materiais
utilizados na elaboração das aulas de produção textual e o quanto eles são categóricos no uso de referências
que trabalham com a redação do Enem:

Isabel: As questões do Enem, as competências... eu vou sempre pesquisando, estudando, eu vou sempre
naquela matriz porque eu... o sujeito é o meu aluno, não sou eu. O sujeito é o meu aluno, então ele mesmo
cobra de mim. Se isso é de acordo com o Enem? Eles cobram de mim, cobram. Eles cobram, porque se
fugir do Enem eles não querem, eles não têm interesse.

Carlos: (O material do Enem, né [...] os livros de referência em redação, pois temos muitos autores bons,
num é. Então, a gente traz, tira textos, prepara a apostila e damos por fora, mas eu sempre digo: não basta
só teoria, num é a teoria em si, ele fica só vendo um monte de técnicas de redação , mas se não escrever,
não tiver um orientador perto dele ele não escreve não.

Diante dos dados e da análise dos dizeres dos professores, percebemos que os nossos colaboradores
podem ser classificados em níveis: os professores Carlos e Isabel são os mais afetados, as professoras Fátima
e Sônia não são impactadas pelo teste e a professora Marlene encontra-se em um nível intermediário. No que
se refere ao planejamento, os nossos colaboradores informaram de que modo planejam suas aulas de
produção textual, como também os materiais utilizados na preparação dessas aulas. As professoras Fátima e
Sônia, não fazem referência clara à redação do Enem e optam por utilizar o livro didático adotado pela
instituição como parâmetro para elaborar suas aulas.

4
Haja vista o Enem ser o único mecanismo a exigir textos dissertativo-argumentativos, sua redação é vista por
muitos pesquisadores como um gênero textual.

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Os professores Carlos e Isabel, planejam suas aulas voltadas para a dissertação-argumentativa


exigida pelo Enem, pois são afetados pelo teste e influenciados pelas pressões dos alunos. Já a docente
Marlene, aquela que se encontra em um nível intermediário, associa a dissertação do Enem com a sua prática
de trabalhar produção textual baseada nas tipologias. Por isso, é possível concluirmos que a professora
Marlene conhece superficialmente as particularidades da redação do Enem. Portanto, a docente não sofre um
impacto expressivo, nem tampouco deixa de ser afetada.

Considerações Finais

Tendo em vista a relevância que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tem tomado nos
últimos anos, o presente trabalho se propôs investigar em que medida a redação do Enem afeta o
planejamento do professor. Para isso, tomamos como fundamentação teórica, os estudos sobre efeito
retroativo dos testes de Anderson e Wall (1993) e Vincentini (2015). Após a coleta dos dados, analisamos as
entrevistas dos cinco professores de língua portuguesa e concluímos que fatores como formação, trajetória
profissional e contexto de atuação interfere no impacto desse exame no planejamento dos professores de
produção textual, ou seja, o efeito não é o mesmo em nossos colaboradores.

Além dessas conclusões, percebemos, através das entrevistas, que os professores mais afetados
sentem-se pressionados pelos alunos, ora porque esses exigem o texto dissertativo-argumentativo como
prioritário nas aulas de produção de texto, ora porque querem que os professores se ajustem às exigências da
redação do Enem. Contudo, percebemos que o teste não é capaz de priorizar, na escola pública pesquisada,
uma carga horária maior para a disciplina chamada de redação. Nossos colaboradores foram unânimes em
afirmar que a distribuição dos conteúdos em língua portuguesa acontece de acordo com a necessidade da
turma e não condicionada ao teste.

A partir das discussões construídas ao longo desse trabalho é possível tecer algumas considerações
sobre o efeito do teste no planejamento dos professores. Nosso objetivo não é avaliar e nem exigir que o teste
traga impacto, uma vez que ele é de alta relevância, mas queremos compreender como os sujeitos envolvidos
nessa arena de força são pressionados e respondem a essas pressões no contexto escolar e, por meio dos
discursos, é possível encontrarmos possíveis caminhos que nos trazem algumas respostas já mencionadas ao
longo desse artigo.

Referências

ALDERSON, J. C.; WALL, D. Does washback exist?. Applied Linguistics, v. 14, p. 116 - 129, 1993.

AVELAR, S. L. T. de. Mudanças na concepção e prática da avaliação e seu efeito no ensino/aprendizagem de


língua estrangeira (inglês) em uma escola de ensino médio e 226 técnico. 2001. 208 f. Dissertação (Mestre) –
Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001.

SCARAMUCCI, M. V. R. Efeito retroativo da avaliação no ensino/aprendizagem de línguas: o estado da arte.


Trabalhos em Lingüística Aplicada, Campinas - SP, v. 2, n.43, p. 203-226, 2004.

SCARAMUCCI, M. V. R. (1998b). O efeito retroativo dos vestibulares de língua inglesa da Unicamp no ensino de
segundo grau de escolas públicas e particulares de Campinas. In: XIII Encontro Nacional da ANPOLL, GT de
Linguística Aplicada, Caderno de Resumos, Campinas, 1998.

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________________. Prova de redação nos vestibulares: educacionalmente benéfica para o ensino/aprendizagem


da escrita? In: FLORES, V. do N. (orgs.). A redação no contexto do Vestibular 2005 – a avaliação em perspectiva.
Editora UFRGS. p. 37-57.

__________. (2002). Entrance examinations and TEFL in Brazil: a case study. Revista Brasileira de Lingüística
Aplicada, Belo Horizonte, Minas Gerais, v. 2, n. 1, p. 61-81, 2002.

VICENTINI, Monica Panigassi. A redação no ENEM e a redação no 3º ano do ensino médio: efeitos retroativos nas
práticas de ensino da escrita. 2105. 292 F. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Estudos da Linguagem.

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OS OPERADORES ARGUMENTATIVOS EM TEXTOS DE


ALUNOS DO PEC-G

Camila Geyse da Conceição Virgulino

Introdução

Neste artigo investigamos as produções de textos argumentativos de alunos do curso de


português para estrangeiros do Programa Linguístico Cultural para Estudantes Internacionais -
PLEI, especificamente do Programa de Estudantes-Convênio de Graduação - PEC-G. As produções
textuais analisadas são do gênero artigo de opinião produzido em uma aula, que posteriormente será
descrita neste trabalho.
O objetivo dessa pesquisa é verificar o uso dos operadores argumentativos nas redações de
alunos do PEC-G e de que maneira o emprego dos conectores é capaz de contribuir para uma
argumentação eficiente, assim como a falta deles pode colaborar para uma possível incoerência
argumentativa.
Para isso, inicialmente, aplicamos uma aula para discutir o tema Saúde Pública, expomos o
gênero artigo de opinião e pedimos que os alunos elaborem um texto dentro do gênero trabalhado.
Assim, analisamos os textos colhidos e verificamos o uso dos operadores argumentativos utilizados
nas redações produzidas.
Esta pesquisa nasceu porque percebemos que existem poucos materiais que orientem o
professor de PLE a ensinar os estrangeiros como melhor expor um ponto de vista, desenvolver
textos mais coerentes e com argumentos consistentes. Também pelo motivo de observamos que os
textos dos alunos do curso do PEC-G apresentam diversos problemas linguísticos, destacando-se
entre esses, a falha argumentativa. Acreditamos que o insucesso argumentativo se deve ao uso
incorreto dos conectores e, por vezes, a ausência deles.
Desenvolvemos esta pesquisa em três etapas: aplicação de uma aula para colher o corpus
da pesquisa, discussão do referencial teórico e analise dos textos.
Este estudo irá contribuir de forma significativa para o campo do ensino de português como língua
estrangeira, auxiliando professores nessa área que estejam preocupados com o desenvolvimento
textual dos alunos. Por conseguinte, irá colaborar com os cursos oferecidos pelo PLEI.

Referencial teórico

Como referencial teórico escolhemos Koch e Elias (2016), pois traz conceitos essenciais ao
se tratar de argumentação, tais como: o que é argumentação e qual é o papel linguístico dos
organizadores argumentativos. Essas definições servirão como ponto de partida para o estudo que
propomos neste artigo. O primeiro conceito essencial é o que significa argumentar. Para as autoras,
argumentar é uma característica humana que aprendemos desde cedo, seja para convencer nossos
pais de algo que queremos ou até para justificar para a professora uma tarefa que deixamos em
branco. Utilizamos a argumentação em muitos campos da nossa vida: apresentar um seminário, uma
entrevista de emprego, conversa com amigos etc., ou seja, argumentar é algo que aprendemos
através da nossa interação com os outros e é essencial para a nossa vida em sociedade. Por isso, ao
se estudar língua, seja ela qual for, estrangeira ou não, precisamos não só do que aprendemos no dia

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a dia em relação à argumentação, mas de aprimorar nossas técnicas argumentativas para melhor
interagirmos com os outros e defender nossos pontos de vista.
A partir dessa primeira perspectiva, as autoras ampliam esse conceito inicial colocando
preceitos que não podem faltar para persuadir um interlocutor. Podemos observar isso neste
fragmento do texto:
i) Uma proposta que provoque em alguém um questionamento, quanto a sua legitimidade;
ii) Um sujeito que desenvolva um raciocínio para demonstrar a aceitabilidade ou
legitimidade quanto a essa proposta;
iii)Um outro sujeito que se constitua alvo da argumentação. Trata-se da pessoa a quem se
dirige o sujeito que argumenta, na esperança de conduzi-la a compartilhar da mesma forma
convicção, sabendo que ela pode aceitar (ficar a favor) ou refutar (ficar contra) a
argumentação (KOCK e ELIAS 2016, p. 24).

Como vemos no fragmento acima, não existe argumentação sem um interlocutor, portanto,
deve-se levar em conta quem é esse interlocutor para selecionar-se argumentos adequados para
convencê-lo. Também, deve existir uma proposta que levante algum questionamento e um
desenvolvimento lógico para demonstrar um ponto de vista. Assim, na construção de um texto
argumentativo temos que primeiro pensar na pessoa que pretendemos convencer, selecionar os
argumentos pertinentes para um determinado tipo de leitor, de maneira lógica, deixando claro o
ponto de vista que defendemos. A partir disso, definimos o propósito do texto argumentativo:
convencer o leitor.
Para convencer o leitor de um texto que produzimos e levá-lo a aceitar e concordar com o
nosso ponto de vista, temos que estar atentos para determinados aspectos. Kock e Elias (2016) nos
traz os seguintes pontos que devemos levar em conta para a construção de um texto capaz de
convencer o leitor: prestar atenção nos implícitos, pois deve haver um equilíbrio entre o que está
dito e a intenção; selecionar o vocabulário utilizado, tanto com relação ao tema como quanto ao
destinatário; utilizar operadores argumentativos; empregar a intertextualidade com estratégia
argumentativa, dando credibilidade ao que foi dito; retomar informações; fazer usos de
articuladores textuais; iniciar a argumentação de forma adequada; elaborar um plano de
desenvolvimento do ponto de vista, porque não podemos apenas ser contra ou a favor de algo,
temos que justificar, explicar as razões; ter uma boa estratégia para finalizar o texto. Esses atributos
que devem conter em um bom texto argumentativo são desenvolvidos durante a base teórica que
recorremos para a análise, mas verificaremos nos textos desenvolvidos pelos alunos do PEC-G o
que for referente aos operadores argumentativos.
Em relação ao “argumentar” existem elementos linguísticos fundamentais que orientam os
enunciados para determinadas conclusões: os operadores ou marcadores argumentativos. Eles
também contribuem para a coesão e coerência no texto.
No capítulo intitulado o Conhecimento Linguístico e argumentação: os operadores
argumentativos, Kock e Elias (2016) faz referência ao estudo de Ducrot e define os operadores
linguísticos do seguinte modo: “A gramática de uma língua possui elementos que têm por função
indicar ou mostrar a força argumentativa dos enunciados, a direção ou o sentido para o qual
apontam” (KOCK e ELIAS, 2016, p. 61). Os operadores linguísticos desempenham um papel
importante em textos argumentativos, justamente, porque apontam para determinadas conclusões,
sentidos. Também são responsáveis pela escala argumentativa, que é uma gradação de força dos
argumentados postos no texto.
O referencial teórico Kock e Elias (2016) coloca que existem vários tipos de operadores
argumentativos. Assim, ele os divide em dez grupos de acordo com sua funcionalidade
argumentativa. Eis os quatro primeiros grupos:
1.Operadores que somam argumentos a favor de uma mesma conclusão (e, também, ainda,
nem (e não), não só... mas também, tanto... como, além de, além disso etc.) 2. Operadores
que indicam o argumento mais forte de uma escala a favor de uma determinada conclusão
(até, até mesmo, inclusive) [..] Quando a escala é orientada para a negação (nem, nem
mesmo) [..] acrescenta mais um argumento de maneira subreptícia... (aliás) 3.Operadores os

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que deixam subtendida a existência de uma escala com outros argumentos mais fortes (ao
menos, pelo menos, no mínimo) 4.Operadores que contrapõem argumentos orientados para
conclusões contrárias (mas, porém, contudo, todavia, no entanto, entretanto, embora, ainda
que, posto que, apesar de (que) (KOCK e ELIAS, 2016, p. 64-68).

Como observamos na citação anterior, Kock e Elias (2016) separam os operadores a partir
da ideia que fornecem. Respectivamente, o primeiro tem uma ideia de soma de argumentos que
direcionam a uma mesma conclusão, o segundo indica um argumento mais forte em relação ao
anterior, o terceiro deixa implícito que há argumentos mais fortes em uma escala e o último aponta
para uma ideia contrária. Dessa maneira, quando esses determinados operadores iniciam um
enunciado orientam a argumentação para uma conclusão, provando que o “argumentar” está
gravado na própria língua.
Ainda se tratando de dividir os operadores em grupos de acordo com a conclusão para qual
direcionam, Kock e Elias (2016) continuam:
5.Operadores que introduzem uma conclusão com relação a argumentos apresentados em
enunciados anteriores (logo, portanto, pois, por isso, por conseguinte, em decorrência etc.)
6.Operadores que introduzem uma justificativa ou explicação relativamente ao enunciado
anterior (porque, porquanto, já que, pois, que, visto que, como etc.) 7.Operadores que
estabelecem relações de comparação entre elementos, visando a uma determinada
conclusão (mais... (do) que, menos... (do) que, tão... quanto) 8.Operadores que introduzem
argumentos alternativos que levam a conclusões diferentes ou opostas (ou... ou, quer...
quer, seja... seja) 9.Operadores que introduzem no enunciado conteúdos pressupostos (já,
ainda, agora etc.) 10.Operadores que funcionam em uma escala orientada para a afirmação
da totalidade (um pouco, quase) ou para a negação da totalidade (pouco, apenas) (KOCK e
ELIAS, 2016, p. 71-75).

Como confirmamos acima, Kock e Elias (2016) expõem que o quinto grupo de operadores
argumentativos dá ideia de conclusão em relação a argumentos anteriores, o sexto grupo atribui
uma justificativa ao enunciado precedente, o sétimo estabelece uma comparação objetivando uma
conclusão definida, o oitavo coloca ideias alternativas que conduzem para conclusões distintas, o
nono introduz no enunciado ideias implícitas e, finalmente, o décimo atua em uma escala orientada
para a afirmação de uma totalidade ou para negação.

Metodologia

De início planejamos uma aula, na qual um gênero textual argumentativo fosse produzido
pelos alunos sem que os faltasse subsídios para tal. Então, escolhemos um tema comum entre o
Brasil e os países africanos. Dentre os temas, optamos por discutir a saúde pública.
Iniciamos a aula perguntando aos alunos como era a saúde pública nos países de onde
vieram. Responderam que ‘’não existe saúde pública, porque qualquer serviço de saúde oferecido é
pago’’. Posteriormente, indagamos se eles já foram atendidos em algum hospital público brasileiro
e eles comentaram que ‘’sim e em comparação ao país deles é um hospital melhor do que os que
eles têm’’. Perguntamos o porquê e disseram: ‘’porque não custa nada e somos atendidos e
encaminhados para outro especialista caso precisemos’’. Também questionamos o que as pessoas
que não tem dinheiro fazem quando ficam doentes uma vez que, não tem saúde pública. Eles
explicaram que: ‘’ou arranjam dinheiro de qualquer jeito ou procuram curandeiros para tentar
resolver o problema e muitas vezes, também, recorrem ao tratamento com plantas’’.
Após o exposto anteriormente, lemos um texto jornalístico extraído da internet sobre a
saúde pública no Brasil. Fizemos algumas perguntas em relação ao texto, buscando estabelecer uma
comparação entre o texto e os hospitais brasileiros que eles estiveram. Primeiramente, discutimos o
texto a partir dos seguintes quesitos: quais os principais pontos do texto?; quais os principais
problemas da saúde pública apresentados no texto? Na sequência lemos um parágrafo do texto e
pedimos que os alunos explicassem o que o autor disse. Além disso, perguntei se algum caso
descrito pelo autor do texto é parecido com alguma coisa que eles viveram no país deles etc.

SUMÁRIO
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Exibimos slides com apenas os títulos: “Defesa de uma saúde pública de qualidade”,
“Problemas”, “Soluções”. Construímos os slides a partir do texto trabalhado e das vivências dos
alunos, sempre questionando como colocaríamos linguisticamente, nos slides, as informações
apresentadas por eles.
Em seguida, quisemos saber dos alunos se eles conheciam o gênero artigo de opinião, ao
que eles responderam afirmativamente. Então, pedimos que eles elencassem quais são os elementos
que compõem um artigo de opinião e para que serve. Depois fornecemos um material explicando
como elaborar um artigo de opinião e explicamos as etapas de produção. Depois, propusemos aos
alunos o seguinte: Escreva um artigo de opinião a um jornal local em defesa de uma saúde pública
de qualidade e proponha soluções para os problemas atuais da saúde pública brasileira. A partir
disso, recolhemos o corpus que utilizaremos para a análise desta pesquisa.

Análise dos dados

Nesta seção serão analisadas as redações que estão nos anexos com o intuito de tratar dos
operadores argumentativos. Por isso, começamos selecionando-os nos textos argumentativos do
PEC-G colhidas na aula descrita neste trabalho.
As redações foram nomeadas da seguinte forma: número 1, número 2, número 3, número
4, número 5. Na redação número 1, detectamos o uso do embora na seguinte amostra:

O operador argumentativo embora pressupõe que logo em seguida virá uma ideia
contrária, porém na frase acima percebemos que o período acaba e essa prenunciação não aparece.
Assim, identificamos um mau uso do operador argumentativo, o que acarreta em uma falha
argumentativa porque o embora antecipa que o argumento introduzido ser será anulado, mas isso
não acontece.
Logo em seguida, na redação número 1, verificamos o uso dos operadores argumentativos
porque e pois no trecho seguinte:

Nessa passagem, percebemos que o uso do porque está adequado, pois introduz uma
explicação da afirmação anterior. Seguidamente, observamos uma enumeração de problemas da
saúde apontados pelo aluno. Essa enumeração traz muitas informações que poderiam servir como
argumentos mais desenvolvidos ou completar com uma delas, por exemplo, o período anterior

SUMÁRIO
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iniciado pelo embora, ficando desta maneira: “Embora a saúde seja direito de todos e dever do
Estado, vivenciamos vários problemas como a má administração dos recursos, que acarreta na
negação desse direito para muitos cidadãos brasileiros”. Além disso, constatamos o uso do pois no
último período. Entendemos que a colocação do pois está correta, contudo o período está sem
conexão com o que foi dito anteriormente. O aluno poderia detalhar melhor os problemas citados e
usar um dos operadores argumentativos para ligar o último período aos argumentos anteriores.
Posteriormente, na redação número 1, destacamos o seguinte trecho:

Nesse trecho, verificamos que o aluno não soube usar o porque, tendo em vista que
o mesmo serve para introduzir uma explicação a argumentos anteriores. Então, acreditamos que
nesse caso o para que é mais adequado. Também notamos o assim que aparece de maneira
apropriada, pois introduz uma conclusão aos argumentos anteriores. Apesar disso, o aluno
novamente utiliza o recurso da enumeração, tornando o texto um amontoado de informações sem
desenvolvimento que poderiam ficar argumentativamente fortes a partir da utilização dos
operadores argumentativos.
Na redação número 2, encontramos os operadores argumentativos porque, mas também,
embora, além disso, também, enfim, portanto. Na primeira parte do texto que selecionamos
observamos o uso dos cinco primeiros:

SUMÁRIO
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Nessa parte, vemos que o porque introduz uma explicação em relação à afirmação
anterior. No entanto, o mas também, que acrescenta um argumento às conclusões passadas, não
atende ao seu propósito porque saber que “o fato de ter uma saúde de boa qualidade permite reduzir
a mortalidade e prevenir doenças, sem esquecer que isso faz com que o país seja desenvolvido” não
acrescenta uma informação ao argumento que o governo deve fornecer uma saúde de qualidade
porque pagamos impostos. Em seguida, o aluno faz o uso dos operadores argumentativos embora,
além disso e também. Respectivamente, o primeiro foi usado de maneira correta, pois o embora
pressupõe a negação de um argumento, como constatamos na amostra. O segundo e o terceiro
pertencem ao grupo que soma argumentos em favor de uma conclusão e, como observamos, há um
acréscimo de outros problemas relacionado à saúde.
Na última parte selecionada da redação número 2, observamos que o enfim e o portanto
desempenham seus papéis de apontarem para uma conclusão dos argumentos anteriores:

Assim, os argumentos dispostos nesse fragmento apontam para uma conclusão em relação
aos argumentos postos no desenvolvimento da redação.
O texto número 3 apresenta os operadores argumentativos por isso, porque, mas e enfim.
Os três primeiros estão presentes neste fragmento da redação:

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Vemos que a conclusão anterior ao por isso é que vivemos em um mundo com muitas
exigências e, sobretudo em relação à saúde. No entanto, a conclusão depois do por isso é que a
saúde pública no Brasil está tendo “dificuldade”. Essas conclusões não têm relação entre si, uma
não acarreta a outra, portanto o operador argumentativo nesse caso foi usado de maneira
equivocada. No parágrafo seguinte dessa amostra, temos o uso do porque que, também, não foi
apropriado, pois contribuir para o desenvolvimento do país, “permite o pagamento de impostos”,
“promover igualidade social” não são os motivos de a saúde ser direito dos cidadãos brasileiros.
Desenvolver o país e promover igualdade social são consequências de uma saúde de qualidade. Em
seguida, após o mas temos um conclusão que afirma que o Brasil não é capaz de realizar esse
objetivo, no entanto, anteriormente o autor não havia mencionado objetivos e, sim, “motivos” de a
saúde ser direito. Por conseguinte, o mau uso dos operadores argumentativos nesses parágrafos
iniciais da redação número 3 prejudica o propósito do texto argumentativo: convencer o outro. Isso,
também, podemos comprovar no último recorte selecionado da redação número 3:

Nesse recorte, após o enfim não há uma conclusão do que foi argumentado anteriormente
e, sim, uma referência aos problemas que servem como ponto de partida para desenvolvimento de
ideias. E também, apresenta uma ideia vaga e pouco convincente do ponto de vista defendido.
Na redação número 4, identificamos os operadores argumentativos: porque, mas, além
disso e enfim. Analisaremos o porque na passagem abaixo:

Nessa passagem, a conclusão anterior ao porque é que a “saúde pública de qualidade” é


um “setor” de grande importância, porém “saúde pública de qualidade” não é um setor. Sendo
assim, a conclusão posterior torna-se inválida, visto que ela se refere ao motivo pelo qual a saúde é
importante para um povo. Se tratando apenas da validação da conclusão após o porque, o aluno

SUMÁRIO
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poderia substituir “saúde pública de qualidade” por apenas “saúde” e a palavra “setor” por aspecto,
ficando desta maneira: “A saúde é o aspecto mais importante da vida de um povo, seja no Brasil ou
no mundo, porque sem ela o indivíduo não pode garantir a sobrevivência. Sem dúvida esse
fragmento apresenta outros problemas de sentido em relação às palavras, mas não é alvo da nossa
análise.
O segmento seguinte apresenta os operadores mas, porque e além disso:

Por apresentar diversos problemas de construção frasal, temos dificuldade em entender o


que está dito no texto. Apesar disso, percebemos que os operadores argumentativos mas, porque e
além disso não estão postos de maneira adequada. Primeiramente, o parágrafo inicia com “em
defesa” e o que se segue são apresentações de mais problemas do sistema de saúde. Ademais, a
“importância do sistema de saúde ser levado a sério” não leva a uma conclusão contrária ao que foi
dito anteriormente. Esse primeiro problema acarreta no uso dos operadores seguintes, porque eles
sevem, também para ligar as frases dando mais coerência ao texto.
No último recorte da redação número 4, encontramos o enfim:

Percebemos que a conclusão depois o enfim aponta vagamente para a ideia defendida no
texto. O aluno poderia finalizar fornecendo alguma solução para os problemas mencionados
utilizando operadores que somem para uma mesma conclusão.
Por último, analisaremos os fragmentos selecionados da redação número 5. Eis os dois
primeiros recortes:

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Nesses fragmentos, observamos o uso do mas e do então. Ambos utilizados de maneira


correta pelo aluno, pois o primeiro introduz, em ambos os usos, conclusões contrárias ao que foi
dito anteriormente e o segundo introduz uma conclusão com relação ao argumento anterior.
Seguidamente, temos a terceira parte selecionada da redação número 5:

A redação número 5 não apresenta problemas quanto ao uso dos operadores, mas
constatamos que o aluno poderia em exercício de reescrita desenvolver melhor seus argumentos
fazendo uso de outros operadores argumentativos.

Considerações finais
Esta pesquisa foi desenvolvida no PLEI, da UFPB, especificamente no Curso Preparatório
para o Celpe-Bras. Os alunos participantes deste estudo foram reprovados na prova do Celpe-Bras
2015.2 e estavam no curso referido para buscar uma aprovação na prova de 2016.1. O corpus
analisado foi recolhido em uma aula descrita neste trabalho, na perspectiva teórica de Elias e Kock
(2016).
Os textos argumentativos analisados neste artigo possuem vários aspectos que podem ser
averiguados referentes à argumentação. Por exemplo: o título criado pelos alunos, a conclusão dos
textos, a ordem dos argumentos etc. Entretanto, destacamos neste estudo apenas a relação dos
operadores argumentativos com a construção dos argumentos e de que forma isso influencia em
uma eficiência argumentativa.
Os operadores argumentativos mais recorrentes nos textos apresentados são os que somam
argumentos em favor de uma mesma direção: e, também, mas também, além disso; os que
contrapõem argumentos orientados para conclusões contrárias: mas, embora; os que introduzem
uma conclusão com relação a argumentos apresentados em enunciados anteriores: portanto, por
isso; o que introduz uma justificativa ou explicação relativamente ao enunciado anterior: porque;
os operadores então, assim e enfim, que estão dentro da categoria de operadores que introduzem
uma conclusão às ideias anteriores, porém o referencial teórico não os classifica.

SUMÁRIO
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Compreendemos que os textos dos alunos poderiam apresentar mais força argumentativa
se eles tivessem feito mais uso dos operadores argumentativos e tivessem colocando-os de maneira
condizente com o sentido que têm. Também reforçamos a necessidade do professor fazer uma
atividade de reescrita apontando as possíveis falhas de sentido na colocação dos operadores
argumentativos entre outras coisas.

Referência

KOCK, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Escrever e argumentar. São Paulo: Contexto,
2016. 240 p. ISBN: 978-85-7244-950-2.

SUMÁRIO
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AVALIAÇÃO DE PORTUGUÊS E SUAS CONCEPÇÕES: UMA


ANÁLISE DO PROCESSO DA PSICOGÊNESE DA ESCRITA
NAS TURMAS DE 1º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL
Flávia Tavares Gomes1

Introdução

Quando falamos em avaliação educacional é preciso situarmos em que nível de


preocupação colocamos tal questão. Se em nível de sistema, se em nível de programas educacionais
ou se em nível de acompanhamento que o professor faz dos alunos em sua sala de aula ao longo do
desenvolvimento de seu trabalho, com vistas à progressão dos alunos e conhecimento do seu
conhecimento.
A razão pela qual optamos pesquisar sobre as avaliações de português no ensino
fundamental I se deu mediante as inquietações levantadas ao longo do curso de Pedagogia, já feito
pela pesquisadora no ano anterior, muito se fala no curso sobre a psicogênese da escrita e as fases
pela qual passa uma criança durante o processo de alfabetização (pré-silábica, silábica, silábico-
alfabético e por última a alfabética). Atualmente graduanda do curso Letras Português tais
inquietações continuaram, logo veio a decisão de aprofundar nossa pesquisa pelo tem e de fato
coloca-lá em prática.
Nossa pesquisa terá ênfase nas turmas de 1º ano do ensino fundamental I porque, como nos
diz Ferreiro (1985), “A alfabetização é uma forma de se apropriar das funções sociais da escrita”. É
durante essa fase que a criança constrói seu conhecimento relacionado com o que já sabe. O contato
com a leitura e a escrita em situações concretas de comunicação é intensificado nesta série a fim de
que as crianças deem continuidade ao processo de alfabetização.
Relatamos neste artigo um pouco sobre os conceitos, questionamentos e dúvidas existentes
no decorres da pesquisa ora realizada referente à avaliação e psicogênese da escrita. Para tal,
dividimos nosso trabalho em cinco momentos, no qual a parte central é a nossa fundamentação
teórica, que dividimos em dois tópicos. O primeiro tópico intitulamos: Avaliação Escolar: do real ao
utópico, neste apresentaremos a visão de alguns autores, como, por exemplo, DALBEN (2005),
ALMEIDA (2011), LUCKESI (1997), CALDEIRA (2000), no que se refere à avaliação escolar. No
segundo tópico, apresentamos um pouco do conceito que Emília Ferreiro junto com Ana Teberosk
nos trazem sobre Psicogênese da Escrita, que seria as fases silábicas pelas quais passa a criança
durante o processo de alfabetização.
No terceiro momento do nosso trabalho, julgamos importante relatar aqui, apresentamos
nossa análise referente a coleta dos dados obtidos mediante observações realizadas e aplicação de
questionário com as professoras de uma escola municipal X da rede pública de ensino de
Bayeux/PB. Tal análise foi de grande significância e serviu como base norteadora de todo trabalho
aqui realizado.

1
Pedagoga formada pela Universidade Federal da Paraíba. Atual acadêmica do curso Letras Português pela mesma
instituição. Especialista em Supervisão e Orientação Educacional pelo CINTEP/PB. Supervisora Pedagógica do
município de Bayeux. Atuante em discussões sobre Educação em Direitos Humanos, com diversas publicações na área.

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Avaliação escolar: do real ao utópico

Quando falamos em avaliar, estamos nos remetendo a acrescentar valor alguma coisa. O
“julgar”, o “comparar”, isto é, “o avaliar” faz parte de nosso cotidiano, “seja através das reflexões
informais que orientam as frequentes opções do dia-a-dia ou, formalmente, através da reflexão
organizada e sistemática que define a tomada de decisões” (DALBEN, 2005, p. 66).
Nas escolas a avaliação tem sido usada para aprovar ou reprovar nossos milhares de alunos
que se encontram em processo de escolarização, como é de nosso conhecimento. O mais comum é
que, por ter essa função e ser usada de modo muitas vezes errada, descontextualizada, a avaliação
acaba sendo vista como um bicho de sete cabeças, algo que amedronta os educandos, levando
muitas vezes ao fracasso escolar.
“A avaliação da aprendizagem e o ensino são elementos indissociáveis do processo
educacional”, como nos diz Almeida (2011, p.6). Porém, é possível que, mesmo com essa
designação, a avaliação percorra caminhos que substancialmente não lhe pertencem para atuar com
a finalidade de fornecer dados meramente burocráticos para o sistema educacional.
Na avaliação inclusiva, democrática e amorosa não há exclusão, mas sim diagnostico e
construção. Não há submissão e sim liberdade. Não há medo e sim espontaneidade e busca.
Não há chegada definitiva, mas sim travessia permanente em busca do melhor sempre.
Sempre (LUCKESI, 1997).

A avaliação deve servir para levantar dados para apoiar o processo de aprendizagem de
cada estudante e se configurar, portanto, como um recurso valioso para o docente apoiar o aluno em
risco de exclusão, especialmente nas aulas de língua portuguesa, uma vez que a ampliação da
competência linguística constitui papel fundamental na construção da cidadania do indivíduo.
Em qualquer nível de ensino em que ocorra, a avaliação não existe e não opera por si
mesma; está sempre a serviço de um projeto ou de um conceito teórico, como afirma Caldeira
(2000, p. 122):
A avaliação escolar é um meio e não um fim em si mesma; está delimitada por uma
determinada teoria e por uma determinada prática pedagógica. Ela não ocorre num vazio
conceitual, mas está dimensionada por um modelo teórico de sociedade, de homem, de
educação e, consequentemente, de ensino e de aprendizagem, expresso na teoria e na
prática pedagógica.

Durante o processo avaliativo o que se espera é que o professor seja um colaborador dos
seus alunos e que use da avaliação como uma ferramenta que não amedronta sua turma, seja qual
for o método avaliativo que ele utilize. O que temos que ter de forma clara e explicita é que a
avaliação não deve servir como instrumento para reprovar o educando, pois, cada vez que uma
criança é reprovada ela volta ao ponto de partida e entende isso como um fracasso, afetando seu
lado psicológico, assim, são claras as palavras de Demo (2002, p. 45) quando expõe que “a
repetência não favorece a aprendizagem”.
A prova ou teste como método avaliativo não deve ser extinto do processo ensino-
aprendizagem, o que defendemos é que o professor não utilize apenas esse método, pois há outros
instrumentos que se encaixam nas possibilidades de uma avaliação formativa. E que, se usar
exclusivamente a prova como instrumento avaliativo, análise de forma abrangente e geral o que for
posto nela pelos educando, levando em consideração o saber que está em construção e não
exclusivamente se preocupando apenas com notas.
Cada método e concepção que o professor traz consigo, desde sua formação até o momento
que põe em prática na sua sala de aula, é envolto de responsabilidade, uma vez que envolve o futuro
de um educando, como bem nos fala Antunes (2003, p.157):
[...] rever nossas concepções de avaliação, a fim de desgrudá-las de uma finalidade
puramente seletiva – quem passa, quem não passa de ano – e instituir uma avaliação em
função da aprendizagem. Uma avaliação, portanto que seja uma busca dos indícios, dos

SUMÁRIO
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sinais da trajetória que o aluno percorreu o que, por outro lado, serve também de sinal
para o professor de como ele tem que fazer e por onde ele tem que continuar.

Avaliação e ensino não são processos distintos, eles se completam durante todo o processo
de escolarização. Os professores devem se submeter a um planejamento que considere todas as
variáveis que compõem o processo de aprendizagem de um aluno, devem deixá-lo participar mais
intensivamente destes processos e, apesar de algumas iniciativas bem sucedidas e perceptíveis no
interior das escolas, ainda há muito que refletir sobre essa temática.
Sendo assim, torna-se necessária ainda a busca de propostas sobre o papel social da escola
e a função da avaliação, uma vez que uma concepção classificatória da avaliação não corrobora com
propostas de ensino pautadas na reflexão, na busca pelo exercício da cidadania, com objetivo da
escola regular, que não é só medi. Como nos traz Hadji (2011, p. 27), “medir significa atribuir um
número a um acontecimento ou a um objeto, de acordo com uma regra logicamente aceitável”. E
não é de forma tão resumida que queremos que a avaliação seja trabalhada pelos professores, pois
está não desenvolve de modo eficaz o educando. Observar mais do que a nota do aluno, mas os
detalhes deixados em um momento de avaliação é o que de fato é avaliar.

Psicogênese da escrita

O termo psicogênese pode ser compreendido como origem, gênese ou história da aquisição
de conhecimentos e funções psicológicas de cada pessoa, processo que ocorre ao longo de todo o
desenvolvimento humano. Como nos diz Bregunci (2011, p.1):
No campo da aquisição da escrita, a psicogênese se associa aos estudos psicogenéticos de
Emília Ferreiro, Ana Teberosky e vários colaboradores, originalmente divulgados em
países de língua espanhola, na década de 1970, com forte impacto no Brasil, a partir da
década seguinte, sobretudo na educação Infantil e nos anos iniciais destinados à
alfabetização.

É do conhecimento de muitos que a escrita diferentemente da fala é algo aprendido, e esse


aprendizado se dá mediante um processo. Segundo a teoria da psicogênese da escrita a criança que
está dentro do processo de alfabetização passa por níveis. Como nos fala Ferreiro (2011, p.1):
[...] A construção do conhecimento da leitura e da escrita tem uma lógica individual,
embora aberta à interação social, na escola ou fora dela. No processo, a criança passa por
etapas, com avanços e recuos, até se apossar do código lingüístico e dominá-lo.

No nível pré-silábico, em um primeiro momento, o educando pensa que pode escrever com
desenhos, rabiscos, letras ou outros sinais gráficos, imaginando que a palavra assim inscrita
representa a coisa a que se refere. Há um avanço, quando se percebe que a palavra escrita representa
não a coisa diretamente, mas o nome da coisa. Ao aprender as letras que compõem o próprio nome,
o aprendiz percebe que se escreve com letras que são diferentes de desenhos. O aluno avança para o
próximo nível de escrita, o silábico, sem valor sonoro, pois, de início, grafará uma letra para cada
sílaba, entretanto, seu registro não terá correspondência sonora, para a palavra BONECA, poderá
grafar IOD, por exemplo. O aprendiz descobre que a palavra escrita representa a palavra falada,
ainda no nível silábico.
É comum, principalmente entre as crianças, encontrarmos alunos que parecem “comer
letras” ou usar mais letras do que as palavras requerem. Ferreiro (2011, p.6)
Acredita que basta grafar uma letra para se poder pronunciar uma sílaba oral, mas só
entrará para o nível silábico, com correspondência sonora, à medida que seus registros
apresentarem esta relação.

Como nos diz Cagliari (1999, p. 8), “sabem que o alfabeto não basta, para ler e escrever,
muitos o sabem de cor, inclusive com o valor fonético das letras, mas não conseguem combiná-las”.

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 165

Isto pode implicar condutas diferenciadas na orientação de crianças que aceitam bem a didática do
nível pré-silábico, e de adultos que preferem segmentos maiores com significação, caminhando da
palavra para a análise das famílias silábicas. Assim, diferentemente dos adultos, as crianças
parecem passar pelas fases pré-silábica e silábica, atingindo finalmente a alfabética. Nesse nível
alfabético, o aprendiz analisa na palavra suas vogais e consoantes.
Ferreiro (2011, p.8) acredita que “as palavras escritas devem representar as palavras
faladas, com correspondência absoluta de letras e sons”. Já estão alfabetizados, porém terão
conflitos sérios, ao comparar sua escrita alfabética e espontânea com a escrita ortográfica, em que
se fala de um jeito e se escreve de outro.
Ao contrapor-se à concepção associacionista da alfabetização, a Psicogênese da Língua
Escrita apresenta um suporte teórico construtivista, no qual o conhecimento aparece como algo a ser
produzido pelo indivíduo, que passa a ser visto como sujeito e não como objeto do processo de
aprendizagem.

Analisando dados e colhendo informações

Como já mencionado, nossa pesquisa ocorreu em uma escola de médio porte, da rede
pública municipal do município de Bayeux/PB, com as turmas de 1º ano do ensino fundamental I,
durante o período de março a junho, durante tal período fizemos observações das turmas, tivemos
conversas informal e aplicamos um questionário com as professoras, etc.
Utilizamos o questionário, estruturado em nove perguntas, sendo cinco perguntas de
caráter subjetivas e quatro perguntas objetivas, cada perguntas tinham quatro alternativas para a
escolha. Em nenhum momento foi dito que só podia ser marcada uma alternativa, pois objetivamos
deixar nossos participantes da pesquisa o mais livre possível. Tal escolha era opcional a quem fosse
responder o questionário, dependia, é claro, do que se queria responder.
As professoras que fizeram parte diretamente de nossa pesquisa e aceitaram responder ao
questionário foram três. Aqui as chamaremos de P1(Professora 1), P2 (Professora 2) e P3
(Professora 3), objetivando preservar as identidades das mesmas. Iniciamos o questionário
indagando sobre a formação delas e há quanto tempo elas atuam em sala de aula. P1 respondeu que
faz dezoito anos que está em sala de aula, P2 está há dez anos e P3 é a que tem menos tempo de
atuação com oito anos de carreira. Duas das professoras (P1 e P3) são formadas em Pedagogia, e
uma (P2) é formada em Letras Português e Psicopedagogia.
Questionadas sobre se estudaram, em sua formação, os métodos avaliativos e as
concepções que norteiam esse universo, todas as três professoras responderam que sim, sendo que
uma (P2) foi mais além em sua resposta e enfatizou a importância de tais processos no contexto
educacional, conforme podemos observar:
Sabe-se que o processo avaliativo abriu um imenso leque, incluindo métodos sistemático e
contínuo, porém em muitos casos de fracasso escolar nem sempre são decorrentes do
método ou forma avaliativa e sim de vários outros fatores (PROFESSORA 2).

