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JUSTIÇA SISTÊMICA: UM NOVO OLHAR DO JUDICIÁRIO SOBRE AS DINÂMICAS

FAMILIARES E A RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

Cândice C. Schmidt1

Cristiane Pan Nys2

Lizandra dos Passos3

Sumário: 1. Considerações Iniciais 2. Conflituosidade social e conflito


jurídico em sentido estrito 3. Breves considerações sobre as constelações familiares 4.
Resolução de conflitos à luz das constelações familiares 5. Contextualização da aplicação
das Constelações Familiares ao Judiciário 6. Resultados. 7. Considerações Finais 8.
Referências Bibliográficas.

1. Considerações Iniciais.

A importância da utilização de métodos de solução consensual de conflitos


judiciais – ou seja, mecanismos de resolução de conflitos que não somente aqueles
estritamente “tradicionais” do âmbito judiciário (sentença, meios coercitivos, etc) – logrou
expresso reconhecimento no plano do direito positivo, especialmente com a aprovação da
Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça, atinente à Política Judiciária Nacional de
tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, e, mais
recentemente, no âmbito das “normas fundamentais” do Código de Processo Civil, cujo artigo
2º, §2º, dispõe que o “Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos
conflitos”, prevendo ainda que “a conciliação, a mediação e outros métodos de solução
consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos,
membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial” (§3º do art. 2º).

Nesse contexto, após instituir a Política Judiciária Nacional de tratamento


adequado dos conflitos, o Conselho Nacional de Justiça, acompanhado pelos Tribunais de

1 Psicóloga e consteladora sistêmica do Projeto Justiça Sistêmica. Endereço eletrônico: candicecsx@gmail.com.


2 Psicóloga e consteladora sistêmica do Projeto Justiça Sistêmica. Endereço eletrônico: cpannys@gmail.com.
3 Juíza de Direito Titular da 2ª Vara Judicial da Comarca de Parobé, responsável pela implementação do Projeto Justiça Sistêmica. Endereço
eletrônico: lizandradospassos@gmail.com.
todo o país, vem, paulatinamente, buscando formas de atender a essa diretriz de política
judiciária, o que se verifica pelo teor da Recomendação nº 50/2014, que recomenda a todos os
Tribunais a realização de estudos e de ações tendentes a dar continuidade ao movimento
permanente pela conciliação. No mesmo sentido, a Portaria 016/2015 consagra inclusive a
diretriz de desjudicialização, por meio de formas alternativas (ou autocompositivas) de
solução de conflitos, que implica o compartilhamento da responsabilidade com a própria
sociedade pela “recomposição da ordem jurídica rompida”. A título ilustrativo, ainda, cumpre
mencionar a Resolução nº 225/2016 do CNJ, que contém diretrizes para a implementação e
difusão da prática da Justiça Restaurativa no Poder Judiciário, prática essa que “busca a
conscientização quanto aos fatores e dinâmicas relacionais, institucionais, sociais violentos e
desumanos, que se apresentam como motivadores de insatisfações e de outras violências”4.

Dentro dessa perspectiva – de consagração positiva das soluções consensuais


no âmbito das normas fundamentais do processo civil –, o presente ensaio propõe-se a abordar
a ciência dos relacionamentos denominada de constelações familiares, criada pelo filósofo e
terapeuta alemão Bert Hellinger, ciência que pode ser utilizada de forma eficiente na
resolução consensual de controvérsias, destacando-se como a sua transposição para o âmbito
do Judiciário atende plenamente aos fins propugnados pela Política Judiciária de solução
adequada dos conflitos, em paralelo aos meios consensuais já existentes.

2. Conflituosidade social e conflito jurídico em sentido estrito

A título introdutório, cumpre registrar que a positivação da imprescindibilidade


da adoção de meios alternativos (autocompositivos ou consensuais) e adequados de solução
de conflitos tem como pressuposto o reconhecimento de que os conflitos judiciais devem ser
vistos com um olhar atento à conflituosidade social subjacente ou circundante; em outras
palavras: o conflito jurídico (em sentido estrito) não exaure o conflito social em que aquele se
encontra inserido ou de que faz parte.

