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ÉRICA DE LANA
JESUS LANDEIRA-FERNANDEZ
PATRICIA FRANCA GARDINO
■ INTRODUÇÃO
Abuso, negligência e abandono são exemplos de estressores que podem acometer crianças e adolescentes. A ocorrência de estresse
precoce tem sido associada à maior vulnerabilidade para o posterior desenvolvimento de psicopatologias, como transtornos de ansiedade e
depressão: os eventos traumáticos ocorridos nas fases iniciais do desenvolvimento também se associam ao aumento da vulnerabilidade
(psicológica e neural) para o posterior desenvolvimento de transtornos mentais,1 entre eles o transtorno de estresse pós-traumático
(TEPT).2–4 Os ambientes físico e social têm um importante impacto na fisiologia e no comportamento, influenciando o processo de
adaptação ao estresse.
Ao mesmo tempo em que as experiências mudam o cérebro e o pensamento, a neurobiologia está sendo igualmente modificada.5
Essa vulnerabilidade ocorre em uma interação com aspectos genéticos e pode ser potencializada na ocorrência de estresse posteriormente
na vida, e isto se dá pelos efeitos de “programação neural de longo prazo” que o estresse precoce é capaz de exercer nas áreas cerebrais
associadas ao funcionamento emocional (como a avaliação de características emocionais no ambiente e a resposta ao estresse).6,7 Muitos
pacientes com transtornos neuropsiquiátricos apresentam déficits no funcionamento emocional.
As experiências emocionais iniciais (até os 5 anos) estão ligadas à etiologia, à gravidade, à recorrência, ao prognóstico e à resposta ao
tratamento dos transtornos mentais.2 O incremento do conhecimento nessa área demonstra a importância de um entendimento mais
profundo sobre o efeito do estresse precoce (e seus subtipos), especialmente para profissionais de saúde mental.
■ OBJETIVOS
Ao final da leitura deste artigo, o leitor será capaz de
identificar os modelos neurobiológicos para os transtornos mentais;
correlacionar os traumas infantis à etiologia, à gravidade, à recorrência, ao prognóstico e ao tratamento dos transtornos mentais;
reconhecer a importância da abordagem clínica dos traumas infantis, especialmente para casos graves e com queixas clínicas difusas.
■ ESQUEMA CONCEITUAL
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Ao longo das últimas décadas, houve uma grande mobilização da Medicina para avanços no estudo do cérebro, tanto no que diz respeito à
sua estrutura quanto a suas funções. Um paradigma recente que tem se solidificado cada vez mais dentro da área da Psicologia é a
associação de teorias e práticas psicológicas ao conhecimento neurocientífico. Apesar de ainda ser um tema recente de estudo para a área,
há diversas evidências, tanto teóricas quanto práticas, da aplicabilidade dessas informações na prática de profissionais de Psicologia.
Ao participar de congressos internacionais sobre estudos da mente, vê-se a presença em massa de pessoas discutindo neurociências.
Portanto, ainda que esse não seja um tema ao qual os psicólogos estão acostumados a lidar, é de fundamental importância que eles façam
um esforço para se aproximarem mais dessa abordagem.
Quando se fala sobre a relevância prática do estudo do cérebro e da neurociência de modo geral na Psicologia, um dos tópicos que mais
dialoga com essa perspectiva é o de “traumas infantis e transtornos mentais” devido às suas consequências diretas na psicopatologia e no
adoecimento. Sendo assim, o propósito deste artigo é explorar um pouco mais o tema em questão.
A ideia de que os transtornos mentais possuem um modelo cerebral está se expandindo: tem sido possível, na abordagem de pacientes que
apresentem algum tipo de psicopatologia, realizar, além de uma avaliação psicológica dos processos emocionais, tanto uma avaliação
cognitiva (neuropsicológica, com testes que avaliam aspectos como memória, percepção, linguagem e função executiva)8 quanto um exame
de imagem cerebral. Então, de acordo com suas funções cerebrais e o seu desempenho em testes cognitivos, pode-se ter uma hipótese
diagnóstica de qual seja seu problema.
Assim, ainda que não se tenha uma precisão absoluta na criação dessa hipótese clínica a partir de dados de neuroimagem, é seguro
falar em um modelo neurobiológico de transtornos mentais. Um exemplo disso poderia ser um indivíduo que possui transtorno
obsessivo-compulsivo (TOC), considerando que a maioria das pessoas com TOC tem alguma disfunção no córtex pré-frontal em
sua porção orbitofrontal.9
Da mesma forma, indivíduos que apresentam TEPT têm um funcionamento do córtex cingulado anterior (do inglês anterior cingulate
cortex [ACC]) prejudicado,10 bem como pessoas com transtorno bipolar de humor ou transtorno depressivo maior também possuem
suas particularidades a nível cerebral.11,12
Na Figura 1, por exemplo, os autores comparam o funcionamento cerebral em repouso (por meio de uma técnica de neuroimagem funcional
da família das ressonâncias nucleares magnéticas chamada Resting State Network [RSN]) de pacientes deprimidos (linha A) e de sujeitos
t l (li h B) C t t áfi d ã d f i t b l t d i N t d
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controles (linha B); em C, apresenta-se um mapa topográfico da comparação do funcionamento cerebral entre os dois grupos. Nesse estudo,
os pacientes com depressão mostraram maior atividade do córtex frontal cerebral, o que poderia ser relacionado aos sintomas cognitivos
de ruminação, por exemplo.
