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novembro-dezembro de 2019 – ano 60 – número 330

ROTEIROS PASTORAIS

3 Em busca de uma “Igreja autêntica”


após o Sínodo sobre os jovens
Filipe Domingues
19

Dom Hélder Câmara
ou simplesmente Dom
Martinho Condini

11 Evangelizar as cidades à luz do


magistério do papa Francisco
Edson Oriolo
27

As estrelas do
cardeal Arns
Prof. Dr. Fernando Altemeyer Junior

35 Roteiros homiléticos Zuleica Aparecida Silvano


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Prezadas irmãs, prezados irmãos, graça e paz!


O ano de 2019 foi marcado por perple- Dom Edson Oriolo, por sua vez, parte do
xidades e lágrimas. O rompimento da bar- testemunho pastoral do pontificado do
ragem de Brumadinho (MG) pode ser visto papa Francisco e sugere possíveis ações
como o grande sinal do “vale de lágrimas” para a evangelização nas cidades. De acordo
pelo qual o povo brasileiro passa. A lama com Oriolo, nos ensinamentos do papa
que arrastou e matou pessoas, animais, en- Francisco há a necessidade de se ter um ro-
venenando riachos e rios é a metáfora de teiro de evangelização voltado tanto para as
nossa real situação. grandes metrópoles como para as pequenas
Como se não bastasse, o governo federal cidades e vilarejos, e que deveria ser criati-
que tomou posse em 1º de janeiro não apre- vamente aplicado.
sentou, até o momento, projetos claros para Para inspirar e iluminar os “roteiros pas-
resolver os problemas emergentes da popu- torais” em nosso tempo, apresentamos dois
lação, como: desemprego, saúde, educação perfis de pastores que exalavam o “aroma
e segurança pública. Enquanto a crise eco- das ovelhas”: Dom Hélder Câmara e Dom
nômica se aprofunda e vai deixando rastro Paulo Evaristo Arns. O prof. Martinho Condi-
de destruição e entristecendo jovens e adul- ni tece o perfil de Dom Hélder, apresentan-
tos, o governo insiste em temas polêmicos do-o às novas gerações como um dos mais
como o armamento e outros assuntos supér- importantes protagonistas da história da
fluos que desviam a atenção de todos. Os Igreja no Brasil e na América Latina do sécu-
poderes da República parecem estar man- lo XX. Enfatiza passagens importantes de
comunados com seus próprios interesses, sua vida. Sua maneira de pensar e agir, na
em detrimento do sofrimento dos pobres. Igreja e nos movimentos sociais, foi signifi-
Vida Pastoral, como sempre, quer ser cativa para o catolicismo brasileiro e latino-
uma ferramenta de esperança, uma pequena -americano, especialmente para as camadas
porção de ânimo ao povo de Deus em uma sociais excluídas. Já o prof. Fernando Alte-
realidade marcada por extremismos e bipo- meyer propõe um perfil de Dom Paulo Eva-
laridades. Por isso, propomos nesta edição risto Arns, destacando o seu importante le-
possibilidades de “roteiros pastorais” para gado de defesa e cuidado pela vida na socie-
abrir horizontes em tempos desalentadores. dade brasileira e na Igreja. Viveu momentos
O jornalista Filipe Domigues, que parti- de grandes desafios em sua missão e sempre
cipou da comissão preparatória do Sínodo tinha à frente o horizonte da esperança.
para a Juventude (ocorrido em outubro de Por fim, outra importante fonte de ins-
2018), oferece-nos importante colaboração piração são os roteiros homiléticos, desta
acerca da “autenticidade” na prática pasto- vez preparados pela Ir. Zuleica Silvano.
ral, com base na experiência nos encontros Desejamos a todos uma excelente pre-
pré-sinodais e no Sínodo dos Bispos. Ele paração para o Natal e muita esperança para
sugere uma reflexão mais profunda nas co- o Ano Novo, sempre atentos à necessidade
munidades sobre como viver a autenticida- da união, do senso crítico e da vigilância!
de nos ambientes eclesiais, particularmente Boa leitura!
na pastoral e nos movimentos dedicados Pe. Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp
aos jovens. Editor
Revista bimestral para
sacerdotes e agentes de pastoral
Ano 60 – número 330
NOVEMBRO-DEZEMBRO de 2019

Editora PIA SOCIEDADE DE SÃO PAULO Revisão Alexandre Santana, Jennifer Almeida
Jornalista e Tiago José Risi Leme
responsável Valdir José de Castro, ssp Assinaturas assinaturas@paulus.com.br
Editor Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp (11) 3789-4000 • WhatsApp: 99974-1840
Conselho editorial Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp Rua Francisco Cruz, 229
Claudiano Avelino dos Santos, ssp Depto. Financeiro • CEP 04117-091 • São Paulo/SP
Darci Luiz Marin, ssp Redação © PAULUS – São Paulo (Brasil) • ISSN 0507-7184
Paulo Sérgio Bazaglia, ssp vidapastoral@paulus.com.br
Capa Reprodução paulus.com.br / paulinos.org.br
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Ilustrações Patrícia Campinas (artigos)
e Luís Henrique Alves Pinto (Roteiros homiléticos) Periódico de divulgação científica. Área: Humanidades e artes.
Editoração Elisa Zuigeber Curso: Teologia.

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Em busca de uma “Igreja autêntica”
após o Sínodo sobre os jovens

Neste artigo, vamos refletir Filipe Domingues*


brevemente sobre a autenticidade,
com base na experiência nos
encontros pré-sinodais e no Sínodo
Introdução
dos Bispos, e estimular uma Após sua visita ao Panamá para a Jorna-
reflexão mais profunda nas da Mundial da Juventude (JMJ), no voo de
retorno a Roma, em 27 de janeiro de 2019,
comunidades sobre como vivê-la o papa Francisco foi perguntado pelo jorna-
nos ambientes eclesiais, lista Javier Martínez-Brocal sobre as dificul-
particularmente na pastoral e nos dades que os jovens encontram e por que se
afastam da Igreja. Sem titubear, Francisco
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movimentos dedicados aos jovens. disse que muitos são os motivos para al-
guém se afastar da Igreja – e, em grande

ano 60

*Jornalista, mestre e doutorando em Ciências Sociais parte, são questões pessoais. “Mas, em ge-
pela Pontifícia Universidade Gregoriana, foi membro da ral, creio que o primeiro motivo seja a falta

comissão redatora do documento pré-sinodal e participou


de testemunho dos cristãos”, pontuou o
Vida Pastoral

do Sínodo dos Bispos sobre os jovens na condição de


“experto” em questões relativas à ética nas redes sociais. santo padre (FRANCISCO, 2019).

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“Se um pastor atua como empresário ou precipitada. Querem fazer parte dos proces-
organizador de um plano pastoral, se um sos e, principalmente, das decisões.
pastor não é próximo às pessoas, esse pastor Na reunião pré-sinodal, que reuniu cerca
não dá testemunho de pastor. O pastor deve de 300 jovens em Roma e outros 15 mil pelo
estar com as pessoas; pastor e rebanho”, disse Facebook, a juventude foi convidada a fazer
o papa, no avião (FRANCISCO, 2019). Para parte do diálogo e transmitiu a forte mensa-
ele, o verdadeiro bom pastor deve caminhar gem de que sua presença e participação na
à frente das ovelhas, para indicar vida eclesial só fazem sentido
o caminho, mas também mistu-
“A ideia de que em uma Igreja “autêntica”.
rar-se no meio do rebanho e, o testemunho
por vezes, cuidar da retaguarda, é essencial para 1. Uma Igreja autêntica
para que nenhuma se perca. a transmissão Não é novidade dizer que a
Durante o percurso que pre- da fé vem sendo fé cristã verdadeira se espalha no
parou o Sínodo dos Bispos sobre mundo, sobretudo por meio do
a juventude, cuja assembleia ge- difundida há testemunho de vida, e não tanto
ral foi realizada em outubro de muitos anos na pela persuasão, pelo convenci-
2018 com o tema: “Os jovens, a tradição cristã, mento ou pelo puro proselitis-
fé e o discernimento vocacio- mas a Igreja deu mo. O sangue dos mártires é a
nal”, ficou muito claro que os maior prova disso: seu modelo
particular ênfase
jovens de hoje são, de fato, bas- de fé incondicional acaba se tor-
tante exigentes com a Igreja. a esse ponto após nando semente de novos discí-
Talvez este seja o momento o Concílio pulos e de sólidas vocações.
histórico em que os jovens têm o Vaticano II” A ideia de que o testemu-
mais amplo acesso à informação. nho é essencial para a transmis-
Eles têm um senso crítico aguçado e são esti- são da fé vem sendo difundida há muitos
mulados por amigos e parentes a questionar anos na tradição cristã, mas a Igreja deu par-
frases de efeito e clichês. Por um lado, nunca ticular ênfase a esse ponto após o Concílio
foram tão preparados para enfrentar os desa- Vaticano II. Quando o mundo vivia profun-
fios do mundo globalizado, em que pesem as das transformações, modernizações, os pa-
disparidades regionais e sociais; por outro, dres conciliares perceberam que não bastava
também como nunca antes, faltam-lhes opor- impor a ferro e fogo as verdades do cristia-
tunidades de pôr em prática esses anseios e, nismo; era preciso viver a mensagem de
mais ainda, faltam-lhes modelos, heróis, bons Cristo, dialogar com o mundo e anunciar
exemplos que lhes sirvam de orientação. seu evangelho pelo exemplo de vida.
Em uma sociedade marcada pela ima- Na exortação apostólica Evangelii Nun-
gem, pelas mídias digitais e pela falta de tiandi, de 1975, o papa Paulo VI, sob o qual
modelos visíveis de fé, caridade e esperan- o Concílio foi concluído, escreve claramen-
ça, os jovens demandam dos líderes da Igre- te sobre a importância primordial do teste-
ja, mais do que nunca, um testemunho de munho de vida no anúncio do evangelho:
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vida exemplar. Falam sobre tudo, têm aces-


so a quase tudo e já não aceitam respostas E esta Boa-Nova há de ser proclamada,

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prontas. Querem conhecer a verdade dos antes de mais nada, pelo testemunho.
fatos, mas não que esta lhes seja imposta. Suponhamos um cristão ou punhado

Reconhecem as próprias fraquezas, mas não de cristãos que, no seio da comunidade


Vida Pastoral

admitem que outros os julguem de forma humana em que vivem, manifestam a

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sua capacidade de compreensão e de soal e coletivo – isto é, na tomada de deci-
acolhimento, a sua comunhão de vida e sões –, além de viver os sacramentos como
de destino com os demais, a sua solida- combustível para ser luz no mundo, em
riedade nos esforços de todos para tudo contato direto com o Deus vivo.
aquilo que é nobre e bom. Assim, eles A resposta do papa Francisco ao jorna-
irradiam, de um modo absolutamente lista da agência Rome Reports, na coletiva de
simples e espontâneo, a sua fé em valo- imprensa durante o retorno a Roma, – men-
res que estão para além dos valores cor- cionada no início do artigo – traz novamen-
rentes, e a sua esperança em qualquer te à tona a reflexão sobre quanto os mem-
coisa que se não vê e que não se seria bros da Igreja ainda precisam crescer no
capaz sequer de imaginar. Por força testemunho de vida. A inabilidade, o peca-
deste testemunho sem palavras, estes do e a falta de misericórdia de muitos mem-
cristãos fazem aflorar, no coração da- bros da Igreja com relação à juventude con-
queles que os veem viver, perguntas in- temporânea estão entre os motivos que afas-
declináveis: Por que é que eles são as- tam os jovens da comunidade de fé.
sim? Por que é que eles vivem daquela Voltando ao papa Paulo VI – ele mesmo
maneira? O que é, ou quem é, que os canonizado durante o Sínodo dos Bispos
inspira? Por que é que eles estão conos- sobre os jovens, juntamente com Santo
co? (EN 21). Óscar Romero e outros santos –, podemos
dizer que todos os cristãos são chamados a
Foi dessa linha de pensamento que nas- testemunhar sua fé como “verdadeiros
ceram muitos novos movimentos e comu- evangelizadores”, numa espécie de “procla-
nidades de vida apostólica após o Concílio mação silenciosa, mas muito valiosa e efi-
– além de inúmeros fiéis, mulheres e ho- caz”. Daí surgirão perguntas, diz São Paulo
mens de fé, que se esforçam para viver, no VI, entre os não cristãos ou batizados não
dia a dia, os valores e o exemplo de Cristo praticantes, ou mesmo entre os que “não
no meio do mundo. são nada cristãos”.
Trata-se de evangelizar o mundo por Alguns começarão a se questionar se há
meio do encontro com o outro, com o dife- um “algo a mais” na vida que os pode acom-
rente – e não por meio de sua destruição, panhar em situações de sofrimento. “E ou-
para que, no fim, todos sejam iguais, o que tras perguntas surgirão, depois, mais pro-
seria uma expressão do fundamentalismo. fundas e mais de molde a ditar um compro-
Na mesma linha, vem a ideia de “inculturar” misso, provocadas pelo testemunho aludi-
a fé cristã em diferentes lugares, contextos do, que comporta presença, participação e
culturais e tradições. solidariedade e que é um elemento essen-
Portanto, ser missionários no mundo cial, geralmente o primeiro de todos, na
não se limita a convencer os outros da Ver- evangelização” (EN 51).
dade que orienta a fé cristã e simplesmente O fato de anunciar “silenciosamente” o
distribuir os sacramentos, de forma com- evangelho por meio do testemunho de vida
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pulsiva – embora não se questione, aqui, o não impede nem inibe o anúncio explícito.
valor imensurável dos sacramentos. Em vez Pelo contrário, é necessário responder, dia-

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disso, fala-se de sair pelo mundo e testemu- logar, aprofundar a fé tanto racionalmente
nhar o exemplo de Jesus Cristo, inspirar-se quanto na vida de oração e nos gestos con-

nos santos e pedir a orientação do Espírito cretos de caridade e perdão, para que ela seja
Vida Pastoral

Santo em processos de discernimento pes- realmente enraizada. Aí entram a catequese,

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a direção espiritual e, de forma mais geral, Como acreditar em um padre que prega a
novas formas de acompanhamento indivi- humildade, mas vive em condomínio de luxo
dualizado – uma das principais propostas ou dirige o carro do ano? Como crer em uma
do Sínodo sobre os jovens. catequista que manda pensar nos dez manda-
Continua o papa Paulo VI: “A evangeli- mentos para a confissão, mas vive falando
zação, por tudo o que dissemos, é uma di- mal dos outros? Como compreender a casti-
ligência complexa, em que há variados ele- dade se a maioria dos que se casam na Igreja
mentos: renovação da humani- e muitos ministros, ordinários e
dade, testemunho, anúncio ex- “Uma Igreja extraordinários, não parecem se
plícito, adesão do coração, en- autêntica é, preocupar muito com ela? Como
trada na comunidade, aceitação primeiro, uma que sentir-se atraído pelo sacramento
dos sinais e iniciativas de apos- vive aquilo que da reconciliação se o sacerdote
tolado” (EN 24). parece mais um inquisidor do
Sem o testemunho de vida,
prega e, segundo, que um pastor que orienta e
porém, o anúncio explícito da uma que reconhece mostra o caminho? Como aceitar
fé perde em credibilidade e coe- os próprios erros” o discurso que expõe os pecados
rência. Essa mensagem é válida dos homossexuais se na própria
ainda hoje, e é precisamente essa a crítica Igreja há tantas pessoas com essa orientação?
que os jovens fazem aos membros da Igreja Como ver no bispo um verdadeiro pastor se
na atualidade. ele nunca aparece na paróquia? Como se con-
Hipocrisia, moralismo, abusos sexuais, vencer de pagar o dízimo se não se sabe para
de poder e de consciência, rigidez excessiva, onde vai o dinheiro doado?
clericalismo, “panelinhas”, narcisismo, ner- São perguntas que os jovens fazem a si
vos à flor da pele, falta de tempo, divisão, mesmos e aos outros, abertamente, sem
discurso de ódio nas redes sociais… Tudo medo e sem tabu. Se os membros da Igreja
isso é contrário ao exemplo de Cristo, à sua fugirem dessas e de muitas outras questões
comunidade, aos valores do evangelho e de- concretas – mantendo certa “distância de
põe contra o testemunho de comunhão jun- segurança” dos jovens, como diz o papa
to aos jovens. Francisco –, jamais serão capazes de trans-
mitir às gerações futuras a rica herança da
2. Viver o que pregar fé que receberam das gerações anteriores.
e reconhecer os erros Embora sejam perguntas fortes, direcio-
Com base na experiência com os jovens nadas especialmente àqueles que estão em
na reunião pré-sinodal e com os padres si- papéis de liderança, são válidas e ajudarão a
nodais na assembleia geral do Sínodo, po- comunidade de fé a ser mais transparente e
demos dizer, portanto, que uma Igreja au- mais madura.
têntica é, primeiro, uma que vive aquilo que Isto pediram os jovens à hierarquia da
prega e, segundo, uma que reconhece os Igreja: “Queremos dizer, especialmente à
próprios erros. hierarquia da Igreja, que ela deve ser uma
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A maioria dos jovens da atualidade não comunidade transparente, acolhedora, ho-


aceitam que pessoas da Igreja venham lhes nesta, convidativa, comunicativa, acessível,

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ditar como viver sua vida, sobretudo se per- alegre e interativa” (PRE-SYNODAL MEE-
cebem que esses “diretores” mesmos não TING, 2018, n. 11).

vivem de forma coerente com a mensagem São demandas que parecem pesadas,
Vida Pastoral

que transmitem. mas a comunidade enraizada na “alegria do

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evangelho” supera dificuldades para praticar
as virtudes. Isso não quer dizer que os jovens Evangelizar com
só exijam da Igreja e nada queiram dar. Eles
reconhecem que têm muito a aprender dos o Papa Francisco
mais velhos e não são capazes de fazer tudo Comentário à Evangelii Gaudium
sozinhos – precisam de acompanhamento. Dom Benedito Beni dos Santos
Se, porém, os membros da Igreja não
vivem o que pregam – ou nem sequer se
esforçam para tal –, jamais os jovens encon-
trarão nela a autenticidade e a inspiração de
que precisam para chegar a um encontro
pessoal com Jesus Cristo.
Portanto, uma Igreja que vive o que prega
não é feita só de palavras, de regras a serem
seguidas, mas de mulheres e homens que são
modelos de vida e praticam a comunhão.
A Igreja autêntica da qual falavam os jo-
vens reconhece seus erros. Ela tem orienta-
ções claras, guia-se por bonitos ideais, é ver-
dade, mas também admite que o caminho é
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tortuoso para todos e está disposta a correr


atrás das ovelhas perdidas, encontrando-as
onde quer que estejam.
A Exortação Apostólica
Sabemos que a Igreja é santa, mas seus Evangelii Gaudium tem o estilo
membros são pecadores. Somos todos fa- e o cunho pessoal do Papa
lhos, humanos, frágeis e precisamos da mi- Francisco. Sobretudo, expressa
sericórdia de Deus. “Quando um membro seu humanismo personalista, que
sofre, todos os outros  sofrem  com ele”, já é o humanismo do Evangelho.
dizia São Paulo (1Cor 12,26). Além do Concílio Vaticano II,
Ao pedirem que os membros da Igreja se- outra fonte significativa dessa
jam modelos de vida e testemunhos de fé, os exortação é o Documento de
Aparecida, de cuja elaboração
jovens não exigem que todos sejam perfeitos.
o então cardeal Jorge Mario
Obviamente, o chamado à santidade é para Bergoglio participou ativamente,
todos, como ensina o papa Francisco na Gau- na V Assembleia do Episcopado
Imagens meramente ilustrativas.

dete et Exsultate. No entanto, o que os jovens Latino-Americano e do Caribe,


diziam no processo sinodal é que só uma em maio de 2007.
Igreja que reconhece suas fragilidades é capaz
de falar aos que também se sabem imperfei-
tos. “Se a Igreja agir dessa forma, vai se dife-
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renciar de outras instituições e autoridades de Vendas: (11) 3789-4000


que os jovens, em sua maioria, já descon- 0800-164011

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fiam”, escrevem no documento pré-sinodal
(PRE-SYNODAL MEETING, 2018, n. 11). V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL

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Os jovens admitem que precisam
Vida Pastoral

de ajuda para compreender e superar as

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dificuldades da vida, para aprender como buídos à Igreja – tanto reais quanto per-
se levantar quando houver uma queda; cebidos – afetam a confiança dos jovens
dessa forma, somente fiéis que se ponham na Igreja e nas instituições tradicionais
na mesma condição de pecadores redimi- em que ela se encontra.
dos serão credíveis para orientá-los.
A Igreja que reconhece seus erros é au- Não obstante, muitos jovens têm a sorte
têntica porque é real. É próxima aos jovens e de conhecer pessoas que, apesar de seus limi-
os vê como parte do corpo de tes, buscam viver o evangelho, e
“No documento
Cristo, e não como meros re- assim eles se sentem encoraja-
ceptores de mensagens pré-fa- dos jovens, dos a fazer o mesmo. Muitos en-
bricadas por pessoas mais ve- eles afirmam contram em Maria, mãe de Je-
lhas. É uma Igreja cujos líderes que são mais sus, um modelo de amor incon-
são humildes, transparentes e receptivos a uma dicional a Deus e, por meio dela,
misericordiosos. ‘literatura da vida’ chegam a Jesus.
do que Para esses, “a Igreja chama a
3. A pessoa de a complexos atenção dos jovens por estar
Jesus Cristo para os jovens discursos enraizada em Cristo. Cristo é a
Durante todo o percurso si- teológicos” Verdade que faz a Igreja dife-
nodal, boa parte dos debates se rente de qualquer outro grupo
concentrou, naturalmente, na pessoa de Jesus mundano com o qual podemos nos identifi-
Cristo e em como os jovens o veem. Muitos car”, diz o mesmo documento (PRE-SYNO-
reconhecem em Jesus importante persona- DAL MEETING, 2018, n. 11). “Portanto,
gem histórico, “um homem bom”, que trans- pedimos à Igreja que continue proclamando
mitiu mensagens de amor e paz. Nem todos, a alegria do evangelho com a orientação do
contudo, veem nele o Deus encarnado entre Espírito Santo.”
nós, o Emanuel que nasceu na noite de Natal. Como dizia o papa Bento XVI, muitos
Outros, ainda, até aceitam que Jesus é o cristãos conhecem mal o núcleo da própria
Filho de Deus, mas não encontram na Igreja fé. Portanto, “Hoje não está muito distante o
ou em seus membros os principais repre- risco de construir, por assim dizer, uma re-
sentantes de Cristo na terra. Admiram a ligião personalizada. Ao contrário, temos
pessoa de Jesus, mas não creem que a Igreja que voltar para Deus, para o Deus de Jesus
seja o lugar certo para encontrá-lo. Preferem Cristo, temos que redescobrir a mensagem
um contato individual e “direto com Deus”. do evangelho, fazê-lo entrar de modo mais
Alguns jovens observaram que muitos profundo nas nossas consciências e na vida
se questionam sobre o sentido da vida, mas cotidiana” (BENTO XVI, 2012).
não chegam a se comprometer decisiva- Precisamos, portanto, de uma Igreja
mente com Jesus ou com a Igreja, diz o do- mais parecida com Jesus – o que é fácil de
cumento pré-sinodal (PRE-SYNODAL ME- falar, mas difícil de fazer. No documento
ETING, 2018, n. 5): dos jovens, eles afirmam que são mais re-
nº- 330

ceptivos a uma “literatura da vida” do que a


Hoje, a religião não é mais vista como o complexos discursos teológicos.

ano 60

meio principal através do qual um jo-


vem procura por significado, pois mui- Uma maneira de reconciliar as confusões

tas vezes recorrem a outros meios e ide- que os jovens têm em relação a quem é
Vida Pastoral

ologias modernas. Os escândalos atri- Jesus envolve um retorno às Escritura,

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para entender mais profundamente a pes-
soa de Cristo, Sua vida e Sua humanida-
de. Os jovens precisam encontrar a mis- O livro do sentido
são de Cristo, e não o que podem perce- Volume I: Crise e busca de sentido
ber como uma expectativa moral impos- hoje (parte crítico-analítica)
sível. No entanto, eles se sentem insegu- Volume II: Qual é, afinal, o sentido
ros sobre como fazer isso. Esse encontro da vida? (parte teórico-construtiva)
precisa ser promovido entre os jovens, Clodovis Boff
algo que precisa ser tratado pela Igreja
(PRE-SYNODAL MEETING, 2018, n. 6).

Já os padres sinodais notaram que a nar-


rativa dos discípulos de Emaús pode ser a
metáfora mais adequada para tratar do desejo

576 páginas (volume 1) e 512 páginas (volume 2)


da Igreja de acompanhar os jovens. Confor-
me o Evangelho segundo São Lucas (24,13-
15), Jesus caminhava com os discípulos, que
andavam em direção oposta a Jerusalém. So-
mente após reconhecerem Jesus, que se reve-
la a eles no caminho, resolvem segui-lo.
O Sínodo expressa o desejo da Igreja de
falar a todos os jovens. Todos, sem exceção.
Não se trata de escolha óbvia, mas desafiado- A questão do sentido da vida
é uma das perguntas mais
ra e correta. Para isso, os padres sinodais al- angustiantes que se fazem hoje,
mejam uma Igreja que escute e enxergue os especialmente entre os jovens.
jovens com empatia. Mais do que isso, que- É, de fato, a questão humana
rem identificar “o rosto jovem da Igreja”, não mais profunda e decisiva de
todas, em todos os lugares e
vendo nos jovens uma categoria à parte, mar- em todos os tempos. Mas é na
ginalizada e convocada somente para gran- sociedade moderna que ela se
des eventos ou em caso de “força-tarefa”. tornou particularmente urgente e
dramática. Esta trilogia, ainda
“Enquanto Deus, a religião e a Igreja não em seu segundo volume, pensa
passam de palavras vazias para numerosos a problemática do sentido como
jovens, os mesmos mostram-se sensíveis à um fazer filosófico e teológico
figura de Jesus, quando ela é apresentada de – filosófico como questão
e teológico como resposta.
Imagens meramente ilustrativas.

modo atraente e eficaz”, afirma o documento Indispensável para jovens,


final do Sínodo dos Bispos (2018, n. 50). intelectuais, mentes inquietas e
Muitos jovens querem ver Jesus, encontrá- todos os que já se debruçaram
-lo no dia a dia e por meio de liturgias e alguma vez sobre o tema.
encontros comunitários vivos, atrativos e
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“capazes de tocar a sua vida cotidiana” (SÍ- Vendas: (11) 3789-4000


NODO DOS BISPOS, 2018, n. 51). 0800-164011

ano 60

SAC: (11) 5087-3625

Conclusão V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL

paulus.com.br
A única forma de os membros da Igreja
Vida Pastoral

demonstrarem sua autenticidade às novas ge-

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rações é entrando em relação com os jovens. ver uma vida espiritual mais madura. Não
Só é possível testemunhar a fé junto aos jovens basta insistir nas orações repetitivas que
por meio de uma relação direta, aberta e ho- aprendemos quando crianças.
nesta. Como diz o papa Francisco, o anúncio Nada disso significa abandonar as tradi-
do Cristo ressuscitado não segue a mesma ló- ções ou o ensinamento da Igreja, mas sim
gica do marketing (cf. CERNUZIO, 2018). reapresentá-los de forma criativa e não ne-
Os jovens dos tempos atuais se sentem cessariamente só no contexto da celebração
atraídos por exemplos concretos. Histórias dos sacramentos e de encontros vocacio-
de superação, de pessoas que viviam em di- nais. Para isso, a Igreja precisa de acompa-
ficuldade, mas conseguiram se reerguer, por nhadores bem formados, inclusive leigos e
exemplo, são mais convincentes e realistas pessoas consagradas.
do que ícones aparentemente inalcançáveis. Permanece, do Sínodo, o convite a to-
Além disso, “pôr a mão na massa”, ajudan- dos os jovens para que se sintam bem-vin-
do o próximo, reformando coisas antigas e dos na Igreja. Os padres sinodais fizeram
dialogando com os diferentes, especialmen- uma “escolha epocal” pelos jovens, e que-
te com os idosos, é, muitas vezes, mais efi- rem que a juventude seja parte da Igreja em
caz do que sentar-se na sala de aula e ouvir todos os momentos.
um catequista falar. Refletir sobre as Escri- É preciso transmitir, portanto, a garan-
turas com um orientador capaz e de lingua- tia de que as portas da Igreja estão sempre
gem acessível é, frequentemente, algo mui- abertas. Apesar de suas fraquezas, dúvidas,
to apreciado pelos jovens. problemas na família e no trabalho, se os
Aprender diferentes formas de oração jovens sentirem que na Igreja se vivem rela-
que vão além da santa missa, como retiros ções frutíferas e sinceras, perceberão que,
espirituais, a adoração eucarística, a oração mesmo em um mundo cheio de incertezas,
em contato com a natureza e até mesmo as a Igreja pode ser para eles uma grande cer-
vinculadas ao uso de aplicativos e recursos teza: um lugar seguro e acolhedor que os
digitais, pode ajudar os jovens a desenvol- aproxima de Jesus Cristo.