Com efeito, a conflituosidade social não está adstrita a questões estritamente


jurídicas, ou seja, o conflito (bem como sua causa subjacente) é mais amplo que sua faceta
jurídica ou aquilo que foi juridicamente “traduzido” pelas partes – notadamente, pelos
advogados, privados e públicos – para ser levado ao Judiciário. Destarte, de forma subjacente

4 In: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/82457-aprovada-resolucao-para-difundir-a-justica-restaurativa-no-poder-judiciario-2. Acesso em


25.03.2017.
ou circundante ao litígio propriamente jurídico encontra-se um emaranhamento de outra
ordem ou natureza, cuja identificação auxilia sobremaneira o equacionamento do próprio
conflito estritamente jurídico, bem como contribui para evitar a formação de novas lides
judiciárias. Em suma, a tomada de consciência de que por trás do conflito jurídico existe um
conflito social mais amplo (que não se restringe à faceta jurídica), por assim dizer, mostra-se
fundamental ao equacionamento institucional da conflituosidade, à vista da adoção das
possíveis soluções consensuais.

Nesse contexto, aliás, cumpre mencionar o fenômeno, socialmente


generalizado, atinente à dificuldade enfrentada pelos indivíduos para resolver de forma
autocompositiva seus conflitos (carência de autonomia e empoderamento individuais), disso
decorrendo uma notória transferência de responsabilidade social para o Judiciário quanto à
resolução dos mais heterogêneos conflitos, inclusive sob o impulso constitucional e legal,
mais especificamente ao influxo da garantia do amplo acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, da
Constituição Federal e art. 2º, §2º, do CPC/15).

Daí decorre o volumoso aporte, ao Judiciário, de toda sorte de conflitos, muitas


vezes mascarados em suas facetas “massificadas” (e juridicamente “traduzidas”), mas que
estão embebidos e indissociavelmente ligados a causas individuais e sociais mais profundas
do que aquelas refletidas na linguagem ou “roupagem” jurídica: de fato, muitos dos conflitos
que aportam ao âmbito judiciário são motivados por emaranhamentos familiares e
interpessoais não resolvidos (ou mal resolvidos, pode-se dizer), emaranhamentos esses que
somente as soluções consensuais têm o condão de atingir a questão principal. Em outras
palavras: para tais emaranhamentos as tradicionais soluções judiciárias (compensações
financeiras, por exemplo) não se mostram adequadas, ou pelo menos não totalmente
adequadas para a resolução integral do conflito, perspectivado de um ponto de vista mais
holístico e sensivelmente humano.

Nessa ótica, os instrumentos adequados à identificação e resolução da


conflituosidade subjacente aos conflitos estritamente jurídicos ganham relevância no contexto
judiciário, na medida em que se direcionam aos emaranhamentos familiares e interpessoais
circundantes, visando-se, inclusive, a evitar o seu ressurgimento e consequente nova
judicialização da controvérsia. E é exatamente aí que a ciência das constelações familiares
exsurge como mecanismo não tradicional (ou como mecanismo heterodoxo) no âmbito
judiciário, apto a adquirir protagonismo dentre os métodos de solução consensual e adequada
de conflitos judiciais, à vista do seu caráter essencialmente humanista e consequentemente
pacificador.

3. Breves considerações sobre as constelações familiares.

A ciência dos relacionamentos denominada de constelações familiares,


desenvolvida pelo terapeuta e filósofo alemão Bert Hellinger, atende à exigência (e à
expectativa) de efetiva resolução ou solução consensual a partir do direcionamento à
genealogia da conflituosidade (circundante ou subjacente ao conflito visto do ponto de vista
estritamente jurídico, conforme a distinção delineada) que aporta ao Judiciário, na medida em
que busca solucionar padrões de comportamento disfuncional apresentados nas famílias e
sistemas familiares ao longo das gerações5, com base no reconhecimento de três ordens
naturais – pertencimento, equilíbrio e ordem (hierarquia) –, ordens naturais estas que não
guardam correspondência, necessariamente, com as leis positivadas ou até com as regras
morais, mas que foram desvendadas por Bert e embasam o seu trabalho.

