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Premissa à Nova Edição 11

Introdução 13

1. A Imprensa Como Design 18


2. Nos Anos da Revolução Industrial: 1760-1830 34
3. A Era Vitoriana 56
4. Alemanha-Estados Unidos (1900-1929) 94
5. Art Déco e Le Corbusier 178
6. O Desenho Industrial nos Estados Unidos 210

o
7. Móveis e Objetos Escandinavos 2 54

8. O Design Italiano
9. O Usa-e-Joga-Fora

APÊNDICE

O Design Perceptível - Imma Forino


CC
,<(
2
Notas
Ilustrações
Índice de Nomes

Cf)
(
SOBRE AQUELE CONJUNTO DE EXPERIÊNCIAS QUE COSTUMAMOS
chamar de desenho industrial (industrial design), e do qual já existe uma
rica e prestigiosa literatura, pode-se dizer que não temos ainda uma teo­
ria adequada e uma história verdadeira e apropriada. Essa dupla carência
pode ser explicada de vários modos, todos vinculados à impostação pre­
valentemente ideológica ao se estudar uma matéria que depende, em
vez disso, quase que exclusivamente da "força das coisas". Mas a causa
principal das carências acima mencionadas está, em minha opinião, nas
concessões semelhantes de teoria e de história que fazem muitos estu­
diosos do assunto. De fato, quanto à primeira, toda a ensaística, salvo
algumas exceções, não foi outra coisa senão a procura de uma definição
elo design, continuamente desmentida, apesar disso, pelos fatos. Quanto
à segunda, a história elo design sempre foi vista pelo viés equivocado
ela arquitetura. Por isso, é provável que um contributo mais útil para o

o
conhecimento dessa matéria possa vir ele um estudo que, deixando de
lado ideologias, intenções operacionais ou previsões futuras, histor.icize
os acontecimentos até onde é possível em sua especificidade e auto­
nomia. Mas pode-se fazer a história ele algo que ainda não tenha sido
teoricamente definido?
A resposta é afirmativa, caso se considere que toda história requer
i<{
o
um enquadramento, uma angulação particular, um ponto ele vista único
e funcional para a exposição elo assunto; em uma palavra, um "artifí­
cio historiográfico". E isso não é apenas um modo de tratar tal assunto,
mas antes, e sobretudo, um modo ele identificá-lo. Em nosso caso, não
havendo uma definição rigorosa e exaurível elo design, mas somente

o
uma genérica - ela se refere à produção de objetos nascidos ele um pro­
jeto com valores estético-funcionais, reproclutíveis, graças às técnicas �

o
industriais, numa série ilimitada - utilizamos essas noções elementares
não para dizer o que é o design, mas para descrever como ele se mani­
festa. De modo que o "artifício historiográfico" ele base aqui proposto
está no fato ele que não se assume uma definição incerta do design, mas
sim a sua fenomenologia mais reconhecida. Esta resulta numa espécie

CC
ele estrutura invariante: quaisquer que sejam as concessões elo design, no
campo particular que se quer examinar, na sucessão temporal ele seus

z
eventos etc., estão sempre presentes quatro fatores ou momentos que


tornam a sua experiência um processo unitário: o projeto, a produção, a
venda e o consumo. Eles são subentendidos como um fato e, ao mesmo
tempo, como um "expediente" expositivo.
Assumidos como fato, ainda que correspondam a quatro fases suces­
sivas, não podem ser divididos, tanto assim que nenhum ocorre ( ou
deveria ocorrer) senão em relação com todos os demais. Assumidos
como parâmetros, como "artifícios historiográficos", eles podem ser dis­
tinguidos para melhor análise da vasta rede ele temas e ele problemas
pertinentes a cada um. Com isso, se terá, conceitualmente, um quadro
unitário elo design e, operativamente, quatro seções analíticas. Apesar
disso, quero aqui insistir no fato ele que o design não foi considerado
neste livro apenas como projeto, conforme pensa a maioria elos auto­
res, e sim como um corpus formado pelos quatro parâmetros acima
mencionados, corno uma espécie ele quaclrifólio, um fenômeno, por
assim dizer, uno e quádruplo. Sob essa óptica, compreende-se o quanto
está errado limitá-lo apenas ao ato elo projeto ou à industrialização, ao
comércio etc. O quanto estão frequentemente deslocadas as discussões
entre designers e produtores, entre fabricação e marketing; e o quanto
é importante o papel elo público que, com seu consumo (e mais ainda
com sua adesão por gosto, por conveniência, por questões ele prestígio
etc.), sanciona definitivamente o sucesso de um produto.
Mas, para traçar o acontecimento histórico do design, é necessário
antecipar outras considerações.
A maior parte elos autores alimenta uma concepção monística do
design, fundada em uma pretensa unidade metodológica que, não obs­
tante a multiplicidade elos setores merceológicos, conteria uma história
unitária. Outros possuem uma concepção pluralística elo design e. em
presença ele tantos tipos de mercadorias, propõem tantas histórias do
design quanto são os gêneros ele produtos. Essa segunda via, ainda que
mais realista, deixa ele lado aqueles aspectos comuns que, no entanto,
existem para além elas diferenças merceológicas; e o vimos ao indicar
os quatro momentos invariantes da fenomenologia elo design ..\ redu­
ção da visão pluralista à unitária foi aqui operada recorrendo-se ac iator
gosto, que combina e está presente nos vários setores proclutirns. cc.no o
demonstra a atividade ele tantos designers que se movem ele u..
merceológico a outro.
.1
O termo "gosto" não é entendido no sentido comum, mas c'll OUi;O
mais inclusivo e profundo; por exemplo, penso na associação er.:;!' s:os�o
e bom senso proposta por Hume às vésperas ela Revolução Ind·
para citar um autor mais moderno, na ideia ele Lionello \ e

14
INTRODUÇÃO

reconhecendo na realização do objeto artístico a presença de muitos


componentes de natureza diversa, falava de gosto como o conjunto dos
"elementos construtivos" da obra ele arte. A implicação cio gosto com
arte e estética impõe algumas precisões que constituem uma premissa
ao presente ensaio. ,!
A forma estética que é lícita associar ao acontecimento histórico
cio design não é a da filosofia ela arte nem aquela pertinente à arte pura
ou emergente, e sim uma estética ( e recordemos que com Baumgarten
a estética nasce como ciência da perfeição sensível, não como ciência
ela arte) que convém a uma arte aplicada, a uma artísticidade difusa ou
exatamente a um gosto inclusivo ele muitos "elementos construtivos".
Adicione-se a isso que o fator "gosto" está presente em todos os quatro
momentos ela fenomenologia do design: não há projeto, invenção téc­
nico-produtiva, fenômeno socioeconômico ou consumo ele um produto
capaz ele assinalar uma inflexão no design se não intervir a componente
· cio gosto, ora como estímulo ora como obstáculo.
E chegamos ao ponto nodal ela introdução a este livro: quais são
os "eventos" na história cio design? À diferença daqueles ela arte e ela
arquitetura, nos quais os protagonistas são seus artífices e suas obras, o
processo histórico cio design não se baseia apenas nos projetistas, por­
que ao menos um peso idêntico possuem os produtores, os vendedores
e mesmo o público. Nem pode concentrar-se apenas nos produtos, pois
em muitos casos contribuíram mais para o design as inovações técnicas,
as instituições, o aporte ele ideias, sobretudo a lógica ela produção-con­
sumo. E ainda, enquanto a história ela arte se apresenta com gêneros ele
artefatos bem definidos - edifícios, esculturas, pinturas -, a cio design
compreende a vasta e multiforme gama de tudo o que se pode produzir
industrialmente. Mas ele que modo reduzir então tantos temas, proble­
mas e objetos a eventos suscetíveis ele um tratamento histórico unitário,
homogêneo, autônomo?
Como havíamos antecipado, o "artifício historiográfico" ele base,
adotado neste livro, serve não apenas para ordenar a matéria, mas
também, e sobretudo, para identificá-la. De modo que o parâmetro
elas quatro fases - projeto, produção, vencia e consumo - nos indicará
aqueles fenômenos que, respondendo a todos os requisitos do esquema,
possam ser assumidos como os verdadeiros e apropriados "eventos" ela
nossa história. Os outros aspectos elo design que não entram em tal
esquema são ou meramente culturais ou destacadamente industriais ou
comerciais e, portanto, não pertinentes ao nosso exame. Dessa maneira,
o "artifício historiográfico" teré'í ainda a função ele linha discriminante

15
entre aquilo que entra a pleno título no advento do design e o que per­
manece à margem, embora tendo uma contribuição significativa.
O dispositivo referido, por fim, corresponde à intenção de fundo da
presente pesquisa. De fato, ele nos permite libertar o design de qualquer
mitologia, de qualquer utopismo, como também de qualquer hipertro­
fia estética ou intelectualística, e nos permite ainda considerá-lo uma
atividade prevalentemente prática, realista, ligada às "força das coisas",
até enquadrá-lo numa óptica busínesslíke.
Certo, trata-se de uma operação redutiva, polemicamente posi­
tiva, divulgadora, que deixará fora do discurso muitos outros aspectos
estudados com mais cuidado por outros, mas trata-se de uma escolha
deliberada: a uma exaustiva, tanto quanto confusa, çoleta de dados filo­
lógicos e a uma historiografia tendenciosa, preferimos uma "construção"
esquemática, certamente lacunar, mais sintética do que analítica, mas,
ao menos nas intenções, destinada a dar uma ideia mais clara do design
e de seu acontecimento histórico.
Para a redação deste livro, deram uma preciosa contribuição os
arquitetos Roberta Almirante e Sergio Villari, e tivemos uma ajuda não
negligenciável do arquiteto Livio Sacchi. A todos eles vão os meus mais
vívidos agradecimentos.

16
1

podem
f

AO SE TRAÇAR A HISTÓRIA DE UMA ATIVIDADE CULTURAL E PRODUTIVA,


frequentemente se parte ele alguns precedentes para mostrar que ela não
surge num só momento e, exclusivamente, ele uma só causa, mas sim
ele um conjunto ele motivos e ele contributos estratificados no tempo.
Assim, na tentativa ele individuar precedentes do desenho industrial,
podemos partir elos tempos mais antigos, nos quais são reconhecíveis
os sinais de uma indústria primitiva, até os mais sofisticados lavores dos
séculos xv, xvr e xvrr, em que, além ele maquinário mais aperfeiçoado,
já se encontram presentes manufaturas ele alta especialização que anteci­
pam a moderna divisão elo trabalho e até mesmo o propósito que anima
as atuais linhas ele montagem.
De outro lado, há uma opinião difusa segunda a qual "não é possível
discutir desenho industrial referindo-se a épocas anteriores à Revolução
Industrial, mesmo se desde a Antiguidade houve alguns objetos executa­
dos em série e com a intervenção parcial ele maquinário primitivo, como o
torno, a broca, a roda ele oleiro e as prensas manuais elos fornos cerâmicos" 1.
Se isso é verdade, quer dizer, se a Revolução Industrial, convencio­
nalmente datada no período que vai ele 1760 a 1830, assinala o maior
"divisor de águas" entre as produções artesanal e industrial ( com os
problemas que mencionaremos na conclusão elo capítulo), ao menos
um setor, o ela imprensa, antecipa em mais ele três séculos a revolução
e, ele qualquer modo, pode ser considerado, para todos os efeitos, uma
atividade classificável no domínio elo design.
Como foi observado, a imprensa "constituiu o ato de nascimento
da indústria, o momento da mecanização da arte de escrever foi, prova­
velmente, a primeira redução ele um trabalho em termos mecânicos";
além disso, desde o seu nascimento,

a imprensa comportou uma revolução na concepção cio próprio ato


produtivo. Com a imprensa, surge a ideia ele multiplicação por meio
ele uma série idêntica ele um mesmo objeto uniforme e repetível. A
folha impressa, produzida em inúmeros exemplares, e a invenção ele
máquinas nas quais a mão cio homem está ausente transformaram
efetivamente a própria ideia ele produção'.

Mas a melhor exposição de nossa tese se obtém considerando a


imprensa em relação ao paradigma que estabelecemos como invariável
no fenômeno do design: o projeto, a produção, a venda e o consumo. E
como ela nasce com intentos prevalentemente práticos e de uma inven­
ção técnica, iniciamos o nosso exame confrontando-a com o parâmetro
ela produção.
Os inícios ela "escrita artificial", como na origem foi chamada a
imprensa, são incertos e controvertidos. Segundo alguns autores, a
imprensa ele caracteres móveis deriva diretamente da xilografia, já flo­
rescente no século XIV. Esta empregava como matriz uma tabuleta de
madeira com letras incisas que, oportunamente entintada e compri­
mida por uma prensa sobre uma folha ele papel, permitia reproduzir
várias vezes um texto com sua respectiva imagem. Outros autores, como
Lucien Febvre e Henri-Jean Martin, põem em dúvida essa gênese da
imprensa, observando:

Tendo as primeiras xilografias aparecido antes ela invenção ela


imprensa, podemos ser tentados a estabelecer uma filiação cio livro
estampado ela xilografia; os incisares ele macieira, cansados ele talhar
em cada página novos caracteres, teriam um dia pensado em talhar os
caracteres fora ela tábua ou talvez em recortar caracteres isolados que
pudessem ser juntados ele modo a formar um texto. Após o que, com
um novo passo adiante, restava apenas substituir a macieira pelo metal.3

Mas a dificuldade ínsita dessa substituição, o fato de que os prototi­


pógrafos eram na origem ourives (e Gutenberg entre eles), a persistência
da xilografia mesmo depois da invenção da imprensa e numerosas outras
razões técnicas levam os autores citados a negar a descendência direta

20
1.
A IMPRENSA COMO DESIGN

dos caracteres móveis tipográficos da página


xilográfica unitária.
A própria figura de Johann Gensfleisch,
dito Gutenberg (1394-1468), nascido em Mainz,
como inventor da imprensa, apresenta algumas
incertezas. De alguns documentos resulta que
em Estrasburgo, já por volta do ano de 1436,
se teriam efetuados os primeiros experimentos
tipográficos; por exemplo, fala-se de um ins­
trumento para Trucken ( estampar), de maneira
a fundir etc. De qualquer modo, desde 1452,
Gutenberg dedicou-se à impressão de uma
obra de grande dimensão, que aparta clara­
mente o período dos manuscritos daquele da
verdadeira imprensa. Trata-se da célebre Bíblia
de 4-2 Linhas, composta em duas colunas. Para
esse trabalho, completado em 1456, Gutenberg
teve à disposição seis compositores e deve ter
fundido não menos que 290 signos. A obra
tem dois volumes de grande formato, respecti­
vamente de 324 e 327 páginas. Na falta de uma
documentação exaustiva, a técnica inicial da
imprensa é deduzida desses exemplares inicial­
mente produzidos.

Embora não haja particulariclacles sobre


o modo pelo qual Gutenberg resolveu o
procedimento ela imprensa, o fato, toda­
via, ele que por muito tempo a tipografia
não tenha tido modificações substan­
ciais faz pensar que ele tenha afrontado
e resolvido praticamente todos os proble­
mas que se lhe apresentavam. A forma
"de fundir" para se obter os caracteres
devia conter um espaço vazio dentro cio
qual se vertia o chumbo líquido; uma parede era substituível para ali
introduzir-se a pequena lâmina incisa em côncavo, correspondente a Figuras 1-2:
urna letra ou signo. Além disso, Gutenberg deve ter resolvido o problema Johann Gensfleisch,
. . . dito Gutenberg; amanuense
cio almhamento cios caracteres, dado que as lmhas ele sua compos1- e vendedor de livros em
ção estão perfeitamente sobrepostas. Analogamente, eleve ter provido uma xilografia, 1491.

21
a máquina compositora e as caixas para os caracteres, servindo-se da
prensa, que também era usada em muitas outras atividades, para a
impressão.4

Mas, para além de qualquer aporte técnico, o núcleo da invenção ela


imprensa está na idealização e na realização ela unidade mínima gráfica,
isolada e móvel, ao se extrair de um contexto mais amplo, já adotado para
a reprodução em série (a página), uma segmentação posterior (a letra),
o que favorece fortemente o processo em série, tornando-o mais célere,
mecânico, econômico e, por assim dizer, mais projetivo. Graças à inven­
ção dos caracteres móveis, foi possível o uso iterativo de um só desenho de
letra, sobre o qual se concentra, como veremos, grande parte exatamente
da capacidade projetiva dos tipógrafos; foram possíveis a estandardização
ele um elemento normalizador e construtivo, a correção ele um texto num
ponto preciso e a introdução do princípio da "peça intercambiável", que
é o fundamento ele qualquer outra produção em série posterior. Em uma
palavra, considerando o caractere móvel como o núcleo ela impressão, por
toda a sua valência5 técnica, produtiva, econômica e estética, ele pode­
ria ser concebido, além disso, como protótipo metodológico de qualquer
outra categoria sucessiva de design.Evidentemente, a imprensa, vista sob o
ângulo da produção, não se limita às mencionadas características técnicas.
Assumindo-se o livro, produto típico da imprensa, como design, ele
nasce como se fosse fruto da cultura humanística, com o propósito de
traduzir, por meios mecânicos, a bela escritura ou "caligrafia" dos ama­
nuenses, mas também e, sobretudo, como "mercadoria", como produto
ele uma verdadeira indústria, tendo em mira quantificar os modelos, fabri­
cá-los mais depressa e abaixar-lhes o preço ele venda.

Desde sua origem, a imprensa surge como indústria atenta às mes­


mas leis das demais indústrias, e o livro, como mercadoria que alguns
homens produziam antes de tudo para ganhar a vida, mesmo sendo
também humanistas e esh1diosos, como [Aldo] Manuzio e os [irmãos
Charles, Robert e François] Estienne. Deviam, em primeiro lugar,
encontrar capital para poder trabalhar e imprimir livros aptos a satis­ Cl011é
fazer a sua clientela e a preços capazes de sustentar a concorrência. O em it
mercado do livro sempre foi similar a qualquer outro.Aos industriais de 1ª
que fabricavam livros- os tipógrafos-, aos comerciantes que os ven­ cerca
diam- livreiros e editores-, impunham-se os problemas de custo e mai
financiamento [ .. ] que condicionavam a própria estrutura de elabo­ 1
ração do livro.6 litera

22
1
A IMPRENSA COMO DESIGN

Alguns dados numéricos nos fornecem a prova mais convincente do


caráter industrial do produto e do desaparecimento paralelo da manufa­
tura única e indiferenciada. Nas oficinas dos grandes impressores, como
os Koberger, os Froben, os Plantin, os encarregados da prensa entrega­
vani de 2500 a 3500 folhas entre as doze e dezesseis horas ela jornada ele
trabalho, com uma produção média ele uma folha a cada vinte segun­ ,.
dos, assim como vinha precisado nos contratos de trabalho. Vinclelino
ela Spira imprime, em 1471, mil cópias elos comentários elo Panormi­
tano* na primeira e na segunda Decretale; Manuzio, no início elo século
seguinte, tira mil cópias de volumes da sua coleção ele clássicos; a pri­
meira edição do Moriae encomiwn (Elogio da Loucura), de Erasmo, é
impressa na Basileia, por Froben, em 1515, com 1800 exemplares; já em
fins elo século xv, os grandes editores internacionais, como os Koberger,
alcançam a cifra ele 1500 cópias para os maiores textos produzidos. Em
uma comparação sintética, Robert Escarpit sustenta que a média elos
livros impressos não superava 1500 cópias por volta ela metade elo século
xv; no século seguinte, estava entre duas mil e três mil cópias, e perma­
neceu assim até a metade elo século xvm7. Mais esclarecedores são os
cálculos e as considerações sobre dados fornecidos por Febvre e Martin:

Entre 1450 e 1500, chegaram-nos ele trinta a trinta e cinco mil obras
ele diversas impressões, representando cerca ele dez a quinze mil tex­
tos diferentes. Se tivermos em conta as obras perdidas, talvez sejam
bem mais. Admitindo-se uma tiragem média ele quinhentas cópias,
trata-se ele cerca ele vinte milhões ele exemplares impressos antes ele
1500. Números impressionantes, mesmo para nós, homens elo século
XX. Ainda mais impressionantes porque a Europa, não o esqueçamos,
era muito menos populosa do que hoje: seguramente, menos ele cem
milhões ele habitantes nos países em que a imprensa difundiu-se e,
dessa população, só uma minoria sabia ler.8

Interessante elo mesmo modo são os tipos dessa grande quantidade


ele livros e os ternas neles tratados. Na produção anterior a 1500, conven­
cionalmente definida corno a elos incunábulos9, 77% era em latim, 7%
em italiano, entre 5 e 6% em alemão, ele 4 a 5% em francês e pouco mais
ele 1% em flamengo. Entre essas obras, dominam as ele caráter religioso,
cerca de 45%, as do gênero literário, com 30%, as ele direito, com pouco
mais ele 10% e, por fim, os textos científicos, com cerca de 10%.
Em síntese, a indústria livreira, no início, não propõe uma nova
literatura, mas traduz, em termos mecânicos, seriais e comerciais, os

23
Figuras 3-4 mesmos temas e gêneros precedentes, com um paralelo que reencon­
(no alto) Bíblia de 42 linhas, traremos passando do conteúdo à forma, do parâmetro da produção ao
de J. Gutenberg, Mainz, 1456.
elo projeto. Antes ele tais passagens, ocupemo-nos elo livro em suas fases
ele venda e consumo.
A primeira razão elo sucesso dos livros impressos na sua fase ele difu­
são, no Renascimento, está no fato ele que, como se viu, eram na sua
grande maioria escritos em latim, e a isso se eleve o comércio elo livro
em escala internacional. As novas condições criadas pela arte tipográfica,
a maior procura elos clientes privados, elas universidades, elas bibliote­
cas, o volume aumentado elas mercadorias a serem distribuídas etc.,
encontraram um sistema ele venda, ele transporte e ele pagamento que,
embora rudimentares, não foram inferiores aos técnicos e projetivos.
Com frequência, por exemplo, as grandes expedições ele livros vinham
recorrendo ao expecliei1te ele ter as folhas soltas, acondicionadas em
barris. Muitas vezes tais folhas pertenciam a textos diversos e cabia ao
destinatário recompô-las, religá-las, confeccionar o frontispício e a pro­
teção para dar a cada uma elas cópias a consistência originária ele um
livro. Mais tarde, a rede ele distribuição e ele venda foi se aperfeiçoando
com a criação ele agências, tendo seu momento ele maior atividade por
ocasião elas grandes feiras, como a ele Lyon, ele Frankfurt e ele Lipsia.
Para essas manifestações, também vinham impressos, em acréscimo,
catálogos gerais que assinalavam, ao lado elos títulos normalmente em
produção, as novidades editoriais. Entre as mais importantes agências
ele livros, a Koberger, ele Nuremberg, e a Amerbach, ela Basileia.
Outras cifras sinalizam o sucesso elo livro elo ponto ele vista elo con­
sumo: ela primeira edição elo Novo Testamento ele Lutero, datada ele
setembro ele 1522, foram vendidas, em poucas semanas, 5 mil cópias;
depois ele três meses foi realizada a segunda edição, e dois anos depois
a obra alcançava 14 edições autorizadas e 66 plagiadas. Porém, mesmo
textos ele menor clamor alcançaram cifras surpreendentes ele venda: que
se pense no livro ABC and Little Catechism que, em 1585, em só oito
meses, vendeu dez mil cópias. Um elos casos ele maior relevo como fato
ele consumo foi o livro ele Tommaso ela Kempis, De imitatione Christi.
Figuras 5-6 Lançado pela primeira vez em Augusta, em 1471, alcança, antes elo fim
(abaixo, à esquerda) Primeira
elo século, 99 edições, entre as quais duas traduções, uma em francês
edição completa da Bíblia
de Lutero (Hans Lufft, (1488) e uma em italiano (1491); o que levou Steinberg a considerá-lo "o
Witten6erg, 1534). primeiro livro impresso que merece o apelativo ele best-seller"10•
(à direita) O De imitatione Corno se vê, relativamente à produção, à venda e ao consumo,
Christi, de Tommaso da
Kempis, na edição da
o livro, assumido como protótipo ela impressão, reflete e antecipa lite­
lmprimerie Royale (Paris, 1640). ralmente o design entendido na moclerniclacle, especialmente se se

24
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nr p,rriefui zad!ariíi.ftllÍjlOnbmr ol!mliaaierur ao íímbd . o: apalloriblob ípoe. JQarta lliitam, �,IUIITrmtittllidnmullíll:ltui,ttat
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rurio�tllllll.ftbiiniitabiUUluia itlum a níorr auguBu:,nbJ, inro,b1íuo.frrruttf1íun1pallorro rua.fr�Kllibua u(q; nbãuoeDtlu•
1111110d! inrognarionrma-qui ooa, 1111Uruniuttfueolbíe.1(1111!1m iilolilrrantte ttlnubãttebrúínoriii, giiaqalllllài:ijniibiíttbrtutt bt 11111,
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ftílldued!rimot[IIJ! oriit9 uianor nt,llhlffltllr rum maria O!fpon!ara \JlllVBnDnioriuefrrünumllantrma. lilãn11.<arrd! anlitttúxtJar11
toij:1íup1t01iiiomont11na iubrr•bi· liblUJOlf prrgnãtt.fadii 11\oulioi n1bdrriit illü íníbllUÍnli,utf10mnt mÍQ!lllbatur•tier, · ·a: 1111t11,
uulgoborur omia Dllba btt:11 polbt, rlímribi:í1!1l'lrtiíumbíraurpn111t rum blio:ímníttiprum rllin lrgrno, áabliltlltin. .ft=Ol'lllll\l t,
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lltlttí.fl11ifjwme1u11 illrrrtt!frrrü rii innoluit -1 mbnauítrií iuprpia: IÍltltlouluam-íoudiibfuJ uol8bíulr. íofmmipOÍltlf ,fr!Ü[adue rllit 1111•
monuebiiinar111illo.ft�ild!aliaf quia non itat rilqrue in OiulÚOriA. lrutOOttmbol!iiifdim q, bidii d! n�OUDbnim · alimbtnlilD Rlív in
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IIJP�llllllil birrue.&wi11ua bml lan1111:-1111Bobittt1t11 uigi�oennitil lot111h11)lb1t11,frmrbomo1111tin lli-míummolif1Dbitbltum nl)imtt.
blUO iímljd:quia UÜIIBUÍIli&dtm)t, fupu,:tg;íuü.fr1t11 iigttuelllíi lbril il(tfmnnnornrírmtan.ftlpmaíOt mnilfn pu11 illfue inibrruíali:1nii
mprionnnplrbie íut.fr !tltitllllnu inJTIJ illoo:1 d ntimo bri rirrumfulfir 111Binrimarat,qplllãooifalariunf PJtlllOUttiit p,rmtte n1•.f{ll!imiirro

9teaulí
cr�e �piftd Santt
/ 1tn Ne .Coríntbern.
DE
IMITATIONE
CHRISTI
LI B E R P R I M V S.
Admonitiones ad fpiritualem vitam vtÜes.

v T 1. e Ap
1. De imitatione Cbr!fti, & contemptu
1wlus berulfen 3um 1too
flt( ::J!Jrfi1 QJ;)r(fll /burcf;, btn n:nlrrn
<Bottts/onb !t,rubf:r esc,f}l}tnre.
Dtr(!5,rmrlnr<Bottts3uCorlntl;lrn/
omnium rvanitatum mundi.
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VI fequitur me, non
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x::>crrn:J�•f•C�n�/bos fr •IJomAl<in<rl<V r<b<forct/•íil•tfct nlc\,t
ti>oltonil
considerar que os procedimentos técnicos, industriais e comerciais
permaneceram substancialmente idênticos por outros três séculos,
desenvolvendo-se depois em perfeita continuidade com a indústria edi­
torial elos séculos XVIII e xrx. Resta discutir a nossa tese ele acordo com
o parâmetro principal elo design, quanto mais não fosse por sua posição
prioritária: a ela imprensa como projeto.
Que a gráfica, a arte ela impressão, o livro e seus derivados sejam
classificáveis no âmbito elo design, é dado antes ele tudo pelo confronto
entre os trabalhos artesanal e industrial, o que concerne propriamente
à fase ele projeto. Ainda que mesmo o artesão projete antes de executar,
o seu interesse está concentrado, sobretudo, na realização ele urna única
manufatura, que se aperfeiçoa na medida em que se realiza; a sua qua­
lidade é medida, frequentemente, pelo resultado ela "última mão". Ao
contrário, o designer concentra todo o seu esforço na fase ele projeto.
Este, ao menos em teoria, deveria conter, junto com a conformação elo
produto, todas as previsões relativas às diversas fases ela elaboração, para
não requerer mais a intervenção ele outros técnicos e expertos, a não ser
na qualidade ele executores. Corolários elas referidas prerrogativas são a
serialização elo produto e sua valência social: o designer não mais projeta
para um comitente que lhe é conhecido, para uma classe, mas poten­
cialmente para toda a esfera social. Como escreve Giulio Cario Argan,

no processo produtivo industrial, o projeto é uma espécie de ideia pla­


tônica, ne varietur: sabe-se que a máquina não poderá senão imprimir
milhares de exemplares, sem que qualquer modificação ou atuali­
zação possa ocorrer no curso da elaboração. Logo, o projeto deve
abranger em si, no seu traçado, a consciência de todas as condições
técnicas inerentes à sua realização; deve implicar a correspondên­
cia do objeto com todas as exigências práticas a que deve servir e
não apenas à exigência deste ou daquele indivíduo ou grupo social,
mas à média das exigências coletivas, pondo-se como um padrão;
deve mesmo prever e resolver todas as condições inerentes à matéria,
para que nenhuma distinção ou qualquer destaque possa em seguida
subsistir entre o mundo ideal ou do espírito e o mundo prático da
matéria. É só lembrar-se que o objeto produzido pela indústria não é
elaborado com uma matéria "natural"; a matéria natural presta-se ao
naturalismo do artesão, enquanto a indústria forma a própria matéria
no mesmo instante em que determina a forma; exige matérias "sinté­
ticas" para sua forma sintética".

26
1.
A IMPRENSA COMO DESIGN

1'i
.

Rebarba ou talude
superior
Olho

Aproximação
Aproximação ou aperto direito
ou aperto esquerdo
haste
1Crminais

Rebarba ou talude
- ---"-inferior
-

f!acc anterior ou
barriga


.2
<
Canal ou goteirn
Ranhura ou �
sulco
Figura 7
Ranhura Casa de impressão a partir de

uma gravura do século XVII.

Figura 8
Caractere tipográfico à mão
em sua forma e nomenclatura
Corpo Largura
atuais.

27
m.,.,.
·XVlNC,
tilíifíiiõ
1391S-
--
000-180

� UOl:1m llf n
J6t�tt6�- 1••11-11,,
eoclem �� ""'eeMn:" 6Ult,filllll ••11p11a• ABCDEFGHIKLMN
11111oz
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u,nammmoquo
IIIUXYZ
m&lft� 1"" �OC:�0 llliiit,,1111•11--f ABCDEFGHIKLMN
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IDll1Dllr1(;(1!r1111,1
• 111111 t t fí U 1111 r r I i f í OPQRSTU//XYZ/k
loc-na# pun robore- a, lUnlml$lt,) mqu !liitflftdttffn•
, 11llli••1111 i. 1 i 1 1 1 i I i 1
i Ili rr••···••ilili
(8,Wa bcdefghi lmnopqrst
UV1,

Essas considerações gerais sobre projeto aplicam-se perfeitamente à

i
imprensa. O que nela pode ser definido especificamente como projeto?
Duas coisas, sobretudo: o desenho elos caracteres e as regras combinató­
rias com as quais se compõem entre si, associando-se às imagens. Ora, o
desenho dos caracteres e a paginação são operações tipicamente proje­
tivas, já que fixadas inteiramente antes do processo laboral; neste, tudo
eleve ser ordenado e previsto, não sendo possível qualquer intervenção
na fase executiva. Como observa Barbieri,

outro aspecto notável, especialmente na impressão cios textos, é o fato


ele que o valor estético cio produto depende, em igual medida, ela qua­
lidade cios elementos pré-fabricados (caracteres) e ele sua composição
na página (paginação), e que a configuração ela página estampada
está sempre vinculada a uma função bastante complexa, que vai da
facilidade da leitura à inteligência cio texto. C
e insiste no conceito central ele nossa tese: ra
pelo emprego de elementos pré-fabricados e de procedimentos téc­ UT
nicos, assim como pelos modos ele organização do trabalho e, enfim,
V
pelo caráter ele série da produção, a gráfica eleve ser considerada
Figuras 9 -12 a primeira forma histórica cio desenho industrial [ ... ] Estrutural­
Da caligrafia aos caracteres
impressos.
mente, o caractere da imprensa resulta ela redução ela escrita manual

28
AENE•
p ttbultt 1'4T1là le�ns,nidisi_; loqUddbus e{atr,
E tnuncportiábus uttatis,nunc humltLt árcum
s tztg,utfonat,finulis medias Iutunut per bofks (

F ertUr equis,rd-pido'J! uold-ns óbit omnid-CUrru.

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N8���rffl
111 �m �cm
' �s credidit Auditu1 noíl:ro: &
uelatume.íl:,Ecafcenditficutvirgultum
Figuras 13-16
radix de cerra deferci: N on erat forma et, � Caracteres utilizados por A.
Manuzio para edições com

urbe Protinu.r abftendere,non Exaudito Re­ letras cursivas aldinas.


� "Alphabeto digníssimo antico",
v1A B C'D E FGHJI KLtJH MNOP de L. Pacioli.

Auguftijn Romcyn N°. :i.


� Caractere desenhado por
Claude Garamond, em 1531 .
Alexander aute fal\:us annorum duodecim, rc- � Caractere desenhado por
Christoffel van Dyck, em 1650.
ou cursiva a uma letra isolada e por um processo ulterior ele estili­
zação ou de simplificação, tendo em vista extrair todas as letras cio
alfabeto de um pequeno número ele signos combinados ele várias
maneiras; nesse sentido, pode-se dizer que o caractere tem um valor
ele tipo. 12

Fixados esses pontos que indicam sem equívocos a componente


projetiva do produto tipográfico, notemos que no início da imprensa se
verifica um fenômeno comum a todos os setores do design: a gráfica do
livro se dá como representação de uma outra escrita, a do manuscrito,
conforme uma lógica que caracteriza qualquer outro tipo de produção
industrial, ou seja, aquela pela qual ocorre a imitação do novo produto
de seu precedente artesanal.

O caractere escrupulosamente imitativo, que muitas vezes torna difí­


cil distinguir os livros impressos entre 1450 e 1480 cios manuscritos,
nascia ou ele problemas ele concorrência no mercado com os produtos
cios amanuenses ou pela desconfiança que muitos bibliófilos nutriam
face aos livros "artificialmente impressos", indo-se ao ponto ele se fazer
reescrever à mão algumas edições impressas. De modo que a igual­
dade entre o impresso e o manuscrito era, para os tipógrafos, prova
ele habiliclacle técnica e garantia ele sucesso cornercial. 3
1

Com a segunda geração ele impressores, a componente projetiva


abandona o modelo ela caligrafia para refazer-se com outras referências
que assinalam o início da pesquisa estilística, relativamente ao desenho
dos caracteres e à paginação. Essas referências são a epigrafia antiga, a
arquitetura e todos aqueles princípios e regras estéticas próprias do gosto
tenascentista: a modulação, o antropomorfismo, a simetria, a eurritmia
e o símile.
Com um rápido excurso, vejamos a evolução do gosto que se mani­
festa no desenho elos caracteres e dos outros elementos presentes na
página impressa. Ela nasce, com Gutenberg e outros autores alemães,
em estilo gótico, mas logo adquire equilíbrio, amplitude, o ritmo calmo
e repousante da arquitetura renascentista. Os caracteres se tornam "itá­
licos", ou seja, de derivação romana, modificados segundo a revisão
formal da Renascença, e começam a perder o nome de seus autores.
Assim, aqueles desenhados pelos Manuzios, especialmente por Alclo, o
Velho, chamaram-se aldini; ele "aldina" foram denominadas todas as edi­
ções desse humanista-tipógrafo, a quem vai também adscrita a invenção

30
1
A IMPRENSA COMO DESIGN

de uma coleção "de bolso" dos textos clássicos. Depois do italiano, é o


renascimento francês, já carregado de maneirismo, que dita as regras
em matéria ele caracteres e ele paginação. O tipógrafo francês Claude
Garamond modifica os caracteres alclines, acentuando a esfericidade e
o negror elas hastes; seu exemplo foi seguido e desenvolvido pelo belga
Cristoforo Plantin, um elos mais importantes elo século XVI.
No início daquele século, um livro não era valorizado só pela beleza
elas letras, por seu espaçamento, pela relação ela coluna escrita com
as suas margens mais ou menos amplas, mas também por um novo
elemento que entrou para enriquecer a arte tipográfica: o frontispício.
Inicialmente, o frontispício é apenas um índice que precede o texto,
logo depois ganha ornamentos, letra maiúscula, jogos decorativos, tor­
nando-se uma verdadeira folha ele abertura. Os motivos dominantes no
frontispício são os ela arquitetura: frontões, portais, colunas, fachadas
inteiras. Uma vez padronizados os caracteres e o tipo ele paginação elo
texto é que se desenvolve a fantasia elos tipógrafos, que algumas vezes
pedem desenhos a arquitetos e pintores. Uma sequência ele frontispícios
torna-se um mostruário elo gosto arquitetônico: uma espécie ele catálogo

iutna
que evolve elo Renascimento ao maneirismo e ao barroco, às vezes ante­ ,,. ,,
cipando-se à própria arquitetura estampada.
Retornando ao desenho ele caracteres, ele grande importância é
aquele elaborado pelo puncionista holandês Christoffel van Dyck e p1opo1tíone
O pm a tutti glbtge@lí pcrfJ?i
adotado pelos Elzevires, que lhe individualizaram a extrema clareza, a caci ccuriofinccdTariaouc aa
. fcun lhtdic,fo'Oil} blloTopbb:
harmonia elas relações espaciais, a grande eficácia visual. Graças a essas p zotpcctiual) tctura s culpru
propriedades, tais caracteres podiam ser impressos com corpos peque­
m
ra: 11 rcbífeGtura: ufica: e
alircm. atbcmancc: fua
uíffima: fonile: e ad
níssimos, sem perder a clareza, e assim permitir que se imprimissem mírabile '0octrina
confeqllÍra: e 'De
livros ele formatos modestos, manuseáveis, econômicos, além ele bonitos. lecraraffi:cóva
rie qudtionc
Como nota Veronesi, "é justamente com os Elzevires, livreiros inteli­ 'Dt'.fccrcriffi
mafclcn
gentes e hábeis comerciantes em toda a Europa, além ele impressores tia.

ele grande gosto, que se inicia a impressão elos livros modernos; ele fato,
os seus tipos e formatos, originários de seus livros e usados em todos os
A. t��•;:,;:J::���1�
M. Antonio Capt:Ha auditiff. rccrnícnm
1cri

me 1mprimcb.1e.
lugares, ainda se chamam elzevir"14. Se o século xvn termina com essa
importante produção, o seguinte se evidencia novamente no âmbito elo Figura 17
frontispício. Com o rococó desaparecem as grandes decorações arqui­ Frontispício de
tetônicas para dar lugar a motivos mais livres e fantasiosos à base ele Hypnerotomachia Poliphili, de
Francesco Colonna, impresso
nuvens, clrapejamentos e cupidos, e os caracteres se espacializam com por Aldo Manuzio em 1499.
um estilo que não tem o rigor tradicional, mas se adapta ao gosto elo
tempo. O neoclássico encontra o seu maior intérprete em Giovanbat­ Figura 18
Frontispício de De divina
tista Bocloni, que conduz a arte ela impressão à sua função apropriada, proportione, de Luca Pacioli
aquela de leitura mais fácil e agradável. Os seus caracteres derivam elos (Veneza, 1509).

31
do francês Pierre-Simon Fournier, redesenhados com diversas variantes,
mas sempre com um claro-escuro mais acentuado, tendo as hastes mais
negras em relação aos filamentos e uma força de curvatura típica da con­
Carrara, piccola Cit­ tribuição bodoniana. Além dos caracteres, o estilo neoclássico de Bodoni
tà d'Italia, con titolo entrega-se à severa elegância dos frontispícios, dos quais se exclui quase
di Principato. Ai Du­ todo elemento que não tenha uma natureza tipográfica. Apenas alguns
chi di Massa della Ca­ medalhões redondos com um retrato e uma data e um suave frontão
sa Cibo apparteneva intervêm para fechar a paginação dessas composições rigorosas. As edi­
questo Principato, ed ções de Bocloni, coincidentes com o estilo império, difundiram-se em
ora e del Duca di Mo­ quase todas as cortes europeias, sem excluir a ele Napoleão e a pontifical.
dena. Carrara e cele­ Na conclusão deste capítulo, fica uma interrogação problemática.
bre per li suoi marmi Uma vez reconhecido que a imprensa é, para todos os efeitos, classifi­
da scolpir scatue: gia­ cada no âmbito elo design, ou ela é reconhecida como um fenômeno
ce sopra una collina. ele desenho industrial ante litteram, tão isolado quanto importante, ou,
admitindo que uma forma ele desenho (talvez não isolada) tenha surgido
no Renascimento, é-se tentado a rever a periodização inteira ela história
ela indústria, a reconhecer que projetos, maquinários, empresas, trocas e
Cento., situata atividades comerciais ele vários tipos se afirmaram alguns séculos antes
ela Revolução Industrial, tendo precedido a máquina a vapor ele Watt,
vicino al Fiu­ emblema ela inclustriosa Inglaterra do período 176o-1830.

me Reno, ed e
patria del ce­
leb. Francesco
Barbieri, det­
to il Guercino

Figuras 19-20
Páginas do Manuale
tipografico, de Giovanni
Battista Bodoni, 1788.

�iguras 21-23
(página ao lado)
Papel, impressão e
encadernação dos livros.
Imagens presentes na
Encyc/opédie, 1771.

32
1
A IMPRENSA COMO DESIGN

ti

33
2,

1,
(

O QUESITO POSTO COMO CONCLUSÃO DO CAPÍTULO PRECE­


dente encontra, ainda que em parte, urna resposta no que escreve Thomas
Southcliffe Ashton, um dos maiores estudiosos da Revolução Industrial.
Após haver elencaclo as mudanças ocorridas naquele período, observa:

Se uma tal série ele transformações deve ou não chamar-se "Revolu­


ção Industrial", isso poderia ser longamente discutido. As mudanças
não foram apenas industriais, mas também sociais e intelectuais. A
palavra "revolução" implica uma instantaneidade ele transformação
que, na realiclacle, não é típica cios processos econômicos. O sistema
ele relações humanas que alguns chamam ele capitalismo teve sua
origem muito antes ele 1760, e alcança seu pleno desenvolvimento
muito depois ele 1830; há um risco ele se negligenciar o fato essencial
ela continuidade. Todavia, a expressão "Revolução Industrial" foi ado­
tada por urna fileira tão larga ele historiadores e entrou tão firmemente
na linguagem comum que seria pedante oferecer uma substituta.'

Não é essa a nossa intenção, mas a de sustentar que a Revolução


Industrial não foi um verdadeiro divisor ele águas entre artesanato e
indústria, tal como é confirmado pelo trecho citado.
Dito isso, tentemos acenar com as características peculiares cio
período em exame e para as relações que ele teve com a história cio
design. Notoriamente, a moderna tecnologia nasce na Inglaterra durante
os anos da Revolução Industrial e é conexa com algumas importantes
invenções, como veremos adiante. Como observou Michael Polanyi, "a
invenção é um drama representado sobre um palco cheio de gente"2,
querendo significar que nunca é o fruto de um indivíduo solitário, e
sim da colaboração de muitas forças concorrentes. Ashton serve-se exa­
tamente desse argumento para explicar o nexo entre ciência e técnica,
que está na base da Revolução Industrial, considerada por ele o concurso
de mais fatores interagentes. Escreve ele:

As invenções aparecem em qualquer fase ela história humana, mas


é raro florescerem numa comunidade ele simples camponeses ou ele
puros obreiros; só quando a divisão cio trabalho se desenvolveu a ponto
ele os homens se dedicarem a um único produto ou processo ele traba­
lho, os tempos se tornaram maduros. Tal divisão cio trabalho já existia
no início cio século XVIII, e a Revolução Industrial foi, em parte, causa
e, em parte, efeito acentuado e extensivo cio princípio ele especializa­
ção [ ... ] A corrente cio pensamento científico inglês, que brotou cio
ensinamento ele Francis Bacon e foi fortalecida pelos gênios ele Boyle
e ele Newton, foi um cios principais afluentes ela Revolução Industrial
[ ...] A filosofia natural vinha se liberando ele suas ligações com a meta­
física e se subdividia - eis aqui outra aplicação cio princípio ela divisão
cio trabalho - em disciplinas como fisiologia, química, física, geologia
etc. As ciências, porém, ainda não eram tão especializadas para haver
perdido contato com a linguagem, com o pensamento e com a prática
elas pessoas comuns ... Físicos e químicos como Franklin, Black, Pries­
tley, Dalton e Davy estiveram em estreito contato com as principais
personalidades ela indústria britânica; havia um grande vaivém entre
laboratórios e oficinas, e homens como James Watt, Josiah Weclgwoocl,
William Reynolds e James Keir sentiam-se bem tanto nos primeiros
quanto nas segundas. Os nomes cios engenheiros, metalúrgicos, quí­
micos industriais e fabricantes ele utensílios que figuram no álbum ele
associados ela Royal Society mostram o quanto eram estreitas as relações
entre ciência e técnica no períoclo.3

Como a ciência positiva e a tecnologia, unidas ao liberalismo, ao


industrialismo e ao capitalismo formaram um "sistema" econômico-pro­
dutivo coordenado e incisivo para a vida das comunidades o êxito das
inovações tecnológicas levou um tempo curto para modificar a própria
distribuição elas populações sobre o território e formar a assim chamada
civilização urbana. A esse propósito, escreve Leonardo Benernlo: norm1

36
2.
NOS ANOS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: 1 760-1830

Na primeira metade cio século XVIII, a Inglaterra é ainda um país pre­


valentemente rural, e até a indústria tem sede sobretudo no campo.
Enquanto a elaboração cios minerais ele ferro se fez com carvão ele
lenha, os alto-fornos surgiram onde quer que houvesse florestas; a indús­
tria têxtil estava baseada na organização cio trabalho doméstico, e os
,:
camponeses e suas famílias alternavam os trabalhos cio campo com a
fiação e a tecelagem com aparelhos manuais ele suas propriedades ou
recebidos por empréstimo pelos que encomendavam o trabalho. Mas
quando o ferro começa a ser trabalhado com carvão fóssil, os altos­
-fornos passam a se concentrar nos distritos carboníferos; quando R.
Arkwright, em 1768, encontra a maneira ele aplicar à fiação a energia
hidráulica, e E. Cartwright, em 1784, ele aplicá-la à tecelagem, essas
operações se concentram onde seja possível utilizar a energia ela água
corrente; e quando a máquina a vapor ele Watt, patenteada em 1769,
começa a ser usada em substituição à força hidráulica ( entre 1785 e
1790), a concentração pode ser feita em qualquer lugar, mesmo longe
cios rios; a rede ele canais construída a partir ele 1759, diminuindo o
preço cios transportes, mesmo para materiais pobres, torna sempre
menos vinculante as sedes elas instalações industriais. Os lugares ele con­
centração elas indústrias convertem-se em centros ele novos aglomerados
humanos em rápido desenvolvimento ou, surgindo ao lado ele cidades
já existentes, provocam um aumento desmesurado ele suas populações.4

Mas que coisa, nesse cadinho de acontecimentos científicos, tecnoló­


gicos, sociais e econômico-financeiros, datado do período entre 1760-1830,
diz respeito mais ou menos diretamente à nascente "cultura elo design"?
Uma primeira implicação com o design pode ser encontrada nas
próprias máquinas industriais, que nascem sob a insígnia de grande
funcionalidade e eficiência e, portanto, com aquela modesta pretensão
"estética" que conquistará os fa vores ela crítica mais moderna. De fato,
entre todos os artigos que serão apresentados na Grande E xposição ele
Londres, de 1851, serão os maquinários, quase totalmente imunes a preo­
cupações estilístico-decorativas, que indicarão o progresso real, mesmo
quanto ao gosto, realizado no período ela Revolução Industrial; a esse
tema, retornaremos no capítulo seguinte.
Um segundo setor ela produção ele tal período que possui um vín­
culo com o design provém daqueles produtos que, graças ao emprego ele
novos materiais, tais como o ferro-gusa, o ferro-fundido e o aço, passaram
por uma notável transformação e substituíram muitas manufaturas ante­
riormente realizadas em madeira e pedra. Emblemática nesse sentido

37
Figura 24
Fabricação do carvão de
lenha, de uma ilustração
da Encyclopédie.

Figuras 25-26
Duas máquinas de fiar de roda
do tculo XVIII.

Figura 27
(página ao lado} Tear inglês
com naveta móvel
do século XVIII.

38
68
Figura 28
Tecelagem do século XVIII,
em um desenho de William
Hogarth.

Figura 29
Máquina de fiar de Samuel
Crompton (1799).

40
2.
NOS ANOS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: 1 760-1830

Figura 30
(acima) Desenho do tear de
Richard Arkwright.

Figura 31
Instrumentos típicos da primeira
indústria doméstica.

41
Figura 32
Desenho da locomotiva de
George Stephenson.

Figuréj 33
James Emslie, locomotiva,
1848.

42
2.
NOS ANOS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: 1 760-1830

é a ponte sobre o rio Severn, em Coalbrookdale. Idealizada provavel­


mente por John Wilkinson, o maior artífice das primeiras aplicações
técnicas do ferro, e projetada pelo arquiteto Thomas Pritchard, ela se
apresenta como um arco pleno com abertura de cem pés (trinta metros),
formado por dois segmentos inteiros de arco, construídos em ferro fun­
dido na vizinha ferraria Madaley, de Abraham Darby, em apenas dois
anos, de 1777 a 1779. Surgida ao fundo de um distrito industrial dos mais
ativos e celebrados, entre outras coisas pelas numerosas vistas paisagís­
ticas daqueles artistas românticos favoráveis à presença do esquelético
"objeto" no contexto natural, a ponte converteu-se numa espécie de
monumento do período. Mas além de seu significado e valor histórico,
a ponte sobre o Severn inaugura, por assim dizer, um terceiro setor do
desenho industrial. Referimo-nos àquelas construções antes sem outras
classificações no domínio da arquitetura, e depois no da engenharia,
que, enquanto tais, comportam a presença total ou parcial de elemen­
tos produzidos industrialmente.