Referências bibliográficas

BENTO XVI. Audiência geral, 17 out. 2012. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/


pt/audiences/2012/documents/hf_ben-xvi_aud_20121017.html>. Acesso em: 17 mar. 2019.
CERNUZIO, S. Il papa: annunciare Cristo non è né proselitismo, né marketing. Vatican Insider, 30 nov.
2018. Disponível em: <https://www.lastampa.it/2018/11/30/vaticaninsider/il-papa-annunciare-
cristo-non-n-proselitismo-n-pubblicit-n-marketing-QRN0qUb6JvZTBZJ3wa7rGI/pagina.html>.
Acesso em: 28 mar. 2019.
FRANCISCO. Conferência de imprensa durante o voo de regresso a Roma, 27 jan. 2019. Disponível em:
<http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/january/documents/papa-frances-
co_20190127_panama-volo-ritorno.html>. Acesso em: 26 mar. 2019.
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PAULO VI. Exortação apostólica Evangelii Nuntiandi. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/


paul-vi/pt/apost_exhortations/documents/hf_p-vi_exh_19751208_evangelii-nuntiandi.html>.
Acesso em: 27 mar. 2019.

ano 60

PRE-SYNODAL MEETING. Final document, 24 mar. 2018. Disponível em: <http://www.synod2018.va/con-


tent/synod2018/en/news/final-document-from-the-pre-synodal-meeting.html>. Acesso em: 19 mar. 2019.
SÍNODO DOS BISPOS. Documento final do Sínodo dos Bispos: os jovens, a fé e o discernimento vocacio-

Vida Pastoral

nal, 27 out. 2018. Disponível em: <http://www.synod2018.va/content/synod2018/pt/documento-


final-del-sinodo-dos-bispos--os-jovens--a-fe-e-o-disce.html>. Acesso em: 26 mar. 2019.

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Evangelizar as cidades à luz do
magistério do papa Francisco

Edson Oriolo* Introdução


Na exortação apostólica Evangelii Gau-
dium (A Alegria do Evangelho – EG) e na sala
O artigo parte do testemunho do Consistório, ao receber 25 arcebispos e
pastoral do pontificado bispos das metrópoles dos cinco continen-
tes no dia 27 de novembro de 2014, o papa
do papa Francisco e sugere roteiro Francisco demonstrou atenção especial pela
nº- 330

para a evangelização na cidade. “evangelização na cidade”. Tanto na exorta-


ção quanto no discurso para os arcebispos e

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bispos, Francisco lançou luzes sobre o ca-


*Dom Edson Oriolo é bispo auxiliar na Arquidiocese minho a ser trilhado para que a Igreja seja

de Belo Horizonte – MG. Escreveu Gestão paroquial


mais incisiva no anúncio do evangelho, es-
Vida Pastoral

para uma Igreja em saída e Paróquia renovada,


sinal de esperança, entre outras obras, pela Paulus. pecialmente nas cidades.

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Queremos dar particular atenção às ra e amor. O nosso olhar para a cidade deve
propostas apresentadas por Francisco quan- ser portador de vida.
do ele mesmo menciona: Ninguém consegue descrever as cida-
des. O que é possível é traçar linhas do fe-
Falar-vos-ei a partir da minha experiên- nômeno urbano. Conhecer uma cidade não
cia pessoal, de alguém que foi pastor de é tarefa fácil, pois sua realidade é muito
uma cidade populosa e multicultural complexa e inconstante.
como Buenos Aires, da ex- Nas cidades, deparamos
periência que realizei com “Francisco com um ritmo acelerado, com a
os bispos de onze dioceses nos convida setorização e fragmentação da
que compõem a região me- a lançar um olhar vida, com o anonimato, a soli-
tropolitana de Buenos Ai- dão (vemos pessoas que não
contemplativo,
res, habitada por 13 mi- nos veem, e pessoas que não
lhões de habitantes (FRAN- pois só um olhar vemos nos enxergam), o corre-
CISCO, 2014). de fé pode -corre, o consumismo, a busca
identificar, de realização de sonhos e de fe-
Com base nessa experiên- na complexidade licidade, os devaneios e – inevi-
cia, pretendemos apontar pos- tavelmente – os desgastes, frus-
síveis ações para a evangeliza- urbana, a presença trações e desânimos. Na cidade,
ção nas cidades. Percebe-se, de Deus” imperam relações secundárias e
nos ensinamentos do papa formais, embora se deseje ter
Francisco, a necessidade de se ter um rotei- relações primárias e pessoais.
ro de evangelização voltado tanto para as As cidades são realidades dinâmicas.
grandes metrópoles como para as pequenas Precisa-se entender o jeito da cidade e des-
cidades e vilarejos. As ações apresentadas cobrir os seus valores. São mosaicos irregu-
servem, a nosso ver, para os pequenos e lares com áreas de diferentes tamanhos, for-
também para os grandes centros, pois se mas e conteúdos.
trata de um roteiro que deve ser criativa- Muitos temas estão em jogo; entre eles,
mente aplicado. o tamanho demográfico e possíveis configu-
rações: cidades industriais, lugares centrais,
1) “Precisamos identificar a cidade e partir cidades de setores antigos, de origem colo-
de um olhar contemplativo, isto é, um olhar nial, setores modernos, loteamentos mura-
de fé que descubra Deus, que habita nas ca- dos e condomínios fechados, que consti-
sas, nas ruas e nas suas praças” (EG 71). tuem algumas das formas pelas quais se
Francisco nos convida a lançar um olhar apresentam no atual contexto histórico.
contemplativo, pois só um olhar de fé pode “Deus vive na cidade em meio a suas
identificar, na complexidade urbana, a pre- alegrias, desejos, esperanças, como também
sença de Deus. É justamente nessa comple- em meio a suas dores e sofrimentos. As ci-
xidade que se deve identificar sua presença/ dades são lugares de liberdade e oportuni-
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ausência. Assim, o olhar para a cidade tem dades” (DAp 514).


de ser um olhar sociológico, capaz de iden- Destarte, faz-se necessário um olhar

ano 60

tificar seus problemas e contradições, sem, multidisciplinar para as cidades, enxergan-


contudo, deixar de ser um olhar de espe- do-as do ponto de vista antropológico, teo-

rança, de simpatia e de empatia. Um olhar lógico, eclesiológico, pastoral e profético. O


Vida Pastoral

com atitudes proféticas, um olhar de ternu- olhar antropológico visa ao reconhecimento

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do território como área física, consideran- que residem nos centros urbanos tinham
do suas barreiras geográficas, os dificulta- anteriormente, onde moravam, uma vida
dores e facilitadores para o acesso aos servi- voltada para o religioso. Ao chegarem às ci-
ços de evangelização. dades, porém, não encontram espaço para
O olhar teológico leva a afirmar que na viver a fé.
cidade há sinais da presença de Deus. É preciso proporcionar uma espirituali-
O olhar eclesiológico é a nucleação da dade que preencha o vazio do homem ur-
comunidade de fé. bano, que permita a vivência de experiên-
O olhar pastoral faz com que a Igreja cias de fé, esperança e caridade na sua vida
reencontre o seu caminho de ação, reencon- e na vida da comunidade. As pessoas “em
tre o contemporâneo (viva o tempo real), trânsito”, muitas vezes, por causa de tantas
que é o tempo da informação, da produção, preocupações, afastam-se de doutrinas e
do conhecimento, do saber cego. dogmas religiosos para viver uma espiritua-
O olhar profético significa ir em direção lidade baseada no individualismo e na inse-
à cidade, tomar em consideração suas di- gurança existencial. Para preencher a reali-
versas realidades e os contextos nos quais as dade do vazio que brota dessa situação,
pessoas estão inseridas. muitos procuram as seitas e outras experi-
Necessitamos desenvolver olhares, pois ências transcendentais esotéricas com a
Deus se esconde nas cidades e devemos maior naturalidade.
procurá-lo sempre, trabalhando bastante Destarte, a ação evangelizadora da Igreja
para isso. católica apostólica romana deve preocupar-
-se em favorecer profunda experiência pes-
2) “Na cidade, o elemento religioso é media- soal e comunitária da Trindade.
do por diferentes estilos de vida, por costu- As igrejas localizadas nas cidades de-
mes ligados a um sentido do tempo, do ter- vem resgatar o imenso valor da Palavra,
ritório e das relações que diferem do estilo dos sacramentais e dos sacramentos para
das populações rurais” (EG 72). levar os fiéis a glorificar a Deus, buscando
Na atualidade, as cidades estão sendo a santidade.
lugar de moradia para mais de 70% das pes-
soas, diferentemente de décadas anteriores, 3) As cidades são lugares privilegiados da
quando a maior parte vivia nas áreas rurais, nova evangelização (cf. EG 73). Por isso,
exercendo atividades de subsistência. “torna-se necessária uma evangelização
Na vida rural, a referência fundamental que ilumine os novos modos de se rela-
para o ser humano eram três instituições: a cionar com Deus, com os outros e com o
Igreja, o trabalho e a família. Os parâmetros ambiente, e que suscite os valores funda-
para as relações sociais eram ditados pelo mentais” (EG 74).
padre, pelo patrão, pelo cônjuge ou pelos Em relação ao campo, a cidade oferece, à
pais. O cotidiano estava intimamente ligado primeira vista, espaço de maior participação.
aos “espaços-símbolo” dessas instituições. No mundo rural brasileiro, estava em vigor,
nº- 330

O mundo rural era determinado pela natu- até pouco tempo, uma estrutura política de
reza – o sol e a lua –, e era compreendido terrível dominação: pai, patrão e padre.

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em sua largueza e imensidão. Hoje, o nosso ambiente urbano é outro.


Os habitantes das cidades, muitas ve- A civilização industrial e cibernética, o sub-

zes, lutam para sobreviver e, às vezes, es- jetivismo e o individualismo impedem as


Vida Pastoral

condem o sentido religioso. Muitas pessoas pessoas de travar um relacionamento pessoal.

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Cada um pensa em si e exclui quem não As cidades necessitam de espaços de en-
produz ou consome, e todos entram nesse contro, de oração e de comunhão com ca-
ritmo frenético da vida urbana. racterísticas inovadoras, mais atraentes e
No mundo urbano, constatamos novas significativas para as populações urbanas.
formas de sociabilidade: a criação de bairros Os ambientes rurais, devido à influência
afastados da cidade, edifícios e blocos habi- dos mass-media, não estão, contudo, imu-
tacionais que concentram centenas de pes- nes a essas transformações culturais, que
soas em espaços reduzidos, a também operam mudanças
multiplicação de instituições de “A nossa pastoral significativas nas suas formas
confinamento para marginais, tem de ser de vida (cf. EG 73).
miseráveis, anciãos, doentes fí- evangelizadora, No passado, a Igreja era o
sicos e psíquicos, fora do ver- audaz e sem único ponto de referência da
dadeiro âmbito social urbano. cultura. Atualmente, já não é a
Vive-se o paradoxo de gerar a temores de anunciar única que produz cultura, nem
solidão no meio da multidão e a Boa-Nova de a primeira, nem a mais ouvida.
não encontrar nenhum gesto Cristo, consciente No discurso pronunciado
de cordialidade, acolhida, soli- da pluralidade na sala do Consistório em 27
dariedade e relação pessoal. É o de novembro de 2014, no pri-
cultural e religiosa
frenético circular humano. meiro Congresso Internacio-
Na cidade, tudo é possível: existente nas nal de Pastoral das Grandes
as distâncias entre bairros cres- grandes cidades” Cidades, o papa Francisco
cem; surgem edifícios; os blo- destacou três importantes de-
cos habitacionais concentram milhares de safios para a pastoral urbana.
pessoas em espaços reduzidos; há destrui- Primeiro, a nossa pastoral tem de ser
ção dos espaços tradicionais de moradia, evangelizadora, audaz e sem temores de
comércio, trabalho e lazer; surgem os bair- anunciar a Boa-Nova de Cristo, consciente
ros das mansões, condomínios fechados, da pluralidade cultural e religiosa existen-
centros de negócios, centros administrati- te nas grandes cidades. Temos necessida-
vos, regiões de bares, distritos industriais, de de uma mudança de mentalidade. De-
conjuntos habitacionais populares, cidades- vemos trabalhar para não ter vergonha e
-dormitórios, favelas, aglomerados, vilas; resistir, anunciando Jesus Cristo: é preciso
são construídos shoppings, aeroportos, gran- procurar um modo diferente, sermos ou-
des hotéis, resorts etc. As ruas, praças e ave- sados ao evangelizar. Ir às periferias exis-
nidas transformam-se em espaço de todos tenciais sem medo.
e, ao mesmo tempo, espaço de ninguém. O segundo desafio é o diálogo com a
Com todos esses desafios e outros, as ci- multiculturalidade. Francisco diz que as ci-
dades perdem muito rapidamente a memó- dades são multipolares, multiculturais. No
ria de Deus, como doador de todas as coi- entanto, devemos dialogar com essa realida-
sas. Num ambiente assim, inteiramente de, sem ter medo. Um diálogo que nos pos-
nº- 330

construído pelas mãos humanas, onde o si- sibilite alcançar o coração do próximo, dos
lêncio é raro, a Palavra de Deus, os sacra- outros diferentes de nós, e ali semear o

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mentais e os sacramentos oferecem-se, em evangelho. Na multiculturalidade, temos de


contraponto, como lugar de louvor e de si- conhecer os imaginários e as cidades invisí-

lêncio, de encontro da graça, que mantém veis, ou seja, os grupos ou territórios huma-
Vida Pastoral

viva nossa gratidão a Deus. nos que se identificam entre si nos seus

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símbolos, linguagens, ritos e formas para
descrever a vida. Devemos ter criatividade
para entender a multiculturalidade.
Paróquia
O terceiro desafio é a valorização da re-
ligiosidade popular. Devemos descobrir, na
renovada
religiosidade dos nossos povos, o autêntico Sinal de esperança
substrato religioso, que, em muitos casos, é Dom Edson Oriolo
cristão e católico. Em geral, as grandes cida-
des são habitadas por numerosos migrantes
e pobres, provenientes das áreas rurais ou
até de outros continentes, com outras cultu-
ras. Francisco (2014) afirma: “não tenho
dúvidas de que na fé de homens e mulheres
humildes há um potencial enorme para a
evangelização das áreas urbanas”.
Na exortação apostólica A Alegria do
Evangelho, o papa Francisco dedica-se, em
alguns parágrafos, a ressaltar o que denomi-
na “a força evangelizadora da piedade po-
pular” (2013, n. 122-126). Trata-se de visão
positiva, pois considera as manifestações
religiosas populares, não oficiais e sem o
136 págs.

controle do clero, uma expressão do sensus


fidelium. Não apenas algo meramente folcló-
rico, mas que faz parte da inculturação da Neste livro, Dom Edson Oriolo
fé. Nesse contexto, “ganha importância a aborda o desafio de anunciar
piedade popular, verdadeira expressão da o Evangelho no mundo atual,
atividade missionária espontânea do povo refletindo sobre a paróquia. O
de Deus. Trata-se de uma realidade em per- autor demonstra que as “células
vivas”, em que consistem as
manente desenvolvimento, cujo protago-
paróquias e que compõem
nista é o Espírito Santo” (EG 122). a Igreja Particular, continuam
No entanto, precisamos entender bem a sendo a forma primordial da
piedade popular. Hoje, nas cidades, com presença da Igreja, instrumento
enfeites de andores, pompas de imagens, de evangelização e lugar
Imagens meramente ilustrativas.

estamos deixando de lado o mistério da en- de discipulado e vivência


carnação e vivendo um mistério plástico missionária da fé.
(shows sem comprometimento).
A partir da Contrarreforma, com o en-
fraquecimento ou o esvaziamento do ano
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litúrgico, é que se criaram alternativas para- Vendas: (11) 3789-4000


lelas no âmbito da piedade popular, como 0800-164011

ano 60

SAC: (11) 5087-3625


uma sucessão de meses de devoção, nove-
nas, tríduos, que, por volta do final do sécu- V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL

paulus.com.br
lo XIX, chegaram ao máximo desenvolvi-
Vida Pastoral

mento e tiveram forte penetração em meio

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ao povo. Afinal, é o mesmo Jesus Cristo que sos e doentes, várias formas de corrupção e
todos buscam – os teólogos e os devotos. crimes) é o evangelho. A proclamação do
Nos dias atuais, nas cidades, devemos apro- evangelho será base para restabelecer a dig-
veitar os momentos das festas populares nidade nesses contextos, porque Jesus quer
para oferecer uma catequese litúrgica e cris- derramar nas cidades vida em abundância
tológica, com adequada pedagogia, ajudan- (cf. Jo 10,10).
do os cristãos a passar do mero culto ao A Igreja católica tem presença tímida na
seguimento, da sensibilidade dinâmica da evangelização nas
subjetiva à solidariedade para “As cidades cidades. Ela está se esfacelando
com os mais necessitados. A são multipolares, num emaranhado de diferentes
missão, então, supõe inclusão e composições e abrangências,
multiculturais.
aprendizagem. com cada fiel evangelizando
A Igreja como lhe parece melhor, à luz
4) “A cidade dá origem a uma é chamada de seus próprios interesses.
espécie de ambivalência per- a ser servidora Tornamo-nos enorme shopping
manente, porque, ao mesmo
de um diálogo center de religiosidade católica,
tempo que oferece aos seus ha- onde se encontram produtos
bitantes infinitas possibilidades,
difícil” para os gostos de todos os fre-
impõe numerosas dificuldades gueses, sem qualquer controle
ao pleno desenvolvimento da vida de mui- de qualidade.
tos” (EG 74). As cidades, com o fenômeno do ano-
O papa fala de problemas e desafios nas nimato e a facilitação do descontrole, tor-
cidades. Nelas, “facilmente se desenvolvem nam-se terreno fértil para a evangelização
o tráfico de drogas e de pessoas, o abuso e a à la carte. Numa Igreja em saída, porém,
exploração de menores, o abandono de ido- isso não pode acontecer. Apresentamos
sos e doentes e várias formas de corrupção e cinco sugestões que julgamos importantes
crime” (EG 74). para ajudar a evangelização nas cidades:
Necessitamos de uma evangelização que evangelização em rede, em células, por se-
ilumine os novos modos de se relacionar com torização, em parcerias e em sintonia com
Deus, com os outros e com o ambiente e sus- a Igreja local.
cite os valores fundamentais. Uma evangeli-
zação que leve a Palavra de Jesus aos núcleos Evangelização em rede
mais profundos da alma das cidades. As cida- Nas cidades, faz-se necessária uma
des são multipolares, multiculturais. A Igreja evangelização em rede. E o que marca uma
é chamada a ser servidora de um diálogo difí- rede são os seus laços, os elos e a intercone-
cil. Nas cidades, encontram-se cenários de xão. A evangelização em rede, nas cidades,
protestos em massa, nos quais milhares de vai ajudar nas relações interpessoais. Irão
habitantes reclamam liberdade, participação, brotar novos ministérios, confiados parti-
justiça e fazem várias outras reivindicações cularmente aos leigos, de modo que estes
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que, se não forem adequadamente interpreta- sintam realmente o que são: sujeitos da
das, podem caminhar para uma situação ain- missão da Igreja.

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da mais crítica, com desfechos imprevisíveis. São Lucas, nos Atos dos Apóstolos, des-
O melhor remédio para os males urba- creve-nos, ainda que de modo um pouco

nos (tráfico de drogas e de pessoas, abuso e idealizado, a comunidade dos primeiros


Vida Pastoral

exploração de menores, abandono de ido- cristãos, perseverantes na escuta dos ensi-

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namentos dos apóstolos, na comunhão fra- cristianização, é por meio de parcerias. Fa-
terna, no partir do pão e nas orações. zer parcerias é estar comprometido com a
satisfação das necessidades do outro. É tra-
Todos os que abraçaram a fé eram uni- balhar juntos para, da melhor maneira pos-
dos e colocavam em comum todas as sível, servi-lo. Depender do outro para ob-
coisas. Diariamente, frequentavam o ter os resultados desejados é ter em mente
Templo e, nas casas, partiam o pão, to- o que podemos fazer pelo parceiro e o que
mando o alimento com alegria e simpli- ele pode fazer por nós. A articulação com
cidade de coração. Louvavam a Deus e parcerias visa integrar e alinhar ações de
eram estimados por todo o povo. E a evangelização no mundo contemporâneo.
cada dia o Senhor acrescentava à comu- Parcerias entre segmentos da sociedade
nidade outras pessoas que iam aceitan- agregam forças para a nova evangelização.
do a salvação (At 2,44-47). A grande preocupação consiste em or-
ganizar parcerias com o setor empresarial,
Evangelização por setorização com instituições privadas que desenvolvam
É preciso levar em consideração as algum tipo de ação social, como alfabetiza-
dimensões de nossas cidades e transformá- ção de jovens e adultos, trabalho com mar-
las em espaços menores, com equipes ginalizados, com doentes etc. Parcerias com
próprias de animação e coordenação que setores da sociedade civil organizada. Parce-
permitam maior proximidade das pessoas e rias com empresas privadas e públicas,
grupos residentes na região. A setorização é ONGs, escolas, universidades, prefeituras,
um modelo de organização pastoral basea- instituições que cuidem de idosos, entre
do nos moldes das primeiras comunidades outras (cf. ORIOLO, 2017, p. 47-49).
cristãs, de uma Igreja presente nos lares e no
Templo, que desenvolve a missão por meio Evangelização em células
da constituição de relacionamentos dos A organização em células é constituída
seus membros com vizinhos, companheiros pela estratégia de reuniões nas casas dos
de trabalho ou de estudo e familiares. membros e permite que a Igreja cresça bas-
Os setores são um belo modo de ser tante, formando polos de encontro e de
Igreja: Igreja discípula, Igreja missionária, evangelização. De acordo com o papa Fran-
Igreja profética, Igreja misericordiosa, Igreja cisco, a célula tem de ser missionária, ir ao
nas ruas, nas casas, Igreja povo de Deus. encontro de todos para anunciar a beleza do
Não podemos permanecer na sacristia nem evangelho, tornar-se uma família na qual se
na secretaria paroquial. Temos de ir ao en- encontra a rica e multiforme realidade da
contro do povo, ir aonde ele está. Os verbos Igreja (cf. FRANCISCO, 2015). Realizar o
ir, sair, partir e caminhar, tão próprios da ati- encontro nas casas permite compartilhar as
vidade missionária, são muito usados no li- alegrias e expectativas presentes no coração
vro dos Atos dos Apóstolos para falar da ati- de cada pessoa. É experiência genuína de
vidade missionária das primeiras comunida- evangelização que se assemelha muito ao
nº- 330

des cristãs (cf. ORIOLO, 2017, p. 45-47). que já acontecia nos primeiros tempos da
Igreja. Consiste em conviver com as pessoas

ano 60

Evangelização em parcerias na simplicidade, acolhendo a todos sem


Uma das formas de agir para realizar distinção, fazer da Eucaristia o âmago da

ações de evangelização nas cidades, nesta missão evangelizadora, de tal forma que
Vida Pastoral

sociedade cristianizada e com sinais de des- cada célula seja uma comunidade eucarística,

17

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na qual partir o pão equivale a reconhecer a Referências bibliográficas
presença real de Jesus Cristo no meio de
nós. Dar sempre testemunho da ternura de CONCÍLIO VATICANO II. Constituições, decretos
Deus Pai e da sua proximidade a todos, e declarações. São Paulo: Paulus, 2004.
principalmente aos que são os mais frágeis e CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO
sós (cf. ORIOLO, 2017, p. 93-95). BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizado-
ra da Igreja no Brasil 2015-2019. CNBB, 2015.
Evangelização em sintonia FRANCISCO. Exortação apostólica Evangelii
Gaudium. São Paulo: Paulinas, 2013.
com a Igreja local
______. Discurso do papa Francisco aos partici-
As Diretrizes Gerais da Ação Evangeliza- pantes no Congresso Internacional de Pastoral
dora da Igreja no Brasil 2015-2019 vêm nos das Grandes Cidades, 27 nov. 2014. Dis-
ensinar que, para a operacionalização da ponível em: <https://w2.vatican.va/content/
evangelização, exige-se um processo de francesco/pt/speeches/2014/november/docu-
ments/papa-francesco_20141127_pastorale-
planejamento (cf. DGAE 2015-2019, n. grandi-citta.html>. Acesso em: 13 jun. 2019.
128-140). Uma pastoral planejada (Igreja ______. Discurso do papa Francisco aos membros
local), motivando as pessoas que vão parti- das células paroquiais de evangelização, 5 set.
cipar, apresentando-lhes, com clareza, a 2015. Disponível em: <http://w2.vatican.va/
natureza e a missão da Igreja e o conheci- content/francesco/pt/speeches/2015/septem-
ber/documents/papa-francesco_20150905_
mento da realidade, será um instrumental cellule-parrocchiali-evangelizzazione.html>.
nas cidades. O planejamento pastoral res- Acesso em: 13 jun. 2019.
ponsável, pensado e comprometido, leva LIBÂNIO, João Batista. As lógicas da cidade. São
em consideração a Igreja local e sua missão. Paulo: Loyola, 2001.
É organizado, isto é, determina bem o que ORIOLO, Edson. Identidade presbiteral: esta-
precisa ser feito, o modo de fazê-lo e as res- tuto social do sacerdote. Revista Eclesiástica
Brasileira-REB, n. 282, abr. 2011, p. 426-438.
ponsabilidades de cada um, segundo uma
distribuição adequada do trabalho. Por ______. Paróquia renovada, sinal de esperança.
São Paulo: Paulus, 2017.
exemplo: o Projeto de Evangelização Procla-
______. Gestão paroquial para uma Igreja em
mar a Palavra, da Arquidiocese de Belo Ho- saída. São Paulo: Paulus, 2018.
rizonte, nas suas diretrizes, garante a uni-
SANCHEZ, Wagner Lopes. Teologia da cidade:
dade-convergência da evangelização numa relendo a Gaudium et Spes. São Paulo: San-
metrópole, de modo a evitar dispersões, tuário, 2013.
choques e divergências, isso sem falar das SISTACH, Lluís Martínez (org.). A pastoral das
aventuras deletérias. grandes cidades. São Paulo: Paulus, 2016.

O livro dos elogios


O significado do insignificante
Leonardo Boff
nº- 330

Um hino às realidades que, ao largo da vida, se tornaram para nós sacramentais,


quer dizer, portadoras de sentido, inscrito nos fatos, nos contos e nas reflexões aqui
referidas. Pode ser o elogio do pai e da mãe que se fizeram arquétipos que nos

acompanham pela vida afora. Tantos outros elogios serão feitos, como preito de
ano 60

gratidão por tudo o que Deus nos concedeu fazer ou nos tem acontecido em nossa
432 páginas

peregrinação por este pequeno e belo planeta, nossa Casa Comum.



Vida Pastoral

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Dom Hélder Câmara ou
simplesmente Dom Martinho Condini*

O artigo apresenta às novas gerações um dos mais importantes protagonistas da


história da Igreja no Brasil e na América Latina do século XX. Enfatizamos algumas
passagens importantes de sua vida e destacamos como sua maneira de pensar e agir,
na Igreja e nos movimentos sociais, foi significativa para o catolicismo brasileiro e
latino-americano, e para as camadas sociais excluídas da sociedade.

Introdução

Tivesse [Karl Marx] visto em volta de si


uma Igreja encarnada, continuadora da
encarnação de Cristo; se tivesse convivi-
do com cristãos que amassem, com atos
e de verdade, os homens como expres-
são, por excelência, do amor a Deus; se
nº- 330

*Martinho Condini é historiador, mestre pelo Programa


de Ciências da Religião da PUC-SP e doutor pelo Programa tivesse vivido em dias do Vaticano II,
Educação: Currículo da mesma universidade. É professor
que assumiu o que de melhor diz e ensi-

ano 60

em cursos de graduação e pós-graduação, no Núcleo Paulus


de Formação, Pesquisa e Disseminação Social, no Instituto na a teologia das realidades terrestres,
Conhecimento para Todos e em outras instituições privadas. não teria apresentado a religião como

Realiza palestras na área da educação em todo o país e possui


ópio para o povo, e a Igreja como aliena-
Vida Pastoral

livros publicados pela Paulus (Brasil) e San Pablo (Colômbia).