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Figura 1 — Exame de neuroimagem funcional de pacientes com depressão (A) e participantes controles (B). Em C, podem ser vistas as comparações
entre deprimidos e controles: as áreas em vermelho estão mais ativas nos deprimidos, e as áreas em azul, menos ativas, comparadas com os pacientes
controle.
Fonte: Barkhof e colaboradores (2014).13
A partir dessa perspectiva, poder-se-ia afirmar que o comportamento emocional é mediado por um sistema biológico (neural)
subjacente, ou seja, existe um mecanismo neurobiológico que fundamenta e propicia esse comportamento. Se considerar que o sistema
nervoso se desenvolve na interação com o meio ambiente do indivíduo, especialmente durante a infância, pode-se pensar que a experiência
precoce tenha um papel importante para a formação desse mecanismo neurobiológico que está por trás do comportamento emocional.
Na Figura 2, é possível visualizar o modelo integrativo para os efeitos das experiências infantis para comportamento emocional mesmo em
longo prazo.
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HPA: hipotálamo-pituitária-adrenal.
Figura 2 — Modelo integrativo para os efeitos das experiências infantis para comportamento emocional mesmo em longo prazo. Na seta superior à
esquerda, sugere-se que o ambiente precoce promove alterações no substrato neurobiológico, que, por sua vez, irá fundamentar o comportamento
emocional. Com os estudos da neurobiologia do estresse precoce e as suas implicações clínicas, acredita-se que esse mecanismo neurobiológico se
refira ao eixo HPA e às áreas límbicas cerebrais; da mesma forma, esse comportamento emocional prejudicado é identificado como os sintomas de
transtornos mentais, como a depressão, os transtornos de ansiedade e de personalidade, entre outros.
Fonte: Arquivo de imagens dos autores.
Neste artigo, será estudada a experiência infantil como contribuinte para se gerar um transtorno mental no futuro. Em sua vida adulta,
um indivíduo pode vivenciar uma situação estressante e desenvolver um transtorno referente ao trauma, enquanto outro pode passar por
uma situação similar e não desenvolver nenhum transtorno. Quais razões levam uma pessoa a desenvolver o transtorno? É o que se busca
entender com alguns estudos sobre os efeitos do estresse precoce no aumento da vulnerabilidade para o TEPT, por exemplo.
Ao se procurar explicações para um quadro de trauma em vivências precoces, será introduzido o debate de como um trauma infantil pode
participar da construção no futuro de uma personalidade doente ou de um sistema mental psicológico adoecido. Nos estudos dessa interface
da Psicologia com as neurociências, uma primeira premissa que se tem é de que os comportamentos e as emoções são uma expressão
da função cerebral.
Se uma pessoa está feliz, triste, com raiva, ou se está em um quadro de depressão ou esquizofrenia, existem circuitos cerebrais sendo
ativados para que ela esteja assim. Há estruturas cerebrais funcionando para gerar esse fenômeno comportamental, cognitivo, emocional e
afetivo. Portanto, nesse primeiro momento, se está procurando qual seria a base neural das doenças mentais.
O funcionamento cerebral distinto entre pessoas tem explicações que levam em consideração fatores genéticos, ambientais e da interação
entre eles. Isso leva à ideia anteriormente mencionada sobre a influência de situações de estresse na infância no cérebro de uma criança,
que, por sua vez, trará consequências para suas estruturas e funções cerebrais na fase adulta.7
A seguir, pode ser vista uma ilustração das áreas cerebrais mais comumente associadas ao processamento emocional (Figura 3).
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Figura 3 — Áreas cerebrais mais comumente associadas ao processamento emocional. O esquema à direita mantém a identidade de cores com a
representação cerebral, à esquerda.
Fonte: Adaptada de Lent (2008).14
ATIVIDADES
1. A ideia de que as doenças mentais possuem um modelo cerebral está se expandindo. No que tange à relação entre o transtorno
mental e sua associação neurobiológica, assinale a alternativa correta.
2. De acordo com o modelo neurobiológico para os transtornos mentais, pacientes com TEPT caracterizam-se por apresentar:
3. De acordo com estudos utilizando técnicas de neuroimagem funcional da família das RSNs, pacientes deprimidos apresentam:
4. No que diz respeito à relação entre experiências infantis, alterações neurobiológicas e comportamento emocional, assinale a
alternativa correta.
A) As alterações no substrato neurobiológico promovidas pelas experiências na infância se dão no eixo HPA e nas áreas límbicas
cerebrais, o que irá fundamentar um comportamento emocional prejudicado.
B) Embora o ambiente precoce promova alterações no substrato neurobiológico, essas alterações são revertidas até a idade
adulta e, portanto, só afetam o comportamento emocional em curto prazo.
C) As alterações neurobiológicas decorrentes de experiências na infância estão relacionadas unicamente com os quadros de
estresse, não se relacionando com transtornos mentais, como a depressão ou os transtornos de ansiedade e de
personalidade.
D) Embora as experiências da infância estejam relacionadas com os transtornos mentais na idade adulta, as alterações
neurobiológicas só ocorrem nessa fase da vida em decorrência dos transtornos mentais.