O caso da famosa ponte inglesa de ferro nos permite, além disso, intro­ Figura 34
Ponte sobre o rio Severn em
duzir uma interrogação: pode-se falar de desenho industrial mesmo para
Coalbrookdale, 1777.
construções ou produtos únicos, isto é, privados do caráter de serialização?
Certamente esse último constitui um aspecto fundamental do design, mas
em presença de uma manufatura de notável empenho projetivo, produtivo,
de elevada tecnologia, e que requer o concurso de vários especialistas etc.,
o conjunto desses esforços construtivos vale, sem dúvida, para considerá-la
no âmbito do design, mesmo que se trate de um produto singular e não

43
Figura 35
Máquina a vapor de
aprq.ximadamente 1830.

Figura 36
Esboço da máquina a vapor de
dupla ação de Dimmenthal para
o transporte de carvão mineral.

44
NOS ANOS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: 1 760-1830

reprodutível. De resto, a maioria dos navios, das construções particulares


e das máquinas para novas experimentações segue a mesma lógica: a mais
sofisticada projeção e tecnologia a serviço de uma única realização.
Para retornar ao período de 1760 a 1830, é preciso sublinhar que,
não obstante o nascimento de novas tipologias de produtos, do emprego (

ele novos materiais, da invenção ele nova maquinaria, os setores produ­


tivos mais pertinentes à cultura e ao advento do design foram aqueles
que apresentavam uma continuidade maior com a tradição, aqueles
nos quais se podia melhor assistir à passagem do artesanato à indústria:
Assim é que a história do design no período examinado se faz iniciar,
como o atestam vários autores, com a industrialização de uma das mais
antigas manufaturas, a da cerâmica. Além disso, notemos que apesar
elo indubitável movimento coletivo que contribui para o nascimento
da primeira civilização industrial, foram quase sempre algumas indivi­
dualidades de designers, de produtores, de administradores e até mesmo
ele comerciantes que assinalaram, de modo emblemático, o advento do
design, como, aliás, acontece ainda hoje.
Josiah Wedgwood (1730-1795), amigo de Matthew Boulton e de James
Watt, foi uma dessas personagens, e certamente um dos maiores expoentes
de toda a Revolução Industrial. Descendente de uma família ele ceramistas
já ativa nos primeiros anos do século XVII, empenhou-se no desenvolvi­
mento de Potteries, o distrito de Staffordshire especializado na produção
de cerâmica vizinho a Henley, fundando em 1769 a célebre manufatura
Etruria, considerada, como a Coalbrookdale, a Cromford e a Soho, um
modelo para outras empresas. Sem ter uma formação científica regular,
seguiu com vivo interesse as invenções e os desenvolvimentos tecnológi­
cos de seu tempo, sobretudo aqueles elas máquinas a vapor, utilizando sua

d) energia para triturar os materiais e acionar os tornos de sua fábrica. Foi ele
próprio um inventor, idealizando um pirômetro para medir a tempera­
tura dos fornos, o que lhe valeu sua inscrição na Royal Society, em 1783.
Além ele outros méritos industriais específicos, dos quais nos ocuparemos
adiante, a Weclgwood se deve a con_strução de um elos primeiros bairros
operários, um grande esforço para melhorar ou se abrir novas estradas e,
sobretudo, a complementação do Grand Junction Canal 5, cuja abertura,
em 1777, beneficiou muito as comunicações e os transportes de e para
Potteries. Saído de uma condição econômica bastante modesta, ao fim
ele suas atividades deixou uma riqueza considerável, fruto da transforma­
ção de uma manufatura tosca em uma das maiores indústrias nacionais.
E vamos considerar a excepcional operosidade de Weclgwoocl conforme
os quatro paradigmas do design: o projeto, a produção, a venda e o consumo.

45
Figura 37 Quanto aos aspectos classificáveis no âmbito do "projeto", diga­
Fábrica Etrúria, de Wedgwood,
no canal Trent-Mersey.
-se previamente que a produção de Wedgwood se apresenta com uma
dupla característica: a ornamental e a utilitária. A primeira, com inten­
ções culturais, artísticas, ele moda elitizada, contribuiu para o encontro
de Wedgwoocl com Thomas Bentley, um mercador ele Liverpool, mas
bem conhecido nos círculos intelectuais e descrito como "homem de
excelente gosto, aguda compreensão e boa disposição ele ânimo"6. A
sociedade, fundada em 1768, comportou uma espécie ele divisão de
funções: Wedgwoocl se interessava prevalentemente pelos aspectos finan­
ceiros e produtivos; Bentley, pelos projetivos, promocionais e ele venda.
Como nota F.D. Klingender,

é interessante ver como na correspondência Wedgwood-Bentley já se


falam de problemas comuns aos designers industriais de hoje, pro­
blemas que dizem respeito às condições de emprego ou direito de
propriedade das ideias artísticas. Ambos os sócios estavam continua­
mente à procura de talentos desconhecidos e tinham bom olfato para
reconhecê-los7.

Do ponto de vista estilístico, a produção ele Weclgwoocl tem início


com a imitação elos modelos do passado, elos chineses e etruscos até o

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2.
NOS ANOS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: 1 760-1830

neoclacissismo, que terminou por caracterizar totalmente os produtos


da empresa, os quais se tornaram a maior expressão elo estilo no campo
ela cerâmica. Mas mesmo nessa orientação de gosto sentem-se os efei­
tos ela personalidade de ambos os sócios. De fato, segundo Klingender,

l�

bem longe cios elementos que na segunda metade cio século xvm
fizeram cio reviva/ clássico, patrocinado por intelechrnis corno Winckel­
rnann (1717-1768) e Diclerot (1713-1784), uma expressão ela crescente
influência cio iluminismo burguês, o motivo que havia impulsionado
Weclgwoocl a imitar os antigos tinha sido o desejo cio empreendedor
industrial que quer superar as melhores obras produzidas em qual­
quer lugar e ternpo8.

Mais articulada teria sido a inspiração neoclássica promovida pelo


"intelectual" Bentley. Como escreve Herbert Read,

sob a conduta ele Bentley, Weclgwoocl foi introduzido no círculo ele


sir William Hamilton, que vinha justamente publicando os seus Col­
lection of Etrnscan, Greek, and Roman Antíquitíes. Por intermédio ele
tais atividades, esse ministro britânico em Nápoles havia terminado
por instaurar um costume, e Weclgwoocl não tardou a entender-lhe
o significado. Já uma vez na história ela arte, a cerâmica tinha sido
a mediatriz cio mais alto gênio artístico ele uma nação: a urna grega
tinha se tornado o símbolo ele toda a graça e serenidade cio mundo
antigo. Weclgwoocl decidira que a arte cio vaso seria novamente ele­
vada àquela altura, e foi assim que os melhores artistas cio país, à frente
John Flaxman, foram encarregados ele copiar os antigos protótipos ou
atualizá-los para os usos modernos. Em certo sentido, tiveram sucesso.
Uma moela clássica veio assim impor-se em toda a arte decorativa cio
tempo; poder-se-ia afirmar, além disso, que foi necessário inventar um
estilo arquitetônico e um mobiliário que se adaptasse aos invasivos
produtos ela atividade ele Weclgwoocl9.

O julgamento contém, indubitavelmente, um exagero, mas perma­


nece o fato ele que um objeto pequeno, como o ela produção cerâmica,
teve maneiras de penetrar e difundir-se em meio a uma multidão ele
pessoas, bem mais elo que os exemplos mais importantes da arquitetura
e do mobiliário.
Mas ao lado de toda a gama de produtos artísticos, decorativos e
ornamentais, destinada a um público de aficionados e ele colecionadores,

47
e a museus, a produção de Wedgwood, como acenávamos, apresenta
uma outra gama de objetos nascidos com o propósito de serem utilitários
e funcionais. É aqui que melhor se exprime sua genialidade; partindo de
experiências pessoais e da tradição local, soube, através de um processo
de contínua redução e simplificação, encontrar o modo de tornar mais
adequada a forma à função dos produtos cerâmicos, aumentando-lhes
o número e reduzindo-lhes o preço, assim como impõe a produção
em série. Evidentemente, para a história do design o segundo tipo de
produto é que sobretudo interessa. Já em 1924, no livro English Pottery,
Herbert Read e Bernard Rackham sintetizaram eficazmente as caracte­
rísticas dessa cerâmica ele uso comum:

Wedgwood foi o primeiro oleiro a idealizar formas adaptadas ao seu


escopo e que fossem, ao mesmo tempo, capazes de ser reproduzidas
com absoluta precisão, em quantidades ilimitadas, e assim poder ser
distribuídas naquela escala requerida pela extensão do mercado que
ele mesmo havia incrementado [ ... ] As formas eram, com frequên­
cia, extremamente práticas, e muitas dessas - como, por exemplo, a
garrafa bojuda ele gargalo curto e largo - permaneceram como for­
mas padronizadas até os nossos dias. Em toda particularidade de sua
estrutura se nota eficiência e economia ele meios.10

Que essas qualidades e características fossem apreciadas nos anos de


1920, em pleno debate sobre o design, não desperta admiração, enquanto
é bastante significativo que tocassem um poeta do Setecentos, Novalis,
que comparou Weclgwoocl a Goethe quando escreveu:

Goethe é um poeta conclusivamente prático: os seus trabalhos são


como as cerâmicas inglesas, extremamente simples, nítidas, práticas e
duradouras; ele realizou para a literatura alemã aquilo que Wedgwood
fez para a arte inglesa; como o inglês, e graças apenas à sua inteligên­
cia, adquiriu um bom gosto que é, por natureza, econômico; entre
ambos há muitas coisas em comum, estão ligados por uma estreita
afinidade, entendida em sentido químico. 11

Mesmo nesse paralelo pode-se ver um exagero; seja como for, há


o fato ele uma atividade extremamente prática, como a ela indústria
inglesa, ser vista de modo elevadamente cultural.
Quanto à cerâmica ele Wedgwood, na qualidade de fenômeno ele pro­
dução, que se recorde o seu interesse pelo provimento de matéria-prima:

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2.
NOS ANOS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: 1 760-1830

Figura 38
Vista de Coalbrookdale, 1758.

Figura 39
Máquina a vapor construída
pela Fenton & Co., Leeds, 1827.

49
importou terra especial ele várias regiões ela Europa e ela América, mas
sobretudo ela Cornualha, assegurando-se ela maioria elas ações na com­
panhia local ele fornecimento ele argila. O seu interesse pela conclusão
elo canal Trent-Mersey, em 1777, eleve-se também ao fato ele que tal
estrutura tornou a produção quase totalmente independente elos forneci­
mentos locais ele matéria-prima. Usou até onde foi possível o maquinário
para os processos preliminares ele trabalho, como a trituração elo sílex,
o peneiramento e a mistura elas argilas, mas onde não conseguiu meca­
nizar por inteiro o processo, o substituiu pelo princípio ela divisão elo
trabalho: modeladores, torneiros, decoradores e responsáveis por aca­
bamento substituíram completamente a figura única elo velho artesão
ceramista. Falando a favor ela divisão elo trabalho, um elos fundamentos
ideológicos ele Adam Smith e princípio básico ela produção industrial,
T.S. Ashton dá o exemplo ele Weclgwoocl:

cinde a elaboração ela cerâmica numa série ele processos distintos; mas
cada um requeria uma atitude especial e qualquer deles um alto grau
ele talento artístico. O nascimento dessas novas qualificações não acon­
tecia em detrimento cios ofícios não investidos pela grande indústria; a
construção elas fábricas requeria a perícia ele pedreiros e carpinteiros,
assim como para aparelhá-las se recorria à arte cios torneiros, ferramen­
teiros e ele urna quantidade ele outros artesãos que trabalhavam por
conta própria ou em pequenas empresas. Quando, às vezes, se disse
que a Revolução Industrial teria clesqualificaclo o trabalho, afirmou-se
algo que não apenas não é verdade, mas o exato contrário ela verclacle12•

Foi na fase ele produção que Weclgwoocl tirou proveito ele sua expe­
riência ele contatos com cientistas e inventores, e cujos aportes pessoais
à tecnologia ela indústria podem ser mencionados: o estudo e a melhoria
elos constituintes químicos elas argilas e elos esmaltes; o aperfeiçoamento
elo torno; a introdução elo banco rotativo; a descoberta ele novos tipos ele
cerâmica, como o basalto negro e os diásporas; a invenção elo já citado
pirômetro, que tornava possível, pela primeira vez, um controle perfeito
ela temperatura elos fornos. Como pioneiro elos grandes planificaclores ela
indústria, Weclgwoocl atribuiu grande importância à instrução ela mão
ele obra; à colaboração elos artistas e designers, entre os quais o já men­
cionados F laxman, John Flamas, John Bacon, os Webbers e os Placets;
à escolha ele seus dirigentes e vendedores; talvez e, sobretudo, ao esforço
para evitar os desperdícios. Em suma, a racionalização elos processos ele
trabalho, a quantificação elos protótipos mais estudados e a criação ele

50
2.
NOS ANOS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: 1 760-1830

uma demanda onde antes não existia sintetizam e completam a obra


desse precursor da cultura do design.
No que diz respeito à promoção, à venda e ao consumo, o exemplo de
Wedgwood permaneceu por muito tempo insuperável. Uma documenta­
ção relativa a esses setores encontra-se na já citada correspondência com f'''

Bentley, responsável pelo escritório de vendas da empresa em Londres.


Na medida em que aumentava o capital empregado nas fábricas e
nas aparelhagens, Wedgwood, como todos os industriais, começou a se
preocupar com que não ficasse inativo. De outro lado, a demanda do mer­
cado aumentava, fosse pelo alto nível de vida dos habitantes, fosse pelo
aperfeiçoamento dos produtos, devido às novas máquinas que permitiam
introduzir uma quantidade de mercadorias a preços baixos e acessíveis
à maioria dos compradores. Wedgwood se adapta, ou melhor, contribui
com sua produção de cerâmica utilitária para a lógica do trabalho indus­
trial: quantificar a produção e reduzir seus preços para aumentá-la num
tempo mais breve. Como observa Ashton, "uma das principais caracte­
rísticas psicológicas da Revolução Industrial foi precisamente um novo
sentido do tempo" 3. Diremos mais: de uma mudança no ritmo produtivo
1

se pode reduzir a maior diferença entre artesanato e indústria.


A lógica da produtividade não ignorou, desde o início, as dificul­
dades e as interferências. Como escreve Klingencler, "o problema mais
grave apresentado pelo aumento ela produção nasce ela necessidade ele
'comerciar, fazer escambo, trocar'; em resumo, a compra e a venda que
Adam Smith havia reconhecido como fator essencial, concomitante
com a subdivisão do trabalho" 4. No centro dessa fase comercial está a
1

moda, cuja importância é imediatamente entendida por Weclgwood. "A


moela", escreve em 1779, "é, sob muitos aspectos, superior ao mérito; e
centenas ele exemplos demonstram claramente que se tendes um filho
predileto para o qual gostaríeis de atrair a benevolência e a atenção elo
público, eleveis apenas escolher um bom paclrinho"1 5. Evidentemente,
todo o problema promocional e publicitário era claramente apreciado
por ele. Comentando esse trecho, Klingender prossegue:

Ainda que criadores de moda, Wedgwood, Boulton e outros fabrican­


tes de mercadorias ele luxo [ ... ] dependiam largamente dela. Já na
segunda metade cio século XVIII, o verdadeiro árbitro do gosto não
era mais o designer ou o fabricante, mas o homem ele negócios, cuja
missão era a ele adivinhar as oscilações cio gosto na opinião pública
para antecipar, se possível, a mudança e influenciar a moela com um
fluxo contínuo ele noviclacles.16

51
Figura 40
(acima) Jarros de basalto negro Não obstante os limites projetivos, produtivos, de venda e de con­
desenhados por J. Flaxman sumo dessa primeira idade da industrialização, a fenomenologia elo
para Wedgwood, em 1775.
design já havia se manifestado por inteiro. Com respeito aos fabricantes
Figuras 41-42 mais grosseiros, Wedgwood havia intuído que a produção não poderia
Cópia moderna de serviço de permanecer num nível elitista (donde o seu interesse pela cerâmica uti­
cozinha e bule de Wedgwood
desenhados em 1768 e ainda
litária e popular), isso unido ao fato de que a arte, assim como a moda,
em produção. tinha um papel primário na atividade industrial.
Por fim, nos anos ela Revolução Industrial se individualiza a forma­
ção de uma estética, ou ao menos a ele uma orientação estética, entre os
mais ligados ao design moderno. Referimo-nos ao pensamento expresso
nesse campo por David Hume (1711-1776). Em seu famoso ensaio OfThe
Standard ofTaste (Sobre o Padrão do Gosto), de 1757, o de um convicto
empirista, Hume não se preocupa em definir a ideia de belo, mas em
encontrar os fundamentos elo juízo estético, do gosto, que está na base
do prazer e elo desprazer. Constatando a grande variedade, ele se põe o
problema de encontrar uma "regra elo gosto [ ... ] mediante a qual pos­
sam estar de acordo os vários sentimentos elo homem, ou ao menos uma
decisão que, quando expressa, confirme um sentimento e não condene
o outro"17. De fato, não existem regras a priori às quais se referir. A beleza

não é urna qualidade elas coisas em si; ela existe apenas na mente que
a contempla, e cada mente percebe urna beleza diversa. Mas apesar
Figura 43 ela variedade e elos caprichos elo gosto, há certos princípios gerais ele
(acima, à direita) Serviço de chá aprovação ou ele reprovação cuja influência pode, para um olhar
de Wedgwood, em cerâmica
negra, 1778-1780.
atento, ser notada em todas as operações elo espírito18.

52
(

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1 .1 .1 j .IA 1 1 1 j .1 1 �:: ::::::::,.
Figura 44

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Wedgwood, reprodução do
...
�-�� vaso Portland (1793).

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---::- ...,,.........,
-�� r·-r·-r•, Figura 45

;-r 'T' 'l·i� �=::�:<:::::_:::::::::_::: Primeiro catálogo dos modelos


Wedgwood que exibe as
bordas disponíveis para o
,· <::::...:�;-=....:< ..;$-?),''-$;�� �
serviço de cerâmica da rainha
(1773-1814).
Para encontrar tais princípios, Hume se referiu à natureza dos sen­
timentos: "Em cada criatura, há um estado saudável e um defeituoso e
pode-se supor que apenas o primeiro está em condições de nos dar urna
regra verdadeira elo gosto e elo sentirnento."19 O gosto, porém, eleve ser
educado e liberado do preconceito:

É tarefa do bom senso neutralizar-lhe a influência; e desse ponto


de vista, corno de muitos outros, a razão, ainda que não seja parte
essencial do gosto, é pelo menos uma condição para que essa última
faculdade possa operar [ ... ] Apenas um bom senso forte, unido por
um sentimento acrescido de prática, aperfeiçoado pelo hábito do con­
fronto e liberado de todos os preconceitos pode conferir aos críticos
essa preciosa qualidade; e a sentença comum desses últimos, onde
quer que se encontrem, é a verdadeira regra do gosto e da beleza. 2º

Para além ela insensatez e dos saltos lógicos, essa posição exprime,
ele modo emblemático, o pensamento da época a respeito elo problema.
De fato, a estreita relação entre büm gosto e bom senso delineia um ideal
humano típico ela sociedade burguesa que começa a afirmar seus valo­
res. Na prática, a análise ele Hume, corno se evidencia já pelo título, tem
por mira um nivelamento médio-alto do gosto, tendente a influenciar os
comportamentos sociais de uma dada sociedade. O intento de Hume
ele confiar ao bom gosto e ao bom senso a busca do prazer sensível, ou
"beleza" ( e recordemos que a estética nasce como ciência ela perfeição
sensível, e não como ciência da arte), torna extremamente atual a sua
contribuição. Hoje, ao menos sobre um ponto, parece existir uma ampla
convergência: a beleza, o prazer, o gosto, entendidos como componentes
estéticos elo design, pertencem à esfera de uma esteticiclacle difusa e não
à esfera ela arte emergente; o que se confirma por outra via, até os mais
recentes estudiosos de estética sustentam a distinção entre o artista e o
estético, que o design é "arte aplicada", "decorativa", "industrial" etc.,
tendo sido todas essas questões, compreenda-se, desvesticlas elas conota­
ções negativas ou limitativas tão discutidas no século xrx. Ao contrário,
em alguns casos, tais conotações mudaram precisamente de sentido:
que valha para todas as opções pela arte aplicada relativamente àquela
pura. Num escrito ele Argan, vem claramente explicada essa mutação:

À arte pura tem sido geralmente reconhecido um grau de valor e de


dignidade mais elevado do que à arte aplicada: o mesmo conceito de
aplicação implica a ideia de uma precedência da arte pura e de um

54
2.
NOS ANOS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 1 760-1830

emprego posterior e secundário de suas formas na produção de obje­


tos de uso. Esse juízo dependia da apreciação da técnica como mera
coisa manual, privada de qualquer caráter e força ideal. No século
passado, isto é, justamente quando chegava a Revolução Industrial,
aquela ordem de valores inverteu-se: a técnica e a prática, unindo-se {
com aquela ciência positiva que constituiu o grande ideal do século,
assumiram um valor ideal enquanto o antigo ideal estético decaía,
como é sabido, a um academicismo inútil. As pontes, os viadutos, os
grandes magazines, enfim, as primeiras construções em ferro e em
cimento são os precedentes diretos do desenho industrial; sua beleza
depende de sua perfeição técnica e de sua aderência a urna função
prática; e urna vez que a técnica e a prática implicam um fazer, a
ideia do belo se conecta com o fazer, e não mais com o contemplar. 21

O que é dito nessa última citação explica, sem dúvida, a inversão de


comportamento nos embates da arte aplicada, mas não pode registrar o
quanto foi tormentosa a polêmica sobre as relações entre arte e indústria,
de resto ainda não resolvidas. Não se pode dizer que a posição de Hume
no que respeita ao pensamento da metade do século XVIII e aquela do
século XIX se nutrisse dessa matéria. Todavia, não é casual que, mesmo
nos inícios da Revolução Industrial, um filósofo inglês tenha antecipado
alguns pontos do debate e posto, como vimos, no binômio bom gosto/
bom senso, a base da assim considerada estética industrial.

55
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Industrialização e Ideologia

OS ANOS OUE SE SEGUEM À PRIMEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL VEEM


ainda a Grã-Bretanha em primeiro lugar nos campos da invenção, da
técnica, da mecanização, do comércio, do consumo etc. Daí a lici­
tude de classificar com o nome da rainha Vitória mesmo os eventos do
nascente design que se verificam em outras paragens no período qlie
dura tanto quanto seu reinado, isto é, ele 1837 a 1901. Mas enquanto
em outros lugares - e pensamos particularmente nos Estados Unidos -
a industrialização se impõe e evolui sem obstáculos sociopolíticos ou
ético-estéticos, na Inglaterra ela se desenvolve unida a um debate ideo­
lógico tão importante, radical e totalizante que conduz o problema elo
design para questões sempre mais amplas. Assim é que numa história
como a nossa, vista sob o ângulo businesslike, muitas dessas questões -
embora largamente conhecidas das histórias política, econômica, ela
arquitetura, ela arte e ela sociologia - ou seriam reenviadas àquelas dis­
ciplinas ou redimensionadas com um discurso que pusesse em primeiro
plano a fenomenologia específica elo design. Em outras palavras, uma
vez que assuntos como as relações entre indústria e sociedade, passado
e presente, artesanato e mecanização, arte e indústria etc. constituem
parte integrante do advento elo design na era vitoriana, eles não podem
ser aqui ignorados, mas apenas redimensionados para a esfera ideológica
que lhes é própria. Isso se traduz em considerar pessoas e produtos, auto­
res favoráveis e críticos discordantes, fatos e ideias não como fenômenos
singulares, mas como aspectos múltiplos de um negócio unitário ( e vere­
mos como a identificação de nação e negócio é mais apropriada para
a Alemanha), e por negócio se entende uma entidade mais reduzida
e melhor analisável segundo os parâmetros do nosso esquema básico:
projeto, produção, venda e consumo.
Quanto à componente "produção", a era vitoriana é considerada
uma espécie de involução, se comparada ao período da Revolução Indus­
trial. Ao lado dos pioneiros da indústria que vimos ligados aos cientistas
e inventores, firmou-se, a partir dos anos 1830, uma classe de produtores
bem menos dotada de espírito empreendedor, de talento administrativo,
de iniciativa experimental, de gosto por riscos etc. Apesar de a pesquisa
tecnológica prosseguir com novas invenções, de florescerem e se conso­
lidarem as instalações fabris e surgirem edifícios em todos os pontos do
país, em geral o movimento industrial sofre um empobrecimento: não é
mais a iniciativa de poucos indivíduos excepcionais, mas uma profissão de
rotina que interpreta, de maneira piorada, os princípios do liberalismo -
produzir mais e em menor tempo, mesmo em detrimento da qualidade
dos manufaturados. Entre as mais sintéticas descrições desse fenômeno e
de suas causas, há um trecho famoso de Nikolaus Pevsner:

Graças às novas máquinas, os fabricantes estavam em condições de


lançar no mercado milhares ele artigos com bons preços, empregando
o mesmo tempo e tendo o mesmo custo antes necessário para produ­
zir um só objeto benfeito. Em todos os ramos ela indústria se alterava
a natureza dos materiais e elas técnicas. O trabalho hábil do artesa­
nato [ ... ] é substituído pela rotina mecânica. A demanda aumentava
ele ano para ano, mas vinha ele um povo deseducado e embrutecido,
que vivia como escravo em meio à imundície e à pobreza. O artista
se retraía, desgostoso ele tal esqualiclez. 1

Mais adiante, afirma o mesmo autor:

O liberalismo dominava incondicionalmente, na filosofia como na


indústria, e clava ao fabricante a mais completa liberdade de produ­
zir coisas horríveis e ele má qualidade, com a condição de conseguir
comerciá-las. E era fácil fazê-lo, dado que o consumidor não tinha
nem tradição nem educação e, como o produtor, era vítima desse
círculo vicioso.2

58
3.
A ERA VITORIANA

Se esses juízos contêm algumas contradições e a pretensa concilia­


ção ele ética e de estética - enquanto, especialmente nas questões ele
maior peso social (as condições ele trabalho nas fábricas, as construções
populares, a formação elos slums [cortiços] etc.), o contraste entre a
política ele lucros e as exigências primárias ela população era bastante (

duro-, o quadro descrito, mesmo no âmbito mais limitado ela quali­


dade elos produtos, não se afasta muito ela situação real. Temos urna
confirmação disso em autores contemporâneos, entre os quais o pintor
Richard Reclgrave (1804-1888): "Os industriais", escreveu, "consideram
• o bom gosto um entrave para as vendas. Sua posição pode ser resumida
no princípio fundamental: that is best what sells best (que melhor é o
que vende mais)".3
Todavia, as disfunções ou malformações na produção rnanufatu­
reira não são atribuíveis apenas ao cinismo ele muitos fabricantes, mas,
essencialmente, a uma visão pouco clara ela quantificação elos produ­
tos, ao próprio modo ele dar-lhes uma forma na ausência ele modelos e,
sobretudo, a um programa impróprio que pensava na arte corno ativi­
dade resolutiva ele muitos aspectos ela produção. Prova disso é a famosa
declaração ele sir Robert Peel à Câmara elos Comuns, em 1832, por oca­
sião elo debate sobre a instituição ela National Gallery. Nele, o estadista,
que também era um magnata ela indústria, sustentava que

os motivos de recreação pública não eram os únicos que apelavam


ao Parlamento em tais questões; mas os próprios interesses de nossa
manufatura também estavam envolvidos sempre que se encorajavam
as belas-artes no país. Era coisa bem conhecida que os nossos manu­
faturados eram, em todas as questões ligadas à mecânica, superiores
aos concorrentes estrangeiros, mas no campo cios desenhos pictóricos,
tão importantes para inculcar os produtos da indústria no gosto cio
consumidor, eles, desgraçadamente, não eram hábeis e, assim, esta­
vam impossibilitados ele competir com seus rivais4.

A iniciativa ele Peel, se ele um lado pode ser considerada o início ela
reforma ela arte aplicada e o reconhecimento oficial ele sua importância
socioeconôrnica, ele outro mostra todos os limites elo estetismo elo tempo
naquele campo. De fato, a qualificação elos produtos era requerida pelas
belas-artes, na verdade já a partir cios "desenhos pictóricos", como valor
agregado aos manufaturados considerados tecnicamente satisfatórios.
Nasce sobre essa base a questão elas relações arte-indústria que garantiu
tanta literatura oitocentista, permanecendo ele fato irresolvicla enquanto

59
não se delineou uma estética que pouco tinha a ver em comum com
o mundo da arte tradicional, devendo ser nova e específica do produto
industrial. Tal estética, reclamando em parte a contribuição de Hume,
encontrou o seu início apropriado na Inglaterra vitoriana, o que nos leva
a enfrentar o tema do "projeto" elaborado naquele ano como compo­
nente da fenomenologia do design.
O projeto do qual falamos é compreendido no sentido mais amplo:
do modo mais apropriado de desenhar os objetos fabricados por máqui­
nas aos organismos didáticos, tendo em vista formar os novos projetistas;
das instituições destinadas a chamar a atenção do público, na tentativa
de educar-lhe o gosto, aos programas de grande exposição que servissem
como ocasião de comparação, de troca e de venda.
Após o Reform Bill5, alguns intelectuais, políticos e administradores
públicos, preocupados com os resultados a longo prazo da produção,
e sobretudo com a concorrência estrangeira, promoveram uma série
de iniciativas: associações artístico-industriais; comitês de pesquisa para
consultar industriais, artesãos, artistas e membros da Academia Real;
centros didáticos. Em particular, instituíram-se escolas de desenho em
Londres, Birmingham, Manchester etc. e nelas formaram-se coleções
de obras de arte antiga e moderna, pura e aplicada, a fim de constituí­
rem modelos para os alunos.
Protagonista de muitas das referidas iniciativas foi Henry Cole (1802-
1882), o maior expoente da cultura vitoriana no campo do nascente
design. Diferentemente do projeto de Morris, iniciado após 1860 e desti­
nado ao renascimento do artesanato, o de Cole, a partir de 1845, postulou
a mais estreita colaboração com a indústria. Para tal fim, cunhou a
expressão art manufacturer, que denota uma nova figura de artista fabri­
cante, e pode-se considerar como uma primeira antecipação do moderno
designer. Em 1849, funda o periódico Joumal of Design and Manufac­
tures, e ainda é o principal artífice ela Grande Exposição de 1851. No
ano seguinte, empenhou-se na criação de um museu de manufaturados
como centro ele coleção e ele pesquisa sobre os gêneros de arte aplicada,
destinado a ser o núcleo originário do Victoria anel Albert Museum.
Transferindo muitos dos seus interesses para o campo didático, encerra
a sua carreira com a nomeação para o sole segretary of the department
of design6, com a incumbência de superintender todas as escolas de
desenho inglesas.
Se o programa de associar a arte à indústria num movimento que
envolvesse toda a produção nacional culminando na Exposição Uni­
versal pode ser considerado, por assim dizer, o grande projeto de Cole,

60
3.
A ERA VITORIANA

concebeu ainda um outro mais específico, mas igualmente importante


pelos princípios ali contidos e pela contribuição dada ao problema da
forma. Compreendeu que, para além de qualquer polêmica sobre a
qualificação do produto industrial, eram necessários alguns princípios
basilares relativos à conformação. Como já observado, (

os princípios centrais da obra de Cole e dos seus, tais como elaborados


nos fascículos mensais do Joumal of Design and Manu{actures, edi­
tado entre 1849 e 1852, assim como em publicações similares, podem
ser sintetizados em dois: o primeiro diz respeito a uma reformula­
ção do conceito básico ele funcionalidade; o segundo, à exigência de
aprender-se a ver, tanto como critério pedagógico a ser introduzido
em suas formas simples no ensino do desenho nas escolas elementares
quanto na qualidade de instrumento metodológico geral para instituir
confrontos em todos os níveis e deles extrair os exemplos-guias com
os quais formar os novos critérios ele projetos ela art manufacturer7.

Esse juízo sintético e eficaz, ao final do nosso discurso sobre o


projeto, requer algumas especificações ulteriores. Quanto ao conceito
básico da funcionalidade, aquele interesse pelos useful obíects (objetos
úteis), que se vincula ao utilitarismo filosófico e econômico de John
Stuart Mill, com o qual Cole manteve estreita relação pessoal, é, eviden­
temente, o ponto de partida para a cultura cio design. Não só isso, mas
chamando a atenção de estudantes, artífices, produtores e cio público
para objetos simples, comuns, "sem sentimentos" ela vida cotidiana,
Cole transfere para esses objetos aqueles valores artísticos emergentes,
atribuídos apenas à pintura e à escultura ( que em contato com a pro­
dução industrial se converterá em mero decorativismo), dando-lhes
um valor estético difuso, ou seja, de pura e simples qualidade. Mas
enquanto portadores de tais princípios, os novos objetos produzidos
industrialmente deviam ter sempre uma forma. E aqui se individualiza
o maior esforço realizado por Cole e seus companheiros. Um deles,
Owen Jones, sustenta que "o fundamento de todas as coisas é a geome­
tria" e, além disso, as cores não são usadas com sentido impressionista
ou ilusionista, porém nas funções espacial e perceptiva: o azul, o ver­
melho, o amarelo etc. aproximam ou afastam as formas e superfícies
do observador8. A tese é confirmada por Pevsner que, recordando um
trecho do Joumal of Design, escreve: "Henry Cole e seus amigos pre­
dicavam a necessidade de que o ornamento fosse mais abstrato do que
imitativo."9 Mas só a geometria não basta para criar os modelos para as

61
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novas formas dos produtos industriais. Em sua Grammar of Omament,
Owen Jones recolhe e confronta objetos decorativos das mais diversas
épocas e proveniências, tais como da China e elo Oriente Médio, da
arte celta à barroca; e isso não movido por uma curiosidade histórico­
-estética, mas para procurar numa produção tão vasta e heterogênea os
princípios conformativos e os caracteres invariantes. Como observa Sie­
gfried Gieclion, "ele negligencia em absoluto os materiais mais diversos,
quer se trate ele seda, tecido, porcelana, madeira ou pedra, e os reduz a
superfícies puras coloridas [ .. -1 procede como um estudioso ele história
natural com a vontade de 'descobrir na natureza elas leis [ ...] que forças
estão reunidas numa única página "' 10 •
Em síntese, o projeto, entendido na acepção mais específica, ou
melhor, como procura por uma metodologia projetiva no círculo de
Cole, não é ele tipo naturalístico ou historicista, mas sim, baseando-se
na geometria, de tipo orgânico, de características invariantes, com ten­
Figuras 46-47 dências à simplificação e à redução etc.; hoje, podemos defini-lo como
(à direita) O. Jones, papéis de
parede para a Jeffreys & Co.
ele tipo "estruturalista".
Historicista, ao contrário, seja na forma qua.nto nos conteúdos, foi
Figura 48 outro projeto avançado alguns lustros na cultura vitoriana: o ele William
(no alto) O. Jones, folhagem, da
Morris (1834-1896), que se refere a um gothíc reviva[ e a linha neome­
J Grammar of Ornament, 1856.
clieval de Augustus Welby Pugin e de John Ruskin. O primeiro projeto
Figura 49 é o de um reformador, mas perfeitamente integrado à classe dirigente,
H. Cole, desenhos didáticos de aos grupos empreendedores e até mesmo ao príncipe Albert; o segundo
objetos de uso, do Journal of
Design, 1849. é aquele ele um círculo ele intelectuais e ele artistas mais radicais, sem

62
3.
A ERA VITORIANA

qualquer vínculo com políticos e produtores, e que recusa exatamente


a civilização industrial.
Como aquele de Cole, mesmo o projeto de Morris pode ser enten­
dido, stricto sensu, como aporte específico, a saber, ao campo das artes
aplicadas e, em sentido amplo, como programa geral de reforma sociopo­
lítica. Não obstante a diferença de tantos utopistas do século XIX, Morris
tem sempre unida à atividade prática o pensamento teórico. Como exem­
plos da primeira, que se recordem: o mobiliário e a decoração do estúdio
de D.G. Rossetti, realizado em 1856 com os membros do seu grupo -
Philip Webb, Edward Burne-Jones, W illiam Hunt, Ford Madox Brown,
Peter Paul Marshall e Charles Faulkner; a construção, em 1859, da Casa
Vermelha (Red House), projetada por Webb, mas mobiliada apenas com
peças dos artistas citados; a abertura, em 1862, da empresa Morris, Mar­
shall, Faulkner & Co. Fine Art Workmen in Painting, Craving, Forniture
and Metais; a fundação de uma fábrica de tapetes em Merton Abbey,
em 1881, e ele uma oficina tipográfica, a Kemscott Press, em 1890; a ins­
tituição, em 1883, da _Art Workers Guild; a organização, a partir de 1888,
das exposições ele artes aplicadas sob o título de Arts and Crafts, que se
tornará o nome ele todo o movimento de Morris.
O estilo formal ele tantos produtos manufaturados espelha fielmente
o "projeto" ideológico de Morris. Deste tocaremos apenas em alguns
pontos; não apenas porque é amplamente conhecido por meio da histó­
ria da arquitetura, mas para não nos perdermos numa série de distinções,
ele valorações a favor e contra, de adesões passadistas ou futuristas que
sempre acompanharam a polêmica sobre Morris e, diremos, em nossa
opinião, por ele alimentada. Herdeiro do pensamento ele Augustus Welby
Pugin e ele John Ruskin, combate o liberalismo, o comercialismo, o
ecletismo da produção industrial de seu tempo, propondo uma reforma
política radical que, no setor específico das artes aplicadas, tomava como
modelo as corporações, a elaboração e a morfologia dos produtos medie­
vais, isto é, ele uma época antitética à contemporânea, pois caracterizada
pela honestidade das relações sociais, pelo uso correto dos materiais,
pela estimada execução artesanal, tanto quanto por aquela joy in labour
(expressão cunhada por Ruskin), única garantia da qualidade dos pro­
dutos e antídoto ao trabalho industrial alienante, daquele fenômeno que
Karl Marx, a cuja filosofia Morris aderiu em boa parte, chama precisa­
mente Entfremdung. Além disso, ter estabelecido o paralelo entre as
felizes condições de uma sociedade e a boa qualidade ele sua produção
artística o leva a convencer-se ele que a questão das artes é ele interesse de
toda a comunidade e, como tal, não delegável a outros, mas a ser gerida

63
or
THE
. PRINCIPLES
o F'

SOCIALISM
WRITTEN F"OR
EMOCRATIC FEDERA
BY·
.HYNDMAN
AND
AM MORRIS

Figuras 50-51 Figura 52


(no alto) Dois frontispícios de (embaixo) Papel de decoração
obras desenhadas por W. Sunflower, desenhado por W.
Morris. Morris.
'f'v(. o1n::i9s op
18/\QW wn B soPBldBpB 8p8JBd
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diretamente; de onde o imediatismo elo fazer artesanal, a abertura ele
negócios e lojas, de laboratórios, de manufaturas e o organizar e reagru­
par continuamente artistas e artífices. Como observa Pevsner, "o primeiro
efeito dos ensinamentos de Morris foi que, sob seu influxo, muitos jovens
artistas, arquitetos e diletantes decidiram-se pelas artes aplicadas. O que
por mais de meio século tinha sido visto como uma ocupação inferior
tornou-se novamente uma missão nobre e digna"11• Outro aporte signi­
ficativo ele Morris foi o fato de haver considerado prioritária a reforma
das artes aplicadas, inclusive a da arquitetura, pois nelas se dispendiam
coticlianamente muita energia e se concentrava o interesse de um maior
número de pessoas, produtores ou consumidores.
Como afirmamos em outro lugar12, um juízo talvez mais sintético
sobre a obra ele Morris, que a libera elas citadas distinções e que restitui a
mais realista substância de seu contributo, pode ser extraído elas seguintes
considerações. É preciso desmentir o lugar-comum que divide sua obra
numa parte retrógrada ( o medievalismo, o corporativismo, o artesanato)
e uma parte avançada (a revitalização das artes aplicadas, o socialismo, o
recoqhecimento da "bondade" elas mesmas máquinas se utilizadas diver­
samente). De fato, se é verdade que a ação de Morris é historicista, se
é verdade que sua popularidade se deve em muitos casos aos aspectos
mais tradicionais de sua teoria e às suas contradições - como aquela, por
exemplo, de uma arte que fosse "do povo e para o povo" e contempora­
neamente realizável com o mais difícil método artesanal -, que se diga
que esses aspectos evidentemente ingênuos e anacrônicos servem a uma
estratégia geral. Eles devem ser interpretados como parte de uma atitude
conscientemente paradoxal, com o intuito ele reforçar a unilateralidade
elas ideias, de conseguir uma crítica mais forte e radical, ele constituir
um parâmetro resoluto de referência. Essa interpretação é confirmada
não apenas por muitos escritos elo próprio Morris, que anunciam uma
historicidade mais refletida, o reconhecimento de viver num momento
importante e numa grande nação, a importância elas máquinas etc., mas
igualmente pelo comportamento de seus herdeiros mais imediatos. Eles,
quer dizer, a geração ele artífices nascida por volta de 1850, aderiram ainda
mais explicitamente às condições elo tempo; substituíram a oficina artesa­
nal por uma rede de laboratórios e ele organizações produtoras, admitindo,
ele modo explícito, a possibilidade ele uma produção mecânica ao lado do
trabalho feito exclusivamente à mão.
No que concerne à evolução do gosto, as obras de Walter Crane,
ele Arthur Heygate Mackmurdo, de Selwyn lmage, ele Charles Voysey
prefiguraram, ele várias maneiras, o art nouveau internacional, que na

66
3.
A ERA VITORIANA

Inglaterra nasce como Liberty, nome de um importador de objetos


orientais que se valeu de muitos seguidores ele Morris para a produção
ele objetos modernos.
No seu conjunto, o projeto cios vitorianos ingleses, que passou ao
exterior com a expressão polivalente ele Arts anel Crafts, foi mais unitário (

e orientado cio que resulta das polêmicas temporais, depois preguiçosa­


mente repetidas pela crítica subsequente. Mesmo se excetuarmos alguns
excessos de esteticismo, de gosto pela contradição ou paradoxo, há mais
ele um elo entre Henry Cole e William Morris. Para além das diferenças
antes observadas, a respeito da produção industrial, ele suas diversas esfe­
ras de influência, em ambos se reconhecem os mesmos valores: os useful
objects, as exigências de um público mais vasto, a ação propagandística,
a preferência pelas artes aplicadas no que tange à arte, a clara visão de
um caráter artístico difuso que, como já se disse, é considerado um dos
princípios básicos cio design. De modo que, se o movimento inglês se
difunde no exterior, sobretudo com o nome de Morris (e com o nome
de Voysey quanto aos aspectos propriamente morfológicos e, sobretudo,
com o de Charles Rennie Mackintosh), isso se eleve, em nossa opinião,
em grande parte, ao fato ele que o último é o mais conhecido expoente
(também nos ambientes literários e sociais) de um "projeto" moderno
que encontra, na Inglaterra, os maiores pressupostos produtivos e os
melhores suportes culturais.
Na era vitoriana, a componente da "venda" no advento cio design
nascente encontra o seu ponto central e mais emblemático na Grande
Exposição de 1851.
A iniciativa ela Primeira Exposição Universal se deve a Henry Cole
e ao príncipe consorte Albert, dando sequência a uma série ele grandes
exposições (após a primeira ocorrida em Paris, em 1798) de caráter nacio­
nal. Nascidas no espírito cio Iluminismo e da Proclamation de la Liberté
du Travai[, de 1791, que abolia as corporações, as exposições tinham a
intenção ele promover o conhecimento e a propaganda cio progresso
social e tecnológico, estimular a emulação entre os empreendedores
e, atualizando o espírito das antigas feiras, conferir ao acontecimento o
aspecto ele um festival popular, favorecendo o comércio e as trocas. E
devido ao fato de que a Inglaterra não punha limitações ao comércio
com o exterior é que se eleve o caráter internacional da exposição de
Londres. Como observa Gicleon,

não havia motivo para reunir os produtos ele todo o mundo se depois
não existisse a possibiliclacle ele vendê-los em todo o mundo. Uma

67
d'industrie,
de construction et d'ornementation
UCCLE prcs Bruxelles


son1 labriqués
1 nsrall:uions mobiliCrcs complêrcs •••
Mcublcs ••• Papicrs pcin1s •••
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Tapis ••• Brodcrics ••• Virraux •••
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de la maison
pour l'êlcc1rici1ê •• Bijoux •• Objc1s
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usucls c1 d'ornémcn1a1ion ••••
la marque

exposição internacional somente poderia ter significado num mundo


em que as restrições ao tráfego, ele qualquer gênero, fossem reduzidas
ao mínimo. Essas grandes exposições eram produto da concepção
liberal ela economia: livre comércio, comunicações lines e melhoria
na produção e na execução, por meio ela liberclacle de competição13.

Tais características se encontravam claramente evidenciadas pelo


próprio Cole na introdução ao Offi.cial Descriptive and Illustrative Cata­
logue of the Great Exhibition, uma peça em quatro volumes de enorme
importância pelas informações contidas sobre todos os problemas da
indústria e do comércio oitocentista. Nela, o infatigável Cole escreve
Figura 54
Publicidade do ateliê Van de
que essa guinada internacional na história das exposições foi possível
Veldé em Uccle, 1898. pela "segurança perfeita da propriedade, da liberdade comercial e da
facilidade de transporte que a Inglaterra possui de modo preeminente".
Figura 55
Escrivaninha Van de Velde,
Um programa como esse, que se transformou num grande sucesso
1897-1898. de venda, articulava-se também com uma série de outras e:'1.-pectativas

68
3.
A ERA VITORIANA

técnico-culturais. Primeira entre todas, a intenção de promover ao


máximo a integração entre indústria e artes; a isso respondeu o próprio
edifício que hospedou as manifestações, o famoso Crystal Palace (palá­
cio de Cristal), ele Joseph Paxton, o primeiro pré-fabricado na história
da arquitetura.
Mas se ele constitui a obra-prima da mostra, a solução insuperável
de um problema arquitetônico, em termos ele design, os objetos nele
contidos mostraram todas as incertezas e contradições do binômio arte­
-indústria. Naquele imenso continente delimitado por um invólucro
aéreo de ferro e vidro, havia ele tudo. Produtos diversíssimos de nações
como França, Bélgica, os Estados ela Zollverein, Áustria, Rússia, Esta­
dos Unidos, Suíça, Espanha, Portugal, Toscana, Estados Sardas, Suécia,
Dinamarca, Noruega, Holanda, Grécia, Turquia e, naturalmente, Ingla­
terra, num total de dezessete mil empresas expositoras. A maior parte
desses países expunha seus produtos típicos e artesanais que, enquanto
tais, estavam fora elo tema e não apresentavam o problema elas relações
entre arte e indústria. Ao contrário, a exposição nascia para os produ­
tos dos países mais industrializados, orientados ao máximo em duas
direções. A primeira, dada pelos Estados Unidos, consistia em expor
máquinas sem qualquer pretensão de pesquisa formal ou objetos ele uso
que confiavam a sua forma quase que exclusivamente à sua função. A
segunda era, sobretudo, a da Inglaterra que, salvo algumas exceções,
como a locomotiva de T homas Russel Crampton ou os fornos da Liver­
pool Gaswork, desenhados por A. King, apresentava o mais eclético
panorama dos motivos estilísticos, com a convicção difusa ele que deve­
riam conferir uma pátina ele caráter artístico ou de "conteúdo" não só
aos objetos de uso doméstico, mas também aos maquinários. De forma
que, ao lado dos exemplos acima citados ou da ceifadeira norte-ameri­
cana McCormick, era possível ver o tear em estilo gótico ela W. Pope &
Son, ele Londres, ou a máquina em estilo egípcio, com colunas e esca­
ravelhos, da Hick & Son, ele Bolton, porque destinada a uma fábrica
ele algodão no Egito14. Esse dualismo, que desconcertou os contempo­
râneos, foi retomado pela crítica que se seguiu; ela parece ter posto o
acento mais sobre os exemplares deficientes do que sobre os mais bem
realizados. Como observa Tomás Malclonado,

em toda a história do desenho industrial, até agora, assinalou-se sem­


pre urna posição relevante para a Grande Exposição de Londres,
ele 1851. Porém, não pelo bom desenho dos objetos que ali estavam
expostos, mas sim [ ...] por seu mau gosto atroz. Em outras palavras,

69
a Grande Exposição seria importante por ter contribuído para tornar
consciente a degradação estética cios objetos no momento ela trans­
posição cio artesanato para a produção inclustrial 15.