Pois bem. A partir de suas múltiplas vivências e experiências (exame


fenomenológico), Bert descreveu seus insights através de sua caracterização da consciência, 6
cuja compreensão guarda correspondência a um órgão da psiquê que tem o objetivo de velar
pelo equilíbrio nas relações. Os estudos de Hellinger sobre este tema o levaram à
compreensão de que cada indivíduo responde através de seus comportamentos não só à sua
própria consciência, mas encontra-se inseparavelmente comprometido (inconscientemente)
com algo que está além de si mesmo: a consciência coletiva de seu sistema familiar. 7 Esta
consciência atua em todos os membros do grupo como se este fosse uma pessoa ampliada, e
dirige o indivíduo conjuntamente com os outros membros do sistema, sem que ele possa se
distinguir dos demais, culminando com o cancelando das diferenças conscientes. Ao mesmo
tempo, zela para que as ordens naturais (ordens do amor) sejam respeitadas, não só entre os
membros do sistema, mas também nas relações com todos os sistemas existentes. E isto
significa que a consciência de cada sistema (familiar ou não) toma a serviço seus membros,
inclusive contra suas consciências pessoais, privilegiando a ordem coletiva em detrimento da
5 Significa dizer que, assim como determinada pessoa leva consigo as suas experiências de vida – captadas a partir das percepções corporal,
sensorial, emocional e intelectual -, há de se reconhecer a existência de “elementos de informação” que perpassam as gerações e dizem
respeito ao conteúdo biológico dos seres - genes.
6 Essa consciência é descrita como a capacidade de avaliar moralmente o próprio comportamento.
7 Dados os limites do presente ensaio, a ênfase será nos sistemas familiares. Contudo, as constelações familiares podem ser utilizadas para
solucionar emaranhados de qualquer sistema, como os empresariais, organizacionais, escolas, etc.
ordem individual8.

A compreensão de como a violação às “regras naturais” propugnadas por


Hellinger pode sustentar um conflito com roupagem jurídica pressupõe o prévio
conhecimento dessas “ordens”, e as consequências de sua violação para a consciência do
sistema. Nessa perspectiva, segundo Hellinger, a ordem do pertencimento à luz da
(in)consciência coletiva (já propugnada por Carl Jung) ou a partir da ideia de sistema,
retomando a totalidade abrangente (do filósofo Thales), não permite que qualquer membro
do grupo seja esquecido, expulso ou excluído do sistema sem exigir uma compensação. Dessa
forma, caso um membro familiar seja excluído de sua família (por vício, homossexualidade
ou comportamento agressivo, por exemplo), essa exclusão vai exigir que um descendente (de
qualquer dos membros daquele sistema familiar) repita o destino do excluído ou aja de forma
similar a ele (mesmo sem nada saber a seu respeito), a exemplo do que ocorre quando um
filho, mesmo reprovando (moralmente) a conduta de um pai alcoolista, quando adulto passa a
desenvolver o alcoolismo como forma de inclusão desse pai excluído.