Confira aqui a resposta
Dados da literatura apontam que há um período no qual o sistema nervoso central (SNC) e os seus componentes neurais estão mais
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Dados da literatura apontam que há um período no qual o sistema nervoso central (SNC) e os seus componentes neurais estão mais
permissíveis a essas interações com o meio ambiente, o qual é chamado de período crítico.15 Durante esse período crítico, o
ambiente pode moldar, modificar e alterar o substrato neurobiológico tanto “para o bem”, aqui definido como estabelecimento dos
circuitos, formação de comportamentos cognitivos complexos de modo correto, como “para o mal”, onde os transtornos podem ter
seu início. O que há em comum é a capacidade plástica do SNC em formação de se modificar em função da influência do meio
ambiente.
Um caso recente relevante para se pensar esse tema é a epidemia de microcefalia em crianças de todo o Brasil. De todos os profissionais de
saúde consultados sobre o que é possível fazer com essas crianças, a opinião unânime é de que é crucial que elas sejam intensamente
estimuladas, tendo o Ministério da Saúde enfatizado que isso deveria ser feito principalmente até os 3 anos. Isso se dá porque até os 5 anos
o cérebro está especialmente receptivo a esses estímulos ambientais, pois há uma plasticidade neural muito grande, sendo esse um período
crítico do desenvolvimento cerebral dos humanos.
O desenvolvimento neural pré-natal está ilustrado na Figura 4, em que se observa o grande aumento do encéfalo em um período de tempo
relativamente curto.
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Dentro da ideia de formação de sinapses, há dois fenômenos fundamentais (que podem ocorrer também no indivíduo adulto, como
processos seletivos nos fenômenos de aprendizagem e memória) a serem considerados: a potenciação de longo prazo (LTP),14 uma
célula que é superestimulada e torna-se mais reativa ao ambiente, pois a sinapse se fortaleceu; e a depressão de longo prazo
(LTD),17 uma célula pouco estimulada que vai se enfraquecendo até desaparecer. Essas modificações na estrutura da sinapse
podem ser observadas na Figura 5. É dessa maneira que ocorre a comunicação entre os neurônios e a plasticidade neural.
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Ca2+: íon de cálcio; LTP: potenciação de longo prazo; LTD: depressão de longo prazo.
Figura 5 — Modificações morfológicas resultantes da LTP e da LTD. LTD e LTP levam à mobilização de mitocôndrias e retículo de e para a espícula,
respectivamente.
Fonte: Adaptada de Hoogenraad e Akhmanova (2010).17
Durante o desenvolvimento, há um número muito alto de neurônios gerados, muito além da sua necessidade; assim, após a consolidação de
várias sinapses, os neurônios incapazes de estabelecer sinapses com outras células são descartados por um processo de apoptose, que é
a morte celular programada, a etapa seguinte do desenvolvimento do SNC. Se a célula não for utilizada, ela expõe sinais, geralmente
proteínas na membrana, sinalizando para as outras células que ela não é mais útil; então, as células gliais a eliminam. Assim, há um
processo de validação funcional.
A morte celular é um processo adaptativo, uma vez que essa morte celular é seletiva apenas para as células que não têm mais
utilidade. Esse processo regressivo chega a eliminar até 80% da população neuronal em algumas áreas do encéfalo. Da mesma
forma, nas células que são frequentemente utilizadas, as sinapses se fortalecem.
A validação funcional, etapa final de desenvolvimento do SNC, é o fortalecimento das sinapses em uso (estimuladas) e o
enfraquecimento das sinapses não utilizadas (não estimuladas). Pode-se incluir aqui, também, o processo de eliminação de
prolongamentos neuronais, fenômeno esse que consiste na exclusão de dendritos e axônios que cresceram em excesso naqueles que não
estabeleceram sinapses corretas e/ou fortalecidas.
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Figura 6 — O desenvolvimento pré-natal do cérebro não se dá em um sentido único: há etapas de mudanças progressivas, bem como etapas de
mudanças regressivas.
Fonte: Arquivo de imagens dos autores.
O último ponto mencionado, a validação funcional, é de fundamental importância para o tema deste artigo, visto que os traumas infantis
tornam os seres humanos mais propícios a ter uma psicopatologia na vida adulta devido a esse fenômeno.
Um cérebro que está sendo moldado em um ambiente de trauma, abuso e violência terá determinadas respostas específicas para
aquele contexto, que, com o tempo, vão sendo cada vez mais fortalecidas.
Disso é possível inferir a importância da estimulação precoce em crianças, tanto sensorial quanto visual, auditiva e sinestésica.
LEMBRAR
Muitas reações emocionais humanas se dão a partir da memória implícita, que, em grande medida, está ligada ao tipo de
plasticidade cerebral do início do desenvolvimento. Ainda que esse processo ocorra ao longo de todo o ciclo vital, podendo,
portanto, ser alterado ao longo do tempo, ele nunca se dará na mesma intensidade em que ocorre no início da vida.
Aos 3 meses de vida, o bebê passa por uma fase da aprendizagem da linguagem chamada de balbucio inarticulado, na qual, na medida em
que ele é exposto a determinado idioma e seus fonemas particulares, ele os reproduz. Aos 5 meses de vida, o bebê já não consegue mais
produzir no balbucio inarticulado os fonemas que ele não ouve, perdendo essa capacidade.18
Do mesmo jeito que isso ocorre para o ambiente linguístico, há diversas evidências na literatura de que o ambiente emocional aversivo,
perigoso e violento ou o ambiente emocional amoroso, carinhoso e seguro também irá produzir esse efeito de seleção de células e sinapses
nas áreas que cuidam da informação emocional (Figura 7).
