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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

CAMPUS PROFESSOR ALBERTO CARVALHO


MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS

CONTRIBUIÇÕES DA ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO NA LEITURA DO


GÊNERO TIRA NO LIVRO DIDÁTICO

ITABAIANA

2019
JOSÉ ALDO BARRETO JÚNIOR

MARIA HEDENILZA MENDONÇA

CONTRIBUIÇÕES DA ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO NA LEITURA DO


GÊNERO TIRA NO LIVRO DIDÁTICO

Trabalho apresentado à Profª Márcia Mariano para


aprovação na disciplina Linguagem, Práticas Sociais e
Ensino do Mestrado Profissional em Letras, da
Universidade Federal de Sergipe – UFS

ITABAIANA

2019
CONTRIBUIÇÕES DA ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO NA LEITURA DO
GÊNERO TIRA NO LIVRO DIDÁTICO

José Aldo Barreto Júnior


Maria Hedenilza Mendonça

RESUMO

Este artigo tem por objetivo analisar o tratamento dado ao gênero tira no livro didático, tendo
como corpus três tiras presentes no livro Português Linguagens do 8º ano, de William Roberto
Cereja e Thereza Cochar Magalhães. Serão analisados os aspectos discursivos e os
direcionamentos interpretativos presentes no referido livro, a partir dos questionamentos
presentes na obra em referência ao gênero abordado. A metodologia adotada para análise do
discurso nas tiras baseia-se na Análise Crítica do Discurso (ACD), principalmente nas teorias
de Fairclough (2001), um de seus maiores expoentes. Segundo essa teoria, o discurso deve ser
analisado a partir de uma teoria tridimensional, a qual leva em consideração o texto, a prática
discursiva e a prática social. Sendo assim, mostraremos que, no livro didático já citado, as tiras
aparecem apenas em questões interpretativas com pouco direcionamento para a construção de
sentido, principalmente no que se refere à ideologia presente nos discursos, bem como, e
principalmente, como pretexto para uma análise gramatical superficial. Portanto, cabe uma
mudança de atitude dos autores de livros didáticos em relação ao tratamento dado ao gênero
textual tira, com propostas de atividades que enfatizem uma abordagem crítica do leitor em
relação ao texto.
PALAVRAS CHAVE: livro didático, tira, análise do discurso.

INTRODUÇÃO

O livro didático ainda é, sem dúvida, o instrumento de ensino mais usado em sala de
aula, além de ser suporte para os mais variados gêneros textuais, especialmente o livro de língua
portuguesa. De um modo geral, a grande maioria dos livros didáticos introduz cada um de seus
capítulos com um texto, que será explorado com questões de compreensão e interpretação, e
servirá depois para análises gramaticais. Poucos fogem a essa regra, pois procuram estar
alinhados às diretrizes dos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) (BRASIL, 1998), para os
quais a unidade básica do ensino só pode ser o texto. A grande questão, no entanto, não é o
quanto esse tipo de livro traz de diversidade de gêneros, mas como esses textos estão sendo
explorados na esfera discursiva, uma vez que o texto não envolve apenas aspectos linguísticos
e semânticos, mas também sociais.
Dessa forma, procuraremos analisar neste artigo o tratamento dado ao gênero textual
tira no livro didático. Para isso, definimos como corpus deste trabalho três tiras presentes no
livro didático do 8º ano do Ensino Fundamental, de William Cereja e Thereza Cochar. A escolha
do referido livro se deu pelo fato de ser este o que mais comumente usa tiras em todas as
unidades, comparado a outros que analisamos, o que ratifica a importância que esses autores
dão à abordagem de textos multimodais. Contudo, é preciso que façamos uma reflexão sobre o
tratamento dado ao gênero tira quanto aos seus aspectos discursivos e aos direcionamentos
interpretativos por meio dos questionamentos expostos no livro para que os alunos tenham
condições de construir sentidos de forma crítica e não se submetam a regras que os tornem seres
assujeitados.

