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DUMONT, Louis.

“Posfácio para a edição Tel: para uma


teoria da hierarquia” In: Homo Hierarchicus. São Paulo:
EDUSP, 1997.

Posfácio para a edição Tel


para uma teoria da hierarquia

Aqui voltamos nossas costas para a índia ou, antes, partimos daquilo que ela nos ensinou sobre
a oposição entre o englobante e o englobado para tentar esclarecer um pouco e, senão oferecer uma
teoria da hierarquia, pelo menos nos aproximarmos dela.
É preciso aqui falar de nossa aversão pela hierarquia. Essa aversão não só explica a dificuldade
que se experimenta no avanço no conhecimento da hierarquia, mas estamos diante de uma espécie
de tabu, ou de uma censura caracterizada, e a prudência exige adotar uma caminhada circunspecta,
evitar toda declaração provocativa, toda afirmação prematura. É isso pelo menos o que pensei e, na
solidão em que estava, escolhi avançar lentamente, ver se adensar o dossiê, se afirmar o solo, se
tornar preciso o horizonte.
Acontecerá o mesmo aqui. Na falta de um estudo aprofundado, prefiro deixar de lado toda
referência externa, renunciar a alusões ou a incursões tentadoras propiciadas pela biologia, pela
estética, bem como pela matemática e pela mística, e me limitar a uma apresentação sucinta do que
considero assentado após meus trabalhos posteriores a H.h fazendo referência apenas àqueles que
foram publicados1. Uma vez mais se trata de assentar uma pedra num edifício que deve merecer o
interesse de outros e não de inaugurar uma habitação pessoal.
Acredito que a hierarquia não seja essencialmente uma cadeia de ordens superpostas, ou
mesmo de seres de dignidade decrescente, nem uma árvore taxonómica, mas uma relação a qual se
pode chamar sucintamente de englobamento do contrário.
O melhor exemplo que encontrei é bíblico. Trata-se, no primeiro livro do Gênese (Cap. 2), da
narrativa da criação de Eva a partir de uma costela de Adão. Deus criou primeiro Adão, ou seja, o
homem indiferenciado, protótipo da espécie humana. Depois, num segundo tempo, extraiu de algum
modo desse primeiro Adão um ser diferente. Eis face a face Adão e Eva, protótipos dos dois sexos.
Nessa curiosa operação, por um lado Adão mudou de identidade, porque de indiferenciado que era
se tornou macho, por outro lado surgiu um ser que é ao mesmo tempo membro da espécie humana e
diferente do representante maior dessa espécie. Tudo junto, Adão, ou, na nossa língua, o homem, é
duas coisas ao mesmo tempo: o representante da espécie humana e o protótipo dos indivíduos
machos dessa espécie. Num primeiro nível, homem e mulher são idênticos; num segundo nível, a
mulher é o oposto ou o contrário do homem. Essas duas relações tomadas em conjunto caracterizam
a relação hierárquica, que não pode ser mais bem simbolizada senão pelo englobamento material da
futura Eva no corpo do primeiro Adão. Essa relação hierárquica é muito geralmente aquela que
existe entre um todo (ou um conjunto) e um elemento desse todo (ou desse conjunto): o elemento
faz parte do conjunto, é-lhe nesse sentido consubstancial ou idêntico, e ao mesmo tempo dele se
distingue ou se opõe a ele. É isso o que designo com a expressão englobamento do contrário.
A questão de Adão e Eva é tão surpreendente, tão contrária às idéias contemporâneas, que um
breve comentário pode ser útil. Tomemos primeiramente o aspecto lingüístico: o francês, o inglês
designam com a mesma palavra o Homem (representante da espécie, nível 1) e o homem (oposto à
mulher, nível 2). Essas línguas inferiorizam assim a mulher, e sabemos que não existe necessidade
alguma disso, porque línguas vizinhas como o alemão possuem duas palavras diferentes, mas essa
disposição é interessante no sentido de que ela une os dois níveis e remete imediatamente ao
englobamento. De resto, ela não é excepcional, mas freqüente nos vocabulários. Quanto ao texto do
Gênese, o que fiz foi apenas extrair um esquema. O texto marca a unidade do casal (versículo 24:
eles serão apenas uma carne). É importante, porque isso é dizer que é só com referência ao nível 1