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20/04/2019 Portal Secad
Figura 7 — Influência do meio ambiente sobre o tecido cerebral. Da mesma forma que o ambiente linguístico ao qual a criança está submetida altera os
circuitos cerebrais ligados à linguagem (como as áreas de Broca e de Wernicke), também o ambiente emocional exerce efeitos sobre as áreas límbicas
do cérebro, por meio da neuroplasticidade e da programação neural de longo prazo.
Fonte: Arquivo de imagens dos autores.
Recentemente, alguns aspectos vinculados aos transtornos mentais foram atualizados. Um primeiro fator foi o entendimento da interação
entre aspectos genéticos e ambientais.19–22 As crianças com temperamento mais agitado, por exemplo, podem sofrer represálias dos pais
com mais frequência do que crianças mais calmas; porém, se essa criança vive junto a uma família violenta, as represálias serão mais
intensas, influenciando o seu comportamento.
Além disso, atualmente, não se colocam mais esses aspectos genéticos e ambientais como absolutos e determinísticos de transtornos, mas,
sim, estuda-se o quanto cada um deles contribuiu, em certa medida, para a formação de um dado transtorno naquele indivíduo.
Na Figura 8, é possível visualizar a representação etiologia multifatorial para os transtornos mentais, na qual se somam os aspectos
genéticos e ambientais, e, também, a interação entre eles.
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Figura 8 — Etiologia multifatorial para os transtornos mentais: somam-se os aspectos genéticos e ambientais, e, também, a interação entre os dois
aspectos (seta amarela).
Fonte: Arquivo de imagens dos autores.
Neste artigo, serão abordados com mais ênfase os aspectos ambientais, sendo grande parte das referências estudos de neuroimagem que
apontam que experiências negativas na infância, especialmente com os cuidadores principais, causam alterações nos circuitos cerebrais
ligados à emotividade.13,23,24
ATIVIDADES
A) Após a fase de proliferação das células nervosas, irá ocorrer a diferenciação dessas células segundo as funções que elas irão
exercer, e, depois disso, começará o processo de migração, no qual elas irão formar circuitos cerebrais.
B) Após a diferenciação, ocorre a sinaptogênese e, nessa etapa, ocorre a LTD, fenômeno no qual uma célula é superestimulada
e, por isso, suas sinapses enfraquecem gradativamente até desaparecer.
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e, po sso, suas s apses e aquece g adat a e te até desapa ece
C) Dentro da fase de sinaptogênese, um dos fenômenos que ocorrem é a LTP, na qual uma célula que é superestimulada torna-
se mais reativa ao ambiente em decorrência do fortalecimento das sinapses.
D) Entre as fases do desenvolvimento do SNC, a morte celular ocorre nas células que não apresentarem utilidade, mas é um
fenômeno que nunca afeta mais do que 2% das células nervosas de determinada região do cérebro.
Confira aqui a resposta
7. Entre as etapas do desenvolvimento do SNC, é possível citar a validação funcional, etapa na qual ocorre:
A) a morte celular programada, descartando os neurônios incapazes de estabelecer sinapses com outras células.
B) o fortalecimento das sinapses estimuladas e o enfraquecimento das sinapses não estimuladas.
C) a criação de novas sinapses, de acordo com estímulos do meio ambiente.
D) a criação da rede glial e a diferenciação das células nervosas.
Confira aqui a resposta
8. Com relação às etapas do desenvolvimento do SNC, em que é possível apontar que é mais marcante a influência do ambiente
sobre o tecido neural, assim representando a influência dos traumas infantis sobre as áreas emocionais do cérebro, assinale a
alternativa correta.
A) Indução e proliferação.
B) Migração e diferenciação.
C) Diferenciação e sinaptogênese.
D) Sinaptogênese e validação funcional.
Confira aqui a resposta
Figura 9 — Grupos de estressores que podem ser considerados fontes de traumas na infância.
Fonte: Adaptada de Chen e Baram (2016);7 Gross e Hen (2004);19 Heim e colaboradores (2004);21 Baes e colaboradores (2014).25
Figura 10 — Diferentes estressores na infância foram significativamente associados a diferentes transtornos mentais na vida adulta em uma amostra de
pacientes de um ambulatório de psiquiatria.
Fonte: Adaptada de Carr e colaboradores (2013).2
Vinculada ao conceito de estresse precoce e à relação com experiências das crianças com os cuidadores está a teoria do apego,
desenvolvida por John Bowlby (1907-1990). Em Cuidado materno e saúde mental (1951), o autor explica sua teoria de uma “necessidade
maternal”; a partir daí, desenvolve a teoria do apego, citando o comportamento de apego como uma estratégia de sobrevivência evolutiva
para proteger a criança.
Sucessora de Bowlby, Mary Ainsworth (1913-1999) sugere que existem três estilos de vinculação: evitador, ansioso ambivalente e seguro.
Na medida em que a criança se relaciona com seus cuidadores, cria-se um perfil de apego.
Apenas ao observar o modo como a criança se aproxima e se afasta da mãe e como ela lida com outras pessoas no ambiente em
que está é que se pode definir qual seu tipo de apego.27,28
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Apego
É o vínculo emocional que desenvolve a criança com seus pais (ou cuidadores) que fornece segurança emocional necessária para o bom
desenvolvimento da personalidade.
Tese fundamental: o status de segurança, ansiedade ou medo de uma criança é, em grande parte, determinado pela acessibilidade e capacidade de
resposta da sua principal figura de apego (pessoa com a qual a ligação é estabelecida).