Em outro lugar, o mesmo autor estigmatiza o fato de que, sem­


pre ele uma perspectiva artística, a crítica, mesmo a recente, deu mais
espaço à tapeçaria eclética e aos espelhos proto-art nouveau, expostos
em Londres, elo que a toda a produção pela qual Reyner Banham falou
ele "zonas ele silêncio", mesmo que nela fosse possível ver a maioria elo
maquinário e elos objetos tecnológicas mais importantes elos séculos
XIX e xx. Sob silêncio ainda passaram os nomes dos maiores artífices
dos objetos mais modernos expostos na mesma ocasião, ele Crampton a
Barthélemy T himonnier, de Ravizza a Henry Ford16.
Os realces são em grande parte para se compartilhar, não se igno­
rando, todavia, que um cios principais temas ela época era justamente,
embora mal-entendido, o ele fazer conviver a arte e a indústria, ainda
que algumas personagens mais atentas à natureza do design - Henry
Cole, uma vez mais - escrevessem de maneira problemática:

Partindo-se ele objetos artísticos e chegando-se aos mecânicos, queria


remeter-me ao julgamento do público para sentir dele se os nossos
primos norte-americanos, com suas ceifadeiras e outras máquinas que
se adaptam aos novos intentos e possibilidades ele desenvolvimento,
não nos tenham dado uma lição muito preciosa. '7

Analogamente, na sua relação sobre a mostra, Richard Redgrave


escreve que nos objetos "nos quais a utilidade é de tal forma preponde­
rante que se abandona o ornamento [...] o resultado é ele uma nobre
simplicidacle"18. De seu lado, Oscar Wilde, embora não adepto cios orna­
mentos, exorta: "Todas as máquinas podem ser belas [ .. .] Não procureis
decorá-las."19
Como quer que seja, a Grande Exposição, com toda a sua complexi­
dade e contradições, foi o primeiro encontro entre a "cultura cio design"
e um público ampliado, transformando-se num grande fenômeno ele
promoção e de vencia: atestam-no os seus seis milhões ele visitantes e o
lucro líquido de 186 mil libras esterlinas.
) E vamos à componente "consumo" cio design, relativo à "empresa­
-nação" Inglaterra na era vitoriana. Quais eram as demandas do público
para garantir o consumo ou o sucesso daqueles produtos tão debati­
dos ela indústria? Acerca do aspecto quantitativo, é ele se julgar que a

70
3.
A ERA VITORIANA

demanda dos consumidores fosse amplamente satisfeita, se é verdade


que a política da quantificação e do preço baixo das mercadorias era
a mais conveniente para os fabricantes; ao contrário, de acordo com a
historiografia mais observada, seria justamente essa tendência a vender
mais e a preços mais baratos a causa da concessão ao gosto do público t'
"inculto", "deseducado" etc. Esse gosto teria sido caracterizado por
uma dupla orientação dominante. De um lado, exigia-se a presença
da decoração em qualquer tipo de objeto, mesmo ali onde a fabricação
mecânica a negava substancialmente. Isso era devido não só ao sim­
bolismo que as pessoas sempre associam a qualquer tipo de produto,
mas, sobretudo, ao fato de que todo novo gênero merceológico é mais
favoravelmente acolhido caso se vincule a um referente já conhecido:
o veículo mecânico se refere à tração animal; a fotografia à pintura; a
imprensa, como já vimos, ao manuscrito etc. De outro lado, e estrei­
tamente vinculado ao decorativismo, o gosto do público exigia que os
objetos, mesmo se produzidos industrialmente, sempre tivessem a apa­
rência de serem realizados à mão, estando o valor ligado ao esforço, à
habilidade, ao toque manual. Falando da pintura dos pré-rafaelitas, que
se pode considerar o paradigma estético do período em exame, e como
tal o referente das artes aplicadas, Arnold Hauser observa que ela é

literária e poética corno toda a arte vitoriana [ ... ] Ao espiritualismo


vitoriano, aos assuntos religiosos, literários, às alegorias morais e aos
símbolos fabulosos ela une um sensualismo que se exprime na ale­
gria do momento particular, na reprodução jovial de qualquer haste,
de qualquer vinco. Essa precisão não reflete apenas o naturalismo
genérico da arte europeia, mas também a ética do trabalho, própria
da burguesia, que vê um critério de valor artístico no ofício irrepreen­
sível, na execução acurada dos antigos mestres. Seguindo esse ideal
ela arte vitoriana, os pré-rafaelitas acentuam a perícia técnica, a habi­
lidade mimética, a perfeição cio último toque2º .

Não só as instâncias de decoração ou de pseudoartesanato são as


que se limitam a falsificar a forma dos objetos industriais, pois a ficção
estende-se até a natureza dos materiais. Segundo Giedion, entre 1835
e 1846, o escritório inglês das patentes registra 35 delas para o revesti­
mento de superfícies de vários materiais que imitam e se assemelham
a outros. Depois intervém a reprodução galvanoplástica que, graças a
um processo eletrolítico, permitia revestir materiais econômicos com
outros de maior preço. Além das falsas superfícies, artifícios semelhantes

71
Figuras 56
O Palácio de Cristal de J. Paxton.

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Figura 57
Perspectiva do transepto do
Palácio de Cristal.

Figura 58
Frontispício do catálogo da
Grande Exposição, de G.
Semper.
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0?t.11111ed op 08!J9lin8S8 0dnJ8
6S eJn61::1
foram aplicados mesmo na volumetria dos objetos: inventaram­
-se máquinas para estampar, prensar, preparar matrizes aptas
a reproduzir, em materiais ordinários, os modelos antigos ou,
de todo modo, considerados de valor.
Tudo isso é verdadeiro e está documentado, mas como
nos ocupamos de um consumo em larga escala, há que se ter
alguma precisão. Esses artifícios enganosos eram aplicados prin­
cipalmente em objetos com pretensão artística: esculturas em
gesso, que se contrabandeavam como feitas em bronze ou servi­
ços de chá pretensiosos que pareciam ter sido cinzelados à mão
e feitos em prata. Em outras palavras, a falsificação não se apli­
cava a produtos de primeira necessidade, mas aos de natureza
estética ou voluptuária, requisitados e consumidos pelos estratos
médio-altos. "A burguesia vitoriana tem fixação na 'grande arte'
e no mau gosto que domina na arquitetura, na pintura e nas
artes menores; em substância, é a consequência de um autoen­
gano e ele uma presunção que impedem a expressão espontânea
de sua natureza."21 É verdade que as classes mais pobres tendiam
a imitar o gosto da burguesia, mas é pouco crível que o prole­
tário, no clima da cidade ele céu plúmbeo e de um ar denso
Figuras 60-66 com resíduos industriais, passada para a história com o nome
Máquinas e objetos expostos
na Grande Exposição de 1851.
dickensiano de Coketown, gastasse um penny a mais para que
os objetos ele uso cotidiano fossem "artisticamente" decorados.
Com efeito, toda a polêmica aplicava-se sobre os objetos de
ostentação, como aqueles que figuravam na Grande Exposi­
ção, os de uso e consumo ela classe rica. E quando o próprio
Morris fala de uma arte para o povo, sempre pensa em esten­
der-lhe um gosto que pertencia à sua classe. Ao lado desses
objetos exibidos, existia uma grande produção de outros, apenas
"modelados"22, usando-se um adjetivo renascentista para deno­
tar exatamente produtos simples e essenciais ao consumo das
classes pobres. Não por acaso, desde os tempos de Weclgwoocl
a produção popular se orientava em direção a esse último tipo,
assim como, na sequência, ocorrerá todas as vezes que se quiser
quantificar positivamente um setor mercadológico.
De modo que se deve a esse processo de simplificação,
unido às exigências de se responder ao consumo popular, além
ela influência da arte do extremo-oriente, por sua natureza sim­
ples, essencial, o fato de que os artífices ingleses do século xrx
tardio - e pensamos, em particular, na arquitetura e nos objetos

74
3.
A ERA VITORIANA

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Figura 67
A imagem acima ilustra o
princípio da sega ou ceifadeira
circular, uma das muitas
tentativas fracassadas de
mecanizar a ceifa (patente
inglesa de 1811).

Figura 68
A ceifadeira Virgínia, de
McCormick, 1846.

75
desenhados por Voysey - se tornaram modelo para os outros países.
De fato, Hermann Muthesius evocou esse tipo de produção quando
importou para a Alemanha a experiência britânica, adotando-a como
paradigma da nascente indústria elo design.

O Caso Thonet

No contexto dos anos de 1850, período que encontra no C rystal Palace


de Paxton seu símbolo mais eloquente, um lugar ele grande relevo na
história do design, entre reformadores ingleses, engenheiros franceses
e inventores norte-americanos, está reservado a Michael Thonet (1796-
1871). Uma confirmação do valor de sua produção está no fato de que
ela satisfaz plenamente os quatro parâmetros elo design.
Dado que o caráter representativo elos móveis de Thonet tem ori­
gem numa invenção técnica, examinemos, para começar, o parâmetro
produtivo. Essa técnica consiste em umedecer peças ele madeiras para
poder dobrá-las, assim como se faz com galhos relativamente finos das
árvores, ou quando a madeira ainda está viva, permeada de seiva. A ideia
do inventor alemão foi, substancialmente, devolver à madeira, graças ao
vapor, a sua elasticidade inicial, modelar os pedaços em formas metálicas
e, assim, deixá-los secar, ele maneira a fixar sua forma definitiva. Prelimi­
nar a esse processo era predispor os pedaços constituintes do móvel a ser
construído, cortando-os na forma e número necessários; quanto menor
era aquele, tanto mais adaptado à produção industrial em série e, por­
tanto, mais econômica seria a manufatura. Em geral, pois, os elementos
vinham preliminarmente reduzidos a uma seção circular. Ainda assim,
essa técnica, embora inovadora, engenhosa e de grande utilidade para
a quantificação dos produtos, não teria dado aqueles resultados que tor­
naram inconfundível o estilo Thonet se não interviessem outros fatores
que associavam o dado construtivo a um valor estético, como veremos
ao se falar do parâmetro "projeto" dessa indústria.
Michael Thonet nasceu em Boppard, na Prússia. Em 1819, abriu
um pequeno laboratório ele marcenaria e ebanesteria especializado em
pavimentos de madeira marchetada e decorativa para aplicação em
móveis tradicionais. Em 1830, iniciou os experimentos sobre a curvatura
da madeira, da qual falamos antes, e, em 1841, por ocasião de uma mostra
em Koblenz, chamou a atenção ele Metternich, ministro cio imperador
da Áustria, que o induziu a se transferir para V iena, onde lhe assegurou

76
3.
A ERA VITORIANA

apoio e comissões. No mesmo ano de 1841, obteve a licença para a sua


técnica de curvatura de madeira na França, na Inglaterra e na Bélgica;
em 1842, na Áustria. O verdadeiro início da atividade industrial se deu em
1853, quando Thonet mudou o nome de sua empresa anterior que, trans­
ferida aos cinco filhos homens, tornou-se a Gebrüder Thonet. Em 1856, <
em Koritschan, na Morávia, foi construída a primeira elas grandes ofici­
nas para a produção em série elos móveis, à qual se seguiram outras na
Hungria e na Polônia, enquanto numerosos pontos de venda se abriram
não apenas em várias cidades ela Áustria e ela Alemanha, mas também
em Bruxelas, Marselha, Milão, Roma, Nápoles, Barcelona, Maclri, São
Petersburgo, Moscou, Odessa, Nova York e Chicago. O elenco dessas
filiais, verdadeiramente excepcional para o século XIX, diz tudo sobre as
dimensões comerciais da indústria ele Thonet. Como quer que seja, o fato
é que no final elo século XIX as fábricas da empresa produziam quatro mil
móveis por dia e ele um só exemplar, a cadeira número 14; foram vendi­
das cerca de cinco milhões de peças em pouco mais ele quarenta anos.
E vejamos os aspectos projetivos. Antes de tudo, deve-se precisar
que a Gebrücler Thonet não produziu apenas as famosas cadeiras, mas
também - e por isso marcou o gosto e cultura do século XIX - muitos
outros móveis, poltronas e divãs, cadeiras ele balanço e toda uma gama
ele mesas e mesinhas, camas, berços, cabicleiros e porta-guarda-chuvas.
Como se vê, trata-se ele modelos que entram na tipologia ele "móveis
apoiadores", evidentemente a mais adaptada à linearidade estrutural da
técnica de Thonet. Mas, além ele qualquer consideração, ela se vincula
excepcionalmente a um trabalho preciso de projeção. Paolo Portoghese
fala justamente de uma verdadeira linguagem e procura recolher os
caracteres invariantes e suas articulações:

Os temas mais claros dessa intencionalidade unitária que é a lingua­


gem de Thonet são os seguintes: a decomposição linear, a resistência
pela forma, a variação das seções resistentes, as conexões (pela tan­
gência, compenetração, trama), as mediações torneadas, o espaço
diafragrnático23 e a transparência ela estrutura.24

Não podemos aqui nos deter sobre todas essas invariantes morfoló­
gicas, ele resto bastante claras como antes expostas; mas sobre as duas
últimas, que se referem a resultados produzidos por união de elementos
lineares em madeira de faia curva, e de planos obtidos pela trama da
assim chamada palha ele Veneza, vale a pena citar o que ainda escreve
Portoghese:

77
Com esses dois instrumentos torna-se possível fechar o espaço sem
escondê-lo da visão, e o móvel não se converte mais em "preen­
chimento" ele um espaço, mas em "filtragem" ele um espaço,
caracterização dinâmica ele um espaço por meio ele um sistema equi­
librado ele linhas [ ... ] as cadeiras de balanço, as chaises Zangues, os
divãs, as carnas são estruturas dotadas de uma espacialidade interna
que possue na transparência o seu caráter e sua especificidade. Um
ambiente decorado com os móveis ele Thonet tem um fascínio suple­
mentar ao daquele de simples objetos pela série infinita ele relações
originada ela transparência e das infinitas sobreposições das peças, que
se articulam, se opõem ou refluem umas sobre as outras, formando
um nódulo inextrincável ele linhas estiradas.25

De nossa parte, propomos a leitura analítica da famosa cadeira


número 14, pois a consideramos o primeiro e insuperável caso de dese­
nho industrial no campo do mobiliário.
Evidentemente, essa forma-tipo se vale de todas as experiências pre­
cedentes de Thonet: daquela que remonta à elaboração em Bopparcl,
inspirada na forma do klismos grego e tecnicamente realizada com estra­
tos de madeira dobrada, ao modelo apresentado na Grande Exposição
ele Londres, em 1851, que tem a perna traseira duplicada e curvada, de
maneira a seguir o perímetro ela tela ela cadeira. Mas é desta última que
se deve partir para chegar-se à cadeira número 14- De fato, o modelo
londrino (inserido no catálogo como número 5) sofre uma primeira
variação: a perna dupla anterior é eliminada e a união com o montante
único e o chassi ela cadeira se elabora por intermédio de um capitel tor­
neado. Os modelos 6 e 7 são variações cio precedente; o número 8 indica
uma separação inspirada pelas exigências da produção industrial: na
frente, as pernas se prendem à cadeira ainda por meio de um capitel; na
parte traseira, ao invés, um único arco dobrado faz a perna e o espaldar e
se prende diretamente ao chassi da cadeira. As quatro pernas tornam-se
rígidas por um anel ele arco que se converterá num elemento invariante
em grande parte das cadeiras sucessivas. Além disso, elimina-se o espal­
dar empalhado e, em seu lugar, insere-se um elemento único arqueado,
o que aumenta a superfície ele apoio elas costas de quem se senta. O
modelo número 9 simplifica, ele um lado, o precedente, quando as per­
nas traseiras se prendem sem qualquer mediação no chassi, única parte,
como na cadeira precedente, a utilizar a superfície em cana da Índia;
ele outro lado, o complica. De fato, o arco unitário dobrado para for­
mar as pernas posteriores e o espaldar é mantido mais baixo, enquanto

78
3.
A ERA VITORIANA

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Figura 69
Desenho de E. Mandl para a
poltrona Thonet n. 14.

79
um outro arco curvado se une ao chassi e prossegue mais alto do que o
precedente para formar uma superfície ainda mais ampla e cômoda do
que a do modelo 8. A versão ela cadeira número 9, que era composta de
apenas seis pedaços, aparece por tal motivo corno o topo da evolução;
mas razões ele ordem produtiva, como a elaboração mais complexa do
segundo pedaço formador do espaldar fizeram com que o modelo 14,
também esse com seis peças, mas com o sobreclito elemento elo espal­
dar bastante simplificado, eleva ser considerado a fase mais madura e
conveniente ela evolução que estamos descrevendo. Do modelo 9, ele
conserva o encaixe direto elas pernas anteriores; do 8, o arco curvado no
interior ela "fita" (perna posterior e espaldar). Portanto, com apenas seis
elementos de madeira curvada, do modo mais racional, seis parafusos e
dois eixos será construída a cadeira mais vendida no mundo.
Quanto à componente "consumo", as cifras de produção ela cadeira
são bastante eloquentes; basta apenas acrescentar que tanto esse quanto
muitos outros móveis Thonet resistiram aos movimentos elo gosto e às
variações ela moela por mais de um século, mobiliaram vários tipos ele
ambientes e foram comprados por todas as classes sociais.
Hugh Honour observou, sinteticamente:

Thonet possui a vantagem de ser o fabricante de móveis que mais


conseguiu sucesso. Mas as suas cadeiras, às quais hoje atribuímos
os maiores elogios, não teriam sido consideradas, no século xrx,
exemplares com valor ele arte decorativa. Com isso, não se quer des­
conhecer a sua influência sobre os teóricos elo movimento moderno.
Na história elo mobiliário, ocupam um posto importante, análogo
àquele ocupado, em arquitetura, pelas coberturas em vidro elos cen­
tros comerciais e estações ferroviárias.26

Não se pode, minimamente, compartilhar esse juízo. Se a contribui­


ção ele Thonet tivesse sido apenas técnica, teria se limitado a aplicar seus
procedimentos a modelos históricos (como o fez no início) e, por razões
estéticas, econômicas ou ele produtividade industrial, não alcançaria
aqueles resultados, mesmo formais, que caracterizam o seu estilo. Não
se sustenta a comparação com os construtores oitocentistas no campo ela
arquitetura, ainda que por aspectos legítimos, pois toda a conformação
em ferro está datada elo século xrx, encontrando-se superada por técni­
cas diferentes e, sobretudo, quanto à forma, pela plástica elo concreto
armado. O estilo de Thonet, ao contrário, vive as formas e exigências
produtivas ele seu tempo, antecipa as novas orientações elo gosto, em

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Figuras 70-73
Capas de catálogos da
Gebrüder Thonet, de 1859,
1873, 1888 e 1904.
Figuras 74-76
Produção Thonet: moldes para
a curvatura de madeira e leito
modelo 9711.
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Figura 77
Produção Thonet: estante
modelo 11602.
Figuras 78-79
Produção Thonet: console
modelo 8803 e cadeira de
balanço.
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Figuras 80-81
Modelos de cadeira produzidos
pela M. Thonet para a
Boppard e para o palácio de
Liechtenstein.

Figura 82
Os móveis Thonet ilustrados no
catálogo da Grande Exposição
de Londres (a cadeira é a
designada modelo n. 5).
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Figuras 83-86
(a partir do alto, à esquerda)
Produção Thonet: cadeiras
modelos 8, 9 e 14. Os
elementos que compõem a
cadeira 14.
3.
A ERA VITORIANA

particular elo art nouveau, e ainda permanece atual. Estamos em pre­


sença ele um "clássico", como muitos autores perceberam. E se o século
XIX não considerava os móveis com valor ele arte decorativa, quer dizer
que nutria uma ideia assaz restrita dessa arte ou, melhor ainda, que a
própria ideia ele arte decorativa havia morrido para dar lugar ao design (
industrial elo século xx.

Os Móveis Patenteados

A questão técnica e o binômio mobília ele tapeceiro e mobília ele enge­


nheiro, para usar uma distinção eficaz ele Gieclion, está posta ele modo
oportuno para o fenômeno elos elementos ele mobiliário e decorações
metálicas ou patenteadas, que tiveram o seu máximo desenvolvimento
nos Estados Unidos, enquanto os vitorianos ela Europa debatiam, che­
gando frequentemente a becos sem saída, toda a problemática elas
relações entre arte e indústria.
A origem elo móvel mecânico pode ser encontrada na Europa elo
século XVIII, nas experimentações que vão ele autômatos engenhosos até
as primeiras máquinas automáticas, e que levou à construção ele móveis
como o lit de voyage (cama ele viagem) e outros elementos ele mobiliá­
rio bastante manobráveis, leves e dobráveis, com mínimo estorvo. Mas
é na América, a partir elos anos ele 1850, que essa tipologia ele móveis
encontra o seu maior desempenho projetivo, a sua mais vasta produção,
venda e consumo.
Quanto ao seu projeto, que se diga que tais móveis nasciam ele uma
dupla exigência. De um lado, se queria fazer cadeiras, poltronas e camas
cujo conforto não fosse mais confiado ao estofamento tradicional elos
tapeceiros, que os elaboravam ele modo estático, inarticulaclo, sobretudo
inclobráveis, inevitavelmente ligados ao gosto corrente elo século XVIII
e cujo caráter estava, por assim dizer, terminado e bloqueado. O móvel
mecânico, ao contrário, buscava o conforto na descontinuidade elos ele­
mentos, em grande parte metálicos e articulados segundo a anatomia
humana - os movimentos ele urna pessoa sentada ou deitada - como se
fosse o prolongamento elas articulações humanas; daí a sua concepção
sobre o modelo ela prótese. A atração pelos móveis elas áreas ele saúde
era motivada pelo desenvolvimento ela cirurgia, pelo aperfeiçoamento
ela poltrona elo barbeiro, afirmando urna nova tipologia como a pol­
trona que se alonga, as carnas dobráveis, os móveis elos primeiros vagões

87
ferroviários. De modo que, além da vontade de utilizar os instrumen­
tos da nova tecnologia mesmo no campo do mobiliário doméstico, o
móvel mecânico se justificava com a introdução ele novos tipos e, em
definitivo, pela exigência de novos segmentos sociais ele consumidores.
Gieclion escreve:

A outra face do século XIX está representada pelas construções e móveis


de engenheiros. Os móveis patenteados são tipos que os estratos médios
souberam inventar para satisfazer suas mais autênticas necessidades.
As camadas abastadas não sentiam carência de cadeiras retráteis que
se transformassem em camas e ele leitos que se tornassem armários.
Tinham espaço e dinheiro suficientes para contentar as próprias exi­
gências com outros meios. Os móveis patenteados foram, na origem,
e ao menos na América elo Norte, necessidade elas camadas médias,
um estrato social que pretendia, num espaço mínimo, um certo con­
forto, sem com isso encher a casa com móveis. A poltrona que pode
transformar-se em divã, o leito em armário e o quarto que, ele dia, se
transforma em sala ele visita se adaptam mais naturalmente a casas ele
dois ou três cômodos ela classe média em ascensão do que os móveis
mais pesados, ele gosto clominante. 27

À mesma lógica elo móvel hiperfuncional, polivalente e articulado


pertence todo o mobiliário para escritório que, também nascido na Amé­
rica, teve grande repercussão na Europa entre os finais dos oitocentos e o
início do novo século. Assim mesmo, ao lado ele outras inovações trazidas
pelo móvel mecânico ou patenteado (sua adoção nas casas ela pequena
burguesia, ambiente de trabalho, laboratórios técnicos, salas de cirurgia,
nos vagões ele trens Pullman), ele instaura e sanciona a ideia elo móvel
único, completamente desvinculado ele um contexto. É nesse ponto que
um móvel se torna manufatura com uma concepção própria e um pro­
jeto específico: o objeto ele design pode prescindir completamente elo
mobiliário e ela decoração.
Esse fenômeno repercute diretamente sobre a produção industrial.
Contrariamente ao que vinha antes, e ocorreu depois ela adoção do
móvel patenteado - que urna indústria, urna vez adotada urna linha for­
mal e urna tecnologia, produz urna gama ele modelos diferentes dessa
mesma linha-, nascia em torno ele um modelo único de móvel mecâ­
nico urna indústria especializada apenas na sua produção. Típico nesse
sentido é o caso da cadeira Wilson, corno era chamada em virtude do
nome de seu inventor (patente USA 116.784/4, julho de 1871), um dos

88
3.
A ERA VITORIANA

primeiros modelos que transferiram os requisitos de uma poltrona de


pessoa inválida para o mobiliário doméstico: difundida em dezenas ele
milhares ele exemplares, era fabricada por uma sociedade propositada­
mente criada para sua produção industrial (Wilson Acljustable Chair
Company, ela Broadway). E todos os demais tipos dela derivados, entre (

1871 e 1890, foram produzidos por outras empresas constituídas ad hoc.


O aspecto produtivo mais importante desses tipos de móveis, nasci­
dos por exigências especiais, como poltronas para inválidos e mesas ele
operação, e por isso não podendo alcançar uma quantidade necessária à
elaboração industrial, está na própria modificação ou conversão a uma
procura maior, que vem ele sua utilização doméstica. Se ele um lado a
versão mais comercial servia para aumentar a quantidade do produto,
ele outro o fazia perder aquela característica ele extrema mobilidade;
em outras palavras, a quantificação levava a uma simplificação das for­
mas e elos usos. No entanto, todas essas coisas ainda eram, no campo ela
promoção e da venda, altamente enfatizadas. A publicidade que acom­
panhava um modelo produzido em Chicago, em 1893, declara: "É a
melhor poltrona de todo o mundo. É uma combinação de poltrona ele
salão, ele biblioteca, ele fumar e ele poltrona reclinável ou ele repouso,
ou ele cama ele comprimento inteiro ou regulável em qualquer posição.
Mais ele oitenta mil exemplares já em uso."28
Giedion, ao comentar esse caso, recorda que estamos no mesmo
ano ela Exposição Colombiana, vale dizer, daquele evento que põe em
crise, com a primeira arquitetura autenticamente americana, a escola
ele Chicago, também esses produtos significativos ela mecanização elos
objetos domésticos. Tudo por obra da retração gerada pelo confronto
com a acadêmica e prestigiosa produção europeia, exposta naquela oca­
sião nos Estados Unidos.

Estamos no ano de 1893, isto é, no término do desenvolvimento. É o


ano da Exposição Mundial de Chicago, que representa o momento
da guinada. Começou a ser tedioso esse tipo de móvel. Ele não cor­
respondia mais ao conceito de luxo e de riqueza para os quais alguns
se sentiam nascidos. Eis por que esses móveis desapareceram. 9
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Figura 87
Poltrona de inválido para Felipe
li da Espanha, século XVI.

Figura 88
Poltrona giratória para
escritório, 1853.
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C '<>.\l l'<>U'J'.lUT,E,
PRJCES LOWEST.
� GUALJTY BEST.
Send for Catalogue and Price List.
MARKS ADJUSTABLE CHAIR CO.
930 ll1tOAOWAY, NEW YORK.
215 WADAsrr AvE CmcAGo,

Figura 89
G. Wilson, poltrona dobrável de
ferro, 1871 .

Figura 90
Poltrona regulável, 1893.
Figuras 91-92
Leito cirúrgico e seus
comandos, 1899.

Figura 93
Poltrona de dentista e cirúrgica,
1850.

Figura 94
(à direita) Poltrona de barbeiro,
1873.

Figura 95
Poltrona de dentista, 1879.

Figura 96
(à direita). (no alto) Poltrona de
barbeiro, 1888.

Fig'ura 97
Armário-leito, 1859.

Figura 98
Leito-piano, 1866.
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Figuras 99
Assentos ferroviários
transformáveis em beliche,
1858.

Figura 100
Cadeiras e beliches ferroviários,
1854.

Figura 101
Seção de vagões com cadeiras e
ordem dupla de beliches, projeto
de T.T. Woodruff, 1856.

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4.
Uma Nação-Empresa

SE A INGLATERRA DA ERA VITORIANA É O PAÍS-GUIA DOS ACONTECIMEN­


tos das artes aplicadas, nos primeiros anos do século xx é a Alemanha
quem desenvolve sua história até o nascimento do verdadeiro design
moderno. Além disso, a nação germânica, que acolhe e produz ela
mesma os maiores fundamentos culturais elo design - elas Arts anel
Crafts à estética elo Einfühlimg (empatia), do art nouveau ou Jugendstil
ao classicismo ele formas que remonta a Conracl Fiedler, elas contri­
buições de Gottfriecl Semper às ele Alois Riegl, elo protorracionalismo
ao racionalismo etc. -, observa ao mesmo tempo, no que diz respeito
às invenções, à tecnologia, ao espírito empreendedor, à organização
científica elo trabalho, à produção industrial em massa, numa palavra,
à proclutiviclacle, um só modelo, o elos Estados Unidos. Assim é que a
história elo design alemão elos primeiros trinta anos elo século xx está
intimamente entrelaçada com a história ela indústria norte-americana,
à qual elevemos fazer referência constante.
Com a necessidade ele se reduzir uma matéria tão vasta e, ao mesmo
tempo, dar conta dos principais fenômenos produtivos norte-america­
nos, ao tratar o caso alemão (é só mais tarde que os Estados Uniclos se
tornarão, ele fato, um país-guia), como havíamos antecipado, adotare­
mos o artifício historiográfico ele considerar o design ele toda a nação
germânica como o de uma empresa única, de modo a poder mais facil­
mente lhe aplicar a lógica dos quatro parâmetros da fenomenologia
do design; exceto ao se estudar os casos verdadeiros e apropriados elas
empresas, a AEG, a Wiener Werkstatte, ele certo modo a própria Bauhaus
etc., como fatos particulares, descritos e analisáveis segundo os quatro
parâmetros citados.
Que a questão da produção industrial ligada ao design tenha sido
vista na Alemanha como um problema nacional se comprova, em
grande parte, pela iniciativa e pela literatura sobre o assunto, de modo
que a ideia da nação-empresa não se desvia muito do dado fatual.
Um primeiro testemunho do que afirmamos e dos primeiros con­
tatos com a América retroage aos anos de 1870, quando a Alemanha
faz passar a organização militar da vitoriosa guerra franco-prussiana
para a industrialização elo país: é a reportagem que Franz Reuleaux 1
envia para a imprensa alemã durante sua visita à Exposição Internacio­
nal ocorrida na Filadélfia, em 1876. Na reportagem, convertida numa
importante publicação com o título Briefe aus Philadelphia (Cartas
da Filadélfia), estão contidas as informações mais significativas sobre
a situação industrial do último quarto do século xrx e sobre as rela­
ções Alemanha-EUA, vistas sob a óptica de um especialista técnico e
industrial europeu.
Na primeira carta (2 de junho de 1876), Reuleaux escreve, entre
outras coisas:

Não é preciso esconder [ ...] que a Alemanha, na Filadélfia, sofreu


uma grave derrota [ ...] gostaria apenas ele tracejar, em linhas gerais,
as objeções que nos têm sido dirigidas. O sentido ele todas as censu­
ras se resume no juízo: a indústria alemã escolheu como princípio
fundamental o "bom preço e má qualidade". Infelizmente, em prin­
cípio, a nossa indústria fez valer esse slogan, ao menos no que se
refere ao "bom preço" e, portanto, também à má qualidade [ ...]
Segundo enunciado: nas artes plásticas e no artesanato, a Alemanha
não conhece outros motivos senão aqueles chauvinistas e patrióticos
que estão fora ele lugar no confronto internacional [ ...] Mesmo no
pavilhão elas máquinas, quase todo o espaço está cleclicaclo aos gigan­
tescos canhões Krupp, as killing machines, como foram definidos,
que aqui, em meio a tantos outros produtos pacíficos anunciados
por outras nações, erguem-se como ameaça [ ...] Terceiro enunciado:
falta ele gosto na arte aplicada e de progresso no campo puramente
técnico.2

96
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

Na terceira carta (10 de julho), Reuleaux retoma mais analiti­


camente o tema do billig und schlecht (barato e ruim), que para ele
significa "de baixo preço e, por isso, de má qualidade". Nela sustenta:

Efetivamente, uma parte não indiferente ela indústria alemã é guiada


pela ideia ele fundo segundo a qual a concorrência só é possível abai­
xando-se o preço. Esquece-se, ou quase já está esquecido, que a outra
via, a "manutenção elos preços e, em troca, o crescimento ela quali­
dade", está igualmente aberta e, comercialmente falando, alcança bem
a finalidade. O industrial eleve escolher entre um princípio e outro. A
segunda via, que só poucos ele nossos empreendedores praticam, mas
que esconde o segredo ele sua forhma comercial, é a única válida ele um
ponto ele vista industrial e ele política econômica. Essa tem por conse­
quência uma elevação não só ela qualidade elos produtos, mas também
da capacidade produtiva ele todos aqueles que participam ela produção)

Na quarta carta (31 ele julho), Reuleaux expressa todo o seu apreço pela
indústria norte-americana e estabelece outros confrontos significativos:

A indústria mecânica norte-americana está esplendidamente represen­


tada, mesmo no campo elas máquinas-utensílios. Aqui, provavelmente,
cabe-lhe a palma ele vencedora, não apenas no âmbito ela exposição,
mas ele modo absoluto [ ...] As maiores possibilidades ele concorrer com
semelhantes construtores ele máquinas-utensílios quem as possui talvez
seja a Alemanha [ .. -1 Só faz pouco tempo que estávamos seguindo os
padrões ela tipologia inglesa elos utensílios, desenvolvendo-a em seu
próprio sentido, e começamos a proceder ele maneira autônoma nesse
campo. Assim, estava nascendo um utensílio alemão. Agora, porém, a
América, com suas ideias completamente novas, derrubou sem hesita­
ção a Inglaterra ela sela e, com ela, nós também; elevemos nos adequar
ao novo sistema se não quisermos terminar por sermos ejetados ela con­
corrência. Começamos bem, mas ainda estamos longe elo objetivo; ele
preferência, nos espera um trabalho exaustivo só para alcançar e nos
mantermos em paridade com os norte-arnericanos.4

Na décima carta, Reuleaux alcança o ponto mais propositivo ele


sua reportagem:

A indústria alemã 1: ... ] eleve utilizar a máquina ou, mais generica­


mente, o aparato técnico-científico em todos aqueles casos nos quais

97
ele substitui a mão do homem com vantagem para o produto, isto
é, naqueles casos em que, assim fazendo, alivia-se ou se elimina o
trabalho físico e no qual a produção ele massa constitui a base ela pro­
dução; ao contrário, essa deve utilizar a força espiritual e a habilidade
do trabalhador para a obra de finalização dos produtos, e isso quanto
mais perto estiver da arte.5

Como se vê, desde as primeiras aproximações alemãs com o país


da produtividade por antonomásia, os Estados Unidos, e até mesmo
em um observador atento aos problemas práticos que tentava resolver,
desponta aquele dualismo entre os mundos ela máquina e elo espírito,
entre indústria e artesanato, que caracterizará o debate europeu durante
os primeiros trinta anos elo século xx. De qualquer modo, há três indi­
cações significativas: a. o empreendimento industrial eleve empenhar
os esforços de toda a nação; b. o vasto reconhecimento do papel da
máquina; c. a importância ela qualidade sobre todos os outros valores ela
produção. Aqui não nos defrontamos com o problema que, ao contrário,
caracterizará o debate do novecentos, o do papel da arte no processo de
qualificação elo produto industrial.
Após essa introdução ao século xrx, voltemo-nos à descrição cio
modelo nação-empresa alemã a partir da Werkbuncl (Federação elo Traba­
lho), considerando-se essa empresa a componente "projeto", entendido
na sua mais ampla acepção.
A Werkbuncl não nasce sozinha, mas é precedida de uma série
ele projetos, instituições e programas aos quais é preciso acenar. Para
ela confluíram todas as iniciativas que, desde 1870 em diante, foram
empreendidas na Alemanha no setor das artes aplicadas. Nesse setor,
em que se deu prioridade às artes maiores, no intento ele potencializar
a nascente industrialização e poder competir com mercados externos, o
princípio seguido foi o de que deveriam instruir0se e atualizar-se tanto os
operários elas manufaturas como o público, mediante uma visão direta
e a mais ampla possibilidade ele confrontos. Seguindo a linha iniciada
por Henry Cole nos anos ele 1850, foram abertas numerosas escolas ele
arte aplicada, às quais eram ligadas uma vasta rede ele museus ele obje­
tos industriais e artísticos de vários tipos e proveniências. O critério ele
aprendizado (a escola), confrontado com o museu, clava vicia àquela ins­
} tituição tipicamente oitocentista que foi o "museu artístico-industrial".
Tal organização expositiva tinha por cabeça o Museu Imperial de Arte
Decorativa ele Berlim, que supria, com sua coleção, as escolas regionais
e vários museus cio Estado, cios quais dependiam os museus municipais e

98
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

os das sociedades artístico-industriais. Entre essas últimas, representantes


ela parte mais viva e prática ele todo o sistema, que se recordem a Deuts­
cher Kuntsgewerbe Verein ele Berlim, com 1.263 sócios, e a Bayerischer
Kunstgewerbeverein ele Munique, com 1.713 associados. No início dos
anos ele 1900, o número ele tais sociedades ascendia a 178, com 145 mil
sócios. Um caso particular ele tais instituições foi a Colônia ele Artistas,
patrocinada pelo grão-duque Ernst Ludwig von Hessen, surgida em
Darmstaclt, em 1901.
O princípio animador ele tal instituto foi vitoriano, não só porque o
grão-duque era sobrinho da rainha V itória, e havia recebido uma edu­
cação sobretudo inglesa, mas também porque tentou realizar a ideia ela
guild of handicrafts, perseguida por muitos vitorianos típicos, ele Rus­
kin a Morris, até os seguidores deste último, Baillie Scott e Charles
Robert Ashbee, que podem ser considerados, por suas longas estadias
em Darmstaclt, os conselheiros elo grão-duque e talvez os idealizadores
ela Colônia de Artistas. Retrocedendo-se na história ela arquitetura aos
fatos ela construção ela vila elos artistas, obra ele Joseph Maria Olbrich,
sublinhemos as intenções programáticas que davam forma à iniciativa.
Elas podem ser resumidas no mais conhecido e proclamado ideal ela
mística da beleza e ela unidade elas artes, e num outro objetivo, menos
notado, mas igualmente certo, o ele natureza econômica.

Ernst Ludwig pretendia incrementar a produção, melhorar a quali­


dade, aumentar as encomendas artesanais cio Hesse e, portanto, os
artistas por ele chamados a Darmstaclt deviam agir nesse sentido,
sendo ao mesmo tempo modelos insuperáveis e mestres fecundos .
A significação ela Colônia ele Artistas ele Darmstaclt eleve ser vista no
interior cio campo ele tensões entre a pura estética e o cálculo econô­
mico. Pois Ernst Ludwig perseguia uin escopo preciso: fazer coincidir
a nova visão estética ela vicia com a retomada ela economia cio Hesse.6

Após as indicações sobre a organização artístico-industrial alemã,


sobre as várias iniciativas que tinham em mira inserir a "empresa-Es­
tado" alemã no mundo ela produção industrial internacional (sobre as
indústrias que adotaram primeiro e francamente a elaboração mecânica
falaremos quando nos referirmos à componente "produção"), basta tra­
tar ela Werkbuncl, entendida, como já se disse, na qualidade ele "projeto"
elo advento elo design na citada empresa-nação.
O criador da Werkbuncl foi o arquiteto Hermann Muthesius (1861-
1926). Já ativo no Japão, foi enviado a Londres em 1896, na qualidade ele

gg
adido cultural da embaixada alemã, com a missão específica de estudar
a arquitetura e o movimento das artes aplicadas inglesas. No retorno à
pátria, foi nomeado superintendente do Comitê Prussiano da Indústria
para as Escolas de Artes e Ofícios; publica em três volumes o livro Das
englische Haus (A Casa Inglesa, 1904-1908); desenvolve uma larga ativi­
dade de publicista e conferencista na qual tende a afirmar a importância
da elaboração industrial como a única capaz de resolver o problema
socioeconómico das artes aplicadas.
Na mais famosa dessas conferências, ocorrida no início de 1907 na
Escola Superior de Comércio de Berlim, sob o título de Die Bedeutung
des Kunstgewerbes (O Significado da Arte Aplicada), Muthesius ataca o
ecletismo historicista das organizações produtivas alemãs nesse campo,
o gosto da burguesia por objetos de luxo, o ornamento, considerado
desperdício de material e de força de trabalho; em geral, os formalis­
mos velho e novo, incluindo o Jugendstil. Ao mesmo tempo, afirma os
valores artísticos, culturais e econômicos da arte industrial e se dirige
aos fabricantes exigindo-lhes um empenho ético-estético no interesse
da produção e mais ainda da economia nacional. A conferência criou
uma notável ruptura no mundo da Kunstgewerbe alemã, mas útil para
um esclarecimento que conduziu a ala mais progressista do movimento
a fundar, em outubro do mesmo ano, a Deutscher Werkbuncl. O pro­
grama ela nova associação, publicado em 1910, e que congregava artífices,
produtores, comerciantes, publicistas e políticos, é o seguinte:

A Werkbund executará uma seleção das melhores forças na arte,


na indústria, no artesanato e no comércio. Ela abrangerá o quanto
houver de melhor no trabalho artesanal pela qualidade e esforço.
Constitui o centro de recolha para todos aqueles que estejam dispos­
tos e sejam capazes de desenvolver um trabalho de qualidade, para
todos os que considerem o trabalho produtivo um elemento - e não o
menos importante - do trabalho cultural, que queiram criar, para si e
para os demais, um centro para a defesa dos próprios interesses sob a
divisa exclusiva da qualidade. A finalidade da Werkbund é, portanto,
a nobilitação do trabalho produtivo por intermédio da cooperação
entre arte, indústria e artesanato, mediante a instrução, a publicidade
e urna tomada ele posição unitária sobre vários problemas. Assim, a
Werkbund, como órgão representativo elos trabalhadores especializa­
dos, age por um fim cultural que, na verdade, transcende o interesse
mais imediato ele seus associados, mas com vantagem, sobretudo,
para o trabalho produtivo. A Werkbuncl procura os seus colaboradores

100
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

antes de tudo naqueles campos nos quais o trabalho produtivo se


revela suscetível de notabilização por meio da forma artística. E isso
se reverte, portanto, em primeiro lugar, sobre todo o setor da indústria
cios produtos acabados e, particularmente, para a assim considerada
arte aplicacla.7 (

Fazia eco a esse programa, ou, ele preferência, o antecipava, o


assunto pelo qual "a arte desejava unir-se à indústria, pôr-se a seu ser­
viço,pois a arte,como disse Schumacher em seu discurso,por ocasião
ela fundação da Werkbuncl, não era um luxo, mas uma força econô­
mica. E Schumacher sempre a definiu como a força econômica mais
importante"8.
Aderiram à Werkbuncl,como já se disse,homens de diversas extra­
ções: políticos,como Friedrich Neumann; industriais,como Bruckmann
e Karl Schmiclt; escritores e críticos,como J.A. Lux; artistas e arquitetos,
como Peter Behrens,Richard Riemerschmiclt,Josef M. Olbrich,Joseph
Hoffmann,Erlach von Fischer,Kurt Schumacher,Wilhelm Kreis etc. Já
em 1910,a associação contava com 731 membros,dos quais 360 artistas,
276 industriais e 95 especialistas. Evidentemente,cada um deles era por­
tador de instâncias que constituíam outras componentes do programa.
Quanto às várias interpretações elo projeto Werkbuncl,existe uma
vasta literatura. Aqui nos limitaremos a recordar a conhecida disputa
entre aqueles que, como Muthesius, sustentava a estandardização,
a Typisierung, e os que, como Van de Velcle, defendiam a liberdade
criativa elo artista, mesmo no setor elas artes industriais. A crítica mais
recente ainda se encontra dividida entre os que veem na associação
alemã mais uma expressão do idealismo e os que a consideram nada
mais elo que o fruto ele uma organização industrial e nacional eficiente.
Entre os juízos mais significativos sobre a Werkbuncl,há o expresso por
Tomás Maldonaclo:

O conflito entre permanência (Konstanz) e mudança (Veréinderung) será


sempre recorrente no desenvolvimento ela Werkbuncl [ ... ] Enganar-se­
-ia, no entanto, aquele que quisesse ver nesse debate só uma "querela
de artistas", só um conflito entre seguidores da ordem e os da aventura,
entre os seguidores da norma e os ela liberdade. Em suma, entre clássicos
e românticos. Mais ou menos conscientemente, os seus protagonistas
haviam mencionado o problema fundamental cio capitalismo moderno:
eleve a produção industrial apostar na disciplina ou na turbulência cio
mercado? Deve orientar-se por uma estratégia de aprofundamento

101
controlado ou por uma ele expansão descontrolada? Mirar uma esh·atégia
ele poucos ou ele muitos modelos ele produtos? [ ...] Devemos recordar,
nesse momento, que a característica mais distintiva cio capitalismo ale­
mão (e europeu, em geral) nos primeiros 25 anos daquele século foi o
seu avance errático, oscilante, pendular entre uma alternativa e outra. O
fenômeno se explica, ao menos em parte, pelo fato ele que, à diferença
cio que aconteceu nos Estados Unidos, nem uma nem outra alternativa
nunca foi tratada em termos econômicos, mas sempre inserida num dis­
curso vagamente cultural, ele Wille zur Kultur9. Em suma, um discurso
em que os problemas cio "reino ela indústria" eram enfrentados como
problemas cio "reino cio espírito". Assim, os contrastes entre ambas as
alternativas resultavam abrandados e os respectivos papéis, no fim, tor­
navam-se intercambiáveis.'º

Uma confirmação ele tal julgamento podia ser retirada do próprio


catálogo elos produtos patrocinados pela Werkbuncl durante os anos sub­
sequentes. Ao lado elas lâmpadas ele arco ele Behrens, elos automóveis
ele Neumann, elas locomotivas e compartimentos para vagões-leitos ele
Walter Gropius ao aeroplano ele Edmund Rumpler figuram também
exemplos das mais antigas artes aplicadas: ilustrações ele Fritz Erler,
candelabros ele ferro batido, vitrais pintados etc. Enfim, a Werkbuncl
não foi aquela instituição que alguém gostaria que fosse conforme sua
orientação, industrial ou artesanal, cultural ou produtiva, filo ou anti­
-alemã, mas o conjunto ele vários temas e problemas, ele conquistas e
ele contradições congênitas à natureza elo design, tanto é que muitos se
repropõem hoje quase nos mesmos termos.
De nossa parte, três aspectos nos parecem incontestáveis e sinais
seguros ele uma inflexão positiva na história elo design. Antes de tudo,
o de haver posto, pela primeira vez, como observamos de passagem, o
problema do design em toda a sua complexa e contraditória fenomeno­
logia. Em segundo lugar, ter reconhecido ele modo explícito que, sem a
presença determinante ela indústria e ele seus interesses, não há desenho
industrial. O terceiro aspecto, menos estudado e, no entanto, mais signi­
ficativo, é aquele no qual o verdadeiro design nasce nos anos e no âmbito
ele uma corrente ele gosto orientada segundo os cânones ela "pura visi­
bilidade", ele um renovado classicismo, o chamado protorracionalismo.
Se até agora temos falado da Werkbuncl como "projeto" organizador,
ético-estético, econômico etc., é tempo de acenar-lhe como projeto for­
mal no sentido mais estreito, como linha elo gosto dominante, ao menos
para os anos que vão ele 1907 aos fins ela Primeira Guerra Mundial. Viu-se

102
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

Figuras 102-103. Figuras 104-105


(acima) R. Riemerschmid, (abaixo) R. Riemerschmid,
desenho de lâmpada cadeira. J. Hoffmann, projeto
e seção de compartimento de decoração para habitação
de trem. popular, 1900.

ENTWUr<r ft.i� (IN[IN 'i0\U1


UMD IIUfi:V< \TCU(tffLD-8.

103
Figura 106
Manifesto da exposição do
Deutscher Werkbund, em
Colônia, 1914.

; Figuras 107-108
Logotipo do Anuário Werkbund
de 1912.
Logotipo da Werkbund em uso
em 1925.

104
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

que Muthesius decanta as formas simplificadas, adaptadas de muitas


produções inglesas do oitocentos tardio e que, de qualquer maneira,
pouco ou nada conserva do estilo Arts and Crafts, como também supera
a corrente Jugendstil, homóloga a outros tipos de formalismo. Qual é
então a linha projetiva que dá forma ao projeto mais vasto da Werkbund? (

Uma significativa resposta se encontra na obra e nos escritos de Behrens.


A esse propósito, escreve Marcel Franciscono:

É claro que para Muthesius, e para outros da Werkbuncl, a ideia ele um


estilo válido para a máquina não contempla apenas os meios ele pro­
dução. A precisão, a simplicidade e a regularidade de formas são vistas
não só corno necessidades funcionais ela máquina, mas como exigências
expressivas e até mesmo simbólicas [... ] No conjunto, dada a natureza
assistemática e, ele qualquer modo, eclética elas teorias ela Werkbuncl,
não é muito produtivo tentar estabelecer distinções sutis entre as con­
cepções artísticas sustentadas por seus vários designers. Mas ao menos
num caso digno ele nota obteve-se um esclarecimento interessante e
ele nos vem ele Peter Behrens. Em contraste com os habituais balanços
históricos ela êpoca, e até mesmo contestando-os, Behrens identifica
as origens ela vanguarda não no movimento inglês Arts anel Crafts, ele
inspiração gótica, ou no do romantismo alemão, que, a seu ver, lhe
era vinculado, mas na arte clássica e, especialmente, na Raumiisthetik
( estética cio espaço) neoclássica do século XIX, que tem suas raízes nos
círculos ele Hans von Marées, Conracl Fiecller e Aclolf Hidelbrancl. O
movimento moderno, diz Behrens, tem em mira uma nova arte clás­
sica, representada por artistas cujo objetivo é "readaptar-se às condições
cios tempos atuais e agir em harmonia com o conjunto elas condições
humanas". O que, na prática, equivalia a uma escolha explícita cio
classicismo corno estilo mais particularmente adaptado às exigências
ela época moderna [ ...] Conforme a ideia ele Behrens, como ele quase
todos os maiores designers ela Werkbuncl, "urna decoração rica é inacei­
tável para formas mecanicamente obtidas. Logo, o desenho industrial
eleve encontrar os próprios efeitos numa simplificação que favoreça as
relações límpidas ele proporções (massverhiilb1isse) elas partes unitárias".
Método que tinha valor para um estilo moderno, além ele corresponder
às exigências da produção mecânicaª

Se é oportuno lembrar o classicismo da "pura visibilidade" como o


precedente direto e de maior valia da linha que emergiu da Werkbund,
no âmbito ela cultura histórico-crítica alemã, mais significativo ainda é a

105
associação ao classicismo de Fiecller ( uma teoria estética que visava mais
a conformação do que a representação) a um campo como o elo design,
em que o momento elo projeto contém um grande valor. Em geral, jé'í o
neoclassicismo entre os séculos xvm e xrx, seja porque sintetiza em suas
regras impessoais, objetivas e facilmente comunicáveis um valor racional
indubitável, seja porque o seu repertório formal adere melhor elo que
qualquer outro às possibilidades da nova tecnologia, resulta num estilo
mais adaptado à produção arquitetônica, ele engenharia e ele manufatu­
rados que se desenvolve nos anos culminantes ela Revolução Industrial.
Além disso, como nota Giulio Carlo Argan,

a verdadeira técnica do artista é a técnica de projetar, e toda a arte


neoclássica é rigorosamente projetada. A execução é a tradução do
projeto mediante instrumentos operacionais que não são exclusivos
do artista, mas fazem parte da cultura e do modo de vida da socie­
dade [ ... ] Nesse processo de adaptação técnico-prática elimina-se
necessariamente o acento individual, o arbítrio genial da primeira
invenção, mas em compensação a obra adquire um interesse direto
para a coletividade e cumpre aquela tarefa de educação civil que a
estética iluminista determina para a arte, no lugar da antiga função
religiosa e didascálica [ ... ]. O artista não aspira mais ao privilégio
do gênio, mas ao rigor do teórico; não dá ao mundo invenções para
serem admiradas, mas projetos a serem realizados [ ... ] A redução da
técnica própria da arte à técnica ou método da ação projetiva assinala
a separação definitiva entre a arte da tecnologia e a do artesanato, e
a primeira possibilidade de relação entre o trabalho idealizado do
artista e a nascente tecnologia industrial".