Já em relação à “lei” do equilíbrio, a consciência do sistema exige uma


compensação adequada entre o dar e o receber. Assim, se alguém recebe demais e não
equilibra isso, então um descendente terá a propensão de fazê-lo em seu lugar. O desrespeito à
ordem do equilíbrio também é frequentemente causa de rompimento nos relacionamentos
amorosos, na medida em que promove o sentimento de superioridade de um
cônjuge/companheiro (aquele que mais dá) em relação ao outro. Disso decorre que, mesmo
após o fim do relacionamento amoroso, os ex-cônjuges/companheiros continuam a se
digladiar no conflito judicializado, buscando um reconhecimento por tudo aquilo que deram
ao outro e que não foi retribuído. Quando as partes conseguem perceber o que lhes move para
o conflito judicial é comum que consigam perceber que este jamais servirá para atender às
expectativas nele depositadas. Se isso não ocorre, embora uma sentença ponha fim aquele
conflito judicial, é bem provável que, posteriormente, o conflito subjacente ou circundante
ganhe nova roupagem jurídica, reingressando ao âmbito judiciário.

Por fim, quanto à ordem (hierarquia), essa consciência não permite a


interferência dos “pequenos” (os que vêm antes) nos assuntos dos “maiores”, sob pena

8 HELLINGER, Bert. Didáctica de Constelaciones Familiares: El Intercambio. Rigden Institut Gestalt, Barcelona, 2016.
daqueles se sentirem (sem perceber) tentados a expiar 9 essa interferência. Comumente é
possível verificar a quebra dessa ordem quando um filho se coloca em posição de
superioridade em relação aos seus pais, gerando um emaranhamento familiar capaz de levar
aos mais diversos conflitos. Pela violação dessa ordem também é possível identificar a gênese
da maioria dos conflitos aluno versus professor, escola versus pais e também de diversos
conflitos em organizações públicas ou empresariais.

Com sustentação nessas três ordens (pertencimento, equilíbrio e hierarquia), o


trabalho com as constelações familiares busca um olhar para a solução dos desequilíbrios
interpessoais. E isso se dá na medida em que permite transformar os “vínculos invisíveis” de
uma família ou de um sistema (v.g.: empresa, organizações públicas, etc.) em “vínculos
visíveis”, mediante a representação espacial do campo morfobiológico 10, a partir de pessoas
ou objetos que passam a representar cada um dos elementos daquele sistema, revelando os
vínculos existentes e seus emaranhamentos. Ao desvendar a verdade sobre o sistema familiar
trabalhado, as constelações familiares promovem a paz nos seus membros, permitindo o olhar
para a solução consensual e autocompositiva.

4. Resolução de conflitos à luz das constelações familiares.

Conforme destacado, a tomada de consciência de que o conflito judicializado


nem sempre se restringe à sua faceta jurídica ou à ordem jurídica supostamente violada –
tendo sua gênese, muitas vezes, em emaranhamentos do sistema familiar das partes
envolvidas – permite inserir no âmbito judiciário, dentre as soluções consensuais, a visão
sistêmica das constelações familiares, a partir dos ensinamentos de Bert Hellinger,
viabilizando que o equacionamento dos conflitos interpessoais ponha luz sobre a solução das
lides judiciais, atuando de forma resolutiva e, inclusive, preventiva.

Assim, dada a necessidade de se pensar os conflitos judiciais num contexto


mais abrangente e sistêmico, a implementação das constelações familiares como técnica de

9 Expiar significa agir de forma inconscientemente guiada pela consciência coletiva, para liberar antepassados de seus equívocos cometidos
em relação ao próprio sistema, ou em relação a outros sistemas numa atitude de compensação. A consciência coletiva não tolera que dentro
do sistema alguém reclame vantagem sobre os demais. Nas gerações posteriores, alguém irá compensar esta vantagem com uma perda. Da
mesma forma, a exclusão de um (o que fere a ordem do pertencimento) fará com que outro repita seu destino, e se um dos membros do
sistema não assume as consequências de seus atos, outro membro tomará sua culpa e seus desdobramentos (Hellinger, 2014).