Podemos notar que tal professora tem uma visão de que fracasso escolar e avaliação não
andam necessariamente juntos, pois existem outros motivos que levam ao fracasso escolar e o
professor precisa ter consciência desses outros fatores para lidar com eles. Nem sempre a culpa é da
maneira de avaliar e dos métodos usados.
Achamos pertinente, em nosso questionário, saber o que as professoras sabiam sobre a
psicogênese da escrita. Para tal nossa pergunta de número três foi justamente essa: o que você sabe
sobre a psicogênese da escrita? Obtivemos respostas muito valorosas no que se refere ao interesse
desta pesquisa, que é saber como a psicogênese da escrita é avaliada pelas professoras do 1º anos do
ensino fundamental I. Observou-se que todas P1, P2 e P3 entendem a psicogênese como as fases
iniciais do conhecimento da escrita. Porém P1 nos trouxe algo muito pertinente em sua resposta,
que nos instigou a pesquisar mais sobre essa relação. Segundo ela, psicogênese da escrita são “os
níveos de escrita (pré-silabico, silábico, silábico alfabético e alfabético). O professor identifica esses

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níveis de acordo com o ano em estudo e atividades de escrita”. (PROFESSORA 1). Tal aspecto na
resposta da P1 nos chamou atenção para enfatizar que as atividades realizadas na sala de aula em
momentos corriqueiros é o que auxiliará a professora a identificar em qual nível a criança se
encontra dentro do processo da psicogênese da escrita.
Logo, após essa resposta sentimos a necessidade de saber como as professoras identificam
em que nível de aquisição da leitura e escrita seus alunos estão. P1, P2 e P3 nos disseram que
através de sondagem inicial e bimestral e através de exercícios feitos no caderno, nos quais elas os
auxiliam, mas, em sua maioria, deixa-os livre, pois querem de fato saber o que seus alunos sabem.
Pedimos a P1 para observar os cadernos de alguns alunos de sua sala e alguma sondagem
já realizada. Analisamos que tais exercícios solicitaram que os alunos escrevam o nome da figura
que está vendo, o que pode ser considerado como uma “pequena avaliação”, após as respostas dos
alunos, no momento da correção a professora consegue observar em qual nível de aquisição da
leitura e escrita seus alunos estão, conforme foto que segue:

Sondagem realizada com os alunos e caderno dos alunos da P1


Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora

As três professoras que participaram da nossa pesquisa estão atuando na turma de primeiro
ano em volta de dois a três anos. Duas das professoras, P2 e P3, não sentiram dificuldade com a
iniciação da alfabetização, apenas uma, P1, destacou que “as dificuldades são as mesmas para as
demais séries, destacando que tais dificuldades estão relacionadas com a falta de materiais para a
identificação dos níveis” (PROFESSORA 1).
Observa-se que todas as três professoras acreditam que avaliar seja testar o que o professor
ensinou e o que o aluno aprendeu e que os instrumentos que utilizam, em sua maioria, são
questionários, pesquisa, seminário, apenas uma (P2) respondeu que utilizava a prova como único
meio avaliativo. Sobre a aplicação e objetivo da avaliação, as três responderam foram unânimes ao
responder que, ao aplicar uma avaliação, objetivam saber o que os alunos aprenderam sobre
determinado conteúdo.
Os procedimentos utilizados após a avaliação, na resposta das três é que há um feedback,
ou seja, após a avaliação feita em sala, existe posteriormente uma conversa com os alunos. Sobre a
avaliação realizada com a turma, apenas uma P3 respondeu que analisa até o que é considerado
errado, tendo em vista que não se importa só com a nota em si, mas com conhecimento adquirido.
Todas as professoras que participaram da pesquisa consideram que os instrumentos
avaliativos não são suficientes para medir a aprendizagem dos alunos, porque veem a aprendizagem
como um processo contínuo e não como algo definitivo. Apenas uma das professoras (P1) criticou o
sistema que avalia de maneira quantitativa o aluno, como se os alunos fossem apenas números. As
demais P2 e P3 afirmam que avaliar exige compromisso e seriedade e que cada aluno precisa ser
avaliado de forma particular e específica.
Notamos, ao final dessa análise, que as fases da psicogênese da escrita são avaliadas pelas
professoras de forma satisfatória e respeitando o tempo de assimilação de cada criança, o que notou-
se desde o inicio é que cada nível durante o processo da psicogênese da escrita e leitura é essencial
para o processo de alfabetização.

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Considerações finais

Ficou nítido, durante o trajeto de nossos estudos, que, durante muito tempo, a avaliação foi
usada como instrumento para classificar e rotular os alunos entre bons, os que dão trabalho e os que
não têm jeito. A prova bimestral, por exemplo, servia como uma ameaça à turma ou um momento
de tensão para os alunos. Felizmente, esse modelo ficou ultrapassado e, atualmente, a avaliação é
vista como uma das mais importantes ferramentas à disposição dos professores para alcançar o
objetivo principal da escola, que é oferecer meios para que todos os estudantes avancem de turma,
após ter conseguido o conhecimento da série em questão com êxito.
O trabalho ora realizado visou contribuir com os estudos que se voltam para o campo
educacional, visto que discorre sobre a avaliação dos níveis de aquisição da escrita por qual passar
uma criança durante o processo de alfabetização e sobre as práticas e métodos que podem ser
adotadas pelos professores para avaliarem seus alunos no processo de ensino-aprendizagem.
Ao longo da pesquisa, pudemos verificar que avaliar e examinar se equivalem. Esteban
(2004, p. 86) nos afirma que “embora muito criticada, a avaliação do desempenho escolar, como
resultado do exame que o professor ou professora realiza sobre o aluno ou aluna, ainda é
predominante”.
Após a pesquisa e reflexão sobre os dados obtidos, defendemos que, na atualidade, as
práticas avaliativas devem assumir um caráter diagnóstico processual e contínuo. E é isso que as
professoras estão tentando fazer no seu dia-a-dia. Vale salientar a importância da prática avaliativa
contínua, pois só assim o professor será capaz de fazer um acompanhamento do desempenho do
aluno no processo de aprendizagem, e não exclusivamente no final do ano letivo ou a cada fim de
bimestre.
A pesquisa nos trouxe algumas reflexões acerca do tema citado e acarretou a constatação
de que é necessário que as professoras que atuam nos anos iniciais do processo alfabético o
conhecimento mínimo no que se refere às fases de aquisição da escrita pela qual passa a criança
durante o processo de alfabetização, pois esse conhecimento faz toda a diferença no momento
avaliativo, uma vez que a compreensão de que a criança precisa assimilar cada fase para poder
passar para a outra, torna a avaliação mais justa e a faz de fato ser um processo, ou seja, algo que
não é acabado.

Referências

ALMEIDA, Marcela Bandeira de Mello. Avaliação da aprendizagem nas aulas de Língua Portuguesa.
Disponível em: < http://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/educacao/avaliacao-aprendizagem-nas-
aulas-lingua-portuguesa.htm >. Acesso em: 19 de maio de 2016.
ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. 8 ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
BREGUNCI, Maria das Graças de Castro. Psicogênese da aquisição da escrita. Disponível em:
<http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/psicogenese-daaquisicao-da-escrita>.
Acesso em: 19 de maio de 2016.
DALBEN, Ângela I. L. de Freitas. Avaliação escolar. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 11, n. 64, jul./ago.
2005.
DEMO, Pedro. Mitologias da avaliação: de como ignorar problemas. Campinas. Autores associados, 1999.
ESTEBAN, Maria Tereza. Pedagogia de Projetos: entrelaçando o ensinar, o aprender e o avaliar à democratização do
cotidiano escolar. In: SILVA, J. F.; HOFFMANN, J.; ESTEBAN, M. T. (orgs.) Práticas avaliativas e aprendizagens
significativas: em diferentes áreas do currículo. 3.ed. Porto Alegre: Mediação, 2004. p. 81-92.
FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
HADJI, Charles. A Avaliação desmitificada. Porto Alegre: Artmed, 2001.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 2º edição. São Paulo.
Cortez, 1995.

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SEMIÓTICA APLICADA: LEITURA DE POESIA


CONTEMPORÂNEA NO ENSINO MÉDIO
Elânia dos Santos Cavalcanti1

Introdução
A leitura de textos literários na escola, atualmente, é uma realidade crítica, porque a
literatura na sala de aula não tem um lugar privilegiado, muitos alunos não gostam de literatura pois
não adquiriram o hábito de ler e compreender o seu papel em nossas vidas. Sabemos que esta arte
literária amplia a visão que temos do universo, de tudo que nos rodeia e de nós mesmos; através
dela podemos imaginar outras formas de entender o mundo e de melhorá-lo; por essas razões e por
outras mais, a literatura tem fundamental importância na formação do leitor jovem e precisa ser
trabalhada de maneira consciente e eficaz no Ensino Médio.
A poema é principalmente um gênero literário pouco lido e discutido na sala de aula, muitos
professores de Língua Portuguesa não trabalham com poesia em sala de aula ou, quando trabalham,
é apenas de maneira superficial; um dos motivos de isto acontecer é, provavelmente, porque o
docente não sabe como fazer o aluno compreender a poesia significativamente, fazendo com que os
alunos percebam as representações dos signos para a construção da interpretação da linguagem
poética.
Por essas razões, este estudo busca analisar os impactos da leitura poética por meio de uma
nova perspectiva, a recente teoria semiótica peirceana. Os conceitos semióticos de índice, símbolo e
ícone, criados por Chales Sanders Peirce, têm sido estudados por alguns teóricos nas últimas
décadas, em especial por alguns estudiosos da literatura brasileira, a exemplo, Santaella e Pignatari,
devido a sua importante contribuição para compreensão dos estudos das linguagens.

A literatura no ensino médio

“A literatura é a expressão da sociedade, assim como a palavra é a expressão do


homem”.
(Louis Gabriel Ambroise de Bonald)

A leitura de literatura é capaz de ampliar a nossa perspectiva de ver o mundo, da utilidade das
linguagens que usamos cotidianamente e do descobrimento de nós mesmos como seres humanos.
Conforme nos diz Todorov (2009, p. 23 apud FILIPOUSKI; MARCHI, 2009, p. 09):
Ela nos proporciona sensações insubstituíveis que fazem o mundo real se tornar
mais pleno de sentido e mais belo. Longe de ser um simples entretenimento, uma
distração reservada às pessoas educadas, ela permite que cada um responda melhor
à sua vocação de ser humano.

Assim sendo, o texto literário é um elemento essencial para ser estudado em sala de aula, ele
deve ser o instrumento para se trabalhar com as práticas de produção e leitura na escola. Filipouski
1
Graduanda em Letras – Português pela Universidade Federal da Paraíba, elaniasantoscavalcanti@hotmail.com.

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e Marchi (2009, p. 09) afirmam que texto literário “é o objeto de estudo da língua portuguesa”, por
isso a literatura não pode ser deixada de lado no ensino da língua, a partir dela e de tudo que a
envolve, seus aspectos são explorados.
Ao longo do ensino de literatura na escola, os aspectos relacionados à sua história têm sido
predominantes, e até substitui o foco diretamente no texto literário. Contudo, as informações
históricas sobre a literatura podem ser trabalhadas de modo que o aluno possa usar os
conhecimentos históricos para fazer associações com outros conhecimentos e auxiliá-lo no processo
de construção de sentido do texto. Em outras palavras, a história é relevante e ela pode ser um fio
condutor que faz ligações com o contexto da obra, mas a leitura do texto literário, neste caso o
contato do leitor com o texto, é fundamental e deve ser primado.

A poesia no Ensino Médio

"Aprendi com meu filho de 10 anos que poesia é o descobrimento das coisas que nunca vira antes".

(Oswald de Andrade)

Poesia é um conceito difícil de ser definido, pois é uma expressão da subjetividade humana
por meio da linguagem verbal, as palavras, ou da linguagem não verbal, as outras artes que
despertam emoções como: a música, a pintura, a fotografia, a dança, o cinema entre outras. Uma
poesia pode nos emocionar, nos incomodar, nos fazer refletir sobre nós e sobre o universo que nos
rodeia. Por ser algo tão simples, que podemos encontrar em muitos lugares e ao mesmo tempo tão
complexo, assim como nós seres humanos, a linguagem poética é às vezes tida como algo difícil de
ser interpretado, já que não têm uma única compreensão, ou por vezes, para ser decodificada No
entanto, em contexto formal, seu ensino limita-se à leitura de poemas e com ênfase a seus aspectos
estruturais ou temáticos, como no caso dos sonetos, com suas rimas, versos e estrofes e por
exemplo, os poemas com a temática “amor’, assim o aluno pode “decorar”.
É preciso ter sensibilidade para fazer leitura poética, aprender a ver os detalhes, e para se
ensinar a fazer tal leitura, antes é necessário ser um leitor de poesia, pois só se aprende a ler
praticando o ato da leitura.

Semiótica aplicada à leitura de poesia


“Literatura é a linguagem carregada de significado.”
(Ezra Pound)

A Semiótica é a ciência que busca explicar a ação dos signos (semeion). Tem como objeto
de estudo, portanto, todos os fenômenos considerados como linguagem, sejam de natureza verbal ou
não verbal.
O signo é o que se cria na mente de uma pessoa, uma palavra, uma imagem, um sentimento,
uma ideia, um significado, uma cor, um som, isto é, tudo que pode ter a capacidade de representar
algo e, por isso, pode ser um signo.
O signo ou representamen é um primeiro que estabelece uma relação com um segundo, o
objeto, do qual surge um terceiro, o interpretante. Esta correlação triádica é chamada de semiose. A
teoria geral dos signos define signo, ou representamen, como algo que representa alguma coisa para
alguém. O signo representa o seu objeto por meio de um aspecto seu, neste caso: uma qualidade,
uma existência ou uma lei; através dessa função de representar algo para alguém, cria-se na mente
desta pessoa um signo equivalente ao objeto que compartilha uma característica dele e o
interpreta.

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A semiótica peirciana ainda estabeleceu três categorias universais para toda experiência dos
fenômenos: Primeiridade, Secundidade e Terceiridade. Esta organização triádica em outro momento
era nomeada pelo filosófo de Qualidade, Relação e Representação. Vale considerar que essa
estrutura é a base de toda teoria peirciana, segundo as suas ideias são os três modos como os
fenômenos surgem em nossa mente (FERRAZ JÚNIOR, 2012). Para Santaella (1986),
a primeiridade é “uma consciência imediata tal qual é. Nenhuma outra coisa senão pura qualidade
de ser e de sentir” (p. 57), ou seja, esta é a categoria da impressão, do sentimento; já
a secundidade está ligada aos fatos concretos da existência de algo, é o signo que aponta para a
ocorrência do seu objeto, essa é a categoria da experiência com a realidade; a consciência desta
proximidade da primeiridade com a secundidade é a terceiridade, a categoria terceira definida
por Peirce; saber interpretar, conceituar, definir, explicar, pensar sobre um signo, isto é
a terceiridade.
Destacaremos neste trabalho,os conceitos de: ícone, índice e símbolo classificados por
Charles Sanders Peirce, que podem ser assim descritos:

1. O ícone refere-se ao seu objeto por similaridade ou por uma qualidade. Exemplo:
uma pintura abstrata, uma estátua. A interpretação de uma obra literária destacará o modo
icônico quando a causa da representação icônica for por similaridade. O ícone preserva um
vínculo de semelhança com o que representa.

2. O índice, como o próprio nome já diz, é um signo que indica algo. Exemplos: pegadas (signo
da passagem de alguém), as nuvens cinza são indícios de chuvas. Conforme Santaella (1986)
“Tudo que existe, portanto, é índice ou pode funcionar como índice. Basta, para tal, que seja
constatada a relação com o objeto de que o índice é parte e com o qual está existencialmente
conectado” (p. 90).

3. O símbolo é referente ao objeto por relação de conceitos gerados por uma regra, lei ou
convenção. Exemplos: senhas, palavras escritas ou faladas. O modo de representação
simbólico não possui qualquer relação de semelhança com a coisa que representa. O símbolo
tem característica arbitrária e é referente ao objeto por meio de uma convenção.

Análise e discussão dos resultados

Com o intuito de observar a compreensão dos alunos de Ensino Médio em relação à leitura
de poesia contemporânea e analisar as contribuições dos conceitos semióticos para a interpretação
de poesia contemporânea, esta pesquisa caracteriza-se como de campo, pois busca conhecer o
problema estudado por meio da observação direta dos sujeitos envolvidos com o objeto da pesquisa.
A pesquisa de campo foi realizada durante as aulas de Língua Portuguesa em uma escola
estadual, localizada no bairro dos Bancários, na cidade de João Pessoa-PB. A escola é de pequeno
porte e atualmente tem 3 turmas do Ensino Médio: 1º,2º e 3º ano funcionando no horário da manhã.
Contamos com a participação de 12 (doze) alunos, pertencentes do 3° ano do Ensino Médio, com
faixa etária entre 16 a 20 anos, os quais foram dados nomes fictícios para preservar as identidades
dos sujeitos. Os dados foram coletados da seguinte forma: foram aplicados, inicialmente, um pré-
teste, um questionário estruturado com 4 questões abertas relacionadas ao gênero poesia e mais 1
questão com 3 poesias para serem interpretadas.
Em outro momento, foi feita a exposição dos conceitos sobre poesia e semiótica,
demonstrando como podem ser realizadas as aplicações desses conceitos na leitura de poesia.
Posteriormente, foram aplicados um pós-teste, um questionário composto com a mesma estrutura do
pré-teste. As respostas dos alunos coletadas no pré e pós-testes foram descritas, comparadas e

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analisadas. Na tabela 1, podemos observar a descrição e posteriormente a análise dos dados com
base nas comparações.

Tabela 1 – Questão relativa ao gosto pela poesia e ao conhecimento sobre poesia


No pré-teste No pós-teste

Respostas dos alunos: Respostas dos alunos:

Gostam de poesia Gostam de poesia


Sim – 80% Não – 20% Sim – 75% Não – 25%
Fonte: elaborada pela autora (2016).

Conforme as respostas observadas no pré-teste, os alunos os quais responderam


positivamente que gostam de poesia, entendem por poesia: as rimas, os versos, os parágrafos
pequenos (estrofes), a subjetividade, o romance, o drama, a tristeza, a emoção, a sintonia das
palavras e as diferentes formas representadas.Os alunos que responderam no pré-teste que não
gostam de poesia, entendem que ela se diferencia dos demais textos por ser “Melodramática.
Porém, não tanto quanto os poemas.” (Bianca); “A parte que rima.” (Anna).
Percebemos com os dados observados que quase todos os alunos se identificam com poesia
e que todos os alunos revelam ter certo conhecimento sobre o gênero poesia. Citam a presença de
rimas, versos, estrofes, de algumas temáticas que as poesias geralmente abordam, das formas
diferentes que ela pode ser representada. Embora, muitos confundam a poesia com outros gêneros
literários, com a estrutura do próprio poema e até acreditam que poesia seja aquela que somente
retrata os assuntos românticos.
De acordo com o pós-teste, os participantes compreendem poesia como: as imagens, a
ligação das palavras, por expressar sentimentos que emociona o leitor, por mostrar coisas diferentes
(várias interpretações), pode não ser verbal, podem ser as artes que despertam emoções, a
linguagem verbal e a não verbal como a pintura e a fotografia, tudo que expressa uma emoção como
um livro, uma música, não é apenas uma estrofe com rimas.
Dos 3 alunos que responderam no pós-teste que “não gostam de poesia”, afirmam o
seguinte: “Poesia pode ser diferenciada por expressar emoção em tudo, e todos os textos” (Bianca);
“Por ter um conceito indefinido que pode ser expressado por diversas forma” (Anna),“Porque a
poesia ela é de interpretada, em várias coisas, em: quadros, cinema, etc” (Laura).
Notamos com estas respostas, que os conceitos sobre poesia da grande maioria dos
participantes se modificaram em relação ao teste anterior no sentido de que estes passam a conceber
que poesia pode ser representada de diversas formas em: imagens, pinturas, fotografias, músicas
etc. Além disso, estes mesmos sujeitos entendem que a poesia, assim como arte, tem a função de
emocionar de diversas formas, uma poesia pode ter várias interpretações e as poesias verbais podem
ser estruturas com rimas, estrofes ou não.

Tabela 2 –Questão relativa à prática de ler poesia

No pré-teste No pós-teste

Respostas dos alunos: Respostas dos alunos:

Dizem ter o hábito de ler poesias Dizem ter o hábito de ler poesias
Sim – 50%Não – 50% Sim – 41,66%Não – 58,33%
Fonte: elaborada pela autora (2016).

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Observamos, com base na comparação dos dados, que grande parte dos pesquisados, talvez
todos, não têm o costume de ler poesias e que confundem o costume de ler poesia pelo interesse por
poesia, pois somente os alunos que afirmam não ter interesse por poesia mantiveram a mesma
opinião sobre o não hábito de lê-la, alguns que alegaram gostar de poesia tanto no pré como no pós-
teste, mudaram de opinião em relação ao costume de ler poesia, podem ter entendido que gostar não
é o mesmo que praticar. Essa conclusão é confirmada também pelos exemplos que os alunos deram
de poesia que costumam ler: “Quem é você Alasca”, “Romance”, “Poesias de amor”.

Tabela 3 – Questão relativa à importância de ler poesia

No pré-teste No pós-teste

Respostas dos alunos: Respostas dos alunos:


Consideram a leitura de poesia importante Sim – Consideram a leitura de poesia importante Sim –
91,67%Indiferente – 8,33% 100%

Fonte: elaborada pela autora (2016).

Conforme tabela 3, a maioria considera a leitura de poesia importante. Exemplos: “Sim.


Pois ajuda na interpretação de outros textos e mostra algo novo as pessoas” (Saulo), “Sim, porque
elas nos inspira mais a ler” (Jennifer). “Sim, pois aconchega. É inspirador para qualquer que leia”
(Bianca). Apenas 1 é indiferente: “pra mi tanto faz” (Anna).
No pós-teste, todos consideram a leitura de poesia importante. Exemplos: “Sim. Você pode
além de melhorar sua leitura descobrir um novo método para entender as coisas ao seu redor”
(Saulo). “Sim, porque não fala só de amor, fala muitas coisas diferencidas” (Lara).“Sim, pois poesia
transborda emoções e todos precisam disso” (Bianca). “Sim, pelo aperfeiçoamento da leitura, da
escrita” (Laura). “Sim, porque aprimora a forma de enxergar” (Anna).
Reparamos após a verificação das respostas que o entendimento sobre a importância da
leitura de poesia é praticamente unânime, tanto os alunos que dizem gostar de poesia, como os
alunos que declaram não gostar, reconhecem nos dois testes por diversas razões a relevância da
poesia. Ainda houve uma mudança por parte da argumentação da aluna Anna, que antes declarou
não ter opinião acerca do assunto e depois admite o valor da poesia. Isso nos aponta que a
explanação dos conceitos de poesia despertou algo que a fez criar um argumento a respeito do
assunto, e nos sugere também que as demais alunas que responderam “não ter interesse por poesia”
se contradizem quando admitem considerar a poesia importante e a justificar essa afirmação.
Podemos então inferir que talvez as concepções de poesia das alunas em questão estejam ainda
equivocadas ou que eventualmente outra causa pessoal, como pressa ou tédio tenham motivado as
suas respostas anteriores.

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Questão relativa à interpretação de poesia contemporânea


Poesia I: As árvores
Arnaldo Antunes
Compositor: Arnaldo Antunes / E as que dão frutos O céu aceitam
Jorge Ben Jor As de copa larga Crescem como as pessoas
E as que habitam esquilos Mas não são soltas nos passos
As árvores são fáceis de achar As que chovem depois da chuva São maiores, mas
Ficam plantadas no chão As cabeludas, as mais jovens Ocupam menos espaço
Mamam do sol pelas folhas mudas
E pela terra As árvores ficam paradas Árvore da vida
Também bebem água Uma a uma enfileiradas Árvore querida
Cantam no vento Na alameda Perdão pelo coração
E recebem a chuva de galhos Crescem pra cima como as Que eu desenhei em você
abertos pessoas Com o nome do meu amor
Há as que dão frutas Mas nunca se deitam

As respostas a respeito da interpretação da poesia acima foram comparadas e observamos


que elas se enquadram em três temáticas: Importância/ cuidado com a natureza; como são as
árvores e as suas relações/ semelhanças com os seres humanos e o Amor. Vejamos nos quadros 1,2
e 3, como os dados coletados, por via das respostas1 dos alunos, se enquadram nessas temáticas.

Quadro 1 – Entendem que o texto aborda o assunto: Importância/ cuidado com a natureza
NO PRÉ-TESTE

Alunos Respostas
André “O texto fala sobre a importância que nois devemos
cuidar das arvores se não ela morre e nois precisa dela
para sobreviver”.

Lara “Fala sobre árvores o quanto elas são importantem


para nós des do dia que plantamos e colhemos elas são
importantes”.

Maria “O texto foca indiretamente sobre o cuidado com as


árvores”.

Raí “As árvores são muito importante para nós e ainda


temamos em destruí-las”

Saulo “O desmatamento que ocorre nas florestas


brasileiras”.

NO PÓS-TESTE

Alunos Respostas
André “O texto fala sobre o desmatamento das arvores nois
ser humanos precisamos dela para sobreviver”.

Bianca “Admiração pela natureza verde, como as árvores”.

Jennifer “Significa que a árvore elas precisam de água para que


possam crescer-las”.

1
As respostas foram transcritas tais como foram redigidas pelos participantes da pesquisa.

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Laura “Ele retrata da natureza, de cuidado de compreensão e


admiração”.

Lara “Fala sobre as avores, e que os humanos depende


delas e das florestas para o nosso covivio com elas”.

Maria “O texto trata das árvores, mostrando importância e


alertando sobre os cuidados”.

Raí “A importância das arvores na nossa vida, que agente


teima em destruilas”.

Saulo “Demonstra a enorme Flora brasileira que precisa ser


respeitada”.

Fonte: Elaborada pela autora (2016).

Quadro 2 – Entendem que o texto aborda o assunto: Como são as árvores e as suas relações/ semelhanças com
os seres humanos

NO PRÉ-TESTE

Alunos Respostas
Anna “Bom esta poesia fala soubre a vida das árvores que
ela cresce com as pessoas morrem as árvores também
e se alimenta pelo sol e a terra”.

Jennifer “As árvores são como humanos, elas nascem, bebem,


cantam e crescem”.

Roberta “Eu entendi que as árvores são como as pessoas com


seus aspectos ou hábitos diferenciados pelo ato de que
as pessoas não se dam seu valor ou da natureza”.

Will “O poema descreve as diversas árvores e suas relações


com as pessoas”.

NO PÓS-TESTE

Alunos Respostas
Anna “Fala sobre a vida da árvore que ela se alimenta pelo
sol e a terra.”.

Roberta “É referente ao objeto por relação de conceitos


gerados por palavras escritas ou faladas.”.

Will “As árvores são índices, que são iguais as pessoas que
crescem, chora...”.

Fonte: Elaborada pela autora (2016).

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Quadro 3 – Entendem que o texto aborda o assunto amor

NO PRÉ-TESTE

Alunos Respostas
Bárbara “Entendi que é alguém que colocou esperança grande
árvore do amor. árvore com histórias de amor que ali
desenhou”.

Bianca “Esse poema expressa admiração pela árvore,


expressa mais ainda, amor”.

Laura “Ele fala que no certo ele deve querendo lhe magoado
de uma paixão ele substitui o amor, por uma árvore”.

NO PÓS-TESTE

Alunos Respostas
Bárbara “há arvores que darão frutos, árvore um amor não
correspondido. Amo a árvore cuidado...”.

Fonte: Elaborada pela autora (2016).

A poesia I “As árvores”, de Arnaldo Antunes, nos mostra definições sobre as árvores, onde
elas são encontradas, como elas se alimentam, qual é a sua função etc. Vários conceitos são gerados
sobre o signo “árvore”, mas como notamos nos exemplos, muitos alunos compreenderam que a
poesia retrata o cuidado que precisamos ter com as árvores, argumentaram que ela é uma
conscientização contra o desmatamento e às questões ligadas aos direitos ambientais. Alguns alunos
deduziram que a poesia tratava sobre o amor, certamente porque focaram apenas no verso último da
poesia: “Com o nome do meu amor”.
Outros alunos entenderam que a poesia representa a descrição das árvores em comparação
com a vida dos seres humanos, estes identificaram a predominância dos símbolos e também dos
índices presentes na poesia.

Poesia II: Que País é Esse?


Legião Urbana
Compositor: Renato Russo

Nas favelas, no senado no Nordeste tudo em paz Piada no exterior


Sujeira pra todo lado Na morte eu descanso mas o Mas o Brasil vai ficar rico
Ninguém respeita a constituição sangue anda solto Vamos faturar um milhão
Mas todos acreditam no futuro da Manchando os papéis, Quando vendermos todas as
nação documentos fiéis almas
Ao descanso do patrão Dos nossos índios num leilão.
Que país é esse?
Que país é esse? Que país é esse? Que país é esse?
Que país é esse? Que país é esse? Que país é esse?
Que país é esse? Que país é esse?
No Amazonas, no Araguaia, na Que país é esse? Que país é esse?
Baixada fluminense
No Mato grosso, Minas Gerais e Terceiro Mundo se for

SUMÁRIO
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Quadro 4 – Interpretação acerca da poesia “Que País é Esse?”

NO PRÉ-TESTE

Alunos Respostas
Anna “fala soubre corrupção”.

Bianca “Indignação de uma realidade que vivemos hoje, e que


por mera coincidência a letra da música não muito
nova, traduz tudo o que se é verdade, e vivido
atualmente em nosso país.”

Jennifer “O nosso país esta muito poluído ninguém que saber


das consequências que vem depois ninguém respeita,
mas todos acreditam na nação”.

Lara “Fala sobre as naçõens e tambem fala sobre o país que


nos vivemos que não está nada bom é fala do nosso
Brasil que passando necessidades.”

Maria “O texto fala sobre corrupção, descaso com a


população.”

Roberta “Aqui fala sobre os países que são totalmente


prejudicados pelas pessoas e também pela pobresa”.

Saulo “O Brasil, ser um país com leis mas não funcional, um


país com diversidades culturais e mesmo assim cheio
de preconceitos, um país indeciso e confuso mas
continua sem tomar uma decisão, um país que diz ser
certo e continua errando. Que país é esse? Brasil”

Will “A corrupção no Brasil deste o descobrimento do


nosso país”.

NO PÓS-TESTE

Alunos Respostas
Anna “A corrupção no Brasil, pois e o que esta acontecendo
demais.”

Bárbara “O mundo precisa de mudança, que pais é esse tudo


pode acontecer menos a justiça correta.”

Jennifer “Significa que o nosso país não é limpo e sim tem


muita sujeira, não à respeito.”

Laura “Ele se expressa em uma música, uma poesia, brutal,


verbal, e realista, de lugares de cidadania.”

Raí “A indignação do povo com a política, violência, etc.”

Roberta “Refere-se ao seu objeto de semelhança ou por usa


qualidade que se trata desse país.”

Will “Esse poema destaca uma simbologia de descaso,


corrupção”.

Fonte: elaborada pela autora (2016)..

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 177

A partir da avaliação das respostas, compreendemos que todos os alunos interpretaram que a
poesia anterior expressa à indignação da sociedade por causa da corrupção política, as
desigualdades sociais do país e alguns argumentam que esta realidade atual precisa ser mudada. No
pós-teste, foi possível enxergar através das respostas que os alunos: Maria, Saulo, Bárbara, Lara,
Anna, Bianca, Jennifer, André, Raí e Will interpretaram, assim como no teste anterior, que a poesia
retrata “à indignação da sociedade por causa da corrupção política, as desigualdades sociais do país
e alguns argumentam que esta realidade atual precisa ser mudada”. Identificamos ainda no pós-teste
em relação à interpretação da mesma poesia que dois alunos, embora não tenham conseguido
argumentar muito a respeito, perceberama referência a lugares e a descrição do país (os índices e os
símbolos presentes no texto). Percebemos aqui o distanciamento da temática defendida pelos
demais alunos.
Na poesia II, “Que País é Esse?”, de Renato Russo, temos os índices em evidência,
referências a lugares: favelas, senado, país, Amazonas, Araguaia, Baixada fluminense, Mato grosso,
Nordeste, Brasil. Estes nomes são índices que apontam para a existência destes lugares que fazem
parte do país, o Brasil; o próprio título “Que país é esse?” é um indicador que se repete ao longo da
poesia, isso pode fazer com que o leitor depreenda que “este” não é outro lugar senão o próprio
Brasil, isto que o autor quer enfatizar repetindo o título na poesia.
Apesar dos índices estarem claros na poesia, os alunos não entenderam que eles estão
presentes para auxiliar na construção do sentido da poesia, nas suas interpretações predominam o
entendimento de que a poesia fala apenas de corrupção e desigualdades sociais, se apropriaram
somente das críticas sociais ouvidas atualmente no contexto em que estão inseridos, isto pode ser
provavelmente explicado pelo fato de terem mais contato com outros gêneros, como as redações e
as notícias.
Contudo, no pós-teste, alguns participantes comentaram que a poesia se dirige a lugares, que
descreve o país, as respostas, embora não muito fundamentadas, talvez pela falta de atenção das
alunas, revelam algo a mais na interpretação da poesia e foge da temática tão defendida pelos
demais.

Poesia III: Lua na Água, 1982 Paulo Leminski

Fonte: www.elsonfroes.com.br

SUMÁRIO
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Quadro 5 – Identificaram que a poesia imita o reflexo da água por semelhanças

NO PRÉ-TESTE

Alunos Respostas
André “Representa o reflexo da lua sobre a agua que passa
dia e noite”.

Anna “A imagem esta imitando como se fosse à lua


refletindo na agua.”

Bárbara “quis dizer que não há lua alguma, lua na água afirma
que procura lua e não se ver. Busca sem ter.

Jennifer “A lua está reflexivo na água, porque a lua tem luz,


portanto fica com reflexo”.

Laura “A lua refletindo”.

Maria “O texto mostra o que acontece com o reflexo da lua


sobre a água”.

Roberta “Aqui fala sobre o reflexo da lua quando toca na


água”.

Will “Descreve a lua em contato com a água e seus


reflexos.”

NO PÓS-TESTE

Alunos Respostas
André “Representa o reflexo da lua aparece na agua que da
uma imagem não verbal”.

Anna “As palavra refletir sobre água engual a lua quando


reflete na água”.

Bárbara “Sobre poema, reflexão na água da palavra Agua


varias formas de refletir e ver...”

Jennifer “Significa que a lua tem uma luz que reflete na água”.

Laura “O reflexo, que mesmo a lua no ceu da o reflexo no


mar.”

Maria “O texto mostra o reflexo da lua sobre a água.”

Saulo “A lua refletindo na água do mar”.

Will “O poema destaca o reflexo sobre a lua na água”.

Fonte: elaborada pela autora (2016).

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 179

Quadro 6 – Interpretaram que o reflexo da lua seria semelhante ao que se reflete na vida e/ou no mundo, na sociedade

NO PRÉ-TESTE

Alunos Respostas
Bianca “Refletir o que se é, ou tudo que vai, volta”.

Lara “Fala sobre á lua que talvés seja para nos refletirmos
nossas vidas e nosso futuro da que por diante”.

Saulo “Tudo que acontece no país e no mundo, é refletido de


alguma forma em nossa sociedade”.

NO PÓS-TESTE

Alunos Respostas
Bianca “Reflete na água ou espelho. Enfatizando que tudo
que vai volta, ou transmita o que você é”.

Lara “O autor que fala tipo á lua reflete na água mas á lua
na água só um reflexo aquilo não é real”.

Ray “É o reflexo da lua na água porque nem tudo que está


ali, naquele lugar pertence aquilo”.

Roberta “Expressa um reflexo de um índice indicando algo


como se trata com a lua na água”.

Fonte: elaborada pela autora (2016).

“Lua na água” é uma poesia de Paulo Leminski que usa a iconicidade para representar
aquilo que as palavras sozinhas não podem dizer; os efeitos escolhidos, as formas, tudo foi pensado
para que o leitor construa sentido a partir daquilo que vê de imediato. A função do ícone é
justamente figurar aquilo que está sendo dito por meio das qualidades imediatas, a imitação das
características do seu objeto; no caso da poesia em análise, os ícones estão substituindo o objeto lua
por meio dos seus reflexos.
A priori, a maioria dos pesquisados assimilaram que a palavra lua estava refletindo em toda
a poesia, esta é igual ao objeto lua que reflete na água, um não conseguiu inferir nada da poesia
(Raí), mas depois da explicação dos conceitos conseguiu refletir e argumentar sobre o poema, assim
como os demais que interpretaram que o reflexo da lua se parece com a lua (objeto), mas não é a
lua, o reflexo apenas a representa e este reflexo ainda poderia ser o nosso próprio ato de refletir e
entender a nós mesmos e o mundo ao nosso redor. No pós-teste, conforme o quadro 6 está
representando, os alunos: André, Anna, Bárbara, Jennifer, Laura, Maria, Saulo e Will
compreenderam que as palavras estão refletindo, semelhante a lua que através da sua luz faz com
que a sua forma seja reproduzida na água.
Os alunos: Bianca, Ray, Lara e Roberta inferiram que a poesia não só expressa o reflexo da
lua na água, mas interpretam que o reflexo seria o que é transmitido ao ser humano, que o reflexo é
semelhante a lua, mas não é a lua, ele apenas representa o objeto lua, o reflexo que ao mesmo tempo
é uma indicação de que existe uma lua no céu e que a sua imagem na água não é concreta.

SUMÁRIO
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Considerações finais

Com este estudo, concluímos que os alunos de Ensino Médio se sentem interessados por
poesia, e que se esta for estudada de maneira atrativa pode ser uma opção significativa para se
ensinar língua portuguesa aos jovens. Além disso, foi possível perceber também que a semiótica
peirciana pode ser um método produtivo para ajudar na construção dos sentidos na leitura poética,
podendo colaborar assim para a mudança da perspectiva da leitura e do ensino de literatura na
realidade atual do Ensino Médio.

Referências

FERRAZ JÚNIOR, Expedito. Semiótica aplicada à linguagem literária. João Pessoa: Editora da UFPB, 2012
FILIPOUSKI, Ana Maria Ribeiro e MARCHI, Diana Maria. A formação do leitor jovem: temas e gêneros da
literatura. Rio grande do Sul: Edelbra, 2009.
PEIRCE, C. S. Semiótica e Filosofia (trad. e org. de Octanny Silveira da Mota e LeonidasHegenberg). São Paulo:
Cultrix, Editora da Universidade de São Paulo: 1975.
PIGNATARI, Décio. Semiótica e literatura: icônico e verbal; Oriente e Ocidente. 2 ed. São Paulo: Cortez & Moraes,
1979.

SANTAELLA, Lucia. O que é semiótica. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986.

SUMÁRIO
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A RECUPERAÇÃO DA LITERATURA ESQUECIDA NAS


BIBLIOTECAS DAS ESCOLAS PÚBLICAS: PRIMEIRO
PASSO PARA FORMAR FUTUROS LEITORES

Tatiane Maciel da Rocha

Introdução

As bibliotecas de grande parte das escolas públicas vêm, com o passar do tempo, sofrendo
mudanças que contradizem seu real significado. De lugares destinados à leitura, à pesquisa, à
promoção do conhecimento, à humanização literária do aluno, passam agora a caracterizar-se como
lugares destinado ao “castigo”, para onde costuma-se mandar o estudante que apresenta
comportamento inadequado em sala de aula ou que não tenha feito a lição de casa, como pedido
pelo professor ou, ainda, que tenha chegado atrasado à escola e que, por isso, precisa cumprir
determinada “penalidade”. Lamentavelmente, é dessa forma que muitas bibliotecas das escolas
públicas são caracterizadas e utilizadas. E na escola, na qual lecionamos não é diferente; ou pelo
menos não era.
Visto como um espaço físico de “punição”, obviamente, o que ali é disponibilizado, também
não desperta interesse no aluno; ao contrário, é mais provável que nesse desperte rejeição. Rejeição
aos livros e a todo o prazer, o saber, o conhecimento que eles trazem. Como dito, assim também se
caracteriza a biblioteca de uma escola municipal de João Pessoa, onde lecionamos. Um lugar frio,
desinteressante para os alunos, que viemos tentando transformar, ao longo desses anos, que
trabalhamos na escola. Embora tenhamos dito ser um lugar frio, ao contrário do que se pensa,
muitas bibliotecas das escolas públicas, incluindo a biblioteca referência para este trabalho, dispõem
de um acervo literário considerável. Clássicos da literatura infantil, infanto-juvenil e adulta são
disponibilizados nesses ambientes.
Os Clássicos e demais obras estão ali à espera de um leitor tímido, ou mesmo dedicado,
quiçá voraz, que os descubram, que abram as portas para que seus personagens possam sair, ver e
serem vistos. Todavia, não notamos a presença desses leitores na nossa escola. Enquanto
professores de Língua Portuguesa (LP), percebemos o quão negligenciada é a leitura literária nas
escolas públicas. Alunos de doze, treze, quatorze anos nunca leram um único livro literário.
Nunca desbravaram um romance e todo aquele prazer que ele pode lhes oferecer. Nunca
foram apresentados a uma literatura humanizadora, uma literatura que os influencie, que os torne
críticos, sujeito ativos dentro de seus contextos sociais. Quando muito, ficam restritos às crônicas e
aos poemas curtíssimos tão adorados pelos livros didáticos e utilizados quase sempre como pretexto
para o ensino de regras gramaticais.
Diante da problemática que envolve a real utilidade da biblioteca enquanto espaço físico
para leitura, pesquisa, promoção do conhecimento, e a rejeição apresentada pelos alunos diante
deste espaço e do texto literário que ali se encontra, é que se justifica a escolha do tema desse


Mestranda em Língua Portuguesa pelo Profletras – Universidade Federal da Paraíba – Campus IV. Especialista em
Docência no Ensino Superior pelo Senac – SP. Professora da rede municipal de ensino de João Pessoa. E-mail:
tmacielrocha@hotmail.com.

SUMÁRIO
I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 2 4 4 - 4 | 182

trabalho. E para sua realização, selecionamos três turmas do Ensino Fundamental II (EF II): uma
turma de 8º ano e duas de 9º. Como objetivo geral, pretendemos despertar no aluno o interesse pelo
texto literário e pelo ambiente dentro da escola no qual ele se encontra, ou seja, o interesse pela
biblioteca. E, mais especificamente, pretendemos desenvolver atividades que concretizem e
otimizem o prazer da leitura literária; descrever o passo a passo da realização das atividades e ainda
verificar o aproveitamento destas naquilo que se pretendeu.
Nossa metodologia consistiu na elaboração de uma sequência básica, à qual nomeamos
Biblioteca: ali está a literatura que me espera. A atividade foi desenvolvida num período de três
semanas nas turmas mencionadas e será descrita de maneira detalhada adiante. Para fundamentar
este trabalho, apoiamo-nos nos estudos de Barthes (2004), Cândido (1998), Todorov (2010), Petit
(2008), Colomer (2007), Lajolo (1993), Cosson (2006), e Solé (1998).

O ato de ler
Barthes (2004, p.30)1, em conferências, inicia sua fala com os seguintes questionamentos:
“O que é ler? Como ler? Por que ler? ”. E de antemão já deixa claro que não existe uma doutrina
que ajude no processo da leitura, justificando nem saber se é necessário. Segundo o filósofo francês,
há mais transitividade no verbo ler do que no verbo falar, pois quando se lê, lê-se uma variedade
imensurável de objetos, “leio textos, imagens, cidades, rostos, cenas, gestos, etc.” E nós, enquanto
professores, sabemos que esses objetos precisam ser lidos por todos os nossos alunos e,
preferencialmente, que suas leituras sejam despertadas no ambiente escolar. Ambiente que, muitas
vezes, costuma podar o ato de ler, restringi-lo, encarcerá-lo dentro de teorias ultrapassadas e
inviáveis para as situações comunicativas, nas quais todos se encontram hoje.
Segundo Solé (1998, p.21), dentro da escola, a leitura funciona como “objeto de
conhecimento em si mesmo e como instrumento necessário para a realização de novas
aprendizagens”; ou seja, o aluno lê por interesses próprios, pelo próprio gosto pelo ato de ler e lê
pela necessidade de conhecer mais sobre conteúdos trabalhados e, assim, realizar aquilo que lhe é
proposto. Todavia, independente da maneira como a leitura é desenvolvida, o aluno/leitor precisa
estar numa interação direta com o texto, compreendendo o propósito daquela leitura (obter
informação, divertir-se, instruir-se, etc.) e participando efetivamente do processo. Ninguém lê sem
um propósito definido. Para a autora, “a interpretação que nós leitores, realizamos dos textos que
lemos depende em grande parte do objetivo da nossa leitura”.
Mas, e a leitura do texto literário, o aluno compreende o propósito dessa leitura? E ainda
acrescentamos, o aluno tem direito, assim como outros direitos, à leitura desse texto e, a
compreender o seu real propósito? Dentro dessa perspectiva do ter ou não ter direito a algo,
Cândido (1998, p.174) fala dos “bens compressíveis” e “bens incompressíveis”2, e aponta a
literatura como bem incompressível, mas ao mesmo tempo questiona:

[...]. São incompressíveis certamente a alimentação, a moradia, o vestuário, a instrução, a


saúde, a liberdade individual, o amparo da justiça pública, a resistência à opressão etc.; e
também o direito à crença, à opinião, ao lazer e, por que não, à arte e à literatura. Mas a
fruição da arte e da literatura estaria mesmo nesta categoria? Como noutros casos, a
resposta só pode ser dada se pudermos responder a uma questão prévia, isto é, elas só
poderão ser consideradas bens incompressíveis segundo uma organização justa da
sociedade se corresponderem a necessidades profundas do ser humano, a necessidades
profundas do ser humano. [...]. A nossa questão básica, portanto, é saber se a literatura é
uma necessidade deste tipo. Só então estaremos em condições de concluir a respeito.
(CÂNDIDO, 1998, p. 174)

1
Roland Barthes (1915-1980). Da leitura: In: O rumor da língua.
2
“Bens incompressíveis”: são aqueles que não podem ser negados a nenhuma pessoa. Cf. CÂNDIDO, A. O direito à
literatura...