Abordagem etológica: vincular o bebê e sua mãe é resultado de um conjunto de padrões de características de comportamento (pré-programadas) que
se desenvolvem durante os primeiros meses, cujo efeito é manter a criança perto de sua mãe.
O comportamento de apego tem um componente pré-programado (preparado a se desenvolver quando as condições o permitirem) e um componente
aprendido (durante a interação com o bebê, observando outros pais, e como seus pais o têm tratado).
Comportamento de apego também é observado em adolescentes e adultos.
Função biológica do apego: proteção.
As crianças que cronicamente experimentam ambientes abusivos desenvolvem circuitos neurais necessários para a sobrevivência
em situações adversas e aversivas. Esse processo envolve o chamado eixo HPA, responsável pela modulação da resposta ao
estresse (Figura 11). Assim, essas crianças advindas de ambientes abusivos têm uma atenção muito maior às situações aversivas,
pois isso foi relevante para a adaptação ao ambiente em que viviam.29
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20/04/2019 Portal Secad
Diversos estudos indicam que pessoas que tiveram essas vivências enquanto crianças têm uma disfunção nesse circuito, fazendo com que o
eixo HPA funcione pouco ou excessivamente, o que estaria relacionado com os sintomas afetivo-comportamentais encontrados em pacientes
psiquiátricos.31–34
A desregulação do eixo HPA tem sido apontada como o mais conhecido resultado do estresse precoce, interferindo no
processamento emocional interno e externo e na resposta ao estresse.25,35
LEMBRAR
O estresse nas fases iniciais do desenvolvimento pode induzir a mudanças persistentes na resposta do eixo HPA, levando à maior
suscetibilidade a transtornos mentais.5
ATIVIDADES
9. Quais são os tipos de situações que podem ser considerados como estresse precoce?
10. Estudos recentes apontaram que grande parte dos pacientes psiquiátricos tratados em um hospital de São Paulo experienciaram
alguma forma de estresse precoce grave. Com relação aos tipos de abuso reportados e qual teve maior ocorrência, assinale a
alternativa correta.
A) Abuso sexual.
B) Abuso físico.
C) Negligência emocional.
D) Abuso emocional.
Confira aqui a resposta
11. Conforme estudos realizados com pacientes psiquiátricos de um ambulatório da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro,
diferentes estressores na infância foram significativamente associados a diferentes transtornos mentais na vida adulta. Neste
contexto, casos de negligência física na infância foram associados a:
A) transtornos de personalidade.
B) transtornos do humor e de ansiedade.
C) esquizofrenia.
D) transtornos de ansiedade e esquizofrenia.
Confira aqui a resposta
12. Com relação ao papel das experiências precoces de vinculação na regulação emocional, assinale a alternativa correta.
A) As crianças que experimentam cronicamente ambientes abusivos tendem a desenvolver uma atenção menor às situações
adversivas.
B) O resultado mais conhecido do estresse precoce é a desregulação do eixo HPA, o que interfere no processamento emocional
interno e externo e na resposta ao estresse.
C) O apego seguro não é suficiente para alterar, de maneira significativa, a resposta ao estresse em crianças, uma vez que
crianças com apego seguro conseguem ter respostas de estresse menos adaptativas após algum desafio.
D) O processo de desenvolvimento de adaptações neurais decorrentes da experiência em ambientes abusivos envolve o córtex
pré-frontal.
Confira aqui a resposta
O conceito de programação neural de longo prazo foi elaborado a partir de novos conhecimentos sobre o papel de cromatina, do
desenvolvimento e da diferenciação celular, e da plasticidade neural a partir do campo de epigenética,15 fundamentando-se as
origens “desenvolvimentais” do comportamento, da saúde e da doença. Aponta-se que as primeiras experiências influenciam na
arquitetura cerebral, na função e nas capacidades, pois:36
afetam expressão genética e caminhos neurais;
formam o estilo de processamento da emoção, regulando o temperamento e o desenvolvimento social;
definem o estilo perceptual e a capacidade cognitiva (o que tem particular implicação nos aspectos cognitivos que se sabe que
envolvem os pacientes psiquiátricos);
estruturam a saúde física e mental, a atividade, o desempenho, as habilidades e o comportamento na vida adulta.
Compreende-se, portanto, que o estresse precoce pode alterar em longo prazo o processamento emocional. Entretanto, dependendo de
quando ocorreu a experiência de estresse, as consequências sobre o eixo HPA diferem.37
O estresse vivido pela mãe é sentido pelo feto, pois o organismo materno libera o hormônio cortisol, que atravessa a barreira
placentária, atingindo a corrente sanguínea do feto e, assim, seu cérebro; dessa forma, se ocorrer em uma fase pré-natal, o estresse
vai agir diretamente sobre a etapa de diferenciação neuronal, programando o eixo para aumentar a produção de glicocorticoides ou,
no caso de estresse muito intenso, diminuí-la. Já no estresse pós-natal, o efeito se dará sobre a etapa de diferenciação: mais uma
vez, por mecanismos epigenéticos, as células neurais vão sofrer modificações em seu sistema, em seu funcionamento.38
Especificamente na fase da adolescência, há uma potencialização ou um efeito de incubação, pois o organismo dá mais prioridade
aos hormônios sexuais para a reprodução, que é sempre uma prioridade biológica. Se o estresse ocorre posteriormente, na vida
adulta, há uma manutenção ou manifestação dos efeitos.
Na Figura 12, podem ser vistos os efeitos do estresse sobre o eixo HPA, conforme a fase da vida.