E-mail: profcondini@gmail.com da e alienante (CÂMARA, 1966, p. 2).

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Essa afirmação é de dom Hélder Câma- Medo era um vocábulo não existente em
ra, nordestino, cearense de Fortaleza. No suas pregações, conferências e escritos, pois
dia 7 de fevereiro de 2019, foram comemo- vivia intensamente o enfrentamento e as di-
rados os 110 anos de seu nascimento. ficuldades apresentadas pela vida. Sempre
Dom Hélder, pequenino quanto à esta- tinha, prontamente, os mais argutos, pro-
tura física, foi um gigante na bondade, no fundos e sensatos argumentos ao defender
carisma, na perseverança, na coragem e na seus pontos de vista e sua maneira de ver o
esperança. Foi um religioso, um mundo. Ainda que discordasse
místico, um profeta e também de seus opositores, sua grande
“Das virtudes
um guerreiro, ainda que não te- sensibilidade o levava a respei-
nha ferido nenhum de seus ad- demonstradas tá-los e reconhecê-los.
versários, pois os encarava por ele, Certa vez, em plena ditadu-
como irmãos dos quais divergia destacamos ra militar no Brasil, ligaram
apenas no “campo das ideias”. sua capacidade para dom Hélder, em sua casa
Dom Hélder foi um dos na Igreja das Fronteiras, em
principais protagonistas da his-
de ouvir, Recife, e perguntaram como ele
tória da Igreja no Brasil e na refletir e agir, queria morrer: enforcado ou
América Latina no século XX, sempre no limite esquartejado. Prontamente, ele
bem como incansável lutador do provisório” respondeu: “Quero ser esquar-
contra as injustiças sociais, tejado e que partes do meu
além de referência mundial em corpo sejam espalhadas pela
defesa dos direitos humanos e um dos mais cidade de Recife”. Ele dizia que, nos mo-
perseguidos opositores dos 21 anos de dita- mentos difíceis, não podíamos demonstrar
dura militar no país. medo, mesmo que este nos assaltasse.
Deve-se ressaltar – desde a sua ordena- Essa coragem e serenidade vinham da
ção, no ano de 1922, em Fortaleza, até o fi- sua esperança, que sabia transmitir às pesso-
nal do seu bispado, em 1985, como arcebis- as, contagiando-as com a mesma intensida-
po de Olinda e Recife – o aspecto polêmico de e otimismo que carregava dentro de si.
de sua postura política e religiosa, diante do Ao se dirigir ao mundo, nas requintadas
contexto político e social de cada época. Na salas governamentais, nas reuniões com os
década de 1930, foi integralista; nas déca- cardeais e papas, nas universidades – entre
das de 1940 e 1950, chamavam-no de po- alunos e professores –, ou nas comunidades
pulista; já nas décadas de 1960 a 1980, foi eclesiais de base, com o povo de Deus, dom
identificado como comunista. Hélder dava o tom da esperança. Das virtu-
Dom Hélder, certa vez, declarou: “Se dou des demonstradas por ele, destacamos sua
comida aos pobres, eles me chamam de san- capacidade de ouvir, refletir e agir, sempre
to. Se pergunto por que os pobres não têm no limite do provisório. Ele foi “a voz dos
comida, eles me chamam de comunista”. Ele que não têm vez e não têm voz”.
viveu as mais profundas transformações na Foi o idealizador e criador da Conferên-
nº- 330

sociedade e no mundo – as mudanças nas cia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e,
relações econômicas e políticas, o desenvol- posteriormente, do Conselho Episcopal

ano 60

vimento industrial e tecnológico e todo o Latino-Americano (CELAM). Teve partici-


burburinho das novas ideias em uma socie- pação significativa nos bastidores do Concí-

dade industrializada –, sem que se afastasse lio Vaticano II e na Conferência Episcopal


Vida Pastoral

do verdadeiro significado do ser humano. de Medellín, promovendo, habilmente, a

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construção da teologia da libertação e de uma autorização especial do Vaticano. Nos
nova Igreja na América Latina, voltada para cinco primeiros anos de vida sacerdotal,
os excluídos: a Igreja dos pobres. dedicou-se à educação católica e aos círcu-
Podemos afirmar que sua atividade pas- los operários, com intensa atividade junto
toral foi progressista, revolucionária e hu- aos jovens e às empregadas domésticas.
manista, além de – por que não dizer? –
profundamente cristã. 2. Nova ordem social cristã
Desde muito cedo, padre Hélder se fez
1. A infância em Fortaleza presente, de maneira marcante e combativa,
O garoto Hélder e seus irmãos passaram nos meios de comunicação social. Teve in-
a infância numa casa com quintal a perder tensa e importante participação na organi-
de vista, com muitas árvores frutíferas, pró- zação do movimento Juventude Operária
digas em sombra e frutos, onde também Católica (JOC). Ainda em Fortaleza, assu-
passava o córrego Pajeú, no qual adoravam miu funções de assistente eclesiástico da
se refrescar do intenso calor cearense. Liga dos Professores Católicos e de profes-
Uma das diversões prediletas de Hélder sor de religião do Liceu do Ceará.
era brincar de ser padre. Ele montava um O interesse pela política o levou a ingres-
altar com caixotes de madeira, subia em um sar na Ação Integralista Brasileira (AIB), mo-
deles e fazia seus sermões imaginários para vimento político, de inspiração nazifascista,
as árvores e os pássaros. que deu apoio ao golpe de Estado de Getúlio
Durante sua infância, Hélder tornou-se Vargas e, posteriormente, à instauração do
aspirante da Conferência de São Vicente de Estado Novo. Permaneceu entre os partidá-
Paulo, sua primeira ação social. Visitava famí- rios de Plínio Salgado de 1932 a 1936.
lias carentes para prestar-lhes ajuda. A poucos O jovem padre Hélder sofreu forte in-
metros de sua casa, encontrava-se a Igreja da fluência do líder católico e integralista Alceu
Sé, onde fez a primeira comunhão e, mais tar- Amoroso Lima, para quem o autoritarismo
de, ordenou-se e celebrou a primeira missa. e o conservadorismo eram formas de atua-
Seu pai, quando notou seu interesse ção da Igreja capazes de defendê-la do co-
pelo sacerdócio, disse-lhe: “Para ser padre, munismo ateu e “apátrida”. Anos mais tar-
não pode ser egoísta. Os padres acreditam de, já como arcebispo, Hélder justificaria
que, quando celebram a Eucaristia, é o pró- sua opção pelos integralistas exatamente
prio Cristo que está presente”. Hélder, então por esse motivo.
com 9 anos de idade, decidiu imediatamen- No decorrer dos anos de 1930, no en-
te: “Pai, é um padre como o senhor está di- tanto, ele já percebia que as concepções
zendo que eu quero ser”. autoritárias e conservadoras do catolicismo,
No ano de 1923, ingressou no seminá- herdadas do seminário, estavam “fora de
rio dos Padres Lazaristas, franceses e holan- lugar”. A partir daí, ocorreu a transformação
deses, o que lhe possibilitou uma formação ideológica que marcou o início de sua
cultural erudita; mesmo assim, jamais dei- conversão à democracia e à construção de
nº- 330

xou de valorizar a cultura nordestina e de se nova Igreja, dedicada às questões sociais e


preocupar com as condições desfavoráveis aberta à participação dos leigos.

ano 60

do seu povo. Fez parte dessa guinada a descoberta do


Ordenou-se no ano de 1931, aos 22 ideário do filósofo francês Jaques Maritain,

anos de idade, dois abaixo do mínimo exi- apresentadas a ele pelo então ex-integralista
Vida Pastoral

gido pelo direito canônico, o que implicou Alceu Amoroso Lima. As obras Humanismo

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integral e Cristianismo e democracia foram o deria comprometer o futuro da Igreja católi-
grande divisor de águas em sua vida. De ca no país. Achava necessário, portanto,
maneira paulatina, padre Hélder incorpo- criar um secretariado nos moldes da Ação
rou ao seu cotidiano as propostas de Mari- Católica Brasileira, para poder estudar, ana-
tain, baseadas em novo estilo de santidade, lisar e discutir tanto questões religiosas
caracterizado pela penitência, pela simplici- como temporais que ultrapassavam o limite
dade e pela pobreza, criando, assim, nova das dioceses. Entendia que isso ajudaria os
ordem social cristã. bispos a tomar decisões e a atu-
“A plateia ar de maneira coesa, além de
3. Uma liderança da Igreja militante, no vigor facilitar o diálogo com o Esta-
e dos movimentos sociais da juventude, do, pois daria um peso maior
No ano de 1936, padre Hél- encontrava no aos porta-vozes da Igreja.
der chegou à cidade do Rio de O bispo Hélder preocupou-
padre Hélder, de
Janeiro. Lá, iniciou seu trabalho -se em criar uma base sólida
de pregação para grupos de retórica vibrante, para a CNBB, com a realização
jovens, reunidos em paróquias possibilidades de encontros regionais e a parti-
ou em retiros espirituais de um diálogo cipação nos programas sociais
organizados pela Ação Católica envolvente sobre elaborados pelo governo. Entre
Brasileira (ACB), movimento os motivos que o levaram a ide-
controlado pela hierarquia e questões complexas alizar a entidade, estavam a ne-
fundado pelo cardeal Sebastião e polêmicas da cessidade de uma coordenação
Leme da Silveira Cintra, em Igreja no país” nacional da Igreja para a expan-
1935. A plateia militante, no vi- são e a formação de novas dio-
gor da juventude, encontrava no padre Hél- ceses e, também, a necessidade de participa-
der, de retórica vibrante, possibilidades de ção intensa nas questões políticas e sociais
um diálogo envolvente sobre questões com- que envolviam a nação brasileira. Com esses
plexas e polêmicas da Igreja no país. argumentos, cruzou o Brasil para defender a
Não por acaso, portanto, no ano de ideia, apresentada também ao Vaticano.
1942, foi convidado a lecionar nas Faculda-
des Católicas, que logo se transformariam na 4. A CNBB e a causa dos excluídos
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Seu empenho não foi em vão: em 14 de
Janeiro (PUC-RJ). Sua carreira eclesiástica, ao outubro de 1952, a CNBB, finalmente, nas-
mesmo tempo, ganhava novos contornos. ceu. A partir daí, começou a ser construída
Em 1946, já em plena fase de redemocratiza- nova história da Igreja no Brasil. O bispo
ção do Brasil, padre Hélder tornou-se impor- Hélder foi secretário geral da entidade por
tante auxiliar do recém-nomeado arcebispo três mandatos consecutivos (1952 a 1964), o
do Rio de Janeiro, dom Jaime Câmara. que o tornou uma das principais lideranças
Nesse mesmo ano, organizou a Semana do catolicismo também na América Latina.
Nacional de Ação Católica, com o objetivo Na qualidade de secretário geral da
nº- 330

de discutir problemas que escapavam ao CNBB, participou da organização do Con-


controle da cúpula da Igreja. Em abril de gresso Eucarístico Internacional, realizado

ano 60

1952, foi sagrado bispo e atuou de maneira no Rio de Janeiro em 1955. O evento cola-
decisiva para a criação da CNBB. Ele acredi- borou para uma mudança na condução da

tava que as distâncias do território nacional vida religiosa do bispo, principalmente após
Vida Pastoral

dispersavam a ação do episcopado e isso po- um encontro com o cardeal francês da cidade

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de Lyon, Pierre Gerlier, que lhe perguntou
por que não punha toda a sua inteligência, Dom Helder Câmara
competência e liderança a serviço dos po- Profeta para os nossos dias
bres do Rio de Janeiro.
Dom Hélder, profundamente inspirado Marcelo Barros

pela questão, comprometeu-se a dedicar to-


dos os dias de sua vida à causa dos excluí-
dos, decisão que lhe valeu o título de “Bispo
das Favelas”. Desenvolveu ousado projeto
na tentativa de erradicar as favelas, denomi-
nado Cruzada São Sebastião, em homena-
gem ao padroeiro da cidade do Rio de Janei-
ro – à época, capital do Brasil. A intenção
era transferir os moradores desses aglome-
rados precários para prédios de apartamen-
tos em plena zona sul.
Assim, dom Hélder pretendia superar a
luta de classes, deixando os pobres perto
dos ricos e as empregadas e os empregados
próximos ao seu trabalho. Era-lhe evidente
224 págs.

que tal ação não resolveria o problema de


moradia no Rio de Janeiro. Ele admitia pu-
blicamente que era necessário mexer com
as estruturas, acabar com o êxodo rural e “Não deixe cair a profecia!”
implantar políticas agrárias voltadas para a Essa foi a última palavra que
redistribuição de terras. Dom Helder Câmara disse a
Marcelo Barros, monge que há
5. O golpe militar muitos anos o assessorou para
e a chegada a Recife assuntos ecumênicos. Este livro
Não foi a Cruzada São Sebastião sua úni- foi escrito como um modo de
cumprir aquele pedido.
ca incursão em favor dos despossuídos, em-
Marcelo se dirige, especialmente,
penhado que estava em construir esperan- aos jovens e aos leitores que não
ças. Dom Hélder criou, no ano de 1955, o puderam conhecer diretamente
Banco da Providência – primeira experiência Dom Helder, lembrando as
Imagens meramente ilustrativas.

brasileira de um banco popular. A institui- experiências de convívio e a


ção centralizaria a captação de recursos de colaboração pastoral vividas
quem tivesse excedente, para distribuí-los com esse grande profeta.
aos necessitados e a entidades filantrópicas.
A mensagem da campanha para a arrecada-
nº- 330

ção de donativos era: “Ninguém é tão pobre Vendas: (11) 3789-4000


que não tenha o que oferecer. Ninguém é tão 0800-164011

ano 60

SAC: (11) 5087-3625


rico que não precise de ajuda” (CONDINI,
2013, p. 29). O sucesso da iniciativa deveu- V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL

paulus.com.br
-se, em grande parte, ao carisma do religioso
Vida Pastoral

junto ao empresariado fluminense.

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O bispo Hélder, no entanto, não conti- dos; seus discursos, entrevistas e depoimen-
nuaria no Rio de Janeiro por muito tempo. tos, ouvidos e censurados. Sem se intimi-
Depois do golpe militar que depôs João dar, ele prosseguiu seu trabalho em prol dos
Goulart, no ano de 1964, assumiu a Arqui- perseguidos e excluídos.
diocese de Olinda e Recife. A mudança não À semelhança das iniciativas que
foi ocasional. Teve, sim, o propósito de ten- liderava no Rio de Janeiro, dom Hélder
tar silenciá-lo. criou, em Recife, um projeto de ajuda às
Ele era uma voz da resistên- vítimas das enchentes ocorri-
cia contra o autoritarismo. Po- das no ano de 1965. Dessa am-
“Dom Hélder
deria incomodar demais, caso pla campanha nasceu a Opera-
permanecesse na antiga capital criou, no ano ção Esperança, que se transfor-
federal. A decisão, porém, pro- de 1955, mou numa entidade registrada
duziu efeito contrário. Ao li- o Banco da em cartório. Com o passar do
vrar-se da influência do conser- Providência – tempo, a entidade ampliou a
vador cardeal dom Jaime de atuação para as áreas rurais.
Barros Câmara, que não gosta-
primeira Graças a esse trabalho, a
va da postura política do seu experiência Arquidiocese de Olinda e Reci-
bispo auxiliar, dom Hélder ad- brasileira de um fe se tornou conhecida no
quiriu autonomia para alçar banco popular” mundo inteiro. Isso foi, ao
voos mais arrojados. mesmo tempo, uma espécie de
No dia 11 de abril de proteção contra as investidas
1964, agora arcebispo de Olinda e Recife, da ditadura na seara plantada pelo bispo,
ele fez seu discurso de posse para milhares como também uma ferramenta importante
de pessoas que se acotovelavam em frente para que o povo do Nordeste passasse a rei-
à matriz de Santo Antônio. O recém-em- vindicar seus direitos.
possado reiterou a intenção de trabalhar Esse trabalho de conscientização pros-
para os cidadãos, sem discriminação de seguiu ao longo de 20 anos, sempre sob a
credo e ideologia. mira da ditadura. Haveria acirrado o con-
fronto entre os militares e a Igreja – a qual
6. Entre a cruz e a espada contava com outras lideranças tão ativas
Dom Hélder manteve, a princípio, uma como dom Hélder –, em razão de discor-
posição de neutralidade – nem situação, dâncias ideológicas e de valores éticos e mo-
nem oposição – diante dos militares que ha- rais. Isso implicava ameaças, perseguição
viam tomado o poder. Com essa atitude, política e patrulhamento ideológico. O bis-
ampliou as possibilidades de dialogar com po de Recife e Olinda não arredou pé de
todos os grupos, mas sua imparcialidade suas convicções.
durou pouco.
À frente da Diocese de Olinda e Recife, 7. Cala-boca ao arcebispo vermelho
não tardou a entrar em choque com o po- Embora houvesse proibição à mídia de
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der. Logo se pôs a indagar o Exército sobre repercutir suas ações, dom Hélder conti-
a violação dos direitos humanos mediante nuava a ampliar sua notoriedade, até por-

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práticas de perseguição e tortura contra os que era uma referência naquele período
opositores do regime. O governo reagiu de silêncio forçado da sociedade. O con-

com permanente atenção aos movimentos fronto com os militares dava-se no diálo-
Vida Pastoral

do prelado: seus documentos eram revista- go, no campo das ideias, no processo de

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conscientização e na pregação da paz. Es- Nacional. O patrulhamento acentuado es-
sas foram suas armas. Ele foi perseguido, tendeu-se até o ano de 1977. Nesse período,
também, porque se recusava a participar seus textos, discursos, entrevistas e depoi-
das comemorações de aniversário da cha- mentos passaram a ser censurados pelo Mi-
mada “revolução” (que era como os milita- nistério da Justiça, com proibição a qualquer
res chamavam o golpe), entre outros even- espaço na mídia. O “cala-boca” valia, obvia-
tos para os quais o regime buscava respal- mente, só para o território nacional, de ma-
do nas lideranças da sociedade. neira que jornais, revistas e cadeias de rádio
Em carta a amigos, escrita em Recife no e televisão do mundo inteiro abriam espaço
ano de 1967, relatou ter sido procurado à palavra daquele que a ditadura militar cha-
pelo general do IV Exército, que vinha com mava de “arcebispo vermelho”.
um “apelo de amigo” para que celebrasse a Nos anos de 1970, ele fez centenas de
missa de terceiro aniversário da “revolução”. pronunciamentos no exterior. Era, também,
Sua resposta: chamado a fazer palestras e conferências.
Uma, em especial, teve muita repercussão, a
Fui amavelmente firme. Intransigente. de maio de 1970 em Paris, no Palácio dos
Sou pastor. Se tenho filhos que veem no Esportes. Dom Hélder denunciou a repres-
movimento de 31 de março de 1964 a são, as prisões e as torturas em curso no Bra-
salvação nacional, tenho outros, não sil. O discurso lhe valeu algo que pode ser
menos numerosos, feridos, esmagados, classificado de “morte civil”, tamanho o cin-
de maneira injusta, por ele. Nem sequer turão de silêncio imposto à sua pessoa.
neguei o meu próprio pensamento: o A retaliação psicológica e moral foi ta-
movimento não merece ainda o nome manha, que o governo militar chegou a en-
de revolução; impediu, em grande par- gendrar um boicote para que ele não fosse
te, a arrancada do desenvolvimento, agraciado com o Prêmio Nobel da Paz nos
pelo bom pretexto de sanear nossa mo- primeiros quatro anos da década de 1970.
eda; sacrificou demais o povo; humi- O arcebispo era sempre indicado, em virtu-
lhou demais o Brasil diante dos Estados de de uma série de fatores: sua atuação nos
Unidos (CONDINI, 2013, p. 54). bastidores do Concílio Vaticano II (1962-
1965) e na II Conferência do Episcopado
O diálogo com os militares ficou ainda Latino-Americano em Medellín (1968), sua
mais difícil após o decreto do Ato Institu- constante mensagem de não violência na
cional nº 5, em 13 de dezembro de 1968. O América Latina, sua liderança, no seio da
cerco às ações do arcebispo foi intensifica- chamada “Igreja progressista”, na luta por
do. Pior: sua vida já corria perigo. Antes melhores condições de vida, por respeito
mesmo do AI-5, no final de outubro de aos direitos humanos e pela defesa da soli-
1968, as paredes da Igreja das Fronteiras, dariedade entre as nações, independente-
onde morava dom Hélder, foram metralha- mente de suas condições econômicas.
das pelo grupo de direita denominado Co- A lei do silêncio contra o arcebispo só
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mando de Caça aos Comunistas (CCC). acabou em 1977. Em entrevista à jornalista


Durante o governo do general Emílio Divane Carvalho, do Jornal do Brasil, sucursal

ano 60

Garrastazu Médici (1969-1973), a repressão Recife, dom Hélder falou sobre seu envolvi-
aos opositores do regime foi intensificada, da mento com a Ação Integralista Brasileira, so-

mesma forma que as represálias ao arcebis- bre o enfrentamento com os militares pós-64
Vida Pastoral

po. Ele foi enquadrado na Lei de Segurança e sobre a situação da Igreja latino-americana.

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Em seguida, outros importantes órgãos de Conclusão:
comunicação do país o procuraram. o Dom em pensamento e atitude
Do final dos anos 1970 até o início de Dom Hélder aposentou-se no dia 15 de ju-
1984, quando do envio da carta a João Pau- lho de 1985. Tornou-se arcebispo emérito e
lo II que formalizava sua renúncia da Arqui- permaneceu em Recife, onde deu continuidade
diocese de Olinda e Recife, conforme estava a seu trabalho social por meio da fundação
previsto no Código de Direito Canônico, o ar- Obras de Frei Francisco. Morreu aos 90 anos
cebispo participou ativamente da vida reli- de idade, em 27 de agosto de 1999, em Recife,
giosa, social e política do país. Esteve ligado cercado de carinho e admiração.
às reflexões dos adeptos da teologia da li- Um dos principais legados deixados por
bertação, esteve ligado à III Conferência do dom Hélder foi a sua coerência entre o discur-
Episcopado Latino-Americano, em Puebla, so e a prática. Como é difícil unir esses dois
e à IV Conferência do Episcopado Latino- aspectos e fazer essa integração! Ele conse-
-Americano, em Santo Domingo. guiu, durante a sua vida inteira, pensar, falar e
Sua participação foi decisiva no que ele agir conforme os seus princípios políticos,
chamava de “evangelização conscientizado- ideológicos, religiosos, éticos e morais. Um
ra”, posta em prática por meio da criação ser humano pleno em pensamento e atitude!
das comunidades eclesiais de base. Ao lon- Hoje, somente nos resta agradecer sua
go das décadas de 1970 e 1980, elas se ex- existência, o exemplo de vida deixado por
pandiram pelo Brasil e por outros países da esse religioso, que sempre esteve à frente do
América Latina. O objetivo das CEBs era seu tempo. Acreditamos que nossa missão
promover a humanização por meio da reli- seja semear, em favor das novas gerações, o
giosidade e contribuir para a libertação so- pensamento, os princípios e as atitudes desse
cial das camadas populares. homem, religioso e profeta, dom Hélder Câ-
Participou do processo de redemocrati- mara, a fim de colaborarmos para a constru-
zação do país e foi voz importante nos co- ção de uma sociedade mais humana, justa e
mícios que marcaram a campanha das Dire- fraterna para todos. Caro Dom, você estará
tas Já, no ano de 1984. sempre junto de nós!

Referências bibliográficas

ARAÚJO, Edvaldo M. Dom Helder Camara: profeta-peregrino da justiça e da paz. Aparecida: Ideias &
Letras, 2012.
BULLA, Ilvana Maria Pereira; CONDINI, Martinho. Helder Camara, um nordestino cidadão do mundo. São
Paulo: Paulus, 2011. (Coleção Brasileirinhos.)
CAMARA, Helder. Presença de Igreja no desenvolvimento da América Latina. Conferência em Buenos Aires,
1966.
CONDINI, Martinho. Dom Hélder Câmara: um modelo de esperança. 3. reimpr. São Paulo: Paulus,
nº- 330

2013. (Coleção Comunidade e Missão.)


______. Fundamentos para uma educação libertadora: dom Helder Camara e Paulo Freire. São Paulo:
Paulus, 2014. (Coleção Educação Superior.)

ano 60

RAMPON, Ivanir Antonio. O caminho espiritual de dom Helder Camara. São Paulo: Paulinas, 2013.
(Coleção Pesquisa Teológica.)

______. Paulo VI e dom Helder Camara: exemplo de uma amizade espiritual. São Paulo: Paulinas, 2014.
Vida Pastoral

______. Francisco e Helder: sintonia espiritual. São Paulo: Paulinas, 2016.

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As estrelas do cardeal Arns
Prof. Dr. Fernando Altemeyer Junior*

O artigo propõe
um perfil de Dom Paulo
Evaristo Arns,
falecido em 2016
e que deixou um importante
legado de defesa e cuidado
pela vida na sociedade
brasileira e na Igreja.
Viveu momentos de
grandes desafios
em sua missão e sempre
tinha à frente
o horizonte da esperança.

Introdução
A vida de dom Paulo sempre se guiou O mapa de seu caminho terrestre era
por sua fidelidade a Cristo com base em guiado pelos sinais celestes, desde o dia de
profunda espiritualidade franciscana. Seu seu nascimento. Aquele que seria conheci-
amor aos pobres o fez homem sereno e voz do como cardeal dos pobres, dos direitos
segura durante os 21 anos de trevas que o humanos e da liberdade, nasceu em 14 de
Brasil viveu durante a ditadura cívico-em- setembro de 1921, no dia da festa litúrgica
presarial-militar de 1964 a 1985. Dom Pau- da Santa Cruz. Esse sinal da cruz iria marcar
nº- 330

lo nos ofereceu um mapa seguro para viver não só a hora de seu vir ao mundo, como
e buscar o melhor para o Brasil na constru- também suas decisões pessoais, imprimin-

ano 60

ção da cidadania e da paz. do nelas o selo da esperança e da utopia.