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 183

Não entrando no mérito político da questão, como procura justificar o autor, pensamos que
nossos alunos não têm direito a essa literatura, quando ela é “disponibilizada” nas bibliotecas das
escolas públicas. O não-direito pode ser justificado, aqui, como a falta de incentivo por parte da
própria escola (direção, supervisão, professores, auxiliares de biblioteca, e outros), para que o aluno
frequente a biblioteca, já que muitos só dispõem deste ambiente para o encontro com o livro
literário. Desta forma, o ato de ler se esbarra num muro de incoerências, praticadas pela própria
escola em relação ao ambiente e à função da biblioteca e dos livros disponibilizados ali.

A leitura do texto literário

Quando denominada por Cândido (1988, p. 174) como “todas as criações de toque poético,
ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura [...]”, a
literatura parece-nos distante das nossas salas de aulas. A leitura do texto literário não faz parte,
como deveria, da vida escolar dos nossos alunos. E, portanto, como bem coloca Todorov (2010,
p.8), a literatura corre o risco “[...] de não mais participar da formação cultural do indivíduo”. E
podemos comprovar isso diariamente nas escolas públicas nas quais lecionamos. Os alunos
desconhecem o papel da literatura, bem como a importância dessa para sua formação enquanto ser
social. Para eles, a literatura sequer tem significação.
Nas aulas de LP do EF II, não se percebe o incentivo à leitura prazerosa do texto literário.
Trata-se de um ciclo quebrado, no que alude ao ensino de literatura. O aluno traz consigo, da
Educação Infantil (EI), a fruição na leitura desses textos; fruição essa que é completamente podada
no EF II. Percebemos que há uma ruptura drástica na leitura dos textos que passam de obras
completas na EI, para “trechos, fragmentos, pedaços de obras” descontextualizados e
desinteressantes na forma como são apresentados na fase seguinte. O aluno precisa ser estimulado,
mediado, animado, na busca pelo prazer na leitura do texto literário.

“Estímulo”, “intervenção”, “mediação”, “familiarização” ou “animação” são termos


associados constantemente com a leitura em ambiente escolar, bibliotecário ou de outras
instituições públicas e que se repetem sem cessar nos discursos educativos. Todos esses
termos se referem à intervenção dos adultos encarregados de “apresentar” os livros às
crianças. Se o tema preocupa tanto na atualidade é porque existe essa consciência
generalizada, a que antes aludimos, de que o objetivo de formar o leitor não tem obtido o
êxito esperado[...] (COLOMER, 2007, p.102).

Embora Colomer (2007) se refira ao incentivo da leitura no que diz respeito às crianças, suas
palavras bem se aplicam também à má formação literária (ou continuação dessa) do leitor no EF II,
uma vez que não há um mediador que estimule, intervenha, anime ou oriente o aluno na
familiarização com o texto literário (ao chegar nesse ciclo, o aluno parece-nos perder tal
familiaridade). Os livros distanciam-se e a leitura literária passa a não mais existir ou existe em
fragmentos desinteressantes.
A leitura do texto literário, assim como qualquer outra leitura, requer estratégias, o que
envolve certa “manipulação dos elementos da linguagem”, como coloca Lajolo (1993, p.45). A
autora destaca, ainda, que “leitor e texto precisam participar de uma mesma esfera cultural” 3.
Notamos, assim, mais problemas no que alude à leitura dos textos literários. Nossos alunos, além de
não disporem dos incentivos aqui mencionados, ainda se distanciam da literatura no que diz respeito
aos usos da língua que nos textos são feitos. Na escola aqui referenciada, os estudantes vêm de lares
extremamente carentes, onde o livro de literatura não é visto como artigo de necessidade; o livro
literário se quer é imaginado. São filhos de pais, em sua maioria, de pouca escolarização, de raro ou
nenhum hábito de leitura, de mínima ou nenhuma compreensão sobre a importância da leitura do
texto literário para a formação social, cultural, pessoal suas e dos seus.

3
Cf. LAJOLO, M. No mundo da leitura. In: Do mundo da leitura para a leitura do mundo. 1993.

SUMÁRIO
I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 2 4 4 - 4 | 184

O não hábito da leitura dos nossos alunos e suas famílias acaba marginalizando-os, tirando-
lhes a autonomia, a verdadeira cidadania. Como bem coloca Petit (2008, p.19),
Compreendemos que por meio da leitura, mesmo esporádica, podem estar mais preparados
aos processos de marginalização. Compreendemos que ela os ajuda a se construir, a
imaginar outras possibilidades, a sonhar. A encontrar um sentido. A encontrar mobilidade
no tabuleiro social. A encontrar a distância que dá sentido ao humor. E a pensar, nesses
tempos em que o pensamento se faz raro. (PETIT, 2008, p. 19).

e o que mais sentimos falta nos nossos alunos é essa vontade de sonhar, essa vontade de encontrar o
sentido que a leitura proporciona, essas outras possibilidades que existem, que a leitura desenvolve
de maneira tão prazerosa e parece-nos tão distantes deles. Tão distantes do que pensam, do que
sonham. Nos pensamentos dos nossos alunos, a fabulação propiciada pelo texto literário não
encontra espaço. Cabe a nós professores, portanto, descobrir esse espaço e orientar o aluno a segui-
lo. Guiá-lo; pegar na mão e levar, se for o caso.

1. O texto literário nas aulas de Língua Portuguesa


Não é novidade o “desprezo” com o qual as escolas tratam a literatura no EF II. Trazendo
para a realidade da nossa escola, das nossas aulas de LP, percebemos que a indiferença continua.
Nossos livros didáticos trazem uma literatura resumida em fragmentos descontextualizados de
crônicas e poemas. Quando muito, um trecho perdido de um romance que não faz qualquer sentido
quando lido para/pelo aluno. Não há atividades de estímulo à leitura de obras literárias nestes livros
didáticos. O que percebemos são atividades cheias de outras pretensões; ou seja, a leitura de um
poema para o estudo, exclusivo, de conteúdos gramaticais. Segue exemplo4:

Figura 1 –Atividade sobre orações substantivas

Fonte : Livro didático PORTUGUÊS LINGUAGENS, de William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhaes

4
Exemplo extraído na íntegra do livro didático PORTUGUÊS LINGUAGENS, de William Roberto Cereja e Thereza
Cochar Magalhaes, utilizado pelas turmas de 9º ano mencionadas para este trabalho. A referência completa encontra-se
no final do trabalho.

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 185

O estudo do poema “Saudades” de Elias José, nas questões 1 e 2, letras (a), (b) e (b),
reporta-se exclusivamente ao estudo da sintaxe. A alternativa (a) da questão 2 ainda esboça de
modo simplista a compreensão do poema. Notamos, portanto, que a leitura aqui não objetivou a
fruição, a fabulação, a imaginação; a leitura teve como propósito maior fazer o aluno compreender
conceitos gramaticais. Apesar de termos apresentado apenas um exemplo, este serve para mostrar
como os livros didáticos (e aqui já entra nossa experiência de professor e conhecimento do material
didático), tratam de maneira tão contraditória do texto literário.
Diante de toda a problemática exposta, das contrariedades sofridas pelo texto literário, em
grande parte dos livros didáticos, notamos o quão distantes nossos alunos estavam e ainda estão da
literatura enquanto fruição, da função humanizadora que o texto literário possibilita. Sendo assim,
resolvemos intervir nesse distanciamento a fim de encurtá-lo o máximo possível. Para essa tarefa
que, humildemente, julgamos não muito fácil, elaboramos uma sequência básica, baseada na
apresentada por Cosson (2006, p. 51-73), “constituída por quatro passos: motivação, introdução,
leitura e interpretação” (grifo nosso).

2. Sequência básica adotada para recuperar a Literatura esquecida

Motivação – primeira etapa

É inegável que levar, apresentar e motivar o aluno à leitura do texto literário requer, antes de
tudo, que, também, nós professores estejamos motivados. Não sabíamos se a motivação existente
dentro de nós era/é suficiente, mas sabíamos que ela existia/existe e estávamos/estamos dispostos a
contagiar os alunos com essa motivação. E para começo de conversa, resolvemos conhecer as novas
funcionárias da biblioteca da escola. Antes, a escola tinha somente uma funcionária que mal dava
conta da quantidade de alunos que para ali eram enviados, quando estavam “de castigo”. No vai e
vem dos contratos do funcionalismo público (não é de nosso interesse tratar aqui dessa questão),
tínhamos outras funcionárias que se quer sabíamos seus nomes. Mas é sempre bom dar boas-vindas
a alguém e, certamente, melhor ainda recebê-las. Antes, porém, tivemos a curiosidade em saber dos
nossos alunos se possuíam cadastro na biblioteca. Para nossa surpresa, dos oitenta alunos
referenciados neste trabalho (três turmas), apenas sete já tinha realizado o cadastro. Mais um motivo
para o “passeio”. Obviamente que a ida à biblioteca precisou ser, infelizmente, cheia de regras
(impostas pela própria escola).
A biblioteca da nossa escola não é de todo um lugar pequeno, todavia levamos uma turma
por vez. Começamos com uma turma de 9º ano que ficou alvoroçada, não com o “passeio” em si,
mas com o fato de sair de sala de aula. Depois das apresentações e das boas-vindas, pedimos aos
alunos, a maioria estática, que circulassem pelas prateleiras da biblioteca, mesmo sob os olhares
desconfiados das assistentes. Ao todo temos quinze prateleiras de livros, mas apenas quatro com
livros literários. As outras prateleiras resumem-se ao acúmulo de livros didáticos de anos anteriores,
revistas velhas, dicionários, enciclopédias antigas e livros destinados aos professores, aos quais
jamais tivemos acesso.
Ao circular entre as prateleiras, a turma também tinha liberdade para retirar os livros, folheá-
los, ler o que lhes interessasse. Para isso, poderiam fazer uso das mesas e cadeiras dispostas ali.
Cheios de entusiasmo, todos verificavam os livros, questionavam-nos se eram “bons ou não” e
sentavam lendo suas páginas iniciais ou finais, como preferiam. Logo surgiram os questionamentos
se podiam ou não pegar os livros. Naquele momento, orientamos para o cadastro que deveria ser
feito antes, a responsabilidade para com aqueles livros, data de devolução, renovação, etc.; mas que
tudo aquilo enquanto bem público, pertencia-lhes e eles podiam usufruir daquele espaço e daquelas
leituras da melhor maneira possível.
Todo o “passeio” e esse primeiro contato preencheram as duas aulas da tarde naquela turma.
Nenhum aluno retornou com livro nas mãos, mas cheios de entusiasmo e vontade de tê-los pego.
Mas regras são regras e precisam ser obedecidas. Naquele momento, o cadastro, para a escola, era
mais importante que a leitura em si. Não desmerecemos a importância daquele, percebemos, no

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entanto, um certo descaso da parte diretiva da instituição, quando se trata de


leitura/biblioteca/literatura/aluno. Esse “passeio” foi feito com as duas outras turmas no mesmo dia,
e essas também se mostraram entusiasmadas e, obviamente, foram cadastradas.
Nas aulas seguintes, uma das perguntas mais frequentes feita pelos alunos, era sobre o
retorno à biblioteca para pegar os livros. Precisamos agendar esse retorno, uma vez que a biblioteca
da nossa escola tem horários pré-estabelecidos. O aluno não pode pegar livros no momento em que
quiser. Ele tem um dia da semana para isso. Funciona da seguinte maneira: alunos do 8º ano podem
pegar livros nas quartas, do 9º nas quintas e assim por diante. Parece-nos meio ou muito estranho
regrar, delimitar, agendar a liberdade da leitura, mas como dito, são regras.

2.2 Introdução – segunda etapa

Duas aulas se passaram entre o “contato inicial” do aluno com o ambiente da biblioteca e,
nesse meio tempo, levamos para as turmas alguns livros de Pedro Bandeira para uma leitura
coletiva. Esta leitura foi uma espécie de sondagem da forma como os alunos reagiriam diante de
uma obra literária. Distribuímos os livros entre os alunos e pedimos que ficassem à vontade para
manuseá-los, lê-los ou apenas vislumbrarem suas imagens (alguns possuíam). Não tardou, as
discussões começaram. Muitos queriam falar sobre seus livros. Aproveitamos esse momento
introdutório para apresentar um pouco do autor Pedro Bandeira (muito admirado por nós) e de sua
obra. Iniciamos, também, uma conversa “descompromissada” sobre o prazer do ato de ler. Os
mundos que imaginamos no momento em que lemos. As asas que a leitura nos dá e os voos que ela
nos proporciona. Se pudéssemos resumir esse momento da introdução, resumiríamos na palavra
festa. E a leitura coletiva abrilhantou nossa festa. Todos queriam ler parágrafos e até páginas
inteiras dos livros. E criavam e imaginavam e fantasiavam seus personagens, muitas vezes
criticados por outros colegas que diziam “nunca na galáxia ele é assim”.
Conforme agendado com as auxiliares, nas aulas seguintes, levamos os alunos à biblioteca
para a escolha dos livros. E mais uma vez optamos pela liberdade. Liberdade, inclusive, na escolha
da leitura. Os alunos distribuíram-se pelas prateleiras e iam, euforicamente, selecionando os livros
que gostariam de ler. As seleções foram de Júlio Verne a Júlio Emílio Braz. Mas também tivemos
Machado de Assis e seu conto A Cartomante; José Lins do Rego e seu Menino de Engenho; Saint
Exupéry e o Pequeno Príncipe também foram agraciados por nossos alunos.

2.3 Leitura – terceira etapa

Após o religioso cadastro, retornamos à classe e orientamos as leituras. Talvez possa parecer
que, nesse momento, quebrara-se a liberdade com a qual vínhamos trabalhando, mas as etapas da
sequência básica precisavam ser seguidas e detalhadas à supervisão da escola, para anexar “o
projeto”, como fora descrito pelas especialistas, aos nossos diários.
Nossas orientações, primeiramente, recaíram sobre o prazer da leitura silenciosa. Sugerimos
que lessem nos momentos mais agradáveis, mais tranquilos. Que usassem os ambientes mais
acolhedores, viajassem nas histórias e desbravassem o mundo das personagens. E como se trata de
uma sequência básica, a data estipulada para a leitura foi de duas semanas. Parece uma data longa, e
é, para o leitor habituado aos livros. Não para nossos alunos, muitos ali diante do seu primeiro livro
literário. Durante o período das leituras, ouvimos muitos comentários5 nas aulas: “já estou relendo”;
“já acabei meu livro e gostei muito”; “Meu livro é triste”; “amei o livro”; “queria trocar meu livro”;
“já queria pegar outro”; “a história do meu livro é engraçada”, etc. E os comentários sobre os livros
também se estendiam ao grupo da escola nas redes sociais.

5
Os comentários aqui transcritos foram reproduzidos por nós, professores, de maneira fiel. Foram anotados durante as
aulas, sem que os alunos soubessem.

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2.4 Interpretação – quarta etapa

Finalizada a etapa da leitura, chega a hora da interpretação. Nosso maior receio era engessar
essa etapa, forçar o aluno a algo desinteressante, uma vez que eles se mostraram tão abertos à
atividade. Diferentemente do trabalho com resumos escritos e resenhas, opções eleitas pela maioria
dos professores quando trabalham com o livro literário, optamos pela oralidade. Os alunos
apresentariam seus livros da forma que melhor lhes conviesse. Porém, como alguns sentiram-se
ainda perdidos, orientamos a contar as histórias de seus livros como se contassem “algo que sabiam
a um colega em seu próprio quarto”. Optamos pela total informalidade. E assim, os alunos foram se
entusiasmando e se prontificando a apresentar oralmente os livros que leram.
Diferentemente do que pensavam, elegemos a biblioteca como o local ideal para as
apresentações. Sentados no chão em forma de círculo, e sob os olhares curiosos das auxiliares e das
especialistas, os alunos, um por um, contaram as “histórias” de seus livros. Histórias muitas já
conhecidas por nós professores, o que serviu de comprovação de que a leitura foi feita de forma
completa. Muitos apresentavam seus livros de forma tão impressionante que chegavam a realizar
uma espécie de dramatização sem sair do lugar, mudando o comportamento e o tom da voz (raiva,
felicidade, tristeza, compaixão) ao falar de determinados personagens, situações, etc.
Surpreendentemente, todos os livros foram apresentados. Uns mais tímidos, outros cheios de
desenvoltura. As apresentações foram realizadas em três dias em virtude da quantidade de alunos.
Não optamos pelo registro escrito das leituras como dito, para não cair naquela tradicional tarefa do
“faça um resumo/resenha do livro que você leu”, ainda que nos posicionemos totalmente favoráveis
a essas produções. Não era este o propósito. Pretendemos, primeiramente, envolver o aluno com o
livro numa espécie de aconchego. Deixar a leitura livre da responsabilidade da escrita posterior.
Queríamos que o aluno lesse pensando na leitura em si e não na tarefa escrita que precisaria
produzir e entregar ao professor.
Finalizadas as apresentações, aplaudidos e parabenizados por aqueles que os assistiram, a
empolgação que já era grande, cresceu mais ainda e os alunos já se mostravam interessados na
leitura de um segundo livro. Ninguém questionou sobre nota. Algo muito raro, tendo em vista que
nossos estudantes são movidos/motivados pelos números atribuídos pelos professores às atividades.
Não se faz uma atividade sem questionar antes/durante/depois o seu valor. Ou melhor, não se fazia.
Não houve valoração numérica dessa atividade. Não podíamos atribuir uma nota ao momento
mágico da leitura; ao encantamento dos alunos diante das histórias, dos personagens, dos novos
mundos que descobriram; ao entusiasmo com que tudo era apresentado. Tudo isso não pode ser
calculado de zero a dez. Tudo isso precisou ser sentido. E foi! E a atividade já se repetiu por duas
vezes da mesma forma: com muito prazer.

Considerações finais
O desenvolvimento dessa sequência básica fez-nos perceber o poder da literatura e sua
função humanizadora. Nossos alunos tão “desinteressados” das atividades que envolviam a leitura
do texto literário, tão descrentes de suas potencialidades enquanto leitores, tão desanimados dentro
do contexto social em que vivem, no qual a literatura não tem vez, não tem importância, viraram o
jogo e, como num tabuleiro de xadrez, deram xeque-mate e venceram a primeira batalha prazerosa
da leitura literária. Sim, para eles foi uma batalha tirar as vestes frias da biblioteca de nossa escola e
dos livros que ali se encontravam. E vencida essa primeira batalha, já seguem, hoje, na leitura do
terceiro livro que já o fazem sem nosso auxílio. A literatura possibilita autonomia aos nossos
alunos, fazendo com que eles se descubram e construam a si mesmo enquanto sujeitos, uma vez que
“frequentar uma biblioteca e ler, contribui para que nos tornemos um pouco mais agentes de nossas
vidas” (PETIT, 2008, p.54). A biblioteca os conquistou. A magia impressa em suas prateleiras
cheias de clássicos mudou a realidade passiva dos nossos alunos, diante das imposições que a vida

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muitas vezes, injustamente, faz. Isso demonstra nosso aluno dando os primeiros passos na
construção de sua liberdade literária.

Referências

BARTHES, Roland. Da leitura. In: O rumor da língua; trad. Mario Laranjeira; revisão de tradução Andréa Stahel M. da
Silva. 2ª ed.- São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 30-32.
CÂNDIDO, Antônio. O direito à literatura. In: ________. Vários escritos. Rio de Janeiro/São Paulo: Ouro sobre
Azul/Duas Cidades, 2004. p. 169-191.
CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: linguagens, 9º ano. 7. ed reform. – São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 28.
COLOMER, Teresa. Andar entre livros – A leitura literária na escola. São Paulo: Global, 2012. p. 102.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006. p. 51-73.
LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 1993. p. 45.
PETIT, Michèle. Os jovens e a literatura. São Paulo: Editora 34, 2010. p. 19.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura; trad. Cláudia Schilling – 6.ed. – Porto Alegre: Artmed, 1998. p. 21.
TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo; trad. Caio Meira. – 3ª ed. – Rio de Janeiro: DIFEL, 2010. p. 8.

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FATORES MOTIVADORES PARA APRENDIZAGEM DA


LITERATURA BRASILEIRA ENTRE ALUNOS
SECUNDARISTAS DO ENSINO MÉDIO
Carlos Henrique Castro França1

Introdução

O significado da palavra Literatura, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, significa “a


Arte de compor escritos, em prosa ou em verso, de acordo com princípios teóricos ou práticos”.
Segundo o escritor Flávio Aguiar (1988, p. 23)

O que hoje chamamos de Literatura começou a se desenvolver na Europa de antes


da descoberta da América, com a poesia medieval, durante o século XII da era
cristã. Era a época das Cruzadas e dos senhores feudais, proprietários de terras e
castelos, quando ainda não haviam surgido os Estados europeus. O desejo de se
firmar literariamente diante da Metrópole portuguesa disseminou-se no Brasil
durante o século XVIII. Era a época das revoluções sociais e do triunfo da razão
crítica dos séculos medievais, caracterizada pela crença num Deus único e numa
verdade também única e imutável.

A Literatura Brasileira é a que procuramos encontrar como existente nas nossas escolas de
Ensino Médio. O seu estudo encontra dificuldades e peculiaridades em seu ensino, pois o seu
interesse é muito pouco por parte dos alunos.
A maneira como está sendo aplicada a disciplina de Literatura nas escolas de Ensino Médio
nos motivou à reflexão do assunto ora apresentado. Fizemos uma pesquisa com duas turmas, sendo
uma do primeiro e outra do segundo ano do Ensino Médio, cada turma com quinze (15) alunos,
totalizando trinta (30) alunos, mas, para análise dos dados, foram considerados apenas dezoito (18)
alunos que frequentavam assiduamente às aulas, e com duas professoras da Língua Portuguesa, que
atuam nas referidas turmas.
A coleta de dados aconteceu nos meses de maio a setembro de 2016, em uma escola pública
estadual, localizada na Av. Sapé, s/n. A instituição possui porte médio, com 634 alunos
matriculados nos turnos manhã, tarde e noite, distribuídos em vinte e quatro turmas, tendo, em
média, duzentos e cinquenta alunos pertencentes ao turno pesquisado, o matutino, distribuídos em
quinze turmas.
O nosso objetivo foi conhecer como está sendo aplicada a Literatura no Ensino Médio, se
por professores qualificados, se por meio de metodologia adequada e aceita pelos alunos.
Sabíamos das dificuldades que os professores enfrentam em suas classes quanto ao ensino
da Literatura. Mas o quadro apresentado foi de preocupação, pois são diversos os problemas que
eles, os professores, enfrentam. Notamos o interesse entre alguns discentes e docentes, mas suas
pretensões esbarram numa administração não muito ativa e que, aparentemente, não incentiva tal
prática de ensino. Além disso, existem muitos alunos problemáticos, desinteressados e

1
Graduando em Letras pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Chcf.franca@gmail.com

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intencionados apenas em adquirir um diploma com o qual terão mais chances na procura de
empregos.
Apesar dessas dificuldades, a importância do ensino da Literatura, sobretudo nessa escola, é
discutida entre as professoras de Língua Portuguesa e alguns alunos que compreendem o quanto é
necessária esta disciplina no seu currículo escolar.

Fundamentação teórica

O ensino da Literatura no Ensino Médio requer uma atenção primordial por parte dos
professores, porque, através da leitura e produção de textos, os seus alunos serão colocados numa
expressiva situação de conhecedores de práticas sociais.
O exercício da leitura e a aplicação do seu conteúdo literário será sempre uma alternativa de
esclarecer e discutir atuações da vida social como cidadãos. O texto literário é um caminho por
onde os alunos poderão conseguir usufruir de seus conhecimentos num mundo globalizado, mas
carente de pessoas formadas de opiniões positivas. Por isso, o estudo da Literatura torna-se,
também, um elo entre o meio em que vivem e o meio que procuram para viver melhor.
Segundo Silva (2002, p.31), a “atividade de leitura se faz presente em todos os níveis
educacionais das sociedades letradas. Tal presença, sem dúvida, marcante e abrangente, começa no
período de alfabetização, quando a criança passa a compreender o significado potencial de
mensagens registradas através da escrita”.
Um dos significados registrados por Ferreira (2000, p. 423) para a palavra “ler” é o ato de
“captar signos ou sinais registrados em (um suporte) para recuperar as informações por eles
codificadas”. Neste sentido, é o ato de decifrar, decodificar e compreender o que está lendo, é
também interagir com o que está ao redor, com o seu universo.
Decifrar é interpretar texto, frase de sentido obscuro ou complexo. Decodificar é usar um
processo em que se recebe uma mensagem na qual se consiga traduzir os sinais significativos.
Conforme afirma (CAGLIARI, 1993, p.150),

o leitor deverá em primeiro lugar decifrar a escrita, depois entender a linguagem


encontrada, em seguida decodificar todas as implicações que o texto tem e,
finalmente, refletir sobre isso e formar o próprio conhecimento e opinião a respeito
do que leu. A leitura sem decifração não funciona adequadamente, assim como sem
a decodificação e demais componentes referentes à interpretação, se torna estéril e
sem grande interesse.

Não existem leitores realmente letrados, se o estudo da Literatura for resumido apenas à
leitura de um texto sem que sejam aprofundadas suas análises para uma boa interpretação de uma
obra literária. Por isso, o lugar da Literatura deve ser visto numa importância significativa quanto à
sua aplicabilidade em uma sala de aula. A metodologia baseada na leitura e interpretação de textos
literários será de grande valia para que esses estudantes alcancem o pretendido objetivo.
O lugar da teoria, seguida da prática, no Ensino Médio, deve colocar-se numa função
privilegiada de um aprendizado da Literatura, fazendo com que o entendimento do homem e suas
relações com o mundo e seus semelhantes sejam resultado do conhecimento da mesma, a qual é
transformada de acordo com os acontecimentos de sua época. Assim, “a obra literária, utilizando a
palavra, recria a realidade, a vida” (AMARAL, 2010).

Mais densa e mais eloquente que a vida cotidiana, mas não radicalmente diferente,
a Literatura amplia o nosso universo, incita-nos a imaginar outras maneiras de
concebê-lo e organizá-lo. Somos todos feitos do que outros seres humanos nos dão:
primeiro nossos pais, depois aqueles que nos cercam; a Literatura abre ao infinito
essa possibilidade de interação com os outros e, por isso, nos enriquece
infinitamente. Ela nos proporciona sensações insubstituíveis que fazem o mundo
real se tornar mais pleno de sentido e mais belo. Longe de ser um simples

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entretenimento, uma distração reservada às pessoas educadas, ela permite que cada
um responda melhor à sua vocação de ser humano (TODOROV, 2009. p 23-24).

A Literatura permite que nos associemos a uma comunidade, a uma sociedade organizada,
proporcionando uma aproximação entre os homens numa interação democrática, através da fala ou
da escrita, o que nos dá entendimento de um para com o outro. Ela congrega diversos caráteres,
personalidades, resultando em um entendimento sociável entre nós, seres humanos, sem levar em
conta a natureza da origem de cada um.
A Literatura foge à realidade, nos infiltrando em histórias romanescas ou aventureiras, nos
colocando na importância de suas obras até o momento em que nos interessamos pela oratória ou
pela sua escrita de um texto literário quando requer uma profunda interpretação de seu conteúdo. A
sua criação ou criatividade nos remete a uma imaginação espontânea onde podemos decalcar o
espaço do ambiente em que vivemos. Uma formalidade que se torna concreta retirada da expressão
inevitável de nossos pensamentos. A arte, verdadeiramente concretizada.

O que leva o homem a criar obras de arte? Sem dúvida, uma das razões é a
necessidade premente de se enfeitar e de decorar o mundo à sua volta, necessidade
que faz parte de um outro desejo, mais vasto, não o recriar o mundo à sua imagem,
mas antes o de dar a si próprio e ao mundo que o cerca nova forma ideal. A arte,
porém, é muito mais do que decoração, carregada como está de significado, ainda
quando esse significado é pobre ou obscuro. A arte permite-nos transmitir a nossa
percepção de coisas que não podem se expressas de outra forma. [...] (JANSON,
Op. Cit.,p.28).

A matéria-prima da Literatura é a palavra, a linguagem verbal. Podemos dizer que ela é


inventada. É evidente o objetivo da leitura para que se use da palavra corretamente, falada ou
escrita. Literatura é aprendizado, é cultura, é a forma de se comunicar exercitando o intelecto, tanto
em seu formato em prosa e como em versos.
Dependendo de como é realizado, o ensino da Literatura concorre para um resultado positivo
e indispensável para a formação do ser humano. Quanto a essa função, Antônio Cândido nos diz:

Entendo aqui por humanização [...] o processo que confirma no homem aqueles
traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do
saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a
capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da
complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A Literatura desenvolve
em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e
abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante (CÂNDIDO, 1995, p. 249).

É visível um descaso incompreensível de alunos com relação à leitura literária. A Literatura


para eles não oferece um atrativo suficiente para que se tornem leitores assíduos, frequentadores de
bibliotecas. Existe uma concepção de desencontro entre a Literatura e a gramática como se uma não
dependesse da outra. O que gera isso? Será uma metodologia errada? O não incentivo pelos
professores? A dificuldade dos alunos de assimilarem o que leem? E o que leem torna-se
interessante? O texto é explicativo? São vários os motivos pelos quais muitos estudantes não
conseguem ler.
Existem maneiras diversas de incentivar o aluno à leitura e interpretação da Literatura. Além
disso, são vários os gêneros literários que podem ser trabalhados para um bom aproveitamento da
Literatura escolhida como o conto, o romance, a poesia, etc. Mas é preciso uma abordagem
diferente para a habilidade da leitura literária.

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A leitura orientada pelo professor, por sua experiência prévia de leitura e


possibilidade de mediar o estreitamento do contato com a obra, através de
esclarecimentos de ordem cultural ou linguística, é fundamental para que os alunos
aprendam a interpretar um texto literário. Essa mediação, que pode ocorrer por
explicações ou estudo de excertos críticos, de revistas ou jornais, possibilita
também que os alunos se apropriem de estratégias de leitura literária que ainda não
dominam e ampliem as condições de reflexão a respeito do texto, o que contribui
para o crescimento individual e favorece a autonomia da competência leitora
(FILIPOUSKI, 2009, p.25).

Há, também, uma outra alternativa para estimular a leitura, chamada recreativa, por meio de
contratos de leitura:

Os alunos precisam ter liberdade para escolher alguns dos textos que querem ler, o
que oportuniza exercitarem o gosto pessoal, comportamento característico de
leitores proficientes. Para oferecer sugestões atraentes e adequadas, a parceria com
a bibliotecária escolar é fundamental. Ao professor cabe elaborar listas com
indicações, permitindo o acréscimo de títulos do interesse dos alunos que sejam
adequados à situação de leitura pretendida. Assim, estimula a construção da
história pessoal de leitura, fortalecendo também o hábito de socializar as
experiências de leitura. ( FILIPOUSKI, 2009, p.25).

A significação da Literatura é a sucessão de um intercâmbio daquilo que o professor sabe e


quer transmitir e do que o aluno desconhece, mas que quer aprender. A sua valorização se interpõe
nos dois objetivos, numa possibilidade de valorização de seu estudo e da sua aplicação na oralidade
e na fala do indivíduo para uma melhor comunicação entre si. Verificamos, portanto, qual a maneira
como está sendo colocada a Literatura na sala de aula, qual o aproveitamento dos alunos, em que
patamar está o aprendizado da disciplina Língua Portuguesa e, para nos prover de informações
sobre o assunto, descrevamos a metodologia aplicada nesta pesquisa.

Metodologia

Para concretização de nosso estudo, realizamos uma pesquisa de campo, qualitativa e


quantitativa, de caráter exploratório. Segundo Gil (2008, p.27), as pesquisas exploratórias “são
desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visão geral, do tipo aproximativo, acerca de
determinado fato”.
Esta pesquisa foi realizada entre os dias 16 de maio de 2016 e 3 de junho de 2016, com duas
professoras de Língua Portuguesa e dezoito alunos do Ensino Médio numa Escola de Ensino Médio
e Fundamental. Foram observadas trinta aulas, quanto à metodologia de ensino por parte de uma
das professoras, o comportamento dos alunos na sala de aula, a frequência, a participação na leitura
e na interpretação de textos e o desempenho dos alunos nos testes de avaliações aplicados no final
do terceiro bimestre, período acompanhado para a escrita da referida pesquisa.
Foi elaborado um roteiro de entrevista, com cinco perguntas direcionadas às duas
professoras, e um questionário com nove perguntas, abertas e fechadas, dirigidas aos alunos. Nas
duas turmas, com trinta alunos matriculados e apenas quinze presentes em cada uma, podemos
apenas questionar dezoito, por causa da ausência dos demais. Conversamos, também, pessoalmente
com alguns alunos com respeito à pretensão da nossa pesquisa e, segundo relataram existe um
grande interesse, por parte das professoras, em incentivá-los a aprender a ler e escrever.
Dentre as perguntas apresentadas às professoras, incluímos uma relacionada à sua
formação, outra referente às dificuldades encontradas em sala de aula quanto à aplicação da
disciplina, uma concernente à existência ou não de incentivo por parte da Coordenação da escola

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quanto ao currículo escolar e outra relativa à ocorrência ou não de uma prática de leitura e produção
de textos por parte delas, professoras, como dos seus alunos.

Análise dos dados

Nossa pesquisa sobre os fatores motivadores para aprendizagem da Literatura Brasileira,


entre alunos do Ensino Médio, resultou num conhecimento maior de como está sendo ensinada esta
disciplina na escola pesquisada. O seu resultado apresentou um positivo conceito em relação à
Literatura, apontado tanto pelas professoras como pelos alunos questionados.
Com relação à formação das professoras, uma delas tem graduação em Letras, habilitação
em Língua Portuguesa e mestrado em Língua Portuguesa, e a outra apenas graduação em Letras. E,
apesar das dificuldades verificadas, suas respostas demonstração satisfação por exercerem a
profissão de professora e perceberem um avanço, mesmo que pequeno, do interesse de seus alunos
pela disciplina.
Quanto à aplicação da disciplina, elas não encontram dificuldades, pois têm ótimos livros
didáticos, como também equipamentos para trabalhar com vídeos, além de uma biblioteca que
atende às suas necessidades.
A biblioteca fica localizada numa sala próxima à Diretoria e à Secretaria da escola,
apresenta um acervo bastante diversificado, com várias modalidades de livros, incluindo os livros
didáticos que ficam à disposição dos professores e alunos e é administrada por três funcionárias,
com graduação em Letras.
No que diz respeito ao apoio da equipe técnico-pedagógica, recebem a colaboração da
Diretoria e da Coordenação da escola em qualquer ação que se volte ao desenvolvimento do aluno.
Durante as observações, verificamos que a metodologia de ensino de Literatura Brasileira é
efetuada com a leitura de textos apresentados nos livros didáticos, com aulas explicativas sobre o
conteúdo do texto, análise sobre o autor, sobre a própria obra e consequentes explicações da parte
gramatical encontrada em cada texto lido. As duas professoras se utilizam do mesmo método nas
suas aulas.
Apesar das professoras demonstrarem um interesse incomum para que seus alunos aprendam
a ler, a escrever textos literários, não encontram a receptividade, por parte de alguns, desejada por
elas. Pois, como afirma Todorov, 2009, p. 10,

[...] o estudante não entra em contato com a Literatura mediante a leitura dos textos
literários propriamente ditos, mas com alguma forma de crítica, de teoria ou de
história literária. [...] Para esse jovem, Literatura passa a ser então muito mais uma
matéria escolar a ser aprendida em sua periodização do que um agente de
conhecimento sobre o mundo, os homens, as paixões, enfim, sobre sua vida íntima
e pública.

Mediante essa observação de Todorov, entendemos que a Literatura só passa a fazer parte da
vida dos estudantes quando, em suas motivações, acrescentaram o gosto, o prazer pela leitura e
reconhecem sua importância na ampliação de seu conhecimento linguístico e de mundo.
Quanto aos alunos, são de um bairro de classe média baixa, em geral de renda mensal baixa
ou mesmo sem nenhuma renda fixa, muitos deles cheios de problemas relacionados ao ambiente
onde moram, com a estrutura familiar problemática, sem acesso ao emprego, cercados de propostas
que pioram a situação da sua vida estudantil. Definimos suas expectativas como estudantes tentando
serem cidadãos.
A maioria desses estudantes demonstra dificuldades em ler e interpretar textos literários.
Eles mesmos declararam que muitos colegas não se interessam mesmo por estudar. E alguns
comentaram a respeito da dificuldade de interpretação ao se referirem às sugestões de mudanças na
forma da professora ensinar, como, por exemplo, ao solicitar que ela fosse mais clara nas suas
explicações. Para melhoria do ensino, os alunos também sugerem o uso de novas tecnologias.

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Dentre os dezoito alunos participantes da pesquisa, quatro (22,22%) responderam que já


tinham lido mais de seis livros e oito (44,44%), menos da metade, responderam positivamente à
pergunta que formulamos: “A Literatura Brasileira demonstra estar fazendo parte de sua vida?”,
quando, em suas motivações acrescentaram o gosto, o prazer pela leitura e a importância da
identificação e conhecimento dos escritores e das suas formas de escritas, etc., resposta que
demonstra o desinteresse da maioria dos alunos por essa riquíssima disciplina.

Considerações finais:

Diante dos dados analisados, verificamos que as metodologias ligadas puramente à análise
do conteúdo textual não motivam o estudante secundarista. O esforço no ensino da Literatura em
aproximar conteúdos da disciplina, com tema do universo cotidiano do estudante, pode ser um fator
motivador para a aprendizagem desse conteúdo. E a influência dessas duas posturas foi confirmada
pela pesquisa.
Constatou-se, através do levantamento de dados, que os estudantes da escola pesquisada não
mais se interessam por uma disciplina que, como foi questionado na nossa pesquisa, se desvia dos
seus desejos e que não utiliza as tecnologias modernas, que poderiam ajudá-los nas pesquisas sobre
Literatura e outras disciplinas.
A pesquisa foi importante e trouxe uma perspectiva de reflexão, por parte tanto dos
professores e dos alunos como da direção da escola, no sentido de incentivá-los na continuação de
usar e usufruir dos estudos da Literatura Brasileira como um bem comum para eles e para a
sociedade que os cerca. Por isso, entende-se que esse trabalho pode ser ampliado para outra
realidade escolar. A Literatura Brasileira, apesar das dificuldades apresentadas, mas com
perspectivas de encontrar seu espaço entre os alunos do Ensino Médio, ainda tem seu lugar de
destaque entre professores e alunos estudiosos e pesquisadores da Língua Portuguesa. Ela
continuará sendo a arte da palavra.

Referências

CAGLIARI, Luis Carlos. Alfabetização &Linguística. 6 ed.. São Paulo: Scipione, 1993.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura: Arte, conhecimento e vida. São Paulo: Peirópolis, 2000.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio século XXI Escolar: O minidicionário da Língua Portuguesa.
4ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
SILVA, Ezequiel Theodoro da. O ato de ler: Fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia da leitura. 9 ed.. São
Paulo: Cortez, 2002.
TODOROV, Tzvetan. A Literatura em perigo. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.
AMARAL et al. Novas palavras. São Paulo, FTD S.A, 2010.

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POLÍTICAS PÚBLICAS E FORMAÇÃO DO PROFESSOR


PARA O TRABALHO COM TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS
Maíra Cordeiro dos SANTOS1

Introdução

Atualmente, as especificidades do mundo tecnológico começam a invadir os espaços


escolares, fazendo com que pesquisadores e profissionais da educação questionem-se a respeito de
como incluir esses recursos para desenvolver e melhorar a educação.
As Tecnologias de Informação e Comunicação (doravante TIC) vêm ganhando uma atenção
especial na educação. Os recursos tecnológicos desenvolvidos para a educação a distância têm
ampliado a procura por produzir mecanismos que favoreçam a educação básica presencial, a fim de
torná-la mais dinâmica, interativa e eficiente no tocante ao processo de ensino-aprendizagem de
conteúdos escolares.
Diante da ampla facilidade de acesso aos computadores e à internet na contemporaneidade,
foi criada uma nova estrutura para a implementação de novas tecnologias no espaço escolar,
sobretudo no tocante a softwares e atividades que permitam um alto nível de interatividade por
parte dos estudantes. Isso gera inúmeras vantagens ao tornar o processo de ensino-aprendizagem
lúdico, dinâmico e interativo, motivando, assim, alunos e professores a compartilhar o
conhecimento.
Nesse contexto, a partir da concepção teórico-metodológica do Interacionismo
Sociodiscursivo (doravante ISD), proposto por Bronckart (1999/2012; 2006; 2008), nosso
questionamento volta-se para analisar de que forma o professor apropria-se dos recursos digitais
disponíveis, a partir da formação inicial, apontando as dificuldades e possibilidades de uso da
tecnologia como instrumento de trabalho que proporcione uma educação significativa, interativa e
dinâmica.
A utilização de recursos tecnológicos por alunos e professores na escola ainda é escassa,
diante das dificuldades encontradas na falta de infraestrutura ou no manejo dos equipamentos. Não
obstante as várias políticas públicas fomentadas no Brasil nos últimos anos, urge entender quais as
dificuldades e as possibilidades de se trabalhar com as TIC e com os OA nas escolas e quais suas
contribuições para o processo de ensino-aprendizagem da leitura e produção textual mediada pela
tecnologia.