Quanto à opção pelo gênero tira, justificamos pelo fato de hoje ser comum o uso desse
gênero textual para fins didáticos, o que antes não ocorria, uma vez que era esporádica a sua
aplicabilidade em qualquer esfera educacional. A explicação dessa expansão se encontra no
fato de as tiras serem citadas nas orientações dos PCN, nos anos 90, como um gênero a ser
trabalhado para leitura e escrita, impulsionando a sua presença nos livros didáticos.

Para fundamentar este trabalho, utilizamos os pressupostos da Análise Crítica do


Discurso (ACD), pautada na teoria de Fairclough, um de seus maiores representantes. Vale
lembrar que esse novo enfoque só foi possível a partir dos estudos discursivos a respeito da
língua nas diversas situações comunicativas.

CONCEPÇÕES TEÓRICAS DA ACD

Normalmente a referência a estudos do discurso nos leva a pensar na linha francesa de


análise de discurso, cujos fundamentos teóricos se contrapõem ao estruturalismo, teoria que
concebia a língua como uma entidade abstrata que se materializa na fala e na escrita por meio
de um código, não sendo possível, portanto, explicações que ultrapassem o fenômeno
linguístico.
Com a fundação da Escola Francesa de Análise do Discurso, Pêcheux postula a ideia de
que o discurso é uma forma de materialização ideológica, e que o sujeito é um depósito de
ideologia. Dessa forma, a análise do discurso não tem apenas a língua como objeto, mas as
relações que se fazem por meio dela, sejam relações de poder, institucionalização de identidades
sociais, processos de inconsciência ideológica, enfim, as diversas manifestações humanas que
se realizam através do discurso. Para Santos (2013), “foram, definitivamente, os estudos de
Pêcheux, por meio de suas inquietações com o instrumento científico, que forneceram uma base
teórico-metodológica para o desenvolvimento da AD.” (SANTOS, 2013, p. 211).
Nesse sentido, a Análise Crítica do Discurso (ACD) nasce como uma vertente da
Análise do Discurso, embora com algumas concepções diferenciadas. A ACD surge, na
verdade, como uma ferramenta teórica para a análise das práticas discursivas que constroem as
várias ordens sociais vigentes que precisam ser investigadas, uma vez que as formações
discursivas produzem as relações de poder, as representações e identidades sociais. O papel da
ACD é justamente explicitar essas relações subjacentes à linguagem e às práticas sociais, que
normalmente servem para manter ou mudar, como propõe a ACD, sistemas de dominação e de
poder.
Fairclough, um dos principais proponentes dessa vertente do discurso crítico, traz
importantes discussões acerca dessas relações entre língua e sociedade, concretizadas nas
práticas sociais. Embora. Fairclough (2001) afirme que a prática social tem várias orientações-
econômica, política, cultural, ideológica -, e que o discurso pode estar implicado em todas elas,
ele direciona mais enfaticamente suas análises para o âmbito político e ideológico. Para ele,

o discurso como prática política estabelece, mantém e transforma as relações


de poder e as entidades coletivas (classes, blocos, comunidades, grupos) entre
as quais existem relações de poder. O discurso como prática ideológica
constitui, naturaliza, mantém e transforma os significados do mundo de
posições diversas nas relações de poder. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 94)

Nesse sentido, a ADC faircloughiana tem como foco de sua pesquisa científica a
mudança social a partir da mudança discursiva, uma vez que o teórico defende que o discurso
constitui as práticas sociais, que, por sua vez, constituem o discurso. Assim, o discurso e as
práticas sociais estão tão imbricados que o discurso é considerado um dos elementos
constitutivos dessa prática. Em outras palavras, numa relação dialética, o discurso ideológico
que reproduzimos é produto das nossas vivências sociais, assim como tais vivências são produto
dos discursos que ouvimos. A questão relevante é o nível de consciência do sujeito acerca
dessas relações, ou seja, se as pessoas têm ou não consciência da razão pela qual as coisas são
do jeito que são ou se acreditam na naturalidade dos valores que marcam os encontros
discursivos.