10O biólogo inglês Rupert Sheldrake é o autor da teoria dos campos morfogenéticos, segundo a qual, para além da herança genética, ocorre
uma transmissão de informações também através de campos mórficos, que contemplam uma memória coletiva da espécie a que se pertence,
ou seja, cada indivíduo está “ligado” a essa memória relativamente à sua espécie.
solução no âmbito da prática forense objetiva viabilizar o equilíbrio da relação conflituosa a
partir de um viés terapêutico. De outro lado, busca-se a conscientização acerca dos papeis de
cada um dos componentes do grupo familiar, de modo a evitar a formação de novos conflitos.
Significa dizer que a transposição11 da ciência dos relacionamentos de Bert Hellinger para o
Judiciário permite que tenhamos, no âmbito judicial, um novo instrumento eficaz de solução e
prevenção de conflitos, consubstanciando um verdadeiro paradigma resolutivo-preventivo.12

De fato, o objetivo de desvelar a gênese da conflituosidade possibilita a


prevenção de que uma nova roupagem jurídica seja a ele atribuída, com reingresso de
demandas judiciais, como ocorre, por exemplo, nas formas de compensação por um pai que
não consegue transmitir o amor que a filha espera dele receber, culminando com ação de
alimentos e, após, no ajuizamento da respectiva ação de execução de alimentos e, por fim, em
outras diversas ações que buscam compensar esse amor não recebido, como ações
indenizatórias, litígios envolvendo bens, etc. Conseguir colocar luz na causa do conflito, visto
de forma social ou holística, possibilita aos envolvidos uma autodeterminação – daí, inclusive,
o caráter autocompositivo da utilização da constelação familiar como técnica de solução de
conflito –, sob outras formas ou matizes, possibilitando um entendimento de que o litígio
judicial, muitas vezes, não suprirá aquilo que verdadeiramente se busca por meio da demanda
judicial. Em outras palavras: a utilização das constelações familiares no âmbito judiciário
possibilita desvelar determinadas angústias profundas que correspondem à verdadeira
genealogia de conflitos que aportam ao Judiciário, atuando, assim, não apenas como
mecanismo de resolução ou solução consensual, mas também, vale frisar, de prevenção da
litigiosidade.

Daí por que a aplicação das constelações familiares, consubstanciando um


paradigma resolutivo-preventivo, possibilita inclusive dissolver a chamada conflituosidade
“represada”, ou, na expressão consagrada de Kazuo Watanabe, a “litigiosidade contida”.13

11E como se dá a transposição das constelações familiares para o Judiciário? A ciência dos relacionamentos criada por Bert Hellinger vem
sendo utilizada no Judiciário das mais diversas formas: seja com o próprio trabalho fenomenológico, tal qual proposto por Hellinger; seja
como pano de fundo para auxiliar em audiências - promovendo verdadeiras conciliações – para facilitar a oitiva de crianças (com a utilização
de bonecos) ou até auxiliando na tomada de decisão (a utilização nas decisões/sentenças de frases curadoras, o olhar para a gênese do
conflito, sem se descurar do exame jurídico da questão, mas realizado a partir da construção sistêmica). Dessa forma, a utilização da visão
sistêmica permite um olhar para o sistema familiar como um todo e, com isso, promove a paz (pacificação social).

12 Sami Storch, juiz pioneiro na aplicação das constelações familiares ao Judiciário, defende que a visão sistêmica do direito, à luz das
constelações familiares, permite utilizar as ordens sistêmicas cunhadas por Bert Hellinger como paradigma de uma “nova” concepção do
direito, o “Direito Sistêmico”, a partir do qual propõe “a aplicação prática da ciência jurídica com um viés terapêutico – desde a etapa da
elaboração das leis até a sua aplicação nos casos concretos”. Nessa linha, Sami propugna que as leis e o direito devem ser utilizados como
“mecanismo de tratamento das questões geradoras de conflito, visando à saúde do sistema 'doente', como um todo”. In
https://direitosistemico.wordpress.com/2010/11/29/o-que-e-direito-sistemico/. Acesso em 25.03.2017.
13 Na ideia de Watanabe, a litigiosidade contida leva as pessoas a praticar atos anti-sociais, conduzindo-lhes até mesmo à criminalidade.
Assim, na linha da Cultura de Paz, a implementação da ferramenta das
constelações familiares no âmbito do Poder Judiciário permite a solução célere e efetiva dos
conflitos, inclusive impedindo que novas celeumas decorrentes dos desequilíbrios no campo
morfobiológico da “família constelada” sejam (re)judicializados.