Ora, se isso vale para o neoclassicismo, resulta ainda mais válido e


experin�entaclo quando a Revolução Industrial já se difundiu e se afir­
mou depois ele um século e quando elo classicismo permaneceu apenas
a "substância", tendo perdido, graças ao art nouveau, a sua conotação
histórico-eclética. Compreende-se então o que entende Behrens ao falar
ele um novo classicismo, vale dizer, ele uma tendência racional, impes­
soal, redutiva, antidecorativa e particularmente adaptada, por sua lógica
e simplicidade, aos instrumentos ela produção industrial. Ele, ao lado ele
artistas como Wagner, Olbrich, Loos e, sobretudo, Hoffmann, para citar
Figuras 109-111 apenas alguns, instaura um novo estilo, ainda que não esteja em posição
Móveis e objetos ilustrados no
ele defini-lo e nomeá-lo: pois o novo racionalismo outra coisa não é que
Mostruário de Mercadorias de
1912. o protorracionalismo, uma tendência que, mudados o tempo e o gosto,

106
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS {1900-1929)

resulta a mais idônea para que em seu âmbito nasça o verdadeiro desenho·
industrial. Esse último não é o único valor do protorracionalismo, pois
para além de ser o estilo da ausência do "gênio", do caráter artístico difuso,
o "lugar" de todas as amoldagens das tradições passadas e, portanto, como
se disse, o mais adaptado às novas demandas produtivas, ele é, sobretudo,
a linha mais forte seguida pelo gosto do movimento moderno. Do protor­
racionalismo descendem, também com todas as variedades de acento, o
Wienerstil, o art déco, o "estilo novecentos", o racionalismo e, logo, o sty­
ling norte-americano. A confirmação de que o protorracionalismo, uma
tendência, caso se queira, moderada e com escassos contatos com a van­
guarda histórica, mas coexistente com outras tendências mais enfáticas e
presente ainda hoje, não é fruto da indústria, mas ela mais ampla cultura
ela Europa central, está no fato de que dará forma à Wiener Werkstatte,
que, programaticamente, pouco ou nada terá em comum com a indústria.
Tendo-se assumido a Werkbund como a componente "projeto" do
advento do design, relativamente à nação-empresa alemã (segundo alguns
críticos, a própria Werkbund não foi outra coisa senão uma associação
criada diretamente pela indústria alemã, para sustentação de sua própria
política), que fenômenos podem ser considerados a componente "pro­
dução" do mesmo acontecimento nos primeiros anos do século xx? A
maior encarnação da atividade industrial elo tempo foi, certamente, a AEG,
à qual dedicaremos um capítulo à parte. Mas além da famosa empresa,
ocorreram na América e na Alemanha, em parte como reflexo, em parte
autonomamente, muitos eventos técnicos, inventivas, ele organização de
trabalho etc., o que torna lícito considerá-los puramente produtivos.
Quanto à Alemanha, numerosas empresas, antes, durante e depois
da fundação da Werkbund distinguiram-se por sua passagem do artesa­
nato à indústria; emblemática entre todas é a Deutsche Werkstatten,
fundada por Karl Schmiclt em 1898, em Dresden. Essa foi a primeira
indústria europeia no setor moveleiro que mecanizou seu complexo ope­
racional, padronizou e construiu as partes componentes dos produtos.
A orientação técnica nascia da econômica, da política de um móvel
econômico. De fato, se em 1900 a Deutsch Werkstatten, utilizando-se
ainda da elaboração artesanal, expunha numa mostra de arte aplicada
o mobiliário de uma casa popular inteira, a um preço baixo, em 1906,
numa outra mostra em Dresclen, e graças à mecanização das fábricas e
à contribuição projetiva de Richard Riemerschmid, de Heinrich Tesse­
now, de Joseph M. Olbrich, a produção exposta resultava agora muito
mais econômica, e, no catálogo, Schmidt definia com orgulho esses
móveis "feitos à máquina", para sublinhar a execução com maquinário
)
Figuras 112-115
Objetos ilustrados no Mostruário
de Mercadorias de 1916,
publicação da Dürenbund­
Werkbund-Genossenschaft.
Figuras 116-117
Objetos ilustrados no MOS:r..:a-:,:
de Mercadorias de 'S'::
de alta precisão. Se não erramos, é a primeira vez que na Alemanha
o conceito de qualidade de trabalho (Qualitéi.tsarbeít), recomendado
desde os tempos ele Franz Reuleaux e no centro de tantos debates da
Werkbund, associa-se à produção mecânica. Entre outros méritos dessa
empresa pioneira, recorde-se a série dos móveis componíveis UNIT, dese­
nhada por Richard Riemerschmid e Heinrich Tessenow, e produzida
para as casas elos operários da própria indústria. Em substância, ela
realizou a mecanização elo móvel para uso doméstico, estendendo-a
para todo o mobiliário e decoração, enquanto na América a mecani­
zação era limitada a conjuntos de prateleiras, móveis para escritório e
outras destinações particulares, isto é, para peças únicas. O exemplo da
Deutsche Werkstatten foi imediatamente seguido por outras indústrias,
a primeira delas a de Karl Bertsch, ele Munique, também especializada
em mobiliário doméstico.
Obviamente, a componente "produção" na história elo design, nessa
relação Alemanha-EUA, foi fortemente impulsionada pelas invenções
realizadas desde 1850 até os primeiros decênios do século XX, e em
grande parte devidas a alemães e norte-americanos. Entre as mais impor­
tantes, recordemos: a máquina de escrever (1855), o dínamo (1856), a
máquina de costura (1858), o poço petrolífero (1860), o automóvel (186z),
o plástico (186z), o cimento armado (1867), o celuloide (1869), o motor a
combustão interna (1876), a geladeira (1879), a lâmpada elétrica (1879), a
central elétrica (1881), o motor a gasolina (1884), a caneta tinteiro (1884),
a bicicleta e a motocicleta (1885), o mimeógrafo (1887), o pneu e a popu­
larização da fotografia (1888), o motor a diesel (1893), o cinema (1894),
o rádio (1895), a lâmina de barbear Gillette (1901), o aeroplano (1903),
a lavadora elétrica (1906), a iluminação a neon (1910) etc.
Além dessas invenções, sempre revistas e atualizadas, são muito
significativos para o nosso discurso sobre a produção os métodos do tra­
balho industrial. Como observa Giedion,

aquilo que distingue a mecanização europeia ela norte-americana é


evidente, tanto em seus primeiros anos, ainda no século xvm, quanto
um século e meio mais tarde. A Europa procede à mecanização cios
ofícios simples: a fiação, a produção ele tecidos e a produção siderúr­
gica. A América, desde o início, comporta-se ele maneira diferente.
Ela tem início com a mecanização cios ofícios complexos'3.

O sistema técnico-produtivo mais emblemático dessa orientação é


a linha ele montagem (assembly líne). Escreve Giedion:

110
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

Figura 118
E. Neumann, Limusine, 1913.

111
Figura 119
W. Gropius, compartimento de
vagão-leito, 1914.
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

Ela une entre si as fases da elaboração. A sua finalidade é a ele fun­


dir a indústria num único organismo, no qual estejam coordenados
os diversos estágios ela produção elas máquinas em separado. Esse
fracionamento da produção em procedimentos parciais e sua inte­
gração sem atritos é a chave ela produção contemporânea de massa. (

O fator tempo representa urna parte importante, pois a celeridade ela


máquina deve ser sincronizada. '4

Omitindo aqui os aspectos técnicos da linha de montagem (uso de


esteira contínua, elevadores em série, grua móvel, o parafuso de Arqui­
medes etc.), notamos os princípios basilares dos sistemas de trabalho
norte-americanos. Eles podem ser resumidos no velho critério da divisão
do trabalho, no da linha de montagem (já efetuada substancialmente
como trabalho de grupo artesanal - team work-, antes que a tecnologia
fosse capaz de traduzi-la em operação mecânica) e naqueles relativos
aos estudos sobre o tempo de trabalho enfrentados por Taylor.
Tais princípios teriam permanecido meramente teóricos e técnicos se
não fosse a intervenção de uma política indispensável ao incremento da
produtividade. Nesse sentido, pode-se dizer que nos Estados Unidos foram
adotadas substancialmente duas vias. A primeira, seguida por Frederick
W.Taylor, estava centrada na melhor organização produtiva; a segunda,
levada a cabo pelo próprio Henry Ford, consistia na concentração ele
muitos esforços na construção de um novo produto suposta e fortemente
requerido pelo público, ou seja, o automóvel. Como se vê, diferentemente
da primeira linha ele conduta, que permanece "científica", e com toda a
ambiguidade ele facilitar o esforço ele trabalho ou ele aproveitar ao máximo
a força de trabalho, a segunda visa resolver os problemas da produção,
unindo-a diretamente com a venda. Como tal, será retomada quando nos
ocuparmos dessa componente específica ela fenomenologia elo design e,
em particular, no parágrafo dedicado a Henry Ford.
Outros aspectos elevem ser ainda considerados na política de produ­
tividade norte-americana. Além da já citada orientação para dedicar-se
aos ofícios mais complexos, e daí o nascimento ela linha ele montagem
em setores merceológicos totalmente novos, outra característica ele relevo
ela indústria norte-americana é a ele sempre ter apostado num "grande
número", em produzir para um público socialmente indiferenciado, mas,
no final elas contas, conformista nas orientações e nas escolhas. Uma
terceira conh·ibuição que vem elos Estados Unidos é a indiferença elos pro­
dutores em ligar-se às formas ela tradição e a facilidade em não considerar
o artesanato, que não teve o peso, a força e o prestígio gozados na Europa.

113
Incidência menor ainda sobre a produção teve a literatura crí­
tica de oposição, fosse a de tipo social, cultural ou estético. Em
resumo, a funcionalidade, a praticidade, o conforto, a econo­
mia foram os valores prevalentes ela indústria norte-americana,
ao menos nos primeiros decênios elo século xx. Compreen­
de-se como dessa ideologia, ou melhor, dessa ausência ele
Figura 120 ideologia, dá-se início àquele trabalho projetivo e anônimo ela
Modelo de máquina de costura
Singer de 1895.
grande maioria dos artefatos, ainda hoje prevalente em larga
medida. É nesse contexto, em que a componente "produção"
Figura 121 se destaca claramente sobre a do "projeto", que não apenas
Modelo norte-americano de
nascem novos sistemas de fabricação, mas que uma quanti-
máquina de costura, 1878.
dade enorme ele novos objetos é inventada ou aperfeiçoada,
por assim dizer, apenas pelos fabricantes e, mais frequente­
mente, pelo designer e fabricante unidos em uma só pessoa:
elos móveis articulados e polifuncionais aos vagões-leitos e
vagões-restaurantes elos trens (G.M. Pullmann); decorações
para escritórios e utensílios para hospitais; elevadores e máqui­
nas ele escrever, utensílios para o trabalho agrícola e para os
afazeres domésticos; aviões e automóveis, elehodomésticos e
todo gênero de ferramentas. Em resumo, tudo o que existe ele
mecânico no mundo de hoje pode-se dizer que é, em grande
parte, fruto da produção industrial norte-americana.
Assim, enquanto na Europa ainda havia a preocupação com D
os temas debatidos por Morris e se discutia sobre a licitude e a
conveniência ele se usar a máquina no lugar do artesanato, ou
se debatia a vexata quaestío'5 elas relações entre a arte e a indús­
tria, encontrando-se a Werkbuncl, como se viu, indecisa enhe
o "mundo da indústria" e o "mundo elo espírito", na América,
para falar como Gieclion, "a mecanização tomm·a o comando".
É certo que não se podia optar decididamente pelo trabalho europeu
nem enfileirar-se no pragmatismo norte-americano, com o qual a produção
parecia ter adotado a fagocitose de tudo. Todavia, justamente do confronto
dessas duas orientações opostas ganharam mais apreço aquelas iniciativas
que tiveram uma mediação (a Werkbund) e, sobretudo, as que realizaram
uma integração; em primeiro lugar, a AEG. Quanto ao resto, com algumas
exceções, a componente produtiva do design alemão é reconhecida franca­
mente como imitação da norte-americana. Com uma reseIYa, no entanto,
que encontra nas palavras de Friedrich Neumann a sua mais emblemática
expressão: "Temos necessidade ele artistas alemães que compreendam a
tal ponto a América para saber trabalhar, em alemão, para a América!"16

114
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

Quanto à componente "venda" daquilo que se produz na empre­


sa-nação alemã, no período máximo do século, que se recordem outros
aspectos significativos. O velho slogan liberal - tudo vai bem, desde que
se venda - sofre as primeiras correções.
(

A reestruturação elo comércio especializado, observou-se, é favorecida


pela crescente importância assumida pelas grandes lojas ele departa­
mento, corno conjunto especializado ele negócios, e pela organização
elos interesses econômicos e políticos elos empreendedores. Consti­
tuíram-se grandes cooperativas ele compras no atacado que liberaram
definitivamente os adquirentes, mas também os revendedores, da
compra direta ele produtores, assumindo o papel ele mediadores por
meio ele feiras especializadas, sobretudo a ele Leipzig, inspeções téc­
nicas e aquisição por atacado. No setor elos utensílios domésticos, o
comerciante Theoclor Wieseler, ele Nuremberg, teve o mérito ele criar
com o Nürnberg Buncl, em 1901, uma representação político-indus­
trial elas pequenas e médias empresas e ele ter substituído a política
ela concorrência pela ideia e a prática ela compra por atacado, corno
meio ele racionalização econômica.'7

Além dessas formas mais modernas ele venda, todo o comércio alemão
estava interessado nas mesmas associações artístico-produtivas, tais como a
Dürerbund e a Werkbund, que fecharam seus departamentos comerciais
para formar uma verdadeira organização ele venda. Significativa dessa visão
é o advento posterior ela associação ele ambas, a D.W. Genossenschaft.
Em 1912, a Dürerbuncl inaugurava em Hellerau, em Dresclen, o
seu ponto de venda e publicava um catálogo ilustrado com o título de
Objetos de Qualidade Para a Casa. Nele se declarava:

A criação ele um ponto ele vencia coletivo tem, para a Dürerbund, três
objetivos: procura-se oferecer aos compradores bons produtos a pre­
ços convenientes; quer-se estimular os empreendedores a produzir;
predispomo-nos a colocar à disposição, para iniciativas ele utilidade
comum, o eventual ganho derivado ela intermediação.

Algumas empresas comerciais aderiram ao programa, dando viela


a uma segunda associação, a Dürergenossenschaft, que depois, com a
adesão ela Werkbuncl, tomou-se a D.W. Genossenschaft, ou a união ele
duas organizações culturais e uma comercial. Em 1916, a atividade desse
escritório ele venda para o "trabalho ele qualidade" foi documentada

115
Figuras 122-123
Charrete norte-americana para
corrida de trote (Sulky). Modelo
\....
de bicicleta de 1879.

Figuras 124-125
Automóvel Benz de 1885.
Veículo experimental realizado
em 1889 por Daimler.

Figuras 126-127
Automóvel Benz de 1893.
Automóvel Fiat de 3,5 cavalos,
1889.

116
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

num importante catálogo, em cuja introdução Ferclinanclo Avenarius,


o artífice principal ela instituição, escreveu:

Com este Deutsches Warenbuch (Mostruário de Mercadoria) 18, ofere­


cemos ao nosso povo o que ele ainda não possuía, mas que nenhum (

povo ainda possui: um inventário ricamente ilustrado das melhores


mercadorias em todos os setores da produção. Com isso se procura
favorecer a difusão da qualidade: é um programa sustentado por mais
de 150 empresas comerciais, mas que permanece como a expressão
da obra ele comissões examinadoras completamente autônomas [ ...]
Além disso, os membros ela D.W. Genossenschaft esforçaram-se por
assinalar com marcas os produtos elencados e preferíveis a outros
no ato ela aquisição. Dessa maneira, os diversos produtores, os ele
mercadorias mais refinadas e os ele mercadorias mais comuns, serão
induzidos a se empenhar para conquistar os favores elo público, fato
esse não alcançável por via estritamente capitalista e comercial. 9 1

A explicação desses episódios, ora tendentes à racionalização elas


vendas, ora à promoção ele um trabalho ele qualidade, ora ainda a uma
espécie ele pedagogia nas relações produção-consumo, nos leva a discutir
o último aspecto ela fenomenologia elo design, relativo à nação-empresa
alemã, aquele que diz respeito justamente ao "consumo". Antes, porém,
ele abordar esse tema, é oportuno sinalizar como se vendia nos outros
países. Vittorio Gregotti escreve:

Em Paris, por volta da metade do século xrx, já existiam muitos empórios


descentralizados e ele baixo preço (Magasins Réunis, Au Siege ele Coryn­
the, Au Bon Marché etc.) ao lado dos mais centrais e mais caros, muitos
cios quais nascidos na primeira metade do século (La Belle Jarcliniere,
Trois Quartiers etc.). Na Itália, no caso de Milão, o grande magazine
estava ligado a um "mercado" que superava os limites municipais e
se estendia às classes burguesas ele um vasto território que começava a
ser dotado ele uma rede fixá ele transportes urbanos e extraurbanos; os
catálogos periódicos elas "Cidades da Itália" reuniam muitos centros ela
Lombardia. Mais tarde, e provavelmente ele modo diverso, o catálogo ele
Roma (Alle Città d'Italia) se destinava a uma clientela em grande parte
residente na própria cidade. Esses empórios se regiam pela nascente
indústria ele confecções de talhe fixo, e se valiam ele novos estratagemas
para seduzir os clientes: sistema ele crédito, prêmios para compradores
mais assíduos, mas, sobretudo, o conceito ele ingresso livre. º
2

117
\ oltando à Alemanha, todo o esforço
dessa máquina organizativa considerável,
como o da Werkbuncl (incluída como "pro­
jeto"), das empresas citadas (incluídas como
"produção"), elas organizações mencionadas
de venda, não basta para nos dar uma ideia ele
sua real influência sobre o público e, portanto,
sobre o consumo elos produtos que promo­
viam. Certamente, a Alemanha tornou-se um
elos países mais industrializados elo mundo,
suas exportações uma elas mais florescentes,
e a contínua referência à América indica que
os empreendedores alemães haviam escolhido
o modelo justo. Mas, quanto dessas operações
elevem-se à nascente "cultura do design",
à organização coletiva, ao Qualitéi.tsarbeit,
ao Sachlichkeit etc., e não, ele preferência, à
lógica estreita ela oferta e ela demanda, ao fato
ele que os consumidores ricos continuavam
a preferir os modelos tradicionais e custo­
sos (segundo a teoria ele Thorstein Veblen),
enquanto os menos abastados deviam conten­
tar-se apenas com os modelos "baratos", nuns
e noutros estando ausente o fator qualidade?
Mas se o consumo é avaliado pelas escolhas e orientações elo público e
estas, nalguma medida, pelas indicações dos grupos mais responsáveis,
não se pode dizer que tais indicações fossem unívocas. A cultura alemã ela
virada elo século é tão compósita e complexa que não se pode reduzi-la à
utopia ela \Verkbuncl, consistindo, além ele tudo, em querer manter uni­
das as tendências mais contrastantes. O quanto era frágil todo o aparato
ela cultura do design se demonstrou em 1918. Como observa J. Posener,

a guerra e a catástrofe ele 1918 cortaram ele um só golpe as esperanças


na marcha triunfal ela indústria alemã. Os dois campos adversos presen­
tes na Werkbuncl concordaram, todavia, na interpretação ela guerra: a
Figura 128 entenderam corno produto ela indústria [ ... ] Soava a hora cio "retorno
O aeropl9no dos irmãos Wright, ela arte" (Aclolf Behne). Isto é: no interior ela Werkbuncl não se falava
1909. mais ele forma funcional, ele estética ela máquina e ele desenho indus­
Figura 129
trial, mas se falava ela qualidade cio trabalho artesanal e cio trabalho
O daguerreótipo, 1839. artístico, vale dizer, ele qualquer trabalho que, pacientemente, elabora

118
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

e dá forma ao objeto. Substancialmente, a Werkbund havia retornado


ao ponto do qual partira: a Morris e ao Arts anel Crafts.21

O mesmo autor sustenta:


{
Gropius então decidira conduzir as artes ao artesanato e, com essa
finalidade, fundara em Weimar a sua Bauhaus, cujo nome remetia
à fábrica medieval de tipo corporativo. Hans Poelzig recordava que
a Werkbund não podia esquecer as demandas às quais devia o seu
nascimento: a um movimento espiritual, não econômico-comercial
[ ... ] e definia o artesanato [ corno algo] espiritual, enquanto julgava
a técnica hostil ao espírito. 22

Bem entendido, trata-se de algumas interpretações, expressas, além do


mais, num momento de crise profunda, mas dessas contradições elo
homem-guia é fácil deduzir qual era a desorientação do público quanto
ao consumo.
A contribuição ela Werkbuncl (e, por meio dela, ele todo o movimento
alemão da primeira vintena) foi fundamental para a "cultura do design",
mas essa não teria sobrevivido sem aqueles episódios menos icleologizaclos
e mais ligados à lógica ela industrialização, tanto quanto vinculados ao
nascimento e ao desenvolvimento ele novos setores merceológicos popula­
res: a indústria ela eletricidade (AEG) e a indústria automobilística (Ford).

AAEG

Se a Werkbuncl representa na história elo design o momento mais proble­


mático, e toda a sua atividade, na qual a cultura age seja como estímulo
seja como hesitação, definitivamente não exorbita ela esfera intelec­
tual, o fenômeno ela grande empresa berlinense Allgemeine Elektricitats
Gesellschaft (AEG) representa o momento mais concreto, coerente e
produtivo ele tal história. Esquematizando-se, pode-se dizer que, em
nada tolhendo os inúmeros méritos da famosa associação, essa se move
elo mundo ela cultura sem traduzir-se no elos negócios, enquanto a AEG
se move a partir elo último, conseguindo escrever uma página significa­
tiva na história ela cultura. Em outros termos, tudo o que a Werkbuncl,
mesmo animada por interesses práticos, propõe, debate, divulga, publica
e mostra, a AEG o realiza nos próprios termos ela fenomenologia elo

119
design: o projeto, a produção, a venda e o consumo, pondo-se como o
caso mais bem acabado no advento da indústria do design.
Examinando-o segundo tais parâmetros, pois a componente téc­
nica é aqui evidentemente fundamental, é preciso iniciar a sua história
falando do momento produtivo. Mas, antes de tudo, que seja observado
que à diferença de outras empresas que produziam produtos tradicionais,
que traduziam em novas formas e tecnologias os velhos manufaturados,
a AEG produzia artigos inteiramente novos, nascidos com a tecnologia
industrial moderna: aqueles ligados ao usufruto da energia elétrica para
fins de iluminação, de calefação, de comunicação, de alimentação cios
próprios motores que produziam a energia.
Básica nesse vasto campo de aplicações é a lâmpada incandescente
que, após uma série de invenções e aperfeiçoamentos, encontrou na
versão do norte-americano Thomas Alva Edison a definitiva, em 1879.
O engenheiro e industrial alemão Emil Rathenau (1838-1915), depois
da Exposição Internacional de Eletricidade, ocorrida em Paris em 188i,
obtém o direito ele desfrutar das patentes ele Edison na Alemanha, entre
as quais o sistema de iluminação baseado em lâmpadas incandescen­
tes. Em 1882, funda a Gelengenheits-Gesellschaft como sociedade de
estudos experimentais; em 1883, dá vicia à DEG (Deutsche Edison-Ge­
sellschaft for angewandte Elektricitat), especializada na produção ele
lâmpadas (em três anos passou de sessenta mil para trezentas mil unida­
des) e que, reorganizada quanto ao grupo financeiro e reestruturada nas
edificações, torna-se a AEG em 1887. Evidentemente, antes de produzir
as lâmpadas, ocorria a instalação elas linhas e a construção das centrais
elétricas, além ela realização de sistemas complexos de distribuição.
Portanto, um ano após a sua fundação, ao lado ele lâmpadas, que
requeriam uma aparelhagem geral mais simples, a AEG inicia a produção
de dínamos, motores elétricos, cabos e ele todos os acessórios ligados seja
à produção ele energia elétrica, seja à instalação elas redes distributivas.
Tudo isso foi realizado com extrema rapidez e eficiência pela jovem
empresa berlinense, como o demonstra a ampliação de suas estruturas
e, sobretudo, o fato ele que no início do século XX a produção ele lâm­
padas já alcançava sete milhões de unidades ao ano.
Iniciada a elaboração cios artigos básicos, a empresa enriqueceu o
seu catálogo com toda a sorte de produtos ligados à eletricidade, de lâm­
Figurà 130 padas ele vários tipos aos ventiladores, ele relógios ele quadro de comando
Lâmpada de Edison, de 1879. às estruturas técnicas para todos os eletrodomésticos então em uso. Toda
Figura 131
essa produção era tecnologicamente ele vanguarda: a elaboração era
Lâmpada de A. Cruto, de 1880. ele ciclo contínuo, informada por critérios ele padronização, linha ele

120
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

montagem e até mesmo por automação. Logo ela se torna um verda­


deiro monopólio do setor eletrotécnico, ao lado da Siemens & Halske e
da Siernens-Schukkert e, em acordo com a General Electric Cornpany
norte-americana, pode exportar os seus produtos para todo o mundo.
Além dos numerosos desenvolvimentos tecnológicos, a experimen­
tação dos protótipos e os estudos de todos os aspectos pertinentes a uma
produção de larga escala, é significativo para o nosso discurso o fato de
que no ano de 1891 entraram em vigor na Alemanha as normas que
impunham cobrir com um contentor os mecanismos de utensílios e,
portanto, os objetos que contivessem um motor, a fim de evitar aciden­
tes, seja no trabalho, seja no uso dos produtos. Assim é que o nascimento
das "carrocerias", antes de um fato estético, eleve-se a critérios ele segu­
rança, ligados à nova tecnologia produtiva.
Quanto aos aspectos promocionais e de venda, que intencionalmente
antepúnhamos aos demais, relativamente ao projeto, foram os que mais
estimularam a política do design da AEG, convertendo-a num caso para­
digmático. Os problemas promocionais eram múltiplos. De um Lido,
embora fabricando produtos que eram vendidos facilmente por sua utili­
dade e alto nível técnico, depressa se estabeleceu um regime fortemente
concorrencial, e a empresa percebeu a exigência de pôr em evidência os
objetos que lançava no mercado. De outro lado, pela própria novidade
desses últimos, havia a necessidade de torná-los mais conhecidos em meio
a um vasto público de consumidores. Por fim, já que a empresa fabri­
cava uma enorme gama de produtos, tornava-se necessário unificá-los ele
maneira inconfundível ou, ainda, conferir a toda a AEG uma imagem uni­
tária, singular. Com certeza os dirigentes da empresa, e assinaladamente
Felix Deutsch, cuidaram ele maneira notável da assistência técnica e da
rede de pontos de venda, com filiais em todo o mundo, mas essa própria
organização impunha o mencionado problema. De fato, não é casual que
quando Paul Jordan chamou Peter Behrens, em 1907, corno consultor
artístico da AEG (antes dele essa missão ficou a cargo de Otto Eckmann
e a de arquitetura com Alfred Messe!), os primeiros encargos confiados,
além do desenho de algumas lâmpadas a arco, diziam respeito princi­
palmente ao setor ela gráfica publicitária. Em particular, ele idealizou as
capas para duas revistas empresariais, uma série de opúsculos, de mani­
festos, ele boletins de informação sobre lâmpadas de filamento metálico
e três logotipos ela firma. Figura 132
Segundo alguns autores, essa primeira contribuição ele Behrens Lâmpada de Swan, 1884.

no campo elas artes gráficas pode ser considerada a matriz ele todo o Figura 133
seu aporte à AEG. Das artes gráficas e elo lettering2 3 teriam descendido o Lâmpada de Edison, 1884.

121
design dos objetos e até mesmo as fábricas que, num segundo momento,
Behrens realizou como arquiteto. Na realidade, em nossa opinião, não
são distinguíveis as várias contribuições ele Behrens, nem qualquer uma
teve prevalência sobre as demais, uma vez que, por programa, tanto o
dirigente quanto o designer tinham uma imagem unitária da empresa;
e essa foi tornada possível pela escolha segura de urna inspiração classi­
cista - a "reorganização elo visível", mais tarde por ele teorizada.
Completando essas indicações sobre o terna ela venda, incluem-se os
pavilhões, as lojas e os estancles expositivos que Behrens projetou para a
empresa: o pavilhão para a Mostra ela Construção Naval Alemã, de 1908,
as duas lojas ela Postclamer e ela Koniggratzer Strasse, ele 1910; mas é lícito
ter em mente que toda a arquitetura ela AEG, ela célebre Turbinenfabrik,
densa ele valores simbólicos, e conjugada com acentos clássicos, até os
bairros para os dependentes da empresa, tivesse também o intento de
reforçar a imagem publicitária.
E vamos aos seus produtos, naquilo que diz respeito ao lado proje­
tivo. Como já foi dito, falando-se elas polêmicas no interior da Werkbuncl,
Behrens foi um elos primeiros a contestar a atribuição ela gênese do movi­
mento moderno, no que tange às artes aplicadas e ao design, a Morris e o
Arts and Crafts, individualizando-a e pondo-a no filão ela cultura classicista
alemã que vai ela Rauméisthetik, de Theoclor Lipps ao "purovisibilismo",
ele Fiecller, Von Marées e Hilclebrancl, não descurando ele autores mais
recentes como Alois Riegl. O classicismo moderno é, para ele, alguma
coisa que substitui o momento expressivo com o conformativo (Gestal­
tung); uma conformação que se aduz ao espírito e ao produto elaborado
mecanicamente, impessoal e objetivo, e também compreendido como o
"querer ela arte" (Kunstwollen) ela época que lhe é contemporânea.
Essa base claramente ideológica permite ao projetista da AEG afron­
tar de modo inteiramente novo os problemas do design em todos os seus
componentes.
Ao mesmo tempo, por técnico que fosse o produto ela famosa indús­
tria berlinense, não deveria estar privado daquele valor formal que
distingue um produto de qualidade. Behrens recorda uma recomen­
dação significativa ele Paul Jordan, talvez expressa por ocasião de seu
ingresso como consultor artístico ela AEG. Jordan teria lhe dito: "Não
pense que um engenheiro, quando compra um motor, se põe a desmon­
tá-lo para lhe conhecer as partes. Mesmo um técnico compra conforme
a impressão que recebe. Um motor eleve ser belo como um presente de
aniversário."24 Uma vez adquirido esse princípio fundamental, pelas cita-
- elas razões promocionais e para conferir aos variados produtos ela empresa

122
I��....,__ l:-.i� ·1:.:....-;u,-�lllllllll!T�41!1f· I <

Figura 134
Interior da fábrica de pequenos
motores da AEG.
aquela esperada imagem única, vejamos como Behrens conci­
lia, ele fato, as demandas técnicas e estéticas ela produção.
O processo graças ao qual Behrens, partindo elo binômio
forma-função, o transcende, sem descuidá-lo e ao mesmo
tempo sem enfantizá-lo, pode ser clecluziclo elo que escreve
Tilmann Buclclensieg, que merece uma citação textual.

O grande engenheiro da AEG, Mikhail Dolivo-Dobrowolski, nos deixou


a esse respeito uma definição muito clara: os elementos constituintes
de um cartucho de aquecimento, de uma caixa ele relógio, ele uma
lâmpada ele arco, de um motor foram necessariamente padroniza­
dos, dadas as proporções nas quais eram produzidos, desmontados
em peças intercambiáveis para montar e fabricar com facilidade e
grande perfeição, e por isso o conceito tradicional de identidade ele
forma e função deriva menos dessa causa. De fato, parece irrelevante
o aspecto exterior ele um voltímetro ou ele um amperímetro desde
o momento em que a sua função era simplesmente a ele proteger
um mecanismo clelicaclo. Os ponteiros desses contadores e relógios
não eram mais diferenciados cio ponto ele vista formal, dada a multi­
plicidade das funções que deviam cumprir. Tratava-se, portanto, ele
inventar um indicador ou ponteiro-tipo para todas as possibilidades
ele emprego nos mais diversos contextos ele revestimento. Tal desvin­
culação, ditada pelas condições tecnológicas cios revestimentos cios
mecanismos e sua redução a um papel meramente protetor - com­
parativamente às engrenagens mais delicadas - e tutelar cios usuários
tornou possível uma liberclacle até então desconhecida na projeção
das formas cios objetos. De fato, a forma devia simplesmente colocar­
-se acima ou ao redor do mecanismo interno, como uma moldura e,
portanto, podia preocupar-se em satisfazer em maior medida os desejos
ele posse, ele identificação e de uso do fruiclor e adquirente, isto é, as
necessidades estimuladas segundo processos novos e singulares. Nesse
meio tempo, o crescente grau de complexidade técnica dos instrumen­
tos tornava o comprador sempre menos competente para formular um
juízo, delegando a uma custódia externa a missão persuasiva.25
Figuras 135-138.
P. Behrens: divulgação da
lâmpada de filamento metálico, Evidentemente, esse modo ele conceber o projeto elos produtos
1907. ; nasce também elas normas protetoras elas quais havíamos falado prece­
dentemente ao examinar a componente técnica elo design. Em suma, o
Figura 136
Capa de um catálogo de nascimento, a difusão e a presença quase constante elo "invólucro" são
lâmpada em arco, 1908. motivados tanto por razões técnicas e ele segurança como pelas estéticas

124
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

e de apetibilidade. Referindo-se às normas protetoras, escreve


Maldonado: INE
,,..._
Desse modo, uma configuração formal acaba por esconder
a configuração técnica do objeto e assim se estabelece uma
dicotomia que não se limitará ao campo das máquinas-uten­
sílios. Antes, tornar-se-á a característica dominante ele quase
todas as tipologias ele objetos ela civilização industrial. Assim
nasce a "cobertura" ou a "carroceria", isto é, um invólucro
adjunto que com frequência será tratado corno forma sem
nenhuma, ou com escassa, relação com o conteúclo.26

Mas se essas últimas considerações aludem a alguns casos


por assim dizer degenerativos ( que se pense no fenômeno do
styling, ainda que esse seja revisto à luz das mais recentes expe­
riências), a distinção operada por Behrens e técnicos da AEG
tinha outros significados, e mais positivos. Conforme Budden­
sieg, só três desenhos

eram suficientes a Behrens para fazer estampar, com a ajuda


ele um complicado dispositivo, urna chapa com 81 variantes,
por um sistema engenhoso ele aquecedores reclonclos, ovais,
facetados, niquelados, ele cobre, de latão, lisos, martelados,
laqueados a chama. Behrens, além ele desenhar o invólu­
cro estético do dispositivo mecânico cios vários utensílios e
instrumentos - mecanismo por ele definido bruto e, na rea­
lidade, confuso cio ponto de vista formal, pois desmembrado
em partes padronizadas sempre menores -, constrói uma
série ele produtos, tais como os ventiladores e aquecedores,
quer dizer, utilizando uma economia calculada, e cria uma
infinidade ele variantes cio mesmo produto. Dessa maneira,
eleva a princípio estético um procedimento ele projeção que o enge­
nheiro Dolivo-Dobrowolski, quase no mesmo período ele tempo,
definia como o princípio basilar ele qualquer fabricação industrial Figura 137
em série; a variabilidade de uma série, a exemplo ele um voltímetro, Capa de um catálogo de
aparelhagem elétrica para
deve estar na razão inversa à padronização ·de suas partes. Esse triunfo teatro, 1908.
ela liberdade estética sobre as leis que vinculam a produção de massa,
obtido por Behrens, consegue converter a banalização formal elas par­ Figura 138
Ilustração para lâmpada de
tes numa infinidade ele combinações que se apresenta como riqueza filamento metálico com logotipo
ele possibilidades e como liberdade ele escolha cios consumidores27. hexagonal.

125
Como se vê, Behrens consegue traduzir e reduzir a lógica
dos procedimentos técnicos numa lógica estética e, mais
ainda, articulando poucos elementos numa vasta possibilidade
ele soluções diversas, permitir uma possibilidade suficiente ele
escolha. Esta última consideração dá lugar ao quarto parâme­
tro ela fenomenologia elo design, seu uso ou consumo.
É sabido que os produtos AEG obtiveram um largo con­
senso ele público, como demonstra a sua ampla difusão em
muitos países e sua presença, até hoje em dia, no mercado
internacional. Mas, para além elos dados quantitativos ou
estatísticos, deve-se precisar as razões ele tanto sucesso. Antes
ele tudo, que se investigue a resposta positiva elo mercado na
representação correta elo problema cio projeto. Behrens, supe­
rando uma concepção individualista ela arte, que o Jugendstil
ainda alimentava para a produção industrial, reconhece todo
o potencial ela técnica, mas, como já foi assinalado, refuta
o determinismo elos ele sempre. Com explícita referência ao
Kunstwollen ele Riegl, ele observa: "Queremos uma técnica
que não percorra uma estrada por si, mas que saiba compreen­
der o querer artístico elo tempo."28 Em outras palavras, "arte
e técnica elevem fundir-se, e não se separar. Todavia, a téc­
nica está sujeita à arte, e é a Fomzwille (a vontade ela forma)
que encontra a técnica mais apropriacla"29. De um lado, parece
absurdo que essa tese se tenha realizado na produção ele urna
empresa que tirava a sua força ela organização e ele dados alta­
mente tecnológicos; ele outro, pode-se atribuir a essa tese o valor
promocional elos produtos AEG e sua recompensa pelo público.
Urna segunda causa ele seu sucesso está na imagem unitá­
ria que arquitetos e dirigentes ela empresa conseguiram dar a todas as suas
expressões. Ali, ela gráfica publicitária à forma elos projetos, aos edifícios
industriais (até e;1tão apanágio ela técnica e ela engenharia), se oferece
ao público um "microcosmo" unitário e estilísticamente coerente; não
é possível, talvez, prever uma garantia maior ele ordem, ele solidez e de
duração relativamente a tudo o que traz uma marca registrada.
Qualquer que tenha sido aquele estilo, já havíamos dito: é urna
Figura 139 espécie de classicismo moderno o que Behrens reivindica para a tradi­
P. Benrens, chaleira elétrica, ção cultural alemã, respondendo, ele outro lado, desde que se excetue
1909. o desejo ele uma Heimatkunst3º romântica, a um gosto ele ordem, ele
Figura 140
formalidade e racionalidade como sentidos inatos, por assim dizer, de
Broca elétrica de dentista. todo homem, por menos alemão que seja.

126
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Figura 141
Desenho de P. Behrens para
fábrica de turbinas, 1908.

Figuras 142-143
Opúsculos para refletores,
1909-1910.
LAMPE P.LNr.6i::!U MIT LATERNE P.L.Nr.68112 À E 0-FLAMMENBOGENLAMPE

t
Um terceiro motivo elo sucesso dos pro­
dutos AEG deve, com toda a probabilidade,
ser atribuído ao próprio setor merceológico
no qual operava a empresa. A fenomenolo­
gia do design encontra aqui a sua primeira e
mais completa realização, também, e sobre­
tudo, porque se manifesta num campo ele
produtos novos, livre elas hipotecas elo
passado. Lâmpadas, ventiladores, aque­
cedores ou eletrodomésticos são objetos que nada ou muito pouco têm
Figura 144
Lâmpada de arco com luz
a ver com móveis e enfeites. Behrens tem, por assim dizer, campo livre
semi-indireta, 1907. para lhes conferir um caráter artístico totalmente novo, não devendo
ter em conta a mitologia ou simbolismos que com frequência, vêm
Figura 145
associados ao mundo ela casa. Desvinculados dessas hipotecas, tais pro­
Lâmpada de arco com chama,
1908. dutos são favoravelmente acolhidos por todos e, por consequência são
produzidos em larga escala, tornando-se sempre mais econômicos e,
portanto, acessíveis a todas as classes sociais. Para entender esses aspec­
tos do consumo social dos produtos AEG, basta confrontá-los com os ela
Wiener Werkstatte, que não se afastam elo mundo da casa e, querendo
também ter um estilo único, somente o obtém a custo de uma produção
necessariamente artesanal e, portanto, inevitavelmente ele preço mais
elevado, acessível apenas a uma elite.

O Caso Ford
Figura 146
Capa de opúsculo AEG na
exposição de construtores Como todos os eventos mais significativos ela história do design, a ativi­
navais alemães, 1908. dade ele Henry Ford (1863-1947) relativa a esse campo apresenta todos
os quatro requisitos ela fenomenologia elo design e, por acréscimo, na
Figura 147
Ventilador de mesa, 1908. sua forma mais prática e concreta, isto é, na ausência de qualquer tipo
ele intelectualismo. Típico expoente elo self-made man, o operário Ford,
filho de agricultores, já em 1896 havia
DEUTSCHE SCHIFFBAU· construído sozinho um primeiro modelo
AUSSTELLUNO 1908
ele automóvel; em 1899, fundado a Detroit
Automobile Company e, em 1903, a Ford
Motor Company, que logo se tornou a

!
maior fábrica elo mundo, com mais ele 200
mil pessoas a ela vinculadas. E deixemos
i

L�.J
ele mencionar por agora os outros aspectos
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

que o tornaram um magnata da indústria internacional, chefe ele um


império econômico envolvendo uma série de outras empresas.
Do Ford projetista sempre se falou e se escreveu menos do que
em relação às outras qualificações, a ele produtor e, sobretudo, a ele
vendedor. E, no entanto, é preciso partir ele sua atividade de designer,
perfeitamente contextualizável no ambiente norte-americano, para com­
preender as suas ideias, a sua política produtiva e, mais exatamente, a
sua grande intuição no setor ela venda.
Quanto à hereditariedade autóctone norte-americana, não se pode
ignorar que, mesmo aqui, Horatio Greenough transfere a fórmula elo
naturalista Jean-Baptiste ele Lamarck- a forma segue a função - para os
campos ela arquitetura, ela arte e ela manufatura. Por volta ele 1850, ele
dizia, a propósito elas máquinas, que se confrontarmos a primeira forma
ele uma delas "com um novo e mais aperfeiçoado modelo elo mesmo
instrumento, notaremos, examinando as fases ele aperfeiçoamento, como
o peso se reduziu nos pontos em que havia menor necessidade ele força,
como as funções foram aproximadas sem que uma impedisse a outra,
·como os planos foram encurvados e as curvas se aplainaram, até que o
incômodo e claudicante funcionamento elo aparelho se transformasse
em máquina sólida, eficiente e bela"31. Como não pensar na exalta­
ção ela máquina que Walt Whitman faz em A Locomotiva no Inverno e
até mesmo na descrição de um automóvel Ford com a antecipação ele
algumas décadas. Como quer que seja, a aplicação elo design ao tema,
pelo qual "a forma segue a função", não possui qualquer elas sucessivas
e ambíguas interpretações europeias, enquanto, como diz ainda Gree­
nough, "por beleza entendo a promessa ela função; por ação, entendo a
presença ela função, e por caráter entendo a marca ela função"32 .
Se é verdade que o projeto ele Ford para seus automóveis nasce
de tais pressupostos, compreende-se por que sua estética é aquela ele
tantos objetos ele cmonimous design, ou melhor, aquela elos navios,
elo iate, elo sulky e de tantos outros equipamentos esportivos. Além
disso, no mesmo projeto está presente o sentido ele aperfeiçoamento
contínuo ela máquina; e não pode ser ele outra maneira, pois Ford
não pensa nas oscilações elo gosto, mas num modelo crescentemente
aperfeiçoado: "Todo dia, no passado, acariciava a ideia ele um modelo
universal."33 As principais ideias ele Ford quanto à estética, às funções,
ao sentido tanto elo projeto quanto elo produto podem ser deduzidas
elas poucas citações ele seus escritos. Sobre aquilo que diz respeito a
um elos temas fundamentais elo debate europeu, a relação utilidade­
-beleza, ele escreve:

129
A pergunta é esta: é melhor sacrificar o caráter artístico pela utilidade,
ou a utilidade pela beleza? Qual seria, por exemplo, a função de um
bule no qual o bico não permitisse verter o líquido por uma interven­
ção artística? Ou a de uma pá, cujo cabo, ricamente ornamentado,
ferisse a mão de quem a usasse? [ ... ] Um automóvel é um produto
moderno e deve ser construído não para representar algo, mas para
poder prestar o serviço que lhe é previsto.34

O assunto é voluntariamente polêmico e as perguntas retóricas.


Muitos, a começar por Carlo Lodoli, haviam distinguido a "função" da
"representação" e, em caso de incompatibilidade, optado pela primeira.
Outros, ainda, e pensamos na vanguarda histórica, no futurismo, no
construtivismo, no ésprit machiniste teorizado por Le Corbusier, haviam
enfatizado a "função" pura. Todavia, raramente com fim em si mesma,
mas antes como portadora em si de novos símbolos e valores: o antipas­
sadismo, o anti-individualismo, o ativismo, o experimentalismo etc., ou,
em uma palavra, a tendência à "redução" que caracteriza o lado mais
"racional" da vanguarda. O mérito de Ford, portanto, não está tanto em
haver teorizado o funcionalismo quanto o de havê-lo traduzido em produ­
tos tangíveis, em ter oferecido exemplos reais dessa redução ao essencial
que, depois, outros teorizaram. Mais significativas são as ideias de Ford em
perseguir o aperfeiçoamento contínuo de um único modelo, ideias que,
provavelmente motivadas por uma escolha inicial "estética", implicam
também razões produtivas e sociais. Em sua autobiografia se lê:

Se o plano construtivo de um produto foi bem estudado, as mudan­


ças serão muito raras e se verificarão apenas nas partes maiores das
junções; no processo de produção, em vez disso, as mudanças serão
bastante frequentes e de todo espontâneas [ ...]. Os meus sócios não
estavam convencidos de que os nossos automóveis poderiam limitar­
-se também a um só modelo [ ...] É um orgulho meu o fato de que
cada peça, cada artigo que produzo seja bem trabalhado, seja robusto
e que ninguém tenha a necessidade de substituí-lo. Cada automóvel
deveria durar tanto quanto um bom relógio.35

E esse foi o caso ele seu produto mais famoso, o automóvel Modelo
T, mantido em produção ele 1908 a 1927. Embora fosse um utilitário
reduzido ao essencial, era construído com materiais ele grande resis­
tência: aço com vanáclio e metais com tratamento especial, que lhe
conferiam ligeireza e resistência. Quanto ao seu aspecto formal, ele

130
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

relembra os primeiros tipos experimentais, e daí a extrema funcionali­


dade mecânica, mas, ao mesmo tempo, representa uma "redução" dos
modelos luxuosos ( que se pense no Silver Ghost da Rolls Royce, de
1907), daí o grande conforto que oferecia o veículo popular.
Quanto à produção do Modelo T, emblemática de toda a atividade
empresarial de Ford, foi por sua fabricação que se introduziu a linha de
montagem na indústria automobilística. Em 1913, nas instalações de
Highland Park, em Detroit, ocorreu a maior reviravolta na manufatura
do campo automobilístico. Antes daquela data, a fabricação de um carro
era efetuada empregando um grupo de operários que montava as várias
partes de um só exemplar; a escassa coordenação entre as várias opera­
ções, as restrições dos movimentos e a perda de tempo eram evidentes.
Na fase posterior, mais desenvolvida, as diversas partes componentes do
produto vinham ordenadamente dispostas num pavimento e eram rapi­
damente montadas sobre uma espécie de carrinho transportado a mão
por outros operários; assim se formava uma linha de montagem artesanal
gue, além de tornar mais expedita a elaboração do único veículo, permi­
tia ainda, graças ao emprego de outros carrinhos, montar outras partes,
embora numa lenta sucessão temporal. A fase ainda mais avançada de
elaboração comportava a substituição do carrinho por uma esteira contí­
nua, movimentada mecanicamente, uma plataforma móvel sobre trilhos
que, do alto, fazia correr e descer sobre a estrutura as várias partes dos
chassis. Desse modo, os operários permaneciam fixos, cada um predis­
posto a uma série de operações, e a montagem não se efetuava sobre um
só automóvel, mas sobre uma série deles, em contínua fase de prepara­
ção. A esse progresso da cadeia de montagem se juntavam as vantagens
de utilizar partes fabricadas em outros lugares. Como lembra Arthur J.
Pulos, "o princípio de juntar num automóvel os componentes fabrica­
dos alhures, de se considerar o núcleo da produção de massa, tinha sido
experimentado desde 1899 pela Ransom E. Olds. O procedimento foi
até mesmo refinado em 1913-1914 nas instalações da Ford em Highland
Park, no Michigan, como extensão, no século xx, da prática já bem codi­
ficada ele estandardização elas partes e da especialização do trabalho"36.
Essa tecnologia de elaboração seriada, que integrava os estudos sobre o
tempo de Taylor com o sistema de correias transportadoras, os trilhos, a
grua móvel etc., assim como a adoção de peças pré-fabricadas em outros
lugares, concorreram para que, ao longo de poucos anos, a redução do
tempo de montagem do Modelo T passasse ele doze horas e meia para
uma hora e meia por máquina, possibilitando, em 1915, alcançar a cifra
de um milhão de carros fabricados em um ano. Nessa mesma data, na

131
Figura 148
Reconstrução da oficina em
que Ford desenvolveu seu
primeiro automóvel.

Figura 149
Terminal externo da linha de
montagem do modelo T nas
oficinas Ford de Highland Park,
1924.
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-7929)

Exposição Universal Panamá-Pacífico, em São Francisco, Ford mostrou


pela primeira vez em público a sua cadeia ele montagem, demonstrando
que com seu sistema era possível pôr o automóvel ao alcance ele todos.
Gicleon, unindo o lado ela "produção" com aquele ela "venda",
escreve que
(

o mérito de Ford foi o de reconhecer, antes que qualquer outro, a


possibilidade de democratizar o veículo, que até então tinha sido
considerado algo para privilegiados. O conceito de transformar um
mecanismo complexo, como o automóvel, de um artigo de luxo para
um objeto normal ele uso, e adequar seu preço para a capacidade de
compra, como qualquer artigo ele magazine, teria sido inconcebível
na Europa. A confiança ele poder transformar o automóvel em artigo
ele produção ele massa, com a consequente perspectiva ele revolucio­
nar a produção, assegurou a Ford o seu lugar na história.37

Para alcançar tal objetivo, à conquista tecnológica era preciso juntar


uma revolução na política salarial, sendo ambos os fatores interagentes.
A propósito, nota Pulos:

Os métodos ele produção em massa ele Ford garantiam o pagamento,


inaudito para a época, ele cinco dólares para uma jornada ele trabalho
ele oito horas, em lugar ele urna cifra menor para as habituais nove horas
(coisa que permitia a Ford três turnos ele trabalhadores ao dia, em vez
ele dois, aumentando assim a capacidade produtiva ela fábrica em quase
50% ). Essa política salarial suscitou desordens entre os operários para os
quais Ford não podia oferecer um posto ele trabalho [ ... ] Causou urna
avalanche ele protestos ela parte ele outros industriais, que lamentavam
a visão utópica e a falta ele correspondência com a prática.Ainda assim,
Ford manteve a posição segundo a qual, pagando aos seus operários
um salário mais alto por um número menor ele horas trabalhadas, fazia
melhor uso ele sua fábrica e punha o produto ao alcance ele todos os
seus trabalhadores [ ...] estava convencido ele haver democratizado a
indústria e advertia que teria sido limitado o número ele compradores
se os industriais não se preocupassem em elevar os salários e manter
os preços baixos e ainda reduzir o número ele horas ele trabalho. Para
Ford era óbvio que, se aos trabalhadores fosse dada uma clisponibili­
clacle financeira maior, e mais tempo livre, tornar-se-iam mais móveis
e aspirariam à propriedade ele uma casa que estivesse dotada ele todos
aqueles confortos que um alto padrão ele vicia requer.38

133
A importância do assunto merece algumas reflexões ulteriores.
Quando Taylor, que morre em 1915 (ano em que a indústria de Ford
se encontra em expansão máxima), pensa numa política ele altos salá­
rios, ele tem em mente apenas o aumento ela produção no âmbito ela
empresa. Ao contrário, quando Ford é solicitado a combater a concor­
rência com uma linha ele baixos salários, ele refuta a ideia porque a vê
seja como um entrave à eficiência produtiva, seja como uma redução elo
poder aquisitivo e, portanto, elo mercado interno. De modo que os altos
salários, a participação dos operários na renda da empresa, a manufatura
em série etc. fazem parte ele uma ideia política mais abrangente, o for­
dismo, mas são, em primeira instância, maneiras pelas quais os próprios
operários de uma indústria em rápida expansão constituam os primeiros
compradores ele seu produto - o que sustenta que a riqueza ele um país
depende da fortuna da indústria automobilística e que Charles E. Wil­
son, um dos presidentes da General Motors afirme que "aquilo que vai
bem para o país, vai bem para a CM, e vice-versa". Giedion revela que
"Ford procede assim ele outro modo; ele vê a produção e a venda como
unidade e, antes do reforço geral ela técnica de venda (salesmanshíp ),
nos anos de 1930, funda uma sociedade mundial para a venda ele seus
produtos, organizada com cuidado e eficiência não inferior à da linha
de montagem"39.
Embora personagem excepcional, Ford não é o único a conceber
uma filosofia produtivo-comercial como a descrita: o seu amigo Thomas
Eclison, outro pioneiro da indústria norte-americana, ainda que deslo­
cando o acento sobre a automação, escreve:

Quando usamos máquinas em lugar de seres humanos e temos uma


fábrica que desenvolve o trabalho de 250 homens, é então que os
empregados gozam de um benefício real [ ... ] Está passando a época
em que os seres humanos vinham sendo usados como motores.
Hoje, estamos a ponto de dar o cérebro às máquinas, substituindo
por máquinas a energia de milhares de homens, com apenas poucos
deles para controlar o maquinário com o propósito de que continue a
funcionar [ ...] Máquinas sempre melhores [ ...] farão sim com que os
homens trabalhem um número menor de horas e, ao mesmo tempo,
permitirão produzir mais [ ...] As máquinas são a salvação da indústria
norte-americana.4°

O consumo, como sempre, sanciona concretamente o sucesso de


uma produção. De 1908 a 1927, são vendidos 15 milhões ele exemplares

134
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

do Modelo T, que inicialmente custava 850 dólares e passa, rapidamente,


graças aos processos produtivos, a 260 dólares. O sucesso também era
assegurado pela extrema facilidade de se guiar o automóvel e por sua
adaptabilidade a qualquer tipo de estrada, mas mesmo elas foram esti­
muladas pelos automóveis utilitários Ford. Eles tornaram necessária a (
criação de uma rede nacional de autoestradas e, de outro lado, intro­
duzidos os sistemas de trabalho em série, sempre mais automatizados,
contribuíram para todo o sucesso ela indústria automobilística, concor­
rendo para elevar a renda elo país.
Mas justamente o fator "consumo" nos permite enfrentar um dos
nós mais problemáticos do caso Ford, a da passagem elo Modelo T ao
Modelo A, cujo significado vai bem além de uma inovação corriqueira
estético-produtiva. Escreve Pulos:

Talvez nenhum outro episódio particular pôde mostrar melhor o


papel importante que o aspecto formal teve na produção automobilís­
tica quanto a disputa pelo último dólar do consumidor entre a Ford e
General Motors, na metade cios anos ele 1920. O Modelo T já houvera
entrado na história cios costumes. Guiado por milhões de automo­
bilistas, era amacio como o meio ele transporte por excelência, tanto
quanto era criticado pela recusa em ter uma aparência atualizada.
Henry Ford resistia ao problema, autocrático na recusa a recomen­
dar a modernização estilística ele seu produto. O fato ele que o seu
calhambeque caseiro vendesse mais de um milhão de unidades por
ano, enquanto o seu rival mais próximo, da marca Chevrolet ela CM,
só vendesse um terço, já lhe bastava. Mas em 1923, Alfrecl Sloan tor­
na-se presidente da General Motors e se propõe a alcançar as vendas
ela Ford. Em 1926, a CM deu um grande passo na linha estilística cios
automóveis, apresentando um novo e mais colorido Chevrolet, em
direta concorrência com o Modelo T. Em alguns anos, vendia mais cio
que a Ford. Henry compreendeu o que se passava e, finalmente, reti­
rou ele linha o Modelo T. No mesmo ano a Ford introduziu o Modelo
A, mais elegante, inaugurando a nova tática de vencia, consistente em
mudar, todos os anos, o modelo, à procura ele um estilo bem preciso.41

Enquanto isso, o episódio toma outra dimensão. Se permanece ver­


dadeira a resistência proverbial de Ford quanto às mudanças de moda, o
seu Modelo T, denominado Tin Lizzie (Lizzie de lata), durante os anos
em que foi produzido, sofreu tais e tantas modificações, para manter-se
atual e não ser diferente ela rival Chevrolet, que se decretou o seu fim.

