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XVI Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino, ENDIPE - 23 a 26 de julho de 2012, FE/UNICAMP, Campinas



DIFERENÇA, ALTERIDADE E APRENDIZAGEM: DESAFIOS INFANTIS AO
SABER DOCENTE

Maria Teresa Esteban


Universidade Federal Fluminense
Carmen Sanches Sampaio
UNIRIO

Resumo
As políticas oficiais de avaliação do desempenho dos estudantes vêm fomentando
desenhos curriculares, práticas pedagógicas e projetos de formação docente continuada
que demandam/ buscam uniformização e homogeneidade. Na perspectiva hegemônica,
à aprendizagem se compreende/vê como um processo linear e progressivo, realizado por
movimentos previsíveis, segundo modelos predeterminados. Os resultados e processos
infantis que se distanciam dos padrões predefinidos frequentemente são tratados como
dificuldades de aprendizagem, o que indica o não reconhecimento de sua qualidade,
questão que articula o trabalho de pesquisa que vimos desenvolvendo. Nosso estudo
encontra apoio em teorias pós-críticas e pós-coloniais, considerando seus
desdobramentos nos estudos sobre alfabetização, currículo e formação docente. A opção
epistemológica orienta a definição metodológica, que privilegia a pesquisa com o
cotidiano escolar, em turmas de anos iniciais do ensino fundamental. Nossas pesquisas
se constituem pela análise sistemática de atividades escolares das crianças, observação
de suas interações em sala de aula e das propostas docentes, além de constantes
conversas com as crianças e com sua professora. Acompanhando o trabalho pedagógico
de uma mesma turma por mais de um ano, pudemos observar diferentes processos de
aprendizagem de crianças que inicialmente poderiam ser classificadas como com
dificuldades de aprendizagem. Os resultados encontrados levam ao questionamento do
conceito de dificuldade de aprendizagem e ao estabelecimento de outras relações entre
diferença, alteridade e aprendizagem.

Palavras­chave:
alfabetização;
diferença,
alteridade
e
aprendizagem;
dificuldades

de
aprendizagem.



Era preciso, decía él [Joseph Jacotot], escoger entre dos ideas
de la igualdad:la que se afirma aquí y ahora como una
presuposición a verificar, y la que se repele hacia el futuro
como una meta a alcanzar a través del progreso de la civilización
y la labor de la Escuela Pública. Quien hace de la igualdad
un fin refuerza de seguro la maquina desigualitaria. (Rancière, 2008)

As políticas oficiais de avaliação do desempenho dos estudantes vêm


fomentando desenhos curriculares, práticas pedagógicas e projetos de formação docente
continuada que demandam/buscam uniformização e homogeneidade. Sob o discurso e a
promessa de uma escola de qualidade e democrática, redutora das desigualdades sociais,
as políticas públicas implementadas determinam não apenas o que estudar, mas também
como estudar; se empenham em “controlar” os resultados obtidos e, nesse processo,

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desconhecem experiências vividas cotidianamente, nas escolas, por estudantes e
professores(as) contribuindo para reproduzir o que procuram reduzir. Reforçam,
sobretudo, a concepção hegemônica de aprendizagem compreendida como um processo
linear e progressivo, realizado por movimentos previsíveis, segundo modelos
predeterminados.
Um dos eixos articuladores da política educacional é a avaliação estandardizada,
apresentada como procedimento indispensável à produção da qualidade da escola
brasileira. Com a centralidade posta nos exames nacionais, articulados à busca de
índices desejáveis e do alcance de metas, a mensuração consolida-se como o elemento
condutor das práticas pedagógicas na escola, fortalecendo sua função de normalização
dos que nela conseguem permanecer. As concepções que norteiam o projeto
educacional vigente fazem com que os resultados e processos infantis que se distanciam
dos padrões predefinidos frequentemente sejam tratados como dificuldades de
aprendizagem. A relação entre a manifestação da diferença na aprendizagem no
cotidiano escolar e o diagnóstico de dificuldades de aprendizagem constitui o foco deste
trabalho, tendo como referência nossas pesquisas com o cotidiano escolar.