*Fernando Altemeyer Junior é graduado em Filosofia e Teologia, mestre em Teologia e Ciências da Religião pela
Vida Pastoral

Université Catholique de Louvain-La-Neuve, doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP e assistente doutor nesta universidade.
E-mail: fajr@pucsp.br

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Quem é iluminado brilha com luz pró- ricamente, cinco momentos da vida do
pria. Aquele que foi arcebispo da cidade apóstolo e comunicador Paulo Arns.
de São Paulo teve sua biografia marcada A primeira e mais imponente das es-
pelo sinal da constelação do Cruzeiro do trelas é Acrux, ou Alfa Crucis, ou Estrela
Sul. Os que estudaram um pouco de as- de Magalhães, situada na ponta inferior da
tronomia sabem que as múltiplas conste- haste vertical da cruz, a indicar o polo sul
lações que iluminam o hemisfério sul são do planeta. A segunda, no braço esquerdo
precioso mapa de viagem nes- da cruz (na perspectiva do ob-
se hemisfério, onde figura cin- servador), é Beta Crucis, cari-
tilante o Cruzeiro do Sul. Dom “Dom Paulo nhosamente chamada no Bra-
Paulo sempre contemplava o nos ofereceu sil de Mimosa. A terceira, na
céu para poder conduzir seu um mapa seguro ponta superior da cruz, é
povo amado na Terra de Santa Gama Crucis, cujo tom aver-
Cruz. Pisava firme no chão para viver e buscar melhado lhe rendeu o nome
que tanto amou, sabendo que o melhor para o de Rubídea. A quarta, no bra-
tinha morada na eternidade, Brasil ço direito da cruz, é Delta
que seu sol era sempre o Cris- na construção Crucis, chamada de Pálida.
to ressuscitado e que suas pa- Enfim, à direita e fora da cruz,
da cidadania
lavras como pastor da Igreja entre a estrela Pálida e a Estre-
deviam ser como o resplendor e da paz” la de Magalhães, temos Épsi-
da lua a refletir os raios da lon Crucis, chamada em nos-
mensagem de Jesus. Dom so país de Intrometida.
Paulo sempre soube valorizar uma comu- Se tomarmos esse signo dos céus para es-
nicação libertadora, grávida do diálogo e tudar a vida comunicativa de nosso cardeal,
da escuta do outro e do diferente. De seus miramos cinco estrelas como momentos vi-
próprios lábios ouvimos, em 2 de junho tais luminosos em sua ação evangelizadora.
de 1984, uma frase sintética: “O evange-
lho é essencialmente comunicação” (ARNS, 1. Alfa Crucis ou Estrela de Magalhães
2006, p. 91). A comunicação comprometida com a
Assumir o Cruzeiro do Sul será como vida e os valores humanos vinha do berço
um sinal celeste ou bússola de sua vida dos Arns. Dom Paulo era filho de colonos e
como eminente comunicador do evange- aprendeu desde cedo, na família de 13 ir-
lho, confirmando que as estrelas não só mãos, que amor, solidariedade e paz eram
configuram a identidade nacional dos bra- gestos concretos. Sua mãe e seu pai comuni-
sileiros (com sua presença no coração de cavam esse amor na cartilha da vida. Eram
nossa bandeira nacional), como também os comunicadores da fé e da verdade de
abrem nosso olhar, de forma telescópica, Deus, em poucas palavras e muitas ações de
para mirar o cosmos como bela criação de justiça e comunhão, em tempos de fartura e,
Deus. Aquelas cinco estrelas nos fazem so- sobretudo, em tempos de dor e pobreza. Fi-
nº- 330

nhar e acreditar que caminhamos de espe- lho feliz e orgulhoso de colonos imigrantes
rança em esperança. Estiveram sempre ins- alemães, foi posto no mundo no dia 14 de

ano 60

critas na vida de nosso amado dom Paulo. setembro de 1921 em Forquilhinha-SC,


Estão em nosso cotidiano de Igreja com- onde aprendeu desde cedo a amar as raízes

prometida com a causa dos pobres. As cin- de sua família pobre e lutadora. O menino
Vida Pastoral

co estrelas da constelação marcam, metafo- sabia bem que quem negasse suas origens e

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se aburguesasse perderia a identidade e não vemos como dom Paulo antecipou a men-
saberia o que comunicar na vida adulta. sagem reformadora do amado papa Fran-
Paulo venceu o risco do aburguesamento ao cisco, sendo sempre um bispo que sabia e
afirmar-se o quinto filho de 13 do casal Ga- queria trabalhar de forma colegiada, sino-
briel Arns e Helena Steiner, descendentes de dal, apoiando a explosão de ministérios lei-
imigrantes da região do Mosela, na Alema- gos e uma Igreja plenamente povo de Deus.
nha. Assumir a raiz, assumir o campo, assu-
mir ser filho de colonos era a fonte originária 2. Beta Crucis ou Mimosa
de seu viver. Assim, escreveu em seu livro de A segunda estrela que marcou a vida de
memórias, como um testemunho a ser Paulo Evaristo foi sua consagração como
aprendido por seminaristas e padres jovens, frade franciscano e padre católico. Nessa
dizendo de forma convicta: “Hoje, quando fase de sua vida, o paradoxo esteve simboli-
os doutorados e outros títulos incomodam camente presente. Viveria em Paris e depois
em vez de empolgar, lembro-me de que te- nos morros de Petrópolis, no Rio de Janeiro.
nho um, guardado como numa espécie de É divertido constatar que a estrela Mimosa,
juramento a meu pai: sou padre, mas tirado na bandeira do Brasil, representa o estado
dentre o povo. Um filho dos colonos Helena do Rio de Janeiro. Alguém diria que estava
e Gabriel Arns” (ARNS, 2001, p. 35). escrito nas estrelas. E essa estrela seria uma
Aqui está o sul, ou seja, a base da cruz, marca indelével da paz e da fraternidade,
a Estrela de Magalhães que orienta a nave- assumidas pela veste humilde dos pobres.
gação e orientava sua vida. Tratava-se da es- O jovem Paulo se tornou Evaristo (nome
trela do batismo. A estrela da vida amada religioso), recebendo o hábito marrom, o
por Deus com uma vocação única no mun- burel franciscano, e sendo feito presbítero
do. Era a estrela fundadora da vida do co- para ser Igreja em saída pelo mundo. Frei
municador que professava a verdade e que- Paulo Evaristo foi estudar, aprender, ensi-
ria ser colaborador de sua difusão sem men- nar, evangelizar e ouvir o clamor dos pobres
tir, sem manipular e, sobretudo, sem rasgar e da Mãe Terra como irmão de esperanças.
o compromisso com a própria identidade Foi ordenado sacerdote em 30 de no-
profunda. Valorizar as raízes e a consciência vembro de 1945, na cidade de Petrópolis-
de classe, para não ser comprado por 30 -RJ, pelo então bispo de Niterói-RJ, dom
moedas pelos poderosos e suas falácias. José Pereira Alves. Realizou um fecundo pe-
Grande parte da mídia brasileira poderia re- ríodo de estudos acadêmicos na Sorbonne,
aprender a fazer jornalismo investigativo e em Paris, defendendo, em 3 de maio de
sério se valorizasse suas origens, a vida do 1952, sua tese sobre a técnica do livro
povo e as fontes de conhecimento que estão segundo São Jerônimo, a qual recebeu nota
nas ruas, na labuta do trabalho e nos com- máxima. Marcado pelo pensamento da
promissos históricos de emancipação de Nouvelle Théologie, particularmente dos teó-
um povo. Dom Paulo, desde cedo, assumiu logos jesuítas e dominicanos como Danié-
esta raiz semântica da comunicação que é a lou e Congar, deleitava-se, como que co-
nº- 330

verdade pessoal e interior. Assim diz George mendo um “pão doce catarinense”, com as
Orwell: “Em tempos de engano universal, conferências de François Mauriac, Paul

ano 60

falar a verdade torna-se um ato revolucioná- Claudel, Jean-Paul Sartre e, de modo espe-
rio”.  Esta é a Alfa Crux da vida e da cial, com os textos das aulas de Emmanuel

comunicação: coerência com as próprias ra- Mounier e Henri de Lubac. Voltou ao Brasil
Vida Pastoral

ízes e com a solidariedade humana. Aqui para exercer a função de professor em Bauru

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e Agudos-SP e depois em Petrópolis-RJ, VI para cuidar da Congregação para a Evan-
onde produziu estudos da patrística, artigos gelização dos Povos, dom Paulo iria assu-
acadêmicos, realizou traduções de textos la- mir, em 1º de novembro de 1970, o minis-
tinos e gregos e filiou-se ao sindicato dos tério e encargo de quinto arcebispo metro-
jornalistas, vínculo que manteve em toda a politano de São Paulo.
sua vida até os últimos dias. O bispo Paulo começou atuando na
Frei Paulo sempre foi pregador excelen- zona norte da cidade e no campo das comu-
te e atento a uma teologia pas- nicações sociais por ordem do
toral. Sabia que a salvação se arcebispo. Destacava-se pela
faz na caridade. Jamais se fe- “Sempre forma envolvente e transfor-
chou às demandas da cidade e se diz que madora com que se relaciona-
aos clamores dos sofredores de va, por suas atitudes originalís-
um bispo sábio
todas as etnias e grupos sociais, simas com relação aos pobres,
e mesmo daqueles sem religião. se cerca aos marginalizados, aos doen-
de assessores tes, aos necessitados, aos inimi-
3. Gama Crucis ou Rubídea mais sábios gos, às mulheres, às crianças, à
A terceira estrela é marcada e lúcidos do que lei. Ia ao presídio, ia às ruas,
pela cor avermelhada. É a pon- estava feliz no meio dos po-
ta superior da cruz. É o polo ele próprio” bres, valorizava as mulheres,
norte da bússola pessoal. Re- trabalhava em equipe, convo-
presenta a missão maior de cava teólogos de peso, como
dom Paulo, sua vocação divina marcada na frei Gilberto da Silva Gorgulho e Ana Flora
fragilidade humana: ser bispo e apóstolo de Anderson, para formar gente capaz de ler a
Cristo no colégio episcopal para servir e Palavra de Deus por todos os recantos da
amar o povo de Deus. Paulo Evaristo, frade cidade, do Imirim ao Jardim Ângela, de Er-
franciscano, foi nomeado bispo auxiliar da melino Matarazzo até as fronteiras de Osas-
Arquidiocese de São Paulo. Aquele que era co e Carapicuíba. Queria que cada batizado
um professor e frade reconhecido interna- se assumisse como liderança leiga na Igreja
cionalmente como um humanista multifa- e no mundo. Acreditava nos operários.
cetado, por ser comunicador, literato, teólo- Acreditava na juventude. Suscitava lideran-
go e patrólogo eminente, era então, com 44 ças e não transformava a Igreja em máquina
anos de idade, chamado a ser um profeta da burocrática, mas em lugar de acolhida e
metrópole, um defensor da pessoa humana profecia. Dom Paulo não queria leigos e lei-
e um irmão universal franciscano com as gas coadjuvantes, auxiliares subalternos,
vestes de bispo titular de Respecta e auxiliar mas pensava e cria em protagonistas e cola-
da cidade de São Paulo. Foi consagrado bis- boradores do múnus eclesial. Sempre se diz
po, em 3 de julho de 1966, na pequena que um bispo sábio se cerca de assessores
Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em mais sábios e lúcidos do que ele próprio.
Forquilhinha-SC, pelas mãos de dom Agne- Dom Paulo acreditava na força da equi-
nº- 330

lo Rossi, arcebispo de São Paulo, e de dois pe, e cada um que privasse de seu convívio
consagrantes, dom Anselmo Pietrulla, ofm, podia sempre ouvir de seus lábios: “Cora-

ano 60

bispo de Tubarão-SC, e dom Honorato Pia- gem, vamos em frente”. Sempre confiou nos
zera, scj, bispo coadjutor de Lajes-SC. Com outros. Não substituía funções nem tarefas,

a transferência do então cardeal dom Agne- mas partilhava e aplaudia com vigor quan-
Vida Pastoral

lo Rossi, enviado a Roma pelo papa Paulo do surgia a novidade do Espírito Santo. De

30

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certa forma, podemos brincar dizendo que
dom Paulo, desde cedo, fez muito pouco ou
quase nada, porque os leigos, as religiosas e Um olhar sobre
os padres faziam muito e sentiam que ti- a cidade
nham um pastor que os amava. Ele coorde-
D. Helder Câmara
nava sem substituir ou calar. Acreditou de
fato na subsidiariedade eclesial. Assumiu o
papel episcopal como supervisor e líder que
exercia autoridade, ou seja, fazia o outro
crescer e manifestar o que tinha de melhor.
Autoridade como serviço, e não narcisismo
fútil e poder de imposição. Dom Paulo des-
velava o que a cidade podia oferecer para
ser comunidade e não mais viver polarizada
em classes excludentes e gananciosas.
Tão logo assumiu o arcebispado, ou seja,
o pastoreio da metrópole, uma das primei-
ras e fundamentais ações de dom Paulo foi
compreender o novo rosto da urbanização
em curso. A cidade de São Paulo estava cres-
152 págs.

cendo desordenada e velozmente, com seus


5.924.615 habitantes provenientes do êxo-
do forçado do mundo rural, misturados aos
poucos paulistanos de nascimento e aos mi- Este livro reúne 63 breves
lhares de imigrantes estrangeiros, chegados crônicas escritas e lidas pelo
para a industrialização das décadas de 1920 arcebispo emérito de Olinda e
a 1950. Esses paulistanos todos estavam Recife, D. Helder Câmara, ao
mergulhados entre os 93 milhões de brasi- microfone da Rádio Olinda de
leiros, 56% dos quais vivendo em áreas ur- Pernambuco. Os textos retratam
mensagens de grande conteúdo
banas. São Paulo mostrava ser a ponta do
de fé, inspiradas em diferentes
iceberg que poderia indicar um belo futuro situações da vida do autor. Ao
ou um dramático modo de exploração capi- ler essas mensagens, o leitor
talista, pleno de exclusões e medo. Nesse encontrará caminhos de amor,
cenário, ainda situado em tempos de ditadu- fraternidade, esperança e prece
Imagens meramente ilustrativas.

ra cívico-militar, o então bispo auxiliar e de- no Deus da vida.


pois arcebispo foi chamado a agir em nome
do evangelho a tempo e a contratempo.
Eram muitos e variados os segredos do
bispo Paulo Evaristo. Nasciam de seu amor
nº- 330

profundo a Cristo ressuscitado e se expri- Vendas: (11) 3789-4000


miam em seu cuidado concreto com as pes- 0800-164011

ano 60

SAC: (11) 5087-3625


soas, as pastorais, as instituições e o movi-
mento da história. Para dom Paulo, não era a V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL

paulus.com.br
Igreja que devia se tornar uma grandeza his-
Vida Pastoral

tórica, mas a história do povo e das pessoas

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unidas em comunidades é que se tornava paulistana, pastoreando, por 27 anos inin-
um referencial e uma grandeza cristã. Um terruptos, a maior diocese do mundo e re-
povo de Deus unido, feliz e articulado era a nunciando em 15 de abril de 1998, sucedi-
esperança sempre viva desse cardeal. Seu do por dom Auri Affonso Cláudio Hummes,
lema era: “De esperança em esperança”. E ofm, que era arcebispo metropolitano de
assim ele, a cada manhã, renovava sua dis- Fortaleza e frade franciscano. Em seguida,
posição de enfrentar uma cidade que era em 2007, viria o atual arcebispo, dom Odi-
sempre nova, mas violenta, dia- lo Pedro Cardeal Scherer. Dom
logando com ela. Dom Paulo “Dom Paulo Paulo realizou um inédito go-
dialogava com todos os atores dialogava com verno colegiado e um empe-
sociais e pedia que cada um de- todos os atores nho efetivo em construir uma
les assumisse de verdade um Igreja aberta aos homens e
sociais e pedia
papel de sujeito histórico de mulheres urbanos que, na ci-
transformações. O pensador que cada um dade cosmopolita, possuem
francês Moustapha Safouan, deles assumisse um modo próprio de pensar e
em seu livro La parole ou la de verdade um agir. Foi o grande patrono do
mort, diz que na linguagem está papel de sujeito best-seller Brasil, nunca mais,
a única saída do ser humano e que retrata os porões da dita-
que nossa escolha deve ser uma histórico de dura e os sofrimentos vividos
decisão entre a palavra ou a transformações” por centenas de brasileiros tor-
morte! Dom Paulo decidiu-se turados clandestinamente pe-
pela Palavra. los militares no país. Graças a essa obra, não
se perdeu a memória da ignomínia praticada
4. Delta Crucis ou Pálida contra a pessoa humana no Brasil. A trans-
A quarta estrela a iluminar os passos de missão de seus sermões pastorais na rádio
Paulo Arns foi aquela que fica à direita da católica 9 de Julho foi impedida por arbitrá-
constelação. É a mais pálida das estrelas, ria decisão do general presidente, que inter-
para lembrar-nos que vivemos sempre no rompeu seu direito democrático de opinião
lusco-fusco da existência e no paradoxo da por 26 anos, ou seja, praticamente durante
cruz. Não há cruz sem ressurreição, mas todo o tempo do exercício de seu episcopa-
tampouco há anúncio sem sangue nem do. Grão-chanceler da Pontifícia Universi-
martírio. O sofrimento acompanha a vida, dade Católica de São Paulo, acolheu os pro-
sem tirar a esperança, mas exigindo coerên- fessores que o regime militar aposentava,
cia e mística vigorosa. Não há amor que não perseguia ou censurava, como os mestres
passe por noite escura. Não há esperança Florestan Fernandes, Octavio Ianni e Paulo
que não deva andar meses e anos na pe- Freire, entre tantos. Dom Paulo acolheu na
numbra, crendo, esperando, tateando, pro- Catedral da Sé inúmeros líderes muçulma-
curando pelas mãos de Deus e por sua pro- nos, judeus, budistas, evangélicos, afro-bra-
messa. É como que uma aposta de que algo sileiros e o próprio Dalai Lama, como líder
nº- 330

bom virá. É ver o invisível. É crer no impos- espiritual do budismo tibetano. Criou a Co-
sível. missão Justiça e Paz e o Centro Santo Dias

ano 60

Dom Paulo foi criado cardeal da metró- da Silva, formados por eminentes juristas,
pole paulistana, em 5 de março de 1973, muitos dos quais advindos da Ação Católica

pelo papa Paulo VI. Foi o quinto arcebispo e marcados, também eles, pelo personalis-
Vida Pastoral

paulistano e o terceiro cardeal da diocese mo de Maritain.

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SAZONAL PAULUS
2020

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NOVIDADE

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CALENDÁRIOS Ano Litúrgico Dia a dia com o Evangelho 17 Floral 1 – Brochura


1 Parede – Paisagem 7 Clássico 11 Devocional Jesus – Brochura/Espiral 18 Floral 2 – Brochura
2 Parede – Santos 8 Cidade 12 Devocional Maria – Brochura/Espiral 19 Capa Luxo – Feminina
3 Bíblico AGENDAS 13 Devocional S. Mateus – Brochura/Espiral 20 Capa Luxo – Masculina
4 Variedades 9 De planejamento 14 Clássica 1 – Brochura DIA A DIA COM O EVANGELHO
5 Mesa 10 Dia a dia com a 15 Clássica 2 – Brochura 21 Livro – Brochura
6 Mesa – O Pequeno Príncipe catequese 16 Floral – Luxo Capa Dura 22 Livro – Bolso

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Um tesouro da Liturgia do Advento Advento e Natal
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Ilustrações de Cláudio Pastro
Este livro oferece reflexões sobre o
As Antífonas “Ó” e os Versículos Advento e o Natal, cujo mistério nos
Aleluiáticos formam um díptico que se garante que a promessa da segunda vinda
completa vantajosamente. O Mistério será cumprida. Com essa garantia, os
Natalino e o Mistério Pascal abraçam cristãos se esforçam para construir desde
nossa filiação divina. Com a Igreja não agora o mundo novo de Deus.
cessamos de solicitar com simplicidade
a vinda do nosso Redentor... Ele vem, o
Emanuel, a Sabedoria do Pai.

Advento e Natal Advento e Natal


48 páginas

32 páginas

54 perguntas e respostas sobre o ciclo Como celebrar?


do Natal Padre Antônio Lúcio da Silva Lima e Padre
Pe. José Bortolini Luiz Miguel Duarte

O Natal está chegando! Neste livro, você Para ajudar o povo a viver o tempo do
encontrará as respostas às dúvidas mais Advento e Natal de modo intenso e
comuns sobre o ciclo do Advento e Natal, participativo, os padres paulinos Antônio
além de compreender seu significado e Lúcio e Luiz Miguel prepararam um livro
sua riqueza, para poder celebrá-lo com com propostas concretas para dinamizar
maior entusiasmo e fé. as celebrações, destacando seus
principais símbolos e disponibilizando
algumas sugestões pastorais.

Celebrando o dia do Senhor CD Deus se faz nosso irmão


152 páginas

14 faixas

Ciclo do Natal ABC (Advento e Natal) – Cantos para a Novena de Natal –


Subsídio para celebrações dominicais Coletânea
da Palavra de Deus nas comunidades
Em sua infinita misericórdia, Deus enviou
Obra dedicada às celebrações dos seu Filho à Terra para irmanar-se conosco,
tempos do Advento e Natal, solenidades vivendo e morrendo entre nós. Celebremos
e festas do Senhor, da Virgem Maria e a chegada de Jesus de Nazaré com os
dos santos cujas datas são festejadas cantos da coletânea Deus se faz nosso
nesse período. Oferece ainda ritos para irmão – Cantos para a Novena de Natal.
as orações iniciais e finais, liturgia da São 14 faixas para enriquecer sua Novena
Palavra, rito de louvor ou ação de graças, de Natal e preparar você para a festa mais
comunhão eucarística e bênção. importante do calendário cristão.

CD As crianças cantam CD Concerto de Natal


16 faixas

23 faixas

Advento e Natal Júlia Brown – Órgão histórico


Regente: Irmã Custódia Cardoso – IIC de Mariana

Composto de 16 faixas, este belo álbum O CD registra o Concerto de Natal feito


traz canções, interpretadas pelas crianças pela organista Júlia Brown no órgão
do coral Pequenos Cantores de Apucarana, histórico de Mariana (MG). Apresenta
para a Missa do Advento e a Missa do exemplos de repertório germânico,
Natal. Para deixar o CD ainda mais belo italiano e francês, demonstrando a
e divertido, o encarte apresenta algumas versatilidade do instrumento.
ilustrações de Jesus e seus amigos em
estilo mangá, deixando-o ainda mais
jovem, moderno e próximo da garotada.
CD A Palavra se fez carne (Jo 1,14) CD Natal Instrumental em solos
20 faixas

14 faixas
Refrães orantes para Advento e Natal de viola
Deivid Tavares
A viola enche nossa boca de sorrisos. A
A Palavra se fez carne! Chegou o primeiro viola traz de volta as alegrias do passado
CD de refrães orantes para celebrar o e nos ajuda a sonhar com um mundo
Advento e o Natal do Senhor que vem. melhor, que não é diferente do paraíso da
Interpretada pelo Coral Nossa Senhora nossa infância. É Natal, tempo de festa,
Aparecida de Apucarana, o álbum é um tempo de mida, tempo de viola! Feliz Natal,
excelente trabalho para as comunidades bem no nosso jeito!
do nosso Brasil.

CD Clássicos de Natal CD Natal


14 faixas

11 faixas

As mais belas canções de Natal em As mais belas canções


solos de piano Pe. Antônio G. Herdt e Coral Santo Antônio
Miguel Briamonte dos Anjos

Este CD alia todo o requinte do piano à O repertório deste álbum especial conta
tradição das mais conhecidas canções com cânticos clássicos natalinos, como
natalinas tocadas ao longo do tempo. Com “Glória a Deus”, “Boas festas”, “Adeste
arranjos e execução do pianista Miguel Fidelis” e muitas outras! Obra para lembrar
Briamonte, o ouvinte poderá escutar que o Natal é um milagre que se renova a
clássicos como “Jingle Bells”, composto cada ano no coração de cada um de nós.
por James Lord Pierpont, e “Cristo
Nasceu”, de Georg Friedrich Händel, e se
emocionar com o resultado final.

CD É tempo de recomeçar CD O Natal chegou


20 faixas

19 faixas

Advento e Natal para crianças Pequenas Cantoras de Curitiba | Regente:


Coral Pequenos Cantores Irmã Custódia Cardoso – IIC

Interpretando as missas do Advento e do Sob regência da irmã Custódia Maria


Natal, o Coral Pequenos Cantores de Curitiba Cardoso, o Coral Pequenas Cantoras de
comove os ouvidos de quem busca paz e Curitiba interpreta, pleno de emoção, o
esperança. Regido pela irmã Custódia Maria verdadeiro significado do espírito natalino,
Cardoso, o grupo se destaca com canções caracterizado pelo amor que, uma vez
como A Luz Vai Brilhar (abertura da missa partilhado, torna possível a construção de
do Advento), É Tempo de Graça, Aclamando novos caminhos para a paz.
o Evangelho e a consagrada Noite Feliz,
penúltima faixa do CD.

CD Cantos do Evangelho CD Liturgia V


16 faixas

17 faixas

Vol. 1 – Ciclo do Natal Natal – Cantos do Hinário Litúrgico


Pe. José Weber da CNBB
Coral Palestrina
Para enriquecer o repertório existente nas
comunidades, o CD oferece cantos para O CD abrange o período de Natal, com
serem entoados em diversos momentos cânticos que pertencem ao Hinário
celebrativos do Ciclo do Natal: antes de Litúrgico da CNBB. Este é mais um disco
iniciar a celebração da missa ou da Palavra; que oferece cantos para utilização durante
após a leitura do Evangelho; após a homilia; o calendário litúrgico católico ao longo do
na Comunhão, com um salmo apropriado; ano. A interpretação é do Coral Palestrina da
na catequese; na Liturgia das Horas, como Arquidiocese de Curitiba, sob a regência da Ir.
antífona do Cântico evangélico; ou ainda na Custódia Maria Cardoso.
meditação pessoal ou comunitária.
NUNCA É TARDE PARA REVER
AS FONTES DA FÉ CRISTÃ.
A coleção Patrística reúne as obras mais importantes dos Pais da Igreja.

CONFIRA NOSSAS NOVIDADES!

A mentira | Contra a mentira A natureza do bem | O castigo e o


Volume 39 perdão dos pecados | O batismo
Santo Agostinho das crianças
Volume 40
Este livro reúne dois textos de Santo Agos- Santo Agostinho
tinho: A mentira e Contra a mentira, escritos
entre os séculos IV e V. Ambos combatem a Em A natureza do bem e O castigo e o perdão,
má interpretação de católicos que conside- o leitor encontra uma das obras antimani-
ravam úteis e moralmente aceitáveis certos queístas de Agostinho. Nesta obra também
tipos de mentiras, como sendo um mal menor estão as exposições do hiponense sobre o
para evitar um mal maior. batismo das crianças e o castigo e o perdão
dos pecados, em que Agostinho nos coloca a questão: é possível
alguém viver sem pecado?

A Simpliciano | Réplica à carta de Tratado sobre o Batismo


Parmeniano Volume 42
Volume 41 Santo Agostinho
Santo Agostinho
Este é o terceiro texto das obras de Santo
Ad Simplicianum é uma carta enviada Agostinho, escritas entre os séculos IV
por Agostinho a Simplicano, na qual ele e V, em resposta a cartas que lhe foram
responde a questionamentos referentes enviadas por autoridades da época, a
a passagens da Carta aos Romanos e dos respeito de heresias e contendas que a
livros dos Reinos. A resposta a Parme- Igreja enfrentava. Tratado sobre o Batismo
niano expõe de modo claro, exegética e foi escrito para refutar as costumeiras ob-
teologicamente fundado, pontos essenciais da eclesiologia jeções donatistas aos católicos quanto ao batismo e explicar
em três daquelas que chamaríamos hoje notas da Igreja: qual é de fato a posição de Cipriano a esse respeito.
unidade, santidade, catolicidade.

Retratações
Volume 43
Santo Agostinho

Se as Confissões de Agostinho são como uma retratação da vida, as Retratações são a confissão de seu pro-
gresso intelectual e espiritual. Mais do que investigar as escrituras e interpretá-las, doravante perscrutando-
-se, Agostinho revisa seus pontos de vista, e admite equívocos, sempre em busca da Verdade acima de tudo.

paulus.com.br/loja
11 3789-4000 | 0800-164011
vendas@paulus.com.br @editorapaulus
Eis a teologia subjacente ao seu pensa-
mento. Um humanismo cristão que bebe Dom Hélder Câmara
nas fontes dos evangelhos, passa pela pa- Um modelo de esperança
trística e assume seu pleno vigor na ação
permanente em favor de qualquer pessoa Martinho Condini

humana. Humanismo integral e cristianis-


mo engajado. A PUC-SP, invadida pelas
forças de segurança da ditadura militar
por duas vezes, hauriu de dom Paulo a fir-
meza permanente e a coragem para en-
frentar os prepotentes, tendo à frente a fi-
gura forte da reitora Nadir Kfouri e de
seus vice-reitores. Foi um momento dra-
mático que forjou uma geração e um sím-
bolo perene. Essa casa da excelência aca-
dêmica deve a dom Paulo o acolhimento
de professores de todas as linhas de pensa-
mento, sem qualquer obscurantismo ou
dirigismos externos. Como escola de vida
e humanismo, a PUC-SP deve a esse mes-
200 págs.

tre do sorriso muito de sua identidade e


de sua produção solidária. Há que se des-
tacar, dentre os 51 livros da autoria de Este livro caminha pelas razões
dom Paulo, três que manifestam seu pen- históricas, políticas e teológicas
samento complexo: I poveri e la pace prima que colaboraram para que Dom
di tutto (Roma: Borla, 1987), Von Hoffnung Hélder se fizesse como se fez.
zu Hoffnung. Vortragre, Gesprache, Doku- O autor destaca o homem, o
mente (Dusseldorf: Patmos, 1988) e Con- religioso, suas circunstâncias,
versa com São Francisco (São Paulo: Pauli- sua trajetória, os dramas e
nas, 2004). Temos também sua autobio- os enredos que conduziram
este ícone na direção de uma
grafia Da esperança à utopia: testemunho de
atividade pastoral progressista,
uma vida, publicada pela Sextante, do Rio revolucionária, humanista e,
de Janeiro, em 2001. por isso mesmo, profundamente
cristã. Temos, assim, a
Imagens meramente ilustrativas.