Fairclough (2001) defende a ideia de que as ideologias construídas nas convenções


perpassam por um processo de automatização e naturalização, o que faz pressupor que as
pessoas não têm consciência das dimensões ideológicas de sua própria prática. Para ele,
“mesmo quando nossa prática pode ser interpretada como de resistência, contribuindo para a
mudança ideológica, não estamos necessariamente conscientes dos detalhes de sua significação
ideológica” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 120). Daí a importância de um trabalho voltado à análise
do discurso e de seus processos ideológicos, afim de desenvolver a consciência crítica das
pessoas em relação a sua própria prática discursiva e uma visão crítica quanto aos discursos a
que são subordinadas, objetivando as mudanças sociais.

Propondo um modelo de análise baseado na concepção tridimensional do discurso,


Fairclough busca distinguir as três dimensões no discurso – texto, prática discursiva e prática
social – para fins analíticos. Nessa concepção, a análise do texto é pormenorizada em categorias
(o vocabulário, a gramática, a coesão e a estrutura textual), a prática discursiva trata das
atividades cognitivas de produção, distribuição e consumo do texto, enquanto a prática social
se ocupa das condições sociais do contexto em que a prática discursiva ocorre, investigando os
aspectos ideológicos e hegemônicos nessa instância. (OLIVEIRA; CARVALHO, 2013)
Em tese, não faremos uma análise do discurso minuciosa, seja no nível textual, uma vez
que nas tiras o elemento imagético pode dizer tanto quanto ou mais que o elemento verbal, seja
em relação à prática discursiva e à prática social, dada a complexidade de tal análise. Nossa
perspectiva é mostrar o quanto as práticas discursivas, tão naturalizadas na sociedade, estão
presentes nos textos que se encontram nos livros didáticos através das tiras humorísticas, objeto
de análise deste artigo.

AS TIRAS NO LIVRO DIDÁTICO: UMA ANÁLISE DISCURSIVA

São perceptíveis as mudanças ocorridas nos livros didáticos ao longo dos anos. Entre
elas, destaca-se a diversidade de textos, o que vai ao encontro das exigências contextuais em
que hoje os alunos estão inseridos. No entanto, os PCN enfatizam que, além da heterogeneidade
textual, é preciso que o tratamento didático também seja heterogêneo, uma vez que os textos
possuem estilos e funções diversas, que acompanham o contexto em que ocorrem.

Vale considerar que a inclusão da heterogeneidade textual não pode ficar


refém de uma prática estrangulada na homogeneidade de tratamento didático,
que submete a um mesmo roteiro cristalizado de abordagem uma notícia, um
artigo de divulgação científica e um poema. A diversidade não deve
contemplar apenas a seleção dos textos; deve contemplar, também, a
diversidade que acompanha a recepção a que os diversos textos são
submetidos nas práticas sociais de leitura. (BRASIL, 1998, p. 26)
Nesse sentido, o problema não é o texto ou sua diversidade, mas o tratamento que os
livros didáticos dão aos textos, pois muitos não são explorados, servindo como pretexto para o
ensino da gramática, ou como elemento decorativo ou de distração para os alunos, caso das
tirinhas e de outros textos multimodais. Não é de se estranhar, portanto, que tantos alunos não
desenvolvam sua competência leitora, em razão de um ensino que, além de não trabalhar
efetivamente os gêneros textuais em sua diversidade, não só de textos, mas de estratégias, não
os reconhece como um produto interativo entre autor, leitor e o próprio texto, reconhecimento
este que colabora para a formação do leitor crítico. Além disso, corrobora com a concepção da
Análise do Discurso de que a leitura é um processo complexo de produção de sentido, que
necessita, portanto, de uma abordagem bem direcionada.

Seguindo essa mesma linha de pensamento, o discurso é tido como um lugar de


intermediação entre a língua e a fala, em que o uso da língua/linguagem manifestada no texto é
a materialidade específica do discurso. Para Guimarães (2013), a linguagem, como objeto de
ensino, “é entendida como um processo de interlocução, que pressupõe a constituição de e por
sujeitos numa determinada situação histórica e social” (p. 95).

No eixo dessas questões, entra a importância da análise discursiva das tiras que
compõem o livro didático, a partir da observação do livro de onde foi retirado o corpus deste
trabalho. Sabemos que, por muito tempo, esse gênero foi pouco apreciado em sala de aula
devido ao preconceito de que a brevidade desses textos poderia não favorecer o letramento,
entendido como o desenvolvimento de habilidades de uso do sistema convencional da escrita
em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem esse sistema (SOARES,
2004). O surgimento de novas tecnologias, no entanto, contribuiu para que as pessoas
passassem a se informar e a interagir por meio de uma multiplicidade semiótica presente em
textos que antes não faziam parte do seu cotidiano.