135
Figura 150
Ford modelo T
(T1n Lizzy), 1913.

Figura 151
Ford modelo T
na versão
esportiva, 1914

Figura 152
Ford modelo T
num desenho
de Agostino de
Rosa.
De modo que não se deve, por uma forte diferenciação de forma, como
a que se verificou em nossos dias entre o último Fusca ela Volkswagen
e os outros produtos da mesma casa, a reviravolta na produção da Ford,
mas, antes, a uma mudança ele política produtivo-comercial, muito mais
significativa e sintomática.
Como escreve Maldonado,

quem quer que olhe o desenvolvimento ela produção capitalista a


partir de 1930, poderá constatar que o fordismo não foi uma carta
vencedora. Ao contrário. Onde foi parar, por exemplo, a filosofia
forclista cio produto, isto é, aquela ideia do produto tão estudado e
construído que "ninguém deva ter a necessidade de substituí-lo"?
Onde ficou a sua recusa da cacluciclacle anual cios modelos? Onde,
a importância atribuída aos fatores técnico-econômicos, técnico­
-construtivos e técnico-produtivos? Onde, a sua defesa ela utilidade
e ela função, contra o clecorativismo invasivo? Onde, o sonho ele
um modelo universal?42

As razões dessas mudanças são muitas e as respostas que o mesmo autor


dá às citadas interrogações são, por sua vez, problemáticas. Todavia,
uma interpretação ela crise elo forclismo emerge claramente ali onde
Malclonaclo sustenta que o produtivismo ele Ford contribuiu para a pros­
peridade elos anos ele 1920, mas que essa mesma produtividade acabou
por ser-lhe contrária. Em outras palavras, com um público tornado mais
Figura 153
rico (e, estranhamente, isso coincide com a grande crise econômica Ford modelo A, 1927.
de 1929), os valores propostos por Ford foram superados por outros que
apostam na novidade e na variedade dos produtos:

Uma coisa é certa: enquanto antes da crise a indústria norte-a­


mericana, nos setores do automóvel e dos eletrodomésticos, era
prevalentemente orientada para uma política de poucos modelos e
longa duração, após a crise se orienta para uma política de muitos
modelos e curta duração [ ...] [quanto às vendas, passou-se] de uma
estratégia voltada para a redução dos preços a outra que se baseia na
promoção do produto.43

Embora concordando com o que Maldonado sustenta, não vería­


mos Ford como um perdedor no sistema econômico-produtivo do qual
foi, indubitavelmente, um fautor. À parte o seu sucesso empresarial -
empenhou-se em numerosas atividades colaterais: fábricas de tratores
e de pneumáticos (1937), produção de mercúrio e de magnésio (1939),
motores de aviação (1940) e, durante a última guerra mundial, elo jipe,
de blindados, aviões, além de um grande projeto urbanístico-territorial,
relativo ao desenvolvimento ela zona ele Muscle Shoals, no rio Tennesse,
que por volta ele 1920 esteve no centro ele um vasto interesse político-eco­
nômico -, a mesma mudança na linha de sua produção foi considerada
dentro ela lógica ele toda a indústria norte-americana. De fato, o episódio
da concorrência com os modelos da CM deve-se ver apenas como um
momento do desdobramento da filosofia elo produtivismo.
Com respeito ao movimento do design europeu, e à Werkbund em
particular, Ford estava mais decidido a abandonar a componente estética
como valor agregado, fazendo-o brotar ela técnica, da função, da própria
estabilidade formal do produto industrial; desse modo, ele alcançou,
talvez superado por alguns poucos outros produtores, o objetivo de popu­
larizar mesmo bens naturalmente complexos e caros, como o automóvel.
Depois, quando se criou um vasto público de consumidores, a concor­
rência deixou de se basear no preço baixo e o automóvel tornou-se ele
mesmo um bem ao alcance de quase todos, Ford foi o primeiro (ou o
segundo, depois da CM) a compreender que a concorrência se deparava
com "alguma outra coisa": a demanda do consumidor, a exigência de
novidades e de opções; as mesmas contribuições do nascente desenho
industrial que foram, como veremos, muito mais do que uma simples
questão cosmética, do tão depreciado styling.

138
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

A Wiener Werkstatte

O maior evento austríaco da história do design não deveria, como tal,


fazer parte de um capítulo dedicado à Alemanha e às suas relações com
{
os Estados Unidos, nem, a seguir-se uma certa ortodoxia, ser considerado,
além do mais, pertinente ao advento do próprio design. Na realidade,
a empresa W iener Werkstatte, mesmo se representa um fenômeno dos
mais típicos do gosto e da cultura austríacos, apresenta tantas conexões
com aquilo que ocorre nos mesmos anos na Alemanha - basta pensar
em suas relações com a Werkbund alemã - e uma tal influência sobre
os eventos norte-americanos posteriores aos anos de 1930, que legitima
o seu tratamento neste capítulo. Quanto às dúvidas sobre se a W iener
Werkstatte pertence ao campo do design, pois sua produção foi artesanal e
não seriada, elas têm sido desmentidas: o lugar da famosa firma vienense
nos acontecimentos que estudamos é tão importante que, mesmo se aí
aparecem incongruências, não é lícito excluí-la elo âmbito elo design, e
sim modificar a definição deste último. O caso que se examina é a confir­
mação mais ilustre de que a experiência elo design pode se dar até mesmo
na elaboração artesanal e não necessariamente em série.
Se a atividade da Wiener Werkstatte não responde ele todo à defi­
nição corrente elo desenho industrial ( ele cuja fragilidade falamos
desde a introdução), ela reflete, todavia, os quatro momentos de sua
fenomenologia.
A componente projetiva dessa empresa cooperativa, fundada em
1903 pelo arquiteto Joseph Hoffmann (1870-1956), pelo pintor Kolo­
man Moser (1868-1918) e pelo industrial, principal financiador e diretor
financeiro elo empreendimento, Fritz Waerndorfer, recolhe, no plano
da forma, os contributos do Arts and Crafts, da Líberty inglesa e, em
particular, da obra de Mackintosh (de onde deriva o epíteto Quadratl­
-Hoffmann), do art nouveau internacional, do Jugendstíl, da Secessão
Vienense, assim como resíduos do período Bieclermeir e até mesmo
influências da Heímatkunst com componentes de tradições locais,
magiares, boêmias e eslavas. Se esses são os precedentes, a W iener
Werkstatte opera uma redução de tais influxos, reelabora um novo
classicismo, oferece a maior contribuição para o nascimento do protor­
racionalismo, do qual descende o art déco, o estilo Novecentos e até as
formas dos stylísts norte-americanos atuantes nos anos ele 1930 e 1940.
Mas para além dos aspectos linguísticos da Wiener Werkstatte e, mais
geralmente, do wíenerstíl, talvez o nódulo mais rico e complexo de toda

139
Figura 154
Oficina de encadernação da
Wiener Werkstatte, 1903.

140
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

a história do gosto figurativo contemporâneo, o projeto da cooperativa


austríaca interessa por numerosos outros fatores. Em ordem cronológica,
registre-se a tomada de posição de Hoffmann frente a Morris. O arquiteto
austríaco foi grande admirador do inglês, embora tenha declarado, tam­
bém em nome de seu grupo, que os problemas da sociedade "deveriam
ser resolvidos pelos políticos" e não diziam respeito aos artistas44. Esses
acentos moderados, burgueses e realistas permeiam todo o programa da
W iener Werkstatte, redigido por Hoffmann e Moser em 1905, conside­
rado o "projeto" geral do empreendimento. Nele se lê, entre outras coisas:

O imenso dano causado, ele um lado, pela deteriorada produção de


massa e, de outro, pela imitação servil cios estilos passados inunda todo
o mundo como uma gigantesca torrente fluvial [ ...]. No lugar da mão,
imiscuiu-se a máquina; no lugar do artesão, o comerciante. Mas seria
uma loucura querer nadar contra essa corrente. Apesar disso, fundamos
a nossa oficina [ ...]. Queremos estabelecer uma relação estreita entre
o público, o projetista e o artesão, e produzir objetos ele uso doméstico
simples e ele qualidade. O nosso ponto ele partida é o uso cio objeto;
a nossa primeira condição é a funcionalidade; a nossa força consistirá
na harmonia elas proporções e na excelência ela elaboração. Quando
for o caso, procuraremos acrescentar ornamentos, mas sem esforços
e não a qualquer custo [ ...]. É preciso tornar a reconhecer e apreciar
o valor cio trabalho artístico e das ideias. O trabalho cio artesão deverá
ser valorizado na mesma medida daquele do pintor e cio escultor. Não
podemos nem pretendemos concorrer com a produção ele baixo preço;
essa se dá, sobretudo, em detrimento cios trabalhadores e nós enten­
demos que o nosso dever mais alto seja dar-lhes ele novo a alegria ele
um trabalho e uma existência digna de homem. Mas tudo isso só se
pode obter gradualmente [ ...] Os produtos substitutos, as imitações
ele estilo, só podem satisfazer aos parvenus45. O burguês ele hoje, assim
como o operário, eleve possuir a orgulhosa consciência cios próprios
valores e não deve tender à emulação com outras classes, cuja missão
cultural já foi cumprida e que conservam, de direito, a recordação de
um esplêndido passado artístico. A nossa burguesia ainda está distante
ele haver realizado a sua própria missão artística. A ela cabe agora levar
a termo essa evolução [ ... ]. Que nos seja enfim consentido sublinhar
que também nós estamos conscientes do fato de que em determinadas
circunstâncias se podem produzir, com a ajuda das máquinas, produ­
tos razoáveis em série, a preços acessíveis; contanto que tais objetos
revelem claramente o caráter ele sua fabricação [ ...].Usaremos todas as

141
nossas forças para termos sucesso, mas daremos passos adiante apenas
com a ajuda de todos os amigos. Não podemos nos permitir fantasias.
Temos os pés bem plantados em terra e esperamos as encomendas.46

Este Arbeitsprogramm (programa de trabalho) refere-se mate­


rialmente aos primeiros trabalhos executados pela jovem empresa:
ourivesaria, encadernação e restauro, marcenaria; mas os princípios des­
ses conteúdos foram seguidos mesmo quando entraram na empresa não
apenas os maiores artistas vienenses, de Gustav Klimt a Oskar Kokos­
chka, alguns trabalhando internamente, outros independentes, mas
também os alunos da Kunstgewerbeschule (escola de artesanato), onde
ensinavam Hoffmann e Moser; e não apenas os setores merceológicos
maiores, mas qualquer campo de atividade conexo a uma elaboração de
gosto e fantasia: do mobiliário à moda, dos tecidos à gráfica, dos enfeites
para mesa aos cartazes ilustrados.
Para manter unidas tantas energias criativas em tão diferentes seto­
res está, certamente, aquela ideia ela Gesamtkunstwerk (obra ele arte
total), na acepção mais larga elo termo, o que implicava, precisamente,
maior experiência dos artistas e a mais vasta tipologia ele objetos, todos
vinculados a um único estilo. É significativo que isso tenha sido apre­
ciado por Hermann Muthesius, que escreveu, por ocasião ele uma
mostra ocorrida em Viena, em 1908:

O espírito da Wiener Werkstiitte está presente em qualquer lugar da


Kunstschau de Viena. Em toda sala encontramos a mesma lin'gua­
gem formal, a mesma sensibilidade cromática, a mesma elegância. À
primeira vista, parece que toda a mostra seja obra de Hoffmann e de
Moser. Mas depois se descobre que, embora os dois artistas tenham
dado urna grande contribuição, a maior parte da exposição é devida
a um exército de jovens saídos da escola de Hoffrnann. Percebe-se
com estupor que aqui já se formou uma tradição local: ela nos aparece
frontalmente como algo realizado: ainda uma vez parece evidente
que mesmo as mudanças de estilo de uma época, afinal, provêm de
personalidades singulares e que a própria época, no quadro geral da
cultura, não constitui outra coisa senão um fundo. Esta arte moderna
vienense é, provavelmente, bastante unitária, a mais completa que o
nosso tempo soube produzir até hoje.47

Com efeito, duas características emergem elo projeto da cooperativa


austríaca: a primeira diz respeito a um programa mais realista, caso se

142
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900 1929)

o compare com iniciativas coevas, como o da Colônia de Darmstaclt; a


segunda é essa unidade de estilo que, num certo sentido, resgata a frag­
mentação de tantos outros aspectos: obra de um artesão único, unidade
de todo objeto, e mesmo a exclusividade de muitos manufaturados, de
joias a móveis, feitos para um só comitente. A capacidade de conciliar ef
uma tão forte unidade estilística que, corno veremos, é levada até o
paroxismo, com o reclamo ele um objeto "exclusivo", é outro ponto
importante elo projeto ela Wiener Werkstatte. Corno já observado,

a marca desse arquiteto [Hoffmann], incansável experimentador de


formas, parece ser a varíatío permanente, o descarte infinitesimal: a
variedade ilimitada que, no entanto, não apaga o sentido ela repetição
e ela continuidade que constitui a essência econômica ela marca. A
obra de Hoffmann resulta, assim, ele um ponto ele vista sincrônico,
sempre idêntica e sempre diversa. Por exemplo, ele uma mesma forma
ele é sempre capaz de produzir, quase como uma constelação que
orbita a matriz, uma família ele réplicas, não necessariamente per­
tencentes a uma série homogênea de objetos: além disso, e nessa
perspectiva, pode acontecer que as arquiteturas sejam o engrande­
cimento desmesurado ele objetos e que, vice-versa, um móvel, uma
caixa, uma arca sejam arquiteturas miniaturizadas48 .

A obra ele arte total, a Gesamtlwnstwerke, alcança, de outro lado,


detalhes exagerados. Os críticos da época sublinhavam que uma pessoa
desleixada teria posto em crise a ordem impecável elos produtos ela Wie­
ner Werkstatte, ou que para conviver ali eram necessárias instruções ele
uso, ou ainda que esse habitar, tão artístico quanto cansativo, pedia a
presença constante de urna atenta direção. Em suma, o único elemento
ainda não configurado nessa obra ele arte total era o homem. E já que,
corno notava sem ironia K.E. Osthaus (cuja mulher usava roupas dese­
nhadas por Van de Velcle), "ai da senhora que ousasse entrar num desses
cômodos sem uma toalete que estivesse em perfeita harmonia com ele
do ponto de vista artístico"49, eis que, em 1910, a Wiener Werkstatte
abriu também urna seção dedicada à moda, dirigida, primeiramente,
pelo arquiteto Eduarcl Wimrner e, depois, pelo famoso Dagobert Feche.
Passando-se ao momento da "produção" ela cooperativa vienense,
ele ocupou um lugar de maior relevo comparativamente às organizações
,similares inglesas e alemãs, como demonstram os tópicos pragmáticos
elo programa e a longa duração da empresa, existente, mesmo com
momentos economicamente difíceis, ele 1903 a 1932. Mas desde os seus

143
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garrafa ecopos ( 12).
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

primeiros atos oficiais, é patente o seu caráter "industrial". O parágrafo 3


do estatuto declara que seu "objetivo é a promoção dos interesses econô­
micos de seus membros, por meio da preparação e da produção de objetos
de todos os gêneros de artesanato artístico, conforme projetos preparados
por membros da cooperativa, através da abertura de oficinas e, enfim,
por meio da venda das mercadorias ali produzidas". 5° O parágrafo 5 do
mesmo documento reza: "Josef Hoffmann, Koloman Moser, diretores e
professores da Kunstgewerbeschule de Viena, se registram como direto­
res e Friedrich Waernclorfer, industrial, como administrador, todos com
direito a assinatura nos termos deste estatuto." 51
As oficinas, como havíamos acenado inicialmente, de ourivesaria,
ele trabalho em metais, de encadernação, ele marcenaria, e inclusive o
estúdio de arquitetura de Hoffmann, requeriam de imediato um grande
interesse pela ordem, pela higiene, pelo próprio gosto ela ambientação;
cada um deles era pintado com uma cor que se reencontrava nos impres­
sos (registros, boletos de encomenda e de entrega), no cabeçalho. Essa
organização exemplar e o espírito da produção se concluem do primeiro
artigo dedicado à jovem empresa, firmado pelo crítico J.A. Lux e que apa­
receu na revista Deutsche Kunst und Dekoratíon:

Sem ruído, formou-se em Viena uma empresa ele artesanato artístico


em grande estilo. Em meio ao barulho ela fábrica, se desenvolve, mais
silenciosamente e com maior criatividade, o trabalho manual elo arte­
são. É verdade que mesmo na W iener Werkstatte não faltam máquinas;
antes, elas estão perfeitamente aparelhadas com todas as novidades
que servem à empresa. Mas aqui a máquina não é a dominante nem
a tirana, e sim a ajudante e serva dedicada; não é ela que determina a
fisionomia elo produto, mas o espírito ele seus criadores e a precisão das
mãos adestradas na arte. É melhor trabalhar dez dias com um objeto
elo que produzir dez objetos num dia. Esta é a regra significativa e fim­
clamental ela Wiener Werkstatte, que deve ser ensinada a cada operário
para se obter um serviço relahvamente melhor. Por consequência, cada
objeto expressa o nível máximo ele capacidade técnica e artística, e seu
valor artístico está ali onde raramente é encontrado, mas onde, na reali­
dade, deveria ser procurado: não apenas na exterioridade decorativa, na
aparência formal, mas no conteúdo icleado, na seriedade e no esmero
elo trabalho manual. Todos os objetos trazem a marca de ambos, e não
é desenhado apenas pelo artista-projetista, mas também pelo executor,
pelo artesão, pelo operário que o executou sozinho. Esse é o último
sinal da sabedoria político-social dos funclaclores.52

145
O trecho citado diz muito sobre o aspecto produtivo da empresa,
mas tece algumas outras considerações. A firma vienense, não obstante
a sua indubitável derivação dos modelos ingleses (Century Guild, Art
Workers Gild, Guild & School of Handicrafts etc.) e, sempre no que diz
respeito à organização produtiva, dos modelos alemães (Deutsche Kuns­
tgewerbe Verein, Vereinigten Werkstatten für Kunst im Handewerk etc.),
diferenciou-se notavelmente de todos eles. A respeito elos precedentes
ingleses, abandonou ele todo aquele espírito ele corporação medieval,
não imune a uma espécie ele misticismo, para se pôr como experiência
mundana, no duplo sentido cio laicismo de suas intenções e do caráter
elitista ele sua clientela. Com respeito aos precedentes alemães, para
os quais os valores artístico-industriais estavam fortemente integrados
à organização didática, a uma escola ele arte aplicada quase militar­
mente estruturada, a W iener Werkstatte conservou claramente separada
da Kunstgewerbeschule os interesses privados e artístico-comerciais da
empresa. Em outras palavras, uma coisa foi a atividade dos professores
Hoffmann e Moser, outra, o seu esforço ele artistas-empreenclerores;
entre as numerosas causas que induziram Moser a sair ela socieclacle,
em 1907, foi sua clificulclacle de cumprir ambos os papéis.
Certo, a experiência cios dois fundadores na Kunstgewerbeschule
e o impulso para utilizar tanta energia juvenil ali formada estiveram
na base ela instituição ela cooperativa, mas foram, em grande parte, uti­
lizados num papel subalterno. Dos cem operários com que a W iener
Werkstatte contava em 1905, só 37 eram Meister e artesãos de renome;
e no curso de sua conturbada história, todos os principais artífices i1ão
vieram ela escola vienense, mas eram arquitetos, artistas e artesãos
independentes. A nova prova ele tal orientação ela empresa está na
fundação, em 1912, ela Kunstlerwerkstatte, desejada por Hoffmann.
Os artistas que atuavam nessas novas oficinas podiam experimentar
livremente, usufruindo elos espaços, dos materiais e dos maquinários
postos à sua disposição pela empresa-mãe, cedendo com exclusividade
a ela os produtos escolhidos por Hoffmann, sem receber, até 1922,
forma alguma ele compensação fixa. Em outros termos, com a nova
iniciativa se queria, ao mesmo tempo, utilizar a força artística inde­
pendente ela escola estatal, formar uma espécie ele escola privada e
instituir um centro ele estudo elo qual se retirava e se pagava só aquilo
que agradava. Dizendo-se isso, não se quer desmistificar uma outra
base cio movimento moderno, nem reduzir a ênfase com a qual a
imprensa ela época elogiava suas várias iniciativas, mas apenas mostrar
que a empresa, não obstante a retórica sobre a ética artesanal, valia-se

146
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

ele todos os meios e estava perfeitamente inscrita na lógica ele grande


parte elas empresas industriais.
A componente "venda" ela Wiener Werkstatte era a pura marca
industrial. Como fenômeno entre os mais vistosos daqueles anos ela fmis
Austriae, excepcionalmente ricos em todos os sentidos, ela se valeu ele (

todos os meios publi_citários, promocionais e de divulgação permitidos


na época. Antes ele tudo, caso se considere o fato de que o maior talento
ele Koloman Moser era a arte gráfica, compreende-se por que desde a
marca registrada às estampas, dos cartazes publicitários às vitrinas não
havia produto que melhor ilustrasse e recomendasse a elegante empresa
vienense: ao ponto ele uma fatura comercial ser talvez mais "bela" elo
que uma decoração completa de Hoffmann. Aceita e acompanhada
consensualmente pela crítica e pela imprensa da época (tanto que resta
ainda mais icástico o dissenso de alguns, entre os quais Loos), a Wie­
ner Werkstatte participou ele quase todas as exposições, desde o ano de
sua fundação até a falência comercial. Esteve presente, sempre graças
àquele princípio da Gesamtkunstwerk, ele qualquer manifestação, indo
ela arquitetura à decoração, ele todos os setores, da arte aplicada ao tea­
tro, da gráfica à. moela. Aquele princípio ele "reorganização de todo o
visível", que Behrens realizou sozinho no âmbito da AEG, a cooperativa
vienense o estendeu a quase todos os aspectos da vida cotidiana.
Além de Viena, a Wiener Werkstatte teve filiais e pontos ele venda
em Zurique, Marienbad, Breslau, Lucerna, Trieste, Berlim e Nova York.
Esta última foi dirigida por Joseph Urban, já arquiteto ele Ziegfielcl53 e
projetista ele alguns arranha-céus art déco, um elos tantos intermediários
entre o protorracionalismo austríaco e o gosto franco-americano do art
déco que, como veremos, terminará por incidir sobre o styling norte-a­
mericano dos anos de 1930 e 1940.
No que se refere ao fenômeno "venda", permanece significativa a
maneira dupla ele ser ela empresa. Desde os primeiros propósitos ele sua
fundação, Moser insistia no princípio de trabalhar apenas sob comissão,
como é típico ele um profissional liberal e ele uma loja e oficina artesa­
nal. Nessa linha estão representados os vários trabalhos ele Hoffmann, a
sua vila na Hohe Warte, o sanatório ele Pukersclorf, o "fabuloso" palácio
Stoclet etc., cujos projetos de arquitetura e ele decoração foram realiza­
dos com produtos construídos nos laboratórios da Wiener Werkstatte,
empregando turmas inteiras ele ebanistas, marmoristas, mosaicistas,
entalhadores, tapeceiros etc. E, para cada uma dessas arquiteturas, os
elementos de decoração, apropriadamente criados, constituíram outros
protótipos para uma virtual produção em série. A outra linha é aquela

147
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Figura 158
Fatura da Wiener
Werkstatte, 1909.

148
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

que, mostrando os. produtos em várias exposições, nas lojas, nos catálo­
gos da firma, dava início à mais complexa aventura da venda baseada no
binômio oferta-procura. Foi nesse segundo campo que mudou a sorte
da empresa, que se viu a sucessão de financiadores e administradores,
a questão de antecipar ou seguir o gosto elo público, em suma, aquela ..
linha tortuosa de conduta comercial que a levou à falência, ela qual
estão cheias as crônicas e que foi objeto elos mais agudos comentários.
Entre aqueles que merecem a nossa atenção, o primeiro posto cabe
ao próprio Moser, o qual se demite motivado justamente pela divergência
com a política comercial da empresa. "Na minha opinião", escreve ele,
"a atividade estava ficando muito diversificada e dependia muito elo gosto
dos comitentes, tanto mais que o público, na maior parte dos casos, não
sabia o que queria ele fato. Esses pedidos impossíveis dos clientes e outras
divergências de opinião induziram-me a sair da W iener Werkstatte."54
As perguntas sobre o que seria o gosto do público e sobre quem faria
parte dele nos levam ao último parâmetro do nosso esquema de pes­
guisa, a componente "consumo" que, como já acenamos muitas vezes,
marca habitualmente o sucesso ele uma produção industrial.
O fato de que os produtos da W iener Werkstatte nunca chegavam ao
grande público não torna legítimo o paralelo da empresa ele Hoffmann
com a firma ele Morris. De fato, enquanto a vocação socialista deste
último não lhe permitia considerar em absoluto que um bom trabalho
artesanal não podia estar ao alcance econômico elo público, o sentido
prático elo mestre vienense o fazia perfeitamente ciente disso; antes, o
encaminhava para a produção de objetos deliberadamente custosos para
um público abastado. No Arbeitsprogramm, escreve:

Infelizmente, a nossa época habituou-se a produtos de tão má qua­


lidade que um móvel de elaboração mediana parece muito caro.
Devemos recordar que o mobiliário completo de uma casa de grande
dimensão custa o mesmo que construir um vagão-leito de trem. Por
isso, é impossível trabalhar sobre bases sólidas. Enquanto há cem
anos, por um cômodo qualquer num palácio, gastava-se centenas de
florins, hoje tende-se a acusar a arte moderna de ser deselegante e
pobre, quando poderia, em vez disso, alcançar efeitos inimagináveis
se apenas obtivesse as encomendas necessárias.55

Retornando às perguntas acima, e deixadas em suspenso, uma ideia


elos consumidores elos produtos ela W iener Werkstatte pode ser deduzida
dos nomes ele seus mais famosos clientes. Além do conhecido Aclolphe

149
Stoclel os\ -aemdorfers, os Primavesis e os Grohmanns foram clientes I
e financiadore da empresa; entre outros, figuram os Wittgensteins, os
Rothschilds de I ova York e numerosas outras famílias de magnatas da
indústria; ao mesmo elenco pertencem museus, estúdios de decoração
austríacos e vienenses, arquitetos, grandes lojas de várias cidades, como
Paris e Los Angeles. Depois, entre os nomes de pessoas de relevo, os de
Arthur Schnitzler, Ida Roland, Eleonora Ouse, Alma Mahler e outros
imortalizados em retratos ele Gustav Klimt.
Que o sucesso ela Wiener Werkstatte foi devido à burguesia, pois bur­
gueses foram os seus artistas, os sócios, o seu público, é coisa sabida e,
ele resto, óbvia, dado o gênero ele luxo dos produtos, sua exclusividade
e alto preço. Porém, a palavra "burguês" não denota apenas um estrato
social, mas ainda uma postura cultural e ele gosto, geralmente conformista
e filisteia. Entre os méritos ele Hoffmann e ele Maser, e depois ele Peche
e elos demais protagonistas ela Wiener Werkstatte, está justamente o ele
haver apontado para as condições econômicas favoráveis da burguesia do
tempo, elevando, no entanto, suas preferências culturais e de gosto. E isso
ajudado pelo fato ele que na decadente Viena existia um grau notável ele
homogeneidade entre as pessoas cultas, fossem intelectuais ou burgue­
sas, ao contrário elo que se verificava nos mesmos anos em outros centros,
nos quais, entre intelectuais radicais e os burgueses filisteus existia uma
forte tensão que contribuiu para o nascimento ela vanguarda. Emblemática
desse compromisso, dessa consonância entre produtores e consumidores,
é a redução operada pelas linhas essenciais nos móveis. Como se obser­
vou justamente,

o móvel simples, ele bom desenho, desde o início não parece desti­
nado ao Arbeitwohnung (sala ele trabalho), ao interior proletário, nem
ligado, como estilo, à identidade ela classe elos menos favorecidos, mas,
como se sabe, frequentemente atraído por estilos substitutos ele outros.
E, no entanto, o interior pobre no decênio 1890-1900, vale dizer, nos
anos em que o fantasma elo socialismo rondará com mais pressão a
Europa, está presente, certamente não corno destinação real, e sim
como imagem interiorizada, na mais avançada produção burguesa, e
dela não se elimina, por assim dizer, qualquer aparência culpável56.

)
A Wiener Werkstatte estende por mais trinta anos o valor contido
nesse exemplo emblemático: se concede e concede ao seu público o
ornamento do móvel "pobre", mas a sua estrutura simplificada per­
manecerá na base do design moderno e será o símbolo daquele

150
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

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Figura 159
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1905.

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§ §

Figura 160
J. Hoffmann, talheres de prata,
1904. §

protorracionalismo do qual descendem todos os movimentos sucessivos.


Nessa óptica, a polêmica loosiana toma outra dimensão, e a distância
entre a W iener Werkstatte e a Bauhaus, como havia sido notado por
Theodor Adorno, não parece tão insuperável.
Na conclusão dessas notas sobre a famosa empresa vienense, pode­
-se dizer que ela realiza o sonho elo handicraft inglês, estendendo-o à
esfera social mais adaptada a acolhê-lo, e com base em outro ideal, o ela
obra ele arte total, que se pode também interpretar como exigência mais
moderna ele uma metodologia unitária; ela predispõe o projeto, a pro­
dução, a venda e o consumo que serão propriamente, mutatis mutandis,
elo design racionalista, com todas as perdas e as conquistas desse último
com respeito ao modelo ela Wiener Werkstatte, que retornou, sob muitos
ângulos, após a crise ela ideologia racionalista.

152
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

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Figura 161
J. Hoffmann: desenho de
relevo de poltrona com encosto Figura 162
reclinável (produção Kolu, Cadeira de balanço (idem,
1908). 1905).

153
Bauhaus

A vasta literatura sobre a célebre escola fundada por Gropius, e que


durou exatamente tanto quanto a república de Weimar (1919-1933),
parece ter examinado todo e qualquer aspecto dessa instituição e haver
tratado o assunto com todas as intenções, elo hagiográfico ao ele urna
desmistificadora pesquisa filológica. Aqui se quer examinar, no acúmulo
elos fatos sociopolíticos - a Bauhaus só se entende no contexto ela Ale­
manha pós-guerra, e daí a sua descontinuidade com eventos corno a
Werkbund, o protorracionalismo, a Sachlichkeit etc.-, somente aqueles
aspectos que dizem respeito especificamente ao design. Em particular,
quer-se estudar a questão elo design ela Bauhaus em conformidade com
os nossos quatro parâmetros. Não nos espantemos que uma instituição
didática seja vista com a mesma óptica com a qual estudamos urna
empresa industrial ou uma organização produtivo-comercial, dado que
nas próprias intenções pedagógicas ela Bauhaus estavam presentes aque­
les componentes. Em outras palavras, enquanto é possível a distinção
entre a atividade didática ela Bauhaus (a verdadeira escola da qual não
nos ocuparemos nessa matriz) e a produtiva, à qual dedicaremos as pági­
nas que se seguem, eleve-se recordar que é ela própria orientação didática
que brota a ação produtiva; estando uma e outra ligadas a uma tradição
mais antiga. Malclonaclo indica numerosos precedentes:

Entre 1900 e 1910, nasce o movimento ela Arbeitschule (escola ele-tra­


balho). Ele retorna algumas ideias típicas ela Kunsterziehungbewegung
(movimento ele arte-educação ou ele educação artística), levando-o
a consequências extremas. Por exemplo, o anti-intelectualismo. De
fato, segundo a Arbeitschule, se aprende fazendo, não lendo. Daí o
famoso slogan Arbeitsclrnle gegen Buchschule (a escola cio trabalho
contra a escola cio livro) [ ... ]. Educação por meio ela Ação, ela Arte e
cio Trabalho. Essas são as constantes que se podem trazer cio pensa­
mento pedagógico cios mestres ela Bauhaus. Eles testemunham que
[ ... ] a contribuição ela Bauhaus não nasceu ex nihilo, mas possui cla­
ras raízes no pensamento pedagógico desenvolvido entre os fins cio
século passado [xrx] e os primeiros deste [xx]; se reconhecem, por
jl
exemplo, as influências cio "movimento ele formação artística" fun­
dado por Marées e Hilclebrancl, cio "movimento ela escola ativa" ele
Kerschensteiner, cio "ativismo" ele Maria Montessori e cio "progres­
sivisrno" ele Dewey.57

154
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

Que essa pedagogia se transferisse para o


produtivismo é confirmado por vários docu­
mentos. Em algumas anotações ele Gropius,
ele 1921, lê-se:

No meu programa, a questão do traba­


lho sob encomenda é tratada de modo
bastante claro. A Bauhaus, em sua
forma atual, fica em pé ou cai [o itálico é
nosso] com a aceitação ou com a recusa
da necessidade de aceitar trabalho sob
encomenda. Em minha opinião, seria
um erro se a Bauhaus não se avaliasse
perante o mundo da realidade e se con­
siderasse uma conexão isolada. É este o
erro fundamental dos institutos de arte
tradicionais, que alimentam parasitas
para o Estado.58

Como se vê, e como o atestam outros docu­


mentos, o fato de associar a didática à
produção responde sim a uma orientação
pedagógica, mas também a uma exigência
para integrar o sustento econômico relativa­
mente modesto que a administração pública,
em Weimar como em Dessau, clava à escola,
com as rendas que essa obtinha, cedendo
modelos ou colaborando com a indústria pri­
vada. Apesar disso, se a orientação pedagógica
era a de "aprender fazendo", seria inevitável
que o acúmulo dos produtos do "fazer" pro­
curasse uma saída, tendo em mira ser um produto vendido pela indústria.
Com base no que precede (outros testemunhos sobre o produti­
vismo da Bauhaus serão citados adiante), temos o bastante para iniciar
o nosso exame daquilo que diz respeito ao campo elo design e praticado
nos laboratórios ela escola quanto aos parâmetros do "projeto, da produ­ Figura 163
ção, ela venda e elo consumo". G.T. Rietveld, cadeira em
Quanto ao "projeto", convém antecipar que, não obstante todas vermelho e azul, 1918.

as intenções técnicas e práticas (muitas vezes com êxitos modestos ou Figura 164
frustrantes), é nele que se recolhe o aspecto mais significativo de toda a M. Breuer, cadeira com braços.

155
instituição, cujo maior valor permanece, de qualquer modo, de ordem
ideativa, ideológica e cultural.
Embora em todos os laboratórios sempre houvesse, ao lado de um
artista dirigente, um técnico prático, personalidades como' Johannes
Itten, Lyonel Feininger, André Mare, Ceorg Muche, Paul Klee, Vassili
Kandinsky etc. prevaleciam não só se exprimindo pela didática e por reali­
zações como pela escultura e pintura decorativa, ou seja, em campos não
propriamente classificáveis como design, mas ainda assim com influên­
cias diretas sobre os setores específicos do design. Tanto é que a ação mais
emblemática da orientação produtiva da escola viria, mais tarde, daque­
les professores que se formaram em seu interior (Marcel Breuer) e/ou de
personalidades "menores", educadas na lógica dos processos industriais,
do trabalho em série, da funcionalidade e do preço baixo.
Um papel notável na dimensão projetiva, ao menos no período de
Weimar, foi desenvolvido pelas tendências elo pré-guerra: protorracio­
nalismo de Behrens, da W iener Werkstatte, elo expressionismo (e todos
os mestres acima citados militaram, com acentos diversos, numa dessas
correntes), do construtivismo russo e, sobretudo, da De Stijl. Tais influên­
cias foram diminuindo na passagem da escola de Weimar para Dessau.
Os projetos relativos à oficina de marcenaria em Weimar sofre­
ram fortem�nte a influência do neoplasticismo: os móveis de Erich
Dieckmann, ele Josef Albers, de Erich Brenclel, elo próprio Cropius
manifestam patentemente o seu débito com o gosto neoplástico, para
não falar da poltrona de Marcel Breuer, de 1922, que descende direta­
mente dos modelos de Cerrit Rietveld. Mais particulares são as fontes
inspiradoras dos objetos projetados na oficina de metais. Aqui, os bules,
os serviços ele chá, as garrafas e outros enfeites metálicos parecem imitar
o gosto de Behrens, de Hoffmann, do art déco, do classicismo do nove­
centos, nada concedendo à geometria clissimétrica ele De Sti;l. E, no
entanto, justamente na oficina de metais emergem as personalidades
de alguns dos melhores desenhistas da Bauhaus: Christian Dell, Josef
Knau, Otto Rittweger, Marianne Brandt, K.J. Jucker e Wilhelm Wagen­
feld, este aqui o iniciador de um gênero, o das lâmpadas, destinado a ter
um grande sucesso. A oficina de cerâmica, que não tinha sede na escola
de Weimar, estando hospedada no castelo vizinho ele Dornburg, onde
estavam os fornos e outros equipamentos, assinala, no mesmo primeiro
período do instituto, uma significativa evolução em projetos. De fato,
até 1 9 22, os produtos cerâmicos, por tipos e decorações, estão ligados
a modelos artesanais; sucessivamente, por obra sobretudo de T heodor
Bogler e Otto Lindig, eles se apresentam em formas mais simplificadas

156
Figura 165
J. Knau, aparelho de chá com
fogareiro, 1924.

Figura 166
C. Deli, serviço de chá, 1924.
Figura 167
O. Rittweger, serviço de chá.

Fl�ra1�
M. Brandt, serviço de chá e de
café, 1924.
Figura 169
M. Brandt, bule, 1924.

Figura 170
K.J. Jucker e W. Wagenfeld,
lâmpada de mesa, 1923.

Figura 171
K.J. Jucker, lâmpada elétrica de
parede, 1923.
e claramente idealizadas para responder às exigências de uma produ­
ção e consumo em série. O setor da gráfica pode ser considerado uma
espécie ele ponte entre os períodos ele Weimar e Dessau. De fato, antes
ele 1925, ainda que influenciada pelo neoplasticismo e pelo dadaísmo,
inicia-se, com obras de Laszlo Moholy-Nagy, ele Herbert Bayer ou ele
Joost Schmidt, aquela pesquisa de gráfica publicitária que trará um
aporte fundamental ela escola a esse campo; são projetados, além disso,
os 14 Bauhausbücher (livros ela Bauhaus), cuja realização se efetuará
na sede ele Dessau, em grande parte sob a supervisão ele Moholy-Nagy.
O período ele Dessau assinala o amadurecimento ele muitas expe­
riências iniciadas em Weimar e uma decisiva reviravolta em todos os
setores projetivos, seja na afirmação ele um gosto novo, seja pelo aban­
dono ele qualquer acento artesanal, em prol elo industrial.
A oficina ele marcenaria, dirigida por Marcel Breuer entre 1925
e 1928, constitui a seção talvez mais emblemática ele tais mudanças.
A introdução elo tubular em aço na elaboração ele alguns móveis, e
sobretudo em algumas cadeiras, além ele liberar o projeto ele qualquer
tendência ele gosto precedente e conferir aos produtos um caráter tipica­
mente serial e mecânico, revolucionou o próprio trabalho ele marcenaria
a ponto ele não mais se falar ele laboratório ele madeira, mas de "oficina
do móvel".
O objeto que melhor encarna tal mudança é a poltrona em tubo
ele aço niquelado, com assento, encosto e braços em tecido, que Breuer
desenhou em 1925. É curioso notar, como indício significativo da com­
plexidade da história relativa à escola, que esse modelo, quase convertido
em símbolo ela Bauhaus, não foi projetado no interior ele seu laboratório,
mas fora dele, como experiência privada de Breuer, que o concebeu e
realizou um protótipo com a ajuda de um ferreiro. Nem a mudança da
cadeira tubular e metálica se limita a esse episódio singular. Antes ele
Breuer, o arquiteto holandês Martin Stam, em 1924, havia elaborado
um modelo de cadeira com balanço59 - ou seja, com um tubo único
dobrado, ele modo a sustentar-se sem os estruturantes posteriores - alcan­
çando assim um notável grau de elasticidade. O segundo modelo do
gênero é o ele Mies van der Rohe, que o apresentou no edifício por ele
projetado no bairro ele Weissenhof, em Sttutgart, em 1927. A cadeira ele
Mies se diferencia elo modelo precedente holandês por conter os dois
tubos estruturantes em semicírculo, aos quais se ligam outros dois tubos
que funcionam como braços, assim como na cadeira em balanço ele
Thonet. O terceiro modelo com estrutura em balanço se eleve a Breuer
(1928) que, tendo feito seu o princípio pelo qual um único tubo metálico

160
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

curvado pode constituir a sustentação completa da cadeira, o corta na


altura do espaldar e dá a esse e à cadeira o caráter representativo do
móvel. Os dois primeiros, ainda inspirados em Thonet, foram realizados
com armações em madeira e a superfície interna entrelaçada em vime.
Embora posterior às cadeiras de Stam e de Mies, a de Breuer resulta (
num modelo mais aperfeiçoado e maduro, o suficiente para se conver­
ter num dos mais difundidos produtos do design doméstico. Notemos,
para registrar, que Stam e Mies estiveram ligados à Bauhaus, um como
professor (1928-1929) e outro como diretor (1930-1933).
A oficina do móvel elaborou projetos e protótipos cada vez mais
orientados pelo sentido econômico e seriado sob a direção de Josef
Albers (1928-1929) e de Alfred Arndt, este aqui até 1931. Naqueles anos
experimentaram-se cadeiras em madeira curvada e composta por vários
materiais, numa linha tornada desde então popular, mesmo que de fon­
tes diferentes da Bauhaus.
Mais contínua foi a pesquisa de projetos na oficina dos metais, em
especial no que concerne a lâmpadas. Do primeiro aparelho para ilu­
minação, desenhado por K Jucker em 1923, até as lâmpadas de mesa
de Jucker e de Wilhelm Wagenfeld e os modelos variados de Marianne
Brandt - lâmpadas suspensas no teto (1926), com trava e corda, lâm­
pada de criado-mudo Kandem (1927), "lâmpadas de globo" (1927-1928),
com braço móvel etc. - é sempre um suceder-se de protótipos que res­
pondem a uma linha unitária ele gosto e de função. A tal propósito,
escreve Wingler: "A forma elas coisas, das lâmpadas e cios objetos ele uso
é determinada sem concessões a conceitos estéticos convencionais e sem
ambição artística ele criar um 'corpo', no sentido escultural, mas tendo-se
por base exclusivamente a finalidade cio objeto e a moclaliclade técnica da
produção."60 A originalidade das lâmpadas citadas e de numerosas outras
encontra-se sobretudo no fato de estarem desvinculadas ele qualquer tra­
dição. Trata-se ele objetos cuja parte vítrea é frequentemente esférica, ou
semiesférica, enquanto a parte metálica é cilíndrica. A suspensão ao teto
é confiada a um ou mais elementos finos e tubulares. E essa redução ao
essencial, que permitiu uma produção vastíssima em série, tem só em
parte uma matriz estética: dessa vez, os designers ela Bauhaus não têm
necessidade de olhar a morfologia de De Stíjl; dão forma a um novo
mecanismo, o ela iluminação elétrica, presente desde os tempos cio art
nouveau, mas que só nos anos de 1920 parece ter encontrado o seu mais
adaptado "invólucro". De fato, esses aparelhos para iluminação não são
outra coisa senão uma forma apta para tornar seguro, cômodo e mani­
pulável um mecanismo rudimentar e, ao mesmo tempo, um objeto que

161
ocupa um espaço, um objeto
que se "mostra", um elemento
ele decoração. Assim é que a
intenção estética não falta,
mas é uma pesquisa esté­
tica retirada ela aderência,
mesmo física, ao mecanismo
funcional. Nesse sentido, por
aquilo que observamos ante­
riormente, os projetistas da
Bauhaus se diferenciam tam­
bém ele Behrens.
A oficina ele tecelagem, contrariamente à primeira exami­
nada, apresenta estudos e modelos bastante diversos nas sedes
ele Weimar e ele Dessau. Mesmo que seja com uma certa apro­
ximação, podemos dizer que ele 1919 a 1924, na elaboração
de tapetes, de tecidos ou ele objetos bidimensionais, a função
Figura 172 criativa foi confiada aos pintores, tendo-se como chefe Georg
M. Breuer, poltrona tubular
em metal e tecido.
Muche, diretor ela oficina durante todo o período ele Weimar.
Trabalhando nesse setor estiveram prevalentemente mulheres, entre
as quais se distinguiram Lies Deinharclt, Martha Erps, Gertrud Hants­
chk, Tuth Hollos, Benita Otte e Gunta Stê:ilz. A impressão artesanal elos
manufaturados desse período deveu-se não só à influência dos artistas
Muche e Klee como também ao fato ele que o instituto dispunha apenas
ele teares manuais. Em Dessau, a orientação precedente foi sensivel­
mente mudada: Gunta Stê:ilz assumiu a direção do laboratório; o tipo
de tapete foi negligenciado em proveito elas pesquisas sobre materiais e

Figura 173
M. Stam, primeiro
modelo de cadeira com
balanço, 1926.