Conclusão: possibilidade de conhecer


Épsilon Crucis ou Intrometida um pouco mais o caminho de
A derradeira estrela na vida do cardeal esperança percorrido por Dom
Arns é a que fica fora da cruz, incomodando Hélder ao longo de sua vida.
tal qual luz impertinente e sendo, no entan-
nº- 330

to, fundamental para localizar a própria Vendas: (11) 3789-4000


cruz no firmamento. Na bandeira brasileira, 0800-164011

ano 60

SAC: (11) 5087-3625


tal estrela representa o estado do Espírito
Santo. Sinal de algo misterioso na vida de V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL

paulus.com.br
nosso amado pastor Paulo. Os brasileiros
Vida Pastoral

deram-lhe o nome de Intrometida.

33

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Podemos relacionar essa estrela peque- qual um novo João Batista no planalto pau-
nina com o momento do culto ecumênico listano, clamando: “Ninguém toca impune-
em nossa Catedral da Sé, no dia 31 de outu- mente no homem, que nasceu do coração
bro de 1975, às 16 horas, quando se fez me- de Deus para ser fonte de amor”. Foi dia de
mória do assassinato do jornalista judeu Vla- ecumenismo e de diálogo inter-religioso. Foi
dimir Herzog pelas mãos da ditadura cívico- dia de evangelho puro. Foi dia de uma estre-
-militar-empresarial. Ali fulgurava a estrela la intrometida emergir com força na escuri-
de dom Paulo, corajoso e firme, inspirado e dão e trevas nacionais, apontando para as
animado pelo Espírito Santo, advogado dos quatro companheiras luminosas, tal qual
pobres, tendo ao lado seu “tio espiritual” e pequenina irmã que sabia fazer a hora e não
“irmão mais velho”, o arcebispo de Olinda e esperava acontecer.
Recife, dom Hélder Pessoa Câmara, o rabino Dom Paulo lutará sempre por uma edu-
Henry Israel Sobel e aquele que chamava ca- cação de base, valorizando a teologia da li-
rinhosamente de seu “bispo auxiliar”, o re- bertação comprometida com o evangelho
verendo presbiteriano James Nelson Wright. de Cristo, em defesa daquele modelo de
Esse foi o dia em que jornalistas e estu- Igreja preconizado pelos padres do Concílio
dantes deram um basta ao golpe militar e Vaticano II em 1962-1965. Foi e será sem-
aos ditadores armados e covardes, que se pre alguém capaz de decifrar a mensagem
punham contra a vida, a verdade e a justiça que vem das estrelas e ilumina nossa vida:
social. Ao torturar e matar o judeu Herzog,
pendurando-o em sua cela em uma corda, E conversamos toda a noite, enquanto / a
refaziam a crucifixão do judeu Jesus, seme- Via-Láctea, como um pálio aberto, / cinti-
lhando os dois inocentes e unindo as duas la. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
religiões pelo testemunho dos justos. Dizer / inda as procuro pelo céu deserto. / Direis
não à versão militar de suicídio, enterrar agora: “Tresloucado amigo! / Que conver-
Herzog como judeu e celebrar sua memória sas com elas? Que sentido  / tem o que
como um corpo violado diante de Deus era dizem, quando estão contigo?” / E eu vos
um brado contra a idolatria do sistema de direi: “Amai para entendê-las! / Pois só
Segurança Nacional e a afirmação do Deus quem ama pode ter ouvido / capaz de ou-
da vida e do amor. Esse foi o dia da liberdade vir e de entender estrelas” (Olavo Bilac,
de expressão sob uma chuva de bombas de Soneto XIII da obra Via-Láctea).
gás dos militares infiltrados, comandados
pelo Exército e pelos esquadrões da morte.
Referências bibliográficas
O torturado era o vitorioso. A morte gerava
vida e rebeldia. Herzog se tornava uma se-
mente de liberdade, e a catedral, um lugar ARNS, Paulo Evaristo. Estrelas na noite escura:
pensamentos. São Paulo: Paulinas, 2006.
da esperança que nunca morre. Ali se gesta-
______. Conversa com São Francisco. São Paulo:
riam as Diretas Já, efetivadas só em 1989. Paulinas, 2004.
Foi o batismo de sangue apresentado a todo
nº- 330

______. Da esperança à utopia: testemunho de


o Brasil, ainda que submerso e proibido de uma vida. Rio de Janeiro: Sextante, 2001.
ser publicado pela imprensa domesticada e

______. Von Hoffnung zu Hoffnung. Vortragre,


ano 60

ditatorialmente censurada. Herzog era pran- Gesprache, Dokumente. Dusseldorf: Patmos,


teado junto a dezenas de democratas assassi- 1988.

nados nos porões da ditadura. Esse foi o dia ______. I poveri e la pace prima di tutto. Roma:
Vida Pastoral

da profecia de dom Paulo Evaristo Arns, tal Borla, 1987.

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homiléticos
Roteiros

Também na internet:
vidapastoral.com.br
Zuleica Aparecida Silvano*

TODOS OS SANTOS
3 de novembro

“A santidade é o rosto
mais belo da Igreja”
(Gaudete et Exsultate, n. 9)

I. Introdução geral
Nesta celebração, somos convidados a agradecer a
Deus o testemunho dos santos e santas de todas as nações
*Ir. Zuleica Aparecida Silvano, (I leitura). Eles e elas se purificaram, no dia a dia, do peca-
religiosa paulina, licenciada em do e da iniquidade (II leitura) e permaneceram fiéis ao
Filosofia pela UFRGS, mestra em
compromisso com a justiça, com a misericórdia, com a
nº- 330

Ciências Bíblicas (Exegese) pelo


Pontifício Instituto Bíblico (Roma) paz, com a vida (evangelho). Desejamos também pedir a
e doutora em Teologia Bíblica pela
graça de perceber os sinais da presença do Espírito em

ano 60

Faculdade Jesuíta de Filosofia e


Teologia (Faje), onde atualmente toda parte: na sociedade, em nossas comunidades, em
leciona. É assessora no Serviço nossa família e nas pessoas que não fazem parte da nossa

de Animação Bíblica (SAB/Paulinas)


religião, do nosso grupo, mas nos ajudam a contemplar a
Vida Pastoral

em Belo Horizonte. E-mail: zuleica.


silvano@paulinas.com.br beleza da santidade.

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Roteiros homiléticos

II. Comentários ceram as forças contrárias a Cristo. Da


dos textos bíblicos mesma forma que Deus salvou Israel da
1. I leitura: Ap 7,2-4.9-14 escravidão do Egito, também o Cordeiro
Essa passagem do livro do Apocalipse salvará aqueles que resistiram a toda
objetiva animar as comunidades cristãs a opressão. A vitória e a salvação pertencem
permanecerem fiéis a Cristo em meio ao so- a Deus e ao seu Cordeiro. Desse modo, os
frimento e à perseguição que estão viven- mártires e os perseguidos, passando pela
ciando. O texto de Ap 7 está situado na se- tribulação, participam da paixão de Cris-
ção da abertura dos selos (cf. Ap 6,1-7,17) e to, mas também de sua vitória.
é a resposta à pergunta do capítulo prece- A pergunta do ancião, no v. 13, tem a
dente (cf. Ap 6,17): quem poderá ser consi- finalidade de enfatizar a solenidade da reve-
derado inocente (“ficar em pé”) no dia da lação e ressaltar o significado do simbolis-
intervenção final e do julgamento de Deus? mo das “túnicas brancas”. A resposta para-
O autor responde: será aquele que perma- doxal, segundo a qual as túnicas são bran-
nece fiel ao seguimento de Jesus Cristo no cas porque foram lavadas no sangue do
amor, mesmo que isso possa lhe custar a Cordeiro, faz-nos vislumbrar a salvação fi-
entrega da vida. nal, já parcialmente experimentada pelos
A primeira cena (cf. Ap 7,2-4) tem como fiéis ao aderirem a Jesus, o Messias, e ao se-
contexto a terra, sob a ameaça dos ventos rem introduzidos pelo batismo no tempo
que vêm dos quatro ângulos do universo, messiânico. Assim, a purificação trazida
considerados ventos nocivos e destruidores pelo sangue do Cordeiro permite aos cris-
(cf. 1 Henoc 76). Os servos, porém, serão tãos realizar um culto agradável a Deus por
poupados por meio da intervenção direta e meio da vivência comunitária, do cumpri-
gratuita de Deus, conforme anuncia o quin- mento da missão de anunciar o Reinado de
to anjo, encarregado por Deus de dar or- Deus e da doação da própria vida por fideli-
dens aos mensageiros, descritos no v. 1. dade ao seguimento de Jesus.
O assinalamento na fronte (cf. v. 3) ex-
pressa a proteção divina (cf. Ex 12,21-30). 2. Evangelho: Mt 5,1-12a
Provavelmente, os assinalados são aqueles As bem-aventuranças marcam o início
que não se deixaram contaminar pela idola- dos discursos sobre o Reino de Deus no
tria e, portanto, pertencem a Deus. Evangelho segundo Mateus. Os destinatá-
O número 144 mil (cf. v. 4) é simbólico: rios da mensagem de Jesus são pessoas pro-
indica que são muitos e formam uma totali- venientes de vários lugares, tanto de Israel
dade perfeita (144 mil é um número perfei- como das regiões dos gentios – ou seja, de
to, resultado da multiplicação de 12 x 12 x todas as nações (cf. Mt 4,25).
1.000). Refere-se, provavelmente, ao povo Jesus sobe ao monte e assume a posição
que será preservado das ameaças e dos fla- de Mestre. O monte é o lugar da revelação
gelos pela sua fidelidade ao Deus vivente. divina e é o local onde Jesus ensina com au-
A segunda visão (cf. Ap 7,9-14) apre- toridade (cf. Mt 7,28-29). É possível estabe-
nº- 330

senta uma multidão incontável, prove- lecer um paralelismo entre Jesus e Moisés.
niente de todas as nações (universalida- Este subia ao Sinai para receber a Lei de

ano 60

de). A túnica branca retrata a salvação e, Deus destinada ao povo (cf. Ex 19,3;
no Apocalipse, foi prometida aos vitorio- 24,15.18), sinal da aliança estabelecida com

sos e aos mártires (cf. Ap 3,4 e 6,11), ou Deus; Jesus, como Messias e Filho de Deus,
Vida Pastoral

seja, aos fiéis ao projeto de Deus que ven- sobe ao monte para apresentar não uma Lei,

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mas um programa de vida, e estabelecer Outro aspecto que nos chama a atenção
uma nova aliança com toda a humanidade na expressão “pobres em espírito” (Mt 5,3)
(cf. Mt 5,1-7,27). As bem-aventuranças, em é sua afinidade com a frase “vivem persegui-
Mateus, podem ter um caráter escatológico, dos por causa da justiça” (Mt 5,10), pois
mas no sentido do “já e ainda não”; ou seja, para ambos é prometido o Reino de Deus.
elas já acontecem e são reveladas nos gestos Desse modo, é legítimo afirmar que os “po-
de Jesus Cristo e daqueles que seguem o bres em espírito” são também os persegui-
Messias Jesus, mas serão vivenciadas em dos por causa da justiça, ou seja, os que so-
plenitude na salvação futura. Por isso, estão frem nas mãos dos opositores a Cristo (cf.
relacionadas ao passado e ao presente, e não Mt 4,18-24). São os que acreditam que o
somente ao futuro. Reino de justiça, vivido e anunciado por Je-
O discurso das bem-aventuranças é o sus, não é algo ilusório, por isso lutam e re-
alegre anúncio do Reinado de Deus, dirigi- sistem para que esse Reino se realize. Um
do ao pobre, ao oprimido, ao indefeso, ao texto que poderia nos ajudar a entender os
marginalizado, ao aflito. Em Cristo, Deus “pobres em espírito” é Mt 25,34-40, que
vem para defender, consolar, acolher, ouvir afirma que aqueles que têm compaixão para
novamente o clamor do povo. As bem- com os mais pobres herdarão o Reino de
-aventuranças, portanto, descrevem o modo Deus. Nessa perspectiva, os “pobres em es-
cristão de viver o seguimento de Jesus, de pírito” são também aqueles que são solidá-
estar em comunidade, na história. É o con- rios, dóceis à Palavra e abertos à incessante
vite a uma mudança de mentalidade, tendo novidade de Deus.
como critério a novidade do Reino, que nos Os aflitos, contemplados na segunda
desconcerta, visto que são chamados de “fe- bem-aventurança, constituem os que so-
lizes” aqueles que a sociedade despreza, ex- frem por causa das forças do mal, sendo
clui, os considerados “infelizes”. vítimas da opressão e da violência. O termo
A primeira bem-aventurança é dirigida “consolar” pode ser traduzido literalmente
aos “pobres em espírito”; no entanto, não por “chamar para junto de” – ou seja, de-
podemos espiritualizar o pobre ou suavizar fender, intervir em favor daquele que não
a mensagem evangélica. De fato, se lermos pode se libertar sozinho – e remete à mis-
as bem-aventuranças, compreenderemos são profética descrita em Is 61,1-2. Hoje
que “pobre” é aquele completamente des- vivemos numa sociedade marcada pela ne-
provido, aquele que carece de recursos, por gação do sofrimento e plena de ofertas de
ser explorado e oprimido social e economi- felicidade. Quem é capaz de sentir o sofri-
camente. Assim, é o estrangeiro, a viúva, o mento e ser consolado por Jesus torna-se
órfão, o necessitado, o enfermo, o aflito, o sensível ao sofrimento alheio. Essa bem-
perseguido, que são totalmente dependen- -aventurança, portanto, lança-nos o desafio
tes de Deus. Mas é também o misericordio- da compaixão, do compadecimento com o
so, aquele que vai ao encontro do outro, sofrimento do nosso próximo.
que consola, que tem sede e fome de justiça A terceira bem-aventurança está basea-
nº- 330

e promove a paz. Enfim, é aquele que está da no Sl 37,11, quando menciona os injus-
disponível para cumprir a vontade divina, tamente desapropriados de suas terras. Por

ano 60

pois tem consciência de que não é possível isso, podemos traduzi-la por felizes os opri-
depositar sua confiança na riqueza ou no midos, os fracos, os que se encontram em

poder, sabe o que é fundamental e o que dá condições lastimáveis e percebem, no anún-


Vida Pastoral

sentido à vida. cio de Jesus, a possibilidade de restituir a

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Roteiros homiléticos

própria dignidade e contar com a partilha. justos (cf. Sl 34,15), por terem uma vida
Ela é, ainda, um convite para nos desarmar- perpassada por valores éticos. A paz é a sín-
mos diante das realidades de violência, tese dos bens prometidos por Deus aos tem-
ódio, inimizades, e sermos testemunhas da pos messiânicos. Trabalhar pela paz, por-
mansidão, um dom do Espírito (cf. Gl tanto, é ser um colaborador de Deus na
5,23). Ser manso também é uma expressão construção de seu Reino. É uma bem-aven-
da pobreza em espírito, pois supõe o despo- turança que nos desafia, pois, como diz o
jar-se para poder estar disposto ao diálogo e papa Francisco: “é muito comum sermos
ceder, quando necessário, do próprio ponto causa de conflitos ou, pelo menos, de in-
de vista, das próprias ideias e projetos. compreensões” (GE 87), e, nesses momen-
Os que têm fome e sede de justiça são tos, ser instrumentos de paz não é fácil, pois
aqueles que optaram por viver a justiça de isso requer criatividade, escuta, uma vida
tal forma, que ela perpassa seu modo de ser, marcada pela oração.
pensar e agir, constituindo uma necessidade Ser perseguido é consequência de uma
primária (cf. Sl 107,5.8-9). Justiça pode ser vida doada e marcada pelo evangelho, à
entendida como a adequada relação com semelhança da vida do Mestre Jesus, que
Deus, com o próximo e consigo mesmo. também foi perseguido, incompreendido e
Quem tem fome e sede de justiça se deixa sofreu por fidelidade ao projeto do Pai.
conformar a Cristo, é pessoa que vive o pro-
cesso de humanização de suas relações, al- 3. II leitura: 1Jo 3,1-3
guém que deseja e constrói uma sociedade 1Jo 3,1-3 retoma os temas já apresen-
justa e fraterna. Isso também supõe perse- tados em 1Jo 1,5-10. Esses versículos con-
verança, pois é muito fácil permanecermos têm os mesmos elementos do discurso di-
saciados em nosso comodismo. rigido às pessoas em processo de iniciação
A bem-aventurança seguinte é centrada à vida cristã, após a adesão a Jesus Cristo e
na misericórdia, tema fundamental em Ma- o batismo, com a finalidade de refletir so-
teus, que se expressa na compaixão para bre o seguimento de Cristo, o significado
com o outro, por meio de gestos concretos, do messianismo de Jesus e o fundamento
na saída para ir ao encontro dos marginali- do agir cristão. Para o autor, aquele que
zados (cf. Mt 9,13; 12,7; 15,22; 25,35-37), cumpre a justiça e não peca provém de
no perdão fomentado nas relações comuni- Deus (cf. 1Jo 3,1) e caminha em direção a
tárias (cf. Mt 18,33; 6,12-15) e no amor aos ele (cf. v. 2).
inimigos (cf. Mt 5,38-48). Em 1Jo 3,1, o autor expressa sua admi-
A expressão “puros de coração” nos re- ração pelo grande amor de Deus Pai e pelo
mete ao Sl 24,4, que descreve as caracterís- fato de serem filhos de Deus por meio do
ticas do fiel ao qual é permitida a entrada batismo, dado que os membros da comuni-
no santuário. Assim, são aqueles e aquelas dade participam da filiação divina em vir-
que defendem a vida, que não estão com- tude da fé em Jesus Cristo, o Filho de Deus.
prometidos com a falsidade e não realizam A expressão “nascer de Deus” é própria da
nº- 330

juramentos desonestos; isto é, aqueles que literatura joanina. Para o evangelista, o


são íntegros e coerentes. Ser puro de cora- “nascer de Deus” está intimamente ligado

ano 60

ção é ser capaz de amar e poder ver a Deus, com o “nascer do alto” (Jo 3,6.8) e, após o
pois ele é amor. batismo, o fiel torna-se parte da família de

A expressão “os que promovem a paz” Deus. No v. 1, a palavra “mundo” deve ser
Vida Pastoral

pode ser interpretada como referência aos entendida como tudo aquilo que se opõe a

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Cristo; na primeira carta de João, são aque- 32º DOMINGO DO TEMPO COMUM
les que não reconhecem Jesus como Mes- 10 de novembro
sias e Filho de Deus.
A frase do v. 2c, “sabemos que, quando “Deus não é
será manifestado”, deve ser interpretada
como a epifania da identidade cristã, quan- Deus dos mortos,
do o batizado estiver diante da manifestação
do Filho na parusia. Assim, nossa identida-
de de filhos será manifestada somente no
mas dos vivos”
(Lc 20,38)
final dos tempos, quando atingirmos a per-
feição, ou seja, a meta final, por estarmos I. Introdução geral
diante do Filho e do Pai. As leituras bíblicas deste domingo têm
O termo “puro” está relacionado à vida como tema central o triunfo da vida. Na I
em contraposição à morte. Assim, afirmar leitura, recordamos a doação da vida dos
que Jesus é puro é o mesmo que dizer que mártires do passado, que permaneceram
ele é a vida. firmes na fé diante da opressão promovida
A necessidade de purificar-se para per- pelo império greco-helenista, e a certeza da
manecer na proximidade de Deus (cf. v. 3) ressurreição dos mortos. No evangelho, Je-
e de Jesus, dado que eles são santos e pu- sus confirma que nosso Deus é o Deus da
ros, perpassa todo o AT e pertence ao âmbi- vida e, por isso, somos desafiados/as a nos
to cultual; mas podemos também interpre- manter firmes na esperança e na caridade,
tá-la no sentido ético, ou seja: aproxima- defendendo e promovendo a vida em nossa
mo-nos de Deus quando agimos conforme sociedade (II leitura).
os ensinamentos de Cristo, libertando-nos
do pecado, da iniquidade, de tudo que II. Comentários
conduz à morte. dos textos bíblicos
1. I leitura: 2Mc 7,1-2.9-14
III. Pistas para reflexão 2Mc 7 narra a opressão durante o perí-
As leituras desta solene festa de Todos odo do império greco-helenista (séc. II a.c),
os Santos e Santas nos ajudam a contemplar no tempo da revolta dos Macabeus, e a re-
a beleza da santidade que se manifesta no sistência até a morte de uma mãe e seus
povo, no mundo, em todas as partes. As- sete filhos. O império grego dominava a
sim, desafiam-nos a viver a santidade na hu- Judeia e impunha sua cultura em detrimen-
manização das nossas relações (evangelho), to da cultura e da religião judaicas. Assim,
na purificação de tudo que nos conduz à obrigava os judeus a desobedecer às pres-
iniquidade (II leitura) e à não adequada crições presentes na Lei. Os judeus sabiam
relação com o outro (injustiça) e com Deus que, se cedessem aos gregos, perderiam
(idolatria), e convidam-nos a permanecer aquilo que mantinha o povo unido, ou seja,
fiéis mesmo diante da perseguição ou de re- sua identidade, suas tradições, sua cultura,
nº- 330

alidades que se opõem ao projeto de Deus (I sua religião. Enfim, a aliança que tinham
leitura). Somos também interpelados a nos estabelecido com o Deus de Israel. O texto

ano 60

questionar nessa festa: Como estou abra- escolhido para a liturgia é importante para
çando diariamente o caminho do evange- nós, cristãos, porque, pela primeira vez, no

lho? Como sou chamado/a a ser santo/a nas AT, aparece a fé na ressurreição. Portanto, o
Vida Pastoral

ocupações de cada dia? texto não objetiva apresentar a realidade

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Roteiros homiléticos

cruel e a frieza dos torturadores, mas reafir- Os saduceus apresentam o caso de uma
mar a convicção de que Deus é soberano e mulher que teve sete maridos, sem deixar
capaz de gerar vida, mesmo nesse contexto descendência. A pergunta que fazem é: “Na
de morte. ressurreição, ela será esposa de quem?”.
Percebe-se uma processualidade na tor- Essa questão tinha como finalidade deslegi-
tura e na confissão de fidelidade ao Deus de timar a crença na ressurreição dos mortos,
Israel e às tradições religiosas judaicas. O pri- visto que, para eles, a Lei do Levirato ace-
meiro filho torturado confessa a lealdade às nava a impossibilidade da ressurreição dos
leis referentes à alimentação, as quais eram mortos, sendo a vida continuada nos des-
um elemento fundamental para a formação cendentes. Outra possível interpretação
da identidade do povo (cf. 2Mc 7,1-2). Do baseia-se na crença de que a vida futura
segundo até o quarto, temos a profissão de fé seria semelhante à vida terrena, contendo,
na ressurreição do corpo, partindo da certeza porém, somente aspectos positivos. Jesus
de que Deus é o aliado do povo, é o Senhor responde a essa questão em duas etapas.
da vida e o Criador de todo o universo. Primeiramente, afirma que o Reino de
Deus, ou o mundo futuro, não segue os
2. Evangelho: Lc 20,27-38 moldes de nossa sociedade. Aqueles que
Este trecho de Lc 20 traz a controvérsia ressuscitarão serão como anjos, ou seja, te-
entre Jesus e os saduceus, um dos grupos re- rão seus olhos fixos no Deus da vida, pois
ligiosos presentes na Palestina daquele tem- poderão contemplar Aquele que dá a vida e
po. Os saduceus se consideravam descen- também viver em comunhão com os ir-
dentes de Sadoc (cf. Ez 44,15). Esse grupo, mãos e irmãs, como filhos e filhas amados
constituído pelo chefe dos sacerdotes (sumo pelo único Pai. Em segundo lugar, confir-
sacerdote), pelas famílias sacerdotais e pela ma a fé na ressurreição, baseando-se em Ex
aristocracia, detinha o poder político, religio- 3,6, um texto do Pentateuco que contém a
so, econômico e jurídico. Desse modo, tinha revelação de Deus a Moisés e a confirmação
poder sobre o Templo e sobre o sinédrio. de que ele é o Deus da vida. Assim, além de
Aceitava somente o Pentateuco e, por isso, provar a ressurreição e refutar a crença dos
não acreditava ser possível afirmar algo sobre saduceus, Jesus afirma que a preocupação
a ressurreição dos mortos, uma vez que não dos saduceus não deve ser promover a
via sinais dessa crença nos cinco primeiros morte, por meio de ações injustas e de um
livros da Bíblia, atribuídos a Moisés. culto desvinculado da vida, mas o verda-
Os saduceus, ao se aproximarem de Je- deiro culto a Deus é promover a vida ao
sus, interrogam-no baseando-se na Lei do redor, pois Deus não é o Deus dos mortos,
Levirato (lei do cunhado), descrita em Dt mas da vida, e vida em plenitude.
25,5-10. Essa lei prescreve que, “se alguém
tiver um irmão casado, e esse morrer sem 3. II leitura: 2Ts 2,16-3,5
filhos, o irmão deve casar-se com a viúva a A segunda carta aos Tessalonicenses é
fim de suscitar uma descendência para seu chamada deuteropaulina, ou seja, é atribuí-
nº- 330

irmão”. A Lei do Levirato fazia parte das leis da a Paulo, mas não foi escrita por ele. Pro-
de solidariedade familiar e tinha como obje- vavelmente foi escrita por um discípulo ou

ano 60

tivo garantir a sobrevivência da viúva, que, um líder da comunidade de Tessalônica que


dessa forma, teria direito à herança do mari- conheceu Paulo.

do falecido, dado que uma viúva sem filho Nessa carta, transparece um contexto
Vida Pastoral

não teria nenhum direito. hostil à fé (cf. v. 2). Nesse sentido, ela está

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em sintonia com a I leitura e com o evange-
lho, mas também apresenta a esperança na
fidelidade de Deus, que guarda a comuni- Discípulos e
dade de todo mal.
O texto escolhido para a liturgia con-
missionários
Reflexões teológico-pastorais sobre
tém vários temas. Ele se inicia com um uma a missão na cidade
súplica (cf. 2,16-17), em seguida apresenta
Dom Benedito Beni dos Santos
um pedido de oração (cf. 3,1-2) e conclui
com a confiança na fidelidade de Deus e
com uma bênção (cf. vv. 3-5). Apesar da
diversidade temática, podemos dizer que
todos os temas giram em torno da oração.
O autor inicialmente pede que Deus possa
animar a comunidade e confirmá-la em
“toda boa ação e palavra” (vv. 16-17). O au-
tor também pede que, na comunidade, uns
rezem pelos outros, para que possam conti-
nuar anunciando a palavra da salvação, não
obstante a perseguição e as tribulações,
uma vez que nem todos acolheram essa pa-
lavra. Ele apresenta ainda a necessidade de
96 págs.

que a Palavra seja não só rapidamente di-


fundida (cf. Sl 147,15), mas também aco-
lhida, para ser glorificada.
A articulação entre discipulado
Ao concluir, pede a Deus que continue e missão é a ideia central deste
guiando a comunidade pelo caminho da ca- livro, cujo título reproduz o tema
ridade até a vinda definitiva do Reino, no da 5ª Assembleia do Episcopado
fim dos tempos, e que os tessalonicenses Latino-Americano e do Caribe
(Aparecida, maio de 2007). O
possam sempre confiar no amor de Deus ponto de partida e de referência
manifestado por meio do seu Filho, Jesus. de todas as reflexões é o projeto
eclesiológico do Vaticano II,
que é seguido pela exposição
III. Pistas para reflexão dos fundamentos teológicos da
Esta liturgia aborda um tema funda- missão evangelizadora da Igreja
mental para a fé cristã – a ressurreição dos e a análise de alguns aspectos
Imagens meramente ilustrativas.

mortos – e nos revela um Deus sempre vivo práticos da missão.


e dos vivos, o Deus criador e comprometido
com a vida (I leitura e evangelho). O texto
da I leitura apresenta-nos a vitória da vida e
nos indica que a ressurreição não é um fato
nº- 330

apenas individual, mas também coletivo. Vendas: (11) 3789-4000


No evangelho, Lucas nos ajuda a compre- 0800-164011

ano 60

SAC: (11) 5087-3625


ender que a ressurreição dos mortos é um
evento que caracteriza o fim dos tempos, V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL

paulus.com.br
mas é também um critério, uma certeza que
Vida Pastoral

deve orientar nossas opções nas atividades

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Roteiros homiléticos

cotidianas na história. Portanto, somos II. Comentários


desafiados a ser testemunhas, na sociedade dos textos bíblicos
e no mundo, desse Deus que não é Deus 1. I leitura: Ml 3,19-20a
dos mortos, mas dos vivos (cf. Lc 20,38), e Malaquias é um profeta do pós-exílio
a continuar anunciando a palavra da salva- (séc. V a.C.), e a pergunta que perpassa o
ção (II leitura), para que seja conhecida, trecho escolhido para esta liturgia é: onde
amada, acolhida e testemunhada. está o Deus da justiça? Essa pergunta surge
da angústia daqueles que sofrem as injusti-
33º DOMINGO DO TEMPO COMUM ças e do aparente silêncio de Deus (cf. Sl
17 de novembro 73; Jr 12,1-2). Além de denunciar as injus-