1 - Igualdade como direito de todos à aprendizagem


As afirmações de Jacotot, pedagogo francês dos inícios do século XIX, lembra-
nos Rancière (2004, p.12), são atuais. Sua defesa, a favor da igualdade de inteligências
levou-o a uma questão filosófica e política: saber se o ato mesmo de receber a palavra
do mestre – a palavra do outro – é um testemunho de igualdade ou de desigualdade (...)
saber se o sistema de ensino tem por pressuposto uma desigualdade a ser “reduzida”,
ou uma igualdade a ser verificada.
Nosso sistema de ensino empenha-se na redução das desigualdades a partir do
pressuposto de uma igualdade homogeneizante: a variedade de hierarquias,
classificações e desqualificação dos estudantes (e docentes) leva à cristalização da(s)
diferença(s) como inferioridade. Quase a totalidade das crianças brasileiras tem acesso à
escola, mas, no seu interior, em sua cotidianidade, muitas vão aprendendo que são
incapazes para aprender.
Acreditar no princípio defendido por Jacotot, o da igualdade das inteligências,
significa do nosso ponto de vista, algo muito simples, mas que faz toda a diferença no
dia-a-dia da sala de aula: reconhecer a capacidade que as crianças e jovens têm para
aprender. A afirmação de Jacotot de que a igualdade não se concede, nem se reivindica,


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ela se pratica, ela se verifica (RANCIÈRE, 2004) clama por uma ação pedagógica
emancipadora, praticada cotidianamente, que reconheça crianças e jovens de classes
populares como sujeitos de conhecimento, com seus modos singulares e próprios de
aprendizagem, legitimando-os como sujeitos capazes que são de dizer, pensar, decidir,
fazer escolhas, (re)elaborar as informações às quais têm acesso, dentro e/ou fora da
escola, criar, produzir conhecimentos. Uma prática pedagógica que não compreenda
a(s) diferença(s) como justificativa para nomear, classificar, selecionar, excluir; que
interrogue a normalidade instituída: os estudantes que não correspondem às expectativas
de aprendizagem, definidas previamente pelas escolas e políticas oficias de avaliação,
passam a ser compreendidos e classificados, de um modo geral e com bastante
freqüência, como os que possuem dificuldades de aprendizagem. 

A tensão igualdade/desigualdade, atravessada pela diferença como elemento
constituinte dos processos sociais e escolares, nos obriga a questionamentos sobre como
lidar com um projeto de educação para todos, centrado na obrigatoriedade escolar e
comprometido com o desenvolvimento de habilidades, competências e conhecimentos
prévios e uniformemente determinados, quando entendemos ser fundamental
(re)conhecer e legitimar diferenças e singularidades, experiências, saberes e fazeres,
desejos e curiosidades de diferentes sujeitos que vivem e dão vida à escola. O projeto
de educação para todos tem como referência uma homogeneidade nos resultados que
guarda poucas conexões com a realidade social brasileira, marcada por profundas
diferenças culturais e desigualdades sociais. Tais diferenças têm implicações nos
processos de aprendizagem infantil, em seus interesses de aprendizagem, em suas
demandas ao ensino.
Sabemos que a ideia de igualdade é um dos pilares da expansão dos sistemas
educativos modernos. Sabemos, também, que igualdade compreendida como
homogeneidade e neutralização das diferenças provoca desigualdades, hierarquizações,
seleção, classificação e exclusão - social e escolar. É possível pensar e praticar uma
educação escolar aberta à alteridade? Uma abertura que possibilite o (re)encontro na
diferença? Diferença(s) que não seja(m) riscada(s), apagada(s), ignorada(s),
marginalizada(s)? Essas perguntas exigem, do nosso ponto de vista, compreender e lidar
cotidianamente com a igualdade como projeto ético-político democrático de uma escola
pública referendada, simultaneamente, no princípio da igualdade e no princípio do
reconhecimento da diferença (SANTOS, 2010, p.51). Esse é o desafio fundamental que
emerge!


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É necessário não esquecer que a escola seletiva e excludente que conhecemos,
tão bem, convive em seu interior com práticas pedagógicas solidárias e inclusivas.
Espaços de aprendizagens alheios aos interesses e desejos de estudantes e docentes
constituem essa escola tão conhecida que abriga, também, em seu interior modos de
aprender e ensinar articulados à vida, a perguntas explicitadas, dúvidas e ainda não
saberes existentes e partilhados com o outro – colegas e professoras(es). Modos
hegemônicos e contra-hegemônicos em permanente tensão e conflito, próprios de um
cotidiano escolar complexo, polifônico, plural.