Figura 174
L. Mies van der
Rohe, estrutura da
cadeira apresentada
pela Weissenhof de
Stuttgart, 1927.

162
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

tramas mais aptas à elaboração de tecidos adaptados para a decoração e


o mobiliário. Os teares foram mecanizados e, em geral, a linha artístico­
-artesanal foi substituída por outra particularmente atenta às exigências
ela produção industrial. Os pintores que idealizaram os cartões foram
os mais orientados nessa direção (pensemos nas contribuições ele Josef (

Albers). Entre os mais ativos nesse novo curso estavam Otti Berger, Anni
Albers, Lis Beyer e Helene Nonné-Schmiclt.
O grande desenvolvimento ela fotografia, um campo dominado
pelos experimentos de Moholy-Nagy, acabou por incidir notavelmente,
além elas aplicações nas áreas mais vizinhas, como a ela gráfica e da
publicidade, ainda na arquitetura, no teatro e em quase todos os setores
elo design elos quais nos ocupamos até agora.
Como conclusão elo item "projeto", relativo ao design ela Bauhaus,
assinale-se a complexa questão elo estilo. Como é sabido, Gropius sem­
pre foi contrário a que sua escola se caracterizasse por um sentido
estilístico; em outras palavras, que se impusesse um "estilo Bauhaus".
�as como é inevitável que qualquer ideia se traduza ou, caso se queira,
"degenere" numa forma ou que vários princípios que dão forma aos
produtos comportem inelutavelmente um estilo, assim o propósito ele
Gropius permanece urna utopia, pois, embora contra sua vontade, ela
Bauhaus brota um estilo incisivo e reconhecível e, além elo mais, para­
digmático para tantas produções elo século xx. Dissentindo em parte
dessa conclusão, Argan exprime um juízo bastante significativo sobre
a questão:

A coerência estilística, não sendo mais deduzida ela harmonia elo


objeto criado ou ele uma ideia ele belo, não era pensável ele outra

Figura 175
M. Breuer, cadeira com
balanço, em tecido.

Figura 176
M. Breuer, cadeira com
balanço integrada com
tela em madeira e vime
entrelaçado, 1928.

163
maneira senão como economia, exatidão e ausência de desperdício
mental na produção artística. Jamais existiu, e Gropius o afirmou
várias vezes, um estilo da Bahaus. Mas da coerência, ela exatidão e ela
economia mental se encontram sem falta os sinais nas obras daqueles
que, mesmo sem possuírem uma forte personalidade artística, passa­
ram por aquele perfeito mecanismo diclático.61

Para compartilhar tal juízo sobre a questão, poder-se-ia de modo


conciliador concluir que não houve um estilo a priori, pois a ele fal­
tavam os referentes tradicionais, mas quando foram substituídos por
outros - a racionalidade, a exatidão, a economia - tais conteúdos não
puderam não ser declinados em novas formas, constituindo, em seu
conjui1to, um estilo, por assim dizer, a posteriori.
Passando a examinar a história do design na Bauhaus, agora do ponto
de vista da "produção", deve-se precisar que, não se tratando de uma
verdadeira indústria, a sua atividade produtiva limita-se à de protótipos;
assim também, quando nos ocuparmos elo parâmetro da "venda", não a
trataremos com relação ao público, mas como protótipos supracitados
para a indústria. Todavia, não se podendo considerar o instituto na mesma
condição ele um estúdio ele design, mas como um lugar onde se elaboram
objetos, ainda que em forma ele protótipos, essa atividade apresenta, se
bem que pequenos, muitos problemas próprios ela produção industrial.
O primeiro desses problemas, intimamente conexo à componente
projetiva, é o ela passagem ela fase artístico-artesanal para a industrial,
que já relevamos ao examinar alguns objetos elaborados na escola em
seus vários momentos. Tal passagem não é só devida a uma renovação elo
gosto, mas também a uma evolução tecnológica, portanto potencialmente
produtiva, revestindo temas como o custo elas fábricas, a produção em
série, o baixo preço etc. Enquanto a escola sofreu a influência elo expres­
sionismo, elo experimentalismo construtivista, ela W iener Werkstatte e
até mesmo elo De Stijl, a contribuição de uma tecnologia atualizada se
podia considerar negligenciável; mas deixou ele sê-lo quando, em muitos
laboratórios, se começou a pensar em termos de unificação, de padrão, e
até mesmo em tempos ele trabalho à maneirá taylorista. Em suma, para
se proceder em direção a um "estilo Bauhaus", e para realizar protótipos
que contivessem in nuce todas as instâncias das produções industriais,
eram necessárias muitas máquinas, dada a multiplicidade dos campos
nos quais o desenho ela Bauhaus pretendia estender-se. E não bastavam
os apelos a uma metodologia imprecisa e uniforme nem os slogans elo
tipo "ela colher à cidade" face a um aparelhamento tecnológico que todo

164
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

setor requeria. A esse propósito, e como testemunho das dificuldades


práticas de produção da escola, lê-se num importante relatório redigido
por Gropius e pelo economista Necker, em 1924:

Não se trata aqui apenas de um artigo ou de alguns artigos, mas ele (

modificar-se o arco ele ramos inteiros ela produção. É claro que isso
requer uma grande quantidade ele trabalho experimental e um longo
período ele tentativas. No [ ... ] caso da Bauhaus aduz-se o fato ele que,
à diferença do que ocorre habitualmente na indústria, aqui se eleve
trabalhar sem o financiamento necessário, e o todo eleve nascer, por
assim dizer, cio nada. Os custos cio trabalho experimental foram ainda
acrescidos pelo fato ele que, por falta ele máquinas e ele equipamentos
importantes, e ainda mais importantes numa oficina experimental, se
devia produzir externamente muitas peças indispensáveis a esse mesmo
trabalho. Também as matérias-primas tiveram que ser compradas ape­
nas em quantidades muito pequenas e, portanto, não econômicas. As
receitas tiveram que ser investidas em aquisições, a fim ele criar um
aparato produtivo eficiente, e assim se perdem como capital circulante
[ ...]. O aparelhamento insuficiente elas oficinas, a irracionalidade elas
compras, a impossibilidade de se desfrutar ele condições favoráveis de
mercado não poderiam deixar ele incidir sobre o preço elas mercadorias
produzidas, criando-se assim um forte obstáculo à vencla.62

Como se vê, no interior do instituto se repropunham, in nuce, todos


os problemas da produção industrial, com o agravante de que se pre­
cisavam de fundos para a experimentação e se contava ainda com a
escassa compreensão, por parte das empresas e do público, das caracte­
rísticas inovadoras e ínsitas na proposta da Bauhaus. Tais dificuldades,
que enchem as prestações de contas, os relatórios, as pesquisas, demons­
tram, por outro lado, que a fenomenologia do design, desde a sua fase
experimental, não é tal se não responde aos requisitos do projeto, da
produção, da venda e elo consumo; uma fase, como sabemos, refletin­
do-se sobre todas as demais.
Mas o documento mais tocante sobre a dificuldade ela escola, no
que diz respeito sobretudo ao aspecto produtivo, é fornecido por um
artigo ele jornal em que se explicam as razões ela demissão de Gropius
da escola, em 1928. Nele, lê-se, entre outras coisas:

Se é verdade que a Bauhaus se encontra numa situação ele crise, a sua


crise não é momentânea, mas duradoura: desde que surgiu, outra coisa

165
não se faz senão lutar [ ...]. Hoje, a Bauhaus é, ou se propõe a ser [ ...]
um laboratório para a elaboração e a experimentação ele modelos úteis
que a indústria pode produzir em série, a um custo substancialmente
menor. A Bauhaus não produz direta, mas indiretamente, corno os
institutos ele pesquisa e os laboratórios experimentais elas universida­
des e elas grandes indústrias. Isso não significa ser capaz, como já se
desejava em Weimar, ele manter-se com o próprio trabalho, urna vez izaç
que a produção ele peças únicas ele prestígio está fora ele seu campo ele �
interesse, e a produção em massa ele mercadorias está fora ele suas pos­ ·::,

sibiliclacles, não se propondo corno missão. Portanto, a Bauhaus custa Bau


muito e, para poder trabalhar, tem necessidade ele um financiamento
notável [ ...]. Na verclacle, ele um ano para· cá os programas ele produção
sob licença cresceram consideravelmente (mais ele quarenta modelos
ela oficina cios metais são produzidos industrialmente e maior ainda é
o número ele móveis metálicos, outros móveis e produtos ela seção ele
tecelagem), mas ainda não há alguma perspectiva ele se poder conse­
guir por essa via um financiamento regular para novos experimentos.63

O articulista continua mostrando outras dificuldades, entre elas a


incompreensão elas indústrias, a ineficiência das instituições públicas,
o ostracismo elas forças políticas etc., motivos todos que induziram Gro­
pius a deixar a escola, seguido por Moholy-Nagy e Breuer.
Mas, antes ele enfrentar o problema ela venda elos protótipos, que
pareceu em várias ocasiões o único modo de superar o deficit econô­
mico e os escassos financiamentos públicos, citemos aquelas einpresas
que produziram primeiramente os modelos da escola.
Talvez o primeiro laboratório a iniciar uma colaboração externa
tenha sido o de cerâmica, caso se pense que em 1923 a fábrica ele
maiólica de Venten-Verclamm pôs em produção alguns modelos ele
recipientes cerâmicos projetados por T heodor Bogler. No mesmo ano,
no setor gráfico, o Banco Nacional da Turíngia fez estampar notas com
desenho de Herbert Bayer. Ainda em 1923, após a primeira exposição
ele todas as atividades ela Bauhaus, a empresa Schott & Gen iniciou a
produção em série ele recipientes ele vidro. Em 1926, urna empresa ber­
linense, a Stanclarcl-Mobel, deu início à produção de todos os móveis
em metal de Breuer. Nesse mesmo período, a empresa Schwintzer &
Graff, também de Berlim, começou a produção de cerca de 52 mode­
los de lâmpadas projetadas na Bauhaus, e em 1927 a fábrica Karting &
Mathiesen, ele Lípsia, principiou a elaboração em série ele uma elas peças
mais famosas nascidas na escola, a lâmpada de criado-mudo Kandem,

166
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

desenhada por Marianne Brandt. Em 1928, a cadeira com balanço, com


assento e espaldar em cana da Índia é produzida pela Thonet. Quanto ao
setor da tecelagem, por volta de 1930 a indústria Polytextil-Gesellschaft,
de Berlim, a Pausa, de Stuttgart, e a Deutsch Werkstatte de Dresden
começaram a produzir muitos tecidos, em grande parte desenhados por
(
Otti Berger. E o elenco poderia continuar com produtos menores, rea­
lizações publicitárias, trabalhos para teatro etc.
Quanto à componente "venda", comecemos por citar um artigo
significativo recolhido por Wingler em sua resenha de documentos da
Bauhaus:

Para facilitar as relações entre a indústria e a Bauhaus, foi criada uma


organização comercial do próprio instituto, que se ocupou da vencia
cios modelos a setores industriais que pudessem assumir a produção
em série e a venda. Os proventos dessa produção sob licença servem
à Bauhaus para aumentar as próprias oficinas e para recompensar o
trabalho cios estudantes ela própria oficina [ ... ]. A base financeira ela
Bauhaus, como instituto escolástico, é garantida por meios fornecidos
pela cidade ele Dessau. A indústria começa a perceber a importância
cio trabalho ele experimentação e ele projeção cio instituto, a susten­
tá-lo e dar início a uma colaboração na produção técnica ele novos
modelos e na pesquisa. Prevê-se, além disso, que as próprias oficinas
concluam contratos ele opções com os setores correspondentes elas
indústrias. A oficina se compromete a oferecer antecipadamente à
empresa com a qual concluiu um contrato o modelo ele todo produto
novo; em troca, a empresa eleve pagar anualmente uma certa soma a
título ele direito ele opção. Se o modelo oferecido à empresa não lhe
interessar, a oficina fica liberada para colocá-lo em outro lugar [ ...].
Como a um instituto-laboratório que usufrua ele financiamento oficial
deva parecer inapropriado assumir o papel ele contratante ele negó­
cios, no campo ela economia liberal, a direção ela Bauhaus sugeriu a
fundação ele uma sociedade de responsabilidade limitada, com sede
em Dessau-Anhalt; tal sociedade traz o nome cio instituto e assume a
missão de desfrutar economicamente cios modelos produzidos pela
Bauhaus, ou seja, a ele prover a sua reprodução em série com a ajuda
ela indústria privada e ele sua vencla.64

Assim, nasce em 1926 uma seção comercial autônoma da Bauhaus,


prevista desde os tempos de Weimar. Já vimos quais eram os tipos e os
modelos de objetos vendidos pelo instituto à indústria privada; vejamos

167
Figura 177
L. Mies van der Rohe, poltrona
Barcelona, 1929.

por meio de que canais e ações promocionais a Bauhaus entrou em


contato com as empresas produtoras. Uma primeira e significativa ação
nesse sentido foi efetuada por críticos de arte e consultores industriais,
entre os quais se distingue Heinrich Kõnig. Um segundo canal de pro­
moção encontra-se nas mostras, a partir daquela organizada em 1923.
Estas se articulavam em mais setores: antes de tudo, numa exposição dos
trabalhos desenvolvidos nos cursos preliminares e naqueles das oficinas
(primeira manifestação relativa ao design), assim como numa mostra
internacional de arquitetura, também essa, talvez, a primeira em seu
gênero, ambas albergadas no velho edifício projetado por Van de Velcle e
oportunamente readaptado em vários ambientes; em segundo lugar, na
construção experimental ela Haus am Horn, realizada por uma empresa
Figura 178
M. Brandt e H. Przyrembel, privada, com projeto ele George Muche, sob a direção ele Aclolf Meyer,
lâmpada móvel, 1926. e alugada pelas oficinas ela Bauhaus (outra manifestação pertinente elo
design). Por fim, numa segunda exposição de obras artísticas livres insta­
Figura 179
M. Brandt, lâmpada desatável lada no museu ela Lancl. Tudo isso era parte da mais ampla manifestação
,;, da parede, 1927. ela Bauhauswoche (a semana ela Bauhaus), incluindo-se conferências,
concertos musicais, espetáculos teatrais e uma convenção ela Werkbund.
Figura 180
M. Brandt, lâmpada de criado­
"Weimar deu a impressão de ser domínio exclusivo ela Bauhaus e de seus
-mudo Kandem, 1927. eminentes hóspedes", nota W ingler; e o jovem Gieclion, de seu lado:

168
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

"Quem quer que tenha participado, dela se recordará enquanto viver;


todo o frescor, toda a espontaneidade de um mundo a surgir foram para
os espectadores a revelação e o encanto daqueles dias. A mim pareceu­
-me ter visto pela primeira vez o universo da arte contemporânea."65
Se aquela de Weimar, a de 1923, foi a primeira mostra da Bauhaus, a
seção alemã organizada pela Werkbund para o Salão dos Artistas Decora­
dores de Paris, em 1930, pode ser considerada a última. Ainda que ele fato
estranha à Bauhaus, a presença de Gropius, na qualidade ele comissário,
e de Breuer, Herbert Bayer e Moholy-Nagy como curadores ela exposição
de produtos da indústria alemã, convertia a manifestação, mesmo que
virtualmente, numa enésima ramificação da célebre escola ele Dessau.
Além elas mostras, pode-se considerar como ação promocional a
desenvolvida pelas numerosas "festas" organizadas dentro e fora ela
escola, embora haja dúvidas se tal caráter pitoresco, às vezes impelido
até a balbúrdia goliarcla, possa ter agido como atração para a indústria
privada. Essa função foi antes preenchida pelo teatro de Oskar Schlem­
mer, uma elas imagens mais emblemáticas elo instituto, e sobretudo ela
·gráfica publicitária, que teve como assunto principal os produtos, os
temas e as pesquisas ela própria Bauhaus.
E venhamos ao último elos nossos quatro parâmetros: o "consumo"
que, mais elo que nunca, entende-se como adesão ao gosto, aquisição
e uso, por parte elo público, dos produtos derivados elos protótipos elo
instituto.
É lícito julgar-se que tais produtos não eram muito populares na
época. No clima depressivo ela Alemanha ele Weimar; nos anos ela crise
ele 1929 que, partindo da América, envolveu todos os países ocidentais;
nos anos em que na Alemanha se verificou uma notável inflação mone­
tária; e junto a um público que, por outro lado, tinha como preferência
o estilo Bieclermeier, a acolhida a móveis metálicos, a lâmpadas esque­
máticas e a enfeites mais adaptados a ambientes ele trabalho do que
domésticos foi fria e, com frequência, hostil. A intenção ele tornar bai­
xos os preços jamais foi completamente alcançada, não existindo uma
serialiclacle produtiva adequada; ele outro lado, ainda que modestos, os
preços eram, mesmo assim, altos para uma população que só a custo
podia ter acesso aos gêneros ele primeira necessidade. A própria demissão
ele Gropius, em 1928, motivada por razões conhecidas, pode também ser
entendida a partir da sua decisão ele ocupar-se menos com a didática e
o design e mais com a arquitetura, com a temática elas casas populares
e elas Síedlungen (núcleos habitacionais), julgadas mais convenientes
com as demandas e necessidades primárias elo público.
O design teve um certo sucesso, mas este não é mensurável pela
perspectiva da venda, ainda que unido à seção escolástica do instituto e à
contribuição que essa última deu ao campo da arquitetura e do teatro. E
isso não apenas pelos motivos vistos antes, mas antes, e sobretudo, porque
o público foi atraído por outros aspectos mais imediatos ela instituição do
que pelos mais laboriosos e menos explícitos experimentos de design -
por sua sede arquitetônica, a seção de teatro, os balés de Schlemmer, as
experimentações fotográficas de Moholy-Nagy, a gráfica publicitária etc.
(que, de outro lado, concordava melhor com aquela insólita comuni­
dade, às vezes anárquica e pitoresca, ele mestres e alunos). Esse aspecto
da escola, que alguns lustros mais tarde seria melhor apreciado, não o
foi suficientemente durante os anos em que ele, de fato, se realizava.
De resto, se o setor do design reclamava maiores esforços elos dirigentes,
administradores e artífices, revelando-se a questão mais complexa do ins­
tituto, com escassa propagação exterior, notemos que nos mesmos anos
Le Corbusier ainda não falava de "design", mas usava o circunlóquio. ele
"arte decorativa sem decoração", e então se compreende plenamente o
fato de que o público estivesse muito pouco informado.
A Bauhaus, não obstante as centenas ele dificuldades econômicas, a
indiferença das instituições oficiais, os contrastes entre seus dirigentes e
os políticos, os dissídios entre professores, as adversidades partidárias de
direita e de esquerda66, foi o grande fenômeno cultural que todos sabe­
mos, mas a sua contribuição direta ao design, especialmente sob a óptica
elo presente estudo, foi inferior àquela que mais tarde se considerou. A
seção de design da escola, apesar de todas as tentativas de integrar-se ao
mundo ela produção e ele constituir até mesmo uma organização de ven­
das, teve resultados muito inferiores aos esperados e, de qualquer maneira,
não correspondentes às energias empregadas. O design da Bauhaus per­
maneceu uma questão interna da escola, um fenômeno recluso, contra
sua vontade, num âmbito elitista. Isso em relação ao seu próprio tempo;
e quando universalmente acolhido, depois ela guerra, revelou-se envelhe­
cido e anacrônico. Frente às novas circunstâncias históricas, às exigências
do novo ambiente, no qual os maiores expoentes do instituto se estabele­
ceram, aos novos processos tecnológicos, à própria demanda do público,
desde então condicionado, para o bem e para o mal, pela "cultura de
massa", todos os componentes do design ela Bauhaus se reduziram apenas
à dimensão "projetiva", ainda que de grande relevo e de fato insuperável.
Nascida com intenção realista, a Bauhaus (setor produtivo) con­
verteu-se num movimento ideal, se não propriamente ideológico, pelo
que se disse e se escreveu no intento ele oferecer uma interpretação

170
{

Figura 181
G. Stõlz, tapete de parede,
1927.
dos fatos ou com a pretensão de descobrir como
eles se desenvolveram. Mas, ainda que ideológico,
a Bauhaus permanece o maior ponto de referên­
cia em direção ao qual ou contra o qual moveu-se,
sucessivamente, toda a cultura do design.

O Caso de Ulm

Se o discurso sobre a Bauhaus pode ser traduzido para


os q1,.iatro parâmetros do nosso esquema, o mesmo
não se pode fazer com outras escolas de design ( ou
em grande parte a ele cleclicaclas), como o Vkhute­
mas, o instituto mais próximo da Bauhaus, surgido na
PAOOUKTION UNO VERTFIIE8:
URSS nos anos imediatamente posteriores à revolução,
STAN DARD-MC>BEL
LENGYEL & CO. e a Hochschule für Gestaltung de Ulm, pois foram
BERLIN W 62
•UAOO�AFIN8TAAIIE8 quase que exclusivamente instituições didáticas.
Ainda assim, a contribuição da escola de Ulm,
que nasceu na Alemanha em 1955, após as tentativas de instituições do
tipo Bauhaus efetuadas na América, às quais faremos referência mais
adiante, é muito importante para ser negligenciada, mesmo numa obra
como a nossa, que não se ocupa do aspecto pedagógico do design. Toda­
via, o "caso Ulm" se coloca numa posição excêntrica, considerada a
construção cronológica ela nossa história, na qual os acontecimentos
nacionais são tratados no momento de sua maior emergência: a Ingla­
terra da Revolução Industrial e da era vitoriana; a Alemanha no arco
de tempo que vai da Werkbund à Bauhaus, a França do art déco, a
América do styling e do Estilo Internacional, a produção escandinava
dos anos ele 1950, o advento do design italiano da segunda metade do
século xx. Ele é excêntrico inclusive com respeito à construção de nossa
história pelas próprias matérias de ensino que se avizinhavam daquelas
mais tradicionalmente "técnicas": a história ela cultura, a cibernética,
a teoria da informação, a teoria dos sistemas, a semiótica, a ergonomia
etc., disciplinas todas elas atuais, que levariam o discurso sobre a escola
ele Ulm para o capítulo conclusivo do livro. No entanto, embora essa
escola, por uma série de motivos, se coloque num quadro de cultura
internacional, por outros aspectos é de tal forma vinculada à Alemanha
Figura 182
Página publicitária da empresa
que não se pode enquadrá-la a não ser no presente capítulo, dedicado
Standard Mõbel. à história alemã, e logo no ponto que se segue ao discurso da Bauhaus.

172
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

ulm
(

ulm

Essas premissas e algumas indicações que daremos sobre a Hoch­


schule für Gestalhmg não servem apenas para fazê-la entrar na organização
expositiva do livro, mas valem também para advertir sobre algumas
"anomalias" próprias das concepções e da condução do instituto: con­
tinuidade e diferenças a respeito da Bauhaus, o caráter ocasional ele sua
fundação, dissensos no corpo docente, orientação científica e socialista
ela escola numa Alemanha que organizava a sua reconstrução sob o
modelo produtivista norte-americano etc. Queremos dizer, com toda
a admiração por esse último experimento de construção de uma nova Figura 183
N. Kurtz, elaborado para o
escola de design, que muitos obstáculos por ela encontrados, e que
curso de comunicação visual,
por isso reduziram a vida institucional a somente treze anos, estavam 1964.

173
potencialmente contidos em sua concepção e, de qualquer modo, em
seu anacrornsmo.
Nascida ela Fundação Irmãos Scholl, desejada por Inge Scholl,
em memória de seus irmãos, Hans e Sophie, mortos pelos nazistas
em 1943 em razão ele suas atividades na resistência ela Rosa Branca, a
escola, desde a sua criação, se encontra perante uma série de nódulos
problemáticos. Escreve Tomàs Malclonaclo, o maior protagonista ela
experiência:

Na HÍG daqueles anos (1955-1956), admite-se a tese ele continuação


da Bauhaus, mas se recusa a entendê-la em termos ele simples res­
tauração. Concorda-se com a Bauhaus, mas só depois ele uma severa
verificação da atualidade ou ao menos ele seus pressupostos didáti­
cos, culturais e organizati;os. Essa exigência, porém, põe a nu uma
situação bastante anômala e, certamente, paradoxal: já existe em fun­
cionamento um excelente edifício com salas, laboratórios e oficinas
perfeitamente aparelhadas, já existe um primeiro grupo de docentes
e estudantes e agora se descobre que a validade cio modelo esco­
lhido - a Bauhaus - ainda está para ser aceita. A ambiguidade ele tal
situação determina um clima ele impaciência e até mesmo ele sofri­
mento recíproco entre os seus protagonistas. Primeiro, nascem os
contrastes entre Bill e os colegas mais jovens: O. Aicher, H. Gugelot,
T. Maldonado e W. Zeischegg. E por diversas razões, entre as quais
diferenças ele caráter, esses contrastes em breve se fazem insanáveis,
até que, em 1956, Bill deverá abandonar o cargo de reitor.67

Assim é que Max Bill, projetista da sede ela escola, ex-aluno ela Bauhaus
e extremo defensor ela gute Fonn (boa forma), em oposição ao stylíng
norte-americano, defensor convicto da linha de continuidade com
Gropius, vê-se constrangido a abandonar o instituto. Sendo breve, a
contribuição cios seus mais jovens colegas esteve na transformação
progressiva elo Gnmdkurs (curso básico), comum a todos os ramos ele
especializações, num outro que, desde o início, já orientava os alunos
para os diversos tipos ele laboratórios ou oficinas; uma segunda mudança
radical foi a introdução daquelas novas disciplinas, já anteriormente
mencionadas, que atraíam os maiores especialistas do tempo para breves
cursos integrativos; uma terceira inovação, conexa a essas novas expe­
riências epistemológicas e científicas, foi a divisão ela escola em dois
grandes filões: o ele projetos ele produtos e o ele projetos ele comunica­
ção. Embora sobre outras bases, a Hfc retomou ela Bauhaus a relação

174
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

colaborativa com a grande indústria, e com tal finalidade que se recorde


a profícua colaboração da escola com a empresa Braun.
Deixamos de lado outros acontecimentos culturais e didáticos para
afrontar o início da crise da escola, prescindindo elos erros de avaliação
ele seus dirigentes, mas tocando em temas mais gerais ela didática e da
cultura do design. Quanto aos erros de avaliações sociopolíticas, é bas­
tante esclarecedor aquilo que ainda se extrai dos escritos de Malclonaclo.
Este aqui, num artigo em que comenta um ensaio ele 1958, publicado na
revista Ulm, com o título "Neue Entwicklung in der Industrie und die
Ausbildung eles Produktgestalters" (Novo Desenvolvimento ela Indústria
e a Formação dos Criadores ele Produtos), nota:

O presente texto expressa, melhor do que qualquer outro aqui publi­


cado, as contradições nas quais me debatia, junto com todos os colegas
da ttfG, naquele primeiro período de nossos experimentos em Ulm.
Aquela época coincide, na Alemanha, com a fase mais progressiva da
assim considerada "era Adenauer": os anos em que, com o apoio dos
Estados Unidos, a Alemanha se iniciava no neocapitalismo. Aquilo
que a indústria alemã queria de nosso instituto não era muito diverso
cio que havia pretendido ela Bauhaus quatro decênios antes: contribuir
para a criação de um álibi vagamente cultural ao programa produ­
tivo. Estávamos conscientes disso, mas nos iludíamos [ ... ] que fosse
possível fazer convergir os interesses produtivos cio capitalismo nas­
cente com os interesses cios usuários. O que se revelará mais tarde um
grave erro de avaliação. No momento em que tomamos consciência
e adotamos uma atitude de denúncia, quase ele revolta [ ...] o destino
do nosso instituto estava marcado. Dali ao escândalo cio fechamento,
em 1968, não houve senão um passo.68

Com efeito, não obstante todos os limites dessas previsões, do ponto


de vista sociopolítico, a maior colaboração da Hfc foi a escolha da assim
chamada "consignação alternativa", isto é, a de privilegiar o produto
industrial ele uso público em comparação com o ela propriedade privada,
objetivo constante, no campo elo design, da parte ele técnicos ele esquerda.
De nossa parte, no debate que se seguiu ao fechamento de Ulm,
atribuído às causas mais disparatadas, até o manifesto Bauhaus Weimar
Exodus· 1 - Hochschule {ür Gestaltung Ulm Exodus 2, redigido por profes­
sores e alunos como declaração de fechamento, no qual são denunciados
como coveiros ela escola a própria Fundação, os círculos conservadores
da cidade de Ulm, os membros do parlamento de Baclen-Württenbeg,

175
e até o governo federal ele Bonn, elevemos reter que os limites ela Hfc
(assim como ela Bauhaus e elo Vkhutemas) são, substancialmente, os ela
difícil, senão impossível, coexistência com outras instituições escolásti­
cas tradicionais. Portanto, em nossa opinião, o melhor julgamento sobre
o fim dessa escola é expresso por um autor insuspeito, Claude Schnaiclt:

É surpreendente constatar a existência ele uma profunda analogia


entre as características e a história cios três institutos: a Bauhaus, o
Vkhutemas e a HÍG. Essas três escolas surgiram a partir ela hipótese
ele que certos profissionais, que até aquele momento ensinavam e se
exercitavam isoladamente, tinham um substrato comum: vale dizer, o
ato ele projetar e organizar a vicia material cio homem. Trata-se ele fun­
ções que se afastam cio âmbito tradicional ele arquitetos e projetistas e
que só podem ser enfrentadas com o esforço comum: a formação des­
ses grupos profissionais eleve, portanto, fundamentar-se sobre noções
científicas interdisciplinares e sobre grupos ele trabalho igualmente
interdisciplinares [ ... ]. Graças às suas características ele rnarginali­
clacle, ele flexibilidade e ele independência administrativa [ ... ] essas
três instituições puderam realizar algumas novidades importantes
[ ...].Elas se situaram no ponto ele encontro entre pensamento e ação,
entre arte e ciência, entre proveito individual e interesse público. Por
isso foram sacudidas por contradições internas e discórdias que as
fizeram suspeitas. Foram escolas em movimento contínuo e, corno
não cessavam ele se transformar, nunca estava muito claro o que eram
e o que queriam. Não mais escola ele arte decorativa nem instituto
politécnico, nem academia de belas-artes nem escola de arquitetura;
pareciam bastardos incapazes ele se enquadrar nos compartimentos
previstos pelo sistema escolar vigente [ ...]. Isso explica por que havia
uma obstinação em dois pontos: que essas escolas anormais fossem
anexadas a organismos já existentes ou que fossem pura e simples­
mente fechadas para evitar qualquer clupliciclacle.69

O autor citado prossegue afirmando que "só um povo clono ele seu
próprio destino poderá desfrutar a herança dessas instituições". Aqui
queremos concluir num sentido mais realista. As escolas ele design
podem integrar-se em instituições já existentes onde o seu experimen­
fa
talismo paga o preço ela burocratização ou instituir-se como organismos
privados, nos quais a sua diversidade paga o preço elas leis elo lucro e
ela lógica ele mercado. Uma terceira via, a ela experiência histórica, não
parece ainda ter agido.

176
4.
ALEMANHA-ESTADOS UNIDOS (1900-1929)

Retornando à Hfc, agrada-nos fechar o assunto com uma observação


de Giovanni Anceschi, ex-aluno de Ulm, que, notando quantos protago­
nistas dessa escola depois trabalharam na Itália, influenciando o nosso
design, escreve: "Dramatizando um pouco se poderia quase arriscar e
afirmar que foi a Itália que exerceu para Ulm o papel representado pelos

...
Estados Unidos para a Bauhaus."7°

/., Figura 184


HfG de Ulm, departamento
de desenho industrial, bocas
de mangueiras de bombas de
gasolina, 1964-1965.

/�
Figura 185
HfG de Ulm, N. Roericht,
vasilhame, 1959 (tese de
formatura).

r .. . 1 �1.- i T 1
l1·Sr171
J
-l�
� é
í \L)
T Figura 186
HfG, desenho analítico de um
ventilador de mesa projetado
,� �1 pela empresa Braun.

Figura 187
T. Maldonado e R.
Scharfenberg, escavadora,
1964.

177
5,
(

A MAIOR CONTRIBUIÇÃO DADA PELA FRANÇA À HISTÓRIA DO DESIGN FOI


um vasto e imitado movimento do gosto, o art déco, e o contributo teórico
ele seu maior arquiteto. O movimento tornou impropriamente o nome
da Exposição Internacional das Artes Decorativas, ocorrida em Paris, em
1925. A impropriedade está, em primeiro lugar, na cronologia dos eventos.
A grande mostra de arte aplicada foi idealizada em 1907 (ano da funda­
ção ela Werkbuncl), projetada em 1913, transferida em razão da Primeira
Guerra Mundial para 1922 (quando a W iener Werkstatte fazia escola há
quase vinte anos) e, finalmente, realizada em 1925 (quando Gropius inau­
gurava a sede ela Bauhaus em Dessau). Retroagindo-se a esses episódios
basilares elo design europeu, o art déco parece um fenômeno anacrônico
se o datarmos de 1925, data ela exposição, que não está considerada corno
o início da tendência, mas antes corno seu ocaso. De fato, as pessoas, as
ideias, os produtos, as manifestações, que em seu conjunto constituíram
o movimento mais tarde chamado de art déco já se encontravam ativas
na primeira década elo século xx, e o próprio movimento, como vere­
mos, foi uma síntese de todos os eventos franceses elo mesmo decênio: ela
vanguarda figurativa do cubismo e elo fauvismo aos grandes espetáculos
internacionais, assinalaclamente os balés russos ele Diaghilev, elas inova­
ções tecnológicas no campo automobilístico e aeronáutico à indústria da
moda, que justamente naquele ano alcançava sua fama internacional.
Corno sinal ela situação econômico-produtiva que faz pano ele fundo
ao nascente art déco, que se recorde que já no último quarto elo século
XIX a França sentiu os efeitos dos sucessos ingleses e alemães.
Apesar da antiga tradição, da fama de seu passado artístico,
do atrativo das grandes exposições, do triunfo da arquitetura
dos engenheiros, a indústria e o comércio das artes aplicadas
não eram páreos para a concorrência dos demais países euro­
peus. Numa pesquisa de 1899, desenvolvida por M. Vachon,
Pour la défense de nos industries d'art (Pela defesa de nossas
indústrias de arte), solicitada pelo governo francês para estu­
dar o movimento didático e comercial das artes decorativas
na Europa, constatava-se uma condição de grave penúria da
França nesse campo. Os antigos centros de Toulouse, Limo­
ges, Nimes, Alençon, Lille e Reims, especializados nos vários
setores das artes aplicadas, demonstravam estar em forte crise e
atribuíam sua causa à ausência ou à desorganização da instru­
ção artística. Além disso, constatava-se que, mesmo depois da
derrota francesa na guerra contra a Prússia, isto é, no período
entre 1872 e 1879, a exportação de manufaturados artísticos se
havia mantido constante, decrescendo sensivelmente nos anos sucessi­
vos, justamente quando a organização alemã, transformada de militar
ein civil, havia começado a funcionar. À parte tais considerações eco­
nômicas, recorde-se que o art nouveau francês, apesar da presença ele
artistas importantes, como Hector Guimarcl, Emile Gallé, Louis Majo­
relle, Emile André, Georges de Feure, Eugene Gaillarcl e Colonna, foi
inferior às tradições artísticas elo país, não teve os mesmos resultados do
Jugendstil e da Secessão vienense, tanto que a própria Exposição"Uni­
versal ocorrida em Paris, em 1900, foi considerada por muitos o fim elo
art nouveau.
Nos primeiros anos do século xx, Paris "projeta" o art déco, uma
curiosa mistura de motivos e de estilemas derivados de várias fontes. A
primeira e, por assim dizer, a mais sólida é a do "ramo" geométrico elo
art nouveau, caso se pense na obra de um Mackintosh; se conecta ao
protorracionalismo austríaco, em particular na atividade de Hoffmann.
A relação morfológica entre a obra elo mestre vienense e a elos artistas
do art déco foi eficazmente estabelecida por Paolo Portoghesi:

O estilo de Hoffmann se forma somente depois do "encontro fulmi­


nante" com Mackintosh [ ...].Já nas primeiras obras de Hoffmann
aparecem alguns temas que caracterizam o gosto dos anos de 1920;
além ela escansão cios ângulos, que será retomada por Dufet, Mallet­
Stevens, Lepape, Ruhlmann, Jourclain, Chauchet-Guilleré e por

180
5.
O ART DÉCO E LE CORBUSIER

desenhistas elo ateliê Martine, diretamente ele Paul Poiret,


/�
recorde-se a simplificação geométrica elas figuras encaixadas
-- ;··►1
num requadro elo edifício Stoclet, com o motivo caracterís- �:�: .,,....,( ...
tico ela corbelha e a composição simétrica, com volume e ... ',� .-◄) ·. 1
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deslizante, ela torre do mesmo edifício, uma antecipação '----
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significativa elas cúspicles elos arranha-céus de Nova York. O •◄ .�.-i ,,
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próprio Hoffmann está entre os primeiros a usar, na sala ele t,- "· • .,. ,,_ l I
exposição ela W iener Werkstatte (na Exposição de 1925), o

"•
' "'-. "1 •·
.

·1·1�
'
motivo elas molduras em degraus que, repetidas como eco,
ressaltam a forma de um espelho ou a ele uma porta e, ele
maneira mais leve, o perímetro elo teto. Na produção da
Wiener Werkstatte foram sistematicamente antecipadas fór-

-
mulas compositivas, destinadas a difundir-se nos anos ele
1920: uso ele formas geométricas elementares, sua combina-
�i�:l-1-.
� �,.,;.
ção com efeito decorativo, pesquisa ele vibrações luminosas
ela matéria, por meio de modelagem; o jogo elos quadrados
e dos tabuleiros, aquela predileção, provavelmente ele natureza sim­ Figuras 188-189
(página ao lado) L. Bakst,
bólica, pela forma geométrica mais elementar, que valeu ao mestre traje para O Pássaro de Fogo,
vienense o irônico apelido de "Hoffmann a quadros".' de Stravínski (191 O) e (acima)
para o balé Dafne e Cloé, de
Ravel (1912).
Menos tradicionais, no sentido de que não proveem das escolas de
arquitetura e de artes aplicadas, são as fontes do art déco extraídas ela Figura 190
A sala do cabaré Fledermaus,
vanguarda figurativa: elo cubismo ele faz derivar a redução elos obje­
desenho de Hoffmann.
tos e de imagens a geometrismos; do fauvismo, o sentido explosivo e

e IOIOIGIII 0 11111
Figura 191
F. Jourdain, projeto para quarto,
1920.

Figura 192
J. Klinger, publicidade gráfica,
1913.
5.
O ART DÉCO E LE CORBUSIER

decorativo das cores primárias; do futurismo, o dinamismo e a veloci­


dade, ou melhor, os signos deixados pela passagem de um objeto em
movimento; do orfismo, os motivos elas decorações circulares e colori­
díssimas. Notemos que essas ligações com a vanguarda, entendida neste
nosso exame sobretudo como motivo de inspiração morfológico-decora­
(
tiva, se encontram também nos designers racionalistas, que lhes interessa
ele modo a produzir em série, ou seja, como contribuição construtivista
e conformativa. De todo modo, permanece o fato ele que o art déco e
o racionalismo tiveram o seu maior ponto ele tangência justamente no
interesse comum que nutriram pela vanguarda figurativa.
Outra celebrada fonte elo art déco foram os balés russos de Diaghi­
lev, mostrados em Paris ele 1909 a 1914, e mais ainda a sua cenografia,
obra de Léon Bakst. Este, especialmente no balé Scherazade, preparado
para 1910, fez explodir em toda a cena uma orgia ele cores próxima, em
muitos aspectos, daquela elos Fauves, que não tardou a ser retomada
nos objetos, ambientes e decorações, tratados por artistas franceses mais
tipicamente ligados ao gosto art déco.
Passando a fontes mais heterodoxas ela tendência, um lugar ele
relevo é o elo alfaiate Paul Poiret. Esse é definido por Veronesi como

uma personagem-chave dos anos 1910 e depois dos 1920, em torno


de quem se movem as máquinas da alta-costura, ela arte decorativa e
ela munclaneiclade parisiense [ ...]. Paul Poiret detestava o cubismo,
Picasso detestava o rigor da forma [ ... ]. Foi ele quem difundiu o
hábito cio paletó de corte masculino [ ...] foi ele quem criou, mais
tarde, a moela para a jovem esportiva e ainda foi ele quem transferiu
para o mundo ela moela o gosto aceso pelas cores vivas que, a partir ele
Bakst, se havia divulgado rapidamente em todos os campos ela deco­
ração: para a casa, a roupa, os cartazes e o palco. 2

Mas, ainda que não fosse evidente pela forma de seus produtos, o
próprio Poiret nos oferece um testemunho direto ela influência que sobre
ele exerceu a W iener Werkst�itte:

Em 1910, visitei em Viena e em Berlim todas as exposições ele arte


decorativa e conheci alguns cios maiores artistas, como Hoffmann,
criador e diretor ela Wiener Werkstatte, Karl Witzma [ ... ] Muthesius,
Wimmer, Bruno Paul e Klimt. Encontrei em Berlim uma turma ele
�t.
arquitetos inovadores [ ...]. Passei jornadas inteiras a visitar interiores
modernos, construídos e decorados com uma tal contribuição ele

183
novas ideias, como jamais havia visto entre nós [ ...]. E sonhei criar
na França um movimento de ideias capaz de renovar o mobiliário e
a decoração da casa [ ... ]. Fui propositadamente a Bruxelas para visi­
tar o edifício Stoclet.3

Voltando a Paris, Poiret abriu uma escola de arte decorativa, o ateliê


Martine, e ali chamou para colaborar artistas como Raoul Dufy, Georges
Lepape, Paul Iribe; mas o que mais conta é que conseguiu verdadeira­
mente criar um novo movimento de ideias relativamente à decoração
da casa, tornando-se um cios principais expoentes do art déco.
A atividade de Poiret atesta, porém, a existência de um movimento
das artes decorativas na França, anterior à data da famosa exposição, e
o próprio fato se evidencia pela instituição ele um Escritório de Ligação
Entre Arte e Indústria que, em decorrência ela futura mostra, tentara
constituir uma espécie de Werkbuncl francesa entre 1920 e 1924-
Que existisse uma forte continuidade entre o art déco antes e depois
da guerra, o confirmam algumas notas que a mão habilidosa de Giulia
Veronesi traçou com sabedoria. Partindo cio confronto entre os balés rus­
sos ele Diaghilev do período pré-guerra, e os bailes negros cio pós-guerra,
unindo-os, por sua vez, à escultura africana que alguns anos antes havia
inspirado Picasso, Matisse, Modigliani e outros, e ao jazz, ela escreve:

Paris frequentava os primeiros bals negres, o jazz substituía pouco a


pouco o violino cigano, e o charleston, o tango; antes mesmo que
Joséphine, estupenda mulata de vinte anos, viesse completar o qua­
dro em 1925 [ ...]. E, mais urna vez, todo o aspecto "decorativo" da
vida parisiense e de sua arte foi tocado, a começar pela moda [ ... ]
e Gabrielle Chanel, dita Coco, após a guerra, assumindo o preceito
da simplicidade, começará a fazer sombra a Poiret, que permanecia
o alfaiate cio luxo, assim como Mallet-Stevens, arquiteto, com suas
casas cubistas, começarei a fazer sombra a Perret, o arquiteto prefe­
rido da alta burguesia.4

É fato que o art déco, cujos maiores expoentes foram Jacques-Emile


Ruhlmann, René Lalique, M. Dufet, Francis Jourdain, Louis Süe e
André Mare, Lepape, Iribe, Chareau, Pierre Legrain, Jean Poiforcat,
Erté, artistas cio ateliê Martine, apresenta uma iconografia bastante rica,
e muitos de seus estilemas aparecem quase invariantes na variação das
aplicações: um mesmo motivo - o ela redução geométrica, o da estrutura
escalar, da fonte esguichante, da forma em zigue-zague, objetos tratados

184
5.
O ART DÉCO E LE CORBUSIER

com cores puras, perfis curvilíneos em planta ou alçados etc. - encon­


tra-se indiferentemente numa conformação arquitetônica, no volume
de um móvel, na forma de um objeto de uso, no traçado de um jardim,
no desenho de um tecido etc. Mas, para além dessas anotações descri­
tivas, vale a pena deter-se numa pergunta central: até que ponto e por
(
quais aspectos o fenômeno do art déco pertence à história do design?
Tentemos responder utilizando o nosso esquema dos quatro parâmetros.
Que esse momento do gosto fizesse parte, apesar de sua formação
híbrida, de um "projeto" mais geral, parece fora de dúvida. Comprovam­
-no os esforços dos organismos oficiais da administração e da indústria
francesas para encontrar uma linha produtiva que permitisse competir
com outros países, e aquelas iniciativas privadas que, deixando de lado
qualquer nacionalismo, tentaram ao menos importar o que estivesse se
projetando e se produzindo em outros lugares (a de Poiret é apenas a
mais conhecida dessas tentativas). Que coisa antevisse tal projeto tam­
bém é evidente: faltando uma estruh1ra produtiva comparável, a França,
enquanto tenta criá-la, aposta na força elas ideias, na continuidade da tra­
.clição, nas instituições pessoais; numa palavra, tem em mira mais o caráter
artístico da produção cio que sua industrialização, de onde a validez ainda
do artesanato e daquele sentido decorativo que cativa o público, mais cio
que outros valores cio produto industrial. Mesmo os aspectos morfológicos
do projeto resultam claros: já indicamos, ainda que brevemente, as fon­
tes, descrevemos a estrutura, sugerimos os invariantes e as articulações.
Mais problemático do que a "forma" é o "conteúdo" do projeto art
déco, que além disso assume outros valores com referência ao conceito
de "moderno". Como já se observou,

para sepultar os resíduos desvitalizantes ela arte e cio gosto burguês oito­
centista, para cortar os pontos ele inércia elas tradições acadêmicas, duas
experiências deram a sua contribuição claramente diferenciada, dois
tipos ele modernismo: aquele rigoroso e intransigente do Movimento
Moderno, que postulava a morte ele qualquer decoração e simplificação
a todo custo, e aquele mais indefinido e cordial do "estilo moderno"
que, antes ele sua última derrota, em fins cios anos 1930, tentou contra­
por aos estilos cio passado um estilo dotado de um repertório decorativo
próprio, ele uma linguagem comunicativa própria, semelhante nas fina­
lidades e nas estruturas aos demais estilos que o precederam5.

A este segundo tipo ele modernismo pertenceria, naturalmente, o art


déco. Essa distinção, de indubitável eficácia didática, é correta para

185
Figura 193
Dominique, cadeira estofada,
1925.

Figuras 194-195
Duas poltronas de J.E.
Ruhlmann.
ef

Figura 196
L.M. Boileau, pavilhão dos
grandes magazines Au Bon
Marché, na exposição de 1925.

Figura 197
A. Laprade, pavilhão dos
grandes magazines do Louvre
na exposição de 1925.
quem, como nós, considera o Movimento Moderno não limitado apenas
ao racionalismo, já que compreende todas as poéticas da arquitetura,
do design, das artes visuais (portanto, do art déco) que se sucederam do
final do século XIX até hoje, com a prevalência ora de um verdadeiro ou
presumido rigor, ora com momentos de afabilidade; ora com um lado
racional, ora com o lado "visceral" da vanguarda.
No que diz respeito à componente produção, aqui está o ponto
mais problemático para a análise do art déco como fenômeno de design.
Quanto às instituições, a velha Union Centrale des Arts Décoratifs,
nascida em 1864, apoiou inicialmente artistas e empresas, cujos manu­
faturados se inspiravam na tendência de que nos ocupamos. Em 1907,
surgiu a Société des Artistes Décorateurs6, que todo ano organizou seu
próprio Salão de exposição, mais diretamente ligada à produção; é uma
instituição que atuou na França antes do que em outros países. As grandes
lojas de departamentos, ao lado da divisão de venda, abriram laboratórios
artesanais, ou ateliês, para a produção exclusiva de móveis e de objetos
decorativos. Entre as mais importantes, que se recordem: o ateliê La
Maítrise das Galerias Lafayette, dirigido a partir de 1921 por Maurice
Dufresne; o ateliê Primavera dos magazines Printemps, dirigido por René
Guilleré; o ateliê Pomone dos magazines Au Bon Marché, dirigido, a
partir de 1923, por Paul Follot; o ateliê Stuclium elos magazines elo Lou­
vre, dirigido por uma equipe formada por Kohlmann, Djo Bourjeois e
Max Vibert. Essas significativas instituições, que associavam produção e
venda, foram auxiliadas por outros ateliês geridos diretamente por artis­
tas que, investindo capitais próprios, se faziam, desse modo, produtàres.
Louis Süe, que em 1912 havia aberto o ateliê Français, depois da guerra se
associa a André Mare para fundar a firma Compagnie des Arts Françaises
que, valendo-se da contribuição de numerosos outros artistas e artesãos,
apoia-se na Wiener Werkstatte, apesar de os produtos da empresa se terem
difundido com o binômio Süe e Mare. Desses laboratórios privados, o
mais célebre permanece o já mencionado Martine, fundado por Poiret
em 1911. Um lugar à parte nesse quadro produtivo cabe a Francis Jour­
clain; é sua, como recorda Veronesi,

urna elas primeiras experiências que tiveram lugar na França para


estabelecer um elo e uma passagem elo artesanato produtor de "peça
única", ao pseudoartesanato ele série, no qual se anunciava e se demons­
trava a exigência da produção industrial do objeto útil. Francis Jourdain
projeta móveis econômicos para pequenos ambientes das novas casas,
utilizando racionalmente o espaço, e reduzindo a decoração ao simples
5.
O ART DÉCO E LE CORBUSIER

desenho de seus espaços "internos". Passa, portanto, à produção de


fábrica (com 130 operários), especialmente para móveis componíveis
e intercambiáveis, os primeiros projetados na França.7

Orientado numa direção oposta, para o artesanato de grande luxo, i!