“O Senhor julgará tiças, o profeta afirma que acusar o Senhor


de injusto é uma forma superficial de julgar

a terra com justiça”


(Sl 96)
os acontecimentos e a realidade. Esse com-
portamento, segundo o profeta, é desculpa
para não iniciar um processo de conversão
sincera, responsabilizando o Senhor pela
I. Introdução geral injustiça social e encobrindo as próprias
Neste 33º domingo do Tempo Comum, más ações. É nesse contexto que Malaquias
decretado dia mundial dos pobres pelo papa afirma que o tempo da paciência de Deus
Francisco (na carta apostólica intitulada Mise- terminou, e anuncia o “dia do Senhor”.
ricordia et misera, n. 21), a liturgia nos recorda Nesse dia, acontecerá um julgamento puri-
que “a pobreza está no âmago do evangelho” ficador e salvador, no qual a justiça triunfa-
e que é necessário tomarmos consciência de rá e a impunidade e a injustiça serão des-
que não pode haver justiça nem paz social truídas. Com efeito, aqueles que buscam a
numa realidade em que prevalece a injustiça. justiça serão retribuídos com a salvação e
os ímpios serão aniquilados. O profeta es-
Assim, o dia mundial dos pobres pre- colhe imagens fortes para expressar a inter-
tende ser uma pequena resposta, dirigi- venção divina e a transformação da socie-
da pela Igreja inteira espalhada por todo dade. Por exemplo, o fogo abrasador, que
o mundo, aos pobres de todo gênero e nos remete aos eventos teofânicos, ou seja,
de todo lugar, para que não pensem que da manifestação de Deus (cf. Ex 19,16-
o seu clamor tenha caído no vazio. Pro- 20,22; Dt 4,1-20).
vavelmente, é como uma gota de água Além da injustiça, Malaquias denuncia
no deserto da pobreza; contudo, pode o culto desvinculado da vida, o uso do Tem-
ser um sinal de partilha para quantos plo para explorar as pessoas, e exorta a co-
passam necessidade, a fim de sentirem a munidade a prestar verdadeiro culto a Deus,
presença ativa de um irmão e de uma que consiste em uma vida marcada pela ob-
irmã (papa Francisco, Mensagem para o servância dos mandamentos. Desse modo,
dia mundial dos pobres – 2018). esse texto não deseja provocar medo, mas é
nº- 330

um apelo à conversão, à fidelidade à aliança


Nesse sentido, o dia mundial dos pobres estabelecida com Deus.

ano 60

não deve ser marcado somente por uma aju-


da momentânea ou por ações assistencialis- 2. Evangelho: Lc 21,5-19

tas, mas como um dia que faz memória da O texto de Lc 21,5-19 é um trecho do
Vida Pastoral

nossa opção fundamental pelo pobre. chamado discurso escatológico no evangelho

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lucano (cf. Lc 21,5-38). Trata-se dos even- firmes e perseverantes no seguimento de Je-
tos que antecedem o fim dos tempos, o fim sus. Tal promessa pode ser interpretada no
do mundo. Por isso, é marcado pela lingua- sentido escatológico, como recompensa
gem e por elementos da chamada apocalíp- prometida aos justos ou aos mártires – a sa-
tica judaica e objetiva manter a esperança ber, a ressurreição dos mortos –, ou pode
das comunidades cristãs que vinham sendo ser entendida como a vida cristã, que é a
perseguidas pelo império romano por se- participação no mistério pascal de Cristo.
guirem o Messias Jesus. Essa passagem foi Assim, os batizados terão o mesmo destino
escolhida para esta liturgia porque estamos de Jesus, dado que segui-lo não os isenta
no final do ano litúrgico, tempo em que so- das dificuldades e do sofrimento, porém
mos convidados a avaliar nossa caminhada carregam a certeza de que o Reinado de
antes da grande festa de Cristo Rei do Uni- Deus já se faz presente em seu meio.
verso. Esse “dia do Senhor”, anunciado
pelo evangelista Lucas, é um dia de alegria, 3. II leitura: 2Ts 3,7-12
de plenitude e de libertação. Isso porque os Como sabemos, a segunda carta aos
cristãos provam seu compromisso com a Tessalonicenses foi escrita por um discípu-
justiça e com o Reino de Deus, e depositam lo de Paulo, apesar de ser atribuída a esse
sua confiança no Deus da vida, e não em apóstolo, e traz um tema que Paulo aborda
aparentes seguranças anunciadas pelos fal- na primeira carta aos Tessalonicenses: o tra-
sos profetas. balho. Tal tema é característico dessa co-
O texto se inicia afirmando que o povo munidade, pois reflete um conflito presen-
não deve depositar sua segurança na beleza te em seu interior. Esse conflito surgiu
do Templo e nas ofertas. Essas priorizam o quando alguns membros da comunidade
exterior, enquanto o importante é o culto abandonaram suas atividades após ouvi-
que expressa uma vivência coerente com a rem falar sobre a vinda imediata do Senhor,
vontade de Deus. Os discípulos não devem chegando a ponto de viverem à custa dos
se iludir, pois, da mesma forma que Jesus outros e incomodarem a comunidade com
foi perseguido, eles também o serão (cf. v. argumentos banais que, provavelmente,
12). O contexto de guerra, perseguição, so- justificavam sua opção. Por isso, o autor
frimento é a realidade das comunidades, afirma: “Ouvimos dizer que entre vós há
que vivenciaram a Guerra Judaica (67 a 70 alguns que vivem à toa, muito ocupados
d.C.) e suas consequências (cf. vv. 7-11). em não fazer nada” (v. 11).
Nesse contexto, surge a pergunta: vale a Não obstante, é importante ressaltar
pena seguir Jesus de Nazaré? O evangelista que o trabalho, na sociedade greco-roma-
afirma que é necessário não desanimar, e ter na, era visto como algo desprezível, consti-
a convicção e a consciência de que é justa- tuindo uma tarefa própria dos escravos, e
mente nesse momento de grande sofrimen- não do homem livre. O autor apresenta
to que os discípulos são convidados a pro- Paulo como modelo de trabalhador e de
fessar sua fé em Jesus crucificado e ressusci- apóstolo. Afirma-se, assim, que o trabalho
nº- 330

tado (cf. v. 13). Portanto, é necessário con- manual não é algo desprezível e que, por
fiar na ação de Deus em sua vida, mesmo meio de um trabalho justo, é possível ter

ano 60

diante do conflito e da morte, pois é perma- acesso aos bens. Desse modo, os fiéis de-
necendo firmes que ganharão a vida (cf. v. vem ganhar o próprio sustento e não se

17). Essa exortação final é uma promessa aproveitar da solidariedade dos irmãos da
Vida Pastoral

dada àqueles e àquelas que permanecem comunidade. Ao mesmo tempo, o texto

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Roteiros homiléticos

confirma que a espera pela vinda do Senhor des sociais e incentivar as mesas fraternas,
deve ser ativa, marcada pela caridade, pela ou outras atividades concretas relacionadas
justiça, pois a vinda esperada, o fim dos às políticas públicas (cf. CNBB. Manual da
tempos, a parusia, será a plenificação da co- CF-2019: Fraternidade e Políticas Públicas.
munhão já vivida entre os membros da co- Brasília: CNBB, 2018. n. 254 a 261).
munidade e com os outros irmãos e irmãs.
CRISTO, REI DO UNIVERSO
III. Pistas para reflexão 24 de novembro
As leituras e a celebração do dia mun-
dial dos pobres nos oferecem várias dicas “Senhor, lembra-te
para reflexão. A I leitura nos chama a aten-
ção para a tentação de desvincularmos o de mim, quando
culto da vida, de acusarmos Deus pela in-
justiça e não assumirmos nosso compro- entrares em teu
misso com a justiça social, não ouvindo os
apelos à conversão. Outra tentação é desa-
nimarmos e, diante das exigências da ética
reinado” (Lc 23,42)

cristã, perguntarmos se vale ou não a pena I. Introdução geral


seguir Jesus de Nazaré. Hoje celebramos a solenidade de Cristo
Uma realidade que também deve nos in- Rei do Universo e o último domingo do ano
terpelar, ao ouvirmos as leituras deste dia, é litúrgico. A I leitura nos narra a unificação
a do trabalho. Não estamos no mesmo con- do Reino de Israel por meio de Davi, e as
texto da segunda carta aos Tessalonicenses, características do líder que cumpre a vonta-
mas é necessário refletirmos sobre essa reali- de de Deus. No evangelho, contemplamos a
dade neste dia mundial dos pobres. A explo- realeza de Cristo, a qual se revela na fideli-
ração no trabalho é uma das denúncias fre- dade de Jesus ao Reino do Pai e na sua total
quentemente presentes nos discursos do doação na cruz. Sua realeza unifica toda a
papa Francisco. Para o papa, essa exploração humanidade, alcançando a salvação para
é uma das causas da desigualdade e da ex- todos. Essa unidade é sintetizada no hino
clusão social. Assim, surge a necessidade de cristológico de Cl 1,12-20, ao apresentar
refletirmos sobre o trabalho e, também, so- Cristo como o princípio unificador da cria-
bre a solidariedade. Para tanto, é importante ção, como o reconciliador, como o Senhor
recordar as propostas de atividades da Cári- da Igreja; enfim, como a plenitude da reve-
tas Brasileira, elencadas no Manual da Cam- lação e da soberania de Deus.
panha da Fraternidade de 2019, para cele-
brar o dia mundial dos pobres, que pode- II. Comentários
mos sintetizar nas seguintes: promover as dos textos bíblicos
ruas solidárias (como mutirão de cidadania, 1. I leitura: 2Sm 5,1-3
arrecadação de alimentos e outras iniciati- Depois da morte de Saul, Davi é ungido
nº- 330

vas); visitar e criar atividades em orfanatos, rei sobre Judá (Reino do Sul), residindo em
abrigos, asilos, presídios, hospitais; criar e Hebron (cf. 2Sm 2,1-4). O texto escolhido

ano 60

realizar círculos bíblicos sobre o tema do tra- para a liturgia deste domingo, 2Sm 5,1-3,
balho e questões sociais; rezar pelos empo- narra a unção de Davi como rei e o reconhe-

brecidos; promover rodas de reflexão sobre cimento de seu reinado sobre as tribos de
Vida Pastoral

questões sociais relacionadas às desigualda- Israel (Reino do Norte). Esse é um dos

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acontecimentos fundamentais da história dos e o diálogo de Jesus com os malfeitores
de Israel, pois, com essa unção, temos o crucificados com ele (vv. 39-43). Em Lc
cumprimento da promessa da unificação de 23,35, o autor apresenta os chefes, que,
todo o povo (cf. 1Sm 16,1.13). apesar de reconhecerem o poder de Jesus
O texto se inicia dizendo que o povo do como taumaturgo (“a outros salvou”, v. 35),
Reino do Norte se apresentou a Davi para ex- zombam dele, por não compreenderem o
pressar o desejo de se unir a ele. No diálogo verdadeiro sentido de suas ações salvíficas e
entre as tribos de Israel e Davi, são delineadas sua fidelidade ao projeto do Pai, a qual se
as características fundamentais do verdadei- manifesta justamente na opção por não sal-
ro líder. A primeira característica consiste em var a si mesmo.
saber liderar o povo e ajudá-lo a libertar-se de Os soldados também caçoam de Jesus,
seus sofrimentos ou de alguma situação de sobretudo do seu título de rei e do seu mes-
opressão. Nesse sentido, o rei é aquele que sianismo, por entenderem como rei e Mes-
julga com justiça (cf. Ez 34,17.20.22) e luta sias aquele que tem poder de realizar ações
pelos anseios do povo. O segundo aspecto em benefício de si mesmo, para satisfazer os
presente no texto é que o rei deve apascentar. próprios interesses. Esse modo de pensar é
O verbo “apascentar”, “pastorear”, e o subs- diferente do conceito e da postura de rei,
tantivo “pastor” são carregados de significa- adotados por Jesus. O verdadeiro Messias,
dos no Antigo Testamento. Esse verbo geral- rei de Israel, entende-se como aquele que
mente é utilizado para designar os dirigentes entrega a vida em favor das pessoas. Este é o
do povo, o rei ideal (cf. Jr 23,18), o futuro rei verdadeiro significado da festa que recorda-
messiânico (cf. Sl 78; Ez 37,24) ou o próprio mos nesta liturgia: Cristo Rei do Universo é
Deus (cf. Sl 23,1; Is 40,11; Jr 31,9). Também aquele que doa a vida e, com sua vida doa-
é utilizado em Ez 34 para denunciar os falsos da, unifica toda a humanidade.
pastores. A primeira característica do pastor, Após a reação dos chefes e dos solda-
na literatura bíblica, é “guiar”, “conduzir” o dos, temos o diálogo com os malfeitores
povo ao bom caminho (cf. Eclo 18,13), para que sofrem a mesma condenação de Jesus,
que possa suprir suas necessidades. Nessa a crucificação. O primeiro malfeitor repete
perspectiva, temos a segunda função do o escárnio dos chefes, pondo em dúvida o
“pastor” ou do líder, que é prover o necessá- messianismo de Jesus. O segundo inicia
rio para a vida do rebanho (cf. Sl 23; Is 14,30; sua fala apresentando a necessidade de te-
49,9-10; Sf 3,13) e reuni-lo. Isso indica que mer a Deus e compreender a manifestação
não somente Deus provê e reúne, mas divina naquele que está sendo crucificado
também os dirigentes, a fim de cuidar do seu com eles, pois este é o verdadeiro enviado
rebanho. Portanto, o rei é aquele que não só de Deus, o seu Filho, o Messias. Nesse diá-
se preocupa com a realidade do povo (cf. Ez logo, o segundo malfeitor declara a inocên-
34) – tendo, porém, a consciência de que o cia de Jesus e reconhece sua realeza, des-
povo não lhe pertence (cf. v. 2b), mas per- prezada pelos chefes e soldados. Trata-se de
tence a Deus –, como também sabe delegar, realeza que não segue os moldes dos gran-
nº- 330

partilhando seu poder com as outras lideran- des impérios – os quais massacram o povo
ças (cf. v. 3). para fazer prevalecer os próprios interesses

ano 60

–, mas se revela na salvação da humanida-


2. Evangelho: Lc 23,35-43 de. Essa salvação não consiste numa inter-

Em Lc 23,35-43 há a narrativa da cru- venção espetacular, mas na manifestação de


Vida Pastoral

cificação, a reação dos chefes e dos solda- poder mediante a total doação da própria

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Roteiros homiléticos

vida, na entrega em favor dos irmãos. É sus assumiu a condição humana. Eles tam-
com base nessa compreensão que o segun- bém acreditavam que os anjos e as forças
do malfeitor professa a fé na ressurreição e cósmicas tinham um papel fundamental no
no triunfo do Reinado de Deus, ao pedir destino das pessoas. Por isso, era necessário
que Jesus se recorde dele quando entrar no realizar várias práticas religiosas, como a ob-
seu Reinado. É também o momento de rea- servância das leis relativas aos alimentos, je-
firmar a fidelidade de Deus em cumprir as jum, práticas ascéticas, para garantir a bene-
promessas e manter a aliança estabelecida volência desses seres considerados celestes.
com o povo (cf. Lc 1,72). Tal malfeitor es- O hino descrito em Cl 1,12-20 prova-
perava uma salvação futura, no fim dos velmente provém da liturgia batismal. No
tempos, mas Jesus lhe garante que a salva- contexto da comunidade de Colossas, ele
ção já está presente. Desse modo, o chama- ilumina o cristão e o ajuda a se orientar em
do “bom ladrão” se apresenta como o pro- direção ao Reinado de Deus, do qual é par-
tótipo daquele que percebe que, com Jesus, ticipante por meio do batismo.
se inaugura a manifestação do Reinado, da Podemos dividir o hino em três partes.
soberania de Deus. Por isso, o estar com A primeira apresenta Cristo como a imagem
Jesus “hoje no paraíso” não pode ser inter- de Deus e como o primogênito da criação
pretado como algo futuro, como a ressur- (cf. vv. 15-16). Desse modo, Cristo Jesus é o
reição no fim dos tempos, mas o paraíso é princípio unificador da realidade cósmica
o reconhecimento do Reino inaugurado na com a humana. É ele que unifica toda a
encarnação de Jesus (cf. Lc 2,22), no seu obra de Deus, pois é o mediador da criação,
ministério público, por meio de suas pala- o reconciliador e salvador. O autor, portan-
vras e gestos (cf. Lc 4,21). O paraíso signi- to, afirma que Cristo é a plenitude do divi-
fica, portanto, essa comunhão com o proje- no e do humano, e todos os chamados seres
to de Cristo (“estarás comigo”, v. 43). O intermediários entre Deus e a humanidade
texto também reafirma que a salvação é (tronos, dominações, soberanias, poderes,
dada a todos, basta acolhê-la. anjos) submetem-se ao seu poder. Assim, a
Ao concluir, podemos dizer que o se- salvação é obtida por meio da fé em Jesus
gundo malfeitor declara a vitória sobre a Cristo, pois ele é o centro da criação, o fun-
morte, pois, ao contemplar Jesus crucifica- damento da história da salvação, a revelação
do, professa a fé no triunfo da vida e na so- do Deus invisível, o primogênito da criação.
berania divina. A segunda parte confirma a soberania de
Cristo sobre todas as criaturas (cf. vv. 17-
3. II leitura: Cl 1,12-20 18a). Também indica que ele é o Senhor da
A carta aos Colossenses foi escrita por Igreja e esta se encontra sob sua autoridade.
algum discípulo de Paulo, sendo considera- Na terceira parte, o autor declara que Cristo
da, portanto, deuteropaulina. Colossas era é o primogênito dos mortos, pois foi o pri-
uma pequena cidade na Ásia Menor. Na co- meiro a ressuscitar e é o fundamento da res-
munidade, formada praticamente por pes- surreição. Enfim, Cristo é o lugar no qual a
nº- 330

soas provenientes das religiões pagãs e da plenitude de Deus se manifesta, é a plenitu-


cultura judaica, prosperavam algumas con- de da revelação divina e o princípio vital

ano 60

cepções não condizentes com o seguimento que gera a vida nova entre os cristãos. As-
de Jesus. Uma delas é que Jesus seria inferior sim, a vida e o destino dos cristãos depen-

aos anjos, pois os anjos sempre permanece- dem da fé em Jesus Cristo, o Filho de Deus
Vida Pastoral

ram diante do trono de Deus, enquanto Je- encarnado, o Ressuscitado, o Messias.

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III. Pistas para reflexão
Ao celebrar Cristo Rei do Universo, so-
mos convidados a contemplar a realeza de Por uma Igreja
Jesus narrada pelo evangelista Lucas, deixar-
-nos afetar pela forma surpreendente com
do Reino
Novas práticas para reconduzir o
que Deus mostra seu poder e ver o que essa cristianismo ao essencial
revelação da majestade divina sugere ao nos-
Adriano Sella
so modo de viver como cristãos. Outros te-
mas que perpassam as leituras, além da so-
berania e da majestade de Deus, são a unifi-
cação dos povos (I leitura), a reconciliação
(II leitura), a experiência da misericórdia de
Deus ao contemplar Jesus crucificado e a fi-
delidade de Jesus ao projeto do Pai (evange-
lho). Isso nos aponta uma das características
fundamentais do Reinado de Deus: a comu-
nhão e a certeza da vitória da vida. Conside-
rando as várias reações das pessoas diante de
Jesus crucificado, também podemos nos
questionar: qual é minha concepção da rea-
leza de Jesus? Assemelha-se à dos chefes e
240 págs.

dos soldados – ou seja, aquela que se expres-


sa no “salvar a si mesmo” – ou é análoga
àquela manifestada na prática de Jesus,
“Menos mestres, mais testemunhas;
como expressão da fidelidade ao projeto do menos livros religiosos, mais
Pai? Na solenidade de Cristo Rei, o que sig- Bíblia.” Eis algumas pistas que
nifica testemunhar o Reinado de Deus, que o autor deste livro sugere, com
se manifesta na comunhão e na reconcilia- a preocupação de promover no
interior da Igreja a renovação que
ção? Jesus Cristo é o Senhor da minha vida e muitos invocam. Das reflexões
da vida da minha comunidade? aqui presentes, nasceu um percurso
em que o leitor, passo a passo,
é colocado diante da realidade
1º DOMINGO DO ADVENTO
eclesial de hoje, sentindo-se
1º de dezembro estimulado a dar sua contribuição

“Ficai atentos, para a renovação da mensagem.


Imagens meramente ilustrativas.

porque não sabeis


em que dia virá o
nº- 330

Senhor”
Vendas: (11) 3789-4000
(Mt 24,42) 0800-164011

ano 60

SAC: (11) 5087-3625

I. Introdução geral V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL


paulus.com.br
No primeiro domingo do Advento (Ano
Vida Pastoral

A), as leituras nos convidam a depositar

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Roteiros homiléticos

toda a nossa confiança e esperança no Se- mentos para cultivar a terra e torná-la fe-
nhor. O profeta Isaías anuncia a peregrina- cunda, plena de vida. Ele transformará as
ção de todas as nações para Sião, a fim de relações entre os povos e fará prevalecer a
serem conduzidas por Deus pelo caminho justiça, a paz, o desarmamento, o bem-estar
da justiça e da paz. O salmista canta a ale- de todos, a vida digna para todos.
gria do povo por ir à casa do Senhor, pois
somente Ele é capaz de nos conceder a sal- 2. II leitura: Rm 13,11-14a
vação. As outras duas leituras (II leitura e O texto de Romanos está inserido nas
evangelho) mostram-nos a imprevisibilida- exortações descritas nos capítulos 12 e 13 e
de da vinda de Jesus e da salvação definiti- tem como finalidade explicitar a motivação
va. O “quando” está reservado a Deus Pai, a cristã da obediência. Desse modo, Paulo
nós é solicitada uma espera vigilante. Por ressalta a seriedade do tempo que o cristão
isso, Paulo nos convida a ficar despertos, e a cristã experimentam, pois é o tempo fa-
pois precisamos estar preparados para esse vorável, anunciado pelos profetas. De fato, a
encontro definitivo com o Filho do homem, salvação anunciada tornou-se realidade na
despojando-nos de tudo que nos afasta de adesão a Jesus por meio da fé e do batismo,
Deus (a idolatria e a injustiça) e sendo ver- ao qual o apóstolo se refere ao falar de “re-
dadeiramente filhos da luz. vestir-se de Cristo” (v. 14a). Assim, todo agir
cristão deve ser perpassado por essa experi-
II. Comentários ência batismal, pela experiência de segui-
dos textos bíblicos mento de Jesus Cristo e pela decisão de se
1. I leitura: Is 2,1-5 deixar guiar pelo Espírito.
O profeta Isaías (o Primeiro Isaías) pro- Paulo convida os cristãos a despertar,
vavelmente atuou entre os anos 731 e 701 tendo como motivação a proximidade da
a.C. no Reino de Judá. Nesse período, Judá salvação. Assim, o apóstolo indica a necessi-
passava por grande crise política, econômi- dade de ler o presente à luz da experiência
ca e social (cf. Is 1-39). Essa crise foi gerada batismal e de assumir nova vivência ética
pela proliferação da injustiça, pela desones- (“vistamos as armas da luz”, v. 12). As ações
tidade de suas lideranças, pela opressão por ligadas às trevas são aquelas presentes nos
meio dos impostos e da exploração do tra- cultos considerados idolátricos (bebedeiras,
balho, pelo culto desvinculado da vida e orgias sexuais), mas também a prática da in-
pelas alianças firmadas com as grandes po- justiça (imoralidades, brigas e rivalidades).
tências, afastando-se da aliança realizada Por conseguinte, o cristão é chamado a
com o Senhor. cumprir aquilo que é anunciado no texto de
O texto da liturgia é extraído do início Is 2,1-5: transformar as armas de guerra em
do livro do profeta Isaías. O v. 2 insiste so- armas de luz, o que significa humanizar as
bre a questão do tempo, um tempo favorá- relações em todos os níveis.
vel no qual todos os povos peregrinarão ao
monte Sião – onde foi construído o Templo 3. Evangelho: Mt 24,37-44
nº- 330

de Jerusalém –, não para participarem do O texto do evangelho é um trecho do


culto religioso de Israel, mas para serem chamado discurso escatológico. Os discur-

ano 60

guiados por Deus pelos caminhos da justiça sos escatológicos presentes em Mt 24-25
e conhecerem seus preceitos. Ele será o juiz tratam de dois temas: 1) a destruição do

que, tendo como função estabelecer a paz, Templo e de Jerusalém; 2) a vinda do Filho
Vida Pastoral

transformará as armas de guerra em instru- do homem e a necessária vigilância, pois

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desconhecemos quando esse evento irá como motivação a comemoração do ani-
acontecer. A linguagem apocalíptica, pre- versário de morte de São Jerônimo (1.600
sente no texto, é utilizada em contextos di- anos). Jerônimo foi o tradutor dos textos
fíceis, como é o do Evangelho segundo Ma- bíblicos em grego, aramaico e hebraico
teus, escrito por volta do ano 85 d.C., após para o latim, trabalho que deu origem à
a Guerra Judaica e a destruição de Jerusa- chamada Vulgata. O cardeal Luis Antonio
lém e do Templo, sendo um tempo marca- G. Tagle, responsável pela Febic, ao repetir
do por conflitos entre os judeus e os segui- as palavras do papa Francisco, diz: “Espe-
dores de Jesus Cristo. ramos que, nesse ano dedicado à Palavra de
A passagem escolhida para a liturgia Deus, possamos renovar nossos esforços
inicia-se mencionando a imprevisibilidade em torno da Palavra de Deus, centro da
da vinda do Filho do homem, ao compará- vida e da missão da Igreja (EG 174)”. Por-
-la com a situação no tempo de Noé, dado tanto, que possamos promover iniciativas
que ninguém esperava pelo dilúvio, somen- para que a Sagrada Escritura seja a fonte
te o patriarca justo (cf. Gn 6,9; 7,1). Por ser da evangelização e possa ser ouvida, vivi-
uma vinda imprevisível, o evangelista res- da, celebrada e testemunhada.
salta a importância da vigilância, pois não Ao iniciar novo ano litúrgico, somos
sabemos quando será o dia ou a hora. Essa convocados para a vigilância. Diante das lei-
data está nas mãos do Pai, porém temos a turas, podemos nos perguntar: qual é nossa
certeza de que o “Filho do homem” virá. peregrinação? Qual desejo nos faz mover?
As imagens do dono da casa e do ladrão Somos movidos para qual meta? Verdadei-
(cf. vv. 43-44) reforçam o tema da vigilância ramente procuramos trilhar os caminhos do
e da imprevisibilidade. Assim, a comunida- Senhor? O que produz trevas ou luz em
de cristã é chamada a estar sempre atenta e nossa vida? Quais sombras nos impedem de
pronta para acolher esse momento definiti- caminhar e quais luzes nos guiam? Na co-
vo. Provavelmente, a intenção desses dis- munidade, na família, nas atividades coti-
cursos é ajudar as comunidades cristãs a dianas, somos testemunhas da luz, que é o
avaliar a realidade de conflitos que está vi- próprio Cristo? Quais atividades nossa co-
vendo, a animá-las para não desistirem do munidade assumirá para celebrar o Ano da
projeto de Deus e continuarem testemu- Palavra de Deus e a celebração de aniversá-
nhando a opção pelo Reino dos Céus. Por- rio de morte de São Jerônimo?
tanto, mira-se o objetivo de sustentar a es-
perança cristã, alimentar a fé na vinda defi- 3º DOMINGO DO ADVENTO
nitiva do “Filho do homem” e reforçar a 15 de dezembro
necessidade de constante discernimento e
conversão, tendo sempre presente, mesmo “Criai ânimo,
nas atividades cotidianas, o compromisso
com a construção do Reinado de Deus.