2 - Sala de aula: espaçotempo privilegiado para pensar e praticar a alteridade em


alfabetização e a alfabetização a partir da alteridade
Acompanhando o trabalho pedagógico de uma mesma turma por dois anos – no
1º e 2º anos do Ensino Fundamental-, em uma escola pública, pudemos observar
diferentes processos de aprendizagem de crianças que inicialmente poderiam ser
classificadas como com dificuldades de aprendizagem. Porém, os resultados que temos
sistematicamente encontrado em nossas pesquisas, das quais aqui apresentamos uma das
situações vivenciadas, levam ao questionamento do conceito de dificuldade de
aprendizagem e ao estabelecimento de outras relações entre diferença, alteridade e
aprendizagem.
Não por acaso, nossos estudos encontram apoio em teorias pós-críticas e pós-
coloniais, considerando seus desdobramentos nos estudos sobre alfabetização, currículo
e formação docente. A opção epistemológica orienta a definição metodológica, que
privilegia a pesquisa com o cotidiano escolar, em turmas de anos iniciais do ensino
fundamental. Nossas pesquisas se constituem pela análise sistemática de atividades
escolares das crianças, observação de suas interações em sala de aula e das propostas
docentes, além de constantes conversas com as crianças e com sua professora.
***
Ewellen, criança tímida, muito quieta, em sala, quase não falava. Observava,
com curiosidade, o que acontecia. Interessada, realizava todas as atividades propostas
no seu tempo e ritmo. Seu uniforme e material escolar bem cuidados revelavam a
atenção e esmero de sua mãe para com a filha. Sua irmã mais velha, estudante dos anos
finais do ensino fundamental, na mesma escola, era responsável pelo seu deslocamento
entre casa-escola-casa. A incompatibilidade dos horários de sua irmã com os seus
contribuía para a irregularidade de sua frequência à escola. Sua mãe, responsável pela


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família, trabalhava todo o dia. Ewellen vivia na Tijuca, no Morro do Turano, com sua
mãe e quatro irmãos – três mais velhos do que ela, com idade entre 11 e 14 anos e um
irmão menor, de 6 anos. Garantir a escolaridade de seus filhos é um valor para a mãe de
Ewellen, por isso, apesar das dificuldades encontradas, a família se organizava de modo
a garantir que todos estudassem. A professora, ciente dessa situação, apesar do número
excessivo de faltas de Ewellen, garantia sua matrícula.
Mas, por que, num primeiro momento, o percurso realizado por Ewellen poderia
ser claramente interpretado como indicador de suas dificuldades de aprendizagem? A
resposta, para nós, é igualmente clara: porque as respostas da menina não
correspondiam aos resultados esperados de acordo com seu período de escolarização, o
que evidenciava sua impossibilidade de seguir o percurso de aprendizagem previsto.
Queremos discutir essa relação, ainda tão presente nas salas de aula das escolas públicas
brasileiras e, do nosso ponto de vista, tão prejudicial para a produção de um processo
pedagógico de qualidade, em que a aprendizagem sempre se realiza.
Ao expor sua diferença, a menina traz para a centralidade da reflexão modos
como se trata a alteridade na dinâmica aprendizagemensinoi. Nos obriga a pensar nos
tempos escolares, nas expectativas que se formam a partir deles e nos modos como os
tempos são preenchidos no cotidiano escolar. A essa reflexão se vincula o debate sobre
os conceitos de aprendizagem, de alfabetização e de avaliação que sustentam as práticas
propostas no projeto oficial e as realizadas pelas professoras e professores em diálogo
com os/as estudantes.
Quanto tempo uma criança precisa para aprender a ler e a escrever? Quando
começa a contagem desse tempo? Quando ela termina?
Os documentos oficiais determinam a idade de oito anos como limite para que
todas as crianças estejam alfabetizadasii. Essa delimitação indica uma desconsideração
dos percursos de vida das crianças, que vai muito além de suas experiências como
estudantes, ainda que as compreenda. Todas as crianças aos seis anos, quando
ingressam no ensino fundamental, não têm a mesma experiência com a língua escrita.
Portanto, chegam à escola com conhecimentos diferentes sobre a língua, com
expectativas diferentes sobre o uso da escrita e com contatos com diferentes
modalidades da linguagem escrita, expressão das diferenças culturais existentes no
Brasil. Simultaneamente é preciso considerar que nem todas as diferentes formas de ser,
viver, conhecer e se expressar são igualmente aceitas no contexto escolar por
adquirirem valores sociais desiguais, em decorrência da diferença colonial (MIGNOLO,