1. TIC na educação

Maia, D. L. & Barreto, M. C. (2012) fornecem uma breve história das políticas públicas
voltadas para a inserção das tecnologias na educação brasileira. Segundo os autores, as primeiras
medidas são estabelecidas ainda na década de 1970 em algumas universidades públicas (MORAES,
1997). Entretanto, só a partir da década de 1980, o computador passa a ser analisado como
instrumento de ensino e, consequentemente, fruto de políticas públicas (Nascimento, 2007; Borba &

1
Doutoranda em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal da Paraíba
(PROLING/UFPB). Membro do GELIT (Grupo de Estudos em Letramentos, Interação e Trabalho)
mairacordeiro@gmail.com

SUMÁRIO
I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 2 4 4 - 4 | 196

Penteado, 2010). Nessa época, surgiram programas do Ministério da Educação (MEC) como o
EDUCOM (Computadores na Educação) e o FORMAR, cujos focos eram o desenvolvimento da
informática educativa e a formação de profissionais, respectivamente (Moraes, 1997).
Em 1997, surge o Programa Nacional de Informática na Educação (PROINFO), que
propiciou a criação de Laboratórios de Informática Educativa (LIE) nas escolas públicas do País.
Segundo o MEC (1997):

A implantação do PROINFO objetivava: i) melhorar a qualidade do processo de ensino-


aprendizagem; ii) possibilitar a criação de uma nova ecologia cognitiva nos ambientes
escolares mediante incorporação adequada das novas tecnologias da informação pelas
escolas; iii) propiciar uma educação voltada para o desenvolvimento científico e
tecnológico; e iv) educar para uma cidadania global numa sociedade tecnologicamente
desenvolvida (Brasil, 1997).

Atualmente, na Paraíba, o PROINFO encontra-se representado através de quatro Núcleos de


Tecnologias Educacionais (NTE): NTE-João Pessoa (escolas ligadas a 1ª, 2ª e 12ª Gerencia
Regional de Ensino); NTE-Campina Grande, (escolas ligadas a 3ª, 4ª e 5ª Gerencia Regional de
Ensino), NTE-Patos, (escolas ligadas a 6ª, 7ª e 11ª Gerencia Regional de Ensino); NTE-Cajazeiras
(escolas ligadas a 8ª, 9ª e 10ª Gerencia Regional de Ensino). No NTE de João Pessoa existem 142
escolas cadastradas. Dentro do contexto do PROINFO, em 2007 surge o Programa Um Computador
por Aluno (PROUCA), adotado em apenas uma escola do Estado da Paraíba, a Escola Estadual Des.
Boto de Menezes, onde foi desenvolvida esta pesquisa (SIGETEC, 2014).
Segundo dados do SIGETEC (2014), na Escola Estadual Des. Boto de Menezes existem 32
computadores, conexão banda larga e Laboratório de Informática Educativa. São 18 professores e
215 alunos de Ensino Fundamental. Os computadores do PROUCA ficam em armários nas salas de
aula, disponíveis ao uso dos professores e alunos. Segundo questionário com os professores, a
escola ainda dispõe, há cerca de seis anos, de notebooks, Datashow, netbooks do PROUCA, LIE e
tablets (EJA).

Figuras 1 e 2. Netbooks do PROUCA da Escola Des. Boto de Menezes. Fonte: Arquivo pessoal

Embora a inserção de políticas públicas seja fundamental, a entrada de recursos tecnológicos


nas escolas, por si só, não garante uma transformação no desempenho dos estudantes. A tecnologia
não é a “solução” para os problemas educacionais, mas um instrumento que pode auxiliar a
propiciar a aprendizagem. Para ocasionar uma mudança nas escolas, é fundamental que, além de
investir-se em aquisição de hardwares e softwares, enfatize-se a formação do professor para o
trabalho pedagógico com o computador. Como observa Valente (2011, p. 22) “os computadores só
fazem sentido se forem implantados para enriquecer o ambiente de aprendizagem, e se nesse
ambiente existirem as condições necessárias para favorecer o aprendizado do aluno”. O professor
capacitado para esse fato é um dos elementos indispensáveis para a existência de condição benéfica.
Para isso, é essencial que os professores sejam preparados para o trabalho com as TIC ainda na
formação inicial.
Segundo o questionário desta pesquisa, quando indagados sobre a existência de formação
para o trabalho com as TIC e o grau de satisfação dos cursos, pôde-se observar o seguinte resultado:

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 197

Não houve

2
Houve, mas não foi
5 satisfatório
3

Houve e foi satisf atório

Gráfico 1. Formação para o trabalho com as TIC

Esses dados demonstram as dificuldades quanto à formação para o trabalho com as TIC em
sala de aula. Os 05 (cinco) professores que responderam “houve e foi satisfatório”, incluíram os
cursos do E-PROINFO e do PROUCA, mas não a formação inicial na universidade. Entretanto,
50% (cinquenta por cento) dos professores ou não tiveram capacitação, ou esta não foi satisfatória,
levantando a necessidade de discussões mais aprofundadas acerca da importância das formações
inicial e continuada para o trabalho com as TIC em sala de aula. Além disso, embora tenha
Laboratório de Informática Escolar (LIE) na escola, todos os professores responderam que não há
um técnico para auxiliar o trabalho com tecnologias, levando, muitas vezes, à desmotivação docente
ou inutilização dos equipamentos, seja por falta de manutenção seja carência de capacitação
adequada.
A partir desse cenário, foram analisadas as matrizes curriculares dos cursos de graduação em
Letras/Português de cinco universidades federais do Nordeste, a fim de verificar se havia alguma
disciplina específica na formação do docente para o trabalho com as tecnologias. São elas:
Universidade Federal da Paraíba (UFPB)2, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)3,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)4, Universidade Federal do Ceará (UFC)5 e
Universidade Federal de Alagoas (UFAL)6. Em nenhum desses currículos há qualquer disciplina
que faça referência ao trabalho do professor com tecnologias digitais. As disciplinas optativas
oferecidas pelos departamentos de letras também não ofertam formação para esse trabalho. Assim,
percebe-se que há uma série de políticas públicas para a inserção de novas tecnologias na sala de
aula, um discurso uníssono da sociedade que entende a emergência desses recursos na escola, mas a
universidade ainda não prepara os docentes para o uso pedagógico com o computador.
Os autores que defendem o uso das TIC na escola acreditam que tal intento toma por base
uma conjuntura social de inclusão desses alunos no cenário digital que circula na sociedade. Nesse
sentido, Pereira (2011) afirma que, atualmente, o grande desafio das escolas, dos educadores e da
sociedade civil é a exclusão digital, que aflige milhares de pessoas no país. Apesar de o Brasil estar
entre os 12 países mais bem-posicionados no tocante à inclusão digital, somente 5% da população
usam os serviços de Internet, diante da grande falta de recursos físicos, pouco conteúdo midiático
em língua portuguesa, escassos centros públicos de uso da Internet e metas insuficientes
conquistadas pelo poder público quanto à informatização das escolas.
Segundo Pereira (2011), proporcionar aos alunos menos favorecidos o letramento digital
pressupõe ajudá-los a utilizar as TIC para conectar-se com o mundo, sem limitar-se ao ensino
descontextualizado das práticas virtuais. É preciso que os estudantes usem efetivamente as novas
tecnologias, identificando usos que lhe façam significados no mundo.

2
Fluxograma disponível em: <http://www.cchla.ufpb.br/ccl/index.php/fluxograma>. Acesso em: 11.09.14.
3
Fluxograma disponível em: <http://www.ufpe.br/proacad/images/cursos_ufpe/letras_bacharelado_perfil_ 01106.pdf>.
Acesso em: 11.09.14.
4
Fluxograma disponível em: <http://sigaa.ufrn.br/sigaa/public/curso/curriculo.jsf>. Acesso em: 11.09.14.
5
Fluxograma disponível em: <http://www.cursodeletras.ufc.br/Matriz_portugues.pdf>. Acesso em: 11.09.14.
6
Fluxograma disponível em: <http://www.fale.ufal.br/files/ppc/ppc-letras-portugues.pdf>. Acesso em: 11.09.14.

SUMÁRIO
I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 2 4 4 - 4 | 198

A escassez da formação inicial, e mesmo da continuada, para o trabalho do professor com as


TIC na escola, ocasiona uma série de dificuldades aos professores que têm problemas para
apropriar-se de tecnologias, transformando o artefato digital em efetivo instrumento de trabalho.

2. Apropriação da tecnologia pelo professor: artefato e instrumento no quadro do ISD

O Interacionismo Sociodiscursivo (ISD)tem como pressuposto geral a ideia de que as


atividades de linguagem devem adquirir um papel essencial no desenvolvimento dos processos de
inclusão social e de constituição da cidadania. Suas teses têm aproveitamento nas tarefas referentes
ao processo de formação dos seres humanos, assim como nas atividades existenciais e sociopolíticas
de seus partidários.
A tarefa do ISD, assim, para Pinto (2007, p. 116) é: “a) propor uma teoria do estatuto, dos
modos de estruturação e das condições de funcionamento da linguagem; b) a realização da tarefa
anterior, resultando na definição da linguagem como centro do enfoque do ISD”.
Segundo Bronckart (2006, p. 104-105):

Nossa própria abordagem, que classificamos de interacionismo sociodiscursivo, inscreve-se


no esquema vygotskyano evocado anteriormente, integrando, porém, ao esquema, ao
mesmo tempo, de maneira mais determinada e técnica, o papel e as propriedades da
atividade da linguagem. Em conformidade com esse esquema, essa abordagem consiste, de
início, em identificar e descrever o conjunto de construções da história social humana e em
analisar suas relações de interdependência.

Nesse sentido, o ISD é um escopo teórico que, embasado na psicologia sociointeracionista


de Vygotsky, em Habermas, Voloshinov, dentre outros, apreende as ações humanas como sendo
assentadas no âmbito social, histórico e discursivo, cujas noções compõem e transformam essas
ações, enfocando a ação de linguagem como decorrência da apropriação humana dos atributos da
atividade social mediada pela linguagem (SILVA; COLE, 2012).
O ISD aponta a importância de conhecimento dos aspectos sócio-históricos que envolvem os
sujeitos da pesquisa, entendendo que as relações sociais subjacentes às práticas de linguagem
caracterizam as ações linguageiras. Nesse sentido, o estudo parte de uma análise bibliográfica, com
abordagem quantitativa e qualitativa de pesquisa, e utiliza-se de questionários com professores de
Ensino Fundamental I da Escola Estadual Des. Boto de Menezes, localizada na cidade de João
Pessoa/PB. Essa escolha justifica-se porque ela é o único estabelecimento do Estado da Paraíba
beneficiária do Programa Um Computador Por Aluno (PROUCA).
Em primeiro lugar, tivemos o contato com a escola e com os professores para entender o
funcionamento da dinâmica escolar no tocante ao uso das tecnologias digitais. Para embasar a
pesquisa, o instrumento de geração de dados foi um questionário aplicado na escola com 10 (dez)
professores de Ensino Fundamental I, dos turnos da manhã e da tarde, dos quais 08 (oito) são
mulheres e 02 (dois) são homens. Quanto ao tempo de serviço na escola, 04 (quatro) professores
têm de 01 a 20 anos de serviço, 02 (dois) têm de 21 a 35 anos, e 04 (quatro) não responderam.
No quadro teórico-metodológico do ISD, Ferreira (2011) aborda as noções de artefato e
instrumento, discutindo a problemática da apropriação da tecnologia por professores. Segundo a
autora, o uso de TIC não é mais uma alternativa ou interesse pessoal, mas uma necessidade do
contexto sociocultural moderno, existente nas mais diversas atividades humanas.
Ferreira (2011) aponta que a noção de apropriação de artefatos materiais e simbólicos é
reelaborada por Rabardel, a partir dos modelos de agir e de capacidades que se tornam
“instrumentos”, e da noção de mediação vygotskiana, cuja tríade é composta por sujeito-artefato-
objeto. Segundo Rabardel (apud Ferreira, 2011, p. 32):

um artefato, material ou simbólico, é submetido a esquemas de utilização,


reconceitualizado e, assim, transformado, por um ou mais sujeitos, em instrumento;
a apropriação do instrumento é resultado de um processo progressivo de gênese

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 199

instrumental por sua associação com os esquemas de utilização. Instrumentos são


artefatos materiais ou simbólicos, construídos sócio-historicamente, que compõem
o intrincado trabalho do professor; este se instrumentaliza em vista de vários
objetos na atividade de ensino, incluindo seu próprio desenvolvimento, e o
instrumento só existe se o artefato for apropriado pelo e para o sujeito, com
atribuição de funções e acomodação de competências.

No trabalho do professor, múltiplos artefatos simbólicos e materiais podem estar


disponíveis, e o docente os elege e os modifica no seu agir, num contexto em que ele e seus alunos
não são os únicos actantes neste panorama do trabalho educacional. Outros sujeitos estão presentes
nos variados níveis de atividade: colegas, pais, instâncias prescritoras, coletivos de trabalho, direção
etc. É a relação do professor com os sujeitos e com os recursos de que dispõe que o faz apropriar-se
do artefato e transformá-lo em instrumento de trabalho, auxiliando no processo de ensino-
aprendizagem de conteúdos escolares.
O objetivo desse artigo é analisar se os artefatos tecnológicos disponibilizados nas escolas
estão sendo apropriados pelos professores como instrumentos, e quais as dificuldades desse uso na
sala de aula, levando em consideração a formação inicial para o trabalho com as TIC. Essa
problemática é importante, tendo em vista que, como observa Kenski (apud MAIA & BARRETO,
2012, p. 53):

[...] é necessário, sobretudo, que os professores se sintam confortáveis para utilizar


esses novos auxiliadores didáticos. Estar confortável significa conhecê-los,
dominar os principais procedimentos técnicos para sua utilização, avaliá-los
criticamente e criar novas possibilidades pedagógicas, partindo da integração
desses meios com o processo de ensino.

Nesse sentido, pesquisas como a de Bittar (2010) afirmam que, mesmo após a capacitação
para a utilização pedagógica das tecnologias digitais, os professores pouco ou nada modificam suas
práticas ou costumes nas escolas. Uma das causas apontadas pelo autor é falta de solidez nas
políticas referentes à formação docente para o trabalho pedagógico com a informática educativa,
fato amplamente marcado pela literatura desde as produções acadêmicas iniciais, no final dos anos
1990.

3. Formação acadêmica inicial e o trabalho do professor de língua portuguesa: obstáculos ao


uso das TIC na escola

Algumas pesquisas, como a de Ferreira (2011) demonstram que, muitas vezes, atribui-se ao
professor o rótulo de “resistente” em relação ao trabalho com tecnologias, colocando a
responsabilidade unicamente no plano individual do profissional, refletido em falta de interesse.
A pesquisa realizada com os 10 (dez) professores revelou que 06 (seis) não sentem
dificuldades em utilizar recursos tecnológicos e 04 (quatro) sim. Duas professoras que acreditam ter
dificuldades relataram que “sempre temos informações novas, mas tenho dificuldades, sou lenta” e
outra que seria “falta de interesse mesmo”. No entanto, todos os professores responderam que
possuem vontade de aprender sobre recursos tecnológicos, em relação a “todos os recursos que
possam me ajudar em sala de aula”, “procurando ajuda com os colegas”, “tenho interesse por
pequenos aplicativos que ainda não consigo entender”, “por computação”, “por materiais para
educação física”.
Com base nesses dados, pode-se perceber a pouca resistência quanto ao aprendizado ou uso
dos recursos tecnológicos. Dos 10 (dez) professores, 09 (nove) costumam utilizar algum recurso
digital na sala de aula, como notebooks, Datashow, netbooks do PROUCA. Seis professores
afirmaram usar com pouca frequência; apenas dois professores responderam usar cerca de duas
vezes por semana. Uma das aulas foi registrada pela professora e disponibilizada para essa pesquisa.

SUMÁRIO
I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 2 4 4 - 4 | 200

Figura 3. Aula utilizando netbooks do PROUCA. Fonte: arquivo da professora.

Conforme aponta Ferreira (2011), o fato de não atingirem as prescrições e expectativas da


atividade do professor do século XXI, não parece ser por restrições de acesso à tecnologia ou de
incentivos à formação do professor. Isso se aplica ao contexto escolar, uma vez que todos os
professores afirmaram possuir recursos tecnológicos de uso pessoal e a escola é dotada de vários
materiais digitais. Assim, as limitações e impedimentos podem estar associados a outros contextos
sociais, como a gestão do tempo: “quanto maior a necessidade ou desejo de mediação dos artefatos
digitais no trabalho, mais o trabalhador precisará investir seu tempo na apropriação dos mesmos e
de competências ligadas a eles” (FERREIRA, 2011, p. 36).
As dificuldades relatadas pelos professores são:
 “Falta alguém para ajudar”
 “Não sei trabalhar com pesquisas e outras coisas”
 “Não consigo conciliar os horários de uso com minhas aulas”
 “Controlar os alunos por não termos suporte humano para nos auxiliar”
 “Manutenção de equipamentos” (02 professores)
 “Sala adequada”
Assim, podem-se dividir as dificuldades em dois grupos: relativos a recursos humanos e
relativos a recursos técnicos:

Quadro 1. Obstáculos no uso das TIC na escola


Dificuldades de ordem humana Dificuldades de ordem técnica
“Falta alguém para ajudar” “Manutenção de equipamentos”
“Não sei trabalhar com pesquisas e outras “Sala adequada”
coisas”
“Não consigo conciliar os horários de uso
com minhas aulas”
“Controlar os alunos por não termos suporte
humano para nos auxiliar”

Esse retrato reflete que, embora a escola seja dotada de recursos tecnológicos, como os
relatados anteriormente, ainda existem muitos problemas para o uso adequado das TIC a fim de que
se tenha desempenho satisfatório. A dificuldade de planejamento das aulas, a carência de domínio
especializado dos professores – consequência da ausência de formação adequada – além da falta de
assistentes técnicos para auxiliar o manejo com os equipamentos e da falta de manutenção nos
equipamentos e salas inadequadas para o uso das TIC, fazem com que esses artefatos não sejam
apropriados pelos professores e, consequentemente, não se transformem em instrumentos efetivos
de trabalho.
Em contrapartida, todos os professores responderam que acreditam que os recursos digitais
podem contribuir para a aprendizagem dos seus alunos. Ao justificar tal escolha, eles relataram que:
 “Com os recursos digitais, a aula fica mais dinâmica e os alunos conseguem assimilar
melhor os conteúdos”;

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 201

 “É um grande recurso para colocá-los antenados com o mundo; é uma excelente fonte de
informação”;
 “Complementa e dinamiza os meios necessários para transmissão dos conhecimentos, de
forma atualizada e prazerosa”;
 “Desenvolve o interesse em aprender do aluno”;
 “É possível exemplificar com recursos visuais e auditivos”;
 “Porque as crianças já fazem seus trabalhos no computador sem dificuldades”;
 “É o dia a dia deles”;
 “Através da internet que eles se aprofundam nas atividades”.

Assim, percebe-se que há uma consciência da contribuição do uso dos recursos digitais para
a aprendizagem dos alunos, entretanto, poucos professores usam frequentemente os artefatos nas
aulas. Embora as causas relatadas dificultem a apropriação desses artefatos tecnológicos, seria
necessária uma pesquisa mais profunda, analisando as contradições, os impedimentos, as relações
entre trabalho prescrito, real e realizado, a fim de identificar os reais problemas que impedem o
professor de utilizar efetivamente recursos tecnológicos. Ferreira (2011, p. 42) afirma que para o
trabalho com as TIC ser mais produtivo, deve-se pensar em “situações de agir instrumentalizado
complexo, de apropriação da cultura digital e de apropriação de modelos de agir didático-
pedagógicas”.

Segundo a autora, a maior apropriação de TIC no trabalho real da docência tem ocorrido
quando:

(a) o trabalho com tecnologia é objeto de pesquisa do professor; (b) o professor


gosta dos artefatos e novidades tecnológicas; (c) o professor pode prescindir da
tecnologia na realização de parte do seu trabalho, por necessidade imposta pela
própria atividade; (d) quando este se sente obrigado, por imposição ou pressão
política. Dentro da visão de trabalho aqui seguida, o artefato só se torna
instrumento com a apropriação do mesmo pelo e para o sujeito, que o transforma
por meio de esquemas de utilização, atribuindo-lhe funções e acomodando
competências, em vista de um ou mais objetos na atividade de ensino (FERREIRA,
2011, p. 47-48).

Dessa forma, é necessário (re)pensar as mudanças necessárias para elucidar a apropriação do


artefato tecnológico pelo professor, promovendo-se uma reconfiguração do agir no trabalho
docente, a fim de incorporar os instrumentos tecnológicos no trabalho real. Para a
instrumentalização em TIC no ensino, Ferreira (2011) propõe, então, o planejamento de contextos e
situações, distintas da contemporânea, e organização do trabalho do professor, em que exista a
interação e a participação dos docentes com indivíduos que já empregam os sistemas simbólicos e a
linguagem das TIC. A hipótese que sustenta a proposta da autora, portanto, é de que:

essa reconfiguração do uso das TIC no agir do professor seja possível numa
situação em que: a) capacidade a ser construída for comprometida, ou estiver
integrada, ao seu projeto atual de trabalho e b) se tiver contato interpessoal
imediato de pessoas mais experientes e c) se os recursos materiais, simbólicos e
capacidades humanas necessários estiverem disponíveis (FERREIRA, 2011, p. 51).

Os resultados apontados pela autora vão ao encontro dos dados gerados por essa pesquisa,
afinal, os professores afirmaram: sentir dificuldades em integrar o uso das TIC no seu planejamento
de trabalho (“Não consigo conciliar os horários de uso com minhas aulas”); existir um contato com
pessoas mais experientes (“procurando ajuda com os colegas”); faltar recursos materiais, simbólicos
e humanos (“Falta alguém para ajudar”, “Controlar os alunos por não termos suporte humano para
nos auxiliar”, “Manutenção de equipamentos”).
SUMÁRIO
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Assim, para ocorrer a apropriação dos artefatos digitais e consequente transformação em


instrumento, é necessário existir uma interação entre as políticas públicas, o docente, os alunos e os
profissionais técnicos em TIC, a fim de que o professor consiga estruturar seu trabalho real e
promover uma melhoria no processo de ensino-aprendizagem dos alunos, sobretudo no tocante à
leitura e produção de textos.

Considerações Finais

Com base na pesquisa realizada, percebe-se que, embora existam diversas políticas públicas
de inclusão de equipamentos digitais nas escolas, ainda há uma carência na formação desses
profissionais, além de outras dificuldades de ordem técnica e humana que, muitas vezes,
impossibilitam a utilização dos artefatos digitais no trabalho real do docente.
A implantação das TIC na escola deve ir além do simples acesso à tecnologia. Para seu uso
ser efetivo, esta tem que estar integrada aos processos educacionais, contribuindo para a atividade
que o aluno e o professor concretizam. A formação do docente para o uso com as TIC, bem como a
existência de recursos técnicos e humanos na escola, são condições essenciais para a apropriação
dos artefatos e consequente transformação em instrumentos. Assim, o desenvolvimento e o uso de
artefatos digitais são plausíveis em sistemas de atividade e no agir em que os sujeitos implicados
tenham seus motivos e intenções próprios e considerando seus objetivos no desenvolvimento
profissional.
Essas dificuldades atrapalham o desenvolvimento e a utilização dos OA nas salas de aula.
Por isso, para que os materiais digitais possam contribuir para o ensino-aprendizagem de conteúdos
disciplinares, é preciso que haja recursos digitais apropriados para a sua utilização, objetos
disponíveis, em qualidade e quantidade adequadas, e que o professor seja capaz de entender e
apreender o emprego desses recursos como instrumento para o ensino.

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SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 203

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SUMÁRIO
I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 2 4 4 - 4 | 204

A IMPORTÂNCIA DA LEITURA PARA ALUNOS E


PROFESSORES DO ENSINO MÉDIO
Francinilda de Brito Santos1

Introdução

Sabe-se que a leitura é o caminho para o conhecimento e que esta capacidade se torna
insatisfatória quando não processada de maneira adequada. Para que os sentidos sejam construídos,
é necessário que se tenha organização das ideias por meio de estratégias de leitura que envolvam
diferentes aspectos, desde a decodificação até a interpretação. Cagliari (1997, p. 148) define a
leitura como: “a extensão da escola na vida das pessoas. A maioria do que se deve aprender na vida
terá de ser conseguido através da leitura fora da escola. A leitura é uma herança maior do que
qualquer diploma.”. Collaço (1998) afirma que existem três níveis de processamento de sentido, o
explícito, implícito e metaplícito, que devem ser atingidos por um leitor proficiente.
Com base nesses níveis, concluímos que é preciso levar o aluno a um padrão de leitura que
lhe proporcione ler não apenas o que está dito explicitamente, mas também a ser capaz de inferir o
que está implícito a partir do contexto dado pelo texto, seja semântica ou pragmaticamente.
Frente essa necessidade, os PCN (1998) trazem como um dos objetivos gerais do ensino de
Língua Portuguesa:

Ler, de maneira autônoma, textos literários de gêneros e temas com os quais tenha
construído familiaridade [...] desenvolvendo sua capacidade de construir um
conjunto de expectativas (pressuposições antecipadoras dos sentidos, da forma e da
função do texto), apoiando-se em seus conhecimentos prévios sobre gênero,
suporte e universo temático [...] (PCN, 1998, p. 50, grifos nossos)

A partir desse tópico relacionado à leitura, percebemos que o conhecimento prévio nos dá as
informações necessárias para uma leitura confortável e que essas informações podem ser ativadas
quando precisarmos, pois nosso conhecimento não é estático, ele acaba se renovando a cada dado
novo.
Sem a abertura para a leitura desde cedo, o rendimento do aluno será afetado e, quando for
desafiado, é possível que deixe as leituras mais complexas de lado, visto que se tornam mais difíceis
para seu entendimento, colocando em risco a sua capacidade crítica como ser pensante. As
dificuldades afetam os alunos não só nas aulas de Língua Portuguesa, mas também nas das demais
disciplinas que exigem a interpretação do enunciado, como em Matemática. Portanto, sem o contato
com a leitura a aprendizagem em todas as áreas fica prejudicada.
Faz-se necessário um investimento maior na prática de leitura com a formação de novos
espaços e educadores. Também é preciso que a escola ofereça uma rotina diferente e que os
professores incentivem os estudantes o tempo todo a partir dos mais diversos gêneros textuais.
Assim, os alunos estarão preparados para processar a leitura com variedades linguagens.
Os PCN trazem orientações de como a escola deve ampliar as práticas de leitura e de como o
aluno se tornará proficiente em outras disciplinas, destacando a necessidade, além das leituras

1
Graduanda em Letras pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB. francinildabritto@gmail.com

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indicadas pelos professores, das leituras livres, escolhidas pelos alunos: “O professor deve também
permitir que os alunos escolham suas leituras. Fora da escola, os leitores escolhem o que lêem. É
preciso trabalhar o componente livre da leitura, caso contrário, ao sair da escola, os livros ficarão
para trás” (PCN, 1998, p. 17).
Sabemos que as habilidades de leitura vão muito além de uma simples decodificação, na
verdade, vão além da própria compreensão do que foi lido. Dependendo da forma como é
trabalhada, desenvolvem várias facilidades e/ou dificuldades que seguem os alunos ao longo dos
anos, o que acarretará em capacidades ou inabilidades que irão afetá-los no exercício da profissão e
na conquista de ascensão social.
Diante de tais possibilidades, buscamos respostas para as seguintes questões: Quais as
dificuldades dos alunos no ato da leitura? Que leituras são feitas dentro e fora da escola? Os alunos
apresentam problemas em reconhecer e/ou identificar os objetivos de um texto? Quais as
implicações dessas dificuldades no processo de aprendizagem da leitura?
Além da introdução, o trabalho está organizado da seguinte forma: primeiro, apresentaremos
algumas considerações a respeito da importância da leitura na escola e, particularmente, na sala de
aula; logo após, destacamos alguns esclarecimentos sobre o que é leitura; em seguida, expomos os
resultados das observações e da aplicação dos questionários; e, por fim, formulamos as
considerações finas.

Dificuldades de leitura e interpretação de textos

A leitura faz parte da vida do ser humano há muito tempo. Antigamente, as pessoas se
reuniam para contar e ouvir histórias. Com o passar das décadas, sentiu-se a necessidade de se
registrar esses momentos. Então, foi criada a escrita e diferente formas de divulgá-la, dentre elas, os
livros.
O gosto pela leitura ou o ato de ler não surge de um dia para outro ou por fórmula mágica.
Tem a ver com o interesse pessoal para que a leitura flua de forma eficiente. Nessa perspectiva, é de
fundamental importância a formação de leitores e cidadãos críticos. Segundo Isabel Solé (1998, p.
30), a leitura contribui para a autonomia das pessoas como um instrumento necessário para uma
sociedade. Por isso, sem a leitura adequada, o leitor se perde em meio a termos e códigos.
Mas o que é Ler? Para Solé (op. cit., p. 22), é um momento de interação do leitor com o
autor através do texto. Ela responde essa pergunta dizendo que:

não quer dizer que o significado que o escrito tem para o leitor não é uma réplica
do significado que o autor quis lhe dar, mas uma construção que envolve o texto,
os conhecimentos prévios do leitor que o aborda e seus objetivos (SOLÉ, p. 22).

Dependendo do texto escolhido, o leitor pode encontrar obstáculos que o impedem de


terminar a leitura. Para Solé (1998), é necessário que o leitor esteja provido de objetivos e acione
seus conhecimentos e experiências prévias.
O professor, depois dos pais, tem o papel principal e mais importante no desenvolvimento
de hábitos e habilidades de leitura dos alunos. O professor deve levar em conta as diversidades
dentro da sala de aula e valorizar os gostos e opiniões formadas pelos alunos. Também é necessário
que esse professor seja um leitor, pois sua postura entre os alunos é de total importância na
formação de leitores.
Essa ideia é reforçada pelos PCN (1998, p. 32) quando afirmam que “É tarefa de todo
professor [...] independentemente da área, ensinar, também, os procedimentos de que o aluno
precisa dispor para acessar os conteúdos da disciplina que estuda”. Diante dessa afirmação,
percebemos que a habilidade de leitura é essencial e dá apoio para o estudo de outras áreas do
conhecimento.
Segundo Silva (1998, p. 26), apesar de toda preocupação com o desenvolvimento de
habilidades de leitura na escola, ela deve ser uma aprendizagem, e não uma técnica resultante de

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uma mecanização ou receita a ser seguida. Deve ser uma ação do aluno refletindo, levantando
hipóteses e se inteirando sobre o objeto de conhecimento.
Segundo Colaço (1998, p. 42), existem três tipos de processamento de leitura: explícito,
implícito e metaplícito, que designam o leitor proficiente. No nível explícito, a mensagem do autor
é facilmente identificada pelo leitor através da percepção dos sentidos das palavras e das frases. No
implícito, a mensagem não aparece de forma clara e, por isso, necessita ser decifrada pelo leitor por
meio de inferências. No metaplícito, cabe ao leitor a capacidade de reconstruir o contexto em que o
texto foi escrito para dar sentido ao mesmo. É necessário que o professor comece a trabalhar com o
nível explícito para depois atingir os outros níveis.
Para uma leitura mais apurada e mais sucinta, é necessário que o leitor esteja munido de
algumas estratégias, como o levantamento de hipóteses e o estabelecimento de objetivos, pois as
ideias construídas pelo leitor vão depender muito dessas previsões. Nesse sentido, Solé (1998, p.
31) destaca que: “O processo de leitura deve garantir que o leitor compreenda o texto e que pode ir
construindo uma ideia sobre seu conteúdo, extraindo o que lhe interessa, em função dos seus
objetivos”.
Os alunos que não desenvolvem esses níveis de processamento, sobretudo o implícito e o
metaplícito, chegam ao Ensino Médio com muitas dificuldades de aprendizagem, pois ainda não são
proficientes nas estratégias de leitura e, por isso, acabam se perdendo em meio às leituras, inclusive
as iniciais.
Koch e Elias (2012) afirmam que, para o processamento textual, recorremos a três grandes
sistemas de conhecimento: linguístico, enciclopédico e interacional. O conhecimento linguístico
compreende a parte gramatical e lexical, nele baseamos a organização linguística do texto. O
enciclopédico ou conhecimento de mundo baseia-se em tudo o que aprendemos no decorrer da vida.
E o interacional refere-se às formas de interação.
O aprendizado e o desenvolvimento da leitura ocorrem parte no cotidiano, no nosso dia a
dia, e parte no contexto escolar. Trabalhar com a leitura de forma eficiente depende do
desenvolvimento de atividades que nos levem a praticar e refletir sobre as diferentes situações
sociocomunicativas, os gêneros, as técnicas de leitura e escrita, os objetivos e temas propostos.

Metodologia

Sob o ponto de vista metodológico, a pesquisa, caracterizada como uma pesquisa de campo
de caráter interpretativista, realizou-se na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Padre
Cícero, localizada no bairro de Cruz das Armas em João Pessoa PB. A escola atende o Ensino
Fundamental e o Ensino Médio e pode ser considerada de grande porte. No horário da manhã, a
escola atende dez (10) turmas de fundamental e nove (09) de médio; à tarde, apenas Médio, com
treze (13) turmas; e à noite funciona como ensino fundamental e médio.
Para a concretização da pesquisa, foram utilizados dois questionários com perguntas abertas
e fechadas, um para os alunos e outro para os professores. O primeiro tinha o objetivo de saber se os
alunos leem com frequência e o que costumam ler. E o segundo, o de saber o que os professores
estão fazendo para reverter possíveis dificuldades encontradas pelos alunos no ato da leitura. Logo,
fez-se a coleta e a análise de dados dentro de uma abordagem quantitativa.
As observações das aulas e a aplicação dos questionários decorreram durante o período de
uma semana. A pesquisa foi realizada com 2 (dois) professores, um de língua portuguesa e outro de
matemática, e 21 (vinte e um) alunos, todos os informantes são do 1º ano do ensino médio. Mas,
para análise, foram considerados apenas 6 (seis) alunos, por terem respondido com clareza todas as
perguntas sem deixar nenhuma em branco.

Avaliação da descoberta

Nos dados coletados dos seis (06) alunos e dos dois (02) professores, os quais vamos
identificar, respectivamente, como: A1; A2; A3; A4; A5 e A6 e P1 e P2, pudemos verificar que

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todos os informante, em suas respostas, confirmam o que já foi dito pelos teóricos: eles têm noção
do quanto a prática da leitura é algo necessário e de grande importância, tanto para sua vida
estudantil quanto profissional; bem como de que a leitura é algo que expande os horizontes e se
torna uma ferramenta primordial para o crescimento intelectual do ser humano, além de torná-los
seletivos.
Quanto às preferencias dos alunos, as leituras têm gostos variados, mas a história em
quadrinhos (o gibi) está presente na maioria das respostas. Detectamos também que os alunos não
costumam ler na escola e que, raramente, vão à biblioteca, mas, em contrapartida, leem mais de um
(01) livro anualmente.
Dos seis alunos selecionados, todos (100%) reconheceram a importância da leitura e
consideram-na fundamental para diferentes áreas da vida. Contudo, nenhum deles (100%) frequenta
a biblioteca da escola e apenas três (03) alunos (50%) afirmam gostar de ler. Apesar disso, quatro
(04) alunos (66.67%) destacaram que leem não só livros, mas também histórias em quadrinhos
(gibis). Esses resultados podem ser visualizados no gráfico a seguir:

Figura 01: Algumas das respostas dos alunos

O questionário destinado aos dois (02) professores mostraram resultados significativos. Para
eles, a falta da prática frequente da leitura e as limitações no processo de processamento dessa
atividade causam o empobrecimento no nível de compreensão, tanto em Língua Portuguesa quanto
em Matemática e nas demais disciplinas, e atribuem à leitura um nível máximo de importância e
grande diversidade de benefícios:

P1: “O aluno precisa perceber que, através da prática da leitura, há melhora


na escrita, envolvimento em diversos temas sociais e culturais e ainda a
percepção de boa interpretação”.

Para os professores, também é nítida a importância do comprometimento do aluno no


processo de desenvolvimento de estratégias para que ele se aproprie desses métodos e adquira
conhecimento. As sugestões trazidas pelos professores seriam os projetos de leitura, pois, através
desse incentivo, os alunos desenvolveriam outros níveis de conhecimento e cultura:

P1: “A prática da leitura diária, a elaboração de projetos de leitura para


desenvolver e aguçar o interesse dos alunos em ler e se envolver com o
texto”.

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Ao responderem a pergunta referente à importância da leitura, cujas opções variavam de 0


(zero) a 10 (dez), os dois professores (100%) assinalaram a nota 10 (dez). O mesmo aconteceu em
relação ao fato de utilizarem estratégias de leitura com os alunos, ou seja, os dois professores
(100%), marcaram o item 10 (dez). E, quanto ao nível de aproveitamento dos alunos na leitura,
sinalizaram o item 2 (dois), revelando um grande nível de dificuldade dos alunos. Esses dados estão
expostos no gráfico a seguir:

Figura 02: Algumas das respostas dos professores

Considerações finais

Através da pesquisa que realizamos, verificamos a importância do ato de ler e também


tivemos uma amostra do cenário da leitura no Brasil. A leitura é a principal maneira de formar as
próprias opiniões, além de ampliar o vocabulário e conhecimento e de trazer prazer a quem se deixa
envolver por ela.
O aluno precisa tornar-se um leitor assíduo, capaz de compreender e interpretar a leitura que
faz. Tem que saber questionar, avaliar e entender o que o autor quer passar nos textos. Para isso,
precisa do comprometimento dele e da escola.
Entretanto, na maioria das vezes, a escola não possui a estrutura e os recursos necessários
para acolher e estimular seus alunos e, por isso, não interfere de maneira significativa para que seus
alunos não fujam das bibliotecas.
Conclui-se, então, que novas metodologias e novas estratégias são a mola propulsora para a
mudança no desenvolvimento da leitura e de aprimoramento das capacidades cognitivas não
desenvolvidas.

Referências

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino
fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Lingüística. 10. ed. São Paulo: Scipione, 1997.
COLAÇO, M. Níveis de processamento de sentido. Congresso Nacional de Linguagem e Ensino. Pelotas, UCPel,
1998.
KOCH, Ingedore Villaça. ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender os sentidos do texto. 3. ed.. São Paulo :
Contexto, 2012
SOLÉ, I. Estratégias de leitura. Porto alegre: Artes médicas, 1998.
SILVA, Ezequiel Theodoro. Elementos de Pedagogia da Leitura. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1998.

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UMA PROPOSTA DIALÓGICA COM O GÊNERO


CHARGE NO ENSINO MÉDIO
Larissa de Lourdes Domingos da Silva1
Renata Xavier Moreira2

Palavras iniciais

Os gêneros textuais representam a materialidade da língua e a presença deles no ensino de


línguas, se configura, na atualidade, como algo extremamente pertinente. Nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), propõe-se que a leitura e a produção de textos sejam
desenvolvidas de maneira adequada e útil ao universo escolar e à realidade do aluno. Para tanto,
sugere-se que os gêneros do discurso – enquanto prática social – sejam tomados como objeto de
ensino-aprendizagem.
Conceber a língua como atividade social, meio de interação entre as pessoas num dado
contexto, leva-nos ao campo dos gêneros e, em consequência, aos estudos de Bakhtin, já que
estudar os gêneros é um meio de desenvolver a competência comunicativa e enfrentar as mais
diversas situações comunicativas cotidianas, pois o homem é um produtor de discursos, que são
enunciados através de gêneros.
Sendo assim, o ensino da língua, especificamente, da leitura não se perfaz unicamente de
materiais literários, devendo então considerar o trabalho com os gêneros discursivos, como aponta
Bakhtin/Volochinov (2009), uma vez que é indispensável suscitar no aluno a compreensão da
língua em seu funcionamento.
Consideramos a charge como um gênero discursivo propício ao ensino de línguas, tendo
em vista oferecer aos alunos a possibilidade de manter contato com um universo real e humorístico,
para fazê-los pensar assuntos importantes da esfera social. Entendemos ainda, que o estudo
apropriado da charge nas aulas de Língua Portuguesa possibilita ao aluno o desenvolvimento de sua
competência leitora.

Um pouco de teoria

Nos contextos que visam o papel da leitura no ambiente educacional e nas discussões sobre
a formação do leitor, têm-se a necessidade de compreender a leitura como forma de capacitação de
um dado sujeito para as experiências que perpassem o ambiente escolar, levando-o a exercer uma
leitura crítica do mundo que o cerca.
De acordo com pesquisas em Análise Dialógica do Discurso, a linguagem é interação,
forma de ação entre sujeitos histórico e socialmente constituídos, pois os indivíduos não só
reproduzem os discursos aos quais foram expostos durante toda a sua vida, como também são
capazes de transformar a realidade através das práticas discursivas.

1
Graduanda em Letras – Habilitação em Língua Portuguesa pela Universidade Federal da Paraíba. E-mail:
larah08@hotmail.com
2
Licenciada em Letras pela Universidade Federal da Paraíba. E-mail: renata_moreiira@hotmail.com.

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Nas mais variadas práticas sociais discursivas e suas manifestações, estão intrínsecos os
gêneros do discurso que garantem uma forma plástica, maleável e livre, se comparada com as outras
formas da língua (BAKHTIN, 2011, p. 283) para a comunicação nas diversas sociedades.
Os gêneros estão ligados às necessidades comunicativas dos falantes, imprimindo assim,
possibilidades de interação social que refletem a dinamicidade dos discursos cotidianos, retratados
através dos inúmeros usos da língua, pois ela, a língua, é mutável, evolui de acordo com o tempo e
adapta-se às inovações linguísticas.
Assim, estudar os gêneros é considerar as possíveis e eficazes produções comunicativas,
bem como, reconhecer o discurso ao qual o contexto social do evento em questão está inserido,
contribuindo para a sistematização do estudo da diversidade textual que está presente nas atividades
comunicativas diárias.
Os gêneros demarcam as identidades sociais e as posições sociais do sujeito, neles travam-
se os diálogos dos “eus”, ecoam-se as “vozes” da sociedade, ou seja, nós sempre falamos de acordo
com nossas vivências e conveniências, com textos já lidos, com nossas ideologias que, quando
confrontadas, assumem outros discursos, outros textos ganham novos sentidos, produzindo novos
sentidos, textos e discursos, ampliando nosso horizonte linguístico, as nossas possibilidades de
comunicação e assim, oportuniza-nos a realização de eventos comunicativos produtivos e
interativos.