Segundo Ramos (2017), as tiras reúnem duas características que colaboram para a sua
inclusão no ensino brasileiro: o tamanho diminuto, que facilita a sua reprodução e edição; e a
densidade de conteúdo, devido à quantidade de informações que reúne em curto espaço. “Não
por acaso, elas figuram em livros didáticos, apostilas, vestibulares, em documentos oficiais
relacionados à educação” (RAMOS, 2017, p. 169). Nessa perspectiva, o nosso propósito é
analisar os direcionamentos dados à leitura e interpretação do gênero em estudo, à luz da ACD,
pois isso revelará o papel dado ao texto na construção do sujeito leitor.
O livro de Cereja e Cochar traz trinta e nove tiras de diversos autores, distribuídas ao
longo de suas sessões, abordando os mais diversos temas. Na verdade, percebe-se que a maioria
das tiras escolhidas não se deve à temática discursiva, mas à estrutura textual em seu nível
superficial. Tal afirmativa se justifica pela funcionalidade dada às tiras pelos autores no livro
em questão: 17 tiras servem como pretexto para o ensino dos aspectos gramaticais da língua,
com poucas questões interpretativas; 11 tiras são usadas unicamente para o estudo da gramática;
4 têm um papel meramente ilustrativo, sem nenhuma questão direcionada a elas; e apenas 7 têm
um direcionamento voltado para a interpretação, mas que não exploram todas as semioses
responsáveis pela construção de sentido presentes nessas tiras.

Assim, percebemos que as tiras são usadas quase que exclusivamente com o propósito
de ensinar regras gramaticais que fazem parte da língua padrão, servindo como instrumento
para esse ensino. Considerando que normalmente esse gênero traz em sua composição uma
crítica pelo viés do humor, é preciso lembrar que sua interpretação depende da leitura de pistas
linguísticas e visuais, que se articulam ao contexto situacional de sua produção e circulação, e
dos conhecimentos prévios que se espera que o leitor tenha. Sem essa leitura, perde-se a
possibilidade de mergulhar nos sentidos atravessados pela ideologia e pela história subjacentes
ao discurso presentes nessas tiras, além de se ignorar todos os mecanismos verbais e imagéticos
mobilizados para esse fim.

Com base na teoria tridimensional do discurso de Fairclough, como já foi referido, é


necessário levar em consideração o texto, a prática discursiva e a prática social na análise do
discurso. O teórico ainda chama o procedimento de que trata a análise textual de “descrição”, e
de “interpretação” as partes que se referem à análise da prática discursiva e da prática social.
Ele ainda adverte que

[...] a análise não pode consistir simplesmente em descrição de textos levada a


efeito isoladamente de sua interpretação. [...] A interpretação é necessária em
dois níveis. Um nível é tentar construir um sentido para os aspectos dos textos,
observando-os como elementos da prática discursiva, em particular como
'traços' de processos de produção textual (incluindo a combinação intertextual
e interdiscursiva de elementos e de convenções heterogêneas), e como 'pistas'
nos processos de interpretação textual. [...] O outro nível de interpretação é
uma questão de tentar-se construir um sentido dos aspectos dos textos e de
nossa interpretação de como eles são produzidos e interpretados, considerando
ambos, aspectos e interpretação, como encaixados numa prática social mais
ampla. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 245)
Podemos situar alguns desses pressupostos da análise do discurso na primeira das tiras
que escolhemos para compor o corpus deste artigo:

55Figura 1, fonte: CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: Linguagens. 8º ano.
9ª edição reformulada. São Paulo: Editora Saraiva, 2015, p. 17