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2003) que estrutura a sociedade brasileira e tem no domínio da escrita um de seus
primeiros indicadores. Obviamente, à diferença cultural, com seus matizes de
desigualdade, se somam as desigualdades sócio-econômicas, que também precisam ser
consideradas.
Nesse contexto, o tratamento do percurso e/ou do resultado infantil que não se
enquadra no padrão vigente como dificuldade de aprendizagem indica o não
reconhecimento de sua qualidade e legitimidade. Tal procedimento aproxima diferença
de deficiência, através da ideia de dificuldade, gerando um sentimento de incapacidade
naquelas crianças classificadas como os que não aprendem o que deveriam aprender em
determinado tempo escolar, seguindo um determinado percurso e apresentando
determinados resultados. Esse processo, ainda que com maior sutileza do que
encontrada em momentos anteriores, continua responsabilizando os excluídos pelo seu
próprio fracasso.
Porém, o experienciado por Ewellen, com seus colegas e professora, no dia-a-dia
da sala de aula, referendava-se no (re)conhecimento de diferentes e singulares modos
pelos quais essas crianças se relacionavam com o aprendizado da leitura e da escrita.
Que conhecimentos revelavam sobre a linguagem escrita? Se interessavam por esse
aprendizado? Liam e escreviam? Como liam e/ou escreviam? Ousavam escrever como
sabiam e podiam? Ou se recusavam a ler e a escrever? Que temas mobilizavam o grupo
nas rodas de conversas, realizadas diariamente? Perguntava-se Ana Paula, professora da
turma, desde o primeiro dia de aula.
Nesse sentido, desenhar, escrever, ler, ouvir histórias, contar histórias, brincar,
observar, escutar, falar, tomar decisões, concordar, discordar, conversar fazia parte da
rotina dessa sala de aula. Ana Paula, desde vários anos, vem se desafiando a praticar
uma ação alfabetizadora que não desconsidere as histórias e experiências das crianças
com a linguagem escrita. Pensar e praticar a alfabetização como experiência
(SAMPAIO, 2008): viver cotidianamente com as crianças, no dia-a-dia da escola,
práticas alfabetizadoras que abram possibilidades para que cada um, individualmente e
coletivamente, possa fazer-se outro nas relações de alteridade e, nesse fazer-se, possa
vivenciar processos próprios e singulares de compreender, de aprender, de ensinar. Uma
educação/alfabetização, sobretudo, ética, onde sou absolutamente responsável pelo
outro, como lembra-nos, com insistência, Carlos Skliar.
(...) es el otro quien provoca la llamada; es el otro quien nos induce a realizar
un gesto; es a partir del otro que nos hacemos responsables, obligándonos a
dialogar con él. (2007, p. 30- 31.)


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Esse é o contexto da sala de aula no qual aprendíamos, também com as crianças


e professora, no processo investigativo, a reconhecer (e legitimar) potencialidades,
desejos, lógicas infantis.
***
Ewellen (e mais uma colega), ao final do 1º ano de escolaridade, não lia e não
escrevia do mesmo modo que as outras crianças. No entanto, com ajuda, pistas,
sinalizações, ambas liam e escreviam, como sabiam e podiam - uma escrita que se
distanciava, muitas vezes, da escrita convencional. Ewellen estava integrada ao
processo vivido por sua turma, embora não mostrasse as mesmas aprendizagens que os
demais. Porém, no ano seguinte, quando cursaria o segundo ano, logo no mês de abril
teria de se submeter à Provinha Brasiliii, cujos parâmetros colocariam a menina em um
dos seus níveis mais baixos, interpretados, no discurso oficial, como evidências de
dificuldade de aprendizagem, como se pode apreender dos fragmentos a seguir:

Foi instituída, por meio da Portaria Normativa nº 10, de 26 de abril de 2007,


a Provinha Brasil, com os seguintes objetivos:
a) avaliar o nível de alfabetização dos educandos nos anos iniciais do ensino
fundamental;
b) oferecer às redes de ensino um resultado da qualidade da alfabetização,
prevenindo o diagnóstico tardio das dificuldades de aprendizagem.
(INEP: 2011; p. 04)