1
Utilizarei de preferência um texto recente a ser publicado em L'Homme, 18 (3-4), juillet-décembre 1978 (abaixo "L'Homme") e recorrerei, para
detalhes, a um texto mais antigo, "On Putative Hierarchy and some Allergies to it", em Contrib. to Indian Sociol, N. S., V, Dec. 1971 (abaixo CIS
1971).
que pode existir unidade no nível 2. Estamos aqui no centro da questão, no ponto mesmo em que a
consciência contemporânea, e diria a consciência moderna em geral, tenta com todas as suas forças
- e em vão - se eclipsar. Vocês poderiam muito bem declarar que os dois sexos são iguais, mas,
quanto mais vocês o fizessem, tanto mais destruiriam a unidade entre eles (no casal, ou na família),
porque o princípio dessa unidade está fora deles e porque, como tal, ele os hierarquiza
necessariamente um com relação ao outro. É preciso acrescentar, entretanto, que aí está uma
verdade incompleta e que o mesmo princípio hierárquico que sujeita de alguma maneira um nível
ao outro introduz ao mesmo tempo uma multiplicidade de níveis que permite uma volta à situação:
a mãe de família (indiana, por exemplo), por inferiorizada que seja por seu sexo a certos olhares,
não domina menos as relações no interior da família. Se se quiser, de um ponto de vista igualitário,
são esses retornos que fazem com que as sociedades tradicionais possam ser vividas. A mentalidade
igualitária perde isso de vista porque só sabe fixar sua atenção num único nível. Se for obrigada a
considerar outro níveis, ela os construirá no mesmo padrão.
Mas deixemos Adão e Eva de lado e retomemos a questão em termos abstratos. Eu disse que a
idéia da relação englobante-englobado me veio de Raymond Apthorpe. Isso aconteceu no tempo em
que eu "orientava" em Oxford sua tese de doutoramento, bastante original mas ainda inédita2. A
propósito das diferentes relações lógicas possíveis entre duas classes, Apthorpe completava a
apresentação (de Stebbing e) de Euler na forma de círculos em diferentes posições relativas,
introduzindo aí a consideração do universo do discurso. Distinguia quatro casos, dos quais fixarei
apenas dois. Além disso, ele estava preocupado em fazer corresponder imediatamente a esses tipos
lógicos formas de interação, o que ultrapassa meu propósito. No caso hierárquico, segundo
Apthorpe, uma categoria (a superior) inclui a outra (a inferior) que, reciprocamente, a exclui.
Consideremos um universo de discurso, figurado por um retângulo, dividido em duas classes
ou categorias sem resto nem recobertura. Há dois casos possíveis. No primeiro caso, o retângulo é
dividido em partes justapostas, dois retângulos menores A e B. Tomadas em conjunto, as duas
classes A e B esgotam o universo do discurso. Pode-se dizer que elas sejam complementares em
relação a esse universo, ou ainda contraditórias, no sentido de que uma exclui a outra e de que não
existe uma terceira possibilidade. No primeiro caso, considera-se o universo do discurso em sua
constituição (perspectiva estrutural); no segundo, considera-se essencialmente uma das duas classes
e sua relação lógica à outra, ou, se se quiser, considera-se a relação entre as duas classes, sendo o
universo do discurso apenas implicado no plano de fundo da relação (perspectiva substancial).
No caso da hierarquia, a classe X é coextensiva ao universo do discurso, e a outra é distinguida
no interior da primeira, como um retângulo Y contido em X : Y faz parte de X e ao mesmo tempo
dele difere, como Eva de Adão. Acredito que a formulação mais clara é obtida com a distinção e a
combinação dos dois níveis: no nível superior existe unidade; no nível inferior, exis-