A perspectiva dialógica do gênero charge

A diversidade de gêneros aos quais estamos expostos é infinita. No entanto, no âmbito


escolar, a charge, por apresentar um caráter crítico e opinativo, além de fornecer a interação entre
linguagem visual e escrita, pode ser uma excelente ferramenta para o desenvolvimento da leitura e
da escrita em sala de aula. Reconhecer que o ato de ler é um dos fatores essenciais para o exercício
da cidadania, corresponde a compreender que o ser humano necessita estabelecer a relação de
comunicação com o mundo que o rodeia.
Sob esta ótica, vale salientar que a leitura ocorre mediante um processo que envolve várias
habilidades, dentre elas, podemos citar algumas, como: linguísticas, perceptuais e cognitivas. Do
ponto de vista da escrita, a charge trará informações de forma significativa ao potencial escritor, que
mobilizará as mais diversas habilidades para transformá-las em outros gêneros, a partir das
orientações de um professor.
Quanto à palavra “charge”, esta tem origem francesa e significa carregar, exagerar. Os
estudos apontam que a charge surgiu no Brasil, provavelmente, entre o final do século XVII e início
do século XIX. A princípio, ocupou espaço nos jornais e atualmente se faz presente até mesmo na
internet. Este gênero temporal se baseia, principalmente, no humor, mas por trás de um discurso
“inofensivo” tem a funcionalidade de criticar, denunciar e satirizar algum fato conhecido do
público. Sendo assim, o autor deste gênero discursivo precisa estabelecer certa cumplicidade com o
leitor, que irá se posicionar questionando a imagem de mundo veiculada, para que os objetivos
pretendidos através da charge sejam atingidos. É importante ressaltar que apenas os que têm
conhecimento acerca do fato social, conseguirão estabelecer relação discursiva com o conteúdo
abordado pelo chargista. Ou seja, é relevante que os leitores compartilhem do contexto em que se
inscreve o conteúdo abordado pelo chargista, uma vez que a leitura discursiva vai além dos
elementos que podem ser visualizados na charge, pois o discurso é entendido como difusor de uma
ideologia e representação de identidades a partir dele.
Dessa forma, a compreensão do enunciado da charge mobiliza diversas habilidades de
leitura e interpretação no ato da leitura, uma vez que se dá a partir da interação de vários fatores e
envolve a interlocução de autor, leitor e contexto do discurso.
Nessa perspectiva, é coerente dizer que o referido gênero se utiliza do humor para
representar determinadas situações através das imagens. Porém, existe a articulação da linguagem
verbal e não verbal na produção de sentidos que nem sempre estão explícitos, já que os sentidos

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podem ser construídos a partir do que não foi dito, o que exigirá do leitor o conhecimento de mundo
para realizar inferências diante desse gênero.
Tomando o gênero charge como ponto de discussão analítica na perspectiva da Análise
Dialógica do Discurso, propomos a leitura discursiva de duas charges. Vale mencionar que o
objetivo deste trabalho não é analisar discursivamente o gênero charge, mas sim, apresentar uma
proposta dialógica que contemple a utilização do gênero em aulas do ensino médio.

Uma experiência com leitura de charges na sala de aula

As figuras a seguir são charges que abordam a temática da violência contra o negro.
Ambas foram utilizadas em uma atividade desenvolvida com alunos do ensino médio, no intuito de
constatar como se dá o processo de construção de sentido desse gênero textual.

Figura 1

Figura 2

Para constatar o processo de construção de sentido das charges, os 23 alunos integrantes da


segunda série do ensino médio, receberam, inicialmente, as duas charges para que fizessem uma
análise individual e transcrevessem o máximo de informações que conseguiram compreender. Após
a entrega dos relatos escritos, houve um momento destinado à pesquisa e discussão a respeito do
gênero, seu meio de circulação e temática.
Em virtude do tempo, após a discussão e a pesquisa sobre o gênero, os alunos foram
divididos em grupos para, com base nas figuras 1 e 2, respondessem ao questionário que objetivava

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trabalhar a compreensão das duas charges, e ainda, verificar se os educandos, em grupos,


identificam a relação entre escrita e imagem, expondo suas opiniões a respeito do assunto.
A seguir, para uma melhor visualização, apresentaremos as respostas obtidas após a
aplicação do questionário, organizadas por grupo.

Questão 1: Façam uma descrição das charges, com o máximo de detalhamento possível.
Ambas retratam a discriminação pelo fato das personagens apresentarem a
Grupo 1
cor da pele mais escura.

Charge 1 – Eles têm as mesmas características físicas, mas por conta da


cor da pele negra, o rapaz de pele escura se torna o alvo maior.
Grupo 2 Charge 2 – Por causa da história da colonização do nosso país, os negros
têm menos oportunidades e alguns acabam recorrendo ao crime, por isso,
alguns negros são acusados pela cor da pele.

Charge 1– Analisando a parte verbal podemos compreender que os negros


são os maiores alvos de preconceito, e analisando a imagem para maior
compreensão, o alvo designado ao negro é bem maior que ao indivíduo de
pele clara, e o ultimo ainda olha com um olhar de inferioridade em relação
Grupo 3 ao negro.
Charge 2 – O guarda julga o motorista pela aparência, e principalmente
por ele ser negro, cometendo preconceito racial e ainda depois de observar
o desagrado da vítima, fala sobre seu ato como algo normal e sem
consequências.

Charge 1 – Mostra um homem branco e um negro, onde o ‘alvo’ do negro


está maior, e há uma desconfiança do homem branco em relação ao negro.
Grupo 4
Charge 2 – O policial para o motorista negro devido ao racismo,
justificando que ele parece um ladrão, mas não deixa o racismo explicito.

O grupo 1 limita-se a fazer apenas uma breve contextualização sobre a temática das
charges, fixando o olhar apenas no superficial, não atentando para os detalhes contidos nas
entrelinhas. O segundo grupo, por sua vez, faz uma descrição das charges e associa a situação de
discriminação sofrida pelos negros ao processo de colonização do Brasil, trazendo informações
provenientes de suas experiências de mundo, demonstrando assim que, para se compreender a
charge, é preciso utilizar-se de informações extratextuais e não se restringir apenas ao que está
explícito.
No mesmo sentido, o grupo 3 consegue descrever o que ver e ler em cada charge, além de
perceber uma crítica às pessoas que praticam racismo e tratam esta atitude com naturalidade, como
se o racismo fosse algo inventado pela própria vítima. Já o grupo 4 consegue descrever o que vê,
entretanto, causa uma confusão ao interpretar a charge ‘2’. Não percebendo que a ironia foi
utilizada justamente para evidenciar o racismo do guarda.
Partindo das respostas apresentadas, percebe-se que a maior parte dos alunos, consegue
relacionar escrita-imagem, uma vez que, ao mesmo tempo em que descrevem as imagens, entendem
a mensagem contida no texto.

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Questão 2: Qual a importância das ilustrações nas charges?


Grupo 1 Conscientizar a existência do racismo na sociedade.

Grupo 2 Deixar mais claro em relação às falas.

Facilitar a compreensão do leitor, pois, por meio da imagem, é possível


Grupo 3
observar os detalhes.

Grupo 4 Deixar explicito o tema abordado, facilitar o entendimento do leitor.

Das respostas apresentadas, apenas o grupo 1 voltou a explicar as charges. Os demais grupos
abordaram a estrutura do texto e a sua composição, percebendo que, sem as imagens, a
compreensão do texto, se tornaria mais complexa.

Questão 3: Qual a importância da escrita nas charges?


Mostrar que o racismo em nosso país é uma realidade e não uma coisa que
Grupo 1
está apenas em nossa cabeça.

Grupo 2 Dar complemento à imagem e ajudar no entendimento.

Facilitar a compreensão do leitor, pois se houverem dúvidas, a parte


Grupo 3
verbal irá esclarecer o conteúdo.

Grupo 4 Redirecionar o leitor ao tema retratado.

Como podemos perceber, o grupo 1 continua fazendo a descrição das charges. Os demais
grupos compreenderam que a escrita serve para complementar a imagem, facilitando a compreensão
do assunto e dando mais credibilidade às imagens.
Questão 4: Qual o objetivo da charge para vocês?
Mostrar de uma forma menos formal, um assunto ‘polêmico’ para
Grupo 1
conscientizar a população.

Abordar temas críticos de forma fácil, pois utiliza as duas formas de


Grupo 2
linguagem.

Abordar, de forma mais dinâmica, e chamar a atenção do leitor para


Grupo 3
assuntos importantes.

O objetivo da charge é se aproximar de qualquer tipo de público, para que


Grupo 4
todos compreendam a crítica.

Ficam claros aqui, os recursos utilizados pela charge, como crítica, dinamismo, associação
da linguagem verbal e não verbal na construção de sentidos, mostrando que a charge é atrativa
justamente por apresentar, de forma humorística, temas polêmicos de nossa sociedade.

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Questão 5: Você considera a charme, um texto? Explique.


Grupo 1 Sim, de certa forma é um texto, mesmo sem nada escrito, na maioria das
vezes.

Grupo 2 Sim. Pois passa informação, faz refletir, nos leva a ter um pensamento
crítico.

Grupo 3 Sim. Pois tudo é texto e a charge é um exemplo de texto, que é formado
pela linguagem verbal e não-verbal.

Grupo 4 Sim, por que texto é tudo aquilo que passa uma ideia.

A imagem que os grupos têm de texto, não é diferente da que se esperava. Uma vez que
todos compreendem a charge como um texto, ainda que esta seja constituída, na maioria das vezes,
apenas pela linguagem visual.

Questão 6: Todos os componentes do grupo interpretaram as charges da mesma forma? Todos


entenderam a mesma coisa?

Grupo 1 Sim, entendemos que a charge é uma sátira, abrangível pra praticamente
todos, onde utiliza o conflito atual de modo cômico.

Grupo 2 Não, alguns, por serem preconceituosos, acharam a situação da charge


normal.

Grupo 3 Sim, entendemos que a charge é um texto verbal e não-verbal destinado


para alertar sobre assuntos polêmicos.

Grupo 4 Sim.

Com podemos observar, em 75% dos grupos os componentes concordou e interpretou a


charge da mesma, mas, os 25% restantes, discordaram. Como fica claro nas respostas, o motivo do
impasse está ligado, justamente, as questões ideológicas.

Palavras Finais

A partir das respostas obtidas por meio do questionário podemos perceber concepções de
leitura ora restritas a decodificação de signos, ora mais amplas, comportando percepções de
elementos multimodais em diálogos. É perceptível ainda que predomina a perspectiva de leitura da
interação entre autor-texto-leitor, uma vez que estes alunos utilizam-se eficazmente das estratégias
de leitura antes trabalhadas pelo professor, acionando e interagindo com os diversos conhecimentos
que possuem para chegar à compreensão do que se lê. Ocorrendo assim, o diálogo entre os textos e
as experiências do leitor.
Reforça-se que a leitura não ocorre apenas com a decodificação de textos escritos, mas
também de linguagens não verbais, pois há uma forte ligação entre a linguagem das imagens e a
escrita. Uma vez que a linguagem, hoje, é concebida como um processo de interação em que os atos
de fala são expressos num “jogo” de ação e reação, e o indivíduo necessita estar apto à compreensão
dos sentidos dos diferentes tipos de linguagens disponíveis.
Para ser bem compreendido, o texto precisa chamar a atenção do aluno, a charge cumpre
perfeitamente esta função, pois é perceptível, no questionário feito em sala de aula, que o aluno
pôde compreender o que se pretendia de maneira fácil e interativa. Assim, verificamos a
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importância de utilizar a charge para leitura e produção textual nas aulas de Língua Portuguesa.
Além de cumprir seu papel crítico sobre assuntos importantes, este gênero permite que o texto seja
trabalhado de forma dinâmica na construção de sentidos e possibilita que sejam desenvolvidas
várias interpretações sobre o mesmo assunto. Fazendo-se completo no sentido de abrir a mente do
aluno para que ele construa opiniões sobre os assuntos do meio em que está inserido e conheça
novos discursos. A charge é, dessa forma, um caminho rápido para a interação social.

Referências

ALMEIDA, Maria de Fátima. O desafio de ler e escrever na escola: experiências com a formação docente. João
Pessoa: Ideia Editora, 2013.
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SUMÁRIO
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A METACOGNIÇÃO COMO DESENVOLTURA DO


PROCESSO DE LEITURA
Laís Dantas de Araújo1
Valter Correia da Silva2

Introdução
A metacognição bifurca-se em duas assertivas: capacidades cognitivas e fatores
motivacionais. Essas duas assertivas estão diretamente ligadas às maneiras de aprendizagem. No
que tange à memória, leitura, compreensão e intepretação de textos, o campo metacognitivo é
atuante e competente (Brown, 1978; Flavell & Wellman, 1977; Weinert & Kluwe, 1987). Em
síntese, a metacognição é determinada pelo autocontrole o consciente de modo minucioso na
execução de uma tarefa, contribuindo para prática da leitura de modo que haja uma realização de
maneira lúcida, ou seja, através de uma autoavaliação constante, que simultaneamente abrange
competências tanto na operação de ler ( através das quais o leitor se pergunta se está entendendo o
texto, para quê está lendo, etc), quanto na operação de inferências (questionando-se sobre o
assunto, concordando, etc). Segundo Thorndike (1917), ler um parágrafo possui a mesma assertiva
de solucionar um problema, tendo em vista que o leitor considera elementos que cabem ou não em
determinadas situações. O sujeito, por si, deve selecionar, dominar, enfatizar, correlacionar e
organizar e etc. Dado esse caráter, resolvemos trabalhar a desenvoltura da metacognição em sala
de aula.

Leitura

A leitura, segundo Aebersold e Field (1997), acontece quando um sujeito visualiza um texto
aleatório e atribui sentido a ele, dados os símbolos gráficos nele inseridos. Há, nessa atividade, um
processo de atribuição de sentido que contempla diversas áreas de estudo, como a psicologia
cognitiva, a psicolinguística e a sociolinguística. Segundo Kleiman (2004), a leitura apresenta-se
de modo complexo, porque, no ato de ler, diversos processos cognitivos se interligam para que o
leitor construa o sentido de um texto. Sendo assim, a leitura é um processo em que o leitor interage
com o texto de maneira ativa e dinâmica, porque o texto só terá sentido se alguém o atribuir.
Pode-se perceber, então, que a leitura é um processo interativo e está sempre atrelada a um
contexto comunicativo. O contexto social é um elemento a ser considerado, pois a leitura é uma
prática social, segundo Kleiman (2004), não somente porque a interação precede a construção de
sentido, mas porque os sujeitos envolvidos estão inseridos em um dado momento histórico, que
determina a linguagem e o sentido. Nunes (2002) afirma que “o texto não traduz tudo pronto para o

1
Graduanda em Letras Português (UFPB) e bachaleranda em Direito (UNIPÊ). laisdantasdear@gmail.com
2
Graduando em Letras Português (UFPB).. valterletras2013@gmail.com

SUMÁRIO
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leitor receber de modo passivo”, pois todos somos munidos de conhecimento de mundo, o que,
para a compreensão de um texto, é de suma importância.
Na escola, a leitura se mostra de modo mais coercitivo e presente. Logo, é o local onde o
primeiro contato acontece. A leitura na escola atua em contextos que ultrapassam delimitações
solitárias ou engajam uma prática reclusa, sendo necessária de modo coletivo. Faz-se necessário,
por parte da rede de ensino, um trabalho eficaz nesse quesito, dado o grau de responsabilidade
pertinente à qualidade de educação que quaisquer instituições de ensino se disponham a oferecer.

O papel da escola

O papel da escola é desenvolver no alunado a consciência crítica, autônoma e lúcida. Os


professores, atores diretos nesse processo de desenvolvimento, são responsáveis por um
método de ensino que esboce claramente competências de leituras e que a realce de modo
estimulante. O ensino de leitura na rede pública de ensino, a título de exemplo e amostra, nem
sempre é satisfatório, e, um dos motivos para essa insatisfação, é a falta de comprometimento por
parte de quem ensina a língua. Nesse contexto, o ato de decodificação é o bastante para convencer-
se de que o aluno “lê”.
Logo, é necessário elaborar estratégias de ensino de leitura e, nesse sentido, a
metacognição exerce um papel fundamental nas áreas de aprendizagem escolar, como a
comunicação, a compreensão oral e escrita e na resolução de problemas, constituindo assim, um
elemento chave no processo de “aprender a aprender” (Valente, Salema, Morais & Cruz, 1989).
Não basta apenas ler, é preciso exercitar a prática da leitura. Segundo Brown (1978), “o reconhecer
a dificuldade na compreensão de uma tarefa, ou tornar-se consciente de que não se compreendeu
algo, é uma habilidade que parece distinguir os bons dos maus leitores”.

O processamento da leitura

A maneira como a leitura é processada constitui um fator base para a sua prática.
Dependendo disso, diversas implicações podem comprometer o exercício da compreensão ativa do
que se está lendo. O processamento da leitura se dá no próprio ato, e diz respeito ao trabalho com as
competências envolvidas nesta prática. Jouve (2002) expõe alguns processos, que são:
neurofisiológico, cognitivo, afetivo, argumentativo e simbólico.
No neurofisiológico, são trabalhadas ativamente as partes do corpo humano responsáveis
pela visualização do texto: os olhos e as partes do cérebro que estão atreladas à córnea, à íris e ao
glóbulo ocular. No cognitivo, temos a interação do conhecimento do leitor com os expostos pelo
autor do texto no texto. O afetivo divide-se em três níveis básicos: o sensorial, o ponto exato em
que o texto agrada o leitor; o emocional, que lida estritamente com o subjetivismo e consciência do
leitor; e o racional, que diz respeito à intelectualidade do leitor para reflexão do que está sendo
lido.
O argumentativo é, sobretudo, a habilidade verbal para análise dos textos que se leem. A
argumentação é uma atividade de aceitação, ou não, das ideias em questão, e, dependendo do
contexto, ela pode construir vários sentidos, como já preconizou Bakhtin (1990), com a

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polissemia. O processo simbólico para os estudiosos envolvidos diz respeito ao processo de


significação no ato de ler. Ou seja, à atribuição de sentido às palavras expostas no texto.

A metacognição

A metacognição é um conceito científico que se atribui à prática consciente do exercício da


consciência. Ela é chamada de metacognição, porque seu sentido essencial é a“cognição acerca
da cognição”, ou seja,“pensar sobre o pensamento”(Flavell, Miller
& Miller, 1999). Na leitura, tem-se como a noção de reflexão acerca do que está sendo lido e das
implicações disso, ou seja, dos motivos, objetivos e finalidades que a leitura proporcionará a
quem está lendo. O leitor com metacognição desenvolvida reflete a prática no ato, e domina a sua
construção intelectual de maneira consciente e ávida.

a metacognição enfatiza a participação ativa do leitor na


análise da tarefa e o uso de estratégias metacognitivas de leitura.
Verifica-se por meio dos estudos que os leitores pouco hábeis
raramente usam estratégias metacognitivas de leitura para auxiliar
à compreensão. Isso se deve ao fato de não conhecê-las ou não
saber como usá-las quando encontram dificuldades na
compreensão daquilo que estão lendo. (MARINI, 2006)

Muitos estudos, segundo Duke e Pearson (2002), se atentaram para essa categoria de
trabalho com a leitura e compreensão de textos, uma vez que o autocontrole na prática da leitura tem
se mostrado eficiente com o recuo da visão da leitura como decodificação e avanço na
compreensão de que a compreensão do texto é, no geral, um processo de interação. A
metacognição na leitura diz respeito ao leitor desenvolver diferentes recursos cognitivos e saber
controlá-los a seu favor, para a compreensão de diferentes tipos de texto. São exemplos de
estratégias desse tipo de metacognição, a capacidade de detecção de erros e contradições no
material lido, ou, até mesmo, o de separação de que tipo de informação exposta no texto é útil ou
não ao leitor. A prática dos recursos cognitivos deve perpassar o antes, durante e depois da leitura
(Jacobs & Paris, 1987), e deve se dar por meio de estratégias metacognitivas que os leitores
desenvolvem ou aprendem. A principal função dessas estratégias é oferecer ao leitor informações
sobre sua ação e sobre o seu progresso nela (Flavell, Miller & Miller, 1999).

Metodologia

A natureza da nossa pesquisa foi qualitativa. O seu caráter procedimental consistiu em um


trabalho de campo realizado numa escola da rede pública de ensino. A instituição alvo, além de
pública, era pequena e precária. A atividade foi realizada com 20 alunos do 2° ano do Ensino
Médio. A metacognição foi aqui trabalhada no contexto de leitura e fez-se importante por se tratar
de um trabalho prático com o público alvo da pesquisa, e um trabalho de observação e análise por
parte dos agentes envolvidos nela.

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O método atitudinal para com a pesquisa foi o de coleta e análise das respostas dos alunos
na atividade, de natureza aberta, para que pudessem desenvolver melhor as respostas, construídas
depois da leitura de um texto de natureza dissertativa. A aplicação aconteceu em uma mesma
turma, sendo assim, ocorreu uma divisão na qual metade dos alunos respondeu às perguntas
subjetivas sem o auxílio de dicas de estratégias metacognitivas de leitura, e outra metade com
auxílio. Através das respostas, conferimos quais eram os problemas que os alunos de cada uma das
duas situações citadas julgavam estar envolvidos na sua leitura, e se o trabalho com as sugestões de
leitura serviu de suplemento para sua melhoria. A estratégia foi, em um primeiro momento,
aplicar as duas atividades, e, posteriormente, analisar de maneira comparativa, a partir das respostas
subjetivas dos alunos em ambos contextos, qual dos métodos surtiu melhor efeito no trabalho com
a leitura em sala de aula. As respostas foram transcritas tal como redigidas pelos alunos, sendo
assim permitimos manter os desvios gramaticais apresentados.
As estratégias que elencamos para a realização da atividade são as seguintes: Atente-se para
o título, e perceba que ele te ativará uma expectativa a respeito do conteúdo no texto; A leitura é
importante para você? (aludindo ao título do texto que utilizamos) Caso não tenha compreendido
uma passagem, recomenda-se recuar o texto, funciona ainda melhor se começar de novo a partir
do parágrafo; Atente-se para a maneira como o texto é dividido, os tópicos ajudam na
organização das ideias; Se você pensar bem, este texto remete a outros a qual você teve contato,
assim como será retomado em leituras futuras a qual o assunto está vinculado; O texto tenderá a
mostrar-lhe em teor argumentativo um ponto de vista, verifique se condiz com o seu ou se passou a
condizer. Refletir sobre as mudanças que ele causou no seu pensar ajuda na compreensão como
um todo; Reflita sobre as intenções do autor com a construção do texto; Procure não realizar uma
leitura onde só os olhos fazem o trabalho. Manter o foco, a consciência e, sobretudo, o
entusiasmo, vai impulsionar a sua compreensão.

Análise dos dados

Da aplicação da atividade de pesquisa, resultou-se a coleta de quinze resultados para cada


exemplo de atividade. Sendo elas de caráter subjetivo, pusemos um olhar qualitativo sobre os
dados e tivemos conclusões das mais diversas.
A atividade consistia em avaliar o aluno a partir da exposição das estratégias
metacognitivas que auxiliariam na leitura de maneira antecedente ao texto; a atividade 2 consistia,
da mesma forma, em expor essas estratégias, só que de maneira sucedente ao texto. Em ambas as
atividades, os alunos deveriam comentar cada estratégia. No entanto, o contraste entre os dois
exemplos se deve porque, no primeiro deles, os alunos se utilizariam dessas estratégias durante a
leitura, ao passo que, no segundo, esse conhecimento de daria apenas após a realização dela. Na
primeira atividade, uma parte dos alunos alegou que as estratégias elencadas os auxiliaram, porque
já eram utilizadas, mesmo que de maneira inconsciente, nas suas leituras, outra parcela comentou
que elas serviram para relembrá-los sobre a importância de sua utilização.

Dentre os participantes, houve apenas um que não conhecia nenhuma das estratégias
utilizadas: o aluno X versou na competência 6 (O texto tenderá a mostrar-lhe em teor
argumentativo, um ponto de vista, verifique se condiz com o seu, ou se passou a condizer. Refletir
sobre as mudanças que ele causou no seu pensar ajuda na compreensão como um todo), a
seguinte resposta: “minha reflexão, na verdade, foi acerca da competências. Voltei o tempo
todo para elas, para me certificar de que não estava deixando de pôr nenhuma em prática”, tal
assertiva nos mostra duas conjecturas acerca da conduta e do pensamento do aluno X. A primeira é
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a de que ele está alheio às estratégias de leitura, porque não lê assiduamente e, portanto, não
constrói competências básicas como as exemplificadas. A segunda é a de que, talvez, não
compreenda o que lê, visto que só decodifica o texto de maneira mecanizada.
A expectativa era a de que, com a atividade 1, houvesse mais comentários acerca da
contribuição das estratégias no decorrer da leitura, mas como grande parte consentiu que já se
utilizava delas, a atividade terminou tendo caráter excludente, assim, passamos a observar quem as
possuía e quem ainda não as tinha desenvolvido. A estratégia 1 (atente-se para o título, e perceba
que ele te ativará uma expectativa a respeito do conteúdo no texto) rendeu comentários como “isto
é muito óbvio”(sic), dentre outras tiradas irônicas. Ao todo, 5 alunos alegaram tal obviedade. O
aluno Y, em especial, fundamentou sua resposta da seguinte forma: “as leituras que faço muita das
vezes, dispenso os títulos e subtítulos, pois parto da noção de que ganha-se tempo já que o texto irá
expor no seu decorrer a noção que quiser esclarecer.”
Percebemos que o pensamento do aluno Y nos induz à perspectiva de que ele empreendeu
uma estratégia de maneira independente, ao antecipar um processo, com a intenção de dinamizar a
leitura, para que a realização desta se tornasse mais rápida. Na estratégia 2 (A leitura é importante
para você?), o mesmo aluno alega gostar muito das áreas exatas pela vertente mais voltada à área
de cálculos, envolvendo um outro tipo de inteligência, que prioriza a capacidade estatística e
lógica, logo, defende que não tem interesse de fazer leituras muito pesadas. A postura do aluno Y é
tipicamente pueril e condizente com sua faixa etária, pois as inclinações pessoais norteiam os
interesses, e, como tais, estão notoriamente mais distantes do que abarca a leitura contínua. O aluno
em questão desenvolveu um processo para acumular as informações de maneira rápida, devido a
sua ânsia por um resultado mais prático. Em síntese, podemos afirmar que cada um desenvolve
suas estratégias de leitura de acordo com as suas necessidades e intenções pessoais.
No tocante à percepção do aluno W na estratégia de leitura 7, (Reflita sobre as intenções do
autor com a construção do texto), verificamos uma curiosidade em sua resposta: “O autor tem boas
intenções, porém não cabe dizer o porquê. O texto já deixa muito claro que o autor está bem
intencionado”a curiosidade dessa assertiva consiste no fato do aluno querer poupar, na sua resposta,
explicações mais contundentes acerca do que se pede na estratégia. Vamos trabalhar, então,
com as possibilidades que possam justificar o porquê do aluno W ter se mantido sucinto.
Fragmentando sua fala, temos a seguinte a proposição “não cabe dizer o porquê (...) o texto já deixa
muito claro que o autor está bem intencionado”, ora, dessa maneira, vemos que o aluno
verificou um requisito extratextual tendo como instrumento só o texto em si. Dessa forma, acredita
ser desnecessário versar sobre as intenções do autor, visto que tais estão explanadas de maneira
lógica e transparentes na escrita, mostrando-nos que a capacidade do aluno, na sua concisão, põe
em cheque sua estratégia de leitura. Cabe-nos pontuar, dessa forma, que o aluno foi apto a
compreender o que estava escrito, em essência, não se utilizando apenas da decodificação. Podemos
abrir também a conjectura que tal economia de resposta atém-se para a praticidade de resultados,
visando somente o término da atividade. Mas, diante das respostas auferidas anteriormente,
podemos captar que tal reflexão abarca todos os elementos da textualidade, de maneira coesa,
implicando numa estratégia de leitura muito contundente.
As estratégias pautadas na atividade apresentada possuem, cada uma, um teor singular. A
título de exemplificação, a competência 5 (Se você pensar bem, este texto remete a outros, aos
quais você teve contato, assim como será retomado em leituras futuras, nas quais o assunto estará
vinculado) e a competência 8 (Procure não realizar uma leitura em que só os olhos realizam o
trabalho, manter o foco, a consciência e, sobretudo, o entusiasmo vai impulsionar a sua
compreensão.), nos mostram duas intenções claras. A primeira consiste no fator intertextual e, de
maneira acessória, denuncia o conhecimento de mundo que cada um tem. A segunda anuncia a
conduta do aluno quanto à relevância que ele dá à leitura, posto que há uma sugestão acerca de uma
retomada, pois já antecipa uma leitura ineficaz, devido à realização rápida.

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 221

Podemos interligar as palavras-chave foco e entusiasmo a uma reflexão feita pelo aluno Z,
na competência 5. Esse aluno conseguiu verificar uma série de relações com outros textos, aos
quais ele já teve acesso tanto no ensino médio, quanto extraescola: “Essa estratégia me fez pensar
em vários outros textos que li. Pois todos os textos são conectados de alguma maneira...Então, esse
texto retomou um tipo que li, sobre a importância da leitura, há tempos. E poderá me ajudar com
próximas leituras.” Através da competência 8, a aluna B pôde verificar o porquê dela não
compreender a essência do texto em si, seu dito anuncia o seguinte:“ a maneira como eu li (sic) foi
muito rápido, porque eu vi, de cara, que era um texto tipo “manual” sabe? Como se fosse uma
bula, ditando as coisas. Então com essa estratégia eu verifiquei que há mais coisas por trás do texto
do que eu poderia imaginar. Portanto eu o reli.” . Dessa maneira, podemos atrelar a estratégia a
uma impulsão, ou seja, uma “vontade” de releitura, tendo em vista que a aluna B reconheceu uma
importância que antes não havia considerado, por já, internamente, categorizar o texto de maneira
rasa, associando-o a outro menos interessante, o que, consequentemente, a induziu a uma leitura
fraca.
Na atividade 2, os resultados foram menos intensos. Sem as estratégias elencadas
antecipadamente, muitos alunos não compreenderam o propósito da atividade e realizaram a leitura
de maneira superficial. Isso nos alerta sobre o tratamento que é dado à leitura de textos na escola,
como algo que só deve ser cumprido, e que, se não é apresentado de uma maneira mais
dinâmica, ganha funções comprometedoras. Uma resposta do aluno sobre a estratégia 8, citada
anteriormente, chamou nossa atenção pelo caráter crítico “eu só fico com vontade de ler coisas
úteis, como mensagens pq (sic) acho que as pessoas devem se comunicar mais seja la (sic) de que
forma”. A afirmação é intrigante, porque não deixa de estar de acordo com o texto. Ou seja, sua
posição crítica em relação ao texto concatena suas ideias com ele, pois tal como as intenções do
autor, também defende que a leitura é importante mesmo que atribua a ela uma significação mais
comunicativa.

Considerações finais

O embate entre duas atividades nos fez perceber, com as opiniões em diferentes situações
de leitura, que o contato com a leitura depende da maneira como a tratamos. As opiniões subjetivas
dos alunos, como visto, quase sempre denunciam que a leitura não é um ato isolado, mas, sim,
dependente da maneira de ler, que cada um constrói para trilhar seu próprio caminho na
compreensão. O trabalho com a metacognição é uma realidade verificável e deve ser reforçada
ainda mais na rede pública de ensino, para que tenhamos sujeitos mais responsáveis e lúcidos
sobre a construção dos seus saberes.

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SUMÁRIO
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Pontes, 2002.

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2002. Dissertação (Mestrado em Letras e Lingüística) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Goiás, Goiânia,
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SUMÁRIO
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CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM:
UM OLHAR SOBRE O ENSINO DE LIBRAS
Amanda de Assis Silva1

Introdução

Segundo os estudos Chomskynianos, a linguagem é inata ao ser humano e através dela


estabelecemos relações e construímos sentido. Ainda bebês, procuramos formas de interagir com o
nosso meio e, se a linguagem oral é dificultada por problemas físicos, buscamos outras formas de
nos comunicar: por meio de gestos. Seja qual for à forma de comunicação adotada pelo individuo, o
professor precisa buscar maneiras de, através dela, cumprir seu papel de formador de indivíduos
capazes de exercer sua cidadania e formar opiniões.
Por meio da Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, a Língua de Sinais Brasileira tornou-se
o segundo idioma oficial no Brasil. Analisar as formas de abordar essa “nova língua” é de suma
importância para a formação enquanto professor.
As concepções de linguagem apresentam-se, no contexto educacional, de forma a
estabelecer metodologias que serão aplicadas no processo de aprendizagem em sala de aula. Como
afirma Geraldi (2004, p. 45), “uma diferente concepção de linguagem constrói não só uma nova
metodologia, mas principalmente um novo conteúdo de ensino”. Sendo assim, antes de qualquer
atividade, é necessário considerar que tipo de concepção o docente estará estabelecendo como
modelo de ensino e o objetivo de seu uso, e assim como em outras línguas, essa consideração torna-
se também importante no ensino da língua de sinais.
Neste trabalho irei analisar a Língua de Sinais Brasileira focando as possíveis concepções
de linguagem utilizáveis no seu ensino. Apresento um contexto geral sobre a Língua Brasileira de
Sinais (LIBRAS) segundo QUADROS (2006), as concepções de linguagens defendidas por
GERALDI (2004) e TRAVAGLIA (1996) e a análise baseada no resultado de observações
realizadas através de pesquisa de campo, em sala de aula na disciplina de LIBRAS na graduação de
uma Instituição Federal de Ensino.

Fundamentação teórica

A língua é um produto cultural de determinada comunidade. Geraldi (2005, p. 78) afirma


que a
[...] língua, enquanto produto desse trabalho social, enquanto fenômeno sociológico
e histórico, está sempre sendo retomada pela comunidade de falantes. E ao retomar,
retoma aquilo que está estabilizado e que se desestabiliza na concretude do
discurso, nos processos interativos de uso dessa língua.

Quando pensamos no ensino de línguas, é importante lembrar que o uso de concepção de


linguagem reflete em outros conceitos relacionados à educação e suas mais variadas possibilidades
de manifestação.

1
UFPB, Letras Português. E-mail: amanda.jp.pb@hotmail.com

SUMÁRIO
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Breve histórico da Língua de Sinais

Por meio da Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, a Língua de Sinais passou a ser o
segundo idioma oficial do nosso país. Sem dúvida, essa foi uma grande conquista para a
comunidade surda, pois além de reconhecer a LIBRAS como uma língua oficial, dispõe sobre
aspectos importantes da formação educacional e posteriormente profissional dos surdos, a qual já
passou por fortes resistências.
Segundo o Art. 4º da Lei,

o sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do


Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação
Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do
ensino da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS, como parte integrante dos
Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente.

Apesar desse reconhecimento disposto em Lei, a Língua de Sinais ainda recebe forte
resistência que se arrasta ao decorrer de anos. Um empecilho histórico para o progresso dessa língua
ocorreu no Congresso de Milão.

Marco histórico no ensino da Língua de Sinais

Segundo Quadros (2006), o Congresso de Milão, realizado em setembro de 1880, visava à


discussão da educação dos surdos, no entanto, um grupo de ouvintes impôs a superioridade da
linguagem oral nessa educação como único objetivo de ensino.
Ainda, segundo a autora, esse posicionamento pode ser analisado pelo paradigma homem-
máquina da ciência moderna. Em que se acredita que o universo é uma máquina e seu
funcionamento trabalha como as engrenagens de um relógio. Assim sendo, busca-se, a todo o
momento, a descoberta das leis que determinam o movimento dos fenômenos.
Os surdos são vistos, nessa perspectiva, como incompletos ou deficientes. A autora nos
diz:
Desde o século XVII até o Congresso em Milão, a crença no paradigma homem-máquina,
engendrada pela ciência moderna, vai excluindo os surdos do processo educativo e
transformando-os em deficientes. Simultânea e contraditoriamente, o surdo que se expande
e se organiza política e socialmente vai se tornando, ao mesmo tempo, objeto de pesquisa
para a medicina, uma vez que, no novo paradigma, a surdez é uma anomalia orgânica e,
portanto, sujeita à cura (QUADROS, 2006, p. 31).

Sob essa visão, a medicina procura a cura para esta “deficiência”, usando técnicas que
objetivam a oralização do surdo.
A partir desse momento histórico, a educação dos surdos teve um grande regresso, muitos
passaram a ser excluídos das escolas, do ambiente profissional e assumiram uma nova posição: a de
ser objeto de estudo da medicina. Vários movimentos foram criados visando à superação do
preconceito aos surdos. Um deles foi o Movimento Surdo, que foi uma manifestação que ocorreu no
mundo, em busca da acessibilidade e direitos dessa comunidade.
Quadros (2006) nos diz:
O Movimento Surdo, no mundo, proporcionou uma organização política que avança no
sentido de superar a marginalização, trazendo esse sujeito para os espaços que o enxerguem
como um cidadão. É uma organização que atua a partir de estratégias que buscam romper
estereótipos que ameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos adquiridos,
principalmente, a uma educação de qualidade (QUADROS, 2006, pag. 78).

Os surdos buscaram assim o seu reconhecimento como cidadãos, que inclusive, tem o
direito ao uso de sua língua e a educação por meio dela. Neste movimento foi defendido a criação e
implementação de escolas bilíngues.

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A LIBRAS, assim como todas as línguas, possui morfologia, fonologia, sintaxe e


semântica, sendo sua modalidade de articulação visual-espacial.
As línguas de sinais são consideradas línguas naturais e, conseqüentemente, compartilham
uma série de características que lhes atribui caráter no contexto da educação de surdos
específico e as distingue dos demais sistemas de comunicação, por exemplo, produtividade
ilimitada (no sentido de que permitem a produção de um número ilimitado de novas
mensagens sobre um número ilimitado de novos temas); criatividade (no sentido de serem
independentes de estímulo); multiplicidade de funções (função comunicativa, social e
cognitiva – no sentido de expressarem o pensamento); arbitrariedade da ligação entre
significante e significado, e entre signo e referente); caráter necessário dessa ligação; e
articulação desses elementos em dois planos – o do conteúdo e o da expressão. As línguas
de sinais são, portanto, consideradas pela lingüística como línguas naturais ou como um
sistema lingüístico legítimo, e não como um problema do surdo ou como uma patologia da
linguagem. Stokoe, em 1960, percebeu e comprovou que a língua de sinais atendia a todos
os critérios lingüísticos de uma língua genuína, no léxico, na sintaxe e na capacidade de
gerar uma quantidade infinita de sentenças (Quadros e Karnopp, 2004: 30).

Segundo Quadros e Schmiedt (2006),


A língua de sinais é uma língua espacial-visual e existem muitas formas criativas de
explora-la. Configurações de mão, movimentos, expressões faciais gramaticais,
localizações, movimentos do corpo, espaço de sinalização, classificadores são alguns dos
recursos discursivos que tal língua oferece para serem explorados [...] (QUADROS e
SCHMIEDT, 2006, p. 26).

Sendo assim, o ensino de LIBRAS é algo que precisa ser encarado com maior seriedade,
respeitado e não rejeitado. É de fundamental importância que o professor pense como esse ensino
será transmitido e que concepção de linguagem será usada para atingir o seu objetivo de
aprendizagem.

As concepções de linguagem

Um dos estudiosos bakhtinianos no Brasil, Geraldi (1984), trabalhou as concepções e


nomeou-as como: linguagem como expressão do pensamento, linguagem como instrumento de
comunicação e linguagem como forma de interação.
A primeira concepção, a linguagem como espelho do pensamento, apresenta uma forma
“correta” da linguagem que equivaleria à forma “correta” do pensamento.
Para essa concepção,
[...] as pessoas não se expressam por bem porque não pensam. A expressão se constrói no
interior da mente, sendo sua exteriorização apenas uma tradução. A enunciação é um ato
monológico, individual, que não é afetado pelo outro nem pelas circunstâncias que
constituem a situação social em que a enunciação acontece (TRAVAGLIA, 1996, p. 21).

As regras da gramática expressam uma obrigação e uma avaliação de certo e errado, sendo
o aprendizado reduzido ao aprendizado da normatização da gramática. Um exemplo de prática
pedagógica que caracteriza esta concepção é o ditado, pois acredita-se que a prática de exercícios
gramaticais leva à incorporação do conteúdo e que a gramática normativa deve ser um núcleo de
ensino, sendo o erro dos alunos, o fator categorizador dos alunos.
Sob a perspectiva da linguagem como instrumento de comunicação, a leitura é concebida
como um processo de decodificação e a escrita prioriza a estrutura do texto. Segundo Travaglia
(1996, p 22-23),
O ensino da língua focaliza “em código (codificação) e a remete para o outro através de um
canal (ondas sonoras ou luminosas). O outro recebe os sinais codificados e os transforma de
novo em mensagem (informações). É a decodificação”.

SUMÁRIO
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Na concepção de linguagem como processo de interação, a preocupação básica do ensino


da língua materna é levar o aluno não apenas ao conhecimento da gramática de sua língua, mas ao
desenvolvimento da capacidade de refletir, de maneira crítica, sobre o mundo que o cerca e utilizar
da língua como instrumento de interação social.
A linguagem é pois um lugar de interação humana, de interação comunicativa pela
produção de efeitos de sentidos entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação
e em um contexto sócio-histórico e ideológico (TRAVAGLIA, 1996, p. 23).

Metodologia

Como paradigma de pesquisa, utilizei o interpretativista sob uma abordagem qualitativa,


pois o objeto de pesquisa é construído com base nas experiências do observador e da interação em
sala de aula.
Utilizei a pesquisa exploratória descritiva, visto que o objetivo desse tipo de estudo é
descrever ou procurar padrões, no nosso caso, padrões utilizados no ensino.
A fim de coletar os dados, utilizamos a pesquisa de campo, por meio de observações não-
estruturadas e não-participante de observação individual e sistemáticas, realizadas às segundas-
feiras, no horário de 13h00 às 16h30, durante um período de quatro meses, na graduação de uma
Instituição de Ensino Superior na disciplina de LIBRAS a alunos do curso de Fonoaudiologia,
Enfermagem, Turismo e Letras.