Recomenda-se especial atenção no trabalho com as crianças que estão nos


níveis 1 e 2, visto que o esperado é que as crianças, no término do segundo
ano de escolaridade, atinjam, pelo menos, os níveis 3 ou 4.
(idem; p. 19)

As políticas públicas avaliativas implementadas indicam procedimentos sociais e


escolares que contribuem, sutil e paulatinamente, para a transformação da diferença em
dificuldade e esta relação, ao se consolidar, serve como justificativa para a desigualdade
decorrente de um processo escolar pouco exitoso. Na medida em que o processo infantil
deixa de ser investigado a partir de suas próprias marcas para ser comparado a um
padrão fixo e reduzido de habilidades e verificado por intermédio de questões fechadas
e descontextualizadas, dificulta-se a possibilidade de diálogo com o movimento
efetivamente vivido pela criança e, consequentemente, de proposição de um processo
pedagógico que atenda a suas demandas e potencialidades, vendo-a como parte de um
coletivo em que seu processo e as atividades ganham sentido. Como o discurso oficial
não serviu como norteador da prática pedagógica na turma de Ewellen, seu processo de


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aprendizagem continuou sendo percebido pela professora como expressão de sua
alteridade.
A participação no cotidiano da sala de aula nos mostra que a aprendizagem
infantil se relaciona à ampliação da sua autonomia. A professora reconheceu a
legitimidade do processo de aprendizagem da menina e contribuiu para que ela
fortalecesse sua capacidade de expressar seus conhecimentos, mesmo que
frequentemente atravessados por seu ainda não saber. A avaliação se realizava como um
processo em que a reflexão individual e coletiva orientava a compreensão dos sentidos
que as propostas iam adquirindo em sua realização e dos efeitos que provocavam na
aprendizagem de cada um/a dos/as estudantes. No mês de novembro, no 1º ano de
escolaridade, Ewellen, ao se autoavaliar escreveu:
EU JÁ APRENDI
A ESCREVEISETO SOZIA
PARAIACOPACABANA

EU QUERO APENDE A LE.



Seu texto nos diz das palavras que já aprendeu a escrever sozinha: inseto (tema do
projeto de estudos desenvolvido pelas crianças, por opção delas, no inicio do ano);
praia e copacabana. Revela-nos seu desejo: eu quero aprender a ler. Mas, nos diz,
sobretudo, que saberes e ainda não saberes são constitutivos do processo de aprender.
Ela sabe e ainda não sabe. Um modo dialógico de compreender o processo de
aprendizagemensino que interroga e desnaturaliza dicotomias clássicas - sabe/não sabe;
acompanha/não acompanha a turma; escreve/não escreve; lê/não lê; tem
dificuldades/não tem dificuldades -, que alimentam, nas palavras de José Contreras
Domingo, a Pedagogia da normalidade,
(la pedagogía de lo neutro), la que hace vacío de las diferencias (...) la
pedagogía que se basa sobre el saber qué hacer antes de tener una experiencia
concreta, antes de conocer la singularidad de sus alumnos, como personas
concretas con sus propias historias, antes de vivir la singularidad de las
situaciones y las relaciones particulares en las que se está inmerso, en cuanto
que docente, como un otro para los otros (sus alumnas y alumnos). La que no
hace vacío en sí y escucha para dejarse decir por el otro quien el otro es,
quiere, necesita; la que no hace vacío y se escucha a sí para pensar lo
apropiado a la situación. (2001, p. 8)

Na contramão dessa perspectiva, Ewellen experienciava um processo


alfabetizador podendo narrar as experiências de sala de aula e narrar-se como sujeito
dessas experiências, se reconhecia e se percebia valorizada como capaz de aprender,
embora os resultados de suas ações nem sempre se enquadrassem nos padrões