Significa dizer que, resolvendo o desequilíbrio que deu origem a determinado


conflito, é possível não só a obtenção de conciliações no âmbito do Judiciário, mas a
prevenção de novos conflitos que poderiam ser originados de um sistema familiar
desequilibrado e/ou com inobservância às ordens naturais.

Nesse sentido, para além da perspectiva de gestão judicial estritamente


relacionada à efetividade processual, a implementação das constelações familiares, no âmbito
do Judiciário, viabiliza uma abordagem diferenciada dos conflitos familiares, levando em
consideração as particularidades próprias dos litígios que estão intrinsecamente relacionados
aos conflitos emocionais das pessoas, o que, em última instância, possibilita a humanização
da Justiça e o desempenho do papel social do magistrado, como agente de transformação
social.

De resto, a possibilidade do conhecimento dos emaranhados familiares


possibilita um empoderamento do indivíduo, de sorte que lhe é viabilizada a construção da
sua própria solução (ou seja, uma solução verdadeiramente autocompositiva).

5. Contextualização da aplicação das Constelações Familiares ao


Judiciário.

No Judiciário brasileiro, essa “técnica” de resolução de conflitos, levando em


conta a visão sistêmica, foi pioneiramente implementada pelo juiz de direito Sami Storch14, no
interior da Bahia, com resultados surpreendentes nas áreas da família, infância e juventude e,
inclusive, na área criminal15. Storch iniciou a aplicação da visão sistêmica de forma gradativa,
durante as audiências e, atualmente, realiza verdadeiros workshops, no âmbito do Judiciário,

Aqui se invoca a noção de Watanabe por força da semelhança conceitual; todavia, o conceito de conflituosidade represada utilizado no texto
é mais amplo: o conflito represado, no sentido de algo 'não resolvido' (ou algo apenas circunstancial ou precariamente “resolvido”), ocasiona
não só atos anti-sociais, mas também a busca incessante por roupagem jurídica que visa a transferir a responsabilidade ao Judiciário dos
conflitos interpessoais “não resolvidos”, ocasionando, assim, nova judicialização do conflito.
14https://direitosistemico.wordpress.com/2015/06/10/o-processo-de-implementacao-das-constelacoes-na-justica-entrevista-completa-de-
sami-storch-ao-constela-brasil/, acesso em 25/06/2015.
15https://direitosistemico.wordpress.com/2014/11/17/noticia-do-conselho-nacional-de-justica-sobre-eficacia-das-constelacoes-na-justica-
nas-comarcas-de-castro-alves-e-amargosaba/, acesso em 25/06/2015.
oportunidade em que aborda a visão sistêmica e as ordens do amor e, inclusive, aplica a
técnica fenomenológica nos grupos compostos por pessoas que se encontram litigando
judicialmente. A essa nova visão sistêmica dos conflitos judiciais Sami denominou “Direito
Sistêmico”, expressão que surgiu para explicar a análise do direito sob a perspectiva baseada
nas ordens superiores que regem os relacionamentos, segundo Bert Hellinger.

O trabalho de Sami Storch reverberou positivamente e serviu de porta de


entrada para muitos outros juízes e operadores do direito, que enxergaram nas constelações
familiares uma forma de solucionar com efetividade a conflituosidade subjacente das
demandas judiciais.

Nesse sentido, em pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça, em


outubro de 2016, apurou-se que pelo menos onze Estados da Federação e o Distrito Federal
utilizavam a dinâmica das Constelações Familiares visando à solução de conflitos na Justiça
brasileira. Atualmente, a perspectiva é de que esse número tenha aumentado, dada a
proporção que a aplicação das constelações familiares vem tomando no Judiciário como um
todo. À vista do trabalho que vem sendo realizado na Justiça brasileira, a importância da
temática vem sendo reconhecida e abordada, especialmente sob o viés interdisciplinar,
em cursos dos mais diversos matizes, como, por exemplo, pós-graduações, cursos de
extensão, formações específicas na área jurídica, etc.