não tenhais medo!”
(Is 35,4)
nº- 330

III. Pistas para reflexão


A Federação Bíblica Católica Interna- I. Introdução geral

ano 60

cional (Febic) nos convida a celebrar o Ano “Alegre-se a terra que era deserta e in-
da Palavra de Deus, com início neste pri- transitável, exulte a solidão”: essa é a

meiro domingo do Advento e com término mensagem de esperança que ecoa neste
Vida Pastoral

no dia 30 de setembro de 2020, tendo terceiro domingo do Advento (I leitura),

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Roteiros homiléticos

o domingo da alegria. Alegria que nasce A majestade divina é manifestada nas


da certeza de que o próprio Deus nos sal- ações salvíficas de Deus, principalmente
vará, da percepção dos sinais do Reinado contra os adversários de Israel, conforme é
de Deus nos gestos libertadores de Jesus e expresso no v. 4. Por isso, o povo é exorta-
no anúncio da Boa-Nova aos pobres do a “criar ânimo” e a “não temer”. É con-
(evangelho). Alegria que é sustentada pela vidado a confiar na presença, proteção e
certeza da vinda do Senhor. Para vivermos ação salvífica de Deus, o aliado do povo,
este tempo novo do Reino e da graça, so- sobretudo das pessoas mais vulneráveis
mos convidados também a exercitar a au- (cf. vv. 5-6).
dácia profética de João Batista (evange-
lho), buscando discernir os sinais divinos 2. Evangelho: Mt 11,2-11
mesmo em meio aos conflitos, cultivar a Mateus 11 pertence ao bloco das narra-
comunhão e viver a alegria de experimen- tivas que têm como tema a rejeição do mes-
tar o grande amor de Deus, que sempre sianismo de Jesus. Percebe-se uma afinida-
nos exorta a criar ânimo e não ter medo. de entre a I leitura e o evangelho. Na I leitu-
ra, o profeta anuncia a promessa de uma
II. Comentários transformação na natureza e da manifesta-
dos textos bíblicos ção da salvação de Deus, sobretudo aos
1. I leitura: Is 35,1-6a.10 mais vulneráveis. No evangelho, essa pro-
O texto de Is 35 faz parte do primeiro messa se cumpre em Jesus Cristo, o verda-
livro de Isaías (1-39), porém tem grande afi- deiro Messias enviado por Deus. Outro
nidade com o Dêutero-Isaías (40-55). A ale- tema retomado no elogio de Jesus a João
gria por causa da salvação realizada por Batista é o ser profeta.
Deus é o tema central dessa passagem. O O evangelista enfatiza a dúvida de João
autor convida os exilados, que estão desani- Batista sobre a identidade de Jesus, ao mos-
mados e sem esperança, a confiar no Senhor, trar o profeta enviando discípulos para ob-
pois ele intervirá e a terra será transformada, ter uma confirmação, dado que estava preso
gerando a alegria em toda a criação. Essa sal- e sua descrição do Messias era conforme as
vação não se restringe à libertação do exílio expectativas apocalípticas. Jesus não res-
na Babilônia, mas envolve a participação na ponde simplesmente à pergunta que lhe foi
nova criação realizada por Deus e a liberta- feita, mas elucida os sinais da manifestação
ção de tudo aquilo que oprime as pessoas. do Reino de Deus, retratado em seu minis-
Os verbos utilizados para expressar a alegria tério misericordioso e dirigido aos margina-
(cf. v. 10) são típicos dos anúncios de salva- lizados. Tais sinais se evidenciam ao libertar
ção. De fato, essa salvação é anunciada nos as pessoas das suas enfermidades, dos seus
versículos anteriores. O primeiro verbo, males, ao restaurar a vida e anunciar a Boa-
“cantar os louvores” (v. 10), é próprio do -Nova da libertação aos pobres. Essa res-
contexto cultual. Tal expressão geralmente posta também indica que acreditar no Mes-
remete à alegria pelo retorno do exílio e tem, sias não consiste em saber quem ele é ou ter
nº- 330

como contexto, a confirmação da soberania um conhecimento intelectual sobre Jesus,


divina; ao mesmo tempo, cria a expectativa mas em contemplar a manifestação do Rei-

ano 60

pela imediata irrupção do reinado universal nado de Deus entre os mais pobres. Desse
de Deus, como podemos perceber em todo modo, as palavras e gestos de Jesus atestam

esse trecho de Is 35, no qual se fala da ma- sua identidade e sinalizam o cumprimento
Vida Pastoral

jestade e da glória divina (cf. v. 2). da justiça de Deus, a qual se expressa na

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benevolência, na misericórdia e na compai- ções entram em contraste com a imagem de
xão do Messias para com os marginalizados, Herodes Antipas, que tenta abafar a profe-
os pobres, os aflitos, os sem vida. É a mani- cia de João, assassinando-o.
festação das bem-aventuranças. Em conclusão, Jesus diz que João Batista
Jesus termina seu discurso proclaman- é mais do que um profeta, por ser escolhido
do uma bem-aventurança: “Feliz aquele por Deus para realizar sua vontade – prepa-
que não se escandaliza por causa de mim”. rar os caminhos para a vinda do verdadeiro
Quem é esse? É aquele que se abre à mani- Messias (cf. Ml 3,1 e Ex 23,20). E é também
festação do Reino de Deus em Jesus Cristo. o maior dos homens, porque soube ser o
Feliz é aquele que não se escandaliza nem menor, estar a serviço, doar a vida e realizar
tenta fazer que o Reino de Deus seja molda- a missão dada por Deus. Assim, João Batista
do segundo seus interesses e critérios ou se preparou o caminho para a epifania da obra
ajuste às expectativas messiânicas triunfalis- salvífica de Deus, a qual se manifestou por
tas, mas está disposto a acolher o projeto do meio dos gestos libertadores de Jesus.
Pai, que nos surpreende, nos desacomoda,
pois não segue os critérios humanos. 3. II leitura: Tg 5,7-10
Os discípulos de João partem para in- A carta de Tiago, presente no Novo Tes-
formá-lo sobre a identidade de Jesus, o tamento, faz parte das “cartas católicas”,
qual, agora, passa a desvelar a identidade chamadas assim por conterem uma mensa-
do Batista diante das multidões (cf. vv. gem para todos. O autor da carta exorta os
7-10), pois compreender a identidade e a batizados a assumir certas atitudes antes da
missão desse profeta significa entender a vinda do Senhor. A primeira é a espera pa-
identidade e a missão de Jesus. Nesse dis- ciente, confiando na ação de Deus. Essa es-
curso, Jesus afirma que a missão de João pera não é passiva, mas consiste numa fide-
Batista é preparar o caminho para a vinda lidade ativa. Para ilustrar, o autor se serve da
do Messias. As perguntas e imagens empre- imagem do agricultor. O agricultor faz sua
gadas por Jesus para descrever a identidade parte, dá sua contribuição; sabe, porém,
de João Batista (“Que saístes para ver no que quem faz crescer a semente e nascer o
deserto? Um caniço agitado pelo vento? fruto é o próprio Deus. Outra mensagem
[...] Alguém vestido em roupas finas?”) re- que podemos tirar da imagem agrícola utili-
metem-nos ao início do Evangelho segun- zada pelo redator é que Deus não abandona
do Mateus, que apresenta as pessoas indo seu povo nos momentos de maior dificul-
para o deserto a fim de ouvir a exortação de dade; julgará com justiça e dará ao seu povo
João. Ele pregava a necessidade do arrepen- o que é necessário para viver (chuvas de ou-
dimento para acolher a vinda do Messias, tono ou de primavera – cf. Dt 11,14; Jr
indicando que essa preparação já testemu- 5,24; Jl 2,23), mas é importante este ter pa-
nhava que o Reino vindouro não se ade- ciência e ouvir os sinais dos tempos, para
quava às expectativas da sociedade daquele poder julgar com sabedoria.
tempo. De fato, a postura profética de João A segunda atitude é ter os corações for-
nº- 330

acenava para um Reino voltado para os po- talecidos, isto é, saber discernir, decidir
bres, marcado pela presença misericordiosa com prudência e ser perseverantes no ca-

ano 60

de Deus e anunciado por alguém que tinha minho assumido, mesmo diante dos confli-
convicção e autoridade, porque realmente tos e do sofrimento. A expressão “a vinda

vivia aquilo que anunciava e não era um do Senhor está próxima” (v. 8) pode ser in-
Vida Pastoral

“caniço agitado pelo vento”. Essas descri- terpretada como a vinda do Senhor no fim

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Roteiros homiléticos

dos tempos, na parusia, mas também como encarnação até sua ascensão (II leitura). O
a intervenção de Deus na história, tal como evangelho faz uma releitura cristológica de
anunciavam os profetas e se manifestou na Is 7,14 (I leitura) para confirmar que Jesus
vida de Jesus Cristo (cf. Am 1,2-2,16; 3,1- cumpre as promessas anunciadas pelos
8; Ml 3,1; Is 35,4). profetas. Nele deparamos com a docilidade
A terceira atitude incentivada pelo autor de José, que acolhe o projeto de Deus, e
da carta é a comunhão e o viver com alegria, somos informados sobre a missão de Jesus:
ajudando o outro em sua caminhada, não “salvar seu povo de seu pecado” e ser a re-
julgando, pois o julgar pertence a Deus, o velação da presença constante de Deus em
justo juiz. Por fim, exorta-se o/a batizado/a nosso meio (Emanuel).
a ter audácia profética e ser mensageiro/a da
ação salvífica de Deus. II. Comentários
dos textos bíblicos
III. Pistas para reflexão 1. I leitura: Is 7,10-14
A liturgia deste terceiro domingo do Ad- Esse oráculo situa-se em torno do ano
vento nos impele a nos alegrarmos e a não 734 a.C., no reinado de Acaz. Nesse perío-
ter medo diante das dificuldades, pois a vin- do, o rei de Israel (Reino do Norte) uniu-se
da salvadora de Deus transforma todo o ao rei de Aram para tomar Jerusalém, que
universo, liberta o povo do cativeiro e se pertencia ao Reino do Sul. Essa guerra foi
manifesta na ação libertadora de Jesus. chamada Siro-Efraimita. A provável tomada
Além de acolhermos o convite à alegria pela de Jerusalém trazia consequências não so-
imensa manifestação da bondade e da ter- mente políticas e sociais, mas sobretudo re-
nura de Deus, somos convidados a nos per- ligiosas, pois cairia por terra a promessa da
guntar: para nós, que importância tem a presença de Deus em Jerusalém, feita a Davi.
resposta dada por Jesus aos discípulos de Em meio a essa realidade de tensão, surge a
João Batista? Que Boa Notícia nos traz? Das pergunta: Deus realmente estava com o
atitudes elencadas na carta de Tiago, qual povo de Judá ou o havia abandonado? Dian-
nos chama mais a atenção? Como estamos te da dúvida, Judá tenta fazer aliança com a
preparando o coração para celebrar a encar- Assíria, sendo criticado pelo profeta Isaías,
nação de Jesus na celebração do Natal que visto que a única esperança era confiar na
se aproxima? aliança estabelecida com Deus.
O rei Acaz é incitado pelo profeta e por
4º DOMINGO DO ADVENTO Deus a pedir um sinal, que poderia ser “pro-
22 de dezembro veniente da profundeza da terra, como das

“O Emanuel, alturas do céu” (v. 11) – ou seja, ter qual-


quer amplitude, sem restrição. O rei recusa-

o Deus conosco!”
(Lc 1,23)
-se a pedir um sinal que confirmasse a pro-
teção de Deus e a fidelidade dele às promes-
sas, tentando mostrar, por meio dessa recu-
nº- 330

sa, que era temente ao Senhor. Isaías o des-


I. Introdução geral mascara, desvelando a inconfiabilidade do

ano 60

Neste quarto domingo do Advento, so- rei, dado que este adorava outros deuses e
mos convidados a refletir sobre a identida- havia até mesmo sacrificado seus filhos aos

de de Jesus. Assim, é-nos oferecida uma ídolos (cf. 2Rs 16,1-4). Deus, contudo, por
Vida Pastoral

síntese de toda a história de Cristo, de sua meio do profeta, confirma sua proteção e

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seu sinal, que será um evento: o nascimen-
to de um descendente de nome Emanuel. Evangelii Gaudium: a alegria do
Esse sinal foi objeto de várias interpreta- Evangelho – Sobre o anúncio do
Evangelho no mundo atual
ções. Alguns afirmam que seria o nasci-
mento de Ezequias, o filho de Acaz, pelo Exortação apostólica do Sumo
fato de esse herdeiro ter sido um bom rei, Pontífice Francisco
verdadeiro monarca religioso que devolveu Papa Francisco
a esperança ao povo. Outros sustentam que
seria o filho do profeta Isaías com a mulher
mencionada em Is 8,3. Há comentadores
que dizem se referir a algum acontecimen-
to, ocorrido durante a Guerra Siro-Efraimi-
ta, que dava esperança ao povo e a certeza
da presença de Deus. Por fim, há aqueles
que interpretam o sinal como uma referên-
cia a Jerusalém e à certeza da continuidade
da dinastia davídica, porque Deus protege-
rá sua cidade e seu povo.
O nome “Emanuel” expressa esperança e
comprova a presença de Deus no meio de
168 págs.

seu povo. Na tradução grega (Septuaginta) e,


posteriormente, na tradução latina (Vulgata),
a palavra “jovem” (v. 14) é traduzida por “vir-
gem”, facilitando a identificação com Maria. A alegria do Evangelho enche
o coração e a vida inteira
As comunidades cristãs, ao relerem esse tex- daqueles que se encontram
to profético, afirmam referir-se à vinda do com Jesus. Quantos se deixam
Messias, como constataremos no trecho do salvar por Ele e são libertados
evangelho escolhido para esta liturgia. do pecado, da tristeza, do
vazio interior e do isolamento.
Papa Francisco quer, com esta
2. Evangelho: Mt 1,18-24 Exortação, dirigir-se aos fiéis
O tema central de Mt 1,18-24 é a iden- cristãos, a fim de convidá-los
para uma nova etapa
tidade de Jesus, partindo de sua origem hu- evangelizadora marcada por
mana e divina. Essa narrativa pode ser cha- essa alegria, além de indicar
mada de anunciação do nascimento de Je- caminhos para o percurso da
Imagens meramente ilustrativas.

sus a José. Ela vem após a genealogia, na Igreja nos próximos anos.
qual Mateus afirma que Jesus é “filho de
Davi” e “filho de Abraão”. Nesta, realça-se a
natureza humana de Jesus, que faz parte da
tradição judaica e é da descendência davídi-
nº- 330

ca. Já o relato desse dia visa explicitar a filia- Vendas: (11) 3789-4000
ção divina de Jesus. 0800-164011

ano 60

SAC: (11) 5087-3625


Estabelecendo uma conexão com o texto
da genealogia, ao utilizar a expressão “a ori- V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL

paulus.com.br
gem de Jesus Cristo” (v. 18), o evangelista
Vida Pastoral

nos informa que Maria era noiva de José.

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Roteiros homiléticos

Na tradição judaica, o noivado já constituía 3. II leitura: Rm 1,1-7


um compromisso definitivo, por isso Maria O cabeçalho da carta aos Romanos con-
era considerada desposada por José, embora tém o remetente, Paulo, designado pelo tí-
ainda não vivessem juntos. Após esse dado, tulo de apóstolo por vocação, cuja missão é
o autor relata que Maria estava grávida e, as- anunciar o evangelho de Deus: Jesus Cristo.
sim, poderia ser repudiada pelo noivo e ser Após longa descrição do remetente e sua
considerada adúltera. José inicialmente pen- missão, são mencionados os interlocutores
sa em abandoná-la, mas, em sonho, é-lhe e conclui-se com a saudação inicial, típica
enviado um mensageiro que afirma ser a de Paulo: “graça e paz” (v. 7).
gravidez de Maria uma ação do Espírito San- Nesses versículos, o apóstolo expõe o
to. O Espírito, portanto, torna-se o agente significado da expressão “evangelho de Deus”
principal na geração do Filho de Deus (cf. v. (v. 1), apresentando também os temas que
18), confirmando a filiação divina de Jesus. serão desenvolvidos no decorrer da carta, es-
Quando o anjo chama José, ficamos sa- crita a uma comunidade que ele não conhe-
bendo que este é descendente de Davi. Tal ceu pessoalmente. Paulo se autodenomina
dado é importante, pois José, ao acolher Je- servo de Jesus Cristo, título dado aos grandes
sus como filho, lhe dará a ascendência daví- personagens do AT, como Moisés, Josué,
dica (cf. v. 21), cumprindo a promessa pro- Davi e os profetas. Na tradição paulina, con-
nunciada pelo profeta Natã em 2Sm 7,8-17. tudo, todo cristão é servo de Cristo, pois ex-
Também é anunciada a missão específica de prime a pertença total a ele, estando total-
Jesus – “salvar o povo do pecado” (v. 21). mente ao seu serviço. Paulo também se con-
Jesus será aquele que estabelecerá uma nova sidera apóstolo, porque foi chamado, esco-
aliança entre Deus e o povo. Mateus, por- lhido e consagrado por Deus (cf. Gl 1,11-17;
tanto, harmoniza o título “filho de Davi” 1Cor 9,1; 15,10) para anunciar que o Mes-
com a filiação divina. sias esperado e anunciado pelos profetas é
No final desse trecho, temos a citação de Jesus, descrito como a Boa-Nova (evangelho)
Is 7,14, presente na I leitura. Nota-se uma de Deus. O termo “evangelho” era utilizado
releitura cristã da profecia de Isaías, basean- para anunciar o nascimento de um descen-
do-se na tradução grega. Mateus se serve dente da realeza ou a vitória em determinada
dessa citação para comprovar não a virgin- guerra. No Dêutero-Isaías, a Boa-Nova é a
dade de Maria, e sim a filiação divina de Je- intervenção de Deus na história, por meio de
sus e sua descendência davídica, confir- seus prodígios, a fim de salvar seu povo; o
mando-o como o Messias prometido pelos termo é utilizado para anunciar o retorno
profetas. De fato, a concepção virginal, para dos exilados e a restauração da comunidade,
Mateus, é o cumprimento do plano de após o exílio. Essa intervenção na história,
Deus, explicitado por meio dos profetas. em Romanos, dá-se na encarnação do Filho,
Sua designação como “Emanuel” signi- no envio do Messias da descendência de
fica que Jesus será a revelação da presença Davi, visto que José acolhe Jesus como filho,
de Deus no meio do povo. Ao unir a filiação apesar de ele ser Filho de Deus (cf. Mt
nº- 330

divina, a genealogia de Jesus e a ascendên- 1,21.25). O Messias proveniente da dinastia


cia davídica, o evangelista confirma que davídica era algo presente nas expectativas

ano 60

Deus não abandonou a humanidade, mas messiânicas, sobretudo do Reino do Sul. No


está presente com seu amor e benevolência, final do v. 4, temos uma menção à morte, à

e a salvação realizada por meio de Jesus ressurreição e à soberania de Jesus ao retor-


Vida Pastoral

Cristo será oferecida a todas as nações. nar para o Pai. Paulo, portanto, sintetiza toda

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a missão de Jesus, desde a encarnação até o noite, somos envolvidos pelo esplendor da
seu retorno ao Pai, pelo poder do Espírito. luz da glória divina, que se manifesta na fra-
O apóstolo afirma ainda que sua missão gilidade de uma criança (I leitura), e escuta-
é anunciar o Messias Jesus entre os gentios. mos o alegre anúncio: “Nasceu hoje o Salva-
Assim, a salvação trazida por Jesus é univer- dor, que é o Cristo, o Senhor” (evangelho).
sal. É dada a todos, mas cada um é chamado Sua salvação é oferecida a todos (II leitura).
a acolhê-la. A referência à “santidade” deve Que nesta noite possamos contemplar pro-
ser entendida como um processo que se de- fundamente o que nos diz o prefácio do Na-
senvolve na vida do batizado, à medida que tal II: Jesus Cristo, “no mistério do Natal
vai se conformando à imagem do Filho de que celebramos, invisível em sua divindade,
Deus, o Messias Jesus. tornou-se visível em nossa carne. Gerado
Paulo termina com a saudação que en- antes dos tempos, entrou na história da hu-
contramos em todas as cartas: “graça e paz”. manidade [...]. Restaurando a integridade
Essa saudação expressa a gratuidade do do universo, introduziu no Reino dos céus
amor do Pai, que envia seu Filho para reve- o homem redimido”.
lar sua benevolência (graça) e a paz, um dos
dons messiânicos prometidos por Deus por II. Comentário
meio dos profetas. dos textos bíblicos
1. I leitura Is 9,1-6
III. Pistas para reflexão Isaías 9,1-6 pode ser dividido em dois
Celebrar o Advento é celebrar a primei- temas: o fim da opressão (cf. vv. 1-4) e o
ra vinda de Jesus, pois, para nós, cristãos, anúncio do nascimento do príncipe da jus-
ele já veio e inaugurou seu Reino entre nós. tiça e da paz (cf. vv. 5-6).
A certeza da encarnação de Jesus renova Ao lermos o texto da profecia de Isaías,
nossa esperança em sua vinda definitiva no notamos tratar-se de um povo oprimido por
fim dos tempos. Neste último domingo do algum império potente, tanto que é descri-
Advento, somos também interpelados a to, simbolicamente, como “um povo que
responder: quem é Jesus Cristo para nós? caminha nas trevas”, símbolo do caos e da
Sua mensagem é Boa Notícia em nossa morte (v. 1). A “luz intensa” indica nova
vida? O que significa ser dócil à vontade de criação e remete-nos ao texto de Gn 1,3 e ao
Deus? O que significa afirmar que Jesus é o fim do caos. De fato, a profecia de Isaías
Deus conosco? anuncia o fim da opressão política, social,
econômica (cf. v. 3) e bélica (cf. v. 4), e a
NATAL DO SENHOR – Missa da noite alegria da libertação, expressa por meio de
24 de dezembro duas imagens: a alegria por uma colheita

“Hoje nasceu abundante e por repartir os despojos, após


a vitória numa guerra (cf. v. 2).

para vós um O “dia de Madiã” (v. 3) refere-se à vitória


de Gedeão (cf. Jz 7,16-22), quando as luzes
nº- 330

Salvador” (Lc 2,11)


das tochas amedrontaram os inimigos. É,
portanto, o fim da guerra, que marca novo

ano 60

início com o anúncio do nascimento de um


I. Introdução geral menino, destinado a governar. Ele é descri-

A solenidade do Nascimento de Cristo é to por meio de vários títulos, indicativos de


Vida Pastoral

a celebração da salvação de Deus. Nesta que é um soberano escolhido por Deus.

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Roteiros homiléticos

Será conselheiro dotado de sabedoria única de um pobre filho de migrantes (cf. v. 3) e


e de poder sobre-humano, ao qual é garan- Maria dar à luz fora de casa – isto é, fora do
tida vida longa, e também será portador de aconchego dos familiares e amigos –, tendo
uma paz eterna. Da forma como é descrita por perto somente José.
essa pessoa, podemos deduzir que exercerá A segunda parte da narrativa (vv. 8-14)
um papel messiânico, porque será o salva- descreve o anúncio do nascimento de Jesus
dor de todos. Esse texto é uma profissão de aos pastores. A figura dos pastores pode ser
fé do povo de Israel num soberano divino interpretada de duas formas. A primeira é
que substituirá todos os reis infiéis, entre os influenciada pelo texto de Mq 4,8, ao rela-
quais o rei Acaz. cionar a promessa da origem do Messias
com Belém e ao recordar que Davi era um
2. Evangelho: Lc 2,1-14 pastor (cf. 1Sm 17,15.28.34). A outra in-
Em Lc 2,1-14, temos a narrativa do nas- terpretação parte da constatação de que os
cimento de Jesus (2,1-7) e o anúncio aos pastores eram pessoas simples, pobres, de
pastores (2,8-14). classe social menosprezada por não respei-
A narrativa se inicia dando-nos algumas tar a propriedade alheia, considerados in-
informações sobre a existência de um decre- capazes de ser testemunhas e não aptos ao
to de César Augusto, que ordena o recense- papel de juiz. Mesmo assim, são escolhidos
amento de toda a terra, obrigando José, ha- para ser os primeiros a receber a notícia do
bitante de Nazaré, a se deslocar com Maria, nascimento de Jesus e testemunhar essa
grávida, para sua cidade natal: Belém. Esse Boa-Nova.
decreto mencionado por Lucas tem uma in- Essa narrativa da infância de Jesus é um
tenção teológica: inserir o nascimento de Je- relato teológico da história, que nos conduz
sus na história universal, por ser ele porta- para o ponto central: o anúncio da realiza-
dor de salvação para toda a humanidade. ção da salvação (cf. 2,11). O autor, além de
César Augusto, a figura mais poderosa enquadrar o nascimento de Jesus no con-
do mundo, que exerce seu poder recense- texto do mundo romano, descreve-o à luz
ando toda a terra, com a finalidade de ex- do evento central de nossa fé, o mistério
por a grandeza do seu domínio e de cobrar pascal. De fato, há vários pontos de afinida-
impostos, contrasta com o nascimento do de entre o nascimento e a morte de Jesus
verdadeiro Salvador e Senhor de toda a ter- (cf. Lc 2,7 e 23,53).
ra, Jesus Cristo, nascido numa manjedoura O autor, nos vv. 9-10, serve-se de aspec-
em Belém, na pobreza e na fragilidade de tos típicos das teofanias, como a presença
uma criança. de anjos e a manifestação da “glória do Se-
No v. 4, o autor insiste que José é da fa- nhor”, que envolve os pastores de luz, para
mília e da casa de Davi (Belém). Isso reforça indicar a comunicação de Deus (cf. Ex
a ascendência davídica de Jesus, já apresen- 40,34). A glória de Deus sempre aparece de
tada na liturgia do quarto domingo do Ad- forma luminosa (cf. Ex 16,10; Ex 13,21) e
vento (Ano A). indica a proteção divina que guia seu povo.
nº- 330

A narrativa do nascimento de Jesus é só- Essa manifestação divina é confirmada pela


bria (cf. v. 6). O filho é designado como expressão “não tenhais medo” (v. 10).

ano 60

“primogênito”. Portanto, será o filho consa- A narrativa termina com a alegria (cf. v.
grado a Deus, conforme a tradição judaica 10), tema característico de Lucas e da era

(cf. Ex 12,3; Nm 3,13). O primeiro elemen- messiânica. A alegria tem como motivo a in-
Vida Pastoral

to que nos chama a atenção é a salvação vir tervenção salvífica de Deus na história e o

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cumprimento da esperança messiânica no dos a experimentar a gratuidade de Deus,
nascimento de Jesus, o Salvador. O cumpri- sua benevolência, seu amor infinito que se
mento da esperança messiânica e a salvação revela na fragilidade do menino Deus: o
são reforçados com o uso do termo “hoje” Messias Jesus, nosso Salvador.
(v. 11; 4,21; 19,9; 23,43). No Evangelho se-
gundo Lucas, esse termo indica o dia da in- 3. II leitura: Tt 2,11-14
tervenção de Deus na história. Essa carta é considerada tritopaulina,
O v. 11 segue o estilo da proclamação de também chamada de carta pastoral. Ela é
nascimento ou entronização de reis, prínci- atribuída a Paulo, mas provavelmente não
pes ou imperadores, dirigida aos nobres da foi escrita por ele.
sociedade na cultura helênica. O autor utili- No v. 11, o autor afirma que a manifes-
za esse estilo com a finalidade de proclamar tação da graça de Deus (evangelho) se reve-
o nascimento de Jesus, condensando nos lou na obra salvífica realizada por Jesus
títulos “Cristo Senhor” a confissão de fé cris- Cristo (cf. v. 14). Essa graça tem três carac-
tã, e manifestar a intenção teológica de não terísticas: provém de Deus, é salvífica e uni-
separar a realidade messiânica de Jesus da versal. Sua pedagogia apresenta duplo as-
ressurreição (cf. At 2,36). No entanto, os pecto: um negativo, por sugerir a renúncia
destinatários não são os nobres da cidade, e às paixões mundanas, e um positivo, cons-
sim os pobres (os pastores). Isso deixa tituído pelo novo estilo de vida. Daí provém
transparecer outra dimensão teológica de um convite à conversão, fundamentado na
Lucas, que considera a pobreza como o lu- autodoação do Messias Jesus (cf. Is 53,12)
gar da revelação da realeza divina e da po- por fidelidade ao projeto do Pai, libertando
tência de Deus. o batizado do mal, consagrando-o total-
Assim, a salvação nasce e vem de onde mente a Deus e constituindo-o como seu
menos se espera (cf. v. 12). Percebe-se tam- povo (cf. v. 14; Ex 19,5). A expressão “nos-
bém a harmonia entre o sinal dado aos pas- so grande Deus e Salvador” remete à experi-
tores para irem adorar o Salvador e a pre- ência exodal, quando Deus resgata seu povo
sença jubilosa dos anjos, ao manifestarem a da escravidão e estabelece com ele uma
identidade daquele menino envolvido em aliança (cf. Ex 6,2-8; Ex 15). Com Jesus, o
faixas, deitado numa manjedoura. Isso cristão também é resgatado do mal, é puri-
mostra que ele é a manifestação da glória de ficado, libertado, consagrado, e também é
Deus e traz gratuitamente a paz ao mundo estabelecida uma nova aliança, marcada
(cf. I leitura). pela gratuidade de Deus. Desse modo, o
O hino no v. 14 estabelece relação entre cristão é convocado para dispor-se a um
glória e paz, Deus e homens, céu e terra. O processo de conversão, que consiste em ser
fio condutor desses elementos é o nasci- libertado da escravidão do pecado e viver
mento de Jesus. Portanto, a potência salvífi- na graça, cultivando os valores da sabedo-
ca de Deus (glória) se revela no menino que ria, da piedade, da justiça, na espera da vin-
traz a salvação e a paz, sinais do tempo mes- da definitiva de Jesus no fim dos tempos.
nº- 330

siânico (cf. Is 9,5.6). Abandonar a impiedade significa rejei-


A expressão “aos homens por ele ama- tar toda espécie de idolatria, definida como

ano 60

dos” põe o acento não na disposição huma- a atitude de substituir o verdadeiro Deus,
na (como o faz a tradução “aos homens de revelado em Jesus Cristo, por pessoas ou

boa vontade”), mas no comportamento de coisas (dinheiro, poder, status, projeção so-
Vida Pastoral

Deus. Nessa perspectiva, todos são chama- cial). As paixões mundanas se expressam na

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Roteiros homiléticos

injustiça, no egocentrismo, na ganância, no II. Comentário


orgulho, enfim, em tudo aquilo que nos faz dos textos bíblicos
perder o equilíbrio e nos impede de viver de 1. I leitura: Is 52,7-10
forma sábia e justa. Por conseguinte, o cris- A passagem de Isaías escolhida para
tão é convidado a viver a ética cristã, basea- esta liturgia se inicia com um elogio dirigi-
da na pobreza, no esvaziamento (evange- do ao mensageiro que leva a Boa-Nova a
lho), tornando visível, por meio de sua vida, Sião (cf. vv. 7-8). A imagem da sentinela
a manifestação da graça e da glória de Deus. (cf. v. 8), geralmente, caracteriza a missão
profética (cf. Jr 6,17; Os 5,8; 6,5; Hab 2,1;
III. Dicas para reflexão Ez 13,5).
Neste Natal, festa da alegria, somos con- Os temas centrais do anúncio, dirigi-
vidados a avaliar os vários acontecimentos do a Jerusalém, são a libertação e o resga-
de 2019 à luz da encarnação de Jesus e do te de seu esplendor. Os verbos “procla-
alegre anúncio da liturgia: “Hoje nasceu mar” e “evangelizar” são usados para in-
para nós um Salvador, que é o Cristo, o Se- dicar um anúncio público de algo novo
nhor”. Assim, renovamos nossa esperança e ou que acontecerá (cf. Is 40-48). O verbo
a certeza de que Deus nos ama profunda- “dizer”, no Segundo Isaías (cf. Is 40-55),
mente e deseja uma sociedade marcada pela é empregado para introduzir um conteú-
paz. Ao sermos envolvidos pela luz de Cris- do positivo, como no v. 7, para procla-
to nesta noite, possamos vivenciar a alegria mar a realeza de Deus (cf. Is 40,9; 44,26;
de ter nossas trevas dissipadas, conforme o 41,13; 51,16; 62,11). Esses verbos são
anúncio do profeta Isaías na I leitura. utilizados para o anúncio de um evento
acontecido no passado, em lugar diverso
NATAL DO SENHOR – Missa do dia daquele no qual está sendo anunciado, e
25 de dezembro que tem repercussão nos interlocutores.