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predefinidos de aquisição de habilidades e desenvolvimento de competências. Na sala
de aula, autonomia infantil e autonomia docente dialogam intensamente, pois em
interação a criança reconhece as potencialidades e limites de seu processo e assume sua
responsabilidade com sua aprendizagem e de seus colegas, sendo capaz de propor
movimentos que favoreçam a aprendizagem de todos; do mesmo modo a professora,
reconhecendo os efeitos de suas ações na aprendizagem infantil, tem fortalecida sua
capacidade de elaborar as propostas de ensino segundo sua percepção das necessidades
e potencialidades do grupo com que trabalha e de interpretar os resultados, alimentando
seu processo de açãoreflexãoação. Nesse processo experiencia um movimento
permanente de ir tornando-se melhor professora no exercício de ser professora.
Em uma de nossas conversas, Ana Paula, professora de Ewellen, enfatiza:
Hoje, após cinco anos com uma mesma turma [do 1º ao 5º ano de
escolaridade do EF] e com a presença da Carol [uma criança surda] posso ver
de outro modo esse processo alfabetizador. Estou mais atenta, mais calma,
mais capaz para intervir no processo vivenciado pelas crianças. É incrível
minha mudança, meu próprio movimento (...) estou aprendendo, a cada ano,
a lidar de um modo diferente com as diferenças das crianças. É um desafio
não ver as diferenças como dificuldades. Mas, é possível... mas precisei e
preciso de ser ajudada. Sozinha, não sei não!! (Caderno de Campo,
17/03/2009)

Para Ana Paula aprenderensinar com o outro constitui seus modos de ser
professora. Atenta ao próprio processo de mudança persegue, nas ações pedagógicas
realizadas, relações de reciprocidade e solidariedade entre ela e as crianças e entre as
próprias crianças. A escrita coletiva de um texto sobre o que descobriram sobre um
besouro que se fingia de morto encontrado no pátio da escola revela-nos maneiras muito
próprias e singulares de intervenção docente e discente experienciadas por esse grupo.
O texto pensado por toda a turma e escrito no quadro por várias crianças que se
alternavam, a pedido da professora, ia sendo produzido a partir de sugestões, sempre
discutidas pelo grupo. A discussão girava em torno da estrutura textual; do conteúdo a
ser dito; de como dizer o que se quer dizer; de como se escreve tal ou qual palavra; a
pontuação e acentuação necessárias... um processo que exige ouvir o outro e a si
próprio; refletir sobre a língua; fazer escolhas; ser paciente com o tempo do colega, às
vezes demorado para quem já escreve com mais autonomia; ajudar e ser ajudado. É
importante destacar que todas as crianças, e não apenas as que já estavam alfabetizadas,
ou possuíam mais “facilidade”, podiam ser escribas do texto, no quadro.
Mas, o modo como a professora interagia com cada uma delas, no momento de
registrar o pensado pelo grupo, era diferente. Igualdade no direito de aprender (mais)


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sobre a linguagem escrita no processo de registrar a carta no quadro, mas, diferença no
modo de ser interpelado, questionado, ajudado, pois os (des)conhecimentos que
possuíam não eram os mesmos; os processos vivenciados também não eram os mesmos.
Cada criança que ia ao quadro escrevia uma parte do texto. Ewellen foi
solicitada a escrever: essas foram as nossas descobertas. Ficou quieta, pensativa.
Perguntei se sabia escrever a palavra essas. Ela confirmou com a cabeça que sim e
escreveu ESA. A professora lembrou que essa palavra possuía “um segredo”. Com a
intervenção das crianças, Ewellen acrescentou mais um S, mas, manteve a palavra no
singular. Foi necessário um tempo maior para que compreendesse o uso do plural ou a
necessidade de tantos S em uma mesma palavra. Ajudada ora pela professora ora pelos
colegas, que apontavam no alfabeto a letra necessária; que diziam a ordem das letras e
esperaram (solidariamente) seu tempo para pensar e escrever, Ewellen finalizou o
registro do texto, no quadro, revelando-nos conhecimentos que, até então, não havíamos
percebido. Porém, se comparada aos colegas podia ser enquadrada em uma posição
inferior aos demais, consolidando diagnóstico de dificuldade de aprendizagem.
No ano seguinte, quase dois meses após o início do ano letivo – no 2º ano de
escolaridade – chego à escola e encontro as crianças no pátio comemorando o
aniversário de um colega de classe. Ewellen, que até então eu não havia reencontrado,
vem ao meu encontro, me abraça e com um sorriso largo, olhos vivos, corpo mais ereto,
me pede, pela primeira vez, meu caderno de campo (as crianças, com frequência,
registravam nesse caderno perguntas, histórias, experiências vividas) e escreve:

EU
ADORO
LER
E


SCEVR
(EWELLEN).