Jacques Emile Ruhlmann é o maior dos moveleiros franceses da época;
todavia, no que diz respeito à sua organização produtiva, fala-se do "esta­
belecimento Ruhlmann e Laurent".
Mas se os citados são fenômenos produtivamente mais significativos
(ao lado da "indústria" de móveis houve outros qualitativamente bas­
tante valorizados, de vidros, metais, cerâmicas, artes gráficas), não é fácil
vencer as resistências que se opõem para se fazer entrar as manufaturas
art déco no complexo do design. E isso não porque os sistemas produtivos
dos objetos ligados a esse estilo fossem substancialmente artesanais -
atributo que, como já afirmamos, não é incompatível com a ideia de
design-, mas porque as instituições e organizações mencionadas segui­
ram, geralmente, uma lógica ocasional e descontínua: os alfaiates se
·fizeram tapeceiros; os perfumistas, produtores de enfeites; arquitetos,
moveleiros e cenógrafos trabalharam isoladamente e por comissão. De
outra parte, é perfeitamente compreensível que, como se mencionou, o
movimento das artes aplicadas francesas, tendo perdido a oportunidade
de criar estruturas produtivas semelhantes à do rival alemão, procurasse
preencher a lacuna apostando na "modernidade" não tanto organizativa
e industrial, mas artística e inventiva; não só a uma quantificação que
não se entregasse à produção em série, mas ao reconhecimento de um
estilo capaz de dar forma e unificar grande parte dos objetos de uso,
da arquitetura à moda. Com tal finalidade, a ductilidade do artesanato
funcionava melhor do que o rigor da indústria: uma indústria, todavia,
de que a guerra havia mostrado todo o aspecto sinistro, tanto que pôs
em crise, como já se viu, a própria Werkbund.
A componente "venda" dos produtos realizados pelo estilo art déco
reflete pontualmente os limites e os valores que vimos ao se falar da pro­
dução, mostrando, no entanto, muito melhor as várias articulações: da
alta-costura aos grandes magazines, da alta ebanesteria de um Ruhlmann
às simplificações cubo-racionalistas de um Jean Lurçat, de um Francis
Jourdain, de um Robert Mallet-Stevens. Cada um desses ramos tinha
o seu canal comercial, o seu público, o seu preço. Mas, a esse propó­
sito, desminta-se uma opinião difundida que quer a produção art déco
muito cara e destinada sempre a um público de elite. Se, de fato, perma­
nece verdadeiro que as -intenções dos artífices estão sempre voltadas para

189
Figura 198
Ateliê Martine, projeto de
interior, 1924.

Figura 199
J. Hoffmann, saleta com móveis
de madeira curvada, 1914.
·eu!Bl!JeWeS e7 sau,zeôew
so 'e6e11ne S VIJ e u,ep1nor . .::J
l0Z-00Z seJn6!:l
um comércio médio-alto, se a "mensagem" dessa mercadoria é sempre
heclonística, agradável, luxuosa etc., como veremos, falando justamente
ele Ruhlmann e elas críticas a ele apontadas, isso não basta para legar um
gosto assim conhecido só para os objetos dispendiosos. Que ao lado ele um
mercado rico ele produtos art déco existisse um outro, acessível às camadas
populares, está provado pela atividade elos grandes magazines. Ao mesmo
tempo, que se diga que, desde o século xrx, a maior contribuição dada pela
França à história elo produto industrial e, por isso, à história elo design,
eleve ser justamente investigada no setor elas vendas e, em particular, elos
grandes magazines: uma organização que, em Paris, precedeu os outros
países e alcançou um nível jamais igualado nas demais capitais europeias.
V imos que nesses magazines, pela presença ele ateliês especializados
em produzir móveis e objetos ele decoração, a produção estava estreita­
mente ligada à promoção e à venda. E se, ele um lado, isso garantia à
clientela que junto às Galerias Lafayette, ao Printemps, ao Louvre ou ao
Bon Marché se encontravam produtos exclusivamente fabricados para
ela, ele outro tais produtos, pela própria organização elas empresas e pela
concorrência que faziam aos ateliês privados, eram necessariamente mais
econômicos elo que em outros lugares, como ele resto o nome ele algumas
dessas empresas declaram. Assim é que, todos os móveis, os objetos ele
cerâmica, as lâmpadas, os tecidos, os tapetes, os artigos ele moela etc., que
não levavam a firma ele um desenhista famoso (em suma, tudo quanto
constituía o antiquariato e o bricabraque art déco, hoje matéria ele cole­
ção), foram produzidos e vendidos nos grandes magazines. Quando Le
Corbusier, referindo-se ironicamente ao art déco, diz "o efeito é às vezes
gracioso, jovial"8, evidentemente não se refere à produção de luxo, mas
justamente àquela vendida nos grandes magazines. Outra confirmação
sobre o tipo ele mercadoria que se podia comprar ali vem ele sua partici­
pação na Exposição de 1925. Sobre ela, escreve Veronesi:

Um grupo ele pavilhões interessantes pelas constatações a que indu­


ziam era aquele elos grandes magazines ele Paris, ao redor elos quais
se estabeleceram há anos ateliês importantes ele mobiliário e ele arte
decorativa. Podia-se reconhecer ali, fosse pela arquitetura, fosse pelos
objetos expostos, aquela vulgarização elo moderno para uso cios bolsos
limitados, no qual Huxley mais tarde.reconhecerá um elos signos ela
mediocridade elo tempo atual.9

E vamos ao mais conhecido setor do art déco de luxo. Um balanço da


Exposição a cargo de Walclemar George, publicado em 1925 em L'Amour

192
5.
O ART DÉCO E LE CORBUSIER

de l'art, nos fornece o quadro mais eficaz desse setor, a ser considerado até
mesmo emblemático na componente "consumo" dos produtos em exame:

Não é absolutamente a mostra, mas a arte decorativa moderna que


é antissocial e antidemocrática. A arte decorativa moderna [ ...] se
desinteressa ou parece querer desinteressar-se da clientela popular.
..
Não quer ocupar-se de suas necessidades. O que cria é para os ricos.
Caso se exclua o projeto de um apartamentozinho que o laboratório
Primavera dos magazines Printemps [ ...] expõe na classe 7, se pro­
curará em vão, em toda a mostra, um projeto de casa operária ou
até, simplesmente, de alojamento para um trabalhador com interesse
cultural. Os decoradores franceses e estrangeiros trabalham exclusiva­
mente para uma classe privilegiada? Ter batizado toda uma decoração
de "casa de um rico colecionador", como o fez Ruhlmann, denota
espírito cínico ou uma rara inconsciência. De fato, o falso luxo é a
característica dominante de toda a Exposição [ ...].Mas esses arquite­
tos e desenhistas ele móveis não elevem ser considerados reacionários
só pela devoção às potências econômicas, mas também por sua inca­
pacidade de compreender as exigências impostas pela vida moderna
[ ...].Arquitetos e decoradores não levam em consideração o princípio
tríplice de economia: economia de dinheiro, economia ele espaço,
economia de material, que está na base ela vida contemporânea. Igno­
ram a existência dos móveis dobráveis e dos modelos transformáveis.
Desdenham-nos, certamente porque julgam antiestéticas algumas
conquistas da técnica, as quais, no entanto, encontram aplicações
frequentes naqueles casos em que a necessidade se impõe mesmo
sobre os mais rebeldes: nos trens, nos automóveis, a bordo de lanchas.
A sala de escritório, o laboratório-modelo, a escola infantil, o hospital
público, a enfermaria, a sala de operação, o laboratório: da mostra de
1925 foi banido tudo que faz parte integrante da vida moderna, tudo o
que a distingue claramente da vida dos tempos passàdos.1º

Como é conhecido da história da arquitetura, na mesma Exposição


de 1925 Le Corbusier esteve presente com o pavilhão do Esprit Nouveau,
ou uma célula de casa popular, que de algum modo parece encarnar
muito das petições de Waldemar George. No entanto, para além da
notável contribuição teórica dada por Le Corbusier ao problema do
design, sobre o qual voltaremos mais adiante, alguma coisa em comum
com os melhores artistas do art déco o autor daquele pavilhão "escan­
dalosamente progressista" possuía. Pensamos, particularmente, na obra

193
de Jacques-Emile Ruhlmann, muitas vezes citada, mas nesse ponto a ser
descrita com maiores detalhes. Esse era o maior moveleiro do tempo e o
herdeiro das melhores tradições nacionais; em seus modelos, associava a
simplicidade geométrica ela forma com o emprego ele madeiras e mate­
riais mais preciosos ( ébano, marfim); avizinhava-se ele alguns acentos
corbusianos pela predileção de móveis de grande massa, sustentados
por fostes extremamente sutis. Mas, além ele tais analogias morfológicas
e de outras características, que diríamos encontráveis de algum modo
mesmo na obra elo arquiteto franco-suíço, aqui interessa sublinhar as
justificativas ele Ruhlmann relativas ao aspecto luxuoso de sua produ­
ção. Dando prova ele alta profissionalização e ele uma política realista
ele produção e ele venda, ele costumava afirmar: "A moda não vem ele
baixo, e criar custa caro. Começar pelo móvel barato é uma heresia,
pois o objeto ele grande luxo torna-se depois o campeão da produção cor­
rente."n Um programa que, ao menos em teoria, está nos antípodas elo
racionalismo, e como tal era estigmatizado por muitos críticos dos anos
ele 1930. Ecloarclo Persico, todavia, como frequentemente lhe acontecia,
soube ver além dos relevos elo tempo e estabelecer uma afinidade entre
Ruhlmann e Le Corbusier, indicando, substancialmente, que aquela
predileção pela riqueza é um fenômeno encontrável mesmo no design
mais moderno. A esse propósito, escreve:

O que importa se Ruhlmann é a burguesia francesa e os demais são


a vanguarda? Ruhlmann é o que se lê num recentíssimo tableau ele
Colombier e Manuel, "exigente em excesso na qualidade do que fabrica,
trabalhou apenas para uma clientela bastante rica, para a qual forneceu,
ele maneira alternativa, modelos muito sunh1osos, encrustados ele mar­
fim, e modelos simplíssimos, nos quais demonstra ainda mais, em nossa
opinião, o seu refinamento". Nós louvaremos aqui um e outro, sem nos
escandalizarmos muito se sua riqueza tenha sido um mau exemplo, sem
nos preocuparmos muito se esses "modelos" ele Ruhlmann representa­
ram, juntamente com os ele Süe e Mare, o estilo ela 'Vitória", o gosto
ela inflação. O estilo ele Le Corbusier - uma poltrona ele metal, urna
mesa que se pode alongar, um tapete surrealista - é ele outro estilo?
Só há, tudo bem visto, urna diferença: Ruhlrnann foi o e11semblier12 da
burguesia francesa, e Le Corbusier se dispôs a ser o ele toda a Europa 13.

Entre as numerosas e significativas indicações contidas nesse trecho, escrito


em 1934, há uma amarga e realista consideração: a consciência ela falência
elo design, até aquele ano, como arte economicamente acessível a todos.
5.
O ART DÉCO E LE CORBUSIER

ef

Figuras 202-203
Süe e Mare, dois centros de
mesa em bronze dourado
e cristal, produzidos pela
Christofle, c. 1920.

195
A intuição de Persico, a sua profecia pessimista e verdadeira, não nos
exime da obrigação de dar conta do contributo de Le Corbusier para a
história do design. Ele formulou sobre a matéria uma das teorias mais cla­
ras, a qual, paradoxalmente, parece encontrar o seu ponto forte no fato de
que viu de fora, como observador atento e muito bem informado, o pro­
blemático trabalho alemão e o produtivismo pragmático norte-americano.
Quem quisesse estudar a colaboração de Corbusier ao design, que na
metade dos anos 1920 ele chamava ainda de "artes decorativas", limitan­
do-se a considerar as suas obras mais conhecidas ( o grupo de móveis que,
em colaboração com Charlotte Perriand e Pierre Jeanneret, apresentou
no Salão de Outono de 1929, ou o projeto "auto maximum", que precedeu
alguns modelos da Citroen) só se aproximaria do aspecto emergente do
clássico iceberg. Ao contrário, a melhor fonte para conhecer a sua teoria
é encontrada num livro publicado em 1925, L'Art décoratif d'aujourd'hui,
que recolhe artigos já aparecidos na revista Esprit Nouveau.
Seu texto começa com uma questão lexical e semântica. Falando
justamente de arte decorativa, escreve: "É de se notar que, em trinta
anos, não se conseguiu cunhar um termo apropriado. Não será pelo
fato de que essa atividade seja privada de exatidão, de sentido, e assim
impossível defini-la? Os alemães encontraram o termo Kunstgewerbe 14,
que é ainda mais equívoco.'' 5 A tentativa de clarificação teórica, após a
1

sinalização lexical, prossegue com o assunto de base, pela qual "a arte
decorativa moderna não comporta qualquer tipo de decoração"16 e, se
perguntando se por acaso isso não constituía um paradoxo, responde:
"O paradoxo não está no fato, está na palavra. Por que chamar os·objetos
de que nos ocupamos de arte decorativa? Aqui está o paradoxo. Por que
chamar de arte decorativa as cadeiras, as garrafas, os cestos, os sapatos,
que são todos objetos úteis, verdadeiros utensílios?" 17 Mas é a palavra
"arte" que atrai sua atenção. Os seus predecessores a haviam deixado de
lado, ocupando-se de design; ao contrário, o nosso autor enfrenta o pro­
blema com argumentação puramente teórico-estética, tanto na linha do
racionalismo francês quanto na de Viollet-le Duc, em particular. Àquilo
que definimos em seu princípio básico, ou seja, que a arte decorativa
moderna não comporta qualquer tipo de decoração, e cuja origem se
encontra nos escritos de Loos, ele acrescenta: "Se disse que a decora­
ção é necessária; diferentemente, necessária é só a arte, isto é, a paixão
desinteressada que nos eleva."18 Com efeito, Le Corbusier distingue a
arte, ou seja, um fenômeno e um valor que outros preferiram negligen­
ciar, ela arte decorativa, diferenciando posteriormente a arte decorativa
elo passado daquela moderna, que assim é pelos novos processos de

196
5.
O ART DÉCO E LE CORBUSIER

Figura 204
P Follot, cadeira para toilete,
1910.

Figura 205
P lribe, pequena cômoda com
escamas e ébano.

Figura 206
J.H. Ruhlmann, móvel em
ébano, tartaruga e marfim.

197
>
Figuras 207-208
Áreas interna e externa do
pavilhão do Novo Espírito,
1925.
5.
O ART DÉCO E LE CORBUSIER

produção. E prossegue: "Para vê-lo claramente basta, portanto, distin­


guir as sensações desinteressadas das necessidades que têm em mira a
sua satisfação utilitária." 19 Mais adiante, para resgatar o produto artís­
tico, o elas sensações desinteressadas, cio risco ela inefabilidade, observa:
iJ'
A entrada em ação das sensações elevadas é determinada pela propor­
ção, que é uma matemática perceptível mediante os sentidos fornecidos
principalmente pela arquitetura (se reconhece que essa aqui começa
onde o cálculo termina), a pintura e a escultura, obras sem utilidade
imediata, desinteressadas, excepcionais; obras que são, na realidade,
plásticas, nas quais se insere uma paixão, a paixão do homem. 2º

E ao contrário, passando ela arte dos objetos que satisfazem as neces­


sidades utilitárias, esses

requerem aparelhagem inteiramente aperfeiçoada, assim como certa


perfeição é obtida pela indústria. Forma-se assim o magnífico pro­
grama da arte decorativa. Com o passar do tempo, a indústria produz
objetos de funcionalidade e de utilidades perfeitas, cujo luxo - gozo
do espírito - emana da elegância das concepções, da simplicidade
da execução e da eficácia do serviço [ ... ]. E veremos que essa arte
decorativa, sem decoração, não é obra de artistas, mas da indústria
anônima, que prossegue pelo caminho arejado e claro da economia.21

Portanto, contra a congérie ele decoradores operando ainda com


velhos estilemas cio passado, Le Corbusier vê no modo ele fazer ela indús­
tria, na sua lógica e na sua técnica, o modelo para o design moderno,
para o qual usa o circunlóquio ele arte decorativa sem decoração. E, para
ilustrar essa ideia, publica no livro toda uma série ele objetos industriais,
ele turbinas a automóveis, ele equipamentos médico-sanitários a aviões,
ele mobílias esquemáticas ele bancos norte-americanos aos móveis metá­
licos, ele calçados aos produtos ela famosa Hermes.
Foi bem observado por Benevolo, a respeito ela relação entre arte­
sanato e indústria, que Gropius não escolhe entre um e outro termo,
considerando a polêmica como uma espécie ele batalha entre duas abs­
trações opostas. De fato, visto que nem o artesanato é pura idealização,
devendo sempre a ideia realizar-se mediante um procedimento técnico,
nem a indústria é pura manualidade, devendo sempre o seu produto
referir-se a um modelo criativo, há só uma diferença ele grau entre
as duas diferenças22 • Mas Le Corbusier se diferencia de Gropius, seja

199
porque se move dentro de uma outra concepção, seja porque no início
dos anos de 1920 não pareça preocupado em contribuir para formar qua­
dros técnicos, designers, mas antes encontrar argumentações adaptadas
ao público mais vasto da cultura de massa. Portanto, ele prefere indicar
a máquina, ou melhor, o procedimento da indústria como modelo de
um organismo produtivo autossuficiente, uma organização que forneça,
por assim dizer, objetos que determinem o estilo do nosso tempo.
Certamente, ele não nega que a máquina deva ser guiada pelo
homem; antes, afirma que o homem finalmente encontrou nela alguma
coisa que trabalha em seu lugar, permitindo-lhe mais tempo para um
trabalho que seja verdadeiramente criativo. De outro lado, sustenta que
a máquina possui uma especificidade e uma autonomia que tornam vãs
as veleidades formais e decorativas dos artistas românticos, assim como a
capacidade de desmascarar o engano ele uma decoração que encoberta
um defeito de execução, assim como havia advertido Perret. Ainda que
paradoxal, a partenogênese industrial não é uma ideia ele todo infun­
dada, nem um atrativo polêmico (em toda a teoria de Le Corbusier, não
se deve ignorar seu constante acento polêmico) privado ele eficácia. O
que é, ele fato, uma produção industrial que funciona por sua conta? No
caso negativo, é a vontade elos operadores econômicos de reproduzir com
novas-técnicas os modelos elo passado, processo do qual estão excluídos os
idealizadores, os projetistas. No caso positivo, é a vontade elos industriais
responsáveis por produzir objetos novos na forma, inspirados pela pura
função, e justamente para essa tarefa os idealizadores e projetistas, na
época em que ele escreve, não se encontravam ainda preparados. Subs­
tancialmente, a autonomia ela máquina significa autonomia e criatividade
elo produtor que, é necessário recordá-lo, constitui na prática o verdadeiro
responsável estético e social, para o bem e para o mal, ela produção; daí
o "Apelo aos Industriais" (Appel aux industrieis) ele Le Corbusier, não
privado ele um velho acento saint-simoniano, para quem a palavra "indus­
triais" abrangia todos os funcionários e dirigentes de indústria.
Em todo caso, grande parte desses assuntos, às vezes polêmicos e
paradoxais, responde a uma poética precisa: aquele espírito maquínico
a ser assumido como referente para toda arquitetura e design modernos,
aquela mímesis formal e conceituai ela realidade da indústria que, nas
formas e nos conteúdos, consubstanciou a contribuição racionalista, em
particular a ele Le Corbusier.
Mas Le Corbusier, definido por um crítico como "engenheiro
+ artista", uma vez lançado um slogan ele efeito (e muitas teorias elo
moderno se baseiam em slogans e aforismos), tenta conciliar os termos

200
5.
O ART DÉCO E LE CORBUSIER

ele uma polaridade expressa em primeira instância. Assim, compondo


o contraste entre operadores criativos e organizações industriais, se per­
gunta se não existe uma "estrutura", ou seja, alguma coisa em comum
ao trabalho de um e à produtividade ela outra. Ao mesmo tempo, evoca
um "sentimento escondido":

A máquina é cálculo, o cálculo é sistema criativo humano, contido


em nosso ser, que explica com verificações precisas o universo que
intuímos, a natureza que vemos em suas manifestações tangíveis ele
vicia ordenada. A expressão gráfica desse cálculo é a geometria, meio
nosso, para nós precioso, o único meio ele medir os fatos e as coisas.
A máquina provém toda ela geometria. A geometria é nossa grande
invenção, invenção que nos exalta.23

Passando dos assuntos teóricos às propostas operacionais, notemos


que elas se baseiam em três ideias: a. o padrão ou standard; b. o móvel
e o utensílio, considerados membros artificiais; c. a nova técnica.
Le Corbusier escreve, sempre no livro L'Art décoratif d'aujourd'hui:

Deixando para trás o reino angustiante da fantasia e da desproporção,


podemos retomar possessão ele um código ele normas conformativas
[ ...]. Buscar o nível humano, a função humana, quer dizer, definir
as necessidades humanas. Tais necessidades são poucas, idênticas
para todos os homens, dado que eles, desde a época que os conhece­
mos, foram feitos com o mesmo molde [ ... ]. Essas necessidades são
padronizadas, isto é, as mesmas para todos; é preciso completar nossa
capacidade natural com elementos ele reforço.24

A ideia de padrão é recorrente em todos os textos ele Le Corbusier,


especialmente os de arquitetura; no campo do design, porém, ela dá
lugar a uma nova proposta, aquela ele considerar os objetos do setor
como membros artificiais. Mas, antes de tocar nesse terna, paremos
brevemente naquele princípio-base pelo qual todos os homens são
iguais, todos têm a mesma necessidade. Não obstante os limites evi­
dentes ele tal proposição, talvez não pudesse ser outra a premissa, para
a reforma ela arquitetura e elas artes aplicadas, senão essa igualdade, e
daí a redução elas muitas necessidades a exigências pouco comuns, o
standard, o concentrar toda a atenção do projeto em poucos protótipos
factíveis industrialmente e extensíveis a toda a esfera social. Se é verdade
que, atrás ele todo processo (em nosso caso, a história elo movimento
moderno), há um baseado em poucas premissas (o código corbusiano),

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; Figuras 209-210
Escritório Roneo e móveis
metálicos para escritório de Le
Corbusier em L'Art décoratif
d'aujourd'hui.
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essas aqui não poderiam ser outras senão as hipóteses redutoras, as únicas
capazes de conciliar as exigências humanas mais elementares e difusas
com as técnico-econômicas da civilização industrial; e de conciliar-lhes
sem ignorar uma instância de gosto e de estilo, pois em nosso tempo,
para dizê-lo com Le Corbusier, "há um espírito novo, um espírito de
construção e de síntese guiado por uma concepção clara". 25
Quanto à ideia de considerar o móvel e o utensílio como membros
artificiais, Le Corbusier sustém que tais objetos devem seguir a linha dos
alfaiates, dos construtores de carrocerias de automóvel, dos cenógrafos
de cinema, dos produtores de artigos domésticos. Os nossos espíritos são
diferentes, mas o nosso corpo e a nossa musculatura são semelhantes
e realizam as mesmas funções. Portanto, os objetos de arte decorativa
devem responder a uma necessidade-tipo, a uma função-tipo, sendo
assim um objeto-tipo. Mais próximos de nosso corpo pelo contato e pela
função, tais objetos são mais assimiláveis a membros artificiais, afirma
Le Corbusier, até chegar àquela ideia de que a arte decorativa constitui
uma espécie de ortopedia. Isso nos induz a várias considerações.
Tais ideias remontam, evidentemente, aos preceitos do naturalista
Lamarck, e em particular àquele pelo qual a forma segue a função, o
que confere à posição de Le Corbusier um fundamento científico, vale
dizer, um chamado aos quais são sensíveis tanto os precursores do Movi­
mento Moderno quanto grande parte do público que nutre uma espécie
de atração pela ciência natural. Em segundo lugar, o espírito maquínico
da mencionada ideia contém um acento polêmico contra a decoração,
o efêmero, o supérfluo, uma série de aversões que o autor declara expli­
citamente ter herdado de Loos. Em terceiro lugar, há um interesse e
simpatia por algumas categorias de objeto que são assumidos quase como
modelos. Pensemos, em particular, nos aparelhos ortopédicos, nas pró­
teses, nos instrumentos cirúrgicos, ou seja, produtos nascidos da função
pura e frutos de uma "pesquisa paciente". Nenhum decorador, nenhum
artista interveio no lento processo de modificação formal e, no entanto,
é indubitável que eles possuem uma validade mesmo estética. Certo, é a
estética da máxima aderência da forma à função, mas quando os raciona­
listas a descontextualizaram, nisso empurrados pela vanguarda figurativa
(dadaísmo, surrealismo e o próprio purismo), quando de objetos técnicos
se converteram em objetos domésticos, eles assumiram uma nova concep­
ção estética. O velho chiste que ainda hoje os burgueses bem pensantes
repetem, "esse ambiente todo branco com móveis metálicos lembra um
aposento de hospital", foi notado pelos primeiros racionalistas, e quem
sabe essa observação banal não poderia até mesmo tê-los inspirado.

204
(

Figura 214
Le Corbusier: poltrona com
encosto basculante, 1928,
reedição de Cassina, 1974

Figura 215
Le Corbusier: sofá grand
confort, 1928, reedição Cassina,
1974.
As formas ligadas à ideia dos objetos como prolongamentos de nos­
sos membros encontram, além disso, um suporte na nova técnica. A esse
respeito, Le Corbusier revoga o uso exclusivo da madeira para a cons­
trução de móveis, e propõe substituí-la pelo aço, pelo alumínio, pelo
cimento e pelas fibras sintéticas. Em seu entendimento, os aprendizes
de mobiliário deveriam deixar o Faubourg Saint-Antoine e dirigir-se
para Levallois, Issy-les-Moulineaux, isto é, para as fábricas de aviões e
de automóveis. Elas utilizam técnicas completamente novas que per­
mitem uma resistência melhor e uma disposição nova dos objetos, cuja
elaboração resulta ele uma economia considerável.
Como se vê, os mesmos slogans utilizados pela arquitetura e pela
urbanística se reencontram no campo elo design, especialmente no sis­
tema ele objetos ele uso doméstico. Mas também aqui Le Corbusier não
se limita a sugerir novas formas para certas peças, indicando ainda uma
nova concepção ele decoração. É essa, como veremos, a maior proposta
que avança no campo elo design, a sua maior contribuição no setor.
Num livro diferente elo até aqui examinado, lê-se: "Mobiliário e
equipamento ela casa. O numeroso inventário dos móveis legados pela
tradição e fabricados em madeira no Faubourg Saint-Antoine é reduzido
de uma só vez a prateleiras, que formam o equipamento do apartamento,
a cadeiras e mesas. Nasceu o móvel metálico. Ele já existia no mobiliário
de escritório; agora, passa ao mobiliário doméstico."26 Além de sintetizar
quase por inteiro a colaboração ele Le Corbusiér ao setor ele mobiliário,
esse trecho pode ser considerado o manifesto da grande reviravolta por
ele operada nesse campo. A sala de visita ele outros tempos chegou ·ao
fim e começou uma nova idade do móvel.
Na base elo novo mobiliário estão as prateleiras padronizadas, isto
é, uma espécie ele contentor modular e componível. Elas podem ser
incorporadas às paredes, nelas apoiadas, ou servir como elemento divisó­
rio entre um ambiente e outro. São inspiradas nos móveis ele escritório,
mas em sua versão doméstica são usadas para guardar qualquer tipo de
objeto. Substituem uma série ele velhos móveis - armários, baús, apara­
dores etc.-, aqueles que o autor chama de os inúmeros móveis bizarros,
tendo uma capacidade útil máxima em seu interior, deixando o máximo
ele espaço livre para o ambiente. As camas, as mesas, os divãs e, sobre­
tudo, os vários tipos ele cadeiras permanecem os padrões nesse campo.
São pensados como objetos autônomos pela forma e pela função, e
nenhum vínculo "estilístico" os une; por outro lado, com sua disposição
variável, exprimem os mais diversos comportamentos na cena domés­
tica. Ora, se se pensa que as novas construções, com estruturas ele ferro

206
5.
O ART DÉCO E LE CORBUSIER

ou de cimento armado, servem como funções portantes para elementos


finos, eliminando a necessidade de uma parede contínua ele sustentação,
fazendo com que o espaço interno de cada aposento seja praticamente
livre e articulado, compreende-se toda a importância de se ter elementos
distintos ele mobiliário, como as prateleiras padronizadas, fixadas, e os
móveis ( cadeiras, poltronas, mesas). De fato, as primeiras podem subs­ (

tituir completamente as velhas paredes divisórias e se tornar os únicos


elementos que conformam o espaço ele todo o ambiente, enquanto os
segundos são aqueles que o ocupam. A redução ele todo o mobiliário a
elementos fixos e móveis, e cada uma das categorias com função espacial
apenas indicada, permite dizer que Le Corbusier pôs em crise a própria
noção de mobiliário, cindindo-o em "arquitetura" e "design".
Certamente, armários, cômodas ou aparadores serão ainda projeta­
dos e construídos, mas desde então estarão superados pela concepção
das prateleiras padronizadas, mais polivalentes. Nem as variações elas
prateleiras desenhadas por Le Corbusier em colaboração com Char­
lotte Perriancl para várias exposições, como as de 1925, 1929 ou de 1935,
embora se aproximando às vezes mais às formas de outras mobílias,
modificarão a sua natureza "arquitetônica", de qualquer modo diferente
da de outros elementos ele mobiliário, assimiláveis a objetos de "design".
Esse código corbusiano, que inclui a redução de toda a organização
da casa em elementos fixos e móveis, a destruição de qualquer ligação
morfológica entre eles, a ênfase posta na singularidade ele todo móvel na
condição de um produto de design, representa uma ideia forte o bastante
para permanecer invariável face à variedade ela moela, aos motivos ele gosto,
aos hábitos e costumes ele vários países, enquanto os elementos materiais
que a exprimiam permaneceram irrealizados, sem entrar na produção em
série durante os anos em que Le Corbusier viveu. Que ele pensasse numa
redução radical de todo o contexto ele mobiliário, no qual emergissem
móveis concebidos como máquinas puras, está confirmado pela passagem
desde então famosa: "Seria necessário que as casas fossem todas brancas,
por lei. Uma limpeza como essa faz ver os objetos em sua verdade abso­
luta: e dela deriva a obrigação ele uma pureza perfeita. Recordemo-nos
clessq palavra: ela define toda uma disciplina, implica uma certa nuclez."27
Na conclusão desse capítulo dedicado ao art déco e à teoria de Le
Corbusier, explicitemos as razões ele tal aproximação, os êxitos daquele
momento de gosto e as consequências da teoria corbusiana. Quanto
ao primeiro ponto, além das já citadas analogias entre alguns artefatos
ele art déco e a obra do arquiteto franco-suíço, o ter-se associado um
ao outro eleve ser entendido como tentativa ele se indagar a complexa

207
contribuição dada pela França à cultura do design, sobretudo numa
certa época, a da metade dos anos 1920, ponto central dos acontecimen­
tos que estudamos. Em outras palavras, tivemos em vista uma situação
que ocorria em Paris num momento particular, em que essa capital é
ainda o coração da Europa e o centro máximo de referência e ,de atração
para uma América que, apenas alguns anos depois, assumirá a lide­
rança no campo do design, assim como de tantos outros. Tal situação
é, certamente, a mais espúria e complexa dos anos entre as duas guerras
mundiais, mas, justamente por isso, mais rica de desenvolvimentos em
ambos os lados do Atlântico. No que diz respeito ao art déco, ele acolhe
de tudo; de ecos ainda conservados da tradição francesa às indicações,
entre elas as de Hoffmann e da W iener Werkstatte, de um outro país
culto e refinado como a Áustria; das contribuições da vanguarda figura­
tiva, principalmente do cubismo banalizado e do fauvismo mecanizado,
àquelas provenientes do mundo da moda e do espetáculo; de uma indus­
trialização mais cobiçada do que implementada até um artesanato que
combinava tradicionalismo e inovação, dirigindo-se para uma espécie
de imaginário coletivo, centrado na ideia de "decoração", esta aqui
assumida tanto como um valor agradável em si quanto como defesa de
uma produção baseada prevalentemente sobre a "força das ideias". O art
déco foi o estilo das salas de cinema e ele tudo que lhe dissesse respeito,
dos locais públicos, dos ateliês da moda, dos cartazes luminosos, dos
reclames, da cena urbana, sobretudo a noturna. O sucesso dessa época
de gosto encontra-se em seu sentido mundano, no seu hedonismo, na
busca de uma jovialidade tanto mais intensa quanto mais efêmera.- E
sublinhe-se que, decorando os arranha-céus de Nova York, os transatlân­
ticos, os grandes hotéis e, genericamente, o mundo elo turismo, foi o
primeiro estilo contemporâneo que deu forma a produtos do velho e elo
novo mundo; foi a primeira linguagem verdadeiramente internacional.
Além disso, se na Europa o art déco perderá a sua bonomia burguesa por
obra de uma arquitetura retórica e classicista dos regimes ditatoriais, na

208
5.
O ART DÉCO E LE CORBUSIER

América dará vida ao gosto streamlíne ou stylíng, que foi certamente a


maior contribuição norte-americana à história do design.
Se esses foram os êxitos do art déco, quais podem ser considerados
os da teoria corbusiana nos mesmos anos? Já adiantamos uma resposta
ao dizer que a teoria praticamente aniquilou o mobiliário e a decoração,
reduzindo-os a "arquitetura" e "design". Mas há outras considerações
a fazer, justamente sobre sua relação com o art déco. Não obstante os
pontos em comum, Le Corbusier é o primeiro a destruir aquele "deco­
rativo", contra o qual invoca a cor branca, que caracteriza o gosto de
seu tempo. Além disso, tendo escolhido a imitação formal-conceituai
da realidade da indústria, sendo o primeiro a afirmá-la, ele põe a pes­
quisa arquitetônica e, mais ainda, a do design, numa área que prescinde
deste ou daquele lugar, deste ou daquele país. Assim, rompe com qual­
quer genius Zoei, seja ele Rulhmann ou Poiret, e com todo o pitoresco
ambiente de uma Paris elos anos de 1920, e tampouco invoca o reino
ela utopia, pois aquela mímesis da realidade industrial, a lógica elos
processos produtivos, é a mesma em todos os lugares, assim como as
Íeis ele mercado. Le Corbusier outra coisa não fez senão procurar essas
invariantes, essas leis comuns à produção contemporânea, que, inevi­
tavelmente, comportariam formas, linguagem e estilo.
Em síntese, tanto os êxitos do art déco quanto os ela teoria corbusiana
dão lugar a um estilo internacional, com a diferença de que o primeiro é o
estilo elas inclusões, dos contributos provenientes de cima e de baixo, dos
móveis preciosos da ebanesteria e das lojas de perfume da Coty; enquanto
o segundo é o estilo da seleção e ela redução ao essencial; nasce exclu­
sivamente da técnica, dos industriais (no sentido saint-simoniano), aqui Figuras 216-217
Le Corbusier: chaise tangue
compreendidos os designers que aderiram a essa lógica. Uma e outra de regulagem contínua, 1928,
forma de internacionalismo, no sentido de que não podemos dizer que reedição Cassina, 1974, e
haja vencedor e vencido, passarão por aquela significativa reviravolta da desenho executivo do mesmo
modelo.
crise de 1929, assumindo uma disposição totalmente nova, na qual sem­
pre se recuperam os fios da história mais complexa da cultura europeia.
6.
À HISTÓRIA DO PRODUTO INDUSTRIAL TEVE NA AMÉRICA UM DESENVOL­
vimento mais rápido do que em qualquer outro país, tanto assim que não
foi possível traçar os acontecimentos europeus sem uma referência contí­
nua aos norte-americanos; e mesmo quando, por algum aspecto, o produto
industrial norte-americano tenha sofrido a influência europeia, sempre a
acolheu, adaptou e realizou de maneira particular. Ainda que esse jogo de
contribuições recíprocas permaneça constante, após a crise de 1929 a meca­
nização, o comércio, os projetos relativos aos bens de consumo industriais
se tomaram nos EUA uma verdadeira cultura, com fisionomia específica.
No entanto, enquanto na Europa ainda se fala de Kunstgewerbe,
ele arte aplicada, ele arte industrial ou ele arte decorativa (o próprio Le
Corbusier, como vimos, intitula um ele seus livros L'Art décoratif d'au­
jourd'hui), foi na América que, por volta de 1920, cunhou-se a expressão
industrial design para indicar a representação de todos aqueles objetos
que requerem um projeto acurado, e é sempre na América que, nos
anos de 1930, nasce a profissão de designer. Além disso, à exceção dos
casos excepcionais estudados no velho continente, somente com a plena
mecanização, alcançada nos EUA naquele decênio, foi possível se rea­
lizar muitos projetos e programas (sendo o primeiro a "qualificação da
quantidade") que estavam na base da "cultura do design" europeia e
que, em grande parte, permaneceram em nível experimental.
Na economia de nosso estudo, dadas a vastidão e a complexidade do
desenvolvimento industrial norte-americano, com as bem conhecidas
implicações socioeconômicas, trataremos só daqueles eventos da história
do design que nos parecem os mais emblemáticos e que podem con­
ter referências aos acontecimentos europeus. Em outros termos, como,
falando da Alemanha, observávamos por assim dizer a América, agora
faremos o contrário; e nisso nos sentimos confortáveis pelo fato de que
nos anos de 1930 as duas "culturas" se encontram materialmente, em
decorrência da transferência aos Estados Unidos dos melhores arquite­
tos e designers alemães, após o advento do nazismo.

O Streamlining

O movimento do streamlíne (da forma aerodinâmica) representa o fenô­


meno mais importante na história do design norte-americano do século
xx, a contribuição mais significativa da América nesse campo, o núcleo
central da produção e dos debates que lhe sucederam. Escreve Giedion:

Desde 1935, o significado da palavra aerodinâmica (a forma aerodi­


nâmica é aquela dada a um corpo, navio, aeroplano etc., a fim de
que ele, atravessando um elemento como a água ou o ar, encontre
uma resistência mínima), em inglês streamlined, ampliou-se muito
e encontra aplicações nos setores os mais diversos. Fala-se de linha
aerodinâmica, de uma empresa, de uma administração, até mesmo de
um governo. Inconscientemente, nesses casos deve haver influência
do significado originário, o de modelar uma forma que experimente
a menor resistência. No significado popular, a palavra aerodinâmica
é usada no significado moderno.'

Digamos logo que a cultura elo streamlíníng foi definida em sentido


pejorativo como stylíng e vinculada a uma estratégia econômica nascida
para fazer face à crise de 1929, tanto quanto expressão de uma orienta­
ção própria do período imediatamente subsequente, o do New Deal.
Também como admitem seus próprios protagonistas, o stylíng foi consi­
derado pela crítica um fenômeno meramente comercial, um modo de
tornar mais atraente os objetos, talvez em detrimento de sua qualidade,
um processo ele mercantilização capitalista. Retomaremos esse tema ao
tratarmos da componente "venda" dos produtos do stylíng, advertindo,
todavia, que esse movimento não se reduz unicamente a esse fator, por­
que teve grande fôlego e apresenta, como todos os "eventos" realizados

212
6.
O DESENHO INDUSTRIAL NOS ESTADOS UNIDOS

na história do design, as quatro componentes do nosso esquema de


pesqmsa.
Quanto ao projeto do streamlining, tem ele uma origem clara e
finalidade. Além da principal característica de sua linguagem, a linha
aerodinâmica, motiYada por razões técnico-científicas, que trataremos
ao falar da "produção.. , as formas dos principais designers do tempo -
Norman Bel Geddes, Raymond Loewy, Georg Sakier, Walter Darwin
Teague, Kem Weber, Otto Kuhler, Henry Dreyfuss - constituem uma
síntese de muitas fontes anteriores. A primeira pode ser reconhecida na
produção da AEG, com a qual apresenta não poucas analogias (nível tec­
nológico elevado; comunhão de tipos; que se pense em todo o setor dos
eletrodomésticos; a questão do revestimento protetor dos mecanismos
internos dos objetos etc.). A segunda fonte do gosto streamlined remonta
à W iener Werkstatte, pela unidade estilística de todos os manufaturados
saídos dos famosos laboratórios vienenses, de resto largamente conheci­
dos e difundidos na América e, sobretudo, pelas ligações amplamente
documentadas entre a W iener Werkstatte e o art déco. Esse último, seja
na forma francesa, seja na norte-americana, está entre os precedentes
mais diretos gosto do streamlined. Como observa Giedion,

se nós compararmos esses modelos ele múltiplos perfis com a lingua­


gem formal usada pelo movimento elas artes decorativas francesas, já
no final de seu desenvolvimento, resulta evidente que a origem ela
linha aerodinâmica se encontra na história dos estilos. Uma lâmpada
francesa com seus perfis ele gota repetida três vezes e o invólucro
aerodinâmico de um aspirador ele pó são marcas ele uma autêntica lin­
guagem formal. O artesanato artístico francês ele 1925 era um híbrido
estéril cio Jugendstil e ela Deutsches Kunst gewerbe. Tinha uma influên­
cia universal, não inferior aos móveis estofados cio Segundo Império.
Seus móveis, de variados perfis, suas joias e lâmpadas exerciam um
fascínio extraorclinário.2

Além dos modelos dos arranha-céus norte-americanos (é aqui que


melhor se exprime o art déco autóctone), uma outra fonte do stream­
lining se vê na arquitetura europeia dos anos 1920, especialmente depois
da famosa mostra sobre o International Style, preparada em 1932 no
Museu de Arte Moderna de Nova York. E isso seja pela afinidade mor­
fológica - alguns edifícios, ilustrados na exposição e no livro homônimo,
com seus ângulos arredondados em pleno centro, podem ser conside­
rados precursores do estilema streamline3 -, seja pelo conceito de style,

213
que os curadores ela mostra, Henry-Russell Hitchcock e Philip Johnson,
introduziram pela primeira vez a propósito ela arquitetura moderna.
Voltaremos adiante ao assunto; aqui nos limitamos a observar que se
os autores citados, vencendo as resistências europeias, cunharam para
a arquitetura racionalista a afortunada expressão International Style -
na prática reivindicando para a arquitetura um caráter artístico que os
funcionalistas negavam implicitamente-, aos expoentes elo styling pare­
ceu perfeitamente legítimo estender tal substantivo para o campo elo
design industrial.
Das artes figurativas e, marcadamente, elo futurismo e elo expressio­
nismo, o streamlining extraiu duas ele suas características: respectivamente,
o culto ela velocidade, o aeroclinamismo, e o simbolismo ele tantas mani­
festações expressionistas, valendo por todas elas a Torre ele Einstein.
Compreende-se como o estilo, na busca elos símbolos mais atrativos,
tenha privilegiado sobretudo o ela velocidade, "entendida", escreve
Enzo Frateili, "como afirmação ele potência e valor ele modernidade.
De fato, a velocidade, por meio elos efeitos aerodinâmicos sobre os obje­
tos, interveio na forma desenvolvida pelo styling, que, por outro lado,
não ignorou as pesquisas plásticas ele um Arp ou ele um Brancusi"4. Em
síntese, o projeto elo streamlining refuta as estereometrias rígidas elo
design racionalista, propõe valores simbólicos, repropõe alguns elemen­
tos decorativos, nascidos não tanto ela superposição ele motivos quanto
ela conformação elos próprios objetos, assim como, embora com ênfases
e intenções diferentes, faziam os arquitetos e designers elo movimento
orgânico.
Se são verdadeiras todas essas fontes, é um pouco superficial susten­
tar que o primeiro design industrial norte-americano se tenha limitado a
um simples efeito cosmético elo produto, a uma morfologia efêmera, e
até à mais banal concessão ao kitsch. Quanto à crítica fácil contra a linha
aerodinâmica ele objetos não submetidos à velocidade, ela finge ignorar
a dupla intenção ele unidade ele estilo entre os produtos mais diversos e o
já mencionado valor simbólico. Como escreve Walter Darwin Teague,

uma razão pela qual damos um perfil aerodinâmico a tantos objetos,


para coisas que jamais se moveram e que não têm desculpas para ser
aerodinâmicas, já que não têm necessidade ele se adaptar ao fluxo
ele ar, está justamente na qualidade dinâmica ela linha, que aparece
em forma aerodinâmica, e essa qualidade dinâmica é urna caracte­
rística ele nosso tempo. Estamos numa idade primitiva e somos um
povo dinâmico, sensíveis apenas a manifestações ele tensão, ele vigor,

214
(

1�

Figura 218
W. van Alen, Edifício da
Chrysler, 1928-1930.
de energia, e essa linha se encontra constantemente até mesmo em
nosso corpo, no corpo ele um homem musculoso, no corpo ele uma
bela mulher.5

A componente "produção" do streamlining está precedida por algu­


mas indicações técnicas ele experiências conduzidas na Europa e na
América. O novo estilo nasce ele estudos de aerodinâmica e ela intro­
dução de novas tecnologias, marcadamente as de matéria plástica e de
estampagem. Como já foi dito, a forma aerodinâmica é aquela dada a
um corpo a fim de que, atravessando um elemento fluido, encontre resis­
tência mínima. Intuitivamente, a forma de "gota" é a mais aerodinâmica
e, de fato, foi adotada nos cascos elos navios, em submarinos, dirigíveis e
outras aeronaves. Uma contribuição notável aos estudos sobre o movi­
mento dos fluidos, já avançados nos séculos xvm e XIX, foi dada pela
invenção ela "galeria aerodinâmica", ou "túnel de vento", adotada pela
primeira vez na oficina Zeppelin, ela Alemanha. Ela consiste, essencial­
mente, ele um conduto percorrido por uma corrente de ar produzida
por uma aparelhagem apropriada. No interior do conduto se instala um
modelo em escala do veículo a ser estudado ligado a instrumentos de
medida das forças geradas para o fluxo de ar. Assim se podem medir as
turbulências geradas no fluido pela movimentação relativa elo corpo e,
desse modo, a forma mais capacitada a sofrer a menor turbulência. Ini­
cialmente adotado o túnel para os modelos de aeronaves, ele foi depois
utilizado largamente pela indústria automobilística.
Nesse último campo se passou elos primeiros modelos empíricos,
como o carro Alfa Romeo desenhado por Castagna em 1914 e os estudos
para o Troepfenwagen de Edmund Rumpler, de 1921, aos experimen­
tos científicos, como os elo húngaro Paul Jaray em túnel de vento, e o
projeto ele carro de sir D. Burney, desenhado em 1930, se utilizando
daquelas experiências. Até ali, os estudos de aerodinâmica automobi­
lística eram europeus. Nos anos ele 1930, os industriais ele Detroit se
utilizam elo túnel de vento (com dotações do MIT, do California lnstitute
of Teclmology, das universidades de Michigan e ele Nova York) para o
projeto e a produção em série ele carros streamlined. Entre os modelos
de maior prestígio, que se recorde o Airflow, da Chrysler, e o Hupmo­
bile, desenhado por Raymond Loewy, ambos em 1934.
Mas a confirmação de que a linha aerodinâmica foi um componente
apenas do movimento norte-americano, do qual nos ocupamos, está no
fato ele que na Europa se projetaram e se elaboraram automóveis aerodi­
nâmicos com propósitos nem sempre coincidentes com os do streamlining

216
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Figura 219
,
N.B. Geddes, diagrama ilustrativo
dos princípios de projeção
aerodinãmica.

Figura 220
Carro desenhado por A E.
Palmer em 1930 para D.
Burney.

Figura 221
Chrysler Airilow de 1934.
Figura 222
F. Porsche, Volkswagen de
1937.

Figura 223
Tatra V-8 de 1938.
'986 l ep 009 r lB!::J
SZZ eJn61::1
'986 r ep 009 \Bl::J
l>ZZ ein61::1
norte-americano. Entre as duas guerras, na Europa, foram produzidos o
Volkswagen de Ferdinand Porsche, o Tatra v-8, os F iats 500, 1100 e 1500,
a BMW 327, e os prestigiosos modelos da Pininfarina para a Fiat, a Alfa
Romeo e a Lancia. Como se sabe, cada grupo e cada modelo desses auto­
móveis comportou um significado diferente: ora de propaganda política,
ora de prestígio da empresa, ora de mero gosto estético.
A unidade mais clara de propósito na produção norte-americana,
dentro do estilo aerodinâmico, assim como na filosofia da eficiência, no
simbolismo e na estratégia.de venda, ou, numa palavra, no design indus­
trial, se deve ao trabalho de uma só personagem, o arquiteto Norman
Bel Geddes, o primeiro designer a ocupar-se com problemas teóricos
do streamlining e o mais flexível às necessidades dos vários setores ela
produção. Os seus projetos para automóveis antecedem os mais exitosos
produtos em série; os seus projetos ele trens, realizados sucessivamente
pela Union Pacific; um projeto seu ele hidroplano para 450 pessoas está
na origem elo recente Jumbo Jet. Para ficar no setor aeronáutico, sendo
que o gosto streamlinecl mais se associa à nova tecnologia de materiais, a
Boeing, em 1935, produziu o primeiro avião "intencionalmente" aerodinâ­
mico, enquanto a Douglas uniu a esse gosto as técnicas mais avançadas e o
conforto mais moderno para aeronaves de linha, o DC-1 e o oc-3, de 1935.
Em nossa opinião, porém, o campo produtivo mais emblemático do
streamlining foi o ferroviário. E isso nem tanto pela história elos modelos
e sim porque, a partir de 1934, com a entrada em serviço do Zephir, da
Burlington & Quincy, e elo City of Salina, da Union Pacific, inicia-se
uma competição desconhecida na Europa. De fato, à diferença elo velho
continente, onde na maioria dos países as ferrovias são um serviço esta­
tal, na América elas pertencem a companhias privadas e mesmo nesse
campo vige o mercado livre e a concorrência. Compreende-se então
como, ao lado ele todos os requisitos de eficiência, também a dimen­
são "estética" entrasse como parte ela competição comercial, e como os
melhores designers dos anos 1930, sobretudo Loewy, encontrassem na
Union Pacific ou na Pennsylvania Railroad os seus melhores comitentes.
Que os setores produtivos ele transporte tenham adotado a linha
aerodinâmica pode resultar até mesmo óbvio; que essa linha se tenha
estendido a objetos imóveis já vimos as justificativas por razões simbóli­
cas por parte de W.S. Teague, e a esse respeito retornaremos, ao falarmos
da componente "venda". Como complemento à área ele "produção" do
streamlining, fazemos outras considerações.
Em quase todos os produtos streamlinecl está presente um "carter",
ou o já citado revestimento protetor dos mecanismos internos; esse, por

220
Figura 226
N.B. Geddes, hidroplano
streamlined, 1932.

Figura 227
O DC3 Douglas, 1935.
sua natureza de invólucro, além de encontrar inspiração numa tendên­
cia do gosto, ligava-se a uma morfologia própria das novas tecnologias,
comum tanto a objetos móveis quanto aos imóveis. Pensamos, particu­
larmente, naqueles da estampagem ou da modelagem de chapas e da
estampagem de peças em resina sintética. Do ponto de vista da produ­
ção, os custos de implantação não permitiam elaborar objetos efêmeros
e sem uma adequada quantidade, ligada a uma moda passageira e a um
consumo rápido, como quer fazer crer uma certa crítica hostil ao styling.
Por mais cativantes que pudessem ser os seus produtos, eles nasciam,
seja como for, após estudos e experimentações não apenas de projetos,
mas também de produção, por meio de elaborados protótipos de fábrica.
A esse respeito, escreve Giedion: "Podemos citar exemplos dos quais se
vê que elementos de metal comprimido foram reduzidos em 30% nos
preços e em 37% no peso, embora aumentando a força de resistência."6
Se para os produtos "estáticos" do streamlining não era preciso o túnel
de vento, se faziam necessárias, no entanto, provas de laboratório para
a resistência de materiais, de tipo ergonométrico e antropométrico; que
se pense, particularmente, em toda a gama de eletrodomésticos.
A importância produtiva dessa tendência em exame se evidencia
pelos mesmos setores merceológicos nos quais intervieram os melho­
res designers. De fato, se Loewy desenhou o pacote de cigarros Lucky
Strike (e as embalagens foram objeto de grande empenho por parte
dos designers norte-americanos da época), trabalhou em vários outros
setores, entre os mais importantes para a indústria (trens, automóveis,
eletrodomésticos), criando grande quantidade de produtos, muitos ai· nda
atuais. Não se pode esquecer que Loewy está entre os maiores artífices de
aparelhagens para os programas espaciais da Nasa7. De seu lado, Teague
estendeu sua atividade a outros campos de notável alcance produtivo:
aparelhos para uso hospitalar, modelos de motores para embarcações e
criação de postos de gasolina que tiveram um enorme peso na mudança
da organização urbana e da paisagem norte-americana. Dreyfuss, como
os demais, legou seu nome à grande produção industrial: basta pensar
na vasta série de aparelhos telefônicos que desenhou como consultor
da Bell Company. Como se vê, estamos bem longe do estereótipo que
quer o styling como alguma coisa que não foi além do tratamento cos­
mético de objetos de consumo comercial.
É certo que a componente "venda", com a relativa força das ações
promocionais, foi uma das que mais deram característica ao fenômeno
do Streamlining. Giedion, reconhecendo que o design industrial nasceu
nos Estados Unidos com essa tendência, escreve:

222
/.- =
a;;;·�,� �'.íh.. -�

Figura 228
R. Loewy, locomotiva para a
estrada de ferro da Pensilvânia,
1937.