No que se refere especificamente ao projeto Justiça Sistêmica: Resolução de


Conflitos à Luz das Constelações Familiares, implementado no Estado do Rio Grande do Sul
– na Comarca de Capão da Canoa e, após, na Comarca de Parobé –, tal iniciativa surgiu da
necessidade de uma resposta célere e eficaz aos inúmeros conflitos judicializados, a partir de
uma ferramenta diversa daquela até então posta à disposição, e que possibilitasse a
humanização da Justiça, a partir da concretização do papel social do Judiciário e do
magistrado.

Com efeito, as inúmeras demandas de direito de família, assim como outras


que, embora não dissessem respeito diretamente a tal temática, estavam relacionadas a
conflitos familiares, serviram como impulso para um novo olhar sobre as dinâmicas familiares
e os conflitos judiciais. Atualmente, sabe-se que pelo menos mais uma Comarca no Estado
(Novo Hamburgo) também vem aplicando a técnica para trabalhar demandas atinentes à
violência doméstica.

6. Resultados.

Os resultados obtidos com a implementação da ferramenta têm sido observados


sob diversas perspectivas, as quais se pode enumerar, dentre outras: a) conciliações
efetivadas; b) não reincidência em atos infracionais; c) desacolhimentos de crianças e
adolescentes; d) ausência de novos acolhimentos envolvendo o mesmo grupo familiar; e)
pesquisa de satisfação.

Sami Storch, ao aplicar as constelações familiares, na Comarca de Castro


Alves, no interior da Bahia, observou que nos processos em que pelo menos uma das partes
vivenciou o evento das constelações o índice de conciliações chegou a 91%; nos demais
chegou a 73%. Nos processos em que ambos as partes participaram da vivência de
constelações familiares, o índice de acordos alcançou 100%.

Já o Tribunal de Justiça de Goiás alcançou com a aplicação das constelações


familiares 94% de êxito na solução de litígios, o que lhe rendeu o primeiro lugar na categoria
Tribunal Estadual do V Prêmio Conciliar é Legal do Conselho Nacional de Justiça.

Na Comarca de Capão da Canoa – com o Projeto Justiça Sistêmica –, em


aproximadamente sete meses de implementação do Projeto foi possível colher importantes
resultados, tal como o índice de não envolvimento dos adolescentes encaminhados ao Projeto
com a prática de atos infracionais, o qual alcançou o percentual de 93%, ou seja, apenas 7%
dos adolescentes encaminhados ao Projeto Justiça Sistêmica voltaram a se envolver em outros
atos infracionais no período de 07 meses. Tal índice mostra-se bastante representativo
quando, segundo pesquisas (vide reportagem da Revista Veja, edição 2460, ano 49, p. 74/75),
a taxa (média) de reincidência entre os adolescentes chega a 68%, sendo que metade dos
adolescentes que estiveram com medida de internação tornam a delinquir nos três primeiros
meses de liberdade. Daí já se constata a relevância do Projeto tanto no âmbito social como
jurídico. Nessa perspectiva, importa referir que a visão sistêmica acerca do envolvimento dos
menores em atos infracionais indica que a prática de tais atos está diretamente relacionada à
desestruturação familiar e, muitas vezes, quando acompanhado do vício de entorpecentes,
vem atrelada, especificamente, à falta da figura paterna. Logo, a partir da técnica das
constelações é possível mostrar a esse adolescente o ponto de desequilíbrio familiar e dar a ele
uma nova chance de acabar com a desordem ou desequilíbrio interpessoal, ou, ao menos,
saber lidar com ela.