Assina, toda orgulhosa, com letra cursiva. Me devolve o caderno e vai brincar.
Uma colega que ao nosso lado estava, me diz: - Tia, ela agora fala!!

3 – Múltiplas aprendizagens em percursos singulares


A alteridade, quando articuladora da atividade pedagógica, estimula que à
aprendizagem se experimente como processo reflexivo, crítico e compartilhado,
impossível de ser enquadrado e reduzido aos estreitos limites do exame estandardizado
que define previamente e sem conhecimento dos diferentes cotidianos vividos pelos
estudantes e pelas professoras os fragmentos de conteúdo escolar que devem ser
adquiridos e os modos de verificá-los.


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Ewellen, como tantas outras crianças, não tem qualquer dificuldade de
aprendizagem. Apresenta um processo peculiar que precisa ser compreendido pela
professora a partir de um intenso diálogo em que cada uma possa se expor, ser vista pela
outra, com seus limites e potencialidade, sem negar o que cada uma pode ser, mas
negociando permanentemente para que cada uma possa assumir seus limites como
desafios possíveis de serem superados na interação com os sujeitos com quem
compartilham suas vidas e com o mundo, tendo no conhecimento – e em especial na
aprendizagem da linguagem escrita – um instrumento valioso dessa relação.
Certamente, compreender o processo de cada uma das crianças de uma sala de aula é
um grande desafio para a professora e para o professor, especialmente daquelas que
fazem percursos diferentes dos previstos. Por isso, o processo aprendizagemensino é um
desafio tanto para estudantes como para docentes; um desafio baseado no diálogo, na
partilha, na ação coletiva; um desafio que só se pode se enfrentado no encontro com o
outro.
A avaliação classificatória, baseada em parâmetros e procedimentos
predeterminados, em escalas fixas, em padrões de produção e de interpretação dos
resultados pouco conectados à dinâmica da sala de aula pouco pode contribuir com o
movimento requerido pelo cotidiano escolar efetivamente comprometido com a
aprendizagem de todos. A avaliação como prática de investigação (ESTEBAN, 2001),
vinculada às proposições da avaliação para a aprendizagem (STOBART, 2010), indica,
como nos mostra o vivido na turma da professora Ana Paula, potencialidades ao se
articular ao processo pedagógico, não se prender a estereótipos, como um mero
procedimento de mensuração da aquisição de fragmentos de conteúdos pelos/as
estudantes. A redução do conhecimento a fragmentos limita a aprendizagem e,
simultaneamente, o ensino, contribuindo para diminuir as possibilidades de produção de
conhecimentos pelos grupos que cotidianamente interagem nas experiências da sala de
aula.
Entretanto, o que pode uma prática alfabetizadora vivenciada como experiência?
Uma prática atenta aos acontecimentos cotidianos, aos desejos e necessidades
explicitadas pelos diferentes sujeitos que vivem esse processo; aberta ao imprevisto, aos
movimentos singulares experienciados pelas crianças. Como saber os processos vividos
senão observando as relações entre as crianças; observando seus modos de se
relacionarem com o conhecimento; chegando mais perto, se colocando à escuta,
disponível para uma ação docente que assume riscos, se dispõe à surpresa? Uma prática


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alfabetizadora como um testemunho de igualdade, na perspectiva defendida por Jacotot
(RANCIÈRE, 2004), porque reconhecedora da capacidade de todos para aprender.

Referências bibliográficas:

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argumentos pedagógicos. 1ª ed. Buenos Aires: Centro de Publicaciones Educativas y
Material Didáctico, 2007.

STOBART, G. (2010). Tiempos de prueba: los usos e abusos de la evaluación. Madrid:


Morata.

























































i
 A opção epistemológica e política de interrogar modos de dizer, compreendidos historicamente como
oposições binárias, leva-nos a escrever juntos determinados termos no sentido de revelar sua
indissociabilidade. 

ii
- O Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-2020 apresenta como uma de suas metas
“Alfabetizar todas as crianças até, no máximo, os oito anos de idade”.
iii
- A Provinha Brasil “tem como principal objetivo realizar um diagnóstico dos níveis de alfabetização
das crianças após um ano de estudos (…) com base em cinco diferentes níveis de desempenho,
identificados a partir das análises pedagógica e estatística das questões de múltipla escolha que as
crianças responderam no pré-teste. (Guia de Correção 2011)




Livro 3, p.002958

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