Um olhar sobre as concepções de linguagem no ensino de Libras


No período de quatro meses, foi realizada uma pesquisa que visou identificar o uso das
concepções de linguagens predominantes voltadas ao ensino da Língua de Sinais Brasileira
(LIBRAS).
As observações foram feitas na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) nas aulas de
Libras dos cursos de Fonoaudiologia, Enfermagem, Turismo e Letras.
A professora de LIBRAS em questão possui graduação em Fonoaudiologia e é doutoranda
na Língua Brasileira de Sinais. As aulas foram ministradas as segundas-feiras, no horário de 13h30
as 16h30.
Alguns aspectos se sobressaíram na identificação das concepções de linguagem utilizada
pela professora, entre eles, ressalto as atividades desenvolvidas em sala de aula.
Inicialmente foi apresentado aos alunos o alfabeto manual de LIBRAS e treinado com os
alunos, através de repetições, os sinais de cada letra. A repetição por meio de memorização lança a
ideia de a língua ser um reflexo do pensamento, tendo a ideia que essa repetição levará a
incorporação do conteúdo. Observamos aqui o uso da concepção de linguagem como expressão do
pensamento.
A dinâmica mudou ao ser ensinado os membros da família. A professora, usando apenas
sinais e mímicas, convidou integrantes da turma para compor cada membro da família e, de forma
simultânea, ia ensinando os sinais. Essa segunda atividade, prendeu a atenção dos alunos e motivou
o aprendizado através da participação ativa delas. Os alunos tornaram-se participantes no processo
de aprendizagem e não apenas meros repetidores de informações.
Ao ser trabalhado os dias e meses do ano, a professora, após trazer os sinais à aula, fez
uma dinâmica em forma de conversação. Cada aluno devia apresentar-se ao colega dizendo seu
nome, data de nascimento e idade em LIBRAS. Esta atividade permitiu aos alunos testar o
conhecimento adquirido de forma interativa, simulando o contato com o surdo. Observamos nestas
duas últimas atividades, a linguagem sendo usada como um processo de interação.
Como primeira avaliação, os alunos formaram grupos e estudaram temas para a
apresentação de um seminário. Os temas abordados foram:
- História e Educação dos Surdos;
- Aspectos Clínicos da Surdez;
- Aspectos Culturais da Surdez;
SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 227

- Legislação e Surdez;
- A inclusão (social e educacional);
- O profissional tradutor e interprete de língua de sinais;
- Aspectos Linguísticos da LIBRAS;
- A Literatura Surda.
A pesquisa e estudo desses conteúdos permitiram a aproximação dos alunos com o
universo da comunidade surda através do conhecimento de elementos importantes, da história, dos
avanços e da cultura desse grupo social. No entanto, notamos que a linguagem foi apenas um
instrumento de comunicação, os alunos tornaram-se apenas repetidores de informações estudadas,
sem apresentar domínio do assunto, centrados apenas em transmitir enunciados.
Após realizada a apresentação de todos os seminários, houve uma aula específica para os
aspectos fonológicos e morfológicos da Língua Brasileira de Sinais.
Na aula sobre os aspectos fonológicos, foram ressaltados os parâmetros para a formação de
sinais:
a. Configuração de mão (CM);
b. Locação da mão (L);
c. Movimento da mão (M);
d. Expressão não-manual (ENM).
Foram convidados 4 (quatro) alunos à frente da sala de aula. Cada aluno representaria um
parâmetro. A professora dizia um sinal para o grupo de alunos e eles deviam mostrar para a turma
como seu parâmetro se destacava no sinal. Ao final, os colegas deviam reconhecer que sinal havia
sido formado a partir do conjunto.
Sobre os aspectos morfológicos, foi destacado o uso de classificados na LIBRAS e, ao
finalizar a aula, novamente foi feita uma dinâmica de descrição visual e intensificadores. Os alunos
deveriam apresentar o classificar e intensificador de cada sinal de acordo com a ideia exposta pela
professora. Por exemplo: chuvisco - chuva - tempestade.
Novamente, observamos através dessas atividades o uso da linguagem como processo de
interação, pois a participação efetiva dos alunos no aprendizado da LIBRAS, promoveu a
internalização inconsciente desses aspectos linguísticos, tornando os alunos sujeitos ativos neste
processo.
A segunda atividade de avaliação foi à realização de uma prova escrita sobre o vocábulo
aprendido e os temas estudados nos seminários. A prova teve questões de múltipla escolha e
questões abertas. Na aula seguinte, foi entregue a prova a cada aluno e realizada a correção de cada
questão. Neste momento, os alunos tiraram as dúvidas referentes à avaliação e desta forma, tiveram
a oportunidade de avaliar seu aprendizado.
Após a correção da prova, a professora trouxe à sala jogos da memória com os elementos:
natureza, cores e objetos. Após a realização da atividade, cada aluno deveria formar uma frase em
LIBRAS com os vocábulos estudados. O uso do jogo da memória novamente remete a repetição e
ao uso da linguagem como expressão do pensamento.
A fim de estimular a pesquisa e aproximação foi incentivado o uso e aplicativos e
dicionários em libras que serviram de base para a elaboração de atividades participativas em sala de
aula. Também foi convidado à aula, um surdo que deu o sinal identificador de cada aluno e
participou da aula de conversação. Esse contato com o surdo, foi novamente um momento
privilegiado de uso da linguagem como processo de interação, os alunos foram levados a refletirem
sobre a importância do uso da Língua de Sinais e pensarem como essa língua pode ajudá-los a
interagir com o seu meio, principalmente, ao se depararem com uma situação de seu uso, como por
exemplo, ao encontrarem uma pessoa que se comunica apenas por meio de sinais.
Gonçalves diz, que
a interação tende a provocar mudanças tanto no sujeito quanto no destinatário, porque
agimos sobre os outros e os outros sobre nós. A língua não se separa do indivíduo.
Aprendê-la significa, a nosso ver, criar situações sociais idênticas às que vivenciamos no
cotidiano. Em outros termos, o ato interlocutivo não deve se isolar das atividades

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cotidianas, visto que a linguagem não está dissociada de nossas ações e, portanto, aprender
uma língua significa participar de situações concretas de comunicação (GONÇALVES,
2004, p. 2).

Como última atividade de avaliação, os alunos fizeram pesquisas via internet e, com o
auxílio da professora, elaboram uma interpretação de música em LIBRAS.
As atividades desenvolvidas e a utilização da comunicação em alguns momentos apenas
por essa língua permitiram um momento privilegiado de contato dos alunos com a LIBRAS. O
aluno podia utilizar sinais, mímicas ou usar o alfabeto manual como forma de comunicação.
Mais uma vez a concepção de linguagem como processo de interação se sobressai. Através
do uso de atividades interativas, foi dado o incentivo ao conhecimento da comunidade surda por
meio de pesquisas extraclasse, o que permitiu um contato com o contexto social, histórico e
ideológico dos surdos.
Sendo assim, o aprendizado dessa língua foi apontado pelos próprios alunos como válido,
pois desmistificou conceitos errados sobre a surdez e permitiu-lhes o conhecimento e a interação
com a cultura surda.

Considerações finais

Levando-se em conta os objetivos propostos e o aprofundamento teórico da pesquisa, os


resultados obtidos constituíram indicadores relevantes na construção de novos conhecimentos
acadêmicos relacionados ao ensino da LIBRAS. Assim destacam-se aqui algumas considerações:
 A partir das análises feitas em sala de aula, foi observado o uso das três concepções de
linguagem atreladas ao seu ensino de LIBRAS.
 Observou-se, também, que a concepção de linguagem como processo de interação teve
predominância no processo de ensino/aprendizagem. Quando utilizada esta concepção, os
alunos foram levados a uma reflexão da importância do uso da Língua de Sinais, ao
conhecimento da cultura surda e assim, a serem capazes de interagir com este público.
 Notamos o uso de mais duas concepções: a linguagem como expressão do pensamento, por
meio do uso de repetições e a linguagem como instrumento de comunicação, por ocasião da
apresentação do seminário.
A pesquisa realizada constituiu uma importante base para o ensino de Língua de Sinais,
pois observou-se que, embora uma concepção de linguagem apresente-se de forma mais explícita no
ensino da língua, em alguns momentos será necessário o uso de atividades que caracterize outras
concepções, como por exemplo, o uso da repetição. Sendo assim, o ensino de LIBRAS envolve o
uso em conjunto das três concepções de linguagem.

Referências

BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais e dá outras providências.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm. Acesso em: 10/06/2016.

GERALDI, J. W. Concepções de Linguagem e Ensino de Português. In: GERALDI, João Wanderley (Org.). O texto
na Sala de Aula. 3ª ed. São Paulo: Ática, 2004, pp. 39- 46.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. Ed. São Paulo, Atlas, 2002.

GONÇALVES, A. V. O fazer significar por escrito. Selisigno – IV Seminário de Estudos sobre Linguagem e
Significação, v. único, p. 01-10, 2004.

ORLANDI, Eni Pulcinelli. O que é Lingüística. Série Princípios. São Paulo, Ática.

QUADROS, R. M. (org.). Estudos Surdos I. Petrópolis, RJ. Arara Azul, 2006.

SUMÁRIO
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QUADROS, R. M. de & KARNOPP, L. Língua de sinais brasileira: estudos lingüísticos. Art Med. 2004.

QUADROS, R. M. de & SCHMIEDT, Magali L.P de. Idéias para ensinar português para alunos surdos. Brasília,
MEC, SEESP, 2006.

TRAVAGLIA, L. C. Concepções de linguagem. In: ______. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de
gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1996.

SUMÁRIO
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JOGOS: UMA ESTRATÉGIA NO ENSINO


DE PORTUGUÊS PARA SURDOS
Ana Claudia Nunes do Nascimento1
Nayara Kalline Santos Andrade do Nascimento2

Introdução
Através de pesquisas relacionadas ao ensino de surdos podemos perceber que ele tem
crescido no Brasil, uma vez que o aluno possui por direito o acesso à educação, com isso, se faz
necessário a adaptação da escola e do ensino para que possa atender esse aluno, assim como a
apresentação de um ensino motivador ao aluno que aprende o Português como uma segunda língua.
É relevante situar que a primeira língua adquirida pelo surdo é a de sinais.
No Brasil, nós temos a Língua Brasileira de sinais (Libras), que é uma língua estabelecida
por lei. Essa língua apresenta uma modalidade espaço-visual, diferentemente da Língua Portuguesa
que é oral-auditiva, logo, para um surdo que possui como sua primeira língua a Libras, esse poderá
ser um fator divergente em seu aprendizado.
Diante desses fatores, chegamos à temática desse artigo, que está atrelada aos jogos no
processo de aprendizagem de Português para surdos, em que acreditamos ser uma estratégia valiosa
para o incentivo do aluno. Chegamos a esta hipótese mediante a um projeto de pesquisa em que foi
observado um projeto de extensão da Universidade Federal da Paraíba, no qual são dadas aulas de
Português para surdos e que, em algumas aulas, são apresentadas atividades diferenciadas de apoio
e incentivo no aprendizado dos alunos.
Acreditamos que o jogo nesse processo de ensino aprendizagem é relevante, pois, como
vemos em Castro e Tredezini (2014, p. 167),
pode ser considerado como um importante meio educacional, pois propicia um
desenvolvimento coletivo e dinâmico nas áreas cognitiva, afetiva, social e motora, além de
contribuir para a construção da autonomia, da criatividade, da responsabilidade e da
cooperação dos alunos.

Logo, cremos que o jogo, além de ser algo atrativo que propicia um momento de diversão
aos alunos é um instrumento pedagógico de grande valia no meio educacional, uma vez que “Os
jogos não são apenas uma forma de divertimento: são meios que contribuem e enriquecem o
desenvolvimento intelectual.” (ALVES e BIANCHIN, 2010, p. 285).
Através da análise descritiva e comentada dos jogos observados e do formulário
respondido, objetivamos investigar se o uso de jogos é um estímulo ao aluno surdo no aprendizado
de palavras do Português, atentaremos para aspectos positivos ou negativos durante a sua aplicação,
assim como se eles contribuíram para o aprendizado dos alunos.
Como dissemos a princípio, o ensino aos surdos tem crescido no Brasil, contudo, o acesso
à educação por parte dos surdos é algo que foi sendo conquistado ao longo dos anos, principalmente
no que se refere ao uso da língua de sinais, pois, por muito tempo, os surdos foram obrigados a
exercer a língua na modalidade oral. Esse período é conhecido por oralismo. A respeito disso
Quadros, (1997, p. 22) nos diz que essa forma de ensino “não permite que a língua de sinais seja
1
Graduanda do curso de Letras Português pela Universidade Federal da Paraíba. anaclaudiannufpb@gmail.com
2
Graduanda do curso de Letras Português pela Universidade Federal da Paraíba. kallinenayara@gmail.com

SUMÁRIO
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usada nem na sala nem no ambiente familiar, mesmo sendo esse formado por pessoas surdas
usuárias da língua de sinais.” Em síntese, foi um período em que os surdos não poderiam sinalizar,
eram obrigados a falar oralmente. Essa privação ao surdo, acreditamos que resultou,
consequentemente, em uma evasão escolar.
Apesar disso, os surdos não se deram por vencidos. Após muitas lutas e sofrimentos,
realizaram algumas conquistas uma delas está no artigo primeiro da lei nº 10.436, vemos que “é
reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e
outros recursos de expressão a ela associados.” Através da consolidação da lei, iniciou-se a difusão
da língua, assim como o seu ensino.
Mediante a esse e outros fatores, surgiram propostas de ensino que facilitaram o
aprendizado do aluno surdo, uma delas é a educação bilíngue. Segundo Quadros (2006, p.18),
“Educação bilíngue envolve, pelo menos, duas línguas no contexto educacional. As diferentes
formas de proporcionar uma educação bilíngue a uma criança em uma escola dependem de decisões
político-pedagógicas.” Ou seja, as escolas começaram a inserir no contexto educacional tanto a
língua de sinais quanto a língua portuguesa.
Todavia, se faz necessário que os professores sejam capacitados em ambas as línguas,
porém, se o professor não for proficiente em Língua de Sinais, os alunos têm por direito a presença
de um intérprete da língua de sinais que traduza do Português para a língua de sinais, assim como
da língua de sinais para o Português. De acordo com o artigo 17 do Decreto Nº 5.626, de 22 de
dezembro de 2005, “A formação do tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa deve
efetivar-se por meio de curso superior de Tradução e Interpretação, com habilitação em Libras -
Língua Portuguesa”.
Entretanto, no ensino, faz-se necessário, muitas vezes, um estímulo, um incentivo, um
apoio ao aluno diante disso, observamos o fato de que os jogos e as brincadeiras fazem parte do
cotidiano das crianças e que, ao longo dos anos, estes aspectos recreativos foram tomando cunho
educacional, com isso, muitos professores começaram a utilizar-se de jogos como estratégia
didática. De acordo com Gioca (2001 apud CASTRO; TREDEZINI, 2014 p. 178),
os jogos favorecem o domínio das habilidades de comunicação nas suas várias formas,
facilitando a autoexpressão. Encorajam o desenvolvimento intelectual por meio do
exercício da atenção, e também pelo uso progressivo de processos mentais mais complexos,
como comparação e discriminação; e pelo estimulo à imaginação.

Logo, se trabalharmos com nossos alunos através de jogos, estaremos estimulando-o a um


desenvolvimento intelectual. O professor, ao utilizar-se de jogos para o ensino, estará visando
produzir no aluno o aprendizado das respectivas línguas.
Além disso, ao criarmos e/ou adaptarmos jogos de acordo com as necessidades dos alunos,
independente dessa necessidade, estamos contribuindo para o aprendizado e inclusão deles no meio
social e/ou educacional. Entendemos aprendizagem como um “[...] processo de organização das
informações e de integração do material à estrutura cognitiva [...]” (BOCK, 2003 p.153), logo, ao
jogar, o aluno estará realizando um processo de organização mental ou física promovendo uma
interação entre si e a atividade proposta. Nessa interação, o aluno estará em busca da melhor
alternativa para se sair bem no jogo, dessa forma, ele estará fazendo um processo cognitivo. Com
base nesse processo físico e/ou mental, será produzido no aluno um aprendizado.
De acordo Bock (2003, p.118):
Os pontos de ancoragem são formados com a incorporação, à estrutura cognitiva, de
elementos (informações ou ideias) relevantes para a aquisição de novos conhecimentos e
com a organização destes, de forma a, progressivamente, generalizarem-se, formando
conceitos.

Dessa forma, acreditamos que os jogos podem atuar como um ponto de ancoragem para o
aprendizado, uma vez que os elementos do jogo podem atuar no processo de aquisição do aluno.
A elaboração do jogo
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Para realização desse trabalho, abordamos, a priori, uma pesquisa de campo, pois a
pretensão era fazer apenas uma observação acerca do uso de jogos no ensino de Português para
surdos, que é realizado em um d projeto da Universidade Federal da Paraíba e, na própria
universidade, atende surdos de diversas cidades. Contudo, no decorrer da observação, adentramos
em uma pesquisa participativa, uma vez que, mediante as observações, surgiu uma interação entre
os envolvidos nas aulas - pesquisadores, alunos, monitores e professora - além de uma proposta
sugestiva que visa servir de acréscimo ao que já está sendo realizado.
Nossa pesquisa, que será tanto qualitativa quanto quantitativa, consiste na coleta de dados
realizados através de três observações aos jogos aplicados após as aulas de português para surdos.
Outra fonte de dados foi obtida através de um formulário escrito em português e sinalizado em
Libras. O formulário é composto, no primeiro momento, por questionamentos sobre idade,
escolaridade, uso de aparelho auditivo, etc. No segundo momento, cinco questões fechadas, em que
as respostas possíveis são: sim, não e talvez. O objetivo dessas questões foi verificar se os jogos
atuam de maneira positiva ou negativa para esses alunos, assim como, saber se os alunos gostam
dos jogos e se eles contribuem para o seu aprendizado. Através do formulário e dos jogos,
buscaremos interpretar e analisar o comportamento e os dados dos indivíduos.
Contudo, para nossa análise, faremos uma descrição sobre a elaboração dos jogos, que são
de formação de palavras e que, segundo informações da professora, tem como objetivo trabalhar a
questão da memorização de palavras. Observamos que o material apresentado aos alunos foi
construído com material similar a cartolina guache e caneta esferográfica. Os itens foram cortados
em quadrados e neles estavam escritos, com caneta, letras e sílabas.
Com relação a essa elaboração, possuímos algumas considerações. No que se refere à
cartolina, acreditamos que sua cor não foi um fator favorável, uma vez, que mediante ao birô da sala
em que foram realizados os jogos, não foi possível haver um contraste, pois ambos eram
praticamente a mesma cor, como podemos observar na imagem a seguir.

Imagem 1

Outro fator que acreditamos não ter sido favorável foi a escrita com caneta esferográfica, a
mesma apresenta uma escrita ilegível, pois, para um jogo é preciso mais visibilidade. Com relação
às letras e sílabas, percebemos que se faz necessário estabelecer um padrão. Diante dos fatores
apresentados e analisados, apresentamos algumas possíveis sugestões:
● A cor da cartolina, sugerimos uma cor que possua mais destaque, por exemplo, as
cores verde, vermelho ou amarelo;
● A escrita das letras, sugerimos que sejam digitadas em negrito com letras grandes e
cor preta ou, caso sejam escrita com caneta, que seja dada mais ênfase, a estilo de
letras em negrito;
● Letras e sílabas, sugerimos que os jogos sejam escritos apenas em letras individuais e
não em letras e sílabas.

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Acreditamos que as sugestões apresentadas possam de alguma maneira, contribuir para o


trabalho realizado com os alunos, uma vez que, ao apresentarmos a proposta, estamos buscando
uma alternativa sugestiva que apoie o aluno no seu aprendizado, considerando o valor que a
representação visual tem para o surdo.

A realização do jogo

Agora que conhecemos a elaboração do jogo, conheceremos os procedimentos dos jogos, é


importante situarmos que, nas duas primeiras observações, a professora não estava presente durante
a realização do jogo, pois a mesma estava a realizar, como de costume, entrevistas individuais com
os alunos acerca da aula apresentada. Por a professora estar nas entrevistas, quem aplicava os jogos
eram as monitoras do projeto, que são alunas de Letras e que cursam a extensão de Libras (Língua
Brasileira de Sinais).
Quanto à primeira observação, os itens foram distribuídos no birô em linhas e colunas.
Como podemos ver na imagem 1, nas colunas haviam as famílias referentes a cada letra, por
exemplo: a partir da letra b se formaram ba, be, bla, blu, bra, bre, etc. A brincadeira iniciava-se da
seguinte maneira, o aluno X escrevia a palavra no papel e sinalizava para o aluno Y, esse, por sua
vez, deveria procurar as sílabas que formavam aquela palavra de acordo com a Língua Portuguesa.
Após a formação da palavra, as monitoras verificavam se a palavra escrita pelo aluno X e a formada
pelo aluno Y estavam corretas, ou seja, era verificado se a formação silábica e/ou a formação de
palavras estavam de acordo com o padrão da Língua Portuguesa. Se estivessem corretas, o aluno
pontuava, porém essa pontuação não está relacionada a notas, mas sim a pontos competitivos. Se
estivessem erradas, as monitoras explicavam a forma correta e o aluno não pontuava.
Os jogos não tinha processo eliminatório, era contínuo, assim, que o aluno acertasse quer o
aluno errasse, continuaria no jogo. É possível observar nos alunos uma certa competitividade, pois,
ao acertar, eles logo pediam para nós anotarmos que haviam acertado a palavra. Durante a
realização do jogo, os alunos, um por um, saíam para serem entrevistados pela professora (a
entrevista é um momento realizado pela professora ao término das aulas em que os alunos
individualmente lhes apresentam um feedback do que foi realizado), todavia, muitos deles estavam
a formar a palavra do jogo quando saiam para a entrevista, contudo, ao término dela, voltavam ao
jogo. Acreditamos que a interrupção durante o jogo pode ser um fator que tira o foco do aluno, uma
vez que, ao voltar, precisará lembrar qual foi o sinal dado a ele para iniciar a formação da palavra.
Posteriormente a algumas rodadas, o jogo se modificou, e as monitoras começaram,
juntamente com os surdos e as pesquisadoras, a dar sinais para formação de palavras. A partir desse
momento, deu-se uma leve modificação ao jogo, pois os alunos que davam os sinais para os outros
não mais escreviam a palavra no papel antes de sinalizar, logo, só era verificado, pelas monitoras e
pelas pesquisadoras, se a formação da palavra estava correta. Essa modificação decorreu porque os
surdos, um a um, iam a entrevista, alguns começaram a ir embora e alguns, que já estavam a formar
suas palavras no jogo, não queriam parar para dar o sinal ao outro.
Em nossa segunda observação, os itens foram distribuídos aleatoriamente no birô,
diferentemente da primeira como podemos observar na imagem abaixo:

SUMÁRIO
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Imagem 2

Porém, seguindo a outra aula, tanto as monitoras quantos os surdos e as pesquisadoras


davam sinais para formação de palavras. Todavia, mediante a distribuição das sílabas, os alunos se
sentiam enfadonhos, pois, por muitas vezes, eles sabiam formar as palavras, porém não
encontravam as respectivas sílabas. Com isso, deu-se, mais uma vez, uma nova faceta ao jogo, a
partir desse momento os alunos poderiam livremente escolher as palavras para formar, contudo, a
verificação das palavras pelas monitoras e pelas pesquisadoras continuava.
Acreditamos que a escolha das monitoras, em mudar a disposição do jogo foi plausível,
pois os alunos, que antes queriam desistir do jogo alegando que estava difícil encontrar as sílabas
que queriam, agora permaneceram no jogo formando palavras diversas. Através da observação das
palavras formadas, foi possível a nós analisarmos, superficialmente, o nível de conhecimento desses
alunos, pois ao vermos as palavras formadas percebemos que alguns alunos demonstravam maior
dificuldade em palavras polissílabas e com dígrafos.
Na terceira observação, as monitoras trouxeram mais uma versão do jogo, que consiste em
agrupamentos anexados em um clipe. Nesses agrupamentos existiam sílabas e letras que formavam
cinco palavras. As respectivas palavras estavam anotadas em um papel que também estavam
anexadas ao clipe. O desenvolvimento do jogo aconteceu da seguinte forma: no primeiro momento,
as monitoras colocaram os itens em cima do birô. No segundo momento, a professora, que nesta
aula acompanhou em grande parte a brincadeira, pediu para as monitoras explicarem aos alunos
como o jogo seria realizado, prontamente as monitoras sinalizaram para os alunos.
Todavia, a professora retomou a explicação, justificando que a maneira apresentada pelas
monitoras foi resumida. Após a explicação, os alunos que nomeamos por X, Y e W escolheram
aleatoriamente um conjunto de palavras que estavam anexadas ao clipe, a partir disso, foram dados
os sinais das palavras que estavam no papel para que eles fossem formando-as em Português.
Do primeiro agrupamento de palavras foi sinalizado pela professora para a aluna X. As
palavras sinalizadas foram: sapato, nunca, futuro, bigode e beco. Na formação das palavras sapato,
nunca e futuro, não houve dificuldade, mas nas palavras bigode e beco a aluna X teve dificuldades
que consistiam na formação das palavras, onde a sílaba bi e be foram invertidas. Acreditamos que,
até certo ponto, o erro da aluna X é relevante tendo em vista que ela não ouve, contudo, a
diferenciação do be e bi da palavra bigode não é um fator que interfere na compreensão da palavra,
considerando o contexto oral dos ouvintes. Ou seja, entre os ouvintes se for dito oralmente bigode
ou begode as palavras serão compreendidas, contudo, remetendo ao padrão escrito da Língua
Portuguesa a palavra begode não está certa.
Para o aluno Y, as palavras sinalizadas pelas monitoras foram: cocada, flor, dente, jogo e
lente. Dentre essas palavras, ele acertou três: cocada, flor e dente. Sua dificuldade consistiu nas
palavras jogo e lente. Em jogo ele formou gojo, ou seja, ele uniu as sílabas ao contrário e na palavra
lente ele não conseguiu formar, contudo, a monitora o auxiliou mostrando a formação certa das
palavras.

SUMÁRIO
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A monitora sinalizou cinco palavras para a aluna W, das cinco ela acertou três e teve
dificuldades em duas que foram: pijama e loja. Como a aluna teve dificuldade, mais uma vez as
monitoras auxiliaram nesse processo de aprendizado, mostrando como se formava cada palavra.
As alunas X e W justificaram seu erro explicando não conhecerem e/ou nunca terem visto
essas palavras escritas. Do exposto é notório que o jogo é uma fonte de aprendizado, pois
analisando a situação dos alunos, compreendemos que a partir do jogo eles passaram a conhecer
novas palavras.
Ao analisarmos essa terceira observação, percebemos que os alunos ficaram bem atentos
ao sinal das cinco palavras, que eram dadas a cada um individualmente, porém havia algumas
dificuldades nas execuções das formações das palavras, pois existiam palavras que eles nem sabiam
a escrita, aprenderam durante a brincadeira. Através dessa e de outras considerações, podemos
concluir que esses jogos têm sido de acréscimo no processo de aprendizagem desses alunos.
Durante as três observações foi perceptível que existiam palavras que os alunos não conheciam sua
escrita e nem o seu sinal. Com isso, acreditamos que houve uma evolução gradativa, na qual houve
o aprendizado e o reconhecimento de novas palavras e de novos sinais. Logo, através desse
processo de ensino/aprendizado, eles aprendem tanto a sinalizar novos sinais como identificar a
escrita de novas palavras.

O questionário

Como dissemos anteriormente, além da análise das observações, um outro ponto são as
análises dos formulários. A amostra pesquisada foi composta por quatro indivíduos sendo dois do
sexo masculino e dois do sexo feminino, compreendidos na faixa etária dos 16 aos 39 anos, todos
participantes do projeto de ensino de Português para Surdos há cinco meses. No que se refere à
escolaridade, 50% encontra-se cursando o Ensino Médio, 25% já o concluiu e 25% encontram-se na
graduação de nível superior. Todos os participantes eram surdos, entretanto 50% faziam uso de
aparelho auditivo externo. Em relação aos pais dos indivíduos pesquisados, todos possuíam as
funções auditivas normais.
O jogo aplicado ao ensino da Língua Portuguesa, além de ser algo atrativo, que propicia
um momento de diversão aos alunos, é um instrumento pedagógico de grande valia no meio
educacional, uma vez que, como vimos em Aves e Bianchin (2010, p. 285), eles dão uma
contribuição para o enriquecimento e desenvolvimento intelectual. Nesse sentido, quando
questionados sobre a utilidade do jogo proposto no aprendizado de novas palavras em português,
75% responderam que sim o jogo ajuda no aprendizado de novas palavras e 25% responderam que
talvez.
Com relação ao primeiro quesito, podemos confirmar o que foi perceptível através da
observação, que o jogo possui um o impacto positivo no processo de aprendizado dos alunos, ou
seja, através desse resultado, nos certificamos que o jogo tem produzido uma ação positiva nos
alunos e que eles gostam do jogo, como podemos observar no próximo quesito.
O segundo quesito solicitava a opinião do indivíduo sobre o aspecto lúdico do jogo, isto é,
“o quanto o jogo é legal”. Metade dos pesquisados responderam que sim - o jogo é legal - e os
demais responderam talvez.
Com relação a esse resultado gostaríamos de compartilhar que, dentre os que estão na cota
dos 50% do talvez, que são representados por dois alunos, um deles não queria fazer o questionário
por conta do horário, pois o mesmo mora em outra cidade, contudo, foi estimulado por outra surda a
responder. Com isso, acreditamos que a pressa tenha interferido em suas respostas. O segundo
aluno dentro da cota dos 50% comentou, ao responder o questionário, que achava o jogo muito
fácil.
No terceiro quesito, era questionada a importância do jogo no processo de ensino e
aprendizado em sala de aula, 75% dos pesquisados responderam que sim – o jogo é importante na
sala de aula – e 25% responderam talvez. Ao analisarmos esse aspecto, percebemos que os jogos
contribuem para o aprendizado em sala de aula, pois é uma forma diferenciada de apresentar novos

SUMÁRIO
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conhecimentos, envolvendo o aluno através da dinâmica e brincadeira na construção do


conhecimento. Esses resultados corroboram com Castro; Tradezini (2014, p.167) no sentido em
que:
O jogo pode ser considerado como um importante meio educacional, pois propicia um
desenvolvimento coletivo e dinâmico nas áreas cognitiva, afetiva, social e motora, além de
contribuir para a construção da autonomia, da criatividade, da responsabilidade e da
cooperação dos alunos.

Em relação à dificuldade do jogo, objeto do quarto quesito, 75% relataram dificuldades na


execução do jogo e 25% respondeu que não – o jogo não é difícil.
No último quesito, os pesquisados foram questionados sobre a motivação para o
aprendizado da língua portuguesa gerado pelo jogo aplicado. 75% responderam que sim – o jogo
estimulou o aprendizado de novas palavras em português – e 25% respondeu talvez. Esse resultado
reflete os resultados encontrados por Gioca (2001 apud CASTRO; TREDEZINI, 2014 p. 178):
Os jogos favorecem o domínio das habilidades de comunicação nas suas várias formas,
facilitando a autoexpressão. Encorajam o desenvolvimento intelectual por meio do
exercício da atenção, e também pelo uso progressivo de processos mentais mais complexos,
como comparação e discriminação; e pelo estímulo à imaginação.

Considerações finais

Nesse trabalho apresentamos um breve relato acerca da educação de surdos, um dos traços
foi o ensino bilíngue, que é resultado de muitas lutas. Diante desse ensino, trouxemos o nosso
objeto de análise, que são os jogos e, a partir dos resultados, foi possível ressaltarmos a sua
importância. Por intermédio das análises, acreditamos que o material apresentado nas aulas dos
alunos de português tem um grande potencial no processo de ensino/aprendizado do surdo, uma vez
que, através deles, poderá haver uma fonte benéfica para ambas as partes, pois o aluno poderá
aprender sinais na sua primeira língua e a escrita da sua segunda e o professor poderá se utilizar
dele para avaliar o nível de conhecimento da turma sem que haja uma pressão como vemos durante
as provas avaliativas. Com isso, concluímos que os jogos são instrumentos facilitadores para o
exercício de aprendizagem do aluno, assim como poderão ser instrumentos de avaliação para uso
dos professores.
Através dessa pesquisa, também foi possível cumprirmos os objetivos propostos e
confirmarmos pressupostos, uma vez que foi perceptível, pela observação das aulas e pelas análises
das respostas do formulário, que o jogo, como um instrumento pedagógico, pode conciliar aspectos
educacionais e recreativos, visto que, mediante o jogo, os alunos interagiam entre os demais,
exerciam a postura competitiva e aprendiam novos sinais e palavras. Corroborando esses
momentos, cumprimos o nosso objetivo em investigar se o uso de jogos seria um estímulo ao aluno
surdo no aprendizado de palavras do Português e a nossa hipótese de que os jogos atuam como um
ponto de ancoragem para o aprendizado, ou seja, os jogos atuam na ação cognitiva contribuindo
para o desenvolvimento intelectual.
Diante do exposto, propomos, sugestivamente, uma melhoria ao jogo em benefício do
ensino/aprendizagem dos alunos, que o jogo seja repensado nos aspectos como: a cor da cartolina, a
padronização acerca das letras ou sílabas o formato, fonte e tamanho. Esses são aspectos que
acreditamos que possam promover uma melhor visualização e estímulo ao aluno considerando o
valor que a representação visual tem para o surdo.
Este trabalho teve uma importância fundamental em nosso aprendizado enquanto
licenciandas e pesquisadoras. Através dele foi possível um aumento a nossa compreensão acerca do
assunto abordado, nos levando a rever nossa metodologia em sala de aula. Além disso, contribuiu
para o desenvolvimento de competência de investigação.

SUMÁRIO
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Referências

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República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 23 de dez. de 2005. p. 28. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm> Acesso 17 de mai 2016.

______. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras
providências. Brasília, 2002. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ ccivil_ 03/Leis/2002/L10436.htm> Acesso
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CASTRO, Dayane Flávia de; TREDEZINI, Adriana Lanna de Malta. A importância do jogo/lúdico no processo de
ensino-aprendizagem. Revista Perquirere, 11(1): p. 166-181. jul. 2014. Disponível em:
<http://perquirere.unipam.edu.br/documents/23456/422843/A+++import%C3%A2ncia+do+jogo-
l%C3%BAdico+no+processo+de+ensino-aprendizagem.pdf.> Acesso em: 01 de mai. 2016.

QUADROS, Ronice Muller de. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artes Médica, 1997.

QUADROS, Ronice Müller de & SCHMIEDT, Magali L. P. Idéias para ensinar português para alunos surdos.
Brasília: MEC, SEESP, 2006.

SUMÁRIO
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UMA RESENHA SERIA O MENOS RELEVANTE PARA O


RAMO DA ENGENHARIA”: UMA ANÁLISE DA
IMPORTÂNCIA DOS GÊNEROS TEXTUAIS NAS VOZES
DOS ENGENHEIROS QUÍMICOS EM FORMAÇÃO

Rodolfo Dantas Silva

“Uma resenha seria o menos relevante para o ramo da


engenharia”: uma análise da importância dos gêneros
textuais nas vozes dos engenheiros químicos em formação
“[...] em cada campo existem e são empregados gêneros que
correspondem às condições específicas de dado campo [...]”.
(Bakhtin)

As reflexões em torno das práticas de letramento, na educação superior, têm-se tornado algo
central em várias discussões. Certamente, devido às dificuldades apresentadas pelos estudantes
universitários no que diz respeito à escrita científica e à elaboração dos mais variados gêneros que
circulam na academia, exigidos pelos professores – e por que não dizer, também, pelas áreas do
conhecimento – em que cada discente está inserido. Nesse sentido, seja qual for a área do saber
optada pelos acadêmicos, a produção de textos estará presente em suas atividades.
Nos últimos anos, pesquisadores de várias instituições no Brasil vêm demonstrando uma maior
preocupação em oferecer aos universitários práticas de letramento acadêmico, buscando, assim,
proporcionar um maior domínio aos acadêmicos na produção dos gêneros, tais como: resumo,
artigos científicos, relatórios, resenhas, entre outros. Podemos citar, por exemplo, o grupo de
pesquisa Ateliê de Textos Acadêmicos (ATA/PNPD/CAPES), que tem proporcionado o
desenvolvimento de oficinas de textos acadêmicos, na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em
diferentes cursos da graduação. Além disso, investigam as especificidades dos gêneros acadêmicos
em diferentes áreas do conhecimento científico.
Objetivamos, com este trabalho, averiguar e discutir os principais gêneros textuais na graduação
em engenharia química, a partir dos dizeres dos estudantes. Para alcançar o objetivo proposto nesta
pesquisa de caráter quanti-qualitativo, aplicamos um questionário com alunos do curso de
Engenharia Química da Universidade Federal da Paraíba - UFPB (Campus I). Para este trabalho,
selecionamos três questionários dentro os que compõem nosso corpus na íntegra. Ao longo das
análises, buscaremos identificar quais são os principais gêneros textuais em uso pelos engenheiros
em formação, em seguida, perceber a influência do contexto de produção e o papel social que eles
ocupam, por fim, analisar as dificuldades apresentadas pelos discentes no que concerne à leitura e à
elaboração dos gêneros no âmbito acadêmico e em seu futuro campo profissional (Engenharia
Química). Usamos, para respaldo teórico-metodológico, as categorias de análise e a noção de
contexto de produção postulado por Bronckart (1999), o conceito de letramento acadêmico proposto
Fischer (2008), entre outros estudiosos da temática em pauta.

SUMÁRIO
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No que concerne às práticas de letramento nos cursos de engenharia, identificamos algumas


pesquisas. Sem a pretensão de sermos exaustivos, podemos citar os trabalhos de Zedral (2014) que
traz reflexões sobre as práticas de letramentos na área e os sentidos construídos pelos engenheiros
em formação sobre às vivências com a leitura e a escrita; de Fischer e Santos (2014), que
investigaram os posicionamentos na recepção e produção oral e escrita de alunos portugueses do
Mestrado Integrado em Engenharia e Gestão Industrial da Universidade do Minho, Portugal; de
Gadotti e Heinig (2014), que discutem os gêneros discursivos na formação inicial dos engenheiros,
em uma Universidade do Médio Vale do Itajaí, em Santa Catarina, dentre outros.
Este artigo encontra-se estruturado da seguinte forma: primeiramente, introduzimos uma
reflexão sobre “o que é letramento acadêmico?”, destacando como surgiu esse conceito de
letramento e a importância para os estudantes do ensino superior; em seguida, discutiremos as
categorias de análise, em especial às relativas ao contexto de produção, propostos pelo
Interacionismo Sociodiscursivo (ISD); posteriormente, abordaremos uma breve contextualização
sobre o campo da Engenharia Química, logo, nos centramos nos discursos dos engenheiros em
formação, a partir das respostas obtidas no questionário aplicado; por fim, apresentaremos alguns
encaminhamentos com relação ao tema discutido.

O que é letramento acadêmico?

A palavra letramento surgiu no Brasil, na metade da década de 1980, da ausência de conceito


por parte dos pesquisadores que trabalhavam com as práticas e os usos da escrita nos mais diversos
âmbitos educacionais. Entende-se o surgimento do vocábulo como forma de nomear os usos da
sociedade no que diz respeito ao conjunto de práticas de aprendizagem que englobam os usos da
leitura e escrita. Vale pontuar que, hoje, o que nomeamos de letramento tem sentido aproximado
com o que Paulo Freire – um dos maiores pensadores da educação – chamava de alfabetização (Cf.
Kleiman, 2005, p. 19). Entretanto, não quer dizer que uma vez letrado seja alfabetizado; pois é
possível ser letrado sem, necessariamente, ser alfabetizado.
Nas palavras de Cunha:

[...] o termo “letramento” tem sua origem explicada numa tentativa de ampliação
do conceito de alfabetização; letramento e alfabetização são conceitos a priori
entendidos como distintos, mas nem sempre em nível de processos foram
compreendidos em plenitude: muitas das vezes confundidos ou até mesmo tornados
um único procedimento educativo da língua escrita. (CUNHA, 2012, p.136)

Ao ingressar na universidade, cada aluno possui algum conhecimento sobre o uso da escrita,
uma vez que estiveram inseridos em contextos de leitura e escrita no decorrer da sua formação na
Educação Básica. Logo, também, são agentes letrados, tendo em vista que trazem consigo algumas
concepções de leitura e escrita. Porém, apesar de letrados, não conseguem ter boa desenvoltura
assim que chegam na universidade, isto, por ocupar um novo espaço de letramento e passar a
familiarizar-se com novos gêneros textuais que emergem das atividades acadêmicas.
Mas, então, o que é letramento acadêmico? Fisher (2008) assevera que é a “fluência em formas
particulares de pensar, ser, fazer, ler e escrever, muitas das quais são peculiares a um contexto
social”. No âmbito acadêmico, então, essa fluência é construída por meios das vivências dos
universitários em realizar textos, proferir uma discussão, elaborar relatórios de estágios, apresentar
uma comunicação oral, entre outros. As práticas de leitura, escrita e pensamento crítico tornam-se
mais fluentes, nesse âmbito, quando o discente ingressa em projetos de iniciação científica, jovens
talentos, extensão, etc.
Leitão e Pereira (2014) defendem que o aluno ora envolvido nessas práticas de letramento na
academia “[...] é condição essencial para o reconhecimento não apenas intelectual, mas também
profissional”. Nesse sentido, faz-se necessário, então, redimensionar os espaços de letramento,
ampliando para a esfera universitária as investigações sobre o processo de constituição dos gêneros
acadêmicos (Cf. SWALES, 1990), suas características, funcionalidade e implicações sócio-
pragmáticas para os que deles fazem uso.

SUMÁRIO
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As categorias de análise proposta pelo Interacionismo Sociodiscursivo (ISD)

O Interacionismo Sociodiscursivo, por congregar várias ciências como a Psicologia, a


Sociologia e a Linguística, assevera uma legitimidade ao tratar das ações de linguagem, isto, por
toda complexidade que envolve tais ações. Desse modo, e pelo seu caráter interdisciplinar, o ISD
quer ser visto como a ciência do humano. A esse respeito, Bronckart pontua que:

O ISD aceita todos os princípios fundadores do interacionismo social e contesta,


portanto, a divisão atual das Ciências Humanas/Sociais: nesse sentido, não é uma
corrente propriamente linguística, nem uma corrente psicológica ou sociológica;
ele quer ser visto como uma corrente da ciência do humano. (BRONCKART,
2006, p.10)

De acordo com Bronckart (1999), a linguagem é resultante de um processo histórico, sendo


assim, uma condição humana e social. A noção de linguagem adotada por ele é tida como ação, isto
é, a partir do uso da linguagem, agimos e nos desenvolvemos cognitivamente. O quadro teórico-
espitemológico do ISD recebeu influência de estudiosos como Vygotsky, Bakthin, Habermas, assim
como, da teoria dos signos, nos termos de Saussure.
Segundo Leitão (2015, p. 23), por meio da linguagem é que nos construímos, percebemos o
outro, reconhecemo-nos singularmente, agimos nas mais variadas situações, localizamo-nos no
tempo e no espaço, organizamo-nos em grupo(s) social(is) e nos identificamos como seres que
interagem sociodiscursivamente. Podemos afirmar, então, que a concepção de linguagem como
forma de ação é um aspecto central no quadro teórico do ISD. E essa ação é resultante da imersão
do homem em diversas atividades sociais, tendo como mediação a linguagem.
Conforme Pereira (2009, p.128), nesse cenário, em situações reais do uso da língua, a
Linguística Aplicada (LA) tem tido um papel fundamental porque consegue atuar – por meio das
pesquisas desenvolvidas na área – como um elemento de contato entre as teorias que circulam nos
meios acadêmicos e o reflexo delas no estudo e análise das práticas sociais de linguagem.
O agir comunicativo constitui-se, então, como um instrumento pelo qual as ações de
linguagem são atribuídas a um sujeito (agente) e se materializam na entidade empírica que é o texto.
No tocante à materialização do texto empírico, Bronckart (1999, p.119) aborda que “[...] todo texto
é organizado em três níveis superpostos e em partes interativos, que definem o que chamamos de
folhado textual”, sendo esses três níveis: a infraestrutura, os mecanismos enunciativos e os
mecanismos de textualização.

Figura 1: Categorias de análise.

SUMÁRIO
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O contexto sociointeracional postulado pelo ISD

Ao tecer um texto, o autor, mobiliza, no momento da produção, um conjunto de parâmetros


que remetem aos três mundos formais: físico, social e subjetivo. Esses mundos formais foram
descritos e organizados por Habermas (1987) em quem Bronckart (2012[1999]p.93) se baseia para
caracterizar o que chama de contexto de produção e defende que as representações desses mundos
“podem exercer uma influência sobre a forma como um texto é organizado”. Em outras palavras,
influência sobre a forma, o conteúdo e o estilo de um texto. Dessa forma, sempre que lemos e
escrevemos a um texto, retomamos esse conjunto de parâmetros.
O conjunto de parâmetros físicos do contexto de produção reúne as representações sobre um
ato verbal concreto, realizado por um agente, situado, assim, no tempo e no espaço, estando
implícitos aspectos relacionados ao lugar de produção, ao momento de produção e às
especificidades relativas ao emissor e ao receptor (Cf. PEREIRA, 2013).
Já o conjunto de parâmetros sociossubjetivos diz respeito às representações ligadas à
interação comunicativa, atrelando o mundo social, que é aquele onde o indivíduo submete-se às
normas, aos valores, às regras sociais e até mesmo à sua própria subjetividade (mundo subjetivo).