No diálogo com o texto, o leitor precisa compensar a falta de compreensão a partir de


inferências, que são informações necessárias para que o texto seja compreendido, mas que não
se encontram explícitas. Para Koch (2005), as inferências são importantes na interação entre
autor e leitor , uma vez que elas constituem estratégias cognitivas por meio das quais o ouvinte
ou leitor, partindo da informação veiculada pelo texto e levando em conta o contexto, constrói
novas representações mentais e/ou estabelece uma ponte entre segmentos textuais, ou entre
informação explícita e informação não explicitada no texto. No entanto, tais inferências
dependem do conhecimento de mundo do leitor, sem o qual a construção de sentido fica
comprometida, visto que todo texto traz implícitos, lacunas deixadas pelo autor, que precisam
ser depreendidos durante a leitura. Daí a importância de ativar os conhecimentos prévios antes
e durante a leitura, seja através de perguntas sobre elementos do texto ou fora dele.
A partir do questionamento se “ o diálogo das personagens está de acordo com o modo
de pensar de grande parte da população ou rompe com essa expectativa”, faz-se necessário que
o sujeito-leitor infira o que a maioria da população pensa, ou seja, que ele busque em sua
memória discursiva os papéis que as personagens exercem na sociedade. Para isso, exige-se
uma leitura que vai além da leitura verbal, uma vez que as personagens são representativamente
negras, convergindo no senso comum de que a principal forma de ascensão social de negros e
pobres é o futebol, e não o estudo.
Fairclough (2001) afirma que discursos como esse podem se tornar naturalizados ou
não, a depender, dentre outras coisas, do senso comum partilhado e convencionado nas práticas
sociais. Ele defende que as práticas discursivas sejam remoldadas, assim como as ideologias
que as constituem. Pode-se perceber essa luta ideológica na voz do garoto, que se nega a seguir
o que sua vó almeja - ser jogador de futebol -, preferindo estudar. Ao mesmo tempo, o nível de
inconsciência da avó em relação às dimensões ideológicas de sua prática discursiva subjaz em
sua última fala, quando ela se surpreende com a decisão do neto, e diz que ele vai ser artista, ou
seja, em sua visão o neto irá subverter valores já estabelecidos ao entrar no mundo da arte, como
se ser artista fosse sinônimo de subversivo. Em relação a essa fala, os autores questionam o que
ela significa, no modo de entender do leitor, dando abertura para a construção de sentidos
diversos, uma vez que cada leitor pode dar uma resposta diferente, conforme sua percepção e
conhecimentos prévios acerca da temática da tira em questão e de todas essas relações
ideológicas que essa tira traz à tona.

Semelhante visão pode ser percebida na tira abaixo:

Figura 2, fonte: CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: Linguagens. 8º
ano. 9ª edição reformulada. São Paulo: Editora Saraiva, 2015. P. 243

O direcionamento de leitura dado pelos autores se limita a duas questões: uma


interpretativa, e uma de ordem gramatical. Embora a primeira pergunta questione sobre o valor
apreciativo em relação ao que a moça pergunta, não há uma discussão sobre a ideologia presente
na tira quanto ao papel da mulher após o casamento, nem em relação à quebra de expectativa
na voz do noivo, no último quadrinho.
O humor criado a partir dessa quebra de expectativa deixa subentendido que o senso
comum é a mulher não trabalhar depois do casamento, embora tal concepção ideológica já
esteja sendo remoldada conforme as transformações sociais ao longo dos anos, em que a mulher
vem ganhando espaço no campo de trabalho. Isso comprova que a ideologia pode sofrer
transformações a partir não só do texto, mas das práticas discursivas que levam à transformação
das práticas sociais. Esse tipo de mudança é possível por ser o discurso uma prática social, e
que pode provocar ressignificações dos sujeitos, do seu papel em sociedade, da vida social, e o
estabelecimento de novas relações de poder e novas hegemonias.
Outro ponto a ser considerado a partir da análise dessa tira são os contextos situacionais
e a relação entre os sujeitos implícitos nas falas das personagens, especialmente na fala da
mulher. A partir da sua escolha vocabular e do fato de usar a condicional, podemos inferir que
tais escolhas são motivadas pela situação de ainda não serem casados e pela relação de
subordinação da mulher frente ao homem no relacionamento amoroso, o que foi, por muito
tempo, culturalmente aceito pela sociedade em geral.
Vejamos a próxima tira:

Figura 3, fonte: CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: Linguagens.
8º ano. 9ª edição reformulada. São Paulo: Editora Saraiva, 2015. p. 246

Temos acima um bom exemplo do uso da tira como pretexto para o ensino da gramática,
com um exercício voltado quase que exclusivamente para a verificação do que o aluno aprendeu
sobre o conteúdo apresentado. Perde-se, com isso, a oportunidade de explorar tanto a linguagem
verbal quanto a imagem para a produção de sentido, além de trazer para a sala questões
implícitas no discurso proferido pelas personagens.
É interessante notar que nas falas de Helga e Hagar já se pode perceber os papéis dos
sujeitos frente ao casamento: a mulher é a que cuida do homem, que arruma a casa, enquanto a
este não é dada nenhuma responsabilidade de contribuir com essas tarefas, ou de amenizar esses
afazeres. Para a formulação dos sentidos presentes na tira, torna-se necessária a compreensão
de conceitos e reflexões mobilizados não só pela materialidade linguística, mas pelos elementos
visuais. Tomando por base a teoria da ACD sobre o papel essencial do discurso nas mudanças
sociais, é perceptível na fala de Helga o inconformismo de sua condição e uma implicitude em
seu discurso, que deixa subjacente o ímpeto de um desejo de mudança na prática social. Em
oposição a isso, Hagar utiliza a ironia como artifício para manter a relação de subordinação da
esposa a um sistema social de dominação do homem sobre a mulher.
Salientamos, enfim, que a análise do discurso de forma crítica e ativa, como conjetura a
ACD, contribui para a compreensão das relações presentes em nossa sociedade, ao mesmo
tempo em que nos permite transformá-las na medida em que formamos sujeitos leitores críticos
e resistentes à perpetuação de práticas de dominação e poder.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O livro didático tornou-se nas últimas décadas ferramenta de apoio para as aulas de
Língua Portuguesa nas escolas públicas brasileiras. É possível notar que há uma abordagem
diversificada quanto aos gêneros textuais, e que a tira é um dos mais presentes no livro
analisado. No entanto, percebemos que os autores de livros didáticos têm subestimado a
capacidade discursiva presente nesse gênero textual ao proporem atividades com uma
abordagem interpretativa muito simplista, além de atividades ainda muito presas aos aspectos
estruturais e formais da nossa língua.
É preciso ressaltar que a tira humorística é muito mais do que um texto para fazer rir.
Ela carrega em seu contexto um papel muito importante de transformador social a partir da
análise de situações sociais do cotidiano. Entretanto, para que esse contexto social seja
abordado de forma consistente na análise do seu discurso, é preciso que os professores
proponham reflexões mais críticas ao trabalharem com esse gênero textual. Cabe também aos
autores de livro didático, junto com toda sua equipe, pensar em uma análise de discurso mais
engajada na formação do leitor crítico e utilizar a tira não como pretexto para ensinar gramática
e sim como uma ferramenta de transformação social.
Nessa perspectiva, ao propormos a Análise Crítica do Discurso baseada nos
pressupostos de Fairclough como mecanismo de análise da leitura e interpretação das tiras no
livro didático, acreditamos em uma análise mais crítica e interativa que, por consequência,
levará o leitor a desenvolver sua competência leitora em sua maior plenitude.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Primeiro e Segundo Ciclos do Ensino


Fundamental: Língua Portuguesa. Brasília, MEC/SEF, 1998.

CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: Linguagens. 8º ano.


9ª edição reformulada. São Paulo: Editora Saraiva, 2015.

FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Trad.: Izabel Magalhães. Brasília:


Editora Universidade de Brasília, 2001.

GUIMARÃES, Elisa. Texto, discurso e ensino. São Paulo: Contexto, 2013.


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OLIVEIRA, Luciano Amaral; CARVALHO, Marco Antonio Batista. Fairclough. In: Luciano
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RAMOS, Paulo. Tiras no ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2017.


SANTOS, Sônia S. Berti. Pêcheux. In: Luciano Amaral Oliveira. (Org.). Estudos do discurso.
Perspectivas teóricas. São Paulo: Parábola Editorial, 2013, p.209-233.

SOARES, Magda Becker. (2004) Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista


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