“Os confins do De modo geral, são notícias positivas e,


na perspectiva teológica, seu conteúdo é

universo contem- a vitória do Senhor e o advento da salva-


ção. O verbo “anunciar”, mormente, tem

plaram a salvação como sujeito um mensageiro enviado por


Deus (cf. Is 41,27). Essa missão tem um

do nosso Deus”
(Sl 97,3)
caráter universal.
Os termos traduzidos por “bem” e “paz”
podem ser entendidos como consequência
do evento histórico-salvífico que consiste
I. Introdução geral justamente no retorno dos exilados, com o
A promessa da contemplação da salva- povo sendo libertado de seus adversários
ção de Deus (I leitura) se realiza na encarna- (cf. Na 2,1). A paz também tem o significa-
ção do seu Filho, enviado para comunicar a do de bem-estar e segurança nas dimensões
nº- 330

Boa-Nova da graça, da bondade, do amor política e econômica (cf. Gn 26,29; Dt 23,7;


divino do Pai (evangelho). Que, neste Na- Esd 9,12; Jr 8,15).

ano 60

tal, possamos nos deixar envolver pela gra- A salvação, em Is 52,7, assume o signifi-
tuidade desse amor e ser, também nós, por- cado de administrar a justiça (cf. Is 60,16;

tadores da Boa-Nova do nascimento do Fi- 63,5.8.9) na defesa do povo (cf. Is 41,14;


Vida Pastoral

lho de Deus para todas as pessoas. 44,6; 49,7; 63,8; 61,8-10).

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Assim, há o convite para anunciar a sal-

Oi de casa!
vação, isto é, as manifestações da potência
divina mediante a intervenção de ações con-
cretas, realizadas na criação e na história de
Igreja missionária, Igreja em saída,
Israel. A mensagem a ser transmitida (“teu
Igreja que visita
Deus reina”, v. 7) é uma espécie de profissão
de fé. Essa locução reafirma o monoteísmo e Pe. Aldino José Kiesel, OSFS
a realeza de Deus explicitada nas manifesta-
ções salvíficas e tem, como consequência, o
restabelecimento ético, por meio dos termos
“paz” e “bem”, trazendo a estabilidade, o
bem-estar e o controle das forças hostis cós-
micas, a fim de manter a ordem instaurada
nos inícios e ainda em contínua restauração.
O exultar de alegria (cf. v. 8) provavel-
mente tem como motivo a vitória de Deus,
seu julgar com retidão (cf. Sl 51,16; 67,5;
145,7; Dt 32,43) e o cumprimento das pro-
messas (cf. Sl 132,9.16). O convite a exul-
tar certifica a realização da redenção pro-
metida pelo Deus de Israel, a qual todos
72 6págs.

poderão contemplar (cf. v. 10), e revela os


efeitos da inauguração do Reino de Deus
(cf. v. 7; Sl 72). Visitar, acolher, encontrar-se,
O louvor, explícito no v. 9, tem como recomeçar: a Sagrada Escritura
motivação o ser consolado e resgatado. é uma fonte inspiradora para
rever a qualidade de nossas
Após a mudança da condição de Jerusalém, visitas. A intenção aqui é
o v. 10 abre um horizonte universal, no convidar você, leitor(a), a visitar
qual o Senhor mostra a salvação para todas a Bíblia com esta chave de
as nações. Podem-se entender as nações leitura: a visita de Deus como
inspiração para a eficácia de
(cf. v. 10) como todos os responsáveis pelo nossas visitas.
povo (os soberanos das nações) e pelos tri-
bunais (os juízes). O convite a reconhecer o
poder de Deus e celebrar sua soberania,
Imagens meramente ilustrativas.

portanto, é direcionado a todos, não só ao


povo de Israel.
A expressão o “braço do Senhor” (v.
10) retrata seu poder como autor da salva-
ção (cf. Is 51,9-11). Percebe-se que a san-
nº- 330

tidade de Deus consiste em voltar-se para Vendas: (11) 3789-4000


a humanidade de multíplices maneiras, a 0800-164011

ano 60

SAC: (11) 5087-3625


fim de libertá-la, salvá-la (cf. vv. 9-10).
A presença divina plenifica Jerusalém e V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL

paulus.com.br
a torna lugar, por excelência, da revelação
Vida Pastoral

teofânica da santidade a todas as nações.

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Roteiros homiléticos

A experiência da santidade está vin- Em Jo 1,6-13, num estilo mais narrati-


culada à ação de resgatar o povo (cf. v. 9) vo, o autor evoca a figura de João Batista (cf.
e de reconhecer a realeza divina (cf. v. 7). vv. 6-8), o precursor, que dá testemunho da
O conteúdo da consolação e da redenção luz. Ele, porém, não é a luz, não é o Messias.
é histórico e político, marcado pela re- Essa luz testemunhada provoca nas pessoas
construção da cidade e pela mudança po- uma tomada de posição. Portanto, ela pode
lítica e religiosa. ser rejeitada (cf. vv. 9-11) ou acolhida (cf.
vv. 12-13). Todos aqueles que acolhem a
2. Evangelho: Jo 1,1-18 luz, que é Jesus Cristo, são considerados fi-
O prólogo do Evangelho segundo lhos de Deus (cf. vv. 12-13). Essa filiação se
João se assemelha a um hino e, ao mesmo dá na adesão a Jesus Cristo e no batismo,
tempo, é uma síntese teológica dos temas como marco inicial, mas deve ser cultivada
que serão desenvolvidos no decorrer des- no decorrer da vida do batizado.
se evangelho. As várias menções ao AT A Palavra geradora de vida, que existia
permitem articular várias tradições teoló- junto de Deus, encarna-se em nossa história
gicas, como a da criação, a exodal, a teo- (cf. v. 14), e, pela primeira vez, é afirmado
logia da presença, a sapiencial e a da que a Palavra é Jesus Cristo. O termo “carne”
aliança. Os vv. 1-18 podem ser estrutura- designa a totalidade da pessoa e também a
dos em três partes: a origem da palavra humanidade em sua condição de fragilidade.
divina (vv. 1-5); seu destino (vv. 6-13); a O conteúdo do v. 14 mostra-se in-
encarnação e sua acolhida pela comuni- fluenciado pela tradição exodal, quando
dade (vv. 14-18). apresenta a encarnação de Jesus em nosso
O Evangelho segundo João, diferente- meio (cf. Ex 40) para nos revelar o Pai,
mente dos evangelhos sinóticos (Mt, Mc e constituir o ponto de encontro entre Deus
Lc), não se inicia com as atividades de Je- e a humanidade e ser a manifestação da
sus ou com as narrativas de sua infância, glória divina.
mas nos remete a Gn 1,1 – o relato da cria- A expressão “e estabeleceu morada en-
ção (cf. v. 1) –, para afirmar a força criado- tre nós” está relacionada às tradições do An-
ra da Palavra, que dá vida. O v. 1 também tigo Testamento, sobretudo da festa das
nos remete ao texto de Pr 8,22-36 (cf. Tendas (cf. Lv 23,34-36; Dt 16,13-15), da
também Is 55), a Sabedoria criadora. Des- manifestação da glória de Deus (cf. Ex 25,8-
se modo, a Palavra existia antes da criação 9; 40,34-35) e da tenda do encontro (cf. Ex
e participava da criação do mundo, sendo 33,7-11.18; 2Sm 7,1-13). O “fazer morada”
mediadora da criação (cf. v. 3). Essa Pala- remete-nos à presença de Deus, que acom-
vra de vida é também luz que ilumina os panhava o povo no deserto, à morada da
passos para a vida, dissipando as trevas sabedoria, podendo também significar a
(cf. 12,35), pois Jesus é a luz do mundo presença definitiva de Deus (cf. Jl 4,17-18;
(cf. 8,12; 9,5), a luz que ilumina a todos Zc 2,14; Ez 3,37).
(cf. v. 5). Desse modo, a luz e a vida são Os termos “graça” e “verdade” ocorrem
nº- 330

dons da salvação, por se contraporem às na revelação de Deus a Moisés, quando este


trevas. Esses pontos de contato, provavel- pede a Deus que mostre sua glória (cf. Ex

ano 60

mente, têm a intenção de apresentar o Fi- 34,5-7). Também são utilizados na liturgia
lho como a Sabedoria criadora de Deus, do povo de Israel. A palavra “graça” pode

que gera vida (cf. vv. 3-4) e se encarna, ter o sentido de compadecer-se, aproximar-
Vida Pastoral

entrando na história. -se de alguém com benevolência. Verdade,

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por sua vez, não é um atributo abstrato, No v. 2, o autor anuncia a identidade de
mas significa que Jesus é alguém fiel e é Jesus, ao afirmar que Deus o constituiu
possível confiar nele. herdeiro universal e por meio dele criou o
O termo “Palavra”, no v. 14, traz em si universo. Esses elementos estão em harmo-
todo o significado expresso nos versículos nia com o texto do evangelho desta liturgia
anteriores, a saber: essa Palavra já existia (Jo 1,1-18). A menção à herança nos reme-
desde a eternidade (cf. vv. 1-2), participou te ao AT e sintetiza as esperanças messiâni-
na obra da criação (cf. v. 3) e é importante cas (cf. Sl 2,8).
para as pessoas e para seu destino (cf. vv. A estreita relação existente entre o Pai e
4-5). Tal Palavra é testemunhada por João o Filho é descrita no v. 3, por meio de metá-
Batista (cf. vv. 6-8) com o objetivo de susci- foras retiradas do livro da Sabedoria (cf. Sb
tar a fé em Jesus Cristo, aquele que revela o 7,26 e 8,1). Jesus é o reflexo da glória do Pai
Pai criador, Senhor do universo e Salvador – aspecto já acenado no comentário ao
(cf. vv. 9-12). evangelho –, mas também participa da cria-
Por meio da encarnação do Filho, ção e a sustenta com sua Palavra. Além da
Deus torna possível a contemplação da relação de Jesus com a criação, o texto evoca
sua glória, isto é, a comunidade experi- o evento histórico-salvífico de sua morte,
menta a manifestação da presença divina por meio da expressão “purificação dos pe-
(cf. Ex 33,11.18). Assim, por meio da fra- cados”. Assim, Cristo Jesus é o mediador
gilidade (encarnação) e da extrema vulne- entre Deus e a humanidade, e elimina tudo
rabilidade humana (morte), é manifestada aquilo que causa ruptura nas relações (os
a glória de Deus. A cruz, desse modo, é o “pecados”). Outro aspecto mencionado é a
lugar da revelação, do encontro entre entronização divina do Filho (cf. v. 3). Por
Deus e a humanidade (cf. Jo 6,51; 11,51- isso, ele é considerado superior aos outros
52; 12,24; 18,14). seres celestes. Para justificar essa afirmação,
Portanto, no prólogo joanino, somos o autor insere várias provas escriturísticas
conduzidos a conhecer Jesus Cristo – a nos vv. 5-6. As referências a Sl 2,7 e 2Sm
encarnação da Palavra na história humana 7,14 confirmam a diferença entre os seres
–, a responder a esse anúncio por meio da celestes e Jesus. Desse modo, ressalta-se a
fé e sermos também testemunhas desse superioridade de Jesus, pois ele é Filho e,
Deus que se faz carne e habita em nós e portanto, tem uma comunhão especial com
entre nós. o Pai. Reafirma-se também a relação existen-
te entre o messianismo de Jesus e a dinastia
3. II leitura: Hb 1,1-6 davídica. Consequentemente, os anjos são
Os vv. 1-4 da chamada carta aos He- convidados a render ao Filho a mesma hon-
breus, cujo conteúdo se assemelha a uma ra devida a Deus, ou seja: adorá-lo (cf. v. 6).
homilia litúrgica, constituem uma introdu-
ção ao livro. O objetivo desses versículos é III. Dicas para reflexão
apresentar Jesus Cristo como o centro da Ao contemplar o mistério da vida e o
nº- 330

história, como a definitiva palavra revelado- mistério da potência divina revelada numa
ra de Deus, e seu papel na ação salvífica. Em criança, somos convidados a refletir sobre o

ano 60

Cristo, as revelações e as intervenções divi- que é essencial em nossa existência, a valo-


nas descritas no AT são plenificadas. Ele é a rizar as pequenas vitórias e os momentos

expressão máxima da comunicação de Deus nos quais percebemos a revelação da graça e


Vida Pastoral

com a humanidade (cf. v. 1). da bondade de Deus.

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Roteiros homiléticos

SAGRADA FAMÍLIA -lhes sua bênção (cf. vv. 8-9), fonte de pros-
29 de dezembro peridade e fecundidade. Entre as promessas

“Amai-vos uns dadas aos filhos em virtude do cuidado com


seus pais, ressalta-se o perdão dos pecados

aos outros, pois (cf. vv. 3.15). As outras promessas são: acu-
mular tesouros (cf. v. 4), alegria com relação

o amor é o vínculo aos filhos (cf. v. 5), vida longa (cf. v. 6), ora-
ção atendida (cf. v. 5). Aqueles, porém, que

da perfeição” (Cl 3,14)


abandonam seus pais são considerados blas-
femadores e malditos (cf. v. 16).

I. Introdução geral 2. Evangelho: Mt 2,13-15.19-23


As leituras desta festa da Sagrada Família O texto se inicia com a aparição de um
nos convidam ao amor para com nossos pais mensageiro a José, o que pode ser interpre-
e ao amor em nosso ambiente familiar (I e II tado como a presença de Deus junto a Jesus
leituras). O evangelho apresenta as dificul- e sua proteção sobre ele nos momentos de
dades que a família de Jesus experimentou maior perigo e dificuldade. O mensageiro
por manter-se fiel ao plano de Deus. Nossas ordena que José fuja para o Egito com Maria
famílias, semelhantemente, vivem inúmeras e com Jesus, pois Herodes deseja matar o
dificuldades, mas também momentos carre- menino. Essa frase nos remete à história de
gados de ternura, de alegria, de solidarieda- José do Egito (cf. Gn 37-41), mas também à
de. Assim, em todos esses momentos, possa- experiência exodal e às narrativas de Moi-
mos ouvir ecoar dentro de nós as exortações sés. O interessante é que, se o Egito era visto
à comunidade de Colossas, descritas na I como o lugar da escravidão e da opressão,
leitura: “revesti-vos de sincera misericórdia, em Mt 2,13 ele constitui o lugar de refúgio
bondade, humildade, mansidão e paciência, para Jesus, que assim escapa do projeto
suportando-vos uns aos outros e perdoan- opressor de Herodes. A finalidade da fuga
do-vos mutuamente. [...]. Mas, sobretudo, expressa a dura realidade de Jerusalém: pa-
amai-vos uns aos outros”. radoxalmente, a terra da promessa, escolhi-
da por Deus, tornou-se lugar da opressão,
II. Comentários da morte, totalmente contrário aos planos
dos textos bíblicos divinos, ao projeto messiânico.
1. I leitura: Eclo 3,3-7.14-17a Mateus 2,14-15 retrata a total docilida-
Eclo 3,3-7.14-17a é um comentário de- de de José, que sem demora realiza o que
talhado do quarto mandamento: “Honra teu lhe foi confiado por Deus, sendo totalmente
pai e tua mãe” (Ex 20,12 e Dt 5,16). Inicial- obediente à vontade divina. O amor mater-
mente, percebe-se que há uma igualdade de nal de Deus para com Jesus é expresso por
tratamento tanto para o pai como para a meio da citação de Os 11,1. A escolha dessa
mãe. O autor recomenda aos filhos, tanto os citação profética aponta para a relação filial
nº- 330

jovens como os adultos, que tenham cari- de Jesus com o Pai e indica que seu retorno
nho e respeito para com seus pais, pois é do Egito para a terra prometida deve ser re-

ano 60

necessário honrar pai e mãe (cf. vv. 3-5), lido como um novo êxodo, no qual Jesus
respeitá-los (cf. v. 7), não abandonar o pai estabelecerá uma nova aliança, libertando

(cf. v. 16) e consolar a mãe (cf. v. 6). O dom Israel de todo tipo de opressão e anuncian-
Vida Pastoral

que os pais podem fazer pelos filhos é dar- do a vontade do Pai.

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Após a morte do opressor, surge a opor- sentido de atingir a meta, chegar àquilo que
tunidade de voltar a Israel (cf. v. 19), revi- almejamos: a plenificação do nosso amor,
vendo a esperança experimentada no êxodo vivendo profundamente em comunhão com
e no retorno do exílio. Esse dado sinaliza Deus e com o outro. Podemos também en-
que Jesus será aquele que libertará o povo, tender essa expressão numa perspectiva pas-
sempre anunciando um novo começo, uma cal, ou seja: a caridade identifica-se com o
restauração, que não irá acontecer nos gran- amor salvífico revelado em Cristo.
des centros do poder religioso, político e so- A sabedoria, em Cl 3,16, é apresentada
cial, na Judeia, mas sim na periferia, a partir como a faculdade de discernir e de julgar as
de uma cidade insignificante. Essa escolha situações e os acontecimentos. Em Cl 2,18,
indica que faz parte do plano de Deus come- agir com sabedoria é agir moralmente. De
çar a libertação pela periferia (cf. v. 23). fato, o texto sugere ser necessário orientar
nossas decisões para a opção fundamental
3. II leitura: Cl 3,12-21 por Jesus Cristo. Essa opção, marcada pela
A carta aos Colossenses é chamada deu- caridade e pela sabedoria, transforma nosso
teropaulina. É atribuída a Paulo, mas não modo de pensar e de agir, e contribui para
foi escrita por ele. Provavelmente, tenha melhor discernirmos qual é a vontade divi-
sido escrita por um discípulo ou por um lí- na em todas as circunstâncias, sendo esse o
der da comunidade de Colossas. verdadeiro culto a Deus. Nesse contexto,
Colossenses 3,12-21 traz o chamado có- são inseridos os preceitos particulares e do-
digo doméstico, que objetiva delinear as ati- mésticos, influenciados pelo ambiente cul-
tudes fundamentais dos membros da comu- tural greco-romano, mas também com vá-
nidade cristã, também quanto às relações rias características do modelo judeu-hele-
familiares. Essas exortações, alicerçadas na nista. A novidade dessas normas está em
ação salvífica realizada por Jesus, visam criar fundamentá-las na experiência cristã, na ex-
um mundo renovado, uma nova humanida- periência profunda com Jesus Cristo.
de. Desse modo, os membros da comunida- A primeira regra é dirigida às esposas,
de são exortados a viver o amor fraterno, a chamadas a serem “solícitas” para com seus
paz, a ser assíduos à escuta da Palavra e a maridos, ou seja, a cuidar deles, cultivando
descobrir na história e na vida a realização um relacionamento de respeito, carinho,
do projeto salvífico de Deus, que se identifi- ternura, delicadeza, marcado pelo diálogo,
ca com sua vontade. São, portanto, chama- pelo perdão, pelo compartilhamento de mo-
dos a estabelecer novas relações, assumir mentos de alegria e de tristeza. O “submeter-
nova mentalidade, novo estilo de vida. Esse -se” – outra tradução possível para “ser solí-
novo estilo de vida é esboçado em Cl 3. cito” – também pode ser interpretado como
Os versículos escolhidos para a celebra- renunciar a determinadas atitudes para a
ção desta festa da Sagrada Família (vv. 12- edificação da família, trilhar o caminho do
21) destacam, primeiramente: recuperar a amor, com suas exigências, e enfrentar as
imagem de Deus, retomar a relação com Je- fragilidades. De fato, todo relacionamento
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sus Cristo, resgatar a aliança com Deus (cf. v. está sujeito às vicissitudes do dia a dia – pro-
12), estabelecer nova relação com o outro, blemas econômicos, de estabilidade, experi-

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vivendo em comunhão e em fraternidade ências dolorosas, conflitos, alegrias, sonhos,


(cf. vv. 12-13). Essa mudança nos conduz à esperança –, sendo algo construído constan-

vivência da caridade e da sabedoria. A cari- temente. Solicitude significa compreender


Vida Pastoral

dade é o vínculo da perfeição, entendida no que o amor é um dom e consiste em aprender

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Roteiros homiléticos

a promover a vida do outro. Submeter-se é III. Pistas para reflexão


renunciar aos muitos desejos egoístas para O evangelho e as leituras nos convi-
estabelecer profundos laços de comunicação dam à delicadeza no trato com as pessoas.
interpessoal. Submeter-se no amor é supor- Nas I e II leituras, essa delicadeza é incen-
tar o outro, carregando sua fragilidade, sen- tivada a se exprimir em relações familiares
do solidário na sua dor, mas sobretudo ale- marcadas pelo amor, pela solidariedade,
grando-se com suas vitórias. A ideia de “sub- pelo respeito e pela fidelidade. No evange-
meter-se”, nesse texto, não pode ser inter- lho, a delicadeza aparece na atitude de
pretada como submissão sexual ou total ao José de seguir o plano de Deus. Assim, so-
marido, pois, se fosse essa a intenção, a carta mos desafiados a nos perguntar: como es-
não exortaria os maridos a amar suas espo- tou vivendo essa delicadeza na relação
sas como Deus ama seu povo. Nesse senti- com as pessoas?
do, o amor à esposa tem como fundamento Somos também convidados a refletir so-
o amor gratuito de Deus, manifestado em bre as palavras do papa Francisco em sua
Cristo, que exclui qualquer tipo de submis- exortação Amoris Laetitia, n. 30:
são (cf. 1Cor 13,1-13). Cada família tem diante de si o ícone
Os maridos são exortados a expressar da família de Nazaré, com o seu dia a dia
seu amor por suas esposas, pois é importan- feito de fadigas e até de pesadelos, como
te para elas ouvir que são amadas, valoriza- quando teve que sofrer a violência incom-
das, reconhecidas por aquilo que são. A ex- preensível de Herodes. Experiência que
pressão do amor também ocorre por meio ainda hoje se repete tragicamente em mui-
de gestos de ternura, de compreensão, de tas famílias de refugiados descartados.
aconchego, de proteção, de solidariedade, Como os Magos, as famílias são convida-
bem como pela fidelidade. Amar supõe ain- das a contemplar o Menino com sua Mãe,
da a capacidade de renunciar ao poder de a prostrar-se e adorá-lo (cf. Mt 2,11).
submeter o outro, à posse do outro, à satis- Como Maria, são exortadas a viver, com
fação pessoal em detrimento do outro. coragem e serenidade, os desafios familia-
Os pais são convidados a não irritar seus res tristes e entusiasmantes, e a guardar e
filhos. Isso significa acolhê-los, animá-los meditar no coração as maravilhas de Deus
em seus empreendimentos, alegrando-se (cf. Lc 2,19.51). No tesouro do coração de
com suas conquistas, consolá-los diante dos Maria, estão também todos os aconteci-
erros e fracassos, orientá-los em suas deci- mentos de cada uma das nossas famílias,
sões e ter paciência com seu processo. que ela guarda solicitamente.

O povo de Deus
José Comblin

O povo de Deus foi escrito em vista do novo pontificado. Na origem, há um grande ato
de esperança no advento de um novo dia depois da “noite escura”. A esperança tem
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por objeto um retorno aos princípios do Vaticano II. Não se trata de um Vaticano III. Não
poderia haver Vaticano III sem, primeiro, voltar ao Vaticano II. O retorno aos pobres e
o redescobrimento da Igreja dos pobres foram o caminho que levou à reabilitação do

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416 páginas

conceito de “povo de Deus”. Os conceitos de povo e de pobres são solidários e correlativos.


Não há pobres que não formem um povo. Não há povo que não seja dos pobres.

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Vida Pastoral

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despertar uma nova
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do pecado.
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o pecado? Para esclarecer todas as
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resultado é um livro atual e inovador, que
desmistifica o conceito de pecado para
além das questões teológicas, explican-
do o que ele é e por que somos levados a
cometê-lo. Uma obra para despertar uma
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mento humano no mundo de hoje.
464 páginas

“O pecado não depende


da religião, mas da ruptura
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QUE PASSOU DE PERSEGUIDOR
DA IGREJA A ANUNCIADOR
DE CRISTO.

PAULO
AGENTE DE PASTORAL E
SEMEADOR DE COMUNIDADES
Luiz Alexandre Solano Rossi
e Ildo Perondi

Paulo pode ser considerado um peregrino


incansável. Por amor ao Evangelho, viajou
muito, por mar e por terra. O novo volu-
96 páginas

me da coleção O mundo da Bíblia apre-


senta Paulo como um agente de pastoral
e semeador de comunidades, revelando a
obra e a história do homem que passou
de perseguidor da Igreja a anunciador de
Jesus Cristo. Um livro essencial, dedicado
a todos os que, a exemplo de Paulo, assu-
mem seu papel na ação evangelizadora.

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