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Introdução
Conservação da natureza, muitas vezes, é um incômodo para o tomador
de decisão ou o político (Kareiva & Levin, 2003). Conservar um dado habitat
ou uma dada espécie normalmente implica gasto de recursos (Balmford &
Whitten, 2003), sem que necessariamente haja retornos financeiros ou políticos
visíveis e/ou imediatos (mas veja Balmford et al., 2002). Tais recursos com
freqüência são escassos, principalmente em países em desenvolvimento como o
Brasil, onde conservação nem sempre é prioridade. Desta forma, estabelecer
prioridades de conservação torna-se necessário e por vezes até urgente, diante
da alta velocidade de degradação dos recursos naturais.
A Ecologia é a ciência que se propõe a ajudar na busca de soluções para
problemas como o do estabelecimento de prioridades para conservação. O papel
da ciência em políticas ambientais tem sido marcante (Hironaka, 2003) e as
contribuições da Ecologia para a solução de problemas do meio ambiente são
crescentes (Shrader-Frechette & McCoy, 1993; Pickett et al., 1994), inclusive no
Brasil (e.g., Barbosa et al., 2004). Entretanto, existem controvérsias quanto à
eficácia da Ecologia em produzir tais soluções (e.g., Peters, 1991). O principal
argumento dos pessimistas como Peters é que a Ecologia se caracteriza como uma
ciência com má delimitação conceitual e pouca robustez teórica. Logo,
recomendações para tomadores de decisão, embasadas numa ciência ainda
imatura, seriam no mínimo temerosas. Autores mais otimistas (como os demais
citados no começo deste parágrafo), mesmo que de um modo geral concordem
com a existência desses problemas epistemológicos, listam em contrapartida
inúmeros exemplos de como a Ecologia tem ajudado a solucionar problemas
práticos, como aqueles relacionados à conservação biológica.
Não pretendo reforçar ou contestar as argumentações de otimistas ou
pessimistas quanto às aplicações da Ecologia como ciência à geração de subsídios
sólidos para ajudar tomadores de decisão no estabelecimento de prioridades de
conservação. Meu objetivo é destacar como só com o avanço na produção de
conhecimento e teorias em Ecologia é que poderemos fazer conservação com
2 Essência em Biologia da Conservação
mais propriedade. Embora tal constatação possa parecer óbvia, espero ao longo
do texto mostrar que, se assim o fosse, nossa prática científica em Ecologia talvez
não estivesse tão permeada por dogmas, principalmente no que diz respeito à
conservação. Espero mostrar como teorias e conceitos, ainda que nitidamente
problemáticos, podem e têm facilmente se transformado em dogmas, os quais
muitas vezes têm norteado políticas de conservação e até de divulgação e
financiamento de pesquisa científica. Além disso, discuto também a importância
estratégica de o Brasil se tornar destacado produtor científico em Ecologia e
Conservação, e contribuir assim para o fim de determinados dogmas e para o
avanço do conhecimento humano nestas disciplinas.
única evidência para falsear uma teoria (ou um dogma) ou mostrar que a mesma
não é generalizável irrestritamente a todos os casos.
Este exemplo sugere que, por vezes, cada caso será um caso em Ecologia e
Conservação, ao menos no atual estágio de conhecimento que se dispõe sobre
estas ciências. Assim sendo, reforça a importância dos estudos de caso em
ecologia e exalta o seu potencial de aplicação na solução de problemas práticos
e locais.
não ser tão resilientes a perturbações externas como comunidades menos diversas
em outras partes do globo. Ainda que vários outros estudos indiquem o contrário
(e.g., Scarano et al., 1998), esta noção se tornou um dogma predominante até
os dias de hoje.
populações podem sofrer extinções locais e, com estas, toda uma riqueza de
informação genética não mais será disponível (Harrison, 1991; McKinney, 1997;
Scarano et al., 2002).
Espécies invasoras: Elton (1958), em trabalho clássico, foi um dos primeiros
a apontar o impacto de espécies invasoras sobre espécies, comunidades e
ecossistemas nativos. As duas últimas décadas demonstraram inequivocamente
que espécies exóticas podem consumir espécies nativas, infectá-las com doenças,
excluí-las competitivamente e até alterar o funcionamento de ecossistemas
(Vitousek et al., 1997; Magnusson, 2004, neste volume). Paralelamente ao
grande avanço teórico em curso acerca da invasibilidade de espécies e seus efeitos
sobre ecossistemas naturais (ver Simberloff, 2004) persistem, porém, alguns
dogmas a respeito deste tema, decorrentes de mau entendimento conceitual. Por
exemplo, espécies exóticas não são necessariamente invasoras, nem
necessariamente nocivas (ver importante síntese de D’Antonio & Meyerson,
2002). Uma espécie invasora é por definição exótica ao sistema que invadiu,
porém, uma espécie exótica (de outros países ou regiões) não é necessariamente
invasora. No caso do Brasil, ainda que haja vários exemplos de exóticas invasoras
(e.g., inúmeras gramíneas e leguminosas), há também exóticas não invasoras
como, por exemplo, as espécies de eucalipto. Este gênero australiano foi
introduzido em larga escala no País, porém desconheço registros de invasibilidade
do mesmo. Há também um mito, provavelmente decorrente de más práticas
florestais, que diz respeito a um suposto efeito nocivo dos eucaliptos sobre
recursos hídricos e biodiversidade. Entretanto, Lima (1987) demonstrou há
quase duas décadas que seu impacto sobre recursos hídricos não é
necessariamente superior ao de outras monoculturas florestais (ver também
Barbosa et al., 2004), e já foram constatados efeitos positivos do eucalipto sobre
regeneração natural in situ de espécies de mata atlântica (Silva Jr. et al., 1995),
cerrado (Durigan et al., 1997) e também em florestas montanhosas na África
(Feyera et al., 2002; Yirdaw & Luukkanen, 2003). Sakai et al. (2001), em uma
detalhada revisão sobre invasibilidade, apresentaram várias evidências para a
existência de uma estreita relação entre determinadas características bionômicas
e o potencial invasor de espécies (ao contrário do que vimos anteriormete para
espécies endêmicas e raras). A existência desta relação sugere boas perspectivas
quanto ao poder preditivo das ferramentas ecológicas na determinação de
espécies potencialmente invasoras e, conseqüentemente, seu manejo. De fato,
mesmo espécies nativas podem ter em seu habitat natural potencial invasor ou
de rápida explosão demográfica, especialmente mediante distúrbios (e.g., Cirne
et al., 2003). Logo, para fins de conservação é essencial detectar em sistemas
naturais espécies com tal potencial, principalmente num cenário de mudanças
globais. Igualmente importante é a cautela no uso e introdução de espécies
exóticas, porém, sem uma postura preconceituosa em relação ao que quer que
seja exótico.
8 Essência em Biologia da Conservação
Agradecimentos
A primeira versão deste texto foi escrita durante junho/julho de 2004, período
em que ministrei a disciplina “Estrutura de Teorias Ecológicas” na Pós-graduação
em Ecologia da UFRJ. A turma composta por oito pós-graduandos estimulados
e críticos inspirou muito o tratamento que dei ao texto. G. Martinelli e M. P.
Albrecht fizeram importantes críticas ao texto final que me ajudaram muito a
aprimorá-lo. Agradeço aos organizadores do livro pelo convite para escrever este
capítulo e em particular a C. F. D. Rocha, pela sua preocupação com a produção
deste tipo de síntese e pelo incentivo; aos meus parceiros de pesquisa e estudantes
por discussões sobre o tema; e ao CNPq por bolsa de produtividade em pesquisa.
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