Já na casa de acolhimento de Capão da Canoa, no período de quatro meses de


implementação da técnica das constelações, foi possível verificar uma taxa de
desacolhimentos de 40%, sem novas medidas equivalentes durante o período. Afora isso, o
trabalho realizado com as cuidadoras das crianças e adolescentes acolhidos permitiu que elas
adquirissem maior estrutura emocional, e, conhecedoras das ordens do amor propugnadas por
Bert Hellinger (pertencimento, hierarquia e equilíbrio), pudessem disseminar a cultura de paz,
evitando inclusive de cometerem o erro de buscar se colocar no papel de substitutos dos
genitores e demais familiares.

Por fim, ainda foi possível constatar altos índices de satisfação dos
jurisdicionados e da comunidade caponense em geral, já que, as pessoas que participaram dos
encontros durante os seis meses de avaliação, responderam o questionário respectivo da
seguinte forma: 1) 98,2% afirmou que: i) o encontro possibilitou uma percepção um pouco
diferente sobre o seu conflito; ii) o encontro aumentou seu conhecimento sobre si; 2) 99,1%
disse que: i) o encontro desenvolveu melhorias nos seus relacionamentos; ii) o encontro
aumentou a sua motivação na busca de uma solução pacífica; e 3) 100% destacou que o
encontro facilitou a troca de experiências.

7. Considerações Finais.

As constelações familiares consubstanciam uma ciência dos relacionamentos


desenvolvida pelo terapeuta e filósofo alemão Bert Hellinger, a partir da qual se busca
solucionar padrões de comportamento disfuncional apresentados nas famílias e sistemas
familiares ao longo das gerações.

A implementação da técnica no Judiciário possibilita uma nova visão da Justiça


sobre as dinâmicas familiares e a solução/prevenção de conflitos e, com uma concepção
humanista do Poder judiciário, desenvolve uma nova visão da Justiça que promove a
pacificação social e abre um leque de possibilidades de soluções ainda não experimentadas
para os conflitos.
De outro lado, ao tratar dos emaranhados das famílias transpostos para
conflitos judicializados, viabilizando o equilíbrio da relação conflituosa a partir do viés
terapêutico, a técnica propicia uma aproximação do Judiciário com a comunidade, na medida
em que o magistrado deixa de ter um papel meramente de “julgador de casos” e passa a
desempenhar com maior ênfase sua função de “pacificador de conflitos”. Assim, para além da
perspectiva de gestão judicial estritamente relacionada à efetividade processual, a
implementação das “Constelações Familiares”, no âmbito do Judiciário, em última instância,
possibilita a humanização da Justiça.

8. Referências Bibliográficas.

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Sistêmica, S.P., 2013.

FRANK-GRICKSCH, Marianne. Você é um e nós: percepções e soluções


sistêmicas para professores, pais e alunos.

HELLINGER, Bert. A fonte não precisa perguntar pelo caminho. Goiânia:


Atman, 2004

_______________. A Simetria Oculta do Amor. Cultrix, 2006.

_______________. Conflito e Paz. São Paulo: São Paulo: Cultrix, 2007.

_______________. Ordens da Ajuda. 3a edição. Goiânia: Atman, 2013.

_______________. Ordens do Amor. São Paulo: Cultrix, 2007.

_______________. Um lugar para os excluídos. Goiânia: Atman, 2006.

HELLINGER, Bert e HÖVEL,Gabriele Tem, “Constelações Familiares: O


reconhecimento das ordens do amor”, 2006, 5º Ed Cultrix, S.P.

NAGY, I. B. & Spark, G. M. (1983). Lealtades invisibles. Buenos Aires:


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NEUHAUSER, Johannes. Para que o amor dê certo. São Paulo: Cultrix, 2006.

SCHNEIDER, Jakob R. “A prática das Constelações Familiares.” 2007, MG.


Ed Atman.

SHELDRAKE, Rupert, “Uma nova ciência da vida”, S.P. Ed Cultrix, 2013.

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