O que dizem os engenheiros em formação sobre o uso dos gêneros textuais?

Ao refletir sobre a área da engenharia, imediatamente, pensamos nas técnicas, nos cálculos, nos
experimentos, na atuação industrial, ou seja, em um campo prático. Logo, é comum nos depararmos
com o discurso: “engenheiro não precisa ler e escrever!”. Porém, a linguagem está presente em
todas as interações humanas, isto é, nas relações sociais com os outros que nos rodeiam. Desse
modo, em todos os campos sociais – inclusive na engenharia – a comunicação está presente.
Segundo Bazzo e Pereira (2006), “o engenheiro precisa saber se comunicar. Aliás, a comunicação
em especial a escrita, é parte inerente ao seu trabalho”.
No ramo da engenharia, há várias modalidades, certamente, porque é necessário que o
profissional se especifique em apenas um campo para melhor domínio. A Engenharia Química,
esfera foco nesta pesquisa, é uma das áreas que o estudante elabora processos, manipula reações
químicas, etc. O profissional dessa área está sempre em busca de propor novos métodos para
confeccionar novos produtos para o uso da sociedade como, por exemplo, bebida láctea, cremes de
tratamento, plásticos, entre outros. Mas, também, atuam em coordenação de equipes nos
laboratórios, inspecionando trabalhadores nas atividades de produção química.
Nesse direcionamento, podemos, então, analisar o que os engenheiros em formação nos dizem
sobre os gêneros textuais que circulam em suas atividades. No que concerne à coleta dos dados para
esta pesquisa, realizamos aplicação de um questionário entre os meses de maio e junho de 2016,
com acadêmicos do curso de Engenharia Química da UFPB, Campus I – João Pessoa, Paraíba. As
perguntas do questionário versam, basicamente, sobre: a) a importância dos gêneros textuais na
universidade; b) as habilidades e dificuldades no que concerne a leitura e escrita dos gêneros; c) o
papel dos gêneros no futuro campo de trabalho na Engenharia Química; d) informações
institucionais. Os engenheiros em formação desta pesquisa cursam entre o 5°(quinto) e 9°(nono)
período. Para este trabalho, selecionamos três questionários dos que compõem nosso corpus na
íntegra.
Fica evidente, nas respostas dos alunos, uma necessidade da utilização dos gêneros textuais em
suas atividades para comunicar-se, para passar credibilidade nos trabalhos em que desenvolvem,
assim como, para facilitar a propagação do conhecimento científico na área da engenharia.
O gênero textual capítulo de livro mostrou-se relevante no uso para leitura. No gráfico abaixo, é
possível verificar que cerca de 57,1% dos alunos, nas atividades acadêmicas leem mais por meio do
livro. Certamente, isto se dá pelo fato da prática de leituras de cálculos matemáticos nos livros da

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área. É importante destacar, também, a frequência do hábito de leitura do gênero artigo científico,
uma estimativa de 28, 6% dos discentes afirmaram ler.

Gráfico 1: Porcentagem dos gêneros textuais usados para leitura.

Agora, para escrever, os engenheiros em formação apontaram – cerca de 71,4% (observe o


gráfico 2) – que costumam escrever mais o gênero relatório. Compreendemos, então, que eles
fazem uso desses gêneros devido seu contexto de produção1, ou seja, à influência do lugar onde eles
atuam – curso de Engenharia Química –, precisam estar em constante elaboração de relatórios dos
experimentos químicos, relatórios de iniciação científica – uma vez que os informantes destacaram
está em projetos ou já ter participado – e os relatórios obrigatórios dos estágios curriculares.

Gráfico 2: Porcentagem dos gêneros textuais usados para escrita.

Mas, qual a importância dos gêneros textuais na universidade?

Quando indagados a respeito da importância dos gêneros textuais na academia, os discentes


reconhecem a necessidade de dominá-los, uma vez que são solicitados pelos professores na
graduação, vejamos na fala de Robert2, por exemplo:
1
Conforme Bronckart (1999).
2
Foram escolhidos pseudônimos para preservar a identidade dos sujeitos que contribuíram com a pesquisa.

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Robert: é importante a compreensão e o domínio nos usos dos gêneros textuais


nas atividades acadêmicas, principalmente, pela necessidade de desenvolvimento
de vários textos que os professores cobram em suas disciplinas. (Grifos nossos)

No discurso de Leandro, é possível percebermos o quanto são demarcados os pré-


construídos3 do lugar social onde ele atua, no caso, do campo da Engenharia Química. No qual,
como já discutimos acima, há presente na sociedade um discurso recorrente de que em cursos da
área de exatas, a necessidade é, apenas, de calcular.

Leandro: Sim, não é porque sou de exatas que não levo a escrita à sério. Como
já disse, nós como estudantes universitários temos o dever de no mínimo
apresentar uma boa escrita. Afinal, somos a minoria da população "mais culta".
Além disso, um texto bem escrito facilita o entendimento de quem lê. No entanto,
uma resenha seria menos relevante para o ramo da engenharia. (Grifos nossos)

No entanto, o estudante apresenta uma desconstrução a esse tipo de pensamento, advogando a


necessidade de cada universitário se dar conta de que é preciso de no mínimo “apresentar uma boa
escrita”. Outro ponto que identificamos, foi o reconhecimento do seu interlocutor, quando profere
que escrevendo bem facilitará o “entendimento de quem lê”. Por fim, o acadêmico de Engenharia
Química, apresenta aspectos relacionados ao mundo sociossubjetivo4 no momento em que alega que
o gênero resenha não é mais o relevante no ramo da engenharia. Nesse posicionamento, há um
conjunto de parâmetros reveladores dos valores presente em sua área. Desse modo, a resenha não
tem muita utilidade, pois não é um gênero propício para seu propósito comunicativo.

Ponto de chegada: alguns direcionamentos...

A partir das análises discutidas até então, entendemos que a leitura, a escrita e o uso dos
gêneros textuais, fazem parte das vivências na formação dos futuros profissionais da Engenharia
Química. E que as suas práticas, ao longo da graduação, não se resumem pelo domínio técnico,
experimental de cálculo, mas também por atividades que fazem uso da linguagem em seus
trabalhos.
Nossa pretensão foi identificar, por meio das vozes dos estudantes, quais são os principais
gêneros que circulam nesse campo do saber e a importância tanto na universidade quanto no futuro
âmbito do trabalho. Os agentes revelam, então, que o uso é extremamente importante para sua
comunicação, exclusivamente, quando precisa relatar por meio do gênero relatório.
Os dados apontados servem para futuros desdobramentos dos professores com relação ao
letramento acadêmico dos discentes das engenharias, uma vez que identificado qual gênero é mais
latente em suas vivências, é de suma importância investir em práticas de escrita do mesmo.
Em linhas gerais, o que inferimos é que, diferentemente do que pensam, para ser um
Engenheiro Químico não precisa apenas dominar o controle de calor, a reação da substância, o
domínio da álgebra, da estatística e do raciocínio matemático, mas dominar o uso da leitura e escrita
para um bom desempenho em suas atribuições tanto intelectuais quanto profissionais.

3
Segundo Bronckart (1999).
4
Habermas (1987)

SUMÁRIO
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Referências

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SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 245

MOVIMENTOS ENUNCIATIVOS NO GÊNERO


SENTENÇA CRIMINAL: TRAMA
ARGUMENTATIVA EM CONTEXTO JURÍDICO
Alexandra Pereira Dias 1
Monique Galdino Queiroz 2

Introdução

A escrita promove relações de poder na sociedade, e na esfera jurídica, objeto de nossas


discussões aqui neste capítulo, essas relações são acentuadas devido a importância que a lei possui
na vida da sociedade ao decidir questões jurídicas. Assim, o juiz, ao intervir por meio de textos
como sentenças criminais, civis, acordão, entre outros, julga conforme os ditames da justiça. Nesse
caso, ao decidir sobre uma ação, de forma isenta, sem ideologias, crenças ou valores, é necessário
para que se cumpra o estado de direito dos brasileiros. A necessidade de certo afastamento
discursivo do juiz ao deliberar está atrelada ao princípio da dignidade da pessoa humana.
No entanto, afastamento não é o mesmo que neutralidade, uma vez que é impossível que o
juiz seja simplesmente a “boca que pronuncia as palavras da lei”, um ser inanimado e privado de
alma, como preconizava Montesquieu. Nos séculos XVII e XVIII, esse era o ideal a ser atingido.
Porém, com o passar do tempo, foi-se percebendo que os juízes precisavam de certa liberdade de
decisão, uma vez que os contextos aos quais a lei se aplica são variáveis e, portanto, exigem do
magistrado a capacidade de deliberar sobre os mais diversos contextos da vida humana, marcados
pela pluralidade e imprevisibilidade.
Assim, estabelece-se o dilema: embora o Estado preconize que os documentos jurídicos
sejam neutros, imparciais e isentos de subjetividade (cf. COLARES, p. 11), o magistrado ao julgar,
mesmo que não queira, deixa influir aspectos de sua formação ideológica e cultural. Corroborando
esse pensamento, Torresan e Costa (2010, p. 249) afirmam que o papel ideal do jurista seria o de
decidir sem envolvimento pessoal, excluindo-se completamente das decisões, contudo, como isso é
impossível, uma vez que há possibilidades de encaminhamentos diversos para cada caso julgado,
deve-se reconhecer o sujeito por trás do discurso jurídico, e não apagá-lo.
Partindo desse ponto de vista, é necessário que passemos a perceber a presença de um
sujeito que utiliza a linguagem como forma de ação. A partir de uma dada necessidade
comunicativa, o juiz (pode) usa (r ) a língua estrategicamente, a fim de atingir um objetivo e,
portanto, modaliza o seu discurso, deixando marcas no texto que denunciam (revelam) seus pontos
de vistas e ideologias.

1
Mestranda em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística (PROLING/UFPB). Membro do Ateliê de
Textos Acadêmicos (ATA/UFPB) e do Grupo de Estudo em Letramentos, Interação e Trabalho (GELIT/UFPB).
alexandradias25@gmail.com
2
Mestre em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística (PROLING/UFPB). Membro do Ateliê de
Textos Acadêmicos (ATA/UFPB) e do Grupo de Estudo em Letramentos, Interação e Trabalho (GELIT/UFPB).
moniquecgaldino@outlook.com

SUMÁRIO
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Dentre os gêneros que são próprios da atmosfera jurídica, a sentença se constitui como um
texto em que se veicula o parecer final do magistrado acerca de um processo. Em outras palavras,
através desse gênero, põem-se termo ao processo, encerra-se a lide. Como precisa decidir sobre
algo, o autor baseia essa decisão em argumentos e conduz o seu texto de forma a comunicar sua
decisão, mas não apenas isso, a convencer o seu interlocutor sobre a coerência dela. Assim,
podemos afirmar, utilizando as palavras de Colares que “o discurso decisório é ideológico,
argumentativo, persuasivo”. Pois, segundo ela, ao usar as palavras de Mendonça (2000, p. 03) “a
própria motivação da sentença representa uma tentativa, por parte do juiz de convencer as partes e a
sociedade do acerto de sua decisão”.
Feitas tais considerações, objetivamos analisar neste trabalho como o produtor do gênero
textual sentença criminal, se posiciona subjetivamente ao longo de seu texto e de que maneira essa
subjetividade direciona a formulação da senteça, de forma a orientar a interpretação de seus
destinatários. Para a análise, selecionamos uma amostra do gênero, coletada na 2ª Comarca da
Cidade de João Pessoa. A sentença escolhida integra o corpus coletado durante a vigência da
pesquisa de iniciação científica intitulada “Práticas Sociais de Escrita: a retextualização de gêneros
jurídicos”, durante o período de 2012 a 2013, sob a orientação da professora Dra. Regina Celi
Mendes Pereira. As discussões aqui empreendidas são baseadas no aporte teórico-metodológico do
Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) e se relacionam a uma das categorias do folhado textual, os
mecanismos enunciativos, apresentada por Bronckart (2010).
Neste trabalho, partimos do princípio de que aspectos linguísticos dos textos jurídicos
organizados pelo autor, podem influenciar na compreensão do destinatário ao expor a lei, o discurso
do reú e do Ministério Público. O juiz constrói uma trama argumentativa, na qual integra vozes
diversas para respaldar a sua opinião e, por vezes, para transferir a responsabilidade do que é
enunciado a diversas instâncias, agindo, portanto, como um gerenciador de vozes a favor do seu
objetivo.
A fim de atingirmos o objetivo deste trabalho, organizamos o artigo nas seguintes seções:
primeiramente, discutimos os pressupostos teórico-metodológicos do ISD; em seguida,
descrevemos os procedimentos metodológicos da análise e, posteriormente, analisamos a sentença,
observando de que maneira os mecanismos enunciativos estão distribuídos no texto, e como essa
distribuição está relacionada ao objetivo de persuadir o leitor, além de analisar como as
modalizações expressam as avaliações do juiz sobre o caso.

Pressupostos teóricos-metodológicos: o texto e seus parâmetros de produção segundo o


Interacionismo Sociodiscursivo (ISD)
É no agir comunicativo que as ações de linguagem são aplicadas a um sujeito (agente) e se
materializam na entidade empírica, o texto. Conforme Bronckart (1999, p. 72), os textos são
produtos de atividades humanas, articulados às necessidades, aos interesses e às condições de
funcionamento das formações sociais no seio dos quais são produzidos. Por isso, toda unidade de
produção de linguagem que veicula uma mensagem linguisticamente organizada, e que tende a
produzir um efeito de coerência sobre seus destinatários, denomina-se texto.
O autor explica que cada texto exibe um modo determinado de organização de seu conteúdo
referencial, e é composto por frases articuladas umas às outras, que se organizam de acordo com
regras de composição mais ou menos restritas. Além disso, para ele, os textos apresentam
mecanismos de textualização e mecanismos enunciativos, que são destinados a lhes assegurar
coerência interna. Dessa forma, as produções textuais passam a ser vistas como portadoras de
significado, de planejamento e são instrumentos de ação social.
A fim de desvendar a complexa trama da organização textual, Bronckart lança mão da
metáfora do folhado textual. A organização interna dos textos é composta por três níveis
superpostos: a infraestrutura textual, os mecanismos de textualização e os mecanismos
enunciativos.

SUMÁRIO
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A infraestrutura3 é o nível mais profundo, constituído pelo plano geral do texto, que
compreende a organização do conteúdo temático, os tipos de discursos, as modalidades de
articulação entre esses tipos de discursos e a noção de sequencialidade.
No nível intermediário desse folhado estão os mecanismos de textualização. Esses
mecanismos referem-se às regras de organização geral de cada texto, que compreendem os de
mecanismos de conexão nominal. Esses elementos linguísticos contribuem para o estabelecimento
da coerência temática, tornando possível a coesão entre os enunciados.
Finalmente, os mecanismos enunciativos, que podem estar presentes em qualquer parte do
texto, por sua vez, são responsáveis pelos posicionamentos enunciativos e as modalizações, que são
referidas pela dimensão configuracional do texto, colaborando não só com a sua coerência
pragmática, mas também contribuindo na orientação interpretativa.
As modalizações podem ser classificadas de acordo com as funções que expressam: as
lógicas estão relacionadas aos julgamentos sobre o valor de verdade das proposições enunciadas,
que são apresentadas como certas, possíveis, prováveis, improváveis etc; as deônticas traduzem
avaliações à luz dos valores sociais; as apreciativas traduzem julgamentos mais subjetivos, e
apresentam os fatos como bons, maus e estranhos, sempre na visão da instância que o avalia; as
pragmáticas são avaliações que se referem às capacidades de ação e à intenção do agente (poder
fazer), a intenção (o querer fazer) e as razões (o dever fazer).
Os mecanismos enunciativos, foco de nossa investigação, são responsáveis pela manutenção da
coerência pragmática (interativa) dos textos. Contribuem, segundo Bronckart (1999), para o esclarecimento
dos posicionamentos enunciativos (vozes) e mostram as diversas avaliações sobre o conteúdo temático
(modalizações), orientando também a interpretação dos destinatários sobre o texto.
Através dessas instâncias, podemos observar o que é enunciado no texto, traduzido por avaliações
como: julgamentos, opiniões, sentimentos e sobre aspectos que envolvam o conteúdo temático dos textos.
Esses posicionamentos revelam vozes que se entrecruzam com outras instâncias, além daquela referente ao
domínio que lhe é inerente, neste caso, ao gênero jurídico. As vozes que orquestram o texto estão
reagrupadas em três subconjuntos: a voz do autor empírico, a voz social, e ainda, as vozes de personagens.
A voz do autor é aquela que provem diretamente da pessoa que produz o texto, que intervém
comentando ou avaliando alguns aspectos do enunciado. Já as vozes sociais, vozes de outras pessoas ou
instituições, são exteriores ao conteúdo temático, mas mencionadas como instâncias externas de avaliação
desse conteúdo. Por fim, as vozes de personagens, que podem ser inseridas através do discurso direto e
indireto, são vozes de pessoas ou de entidades humanizadas implicadas diretamente no conteúdo temático.
É importante salientar que a reunião dessas vozes faz com que o texto seja uma entidade de caráter
polifônico. Bronckart (1999) afirma ainda que os conhecimentos humanos são construídos na interação com
as ações e com os discursos dos outros e, mesmo quando são alvo de uma organização singular, resultante da
dimensão experiencial própria de cada pessoa, ainda assim, continuam portando os traços de alteridade
constitutiva.

Gênero sentença criminal e modalizações: analisando o corpus


A pesquisa de caráter descritivo e interpretativo se utiliza de corpus com base documental
constituído, originalmente, por 03 sentenças criminais julgadas na primeira instância pela Justiça
comum por juízes de direito e/ou federais. Esses juízes atuam em fóruns de comarcas - varas
especializadas – e a autoria do processo parte do ministério público. As sentenças foram arquivadas
entre os meses de fevereiro a dezembro de 2012. As amostras das sentenças criminais coletadas
envolvem os seguintes crimes: falsidade ideológica, furto simples, atipicidade de conduta, furto
qualificado, crime de estupro e porte ilegal de arma de fogo. Entretanto, para esse trabalho em
especial, analisamos uma sentença da 2º Vara Criminal de João Pessoa, cujos crimes consistem em

3
Em entrevista concedida a Rivadavia Porto Cavalcante (2015, p. 113), Bronckart explica que foi integrado os
mecanismos de coesão verbal às escolhas dos tipos de discursos, contemplados na infraestrutura. Além disso, trabalhos
como de Bronckart e Machado (2009) também citam essa modificação.

SUMÁRIO
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estupro e porte ilegal de arma de fogo. Os sujeitos processuais da sentença, bem como o juiz, foram
mantidos em anonimato por questões éticas.
A fim de ilustramos o lugar de produção da sentença analisada, apresentamos abaixo o
organograma do Poder Judiciário brasileiro.
Figura 1 – Organograma do Poder Judiciário

Fonte: http://www.guiadedireitos.org/index.php?option=com_content&view=article&id=202&Itemid=58

O organograma descreve os tipos de atividades social em que o texto foi produzido. Assim,
a partir do organograma acima, verificamos que as divisões das competências, no tocante à justiça,
são estruturadas da seguinte forma:
A justiça Estadual soluciona conflitos que possam surgir entre pessoas, empresas ou
instituições.
A justiça Federal julga casos no tocante aos interesses da união, das autarquias ou das empresas
públicas.
A justiça do trabalho busca resolver conflitos entre trabalhadores e empregados.
A justiça eleitoral existe para garantir que o processo eleitoral seja honesto.
A justiça militar processa e julga os crimes militares.
As sentenças podem ser analisadas por duas instâncias. A primeira analisa e julga o caso
apresentado pelo judiciário, na pessoa do juiz, e a segunda julga os casos advindos da primeira
instância. Neste último caso, se uma das partes (ministério público ou réu) não concordarem com a
decisão apresentada pela primeira instância, ambos poderão apelar para que seja analisada pela
segunda instância.

SUMÁRIO
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O gênero sentença criminal


Por ser um gênero (de texto), a sentença possui uma forma mais ou menos estável, ou seja, é
um texto que obedece a certas regras de estruturação. O Código do Processo Civil Brasileiro
estabelece que as sentenças precisam possuir alguns requisitos essenciais: o relatório, o fundamento
e o dispositivo.
QUADRO 1 - Sentença Criminal

É a exposição circunstanciada do processo, devendo


conter o nome das partes, resumo breve da exposição da
Relatório acusação e defesa, com as respectivas fundamentações,
histórico do processo. O relatório deve vir em ordem
cronológica dos atos processuais

Fundamentação O juiz menciona a razão ou tese pela qual não se acolhe a


teórica tese do autor ou do réu.

Dispositivo Conclusão que o juiz finaliza a lide, esclarecendo qual o


direito que se aplica ao caso em exame.
Fonte: Pereira (2002): Aspectos Gerais da Sentença Criminal.

Embora o quadro acima esteja voltado à análise da sentença criminal, a mesma estrutura é
encontrada também em sentenças de outros tipos, conforme observamos em trabalho anterior
(GALDINO, PEREIRA, 2011). Uma vez que o que delimita a forma deste gênero é o seu propósito
comunicativo, as sentenças de forma geral são estruturadas de forma a veicular o parecer do juiz a
respeito de determinado caso e, por isso, geralmente se estruturam conforme o apresentado.
Conforme observamos em trabalhos anteriores, na infraestrutura do gênero em questão
entram diversas sequências discursivas, que se relacionam ao objetivo do produtor do texto. Dessa
forma, a fim de convencer o interlocutor acerca da coerência de sua decisão, o juiz intercala
sequências narrativas, descritivas, argumentativas e injuntivas. Por exemplo, durante o relatório,
observamos a presença das sequências narrativas e descritivas, por meio das quais o autor apresenta
os fatos e situa o receptor quanto aos trâmites do processo. Na etapa da fundamentação, há a
predominância da sequência argumentativa, pois aqui, de fato, o magistrado fundamenta a decisão
tomada. Finalmente, o dispositivo dá prosseguimento à decisão, manifestando o posicionamento do
juiz. Assim, encontramos nesta etapa um misto de narração, argumentação e injunção, que visa a
fortalecer a estrutura persuasiva do texto. A seguir, apresentamos trechos dos três momentos da
sentença analisada, isto é, relatório, fundamentação teórica e dispositivo, procurando observar de
que maneira as modalizações aparecem no texto, contribuindo para o estabelecimento da coerência
pragmática ou interativa e orientando o destinatário na interpretação de seu conteúdo temático”.
(BRONCKART, 1999, p. 330).
No relatório, podemos observar que o autor insere vozes de personagens diversas para situar
o leitor acerca dos motivos do processo e das etapas já percorridas. Dessa maneira, o juiz atribui aos
personagens a narração dos fatos, transferindo a eles a responsabilidade do que é enunciado. Na
sentença analisada, o réu é acusado de estupro e posse ilegal de arma de fogo. Dessa forma, na
contextualização do caso, entram as vozes do acusado, da menor e das testemunhas, além de vozes
sociais, como as leis que prescrevem a atitude de acusado como crime.
Inicialmente, o produtor anuncia a denúncia feita pelo Ministério Público contra o acusado
por meio dos crimes previstos nos artigos art. 217-A, c/c o art. 225, sendo crime de “estupro” e
“posse ilegal de arma de fogo”, com base no inquérito instaurado com a prisão em flagrante. Nesse
momento, o autor expõe a partir dos sansões previstas na lei, os crimes e os correlaciona com os
artigos do código penal. A avaliação é pautada no que diz a lei, a partir dos valores sociais, ou seja,
a partir do que a lei compreende como verdadeiro.

SUMÁRIO
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Nesta etapa, além das vozes sociais, o autor apresenta as vozes dos personagens e as divide
em duas principais: as vozes da acusação e da defesa. Esses dois blocos reúnem pessoas que estão
diretamente implicadas no percurso temático. As vozes da acusação se unem de forma a construir
um discurso argumentativo voltado para a condenação do réu. Assim, são mostradas as vozes do
representante do Ministério Público, que denunciou o delito, da menor, abusada sexualmente desde
os 8 anos; do acusado, que praticou o crime e ameaçava a criança; da vizinha, responsável por
denunciar o crime, e da mãe, que prestou o B.O. Ao lado dessas vozes, há a voz da defesa, menos
extensa, que se limita a pedir a absolvição do acusado, quanto ao crime de estupro, e sua
condenação mínima, quanto ao crime de arma de fogo. Com o objetivo de delimitar o que é dito por
ele e pelas outras partes, o autor insere essas vozes e, recorrentemente, cita os documentos que
apresentam os episódios narrados, bem como as leis que prescrevem os crimes.
Nesta fase da sentença, observamos que o autor, ao relatar o processo, se utiliza de
modalizações lógicas, que consistem na avaliação de alguns elementos do conteúdo temático. Essas
modalizações se referem ao valor de verdade das proposições enunciadas, conforme Bronckart
(1999, p. 330), apresentando os fatos como atestados (ou certos), possíveis, prováveis, eventuais,
necessários.
O autor expõe ao leitor a acusação contra o réu por meio do termo “exordial acusatória”, ou
seja, apresenta o possível momento em que ocorreram os crimes, e indica a data, local e horário em
que o acusado realiza a possível ação “[...] que no dia 03 de novembro de 2011, por volta das 10:00
hs, foi preso em flagrante, por ter abusado sexualmente de sua entediada, a menor xxxx, de nove
anos de idade”. A maneira como o autor escolhe justificar a prisão do acusado, utilizando o verbo
auxiliar + o verbo no particípio passado objetiva indicar incerteza e/ou possibilidade do crime ter
ocorrido ou não. Da mesma forma, em “A denúncia ainda informa que o acusado teria despido a
menor” e em “(o acusado) já teria cumprido pena na cidade do Recife/PE.”, (grifo nosso), o uso do
verbo no futuro do pretérito indica a possibilidade do fato ter ocorrido, mas não a sua comprovação,
uma vez que é apresentado pela acusação na fase inicial do processo. Em síntese, o autor apresenta
a cena do crime indicando a ordem cronológica dos fatos, e modaliza logicamente ao apresentá-los
como possíveis ou prováveis, de modo imparcial.
Dessa forma, o objetivo do produtor é apresentar o que até então foi julgado, fazendo uma
síntese da ação movida e dos motivos que a desencadearam. Isso indica que no primeiro momento
da sentença, o autor expõe o ocorrido de modo isento, demonstrando uma das suas facetas ao
apresentar os fatos ocorridos por parte da acusação, ao dizer “Com medo, a menor procurou uma
vizinha chamada xxx, contando tudo o que vinha acontecendo. ” E ainda ao se referir ao acusado
“Recebida a denúncia (fl. 61) o réu foi citado para apresentar defesa escrita, deixando escoar o
prazo [...]”.
A seguir, o redator revela ao leitor o posicionamento do Ministério Público, representante
legal da vítima, que solicita a condenação do acusado, ao dizer “O Ministério Público, pugna pela
condenação do acusado nos termos da denúncia por estar comprovada a autoria e materialidade
do delito (fls. 139/142)”. Apresenta ainda, a voz da defesa do acusado, que pede a absolvição do
cliente pelo crime do art. 217 e a pena mínima do crime do art. 12, alegando a ausência de provas
seguras “[...] a defesa requer por sua vez a absolvição do acusado, alegando a inexistência de
prova segura da autoria da infração”. Assim, o juiz ao trazer a voz da defesa e acusação,
demonstra pontos de vista divergentes, e busca apresentar o valor de verdade por meio dos
enunciados apresentados. Nesse caso, apresenta os fatos como lógicos, isto é, possíveis ou
prováveis, mantendo a equidade dos eventos.
No início da fundamentação, o magistrado afirma que “os crimes em questão, quase
sempre, se dão na clandestinidade, de forma que a prova do fato, via de regra, consiste unicamente
no depoimento da vítima, que deve se mostrar coerente, certo e consistente, bem ainda,
corroborado por outras afirmações dos autos”. O período em questão mostra a mistura de
modalizações lógicas, deônticas e pragmáticas. Ao introduzir a locução conjuntiva “quase sempre”,
o juiz expressa que boa parte dos crimes como o julgado se dão na clandestinidade e que, por isso,
através da modalização deôntica “via de regra”, em conformidade com as normas, devem ser

SUMÁRIO
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provados através do depoimento da vítima. A modalização pragmática, marcada pelo verbo dever,
indica a necessidade desse depoimento ser coeso, expressando a capacidade de ação imputada à
vítima pelo magistrado. Essa condicionalidade estabelecida pelo juiz, é de fundamental importância
para o desenvolvimento de sua argumentação, como veremos a seguir.
Assim, “do exame de todo esse conjunto é que o julgador terá como discernir o certo do
errado, o justo do injusto e, havendo dúvidas, que se aproveite em favor do réu”. Através das
expressões grafadas, o autor avalia pragmaticamente a responsabilidade que lhe cabe como juiz:
julgar a partir de um conjunto de evidências. É interessante que aqui o autor utiliza a terceira pessoa
do singular, em vez da primeira, assumindo, assim, certo distanciamento sobre o que é enunciado.
Essa estratégia, por sua vez, transfere a responsabilidade da ação a um personagem, não ao autor
empírico. Em sua análise das modalizações, Estrela (2010, p. 76) observou que inserir um
“julgamento sobre uma das facetas de responsabilidade de um personagem traduz, de forma
incisiva, a influência que o locutor quer exercer sobre o interlocutor.” O magistrado afirma que,
apenas a partir desse exame minucioso, é que qualquer julgador, não somente ele, deverá tomar
alguma decisão. Assim, o autor orienta a interpretação do interlocutor para aderir à tese de que a
tomada de posição do juiz não é infundada, ao contrário, obedece a critérios de observação
minuciosa típicas da profissão.
Para fundamentar a decisão sobre o possível crime de estupro previsto no art. 217, o juiz
recupera as vozes dos personagens, do laudo, vozes sociais e incorpora também vozes substanciadas
por especialistas em depoimento infantil. É aqui que a voz do acusado aparece pela primeira vez,
visto que no relatório a sua voz só se evidencia por meio do discurso da menor, o que, portanto,
fornece ao leitor apenas um ponto de vista. No entanto, na fundamentação, a perspectiva do acusado
também é apresentada, contrariando o dito até então. Assim, o acusado “supõe que a mãe da menor
tenha criado tal situação, ou seja, lhe imputado falsamente o crime”. A modalização apreciativa
reflete o posicionamento do réu acerca do que foi enunciado pela acusação. Abaixo, o juiz adere ao
discurso do réu, afirmando que: a prova testemunhal consiste em “familiares da vítima e uma outra
vizinha que mantém estreitos laços de amizade com a genitora da ofendida, tendo todas repetido a
versão da mesma, até porque, nenhuma delas presenciaram qualquer ato”. A utilização do adjetivo
“estreito” pelo juiz sinaliza um vínculo tão próximo entre as testemunhas, que seria realmente
provável que elas tivessem premeditado a acusação para prejudicar o réu, o que confirma, portanto,
a imputação falsa do crime, conforme disse o acusado. Assim, o autor da sentença afirma que a
acusação se baseia em depoimentos infundados, que foram combinados entre as parentes da vítima
“tendo todas repetido a mesma versão”. O verbo “repetir” escolhido pelo locutor, indica que houve
uma versão originalmente elaborada e que foi, obrigatoriamente, repetida pelas demais. Podemos
ver, então, claramente a posição do autor empírico do texto, uma vez que avalia a veracidade desses
depoimentos.
A fim de progredir na sua argumentação, o magistrado apresenta o laudo ginecológico feito
por especialistas “o laudo fora realizado apenas 2 dias depois de ter sido abusada, em tese, tendo o
laudo concluído que: a pericianda é virgem, com hímen de consistência membranosa (...) não
apresentando nenhum vestígio de violência.”. Ao introduzir a prova, o juiz soma ao seu
posicionamento uma voz especializada, que possui competência para afirmar, mediante exame, as
condições físicas que contrariam a acusação. A utilização do advérbio apenas, se destina a validar a
precisão do exame, feito no período hábil para detectar quaisquer provas de estupro.
Mediante a falta de provas concretas, o juiz continua: “Frise-se também que a vítima trata-
se de uma menor, pessoa que ainda está em desenvolvimento psíquico.” Através do advérbio de
inclusão “também”, o autor apresenta agora uma assertiva que se faz tão importante quanto a
inexistência de provas, adicionando, então, mais um argumento ao seu posicionamento: a vítima é
uma menor. Utilizando o advérbio de tempo “ainda”, o juiz quer dizer que o depoimento da menor
pode ser afetado, porque seu desenvolvimento psíquico não está completo. Ao questionar a
credibilidade de quem profere o depoimento, o juiz compromete também o seu discurso. Dessa

SUMÁRIO
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forma, além de invalidar anteriormente o discurso das testemunhas (mãe, tia e vizinha), o juiz agora
coloca em cheque o depoimento da menor.
Para progredir na argumentação, recuperando o que foi afirmado na abertura da seção, sobre
a necessidade dos depoimentos mostrarem-se coesos e coerentes, o produtor, traz vozes
especializadas, em discurso direto, para fundamentar a decisão: “Hélio Gomes, especialista no
tema sobre o depoimento infantil, preleciona: “[...] a criança é extremamente maleável: aceita
todas as sugestões.” A partir do exposto, para o juiz, a criança é fácil de ser enganada, pois aceita
“todas as sugestões”. Nesse caso, a criança teria motivos para se enganar, pois se trata de alguém
“maleável” e pode confundir os fatos por ser uma pessoa facilmente influenciável. Para o
especialista, a imaginação da criança domina suas atividades mentais. Ou seja, seu depoimento
possivelmente será conduzido por meio da imaginação. Pois: “O romanesco e as aventuras
heroicas, a fascinam. Daí a tendência à fabulação e à mentira mais ou menos consciente. ”
Nesta perspectiva, o juiz se apropria da fala do autor ao corroborar a afirmação de que o
depoimento da criança é tendencioso, permeado de “mentiras” ora conscientes ou inconscientes.
Para ele, a criança não sabe discernir entre verdades e inverdades. Diante do exposto,
compreendemos que, ao fundamentar sua decisão por meio da voz do especialista em tema infantil,
o juiz se posiciona subjetivamente, pois confirma que a criança pode facilmente ser enganada.
Continuando a se fundamentar por meio de vozes especializadas, o juiz prossegue:
“Adalberto Aranha adverte que o testemunho infantil merece ressalvas, pois é deficiente e
perigoso”. Em sua citação, Aranha explica que a criança é por natureza imatura. Segundo ele, além
de mentir por “imaturidade moral, não se pode confiar plenamente em suas narrativas.” Assim, o
juiz defende seu posicionamento por meio das vozes e recorre ao argumento de autoridade , uma
vez que os discursos escolhidos para fundamentar a decisão não divergem, mas se complementam.
É possível perceber que o autor da sentença se posiciona pragmaticamente fazendo
apreciações do caso em exame, pois defende que: “Portanto, o depoimento dos menores requer, em
especial, acurado exame, visto que os poderes de percepção, de atenção, de memória se
desenvolvem com idade, faltando nos infantes o freio da crítica, e a fantasia substitui os dados da
realidade pelos fantasmas da sua imaginação.” Assim, conclui que depoimentos de menores
precisam ser revistos, uma vez que “os menores” são imaturos, de modo que lhes falta “o freio da
crítica”, ou seja, são incapazes de avaliar ações.
Ressalta-se que a condenação exige certeza absoluta, não devendo haver dúvida, quer do
crime, quer da autoria. Portanto, compete à acusação demonstrar o elemento subjetivo da culpa,
que há de ser plena e convincente. Através da modalização deôntica, o magistrado estabelece que é
socialmente aceitável e justo que não haja dúvidas quanto à condenação. Da mesma forma, imputa à
acusação, através da modalização pragmática, sua responsabilidade em provar a culpa sem resquício
de dúvida. Assim, o autor tece uma trama argumentativa que conduz o interlocutor a aderir à
absolvição do réu, pelo fato de “não existirem provas suficientes para a sua condenação”.
Para encerrar a argumentação, o juiz inicia o parágrafo com uma conjunção conclusiva,
usando, portanto, a sua autoridade para definir o caso e direcionar o leitor a concluir conjuntamente
que o depoimento da criança não é confiável: “Pois bem, se não há uma única prova substancial e
concreta, impõe-se o aproveitamento do universal princípio “in dubio pro reo” e a aplicação da
máxima de “antes se absolver mil culpados, do que se condenar um inocente”. Além da
orientação pragmática expressa no texto do juiz, é possível identificar a presença de subjetividade
ao concluir o caso. Nesta perspectiva, podemos afirmar que a fundamentação expressa pelo autor
indica que as provas são insuficientes diante dos fatos apresentados pela criança e duas
testemunhas.
Assim, no dispositivo da sentença, percebemos que o autor não apresenta dúvidas diante dos
fatos julgados ao afirmar:

ANTE O EXPOSTO, julgo parcialmente procedente a denúncia, pelo que, com


fulcro no art. 386, inc. VI, do Código de Processo Penal, ABSOLVO o acusado
XXXXX do delito previsto no art. 217 A, c/c o art. 225, parágrafo único e 226,

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 253

inciso II, todos do Código Penal, bem como na Lei 8072/90. Do mesmo modo,
CONDENO o acusado, com esteio no art. 387 do CPP, nas penas do art. 12 da Lei
nº 10826/03.

Nesse caso, o autor enuncia deonticamente, a partir da voz da justiça, que julga a denúncia
“parcialmente” procedente de acordo com o Código Penal, que prevê absolvição para o crime de
estupro, uma vez que não há provas suficientes. Por outro lado, o advérbio indica que há outra
conduta praticada pelo réu, que não pode ficar impune, de acordo com os valores sociais. Portanto,
a justiça, na pessoa do juiz, condena o acusado no artigo 387, com redução da pena para crime de
posse ilegal de arma de fogo, Art. 12. A inserção dessas vozes sociais e das modalizações deônticas
se justifica porque, de acordo com Cabral e Guaranha (2014, p. ), o juiz tem obrigação de julgar,
mas não apenas isso, precisa demonstrar claramente como se estabelece a ligação entre sua decisão
e a legislação que ele aplica. Nesta perspectiva, ao finalizar a sentença, o autor respalda a sua
posição e direciona a interpretação do leitor a aderir ao que foi decidido, por meio de modalizações
pautadas em valores sociais, ao citar a lei, e se utiliza das vozes de testemunhas e do acusado, que
confessou o crime de porte ilegal de armas: “o réu confessa, sem titubeios, a prática do delito em
questão”.
Dando prosseguimento, o juiz censura a conduta do acusado por cometer um crime
“reprovável” diante da sociedade, mesmo o acusado tendo ciência dos transtornos que trouxe ao
usar uma arma de fogo. Assim, podemos ver maior engajamento do produtor no texto na
responsabilidade do que é enunciado, através do uso do advérbio “insofismável”, dessa maneira, o
agente avalia a ação do réu como algo reprovável e, portanto, indiscutível: “insofismável se afigura
a reprovabilidade de sua conduta”.
O juiz condena o comportamento do acusado por meio dos termos “merece censura
aquele que, imputável, comete um fato típico e antijurídico”. Assim, justifica que o reú teve uma
atitude reprovável, indicando que a condenação do crime do art. 12, é justa, pois configura como
uma irresponsabilidade contra a paz dos cidadãos. Desse modo, o autor modaliza subjetivamente,
pois faz uma apreciação da conduta do acusado, avaliando o fato como mau e irresponsável, uma
vez que o réu tinha “ciência” da sua “ilicitude”. No entanto, essa avaliação subjetiva do autor é
também proporcionada pelo contexto jurídico que, avalia à luz da legislação, as condutas aceitáveis
ou não na sociedade. Dessa forma, podemos afirmar que a modalização apreciativa também é, em
certa medida, pragmática.
Absolvido do crime de estupro, por não haver provas suficientes, e condenado pelo crime de
porte de arma, o juiz se apropria agora da voz dos documentos do processo, os autos, para sustentar
a sua decisão quanto à condenação mínima do acusado. Assim, introduz “quanto aos antecedentes,
constam nos autos que o mesmo é primário”, situando o leitor que, nesta etapa da sentença, irá
abordar não apenas o crime de porte de arma de forma isolada, mas acionará todo um contexto para
avaliar se o réu oferece risco maior à sociedade. Dessa forma, se respalda nos documentos,
transferindo a responsabilidade enunciativa a eles, uma vez que os registros servem como provas, e
é, através deles que o autor irá respaldar a sua decisão: “Em relação a personalidade do réu, não há
nos autos, informações de situações pretéritas que desabonem seu comportamento no meio em
que vive e seu temperamento”. A inexistência de situações anteriores, ou de acusações que
comprometam a reputação do sujeito, se torna, portanto, um argumento para condenar o acusado na
pena mínima. Esse argumento, de não haver situações que desabonem o comportamento do acusado
no meio em que vive, indiretamente, soma-se aos demais e corrobora a posição do autor empírico,
evidenciada no momento anterior, de que mãe, tia e vizinha, por possuírem estreitos laços de
amizade, teriam se unido para acusar o réu, pois “nenhuma delas presenciaram qualquer ato ou
relataram algum comportamento anterior do indiciado”. Isso indica que o juiz elenca as qualidades
do reú, convencendo o leitor de que o acusado não põe a sociedade em risco, embora tenha se
comportado de modo inadequado, não é ameaça para a segurança pública. Ao final, o autor informa
ainda, com base no artigo 15, os direitos políticos dos acusados serão suspensos. Ademais, finaliza
os autos e recorre às diretrizes do direito, por meio de avaliações ancoradas no mundo social.