A B X

2
Raymond Apthorpe, Social Change: an Empirical and Theoretical Stuay, D. Phil Thesis, Universidade de Oxford, 1956. Segundo uma
comunicação do autor, uma apresentação sucinta do trabalho foi publicada em "Nsenga Social Ideas", Mawazo, Journal of Makerere University,
Kampala, 1-1, June 1967 (errata no n. 2, dezembro 1967).
te distinção, existe, podemos dizer, como no primeiro caso, complementaridade ou contradição. A
hierarquia consiste na combinação dessas duas proposições de nível diferente. Na hierarquia assim
definida, a complementaridade ou contradição está contida numa unidade de ordem superior. Mas,
tão logo confundamos os dois níveis, obtemos um escândalo lógico, porque não existe ao mesmo
tempo identidade e contradição. Sem dúvida esse fato deve ter contribuído para afastar o
pensamento moderno da idéia de hierarquia, para que ele a neutralizasse ou a reprimisse. Ao mesmo
tempo, ele evoca uma vizinhança terrível, a do empreendimento hegeliano que consiste em
transformar o obstáculo em instrumento, em fundar com base na contradição uma compreensão
superior. Talvez este seja o momento de confrontar os dois modelos.
De um lado, temos "estrutura", de outro, "dialética". Os adeptos desta consideram aquela
estéril. E é verdade que a oposição distintiva e, não mais que ela, a oposição hierárquica, que peço
seja juntada a ela, não "produzem" nada. Elas são estáticas: nossas oposições, complementaridades,
polaridades não são ultrapassadas com um "desenvolvimento". Entretanto, existe um processo
temporal que lhe corresponde, é o da diferenciação, que pode ir mais longe, por exemplo, quando,
entre os seres vivos, os órgãos da reprodução sexuada se ligam a indivíduos diferentes, como no
caso de Adão e Eva. Existe, então, um abuso notório, que deve ser apontado, segundo o qual quem
diz diacronia diz "dialético". É verdade, entretanto, que a diferenciação não altera o quadro global
dado uma vez por todas: num esquema hierárquico pode-se multiplicar os encaixes sem alterar sua
lei.
É completamente diferente o esquema hegeliano fundado na contradição. Pela negação e pela'
negação da negação, produz-se sinteticamente uma totalidade sem precedente. De fato, no
pensamento de Hegel, trata-se de produzir uma totalidade diferenciada a partir de uma substância
indiferenciada, isto é, de produzir uma totalidade a partir de uma substância. No esquema
hierárquico, ao contrário, a totalidade preexiste e não existe substância. O que importa para nossa
compreensão é que, dos dois lados, existem dois níveis, um dos quais transcende o outro. Para
Hegel, a transcendência é produzida sistematicamente, em vez de preexistir, e é esta a visada
essencial do filósofo - mesmo que não se esteja no plano do absoluto.