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HPA: hipotálamo-pituitário-adrenal.
Figura 12 — Efeitos do estresse sobre o eixo HPA. Dependendo de quando ocorreu a experiência de estresse, as consequências sobre o eixo HPA
diferem.
Fonte: Adaptada de Lupien e colaboradores (2009).37
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Além do eixo HPA, outras áreas cerebrais ligadas à resposta emocional apresentam volume reduzido em pacientes com grave histórico de
experiências negativas na infância em comparação com aqueles sem histórico.39,40
O ACC tem recebido interesse por parte dos pesquisadores, que encontraram que a ocorrência de maus-tratos foi associada a
prejuízos no funcionamento de regiões cerebrais envolvidas na regulação emocional e na habilidade de acuradamente atribuir
pensamento e intenções a outros, ao mesmo tempo em que levou ao aumento da atividade de regiões envolvidas na percepção
emocional interna, no pensamento autorreferente e na autoconsciência, podendo ser o mecanismo pelo qual os maus-tratos
aumentam o risco de desenvolver transtornos mentais.41
LEMBRAR
A diminuição do volume do ACC foi associada tanto ao número de eventos aversivos na infância em indivíduos saudáveis1,42–44
quanto à interação entre o trauma infantil e o desenvolvimento do TEPT em veteranos de guerra,4 representando a importância da
investigação dos efeitos em longo prazo do estresse precoce.
Ainda, um clássico estudo na literatura da área mostrou volume reduzido do hipocampo em pacientes deprimidas, comparadas com
controles, mas apenas quando essas pacientes foram vítimas de abuso infantil.45 Nunciato e colaboradores46 também citam que a
atrofia do hipocampo pode fazer parte da patofisiologia de transtornos de humor e cognitivos relacionados com o estresse. A Figura 13
apresenta a localização dessas duas áreas cerebrais: o ACC e o hipocampo.
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Recentemente, foram descritos dois achados principais de como o estresse precoce pode alterar o cérebro em longo prazo e aumentar o
risco para doenças mentais.7 Experiências precoces promovem consequências:
emocionais e sociais, porque alteram redes neurais que processam o estresse;
cognitivas, porque alteram a maturação dos circuitos do hipocampo, uma área cerebral com papel de grande relevância na aprendizagem
e na consolidação de memórias.
Na Figura 14, pode ser vista uma representação esquemática dos vários níveis de análise que são requeridos para entender a
reprogramação do cérebro pelas primeiras experiências de vida, incluindo o estresse.7
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A partir do conhecimento acerca da neuroplasticidade, eventos a posteriori (como suporte social e tratamento) podem atuar sobre o
tecido cerebral, o que possibilita mudanças e o que fundamenta que intervenções, como a reabilitação neuropsicológica e a
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psicoterapia, possam funcionar de forma eficaz para mudar comportamentos e padrões emocionais e cognitivos.
As mudanças pós-terapia na função cerebral com neuroimagem devem, agora, ser exploradas mais sistematicamente. O mais
ambicioso uso dessa ferramenta poderá ser a identificação de preditores de sucesso do tratamento, ou seja, biomarcadores
cerebrais do transtorno: determinar quais as regiões do cérebro (por meio de seus padrões de atividade) são preditivas de resultados
em cada uma das doenças mentais, se as regiões de prognóstico são específicas para uma doença ou a uma forma de tratamento, e
se a resposta diferencial à medicação contra a psicoterapia pode ser prevista antes do tratamento.
Além disso, trazer a compreensão das funções cerebrais que melhor preveem a resposta ao tratamento pode permitir o desenvolvimento de
agentes farmacológicos que aumentam, especificamente, a atividade dentro de regiões de prognóstico.
LEMBRAR
A combinação de novos agentes farmacológicos com a psicoterapia será claramente benéfica para conduzir à melhoria do resultado
desses tratamentos.
Descobertas biológicas para as predisposições à psicopatologia podem oferecer oportunidades para intervenções psicoterapêuticas ou
farmacológicas preventivas e no desenvolvimento de novas terapias.
ATIVIDADES
13. De que maneira as experiências adversas da infância podem contribuir para o desenvolvimento de maior vulnerabilidade para
respostas desadaptativas frente a estressores psicossociais na vida adulta?
14. Como um histórico de traumas infantis justificaria a abordagem mais voltada para crenças centrais e esquemas na terapia
cognitiva?
15. Com relação à ocorrência de experiências estressantes nas diversas fases da vida e as suas consequências sobre o eixo HPA,
assinale a alternativa correta.
A) Quando o estresse é sofrido no pré-natal, em decorrência de experiências estressantes da mãe, o cortisol liberado pelo
organismo dela irá atuar diretamente sobre a etapa de diferenciação neuronal, programando o eixo para aumentar a produção
de glicocorticoides, ou, no caso de estresse muito intenso, diminuí-la.
B) No estresse pós-natal, o efeito não se dará sobre a etapa de diferenciação, mas sobre a etapa de sinaptogênese, afetando a
maneira como se produzem as sinapses.
C) A partir da adolescência o estresse já não exercerá nenhuma influência sobre o eixo HPA, sendo que eventuais transtornos
surgidos nessa fase da vida se devem unicamente a efeitos do estresse vivido na infância ou na fase pré-natal.
D) Na fase de envelhecimento, o estresse desencadeará uma potencialização dos efeitos.
Confira aqui a resposta
16. Com relação às alterações que o estresse precoce pode ocasionar no cérebro em longo prazo, assinale a alternativa correta.