SUMÁRIO
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Considerações finais

Com base no exposto, concluímos que tanto no discurso do juiz quanto da defesa do
acusado, não apresentam neutralidades, haja vista que um texto é por natureza uma entidade
polifônica que evidencia um aparato de vozes que se intercalam em direção a tomadas de posição
em um dado contexto. Assim, recuperando os dizeres de Bronckart (1999), os textos são produtos
de atividades humanas que se articulam em prol de interesses e necessidades sociais nos contextos
em que são produzidos. Nesse caso, evidenciam ações de um agente que possui, em certa medida,
autoridade da lei para legislar em favor do que predizem os fatos, em nome da justiça pronunciada
por uma esfera específica, nesse caso, o judiciário.
Além disso, o autor da sentença, nesse caso, o juiz, é o responsável por gerenciar as vozes e
utilizá-las em favor de sua argumentação, e as modalizações indicam, necessariamente, quanto de
responsabilidade enunciativa o autor da sentença traz para si ao deliberar os fatos. Em outras
palavras, isso indica que as práticas linguageiras situadas concentram, além de diversos
posicionamentos, a reunião de discursos e vozes que se intercalam em favor de objetivos que
predizem responsabilidades, e que indicam autoridade, poder, resistência por meio da
materizalização dos textos/discursos.
Nesse cenário, o juiz se responsabiliza pelo dito ao trazer para sua defesa vozes outras que
influenciam na tomada de decisão, justificando com base em discursos da acusação e especialistas a
ausência de provas suficientes que apontem para a veracidade da acusação. Nesta perspectiva,
acreditamos que os aspectos linguísticos enunciativos e a maneira como o autor distribui esses
elementos ao longo da produelaboração da sentença, bem como os recursos utilizados reorientaram
a interpretação do leitor ao concordar com a decisão tomada pela justiça na pessoa do juiz. Dessa
forma, não se pode falar em um discurso neutro, pois, conforme colocado na introdução do
trabalho, o discurso decisório é “ideológico, argumentativo, persuasivo”, pois o objetivo
comunicativo da sentença representa uma tentativa, por parte do juiz, de convencer as partes e a
sociedade do acerto de sua decisão” (MENDONÇA, apud COLARES, s.d.). A sentença precisa
então servir para justificar “a aplicação da lei, tornando a decisão válida, o que confere à
argumentação um lugar central para a justiça, pois esta só se torna justa se válida dentro dos valores
admitidos como tal na comunidade em que se insere ” (CABRAL E GUARANHA, 2014, p. 19)
Assim, esperamos que este trabalho suscite reflexões sobre a importância e impacto da
escrita em contextos diversificados, que utiliza os autos para sanar problemas e dar possíveis
resoluções por meio dos textos que são formas de ação em que sujeitos reelaboram sua opinião, mas
que, contudo, podem evidenciar a força enunciativa apresentada por um sujeito agente possuidor de
saber, em um texto empírico.

Referências

BRONCKART, Jean-Paul. Atividades de linguagem, textos e discursos. São Paulo: Educ, 1999.
___________. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. São Paulo: Mercado de Letras, 2006.
BHATIA, Vijayk. A análise d e gêneros hoje. In: BEZERRA, Benedito Gomes et al. Gêneros e sequências textuais.
Recife: Adupe, 2009, p. 159-195.
CABRAL, A. L.; GUARANHA, M. F. . O conceito de justiça: argumentação e dialogismo. In: Bakhtiniana, São
Paulo, N. 9, 19-34, Jan/Jul, 2014. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/bak/v9n1/03.pdf>. Acessado em 30 de
junho de 2017.
ESTRELA, Simone da Costa. As modalizações em sentenças judiciais: a ação de linguagem na representação dos
mundos formais. 2010. 148f. Tese de Doutorado. PROLING/UFPB, João Pessoa, 2010. Disponível em: <
http://tede.biblioteca.ufpb.br/bitstream/tede/6519/1/arquivototal.pdf>. Acessado em: 20 de maio de 2017.
PEREIRA, Regina Celi Mendes. Do social ao psicológico: os caminhos que conduzem à materialização do texto escrito.
In: PEREIRA, R. C. M. e ROCCA, M. Del Pilar. Linguística Aplicada: um caminho com diferentes acessos. São
Paulo: Contexto, 2009.

SUMÁRIO
A t e l i ê d e L e t r a s : P r o j e t o s n o T e a r | 255

PEREIRA, Hermance Gomes. Aspectos gerais da sentença criminal. João Pessoa: Ideia, 2002.
Disponível em: http://www.jfce.jus.br/internet/esmafe/materialDidatico/documentos/discursoJuridicoDecisao/01-
linguagemDireitoBrasil-VirginiaColares.pdf - Acesso: 3/10/13
TORRESAN, J. L., COSTA, M. J . O preconceito de gênero no discurso jurídico: análise dos implícitos na
sentença proferida no caso Richarlysson. In: Bagoas, Natal/RN, n. 5, 245-260p. 2010.
MACHADO, A. R. E BRONCKART, J.P., 2009. Reconfigurações do trabalho do professor construídos nos e pelos
textos: a perspectiva metodológica do grupo ALTER- LAEL In.: CRISTOVÃO, Vera Lúcia Lopes e ABREU-
TARDELLI, Lilian Santos (Orgs.) Linguagem e Educação: o trabalho do professor em uma nova perspectiva. São
Paulo: Mercado de Letras, 2009

Anexo

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A INFLUÊNCIA DAS REDES SOCIAIS NO


COMPORTAMENTO DE BELEZA DO PÚBLICO FEMININO

Emília dos Santos Cavalcante1


Irley David Fabricio da Silva2

Introdução
Com a recente difusão das redes sociais, a exemplo do Facebook, Blog, Twitter, Instagram e
YouTube, muitos profissionais que atuavam apenas na esfera física agora atuam também na
dimensão virtual, oferecendo os seus serviços e reproduzindo, muitas vezes, determinados padrões
sociais e culturais. Um dos exemplos de personalidade que ocupou as redes sociais foi a vlogueira
Alice Salazar. Trata-se de figura popularmente conhecida no espaço virtual, por oferecer às suas
diversas seguidoras dicas de como se maquiar/maquilar, para se tornar perfeita aos olhos de outrem.
Nesse sentido, este trabalho toma por base o perfil da vlogueira no Instagram e objetiva analisar em
que medida as práticas de dicas de maquiagem, sugeridas em @alicesalazaroficial por Alice Salazar
refletem a condição da beleza feminina perfeita. Partimos do pressuposto de que a famigerada
vlogueira reproduz, através de suas dicas, um modelo de beleza feminina ideal, alimentada por um
sistema de utopias, que contribui para que as mulheres busquem alcançar tal padrão – sob o jugo de
serem excluídas desse modelo –, lançando mão de cosméticos e técnicas que colaboram para inflar
uma condição de estética utópica.
Para alcançar tal objetivo, foi realizada uma pesquisa bibliográfica e em seguida uma
investigação empírica, buscando, neste segundo caso, fazer uma análise pormenorizada de imagens
(da própria Salazar maquiada) e vídeos (dicas de como alcançar a beleza ideal) postados no
Instagram.
Além disso, buscamos apresentar a biografia de Alice Salazar e conteúdos postados no
Instagram, de modo que fosse possível averiguar a sua relação com a indústria de cosméticos, o
que, para nós, pode revelar intenções subjacentes à simples ideia de fornecer dicas de maquiagem.

1
Bacharelanda em Comunicação em Mídias Digitais pela Universidade Federal da Paraíba. Pesquisa na área de Mídia,
Cotidiano e Imaginário. E-mail: cavalcanteemy@gmail.com
2
Mestrando em Comunicação e Culturas Midiáticas pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da
Universidade Federal da Paraíba e membro do grupo de pesquisa Modernização Tecnológica e Desenvolvimento Social.
E-mail: irleydavid@gmail.com

SUMÁRIO
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Vlogs
De acordo com algumas definições encontradas na web, videoblog (videolog) ou
simplesmente vlog é uma variante de weblogs, cujo conteúdo principal consiste de vídeos3. Com
estrutura geralmente similar à de weblogs e fotologs, possui atualização frequente e constitui-se
como um site pessoal, mantido por uma ou mais pessoas e disposto em ordem decrescente, do mais
recente ao mais antigo (BLANCO, 2011).
Os vídeos são exibidos diretamente em uma página, sem a necessidade de se fazer download
do arquivo. Atualmente, existem diversas plataformas e serviços de hospedagem (alojamento) de
videologs gratuitos, que permitem que pessoas sem conhecimento específico em desenvolvimento
de páginas web possam publicar seus videologs na internet. Os vídeos podem ser feitos utilizando
filmadoras, câmeras digitais, ou até mesmo webcams ou celulares com recurso de gravação de
filmes.
Trata-se de um fenômeno cultural pós-moderno, como definem Burguess e Green (2009,
p.192):

O vlog é uma forma predominante do vídeo “amador” no Youtube, tipicamente estruturado


sobre o conceito do monólogo feito diretamente para a câmera, cujos vídeos são
caracteristicamente produzidos com pouco mais que uma webcam e pouca habilidade em
edição. Os assuntos abordados vão de debates políticos racionais a arroubos exacerbados
sobre o próprio Youtube e detalhes triviais da vida cotidiana.

Têm razão os autores quando consideram que os vlogs são também utilizados para
espetacularizar a vida cotidiana das diversas pessoas que fazem uso desse recurso, encontrado não
só em plataformas como YouTube, mas também em sites de redes sociais como Facebook e
Instagram, os quais dispõem de outros múltiplos elementos que colaboram para fragilizar as
fronteiras entre o público e o privado.
O vlog nasce como recurso que possibilita a criação de novos regimes de visibilidade, os
quais se distanciam da lógica da mídia irradiada, uma vez que ele propicia que todos aqueles que
têm acesso a tal ferramenta possa utilizá-la a seu bel prazer, de acordo com os seus objetivos e
anseios.
Cultura do espetáculo
Podemos vislumbrar a cultura do espetáculo em diversos momentos da história da
humanidade: basta, por exemplo, acessarmos as obras e as produções audiovisuais cujos temas
sejam a Roma Antiga ou, mesmo, as diversas histórias que versam sobre a crucificação de Jesus
Cristo ou, ainda, os diversos contos que abordam a famosa história de Salém. O que todas essas
produções têm em comum é exatamente a transformação da vida comum, das dores e das lutas em
espetáculo. Para alguns, o espetáculo é uma forma de entretenimento; para outros, uma forma de
educar a sociedade pelo medo, ou seja, pela espetacularização de castigos, penalidades, mortes,
como é o caso de Salém, que se vale de praças públicas para penalizar cidadãos, conforme
demonstrado em diversas narrativas fílmicas.

3
MONTANHA, F. A. R. P. Por um estudo dos vlogs: apontamentos iniciais e contribuições teóricas de Marshall
McLuhan. Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 9, n. 18, p.156-159, dez. 2011. Disponível em: <https://goo.gl/fAsLpo>.
Acesso em 03 de setembro de 2016.

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Ainda que este fenômeno esteja presente nas diversas sociedades humanas desde muito
tempo, foi Guy Debord um dos principais estudiosos a pensar o espetáculo no interior das diversas
sociedades. O autor iniciou na década de 1960 seus estudos sobre a sociedade espetacular. Debord
(1967) apresenta a sociedade do espetáculo como sendo uma sociedade midiática, organizada em
função da produção e do consumo de imagens.
Para ele, essas imagens podem ser comparadas às mercadorias, produzidas pela indústria, as
quais determinam o pensar e o agir dos indivíduos. Convém frisar que, quando o pesquisador fala
de imagens, estas podem ser tanto imagens verbais como não verbais, além das acústicas, cujas
finalidades operam na psique humana.
Mesmo que esse conceito tenha sido criado há mais de meio século, ele ainda repercute e,
mais do que nunca, encontra lugar privilegiado nas discussões de diversos grupos de pesquisa. Não
é difícil compreender por que Debord tem se tornado um dos pensadores mais discutidos na
contemporaneidade, posto que seus conceitos possibilitam orientar o pensamento no que diz
respeito à apreensão de realidades que fazem parte desta época. Em certa medida, podemos afirmar
que o desenvolvimento da tecnologia contribuiu para fortalecer a discussão em torno de uma
sociedade do espetáculo, ao colaborar para criar uma ambiência em que todos pudessem fazer uso
de recursos para instaurar um regime de plena espetacularização.
Com as redes virtuais de comunicação, originadas a partir do progresso da ciência e da
tecnologia, por exemplo, fãs agora podem ter acesso às páginas pessoais de seus ídolos, trocar
correspondências e esboçar sua opinião sobre a própria vida da celebridade em tempo real. Pode,
inclusive, valer-se dos recursos das redes para transformar seus perfis em palcos para o seu próprio
espetáculo. Nunca visto antes, o espetáculo hoje tornou-se comum: qualquer pessoa, desde que
conectada à internet e disponha de um aparelho com capacidade de registro imagético e
videográfico, pode ser o próprio ator e conquistar o seu próprio público, a partir da abordagem de
quaisquer temas que lhes possam interessar.
Análise e discussão dos resultados
O perfil intitulado Alice Salazar Oficial tem a frequência média de três postagens diárias, no
qual são compartilhadas imagens e vídeos contendo tutoriais, além de dicas de produtos de
maquiagem e moda. Nesse ambiente virtual ainda são colocadas algumas vivências do cotidiano da
Alice Salazar, pois a gaúcha mostra um pouco do seu dia a dia, por meio de viagens e momentos de
lazer em família.
A pesquisa se deu entre os meses de julho e dezembro de 2016, quando foram selecionadas
e analisadas as publicações da rede social Instagram, equivalentes aos conteúdos lançados nos vlogs
da rede social YouTube e do blog <www.alicesalazar.com.br>. Ao todo, coletamos cem publicações
relacionadas ao objetivo central deste trabalho. Dessas, analisamos cinco postagens, por decisão
metodológica, visto que as publicações praticamente versam sobre a mesma temática. Esses dados
visuais foram escolhidos por trazerem uma amostra da forma como é retratada a mulher na mídia.
Na imagem a seguir (fig. 1), vemos uma publicação de setembro de 2016 com conteúdo
correspondente ao blog www.alicesalazar.com.br, tratando de dicas de beleza com foco em tutorial
de maquiagem onde a própria Alice, maquiando-se, demostra como as aprendizes devem fazer.
No post, é recorrente alguns tipos de perguntas, como "Que batom é esse?" e "Alguém sabe
qual é o batom?", por parte das internautas que demonstram certo interesse nos produtos utilizados
na produção. É possível, ainda, visualizar diversos comentários, tais como “quero ser maquiada por
você” e “o que você toma para ficar tão linda”, de modo que fique claro as tentativas de se igualar à
maquiadora, em termos de beleza.

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Figura 1 - Tutorial de Maquiagem, setembro de 2016

Fonte: Instagram Alice Salazar Oficial, 2016

Muitas a chamam de “minha ídola” e afirmam ter o sonho de um dia conseguirem fazer as
maquiagens propostas no canal de Alice. Elogios como “linda”, “diva”, “poderosa”, “rainha” e
outros que asseguram um incentivo para o trabalho exposto preenchem os mais de 200 comentários
desta publicação, colaborando para enaltecer a crítica assinalada por Debord (1967). O autor
defende que nas sociedades modernas impera uma imensa produção de espetáculos, cujo discurso é
incessante, como um monólogo, e centrado em si próprio. O fenômeno do espetáculo é tão atual
como as fotografias expostas em @alicesalazaroficial.
Figura 2 - Tutorial de Maquiagem, novembro de 2016

Fonte: Instagram. Alice Salazar Oficial, 2016

Na imagem acima (fig. 2), vemos uma fotografia de Alice Salazar maquiada com o intuito
de apresentar um novo vídeo para seu canal no Youtube. Ao se referir sobre produtos da marca
oficial de cosméticos da maquiadora, uma das internautas comenta perguntando onde poderá
comprá-los. Da mesma forma, alguns outros comentários versam nesse mesmo sentido, e muitas

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delas chegam a inserir em seus comentários o dia em que vão tentar repetir a técnica aplicada por
Alice Salazar para obter o mesmo resultado facial.
Algumas outras seguidoras enfatizam a elaboração das sobrancelhas como elemento que faz
parte da composição visual de um rosto bem apresentado, por encontrar valor neste artefato de
beleza, essas mulheres pedem o contato, para posteriormente copiarem o modelo de sobrancelha
apresentado pela própria Alice Salazar.

Figura 3 - Tutorial de Maquiagem, dezembro de 2016

Fonte: Instagram Alice Salazar Oficial, 2016

Na figura 3 é possível acompanhar uma postagem na qual Alice Salazar aparece com
determinado modelo de batom recém lançado no mercado. A maioria dos comentários demonstram
impressões positivas, tais como “maravilhosa”, “quero todos”, revelando uma boa aceitação do
público para com o trabalho de Alice Salazar. Alguns fãs-seguidores ainda a apontam como
inspiração, reproduzindo suas experiências ao tentar copiar os padrões disseminados pela vlogueira.

Figura 4 - Chamada para vídeo tutorial de maquiagem, dezembro de 2016

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Fonte: Instagram Alice Salazar Oficial, 2016

Com o final de ano se aproximando em mais um tutorial de maquiagem, Alice ousa um


pouco mais nas cores, propondo uma forma diferente de maquiar para o Natal, vemos a recepção de
usuárias por meio de alguns comentários feitos por internautas seguidores do perfil. Em um dos
casos de interação é revelado o desejo de “ficar bonita” para a ocasião do Natal, por uma usuária da
rede que pede que Alice lhe ensine a usar os cílios postiços. A seguidora afirma ainda ser esse um
sonho seu e que não tem o domínio da técnica correta para tal. É interessante perceber como a
usuária usa o “ficar bonita” com a expectativa de “estar sempre bonita” assim como ela vê em sua
ídola.
Diversas outras usuárias da rede também comentaram a mesma imagem, perguntando pela
cor exata do batom utilizado pela maquiadora na foto. Foi possível apreender também que não há
um acompanhamento na página e mesmo passados vários meses após essa publicação não
houveram comentários com respostas para as questionamentos das fãs no Instagram
@alicesalazaroficial, fortalecendo assim o discurso de Debord (1967) quando afirma que o
espetáculo se dá também em forma de monólogo.
Figura 5 - Tutorial especial para o Fim de ano, dezembro de 2016

Fonte: Instagram Alice Salazar Oficial

SUMÁRIO
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Neste post (fig. 5), em especial, Alice aparece “ditando” tendências para o final de ano, sob
o status de brilho e glamour que essa data carrega. Algumas das admiradoras parecem aceitar a
inovação, outras nem tanto. Mesmo assim, prevalecem os elogios e a exaltação à beleza da
profissional que não tem dificuldade em vender seus produtos baseados em aparência e no poder da
imagem. Isso ocorre na sociedade do consumo, devido a saturação de imagens que se produz pelo
avanço dos aparatos tecnológicos, que parecem causar efeito alienante nas pessoas, que por sua vez
têm aceitado livremente como ideal de vida alguns valores difundidos pela publicidade da beleza.

Considerações finais

Para concluir, os posts mais curtidos da vlogueira Alice Salazar no Instagram refletem a
condição da beleza feminina ideal, utópica, sintética, criada pelo sistema capitalista para mediar os
espetáculos da cultura de uma sociedade do consumo da estética. Acredita-se que a famosa
vlogueira, através de suas aulas, exerce um poder sobre o seu público, enfatizando um padrão de
beleza aclamado na sociedade do espetáculo e, em geral, propagado pela mídia.
O resultado da pesquisa demonstra que, ao tentar se parecer com as personalidades
apresentadas na mídia, o público feminino, em especial, vem cada vez mais abnegando a sua
naturalidade e dando lugar a uma beleza artificial, padrão, alimentada por efeitos e técnicas
aprendidas com as imagens reproduzidas pela sociedade do consumo.
Através da teoria crítica do espetáculo de Guy Debord, podemos compreender como a
sociedade do século XXI é dominada conforme o princípio de fetichismo da mercadoria4, à medida
que se conecta com essa realidade compartilhada, diante da alta produção e consumo de imagens
para a venda de certas mercadorias.

Referências

BLANCO, André. Transmídia Storytelling na propaganda: Uma nova estética para um novo cenário. Revista da
Graduação, Porto Alegre: EdiPUCRS, 2011. v. 4, n. 2, p.42-43. Disponível em: <https://goo.gl/K5yjo8>. Acesso em: 02
de julho de 2017.

BURGUESS, J; GREEN, J. YouTube e a Revolução Digital: como o maior fenômeno da cultura participativa está
transformando a mídia e a sociedade. São Paulo: Aleph, 2009.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1967.

4
O princípio de fetiche da mercadoria aqui está sendo empregado no sentido de produzir imagens não só com o
objetivo de criar padrões, mas de alinhá-las às expectativas do mercado. Para mais informações a respeito deste
conceito, acessar: <http://cafecomsociologia.com/2015/01/fetichismo-da-mercadoria.html>.

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AS VOZES E SEU GERENCIAMENTO EM RELATÓRIOS DE


ESTÁGIO DE ALUNOS DE CURSO TÉCNICO DE NÍVEL
MÉDIO INTEGRADO EM INFORMÁTICA DO IFRN1
Evandro Gonçalves Leite2
Gladson Renato Queiroz Vidal3
Vitória de Paiva Queiroz Silva4

Introdução
A formação educacional proposta pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio
Grande do Norte (IFRN) propõe o desenvolvimento omnilateral dos alunos, ou seja, no campo da ciência, da
cultura e do mundo do trabalho, o que significa a formação integral do educando por meio do aprendizado de
diversos saberes teóricos e práticos que permitam sua atuação nas mais diversas atividades humanas.
Um dos momentos catalizadores de muitos desses aprendizados é a prática profissional, que, dentre algumas
modalidades possíveis, permite a inserção do aluno no mundo do trabalho via estágio supervisionado e a
posterior elaboração de um relatório técnico-científico. Essas atividades são normalmente realizadas no
último ano do curso técnico e requisitos para a conclusão do curso e obtenção do certificado de técnico numa
dada área. A produção do relatório de estágio é definida pelo Projeto Político Pedagógico (INSTITUTO
FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 2012) e instruída a partir do projeto pedagógico de cada curso.
Este artigo tem o intuito de analisar relatórios técnico-científicos produzidos como decorrência do Estágio
Curricular Supervisionado realizado por alunos do curso Técnico de Nível Médio Integrado em Informática,
na modalidade regular, do Campus Pau dos Ferros do IFRN. Mais especificamente, estudar as vozes
presentes nesses textos5, conforme proposto por Bronckart (1999), no âmbito do Interacionismo
Sociodiscursivo.
O artigo estrutura-se da seguinte forma: primeiramente, caracterizaremos o gênero relatório de
estágio, com base nas normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (2011) e em manuais de
metodologia científica; em seguida, apresentaremos, do quadro teórico do Interacionismo Sociodiscursivo,
nossas categorias de análise, que são as vozes e seu gerenciamento nos textos; posteriormente,
descreveremos a metodologia de coleta dos relatórios de estágio; depois, procederemos à análise dos
relatórios; por fim, teceremos as considerações finais.

1
Este trabalho é fruto de uma pesquisa realizada no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio
Grande, Campus Pau dos Ferros, aprovada no Edital 07/2015 – PIBIC-EM/CNPq. Agradecemos, assim, ao IFRN e ao
CNPq pelo apoio e pelo financiamento na forma de bolsa para discente.
2
Professor de Língua Portuguesa e Literatura do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do
Norte, Campus Pau dos Ferros; aluno do Doutorado em Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
evandro.leite@ifrn.edu.br
3
Aluno do curso de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Ceará; integrante de projeto de iniciação científica
(PIBIC/IFRN) no ano de 2015. gladson_renato@hotmail.com
4
Técnica de Nível Médio em Apicultura; bolsista de iniciação científica (PIBIC-EM/CNPq) entre os anos de 2015 e
2016. vitoriapaiva100@hotmail.com.br
5
Uma versão preliminar e mais condensada deste trabalho foi apresentada e publicada na forma de resumo na 68ª
Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 2016. Também foi apresentada, na
modalidade pôster, no XII Congresso de Iniciação Científica do IFRN, durante a II Semana de Ciência, Tecnologia e
Extensão do IFRN, em 2016, no qual obteve a 1ª colocação na categoria Artes, Letras e Linguística.

SUMÁRIO
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O gênero relatório no âmbito do IFRN

No IFRN, a produção do relatório está associada à prática profissional curricular obrigatória,


definida pelo Projeto Político-Pedagógico (PPP) e pelos programas curriculares de curso. Na concepção
desses documentos, a prática profissional se mostra como elemento indispensável com o qual o aluno deve
ter um contato estreito, não só por possibilitar a vivência prática dos conhecimentos obtidos em sala, mas
também para prepará-lo para uma inserção no mundo do trabalho e articular o próprio trabalho ao ensino, à
pesquisa e à extensão. O PPP (INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 2012) classifica o estágio como
uma prática educativa e atividade curricular previamente planejada e devidamente integrada ao currículo do
curso, em prol da articulação dos saberes técnicos e humanísticos que são desenvolvidos pelo curso. O
estágio deve atender a uma carga horária de 400 horas e possuir um supervisor para orientação.

O estágio deve ser realizado em observância às bases legais vigentes e às normas instituídas
pelo IFRN, essas últimas preestabelecidas na Organização Didática e nos projetos
pedagógicos de cursos. Exige-se que seja acompanhado por um professor orientador
(incluído no quadro da Instituição e vinculado à área específica do estágio), com carga
horária prevista para o atendimento ao estudante durante o processo. Para concluir o
estágio, é necessária a elaboração de relatório final, contendo os registros das atividades
desenvolvidas. (INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 2011, p. 84)

O estágio deve gerar, ao final, um relatório como registro da prática profissional vivenciada, a servir
como trabalho de conclusão de curso. O relatório técnico e/ou científico é um trabalho no qual uma
determinada experiência é descrita; é um “documento que descreve formalmente o progresso ou resultado de
pesquisa científica e/ou técnica” (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2011, p. 3).
Sua finalidade é justamente relatar determinada experiência, bem como fundamentá-la teoricamente. Para
Maia e Oliveira (2009), o objetivo principal do relatório é registrar de forma parcial ou definitiva os dados
estudados e analisados e, posteriormente, divulgá-los. Segundo Gressler (2007), é através dos relatórios que
a investigação sobre determinado evento científico ganha maior validade e pode ser divulgada para
possibilitar o conhecimento de novas ideias e a realização de estudos aprofundados em algo relevante para
desenvolvimento científico.
A Associação Brasileira de Normas Técnicas (2011) divide o relatório técnico e/ou científico em
duas partes, uma externa e outra interna. A parte externa é composta por capa e lombada, ambas opcionais; a
parte interna, por elementos pré-textuais, textuais e pós-textuais. Nos elementos pré-textuais, temos,
ordenadamente: folha de rosto (obrigatório); errata (opcional); agradecimentos (opcional); resumo em
língua vernácula (obrigatório); lista de ilustrações, de tabelas, de abreviaturas e siglas, de símbolos
(opcional); sumário (obrigatório). Nos elementos textuais, temos: introdução, desenvolvimento e
conclusão, todos obrigatórios e cuja nomenclatura dos títulos fica a critério do autor. Nos elementos pós-
textuais, temos: referências (obrigatório); glossário (opcional); apêndice (opcional); anexo (opcional);
índice (opcional); formulário de identificação (opcional). De todos esses elementos, nosso estudo
focaliza os textuais – introdução, desenvolvimento e conclusão –, partes em que, como a própria
norma diz, deve ser exposto o conteúdo do relatório.

O gerenciamento das vozes nos textos segundo o Interacionismo Sociodiscursivo

O Interacionismo Sociodicursico (ISD) é uma corrente de estudos que se dedica a analisar as


interações humanas mediadas pela linguagem, ou seja, o agir de linguagem. Tal agir torna-se apreensível e
materializa-se nos textos, as manifestações empíricas desse agir e considerados como unidades
comunicativas globais. Nesse processo, o ISD defende que o agente produtor deve mobilizar um conjunto de
conhecimentos, que são chamados de capacidades de linguagem e englobam operações que vão desde a
determinação do contexto (físico, social e subjetivo) da ação, do conteúdo temático e da escolha do gênero
de texto, até aquelas que dizem respeito à estrutura (ou arquitetura interna) do texto, como a infraestrutura
textual, os mecanismos de textualização e os mecanismos enunciativos. Neste trabalho, interessam-nos os
mecanismos enunciativos e, mais particularmente, as vozes e seu gerenciamento.
Os mecanismos enunciativos são os responsáveis por estabelecer a coerência pragmática do texto.
Essa coerência pragmática faz frente a julgamentos, opiniões, sentimentos para com o texto, bem como as
fontes dessas avaliações, de modo que tais elementos agem orientando mais diretamente a interpretação do
texto pelo destinatário (BRONCKART 1999).
SUMÁRIO
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O autor, como o agente da ação de linguagem que se realiza em um texto empírico, torna-se
responsável por todo o conjunto de elementos e operações linguísticas do texto. No entanto, existe a
necessidade de invocar no texto outras instâncias, às quais se delega a responsabilidade enunciativa
(BRONCKART, 1999).
Ao escrever um texto, o autor movimenta, do vasto conjunto de conhecimentos que possui,
subconjuntos de representações que se referem, em particular, ao contexto físico e social de sua influência,
ao conteúdo temático que nele será mobilizado. Assim como os conhecimentos humanos, essas
representações são criadas a partir de discursos alheios. Ainda que seja reorganizado de modo singular por
cada indivíduo, essas representações ainda contêm traços alheios ao autor (BRONCKART, 1999). Para
Bronckart (1999, p. 322), “a ação de linguagem se traduz por uma ‘reposição em circulação’, no campo das
representações sociais cristalizadas no intertexto, de representações já dialógicas”.
As vozes podem ser definidas como as entidades que se encarregam da responsabilidade do que está
sendo enunciado. Na maioria dos casos, quem assume a responsabilidade direta do dizer é a instância geral
de enunciação; é essa voz que se pode denominar de voz neutra de acordo com o tipo de discurso, seja do
narrador ou do expositor (BRONCKART, 1999). Segundo Bronckart (1999, p. 323):

O narrador pode ser então redefinido como a instância de gestão ou gerenciamento dos
mundos discursivos da ordem do NARRAR. Desde que os mundos discursivos da ordem do
EXPOR apresentam regularidades análogas, devemos introduzir a noção correspondente de
expositor, para designar a instância de gestão que neles se encontra ação.

Assim, as vozes podem ser definidas como as entidades que se encarregam da responsabilidade do
que está sendo enunciado. Na maioria dos casos, quem assume a responsabilidade direta do dizer é a
instância geral de enunciação; é essa voz que se pode denominar de voz neutra de acordo com o tipo de
discurso, seja do narrador ou do expositor (BRONCKART, 1999). Além disso, há alguns casos em que a
instância de enunciação pode fazer o papel de uma ou várias outras vozes, que são as vozes infraordenadas
em relação ao narrador ou ao expositor. Essas vozes secundárias podem ser reagrupadas em três categorias:
as vozes dos personagens, as vozes de instâncias sociais e a voz do autor empírico do texto (BRONCKART,
1999). As vozes dos personagens são aquelas que provêm de seres humanos, ou entidades humanizadas,
como os animais que se manifestam em determinados contos. As vozes sociais são aquelas provenientes de
personagens, grupos ou instituições sociais que não influenciam no trajeto temático dos segmentos do texto,
porém são mencionadas como instâncias externas de avaliação de algum aspecto desse conteúdo. A voz do
autor é aquela concernente à pessoa que originou a produção textual e que interfere, como tal, para comentar
ou avaliar algum aspecto enunciado (BRONCKART, 1999).

Os procedimentos de coleta e análise dos relatórios

Nossa análise baseia-se em relatórios técnico-científicos produzidos por alunos do Curso Técnico de
Nível Médio Integrado em Informática na modalidade regular do Campus Pau dos Ferros do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN).
Como critério para coleta dos dados, selecionamos os relatórios produzidos pelos concluintes do ano
de 2014. Ao todo, 17 (dezessete) alunos concluintes daquele ano optaram pelo Estágio Supervisionado e
consequente produção de relatório técnico-científico como modalidade de prática profissional. Desses,
definimos uma amostragem de 4 (quatro) relatórios técnico-científicos, escolhidos aleatoriamente, a
configurarem o corpus da presente pesquisa. Os relatórios foram coletados junto à Coordenação de Estágio
do campus, onde os relatórios ficam arquivados. Os nomes dos autores serão mantidos em sigilo, e
adotaremos a denominação RELATÓRIO 1, RELATÓRIO 2, RELATÓRIO 3 e RELATÓRIO 4.
A análise dos textos segue uma abordagem qualitativa, mediante os princípios do ISD, quanto ao
gerenciamento das vozes, e as prescrições socialmente validadas para o gênero, como manuais de
metodologia científica e orientações da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

SUMÁRIO
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O gerenciamento das vozes nos relatórios


De posse dos textos empíricos, percebemos que, quanto à presença de diferentes vozes nos relatórios,
foram encontradas quatro: voz de instituição social, voz de personagem, voz do autor como expositor e
narrador e voz de outros autores na forma de citações.
Três dos quatro relatórios fizeram menção à Lei Nº 11.788, de 25 de setembro de 2008, a lei do estagiário.
Dois desses de forma direta e um de forma indireta, como vemos a seguir:

Exemplo 1
“Estágio é o ato educativo supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho,
que visa a preparação para o trabalho produtivo de educandos...” (Lei Nº 11788, de 25 de
setembro de 2008). (RELATÓRIO 1, p. 8)

Exemplo 2
Segundo a lei Nº 11.788, DE 25 DE SETEMBRO DE 2008, Art. 1º Estágio é o ato
educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho que visa à
preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino
regular de instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da
educação especial dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da
educação de jovens e adultos. (RELATÓRIO 2, p. 10)

Exemplo 3
As atividades tiveram início em 1º de julho com carga horária de 400 horas, de
acordo com a Lei Nº 11.788, que discorre sobre o estágio de estudantes. (RELATÓRIO 3,
p. 3)

Os três exemplos diferem na maneira de fazer menção à lei do estagiário. Há duas citações diretas e
uma indireta. Todos os relatórios a mencionam no intuito de complementar o objetivo da atividade de
estágio, mostrando seu reconhecimento legal, mas o fazem de forma inadequada se comparados às normas da
ABNT para elaboração de citações (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2002), seja
pela omissão das aspas na citação direta no Exemplo 2, seja por problemas no sistema de chamada autor-data
nos três.
Apenas em dois dos relatórios analisados há a presença da voz de outro autor, uma citada de forma
direta e outra, de forma indireta:

Exemplo 4
(...) Multiterminal, trata-se de um computador ao qual estão ligados dois ou mais monitores,
com seus respectivos periféricos. Uma única CPU alimenta dois monitores, dois teclados e
dois mouses independentes. Com essa solução cada monitor inicia uma sessão do X, que
funcionará de maneira independente à do monitor ao lado. (PEREIRA, 2011)
(RELATÓRIO 1, p. 10)

Exemplo 5
Uma vez que não soube como proceder, busquei a solução em algumas pesquisas. A
resposta para o problema foi encontrada no YouTube. Um jovem com o mesmo problema
no PC entrou em contato com a empresa fabricante do produto e solicitou uma solução para
o caso. Como resposta, recebeu uma sequência de instruções de como proceder,
compartilhando tais informações em um vídeo no YouTube. (RELATÓRIO 3, p. 15)

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Uma vez que o relatório técnico-científico deve ser embasado por referenciais científicos para dar
mais autoridade aos conhecimentos do estagiário ali expostos, todos os relatórios deveriam apresentar vozes
de outros autores de credibilidade na área em questão em forma de citações. Quando isso não acontece ou
acontece de forma insuficiente, o leitor pode questionar os conhecimentos do autor quanto ao campo
científico a que ele pertence, uma vez que não demonstra seus conhecimentos teóricos usando citações para
embasá-los. É importante ressaltar ainda que, no caso do Exemplo 5, não podemos englobá-la como uma
citação de caráter científico, a despeito de serem abundantes vídeos que funcionam como tutoriais para a
realização de alguma tarefa.
Apenas em um dos relatórios foi encontrada a voz de personagem. Trata-se da voz da gestora do
campo de estágio, que faz uma solicitação ao estagiário para que execute uma tarefa. No documento
analisado, essa voz aparece da seguinte maneira:

Exemplo 6
[...] Depois de instalar os gabinetes aos seus respectivos periféricos, foi solicitado pela
diretora da escola que fizesse a troca do sistema operacional (SO) (RELATÓRIO 1, p. 10)

No que se refere à voz do autor, notamos que três dos quatro relatórios de estágio apresentam uma
constante oscilação quando ao emprego do índice de pessoa: 1ª pessoa do singular, 1ª pessoa do plural e 3ª
pessoa (impessoal). A seguir, podemos perceber como essa oscilação aparece nos relatórios:

Exemplo 7
Durante o período do estágio, tive contato com muitas pessoas, diretores de escolas,
secretários, e as próprias pessoas que trabalhavam na prefeitura. [...] (RELATÓRIO 1, p. 9,
grifo nosso)
[...] Foi solicitado à visita do estagiário em virtude dos computadores apresentarem
lentidão e estavam travando. (RELATÓRIO 1, p. 14, grifo nosso)

Exemplo 8
[...] Tem-se a necessidade de um maior número de pessoas qualificadas que possam
atender a essa demanda, sendo assim a disponibilização de estágio[...] (RELATÓRIO 2, p.
14, grifo nosso)
Inicialmente por está começando o estágio realizei apenas tarefas simples, com a
orientação dos meus coordenadores. (RELATÓRIO 2, p. 14, grifo nosso)

Exemplo 9
Tal prática profissional é de valiosa importância para o aprendizado e a iniciação ao meio
empresarial, no qual passamos a de fato empregar a relação teoria-prática, em vista da
devida adequação ao ambiente profissional. (RELATÓRIO 4, p. 7, grifo nosso)
Durante o período de 400 horas, atribuíram-me a função de desenvolvedora de softwares
[...] (RELATÓRIO 4, p. 8, grifo nosso)

Tal oscilação apresenta um padrão de ocorrência. Observamos que o uso da voz em primeira pessoa
do singular ou do plural é mais recorrente nas partes narrativas dos relatórios. Essa presença pode estar
relacionada à intenção que o autor tem de se incluir no relato, já que está apresentando as atividades que ele
próprio realizou. Quanto à voz na terceira pessoa, ou impessoal, notamos que é recorrente nas partes dos
relatórios que envolvem a caracterização da empresa onde o estágio foi vivenciado, em exposições teóricas,
ou em partes instrutivas. Ou seja, o emprego do impessoal ocorre em partes que não estão estritamente
relacionadas com as atividades que o estagiário desenvolveu. Essa oscilação da voz do autor, guiada pela
intenção de incluir-se no relato, acaba por comprometer a qualidade do que se foi relatado, quanto à

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textualização. Além disso, pode comprometer a coesão verbal, bem como contraria os manuais de
metodologia científica.
Em todos os quatro relatórios, verificamos ainda que o autor estabelece, em determinados momentos,
um diálogo com o leitor. Eis alguns exemplos:

Exemplo 10
É importante ressaltar que a restauração do sistema não excluirá seus arquivos como fotos,
vídeos e músicas, por exemplo. [...] (RELATÓRIO 1, p. 15, grifo nosso)

Exemplo 11
 O setor comporta a Voip que permite a conexão telefônica a partir da rede de dados.
(Analisemos Figura 3) (RELATÓRIO 2, p. 12, grifo nosso)

Exemplo 12
Na tela seguinte, clique em Reparar o computador e aguarde a conclusão do processo. [...]
(RELATÓRIO 3, p. 15, grifo nosso)
Exemplo 13
[...]Como podemos ver abaixo, para o código é necessário fornecer o tipo e o número de
caracteres que será suportado quando os dados forem cadastrados. (RELATÓRIO 4, p. 13,
grifo nosso)

A presença das marcas de diálogo se dá por diversos meios linguísticos: no Exemplo 10, por meio de
pronome possessivo que faz menção ao leitor; no Exemplo 11, pelo verbo “analisemos”; no Exemplo 12,
pelo verbo no imperativo, dando a entender que o expositor está passando instruções a alguém, neste caso, ao
leitor; no Exemplo 13, pelo verbo “podemos”. As ocorrências nos exemplos 11 e 13 enquadram-se no que se
pode chamar de “humildade autoral” ou “nós de modéstia”, já relativamente estabelecido no campo
científico, com “[…] função simbólica que consiste em lembrar que o pesquisador não está sozinho, que
participa de uma comunidade científica, que sua pesquisa é uma contribuição ao saber comum e também lhe
é em parte devida” (LAVILLE; DIONNE, 2007, p. 243). Também Bronckart (1999, p. 172) diz que algumas
formas da primeira pessoa do plural podem remeter “[…] aos polos da interação verbal em geral […], mas
não aos protagonistas da interação em curso […]”. Já as ocorrências nos exemplos 10 e 12 parecem remeter,
de fato, aos protagonistas da interação, pois a primeira usa um pronome que remete ao leitor (“seus”) e a
segunda dá uma instrução direta (“clique”).

Conclusão
Como vemos, os relatórios, quanto ao gerenciamento das vozes, fazem pouca menção ao intertexto
científico na forma de citações, o que não parece desejável em se tratando de um gênero acadêmico. Além
disso, em três dos quatro relatórios analisados há oscilação da voz do autor entre 1ª e 3ª pessoa, assim como
um diálogo direto com o leitor. Esse gerenciamento diferencia-se bastante do que postulam as normas da
ABNT e os manuais de metodologia científica.
Esse diagnóstico, por um lado, mostra-nos que há alguns problemas nos relatórios quando
comparados às normas socialmente estabelecidas, mas, por outro, apresenta-nos indícios de um processo de
apropriação de regras e usos de um gênero acadêmico com os quais geralmente alunos de ensino médio não
têm contato em suas práticas de escrita.

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Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10520: informação e documentação - citações em


documentos - elaboração. Rio de Janeiro: ABNT: 2002. 7 p.
______. NBR 10719: informação e documentação - relatório técnico e/ou científico - apresentação. 3. ed. Rio de
Janeiro, 2011. 11 p.
BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sociodiscursivo. São Paulo:
Educ, 1999. 353 p.
GRESSLER, L. A. Introdução à pesquisa: projetos e relatórios. 3. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2007. 328 p.
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RIO GRANDE DO NORTE. Projeto
pedagógico do curso técnico de nível médio em informática na forma integrada, presencial. Natal, 2011.
Disponível em: <http://portal.ifrn.edu.br/ensino/cursos/cursos-tecnicos-de-nivel-medio/tecnico-integrado/tecnico-em-
informatica/view>. Acesso em: 10 jun. 2015. 139 p.
______. Projeto Político-Pedagógico do IFRN: uma construção coletiva: documento base. Natal, 2012. Disponível
em: <http://portal.ifrn.edu.br/institucional/arquivos/documento-base-do-ppp>. Acesso em: 10 jun. 2015. 324 p.

LAVILLE, C.; DIONNE, J. A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Porto
Alegre: Artmed; Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007. 340 p.

MAIA, L. F. dos S.; OLIVEIRA, M. V. de F. Trabalhos acadêmicos: princípios, normas e técnicas. Natal: Cefet-RN,
2009. 150 p.

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Organizadoras

Poliana Dayse Vasconcelos Leitão é Pós-Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em


Linguística (PROLING) da Universidade Federal da Paraíba. Atua como pesquisadora do Projeto
Ateliê de Textos Acadêmicos (ATA) e do Grupo de Pesquisa Letramento, Interação e Trabalho
(GELIT) e é professora da educação básica na Prefeitura Municipal de João Pessoa (PB). Email:
polianadayse@hotmail.com

Regina Celi Mendes Pereira é Doutora em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE/2005), atua no programa de Pós-Graduação em Linguística –PROLING (UFPB). É bolsista
de produtividade em pesquisa 2 do CNPq, líder do GELIT/CNPq, coordena o grupo ATA, é
membro do grupo Análise da linguagem, trabalho e suas relações (ALTER/USP) e editora da
Revista Prolíngua. Email: reginacmps@gmail.com

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