A oposição hierárquica tal como foi definida aqui, enquanto relação englobante-englobado ou
relação entre o conjunto e o elemento, é, a meu ver, indispensável para um pensamento estrutural do
mesmo modo que a oposição distintiva ou relação de complementaridade que aí se estabeleceu
anteriormente. Na verdade, é até surpreendente que não se tenha percebido isso até agora, ou pelo
menos isso seria surpreendente se não soubéssemos que força poderosa se opunha a esse
reconhecimento.
Tentei mostrá-lo num artigo sobre as classificações dualistas e sobre o tema, clássico desde
Hertz, da oposição entre a direita e a esquerda ("l’Homme", pp. 101-109). Observa-se que essa
oposição foi tratada como uma polaridade qualquer, elidindo-se a referência à totalidade que dela é
constitutiva: não existe direita e esquerda senão por referência ao corpo humano (minha direita é a
esquerda de meu reflexo). O problema da "preeminência da mão direita" é um falso problema, ou
pelo menos está mal colocado: a referência implícita ao todo do corpo tem como conseqüência ne-
cessária a preeminência de uma das mãos sobre a outra. As mãos não podem ser iguais numa
situação qualquer porque elas são sempre vistas em relação a um todo que as define e as organiza.
Isso significa que o valor relativo das mãos, determinado por sua relação ao todo de que fazem
parte, é constitutivo de sua distinção, significa que o valor não pode ser dissociado, como se
houvesse de um lado uma idéia de polaridade simples e, de outro, um valor que lhe seria
acrescentado. E o mesmo é válido para o dualismo em geral, por exemplo o das organizações tribais
em metades: ainda aqui a diferenciação quer dizer diferenciação de valores. Diferentemente da
simples relação distintiva, a relação hierárquica inclui a dimensão do valor.
Mas tudo isso ainda é muito simples, e é indispensável complicar o quadro. Dissemos acima:
"A hierarquia consiste na combinação dessas duas proposições de nível diferente". Essa proposição
supõe uma outra: "A hierarquia supõe a distinção de (dois) níveis". Em certo sentido, trata-se dessa
mesma distinção. Enquanto modernos, tendemos a colocar tudo no mesmo plano. Se isso fosse
possível, não teríamos o que fazer da hierarquia. Quando a introduzimos, é preciso tomar cuidado
com o fato de que ela é intrinsecamente bidimensional. Dado que afirmamos uma relação de
superior com inferior, é preciso que nos habituemos a especificar em que nível essa mesma relação
hierárquica se situa. Ela não pode ser verdadeira de uma ponta à outra da experiência (apenas as
hierarquias artificiais têm essa pretensão), porque isso seria negar a própria dimensão hierárquica,
que quer que as situações sejam distinguidas pelo valor. A hierarquia abre, assim, a possibilidade do
retorno: aquilo que era superior num nível superior pode se tornar inferior num nível inferior. É
assim que a esquerda pode se tornar a direita naquilo que se chamaria de "situação esquerda", ainda
que, na complementaridade complexa que as une, as duas metades possam aparecer alternadamente
cada uma como superior e inferior.
Pode-se perguntar o que acontece com tudo isso na ideologia igualitária. Não deixamos, nós os
modernos, de fazer julgamentos de valor, de valorizar desigualmente pessoas, coisas e situações.
Pode-se perguntar como procedemos no passado para nos desembaraçarmos o mais possível da
hierarquia e dessa oposição entre o conjunto e o elemento que de algum modo constitui o princípio
formal desse conjunto. Um dos procedimentos empregados é precisamente a distinção absoluta que
permite considerar os fatos independentemente dos valores. Observa-se ainda que o englobamento
do contrário também acontece com muita freqüência, embora não se dê como tal. Pelo menos é isso
o que se extrai, por exemplo, de minha pesquisa sobre o pensamento econômico (cf. Homo aequalis
I, índice, s. v. hierarquia, exemplos de englobamento). Observa-se que todas as vezes em que uma
noção assume importância, ela adquire a faculdade de englobar seu contrário. Para citar alguns
exemplos, é assim que os bens englobam os serviços na economia política clássica, que o trabalho
engloba a troca para Adam Smith, que a produção engloba o consumo para Marx, tudo isso no
mesmo sentido em que Adão engloba Eva, e, num sentido um pouco diferente, que o Estado
engloba a "sociedade civil" ou o sistema das necessidades para Hegel. Tendo-se em vista a visada
essencialmente anti-hierárquica de todos esses autores, isso deve ser suficiente para mostrar que não
é fácil ultrapassar a oposição em causa.
Talvez não exista senão uma única lei em sociologia, que se poderia chamar de lei de Parsons,
mesmo que Talcott Parsons e seus associados não a tenham formulado dessa forma, para eles
bastante grosseira. É que todo subsistema social é comandado em primeiro lugar pelo sistema de
que faz parte (as palavras "subsistema" e "sistema" têm aqui um sentido bastante relativo) (cf.
Talcott Parsons, Robert F. Bales, Edward A. Shils, Working Papers in the Theory of Action,
Glencoe, c. 1953). Não seria difícil encontrar análogos dessa proposição em outros domínios. É
verdade que a definição do "sistema" nos diferentes níveis e, portanto, o reconhecimento dos
"níveis" e de sua hierarquia, não é feita sem dificuldades. Entretanto, não é difícil encontrar
ilustrações simples desse princípio, que nos comanda, em suma, para extrair um dado nível, de vê-
lo em relação com o nível superior, isto é, de transcendê-lo. Ora, não há dúvida alguma de que o
esforço central e constante do pensamento moderno foi e é dirigido contra a transcendência em
todas as suas formas, tal como se disse em relação a Hegel. O fato de ela ter sido extraída contra a
corrente majoritária da ideologia moderna dá à lei de Parsons seu selo de autenticidade.
Em suma, quer se trate da necessidade de restituir à idéia seu valor ou de reconhecer a presença
da transcendência no coração da vida social, o englobamento do contrário ou, o que dá no mesmo, a
orientação para o conjunto se impõe como um desafio à tendência majoritária da ideologia
moderna.

Dezembro de 1978

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