A) As consequências emocionais e sociais promovidas pelas experiências precoces se dão porque essas experiências alteram
redes neurais que processam o estresse.
B) Apesar de ocasionar consequências emocionais e transtornos mentais, as experiências precoces não influenciam áreas como
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a aprendizagem e a consolidação de memórias, uma vez que elas não afetam áreas como o hipocampo.
C) Os pacientes deprimidos sempre apresentam volume reduzido no hipocampo, independentemente de terem histórico de
estresse na infância, o que comprova que o estresse precoce não tem influência em casos de depressão.
D) A ocorrência de maus-tratos na infância resulta em um aumento na atividade do ACC e em prejuízos na atividade de regiões
envolvidas na percepção emocional interna, no pensamento autorreferente e na autoconsciência.
Confira aqui a resposta
A) A programação neural de longo prazo é a determinação que o estresse na infância causa em termos de transtornos
psiquiátricos na vida adulta.
B) A programação neural de longo prazo consiste na possibilidade de que as experiências no início do desenvolvimento podem
exercer um efeito de programação da atividade de estruturas neurais, mesmo em longo prazo.
C) Por conta dessa programação, os adultos e idosos pouco se beneficiam de programas de reabilitação cognitivo-
comportamentais.
D) A programação neural de longo prazo é o efeito que apenas as experiências negativas promovem no cérebro.
Confira aqui a resposta
18. Por que é possível afirmar que “a neuroplasticidade é o fundamento de intervenções como a reabilitação neuropsicológica e a
psicoterapia”?
■ EXEMPLO CLÍNICO
M., sexo feminino, 27 anos, médica, casada há 1 ano e 11 meses, mãe de uma bebê de 4 meses.
A queixa principal da paciente é de relacionamento conflituoso com a mãe (que tem um diagnóstico de transtorno de humor bipolar).
Quando do nascimento da sua bebê, M. gostaria de ter tido o apoio da mãe, mas a mesma “surtou” (sic.) (episódio hipomaníaco,
conforme relato) justamente nessa época.
A paciente está sentindo-se muito só no novo papel de mãe e angustiada porque decidiu ter a própria vida separada da família, mas
sofre pressão dos familiares por isso.
M. relata que a irritabilidade e incapacidade de relaxar a acompanham há muito tempo, o que relaciona ao seu modelo familiar: pais
bastante emaranhados com os filhos e os avós. Todos sempre cumprindo papéis e M. sempre fazendo tudo o que os familiares
desejavam.
Alguns sintomas físicos apresentados pela paciente são: tensão de ombros e pescoço, e lesões de pele recentes (no período do
puerpério).
M. relatou que sua mãe teve psicose peripuerperal logo depois do seu nascimento, e que seus cuidados durante os primeiros meses
de vida foram feitos pelas avós e pelo pai.
Durante a infância e adolescência, M. sempre fez tudo que os outros gostariam, buscou sempre ser a filha ideal, a neta ideal, a amiga
ideal. Sempre para agradar e ser querida.
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Quando perguntada sobre a sua motivação para fazer terapia, M. disse que desejava “ser uma pessoa mais leve, clean; reclamar
menos, relaxar, curtir mais; se voltar para a própria vida e fazer as coisas sem culpa” (sic.).
A análise funcional dos problemas do dia a dia de M. durante os atendimentos subsequentes (por meio, especialmente, dos registros
de pensamentos) trouxe dois padrões comuns: 1) irritação, quando suas necessidades não eram colocadas em primeiro lugar pelos
outros; e 2) mágoa ou tristeza, quando ela parecia não ser “necessária” (sic.) nos contextos ou para as pessoas.
Foram identificados como crenças centrais: “Minhas necessidades não são importantes para os outros”, “Preciso cumprir todas as
minhas responsabilidades”, “Sou sozinha”, entre outros.
No intervalo entre a entrevista inicial e as duas primeiras sessões, M. respondeu a alguns instrumentos (inventários Beck de
depressão, ansiedade e ideação suicida, e questionário de esquemas de Young)50,51 (Quadro 2).
Quadro 2
Instrumento Resultados
emaranhamento;
autossacrifício;
padrões inflexíveis;
merecimento.
Os resultados dos inventários Beck são sugestivos dos níveis mínimo a leve de ansiedade e depressão. A paciente também não tem
ideação suicida.
A seguir, foi elaborado o diagrama de conceitualização cognitiva (Quadro 3), segundo modelo proposto por Judith Beck.52 A partir dos
registros de pensamentos automáticos trazidos pela cliente, discutiu-se a sua relação com crenças de nível mais profundo, por meio
de perguntas sobre seus significados.53
Quadro 3
Crença central
“Não tenho prestígio”, “Não sou importante para as pessoas”.
Crenças condicionais
“Se não faço o que os meus pais desejam, então sou ingrata”;
“Me sinto culpada quando não dou especial atenção às necessidades da minha mãe ou não tenho paciência com ela”.
Estratégias comportamentais
colocar as próprias necessidades em segundo plano;
fazer tudo sempre certinho, cumprindo as expectativas: “Ser boa”.
M. não apresenta uma queixa específica e, na etapa de avaliação (incluindo entrevistas e avaliações formais com questionários), não
fica caracterizado nenhum diagnóstico psiquiátrico.
Considerando as queixas difusas da paciente e levando em conta que ela não apresentava nenhum comprometimento significativo
em seu funcionamento (ambientes de trabalho, social, familiar), a psicoterapia foi organizada para atender ao objetivo de auxiliar M. a
lidar de forma mais adaptativa com as pressões familiares, sobretudo em seu relacionamento com as dificuldades da mãe.
O planejamento do tratamento e as técnicas foram orientados para as metas:
psicoeducação sobre o transtorno do humor bipolar;
autoconsciência de si e do outro;
levantamento de pontos fortes e recursos;
assertividade;
culpa x autonomia.
As técnicas cognitivas propostas são:
registro de pensamentos;
distorções cognitivas;
exame de evidências das crenças;
questionamento socrático.
Considerando a queixa difusa da paciente, foram pensadas estratégias para lidar com as crenças centrais e os esquemas iniciais
desadaptativos (EIDs) de M.
No início da terapia, M. se queixava de estar sempre sozinha, sendo solicitada a fazer o exame de evidências sobre “ser sozinha”
(sic.). Esse exame evidenciou que M. tinha mais suporte e apoio do que imaginava ter e que seu estado de se sentir desamparada
poderia estar refletindo o padrão de relacionamento que tinha com a mãe, especialmente na infância, quando as necessidades da
paciente eram colocadas em segundo plano quando os familiares priorizavam as necessidades da mãe doente.
Considerando a queixa difusa da paciente, foram pensadas estratégias para lidar com as crenças centrais e os esquemas de M. Uma
técnica utilizada com frequência foi o trabalho com imagens mentais, em que M. era solicitada a se perceber com diferentes idades e
revisitar algumas memórias de situações importantes durante seu desenvolvimento. Durante essas técnicas, M. sempre se
emocionava muito e ficava sempre claro que seus problemas atuais tinham uma origem, e eram estratégias de adaptação da
paciente a situações à época. Isso proporcionou a M. ter uma visão positiva e compreensiva sobre si e seus problemas.
Outra técnica experiencial sugerida a M. foi escrever “Cartas para não enviar”50 para a mãe. M. relata que foi extremamente
importante entrar em contato com os sentimentos que guardava sobre todos os problemas que teve com a mãe. M. escreveu uma
carta emocionada e emocionante, em que alguns trechos ilustram a relação percebida por M. entre a sua relação precoce com a mãe
e seus problemas atuais, que foi um dos objetivos dessa técnica, além da afirmação de direitos de M. em relação a si. M. encerra
assim a carta:
[...] Por mais que soe egoísta, eu nesse momento não quero deixar de aproveitar tudo que conquistei só
porque você adoeceu. Quero ter a chance de curtir a minha vida, da minha forma, e se você quiser estar
presente, será sempre bem-vinda. [...]
O trabalho com a paciente M. foi muito fluido, embora profundo e emocional em muitas sessões, especialmente nas que foram
trabalhadas as crenças centrais e os EIDs.
O caso de M., aqui relatado, pode ser útil para:
afirmar a importância de uma formulação de caso que leve em conta: a) avaliação das situações emocionais precoces na vida dos
pacientes; e b) as crenças centrais e os esquemas, que podem auxiliar em uma visão desenvolvimentista dos problemas atuais e
das estratégias de enfrentamento;
demonstrar que mesmo uma paciente sem uma queixa objetiva e sem tantos comprometimentos em termos funcionais pode ser
ajudada — de forma muito eficiente e profunda — por técnicas cognitivas e experienciais da terapia cognitiva e da terapia do
esquema.
■ CONCLUSÃO
Abuso, negligência e abandono são exemplos de estresse precoce que têm sido associados a maior vulnerabilidade para o posterior
desenvolvimento de psicopatologias, de uma forma consistente, porém não determinante.
Essa vulnerabilidade ocorre em uma interação com aspectos genéticos e pode ser potencializada na ocorrência de estresse na vida
posteriormente, e isso se dá pelos efeitos naturais da neuroplasticidade em resposta ao ambiente e da programação neural de longo
prazo que o estresse precoce é capaz de exercer nas áreas cerebrais associadas ao funcionamento emocional (como a avaliação de
características emocionais no ambiente e a resposta ao estresse). Muitos pacientes com transtornos neuropsiquiátricos apresentam déficits
no funcionamento emocional.
O projeto Research Domain of Criteria (RDoC) está promovendo uma ressignificação da avaliação diagnóstica em psiquiatria — a partir de
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p j ( ) p g ç ç g p q p
uma proposta de ampliação da estrutura diagnóstica —, e isso tem motivado a busca pelas bases neurobiológicas das doenças mentais.54
Com isso, os mais recentes estudos das bases neurais dos diferentes transtornos psiquiátricos extrapolam os conceitos de categorias
nosológicas, trazendo a informação de que diferentes transtornos apresentam disfunções em áreas cerebrais comuns.
Esses estudos utilizam técnicas e paradigmas experimentais inovadores para avaliar o cérebro em funcionamento. Assim, os exames de
neuroimagem, como o da imagem por ressonância magnética funcional, têm sido amplamente utilizados para melhor compreensão dos
efeitos cerebrais do estresse precoce. Esses estudos são úteis para evidenciar as alterações anatômicas e funcionais em áreas cerebrais
associadas ao processamento emocional.
Argumenta-se, neste artigo, portanto, que, na interface entre neurociência e psicologia, entende-se que o ambiente precoce promove
alterações em circuitos neurais responsáveis pelo comportamento emocional, produzindo alterações, que, em última instância, constituem o
principal aspecto da psicopatologia.
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