Figura 229
H. Dreyfuss, locomotiva para a
New York Central Sy stem.
O profissional que deu amadurecimento a essa mudança foi o designer
industrial. Com estatísticas à mão se poderia demonstrar o sucesso ele sua
atividade. A elevação triunfal das vencias contribuiu para aumentar o seu
poder. De um lado clava-se fé às palavras cio engenheiro, capaz ele saber
como uma coisa deveria ser construída; ele outro, nutria-se plena confiança
nos conselhos do design industrial [ ...] Por si só, o designer industrial
não representa uma personagem nova. Já pusemos em evidência como
Henry Cole, por volta ele 1850, em colaboração com artistas e exercendo
uma crítica direta, soube adquirir uma influência pessoal sobre as indús­
trias inglesas. Mesmo a atividade da Deutsche Werkbuncl, por volta ele
1910, procedia nessa direção. Mas agora nos encontramos frente a novas

dimensões: a série ilimitada que a indústria produz no período ela plena


mecanização foi marcada pelo estilo cio design industrial. Sua influên­
cia sobre a formação cio gosto pode ser comparada apenas à do cinema.
O design industrial não traceja apenas perfis. Nos estúdios renomados,
nos quais trabalham até mais ele cem designers, sornam-se, por conta dos
clientes, pesquisas ele mercado, propostas bem estudadas para a reorga­
nização elas empresas (grandes magazines e indústrias) e, além cio mais,
projetos inteiros ele edifícios, conforme as várias exigências requeridas.
Logo, o designer eleve ser, ao mesmo tempo, artista, arquiteto e organiza­
dor. Ele eleve obedecer a uma única autoridade, ao comprador, ou seja,
ao ditador que nos Estados Unidos impera sobre o gosto. Disso resulta
uma situação ele perigo e ele falta ele qualquer liberdade. A W illiam
Morris era permitido partir ele motivações morais e, portanto, são sobre
essas bases que ele fundamenta sua grande influência histórica. Dife­
rentemente, no período da plena mecanização, a reforma inspira-se na
ditadura cio comprador. Todas as demais considerações são secunclárias.8

Notemos que Giedion, na qualidade de membro do Ciam e ligado pes­


soalmente ao advento elo racionalismo europeu, exprime um julgamento
com base, em parte, na tendência que estudamos, mas tem também a
objetividade de reconhecer, ainda que seja numa história ela mecaniza­
ção, que o quadro da situação norte-americana é totalmente diferente do
europeu, e nessa pars construens9 fornece preciosas informações.
Todavia, quanto ao fenômeno ela venda, nada pareceria mais digno
ele crédito elo que o testemunho de um dos protagonistas dessa história
em exame. Escreve Henry Dreyfuss:

Eram os anos ela depressão, o início cios anos 1930, quando a parali­
sia econômica capturara o país. Os produtos industriais cumpriam

224
6.
O DESENHO INDUSTRIAL NOS ESTADOS UNIDOS

a missão para a qual tinham sido pensados, mas saíam das cadeias
ele produção com uma estagnante monotonia. Quando os negócios
afundaram, as várias empresas começaram a concorrência cios preços.
Enquanto isso, alguns industriais mais sensatos conseguiam com­
preender que, para resolver o problema, se devia aperfeiçoar o serviço
{
dos produtos, tornando-os mais convenientes para os consumidores
e, ao mesmo tempo, melhorando seu aspecto,10

Dreyfuss pareceria confirmar a tese de que o streamlining, ou sty­


ling, caso se queira, estava originariamente ligado à crise de 1929, o que
é, em nosso entender, uma velha opinião a ser posta em dúvida. De
fato, como acreditar que num ambiente social totalmente subvertido,
com ruínas financeiras, falências de bancos e milhões de desocupados,
a produção industrial pudesse dar uma contribuição ao gerar objetos ele
"melhor aspecto"? A retomada econômica ocorreria alguns anos mais
tarde, na fase avançada do New Deal, no qual se tendia a compensar,
programaclamente, o excesso de produção com um poder de compra
'mais elevado por parte das massas populares, cujos interesses deveriam
ser tutelados e favorecidos. Mais do que à estética do produto, o renasci­
mento da indústria nos anos do New Deal se deve a uma política que é
emblematicamente expressa por um manifesto de seu tempo: "quando
você compra um automóvel, você dá três meses ele trabalho a alguém,
e o torna capaz de comprar outros produtos"u_
Mesmo assim, conjuntura econômica à parte, nada de novo acon­
tece na América com respeito à lógica tradicional de venda de produtos
industriais, assim como se via há vários decênios na Europa: depois da
concorrência confiada à competitividade dos preços, se sucede aquela
confiada à qualidade formal do objeto. E nada autoriza supor que essa
última fase fosse em detrimento de sua qualidade técnica e ele sua dura­
ção. Ao se atribuir aos anos do styling a política de vender produtos
atraentes, mas voluntariamente perecíveis, antieconômicos, porque,
além ele tudo, pouco duradouros, corre-se o risco de se antecipar uma
linha de conduta que se firmou apenas depois ela Segunda Guerra, com
o consumismo de massa.
Mais certa nos parece a interpretação pela qual os protagonistas elo
styling tentaram, constantemente, uma mediação entre os interesses da
indústria e os elo público. Observa Filiberto Menna:

Não é, pois, sem razão, que tenha sido um cios maiores representan­
tes cio stylíng design, Raymond Loewy, a interpretar em sua obra e

225
em seus slogans as novas exigências dos consumidores e a agir con­
temporaneamente em duas frentes, a da produção e a do consumo,
convencendo os industriais de que "as coisas feias se vendem mal" e
que um bom desenho também quer dizer bons negócios, mas sem
esquecer de advertir, com um "contraslogan", que "o mais belo pro­
duto não será vendido se o comprador não estiver convencido de que
realmente se trata do mais bonito". 12

Se isso é verdadeiro para o valor estético, está para ser demonstrado que
não o seja para requisitos técnicos e ele durabilidade. Embora sendo pro­
vado que tudo se move sob o signo ela publicidade, que nela se baseia não
apenas a concorrência entre as empresas de um mesmo setor, mas entre
as ele· diversos tipos (a mais característica é a que se dá entre os meios de
transporte - aviões, trens, carros), ela não promete senão o que pode sus­
tentar. A diferença entre a publicidade dessa primeira época elo consumo
ele massa e a atual está em que a dos anos ele 1930, entregue aos melhores
designers, sempre se associa à melhoria efetiva do produto. Para confir­
mar essa convergência ele ambos os objetivos, ele eficiência e ele estética,
recordemos que naqueles anos se difunde, seja ehtre produtores, seja entre
consumidores, a mentalidade da engenharia do produto (product enginee­
ring) e, significativamente, a revista que trazia esse título, publicada em
Nova York a partir de 1930, sustentava o mesmo slogan: a aparência tem
sua importância13. Recordemos ainda que a mesma recomendação foi feita
pelos engenheiros da AEG no longínquo 1907, no ato da posse ele Behrens.
, Quanto à componente "consumo", entendida corno sinal ele consenso
Figura 230 elo público face a um determinado produto, que se precise melhor aquele
G. Jensen, aparelho para a
companhia telefônica Bell,
valor simbólico tantas vezes falado. Depois ele ter lembrado o relevo alcan­
1937. çado pelo styling, especialmente nos anos 1950 e 1960, escreve Menna:
'

E, no entanto, o fenômeno [ ...] representa, ele mesmo, uma verdade,


ao denunciar, por sua presença, a fratura entre algumas das promes­
sas históricas do design e a nova situação social. Além disso, o styling
não buscava condicionar psicologicamente o gosto do público com
a ajuda da publicidade, mas interpretar-lhe os humores e as aspira­
ções, tendo em conta projetos baseados em símbolos e convenções
visíveis, com os quais a coletividade dos consumidores pudesse, ele
algum modo, se reconhecer. Assim, o styling se tornava um instru­
mento de ressemantização do objeto, realizada não só pelo alto- pelo
laboratório do designer e pelo estúdio de publicidade-, mas também
por baixo, pelos estados de espírito dos consumidores, investigados
por meio de pesquisas sempre mais refinadas. 14

Uma hipótese interpretativa desses símbolos, humores e exigências


do público pode ser considerada no famoso artigo de Reyner Banham,
"Industrial Design and Popular Art" (Design Industrial e Arte Popu­
lar). Nele se defende que as características dos objetos que constituem
o grosso da produção atual não são aqueles da arte pura e nem os da
arte popular tradicional, mas a de uma nova arte popular, própria da
civilização industrial:

A arte popular do automobilismo, numa sociedade mecanizada,


é uma manifestação cultural como o são o cinema, as revistas, os
Figura 231
romances pseudocientíficos, as tiras de HQ, o rádio, a televisão, a W.D. Teague, câmera
música ligeira de baile, o esporte: o Buick e seu cintilante virtuosismo fotográfica Kodak, 1936.

227
técnico, sua elegância refinada e sua falta de discrição, respondem
admiravelmente à definição de pop art dada por Leslie A. Fielder. 5 1

A tese de Banham, nascida de uma feliz intuição, é mais adequada


à produção industrial presente do que àquela do período examinado;
nesse sentido, ligada, como frequentemente acontece, ao streamlining,
lhe confere uma interpretação bastante atual. Mais pertinente é a inter­
pretação do mesmo fenômeno dada por Fatreili, que constitui uma
confirmação dos valores simbólicos do movimento.

O styling se pôs nos antípodas da abolição dos atributos de status no


objeto, abolição expressa pela estética da Bauhaus, ao acentuar jus­
tamente o prestígio social do produto, por ser essencial à sua venda,
recorrendo aos símbolos mais atraentes, começando pela ideia de velo­
cidade; e assim se dava início àquela política de desenho que se foi
intensificando na sociedade de consumo atual. Nesse sentido, pode­
-se dizer que o styling, como processo de mercantilização, é o preço
histórico que o design teve de pagar para passar a uma fase ainda preva­
lentemente ideológica, a fim de poder realizar-se por completo; um mal
necessário, caso se queira, na realidade de uma economia competitiva.16

De nossa parte, querendo sempre considerar o consumo como sinal


de consenso e de sucesso de uma produção, a cultura do streamlining
nos parece que deva ser interpretada com respeito a uma tendência
sempre mais reafirmada pelo público. Nos setores merceológicos mais
tradicionais - casa, móvel, decoração, objetos pessoais - tais objetos são
orientados geralmente para tipos e formas ainda artesanais, de alguma
maneira voltados para o passado; ao contrário, para aqueles produtos de
fato novos - automóveis, mais exatamente, assim como outras formas
de veículos, mobiliário de escritório, eletrodomésticos - se prefere tipos
e formas industriais e, de algum modo, ultramodemos. Dir-se-ia que o
gosto corrente quer sempre mais engenharia nos produtos técnicos e
que sempre mais "artísticos" sejam os outros.
Frente a essa diferença, o streamlining nos parece a única tendência
(após as experiências do design histórico que permaneceram experi­
mentais) que haja tentado, em boa parte com sucesso, conferir uma
unidade de estilo tanto aos produtos de alta tecnologia quanto àqueles
originalmente artesanais. Graças a esse estilo unitário e ao seu cativante
simbolismo "moderno", o produto industrial passou de instrumento só
de utilização (trem, avião, embarcações) a um objeto também de posse,

228
6.
O DESENHO INDUSTRIAL NOS ESTADOS UNIDOS

penetrando no domínio da casa e no sistema de decoração e mobiliá­


rio: cozinhas estandardizadas, eletrodomésticos, telefones; mesmo os
móveis, especialmente aqueles produzidos na América, conservarão os
signos do tão discutido styling, que de fato expressou o maior momento
de convergência entre as culturas do design e a do público.
,r

O lnternational Style

Já se mencionou que em 1932 Henry-Russell Hitchcock e Philip Johnson


organizaram, no �Iuseu de Arte Moderna de Nova York, a mostra intitu­
lada The Intemational Style, destinada a ilustrar os melhores exemplos
da produção arquitetônica a partir de 1922. A exposição contou com um
livro redigido pelos mesmos autores, com o mesmo título. Nele, o adje­
tivo provinha do li\To de Gropius, Intemationale Architektur, saído em
1925 na coleção Bauhausbücher, enquanto o substantivo Style represen­

tava a contribuição original de ambos os autores norte-americanos, que


procuravam demonstrar, contra a vontade dos mestres europeus, a legiti­
midade de se falar de '·estilo", mesmo para a arquitetura contemporânea.
Do vasto debate gerado pela mostra e pelo livro homônimo, citamos
um dos juízos mais recentes, o de Tim Benton, tendente a contextua­
lizar a obra de Hitchcock e Johnson, seja entre os arquitetos europeus,
seja no ambiente norte-americano. Escreve ele:

Para Gropius, o adjetivo "internacional" estava carregado de implica­


ções fundamentalmente ideológicas. Aludia _não apenas à genealogia
do modernismo, dos grandes edifícios industriais da América, à obra
dos "pioneiros" do pré-guerra, como Wright, Behrens, Poelzig ou
Berlage, mas também ao mito de uma Internacional supranacional e
antinacionalista - a manifestação de um Zeigeist universal do século
XX [ ...].É importante compreender o que une (além de dividir) essa
visão utópica e socialista da missão da arquitetura com a representa­
ção mais eclética e prosaica que Hitchcock e Johnson dão sete anos
depois. Entre 1925 e 1932, a maior parte dos críticos europeus havia
abandonado a retórica da vanguarda do pós-guerra para se concentrar
mais precisamente, em várias ocasiões, nas causas sociais da arquite­
tura. Sobretudo a construção residencial e a planificação haviam se
tornado os pontos de contato que unificavam os grupos de arquitetos.
A eficácia do Ciam dependia de um consenso geral sobre hipóteses

229
relativas aos objetivos práticos e políticos da arquitetura [ ...] Hitch­
cock e Johnson se encontraram, por isso, constrangidos a realizar
um jogo duplo de prestígio, a fim de tornar acessível a arquitetura
europeia a um público norte-americano. Eles tiveram que descontex­
tualizar o modernismo ele suas causas políticas e funcionais e inventar
uma "lógica estética" que desse a impressão ele explicar urna práxis
arquitetônica generalizada, sem, no entanto, comportar uma discus­
são hegeliana totalizante, que seria estranha ao mundo anglo-saxão.'7

Como quer que seja, a fórmula foi encontrada e, embora compreendida


de maneira vária, a ideia ele um International Style alimentou a produ­
ção arquitetônica até quase os nossos dias.
Mas ao fim elo presente discurso, é necessário aprofundar essa ideia.
Hitchcock e Johnson, como já assinalado, acreditavam que a produção
arquitetônica ela última década, com seus intentos racionais e formais,
reencontráveis em vários países do mundo, tivesse então definido um
estilo, caracterizado e reconhecível para poder aproximar-se elos estilos
passados. Com efeito, esposando essa tese, não pretendiam fazer outra
coisa senão revindicar um valor artístico para a arquitetura, e mesmo
quando se ocupavam elos aspectos técnicos e sociais elas construções
modernas, o faziam enquanto esses últimos entravam numa concepção
estética. Ambos chegaram mesmo a indicar os três princípios básicos
desse código-estilo: a concepção ela arquitetura como volume, ou como
espaço definido por planos ou superfícies finas, em contraste com o
sentido ela massa e da solidez; a composição baseada antes na regula­
ridade elo que na simetria e outros tipos óbvios ele equilíbrio; o gosto
por materiais, pela perfeição técnica e pelas proporções, em oposição
à decoração aplicada.
Até que ponto as ideias e preceitos elo International Style se
estenderam ao campo do design? Por agora, recordemos os principais
interiores decorados que figuravam entre as ilustrações elo livro: uma
sala ele estar ele Josef Albers, preparada para uma construção ele Ber­
lim, em 1932, na qual figura um grupo de poltronas e divã em estrutura
ele madeira e faixas de compensado curvado; um quarto ele Marcel
Breuer, apresentado naquela mesma exposição, composto ele móveis
cuja estrutura era de aço tubular curvado; a sala de estar ela vila De
Manclrot, de Le Corbusier, com um sistema ele mesa e ele cadeiras
em madeira, de linhas elementares, e um grupo de poltronas cujas
partes embutidas eram sustentadas por tubos metálicos ( ele autoria ele
René Herbst e Hélene de Mandrot); a sala ele estar ela vila Church,

230
6.
O DESENHO INDUSTRIAL NOS ESTADOS UNIDOS

de Le Corbusier, decorada com móveis que o arquiteto havia proje­


tado e executado em 1929, em colaboração com Charlotte Perriand,
vale dizer, o fauteuil grand confort (poltrona espaçosa), a siege à dos­
sier basculant ( cadeira sem braços com espaldar basculante), a chaise
Zangue à réglage continu ( cadeira de braços reclinável com regulagem
(
contínua); um interior da casa Tugendhat, de Mies van der Rohe, com
mesas de sustentação metálica, a cadeira tubular com balanço, modelo
Weissenhof, as poltronas semelhantes à Barcelona, mas diferentes na
sustentação metálica, sem pernas traseiras; um quarto projetado por
Lilly Reich, também apresentado na mostra de Berlim, e bastante
semelhante a outro idealizado por Breuer; o interior de um aparta­
mento em Berlim, de Jan Ruhtenberg que, além ele utilizar cadeiras
de Mies, trazia móveis elaborados na mais esquemática simplicidade ..
Como se vê, quase todo o catálogo elas peças clássicas do raciona­
lismo europeu; assim é que o lnternational Style foi entendido como
um estilo baseado na estereometria elementar ele móveis destinados à
guarda ele objetos {estantes, armários, aparadores etc.), no emprego do
àço curvado como estrutura para poltronas e cadeiras, na ausência de
qualquer decoração, assim como nos três princípios básicos que Hit­
chcock e Johnson haviam teorizado para a arquitetura. Acrescente-se
que, pela simplicidade do método e a facilidade das regras, esse gosto
de mobiliário difundiu-se por todos os países, legitimando o atributo
de "internacional", mesmo se os processos industriais tenham sido
diferentes de uma nação para outra.
No que se atém aos Estados Unidos, é significativo recordar o grau
ele informação existente ao redor desse estilo de mobiliário, emble­
maticamente expresso pela Bauhaus. Ainda em 1938, Alfred H. Barr,
referindo-se à mostra dedicada à escola alemã no Museu ele Arte
Moderna de Nova York, escrevia:

É difícil lembrar-se ele como e quando a América ouviu falar pela


primeira vez ela Bauhaus ( ...]. Só depois da grande exposição de 1923
chegaram à América notícias sobre um novo gênero ele escola ele arte
na Alemanha, na qual famosos pintores expressionistas, como Kan­
dinsky, combinavam sua força com artesãos, projetistas e industriais,
sob a direção geral ele um arquiteto, Gropius [ ...). Não nos admira­
mos de que alguns jovens [ ...] começassem a olhar a Bauhaus como a
primeira escola cio mundo onde os problemas cio design fossem trata­
dos realisticamente, numa atmosfera moderna [ ...] alguns objetos ela
Bauhaus, trabalhos tipográficos, pinturas, estampas, cenários, projetos

231
de arquitetura, objetos industriais, talvez tenham sido incluídos em
exposições norte-americanas [ ...]. Aparelhos ele iluminação ou cadei­
ras com tubo ele aço foram importados pela América ou copiados.
Estudantes norte-americanos da Bauhaus voltavam à pátria, após a
revolução dos professores da Bauhaus, em 1933, que tiveram que sofrer
pelas convicções malucas cio novo governo, segundo o qual os móveis
modernos, as prateleiras e armários com teto plano e a pintura abstrata
deviam ser rejeitadas como obras degeneradas ou bolcheviques. Desse
modo, com a ajuda ela América, os clesigns, as ideias e os homens da
Bauhaus, que constituíam uma das mais substanciais contribuições
culturais ela Alemanha moderna, se difundiriam por todo o mundo. 18

Como se vê, as notícias sobre a escola alemã são escassas para grande
parte do público norte-americano em finais dos anos de 1930. Mais
complexa é a questão das relações estabelecidas com as forças locais por
parte dos professores da Bauhaus, quando emigraram para os Estados
Unidos, após o advento do nazismo. Erwin Panofsky, falando dos desen­
volvimentos que esse país teve no campo ela história da arte, e após ter
lembrado em particular o nascimento e o desenvolvimento cio Instituto
ele Belas-Artes de Nova York, escreve:

Tudo isso, porém, não seria possível se o seu diretor, Walter Cook, não
houvesse demonstrado possuir uma visão ampla, tenacidade, senso
para os negócios, dedicação incondicional e ausência ele preconceitos
(Hitler é meu melhor amigo, costumava dizer: ele sacode a árvore e
eu recolho o mel) e se não estivesse numa situação providencial ele
sincronismo entre o nascimento do fascismo na Europa e o floresci­
mento da história da arte nos Estados Unidos.'9

Mas se o "transplante" deu resultados no setor ela história da arte,


e em muitos outros, não se pode dizer o mesmo cio design. Antes ele
tudo, Gropius não quis retomar na América a experiência de sua escola
europeia; outros tentaram essa operação: Moholy-Nagy fundou a Nova
Bauhaus, em Chicago; organismos similares nasceram no Black Moun­
tain College, ao redor ele Albers e de Schawinsky; na seção do Armam
Institute, de Chicago, ao redor de Mies van der Rohe e ele Hilberseimer;
na School of Industrial Design, ele Nova York; na School of Industrial
Design, da Carolina cio Sul. No entanto, se bem que tenham edu­
cado mais de uma geração ele designers norte-americanos, esses mestres
europeus se concentraram mais sobre a pesquisa do "desenho visual"

232
6.
O DESENHO INDUSTRIAL NOS ESTADOS UNIDOS

(Moholy-Nagy, Albers), e não propriamente sobre o verdadeiro design.


O certo é que as maiores personalidades, Gropius, Mies e Breuer, pre­
feriram se dedicar à arquitetura.
Mas a existência de um International Style no setor do design não
se limita à influência dos móveis tubulares de aço nem à presença de
,r
professores europeus na América. Contam-se muitas experiências que
desde um bom tempo foram conduzidas em sintonia relativamente cons­
ciente de um lado e de outro do Atlântico. É o caso típico da assembled
kitchen, a conformação de móveis e de equipamentos depois conhe­
cida como "cozinha americana". O problema foi posto por Catherine
Beecher (sobrinha da autora da Caoana do Pai Tomás), que pensou no
ambiente da cozinha e de seu mobiliário em conexão com temas do
feminismo, da abolição ou da redução pessoal dos serviços domésticos,
de um usufruto mais racional do espaço, conseguindo formular proposta
concretas, desenhadas. Foi sua a ideia de unificar a altura dos planos
de trabalho, sobre os quais estaria disposta a série dos móveis "baixos",
cada um deles destinado à conservação dos mantimentos ou empregados
para repor os utensílios, enquanto nas paredes ficava suspensa a série
de móveis "altos-, contendo vidros, pratos e louças. É significativo que
o livro da sobrinha Beecher, publicado com grande sucesso em 1869,
intitulou-se The American Woman's Home (A Casa da Mulher Norte-A­
mericana) e o dedicado em grande parte ao mesmo assunto, publicado
em 1915 por Christine frederik, tivesse por título Household Engineering
Scientific Management in the Home (Administração Científica de Enge­
nharia Doméstica): a racionalização da cozinha, a questão ela economia
doméstica, tomou-se no entretempo um problema a ser resolvido em
termos de engenharia aplicada à residência; que não se esqueça, por
outro lado, que no lapso de tempo que intercorre entre as duas obras
citadas, Taylor já ha\ia conduzido seus estudos e experimentos sobre os
movimentos do operário na fábrica e seus tempos relativos de trabalho.
O tema da cozinha norte-americana passa depois à Europa e ainda
é significatirn que Ema �eyer publique, em 1926, um livro cujo título
é quase a tradução alemã daquele de Frederick: Der neue Haushalt,
Ein Weg weiser ::u u.irtschaftlicher Haushaltsfühnmg (O Novo Orça­
mento: Um Guia Para a Boa Gestão Financeira). No velho continente,
a forma da cozinha não é apenas um problema de economia doméstica
e nem se resolve segundo os métodos ele engenharia, mas entra nos estu­
dos ela arquitetura relativa à distribuição e racionalização elo aposento
mínimo, popular. Em seu livro, que teve quarenta edições, Ema Meyer
se vale elas sugestões ele J .P. Oucl que, na Holanda, havia enfrentado o

233
THE MASTODON
AIR·TIGHT COOKING RAIGE,
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problema. Em 1923, na casa experimental da Bauhaus, a Haus
am Horn, realiza um novo passo para a unificação e distribui­
ção dos elementos que compõem a cozinha; em 1927, no bairro
de Weissenhof, em Stuttgart, em seu catálogo de alojamentos
experimentais, quase todos os arquitetos tiveram a preocupação
ele organizar a cozinha, cujos elementos, além disso, oferecem
campo de aplicação na casa com critérios de padronização e
unificação. Naquela ocasião, Oucl apresenta o primeiro exem­
plo ele disposição planimétrica dos móveis em L, assim como do
plano ele trabalho sistemático abaixo do parapeito da janela. O
ponto ele chegada das pesquisas europeias foi a cozinha adotada
no bairro Frauheim, de Frankfurt, bairro projetado por Ernst May.
A cozinha, idealizada pela arquiteta vienense Grete Schütte-Lihotzky,
assume e dá forma a muitos elos requisitos há muito procurados: disposi­
ção ela planta em U de todos os elementos, ele modo que a dona de casa
possa trabalhar tendo ao alcance da mão todo o necessário; paridade
Figura 232
(no alto, à esquerda) de altura ele todos os móveis apoiados no solo (pia, mesa de prepara­
Frontispício do livro das irmãs ção, aparador, fogão), a fim de obter a máxima continuidade de planos
Beecher, American Woman's de apoio; paridade de altura dos móveis suspensos nas paredes e sua
Home, 1869.
modulação compatível com a dos aparelhos baixos; a mesa de prepara­
Figura 233 ção posta sob o peitoril ela janela para conseguir a máxima iluminação.
(embaixo, à esquerda) Esquema Em síntese, unificação elos elementos (e elos movimentos) horizontais
de organização da cozinha. e unificação elos elementos (e dos movimentos) verticais. Chamada
Figura;234 por Ernst May em 1925 para colaborar com o escritório de construção
(no alto, à direita) Publicidade de Frankfurt, Schütte-Linotzky foi capaz, um ano depois, de preparar a
de aparelhos para cozinha, primeira cozinha aberta para a sala do município. Depois ela instalação
produzidos em Boston em
1847.
nas casas do bairro, a cozinha de Frankfurt foi construída em série com

234
O DESENHO INDUSTRIAL NOS ESTADOS UNIDOS

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1 [§9 li
uma produção entre quatro e cinco mil unidades, e com uma contínua Figuras 235-236
redução de preço. passando de 400 para 280 marcos. Cozinha Frankfurt,
A que foi elaborada na Europa, embora a antecipando sob muitos de G. Schütte-Lihotzky, 1927
(planta e perspectiva).
aspectos, não é ainda a -cozinha americana", com seus elementos modu­
lares, componí•·eis. incluindo-se o fogão, a pia, o lava-louça e a geladeira,
também eles reduzidosa urna modularidade tal capaz de tornar unitária
a imagem do conjunto. Para que esse complexo fosse realizado deveriam
se passar ao menos outros quinze anos. Enquanto isso, novamente na
América, a indústria empenhou-se em produzir isoladamente as várias
"máquinas", sobretudo as de lavar automaticamente, o refrigerador, o Figura 237
fogão com seus \Êossistemas de alimentação etc., cada um com carac­ Prospectiva da cozinha
em nicho de F. Schuster para
terísticas técnicas próprias e, o que mais conta, com suas dimensões alojamentos populares
que eram obstáculos tomando difícil a sua reunião naquele conjunto em Frankfurt, 1925.
unitário acima descrito. Uma dificuldade, que não foi das meno­
res, foi a de com·encer os fabricantes de pias, de lavadoras e
ele refrigeradores da com·eniência de não se produzir os equi­
pamentos separadamente, e sim modelos que entrassem num
sistema coordenado. Para obter tal resultado, fez-se necessário
o esforço produtirn de \'árias indústrias, a contribuição de várias
instituições e até mesmo uma campanha ele jornal. Em 1930, a
iniciativa foi assumida pela Companhia de Gás do Brooklin, que
encarregou Lillian :\I. Gilbreth de estudar os vários elementos
ela cozinha como um produto industrial unitário. Em 1932, a
General Electric Company organiza um concurso para a "The
House forModem Living" (A Casa Para a VielaModerna), tendo

235
em vista ainda os fundos que o governo havia reservado para projetos
de casas unifamiliares com os sistemas construtivos e o mobiliário mais
avançado. A imprensa especializada, os jornais femininos, divulgaram for­
temente o tema da cozinha e pode-se dizer que a ação promocional dos
empreendimentos nunca mais pararam. Giedion lembra a mostra "Day
After Tomorrow's Kitchen" (Cozinha de Depois de Amanhã), organizada
pela empresa Libbey, Owens e Ford, levada aos grandes magazines em
1944-1945, na qual, como ainda se estava em guerra, substituíam os mode­
los por móveis de madeira, mais tarde feitos em metal.
Na história do produto industrial, a cozinha norte-americana assume
um papel importante pelas evidentes implicações sociais, econômicas e,
mais tarde, de status. Como contemporânea do movimento streamlining
(e é nessa morfologia que ela se realiza nos anos de 1940, na América),
assume o seu espírito: conferir um aspecto agradável a um ambiente
mecanizado, escondendo os próprios mecanismos e dando ao conjunto
uma imagem de extrema eficiência. Mas a mecanização da cozinha é
um fenômeno emblemático por ser fruto de uma pesquisa internacio­
nal com contribuições de um lado e de outro do Atlântico. Nascida em
todos os lugares como problema social de organização racional da casa,
na Europa foi resolvida em termos de arquitetura e decoração, quer
dizer, de maneira distributiva; nos Estados Unidos, diferentemente, foi
concebida em termos de design industrial e será concretizada quando
se tornar um produto industrial, com seus componentes comerciais e
de consumo seguro.
Evidentemente, esse não é o único tema do lnternational Style no
campo do design. Assinalamos a influência dos emigrantes europeus
no setor dos móveis; vejamos agora a contr.ibuição que a América dará
à internacionalidade do estilo no mesmo setor.

O Furniture Design

Se o automóvel, os eletrodomésticos, a assembled kitchen ( cozinha pla­


nejada), as máquinas e aparelhos eletrônicos da ITT e da IBM são os
produtos mais emblemáticos da indústria norte-americana, esta parece
) dar o melhor de si, desde o final da guerra até os anos de 1970, ao que
se relaciona com o design no setor de móvel. Para esse convergem, de
fato, a tradição do streamlining, a herança da Bauhaus, a lição de Alvar
Aalto, os modelos de Le Corbusier, a vasta e conhecida experiência

236
6.
O DESENHO INDUSTRIAL NOS ESTADOS UNIDOS

tecnológica amadurecida durante o conflito, assim como o espírito da


melhor cultura autóctone (Greenough-Melville), encarnado na obra de
Charles Eames (1907-1978), o maior expoente do fumiture design (design
de mobiliário) e o primeiro desenhista norte-americano de móveis que
se impôs no campo internacional.
Além de se limitar ao setor dos móveis, o nosso exame se deterá
sobre os produtos de apenas duas dentre quatro mil empresas operando
na América; e todaúa, tanto pela alta qualidade de suas produções
quanto por suas conotações formais, simbólicas, socioeconômicas, cre­
mos poder deduzir uma ideia da história do design nos Estados Unidos
nesses últimos anos, aplicando a tais firmas os quatro parâmetros do
nosso esquema.
As empresas consideradas são a Herman Miller Furniture Company
e a Knoll Intemational. Da primeira, surgida numa pequena cidade do
Grand Rapids (:'.\Iichigan), em 1905, George Nelson, arquiteto, designer
e consultor de 1944 a 1965, escreve:

É uma pequena empresa, de uma pequena cidade, dirigida por seus


próprios donos. O que a distingue das outras empresas do setor são os
seguintes princípios: 1. Aquilo que se faz é importante; 2. O design é
um componente essencial da nossa atividade; 3. O produto deve ser
honesto; 4. É você quem decide o que deve ser produzido; 5. Existe
um mercado para um bom design. O programa se propõe o objetivo
de preparar uma coleção permanente. Isso significa que cada peça é
produzida enquanto for atual ou puder ser melhorada. 20

A segunda empresa foi fundada por um jovem moveleiro alemão,


Hans Knoll, emigrado para a América juntamente com os professores
da Bauhaus, com o advento de Hitler. Iniciou sua atividade em Nova
York, em 1938, com um pequeno laboratório, que recebe um impulso
significativo de Florence Schust a partir de 1943. Do matrimônio de
ambos e graças à intervenção de outros designers, em 1946 nasce a Knoll
Associates, que se tornará, em 1951, a Knoll International, quando a
empresa abrir filiais em muitos países. Mas o aspecto mais interessante
dessa história está na circunstância singular: a de que os primeiros e
principais designers de ambas as empresas provêm de um único centro
didático - a Cranbrook Academy of Art, de Bloomfield Hills (Michi­
gan). Nesse instituto se formam ou ensinam Charles Eames, Ray Kaiser,
ambos designers da Herman Miller, e Florence Schust, Eero Saarinen,
Harry Bertola, esses da Knoll Associates.

237
A escola de Cranbrook foi fundada e dirigida por Eliel Saarinen,
o maior arquiteto finlandês ela geração dos mestres, emigrado para os
Estados Unidos em 1925, tendo obtido o segundo lugar no concurso
para o edifício elo Chicago Tribune. O instituto nasceu graças ao suporte
econômico e o interesse artístico de George G. Booth, editor elo Detroit
News, tendo sede em sua casa ele campo. A colaboração entre Saarinen
e Booth baseava-se no intento comum de aumentar as relações entre
as artes maiores e as artes aplicadas, sob a veneração comum à obra ele
Morris e elo Arts anel Crafts e a instituições europeias, em especial a
Wiener Werkstatte. Percorrendo tais experiências e as atualizando, cria­
ram na residência ele Cranbrook um lugar em que arquitetos, artistas
e artesãos podiam residir e trabalhar livremente: para tanto, dotaram a
propriedade ele oficinas, estúdios, escola e habitações, organicamente
projetadas por Saarinen e tornadas bastante vivas pelas experiências que
ali se conduziram por alguns decênios. O clima europeu ela escola, os
dotes de arquiteto e ele professor de Saarinen, a gestão particularmente
personalizada elo instituto (sua mulher, seu filho e sua filha se ocupavam
das artes aplicadas e da decoração), o intuito crítico de seu diretor, o cha­
mado ele Eames para ensinar, em 1935, apesar ele seu currículo incerto
(havia estudado apenas dois anos na Washington University de Saint
Louis e depois aberto um estúdio particular), um experimentalismo
artesanal a meio caminho entre a Escola de Glasgow e o organicismo
escandinavo, fizeram ele Cranbrook uma outra "ponte" entre a Europa
e a América, em muitos aspectos bem mais importante elo que outras
tentativas de repropor a Bauhaus nos Estados Unidos.
Quanto à componente "projeto" das duas instituições em exame, a
análise deve partir do famoso concurso Organic Design in Home Fur­
nishing. Anunciado pela recém-constituída seção ele design do Museu ele
Arte Moderna ele Nova York (MoMA), em 1940, foi vencido por Eames e
Saarinen, que apresentaram quatro projetos ele cadeiras e soluções para
móveis componíveis. Se tais projetos constituem a célula originária que
fará nascer toda uma gama ele modelos e produtos, sobreh1do no campo
ele cadeiras e poltronas, para compreender a sua morfologia, antes mesmo
ele descrever seu lado técnico, é necessário reiterar uma classificação mais
geral.
Os móveis racionalistas e orgânicos, que depois confluíram para o
International Style, podem ser reduzidos a duas tipologias morfológicas
opostas: o "descontínuo" e o "contínuo". A primeira tipologia pode em
seguida ser dividida em "descontínua por elementos" e "descontínua por
partes"; a segunda, em "contínua por elementos" e "contínua por partes"

238
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Figura 238
Ch. Eames e E. Saarinen, poltrona desenhada
para o concurso Organic Design in Home
Furnishing, exibido em 1940 no Museu de Arte
Moderna de Nova York.
ou "por uniformidade de materiais". Com a expressão "descontínuo por
elementos", pretendemos indicar aquele tipo de móvel cujo volume se
decompõe em plano ou elemento linear, cada elemento conservando
sua própria individualidade, ligado de modo claro e evidente; paradig­
mático nesse sentido são os móveis de Rietveld do período neoplástico.
A tipologia do "descontínuo por partes" é sobretudo aquela de cadeiras
e poltronas, cuja parte portante ou de suporte é claramente distinta da
estrutura não portante de espaldar e braços; que se pense no fauteuil
grand confort ele Le Corbusier ou na Barcelona, de Mies van der Rohe.
Os móveis do tipo "contínuo por partes" são conceitualmente similares
aos precedentes: apreseritam partes portantes e não portantes, mas umas
e outras são realizadas com o mesmo material, o que termina por con­
ferir uma homogeneidade e, precisamente, uma continuidade entre as
partes: exemplares são as cadeiras e mesas de Alvar Aalto. Por fim, a tipo­
logia cio "contínuo por elementos ou por uniformidade" compreende
aqueles móveis assim chamados "monoblocos", nos quais se verifica uma
ínfima distinção entre as partes, devida sobretudo à homogeneidade do
material empregado: nos referimos a mesas e cadeiras estampadas em
plástico. Como se colocam a respeito dessa classificação e no que a ino­
vam os móveis ela Miller e ela Knoll?
O modelo principal idealizado pela equipe Eames-Saarinen para
o concurso de 1940 consistia em uma poltrona derivada ele uma grande
estrutura formando o assento, o dorso e os braços. A plasticidade dessa
ampla e acolhedora forma fazia um grande contraste com as quatro pernas
estreitas, inclinadas a fim de melhorar a estabilidade do móvel. Eviden­
temente, estamos em presença ele um tipo descontínuo por partes, pelo
encaixe direto das pernas na estrutura portante, acentuando-se a diversi­
dade com respeito aos modelos europeus. Grosso modo, pode-se dizer que
desse paradigma comum partem as linhas que diferenciarão a produção
sucessiva de ambos os designers. De fato, após a guerra, Eames desenhará
cadeiras e poltronas para a Miller caracterizadas pela descontinuidade e
clara distinção das partes, enquanto Saarinen, ao enfatizar a componente
plástica do modelo originário, desenhará para a Knoll uma outra série cujo
caráter será justamente a continuidade e o aspecto monolítico.
Querendo individualizar-se a contribuição específica ele Earnes, diga­
-se que, diferentemente elos racionalistas europeus, que acentuavam com
frequência a separação entre partes portantes e não portantes, ele, embora
conservando o destaque, dá-se ao cuidado de encontrar um equilíbrio
entre elas. Assim, na "cadeira Eames" - tendo-se o assento e o espaldar
com elementos curvos de compensado e o suporte elaborado com aço
6.
O DESENHO INDUSTRIAL NOS ESTADOS UNIDOS

curvado, formando quatro pernas -, a parte de madeira, tornada flexível


pelos círculos ele borracha dispostos nos pontos ele conexão, resulta numa
espessura fina, assim como é a estrutura metálica ele sustentação. De
maneira análoga, na série Wire Chairs, a rede ele metais em círculo que
configura a estrutura não portante é distinta cio suporte, mas perfeitamente (
harmônica com a trama fina cio elemento que lhe dá conformação. A
prova ele que o autor, rompendo com esquemas europeus, quer obter a um
só tempo o contínuo e o descontínuo entre o suporte e a estrutura, está na
ideia ele revestir esta última ele tecido, às vezes recobrindo-a inteiramente,
às vezes só em parte. Outro exemplo ele clescontinuiclacle é oferecido
pela famosa Upholsterecl Longue Chair anel Ottoman ( cadeira ele braços
reclinável, estofada, e otomana) ele 1957, que abre a série elas poltronas
com apoio de pé, inspiradas na chaise-longue à deux corps cio século XVII.
De seu lado, Eero Saarinen, filho de Etiel, se já em 1948 também dese­
nha para a Knoll uma poltrona com apoio ele pé, na qual a grande estrutura
estofada é mantida por uma fina estrutura metálica diferente, com a série
Tulipano, produzida pela mesma empresa em 1957, alcança o máximo da
continuidade entre as partes portantes e não portantes, realizando, além
disso, graças ao emprego ele material plástico, mesas, cadeiras e poltronas
ele pé único, em forma ele cogumelo. A esse propósito, escreve Saarinen:
"No que concerne aos modelos com uma só perna, eleve-se observar que,
num mobiliário de interior tradicional, as partes inferiores elas mesas e
cadeiras criam uma confusão intricacla e irritante. Queria acabar com o
caos elas pernas; queria fazer ele uma cadeira novamente uma uniclacle."21
A linha da descontinuidade retorna na série de cadeiras e ele pol­
tronas de Harry Bertoia, também ela produzida pela Knoll. Claramente
referindo-se a Eames, Bertoia propõe um cavalete de apoio em aço arre­
dondado, de forma quase estanclarclizacla, no qual encaixa estruturas em
rede de aço de várias maneiras, com ou sem revestimento em tecido
elástico. Coerente com sua origem ele escultor, Bertoia projeta móveis
que em parte desmentem a sua natureza para se mostrarem como obje­
tos destacados, com valor plástico.
Ainda sobre a componente "projeto" das duas mais importantes
empresas norte-americanas, diga-se que Miller extraiu as suas formas
aproveitando-se melhor das novas tecnologias, que veremos adiante
com maiores detalhes, e os seus móveis reproduzem bem mais a linha
orgânica cio que a racional, para usar o binômio das duas correntes anta­
gonistas cios anos de 1950, enquanto a Knoll, especialmente na série ele
mesas, ele armários baixos e clivãs, projetados por Florence Knoll, orien­
ta-se principalmente sob o rigor estereométrico dos móveis racionalistas.

241
Outra notável diferença entre ambas as empresas está no fato ele que a
Miller produziu exclusivamente móveis contemporâneos e projetados
por si, enquanto a Knoll, coerente com sua maior vocação racionalista,
produziu modelos que Mies van der Rohe havia projetado nos finais
elos anos ele 1920, iniciando assim aquela "retomada" elos mestres ele que
outras firmas se utilizaram mais recentemente. Pensamos em particular
na Cassina da Itália, que produziu em série, sob a curadoria ele Filippo
Alison, primeiramente os móveis ele Le Corbusier, depois os ele Mac­
kintosh, ele Rietvelcl, ele Gunnar Aspluncl etc.
Para a componente "produção" elas duas empresas examinadas,
retomemos o discurso elo móvel principal desenhado por Eames e Saa­
rinen, apresentado no concurso ele 1940: a já citada poltrona formada
por uma estrutura única ele assento, espaldar e braços, sustentada por
quatro pernas metálicas, incrustadas na própria estrutura. A realização
desse modelo revolucionário foi tentada construindo-se a estrutura com
peças marchetadas ele madeira e cola e a modelando em uma fôrma ele
gusa. O revestimento foi feito com uma camada ele espuma ele látex,
colada diretamente sobre a estrutura ele assento. Para o encaixe elas
quatro barras ele alumínio era necessário inventar um sistema capaz ele
ligar materiais heterogêneos; um sistema só mais tarde encontrado em
experimentos para a indústria militar; assim é que, para o protótipo ori­
ginal, foi preciso preencher com suporte ele madeira.
A solução desse problema técnico, e ele numerosos outros, como a
dobradura elo compensado ele madeira, ele maneira tridimensional, a téc­
nica ele solda por pontos, o uso ele novos materiais plásticàs etc., se eleve
às experiências que Eames conduziu durante os anos ela guerra. Nesse
período, trabalhando para uma indústria ele aviões, a Evans Proclucts
Company, para a marinha militar e, em geral, ocupando-se ele setores
aparentemente específicos, longe elos campos tradicionais ela produção
ele móveis, teve meios ele apropriar-se ele soluções para certos proble­
mas técnicos e ele inventar novas, como o atesta a aplicação que delas
fez quando retomou a atividade ele designer ele móveis no pós-guerra.
Mas antes ele nos ocuparmos delas, recorde-se o que escreveu Le
Corbusier nos anos 1920, pois a sua lição é uma que Eames parece ter
seguido fielmente. A propósito elas novas tecnologias, o mestre suíço
escrevia vinte anos antes:
Figura 239
Ch. Eames, cadeira, 1946. Antes ele tudo, afirmamos sem rodeios que não há qualquer razão pela
Figura 240 qual a madeira permaneça a matéria-prima elo móvel. Caso solicitada,
Poltroninha, 1950. a indústria está pronta a propor urna série ele novidades: aço, alumínio,
Figura 241
Ch. Eames, cadeira de metal
entrelaçado, vista de cima.

Figura 242
Cadeiras de metal entrelaçado,
1948 e 1951.
cimento (com tratamento particular), fibra e [ ... ] aquilo que ainda não
sabemos! [ ... ] As fábricas de aviões e de carrocerias usam a madeira
com sistemas tão novos que o móvel de madeira não tem mais o direito
de ser concebido como o foi, e nós, que temos um conceito ele móvel
conforme a tradição, estamos obrigados a nos reeducar. Antes vigo­
rava a economia cio passado, agora, a do presente, feita ele ciência com
bastante fôlego, um sistema de experimentação (com consequências
dramáticas - os aviões) e ele controle de laboratórios. 22

Em 1946, Eames, como já se disse, entra novamente na cena profis­


sional. Inicia sua colaboração com a Herman Miller, com a sugestão de
George Nelson, e elabora a sua cadeira "base", a já mencionada Eames
Chair, em que ao material lenhoso são aplicados, pela primeira vez,
suportes de borracha, soldados eletronicamente ao assento e ao espaldar
nos pontos em que se conjugam com os suportes metálicos. Assim conse­
gue obter uma elasticidade nunca vista num móvel sem o uso de mola.
Em 1948, no concurso internacional Competition for Lowcost Furniture
Design, apresenta um modelo, dessa vez baseado em material plástico,
em particular em resina de poliéster, reforçada com fibra de vidro, usada
em aeroplanos. Na série de cadeiras em metal mesh, a tecnologia usada
é a da solda por pontos, enquanto estudos particulares fazem com que
o desenho da rede metálica, constituinte da estrutura de assento, derive
da ideia de se acompanhar o deslocamento da força-peso da pessoa que
se senta. E o elenco das experiências técnicas capazes de sugerir formas
poderia continuar adiante; aqui, basta dizer que Eames pensava que "os
detalhes não são detalhes. São eles que fazem o produto".
A estreita conexão entre resultado formal e o domínio tecnológico
leva a considerar os seus modelos, como de resto aqueles dos melhores
autores na história do design, num ponto limite entre o projeto e a pro­
dução. Uma confirmação disso é o juízo de Arthur Drexler: "Charles
Eames criou ao menos três dos mais importantes projetos de cadeiras do
século xx [ ... ] Pode-se dizer que o seu controle da tecnologia moderna
estabeleceu novas normas tanto para o design quanto para a produção."23
Ainda que tecnicamente irrepreensíveis, os modelos da Knoll não
apresentam as mesmas características de avançado experimentalismo.
Um de seus modelos mais importantes nesse sentido, a série Tulipano
de Saarinen, só em parte consegue alcançar o ideal de um móvel mono­
lítico, realizado com um só material: enquanto a estrutura de assento
é de plástico, a sua sustentação, pintada de branco para uniformidade
de aspecto, é de fato elaborada em alumínio. Foi também a Herman

244
6.
O DESENHO INDUSTRIAL NOS ESTADOS UNIDOS

Miller que primeiramente obteve essa unidade plástica (poliéster e fibra


de vidro) com a cadeira em S de 196o, desenhada por Verner Panton,
um designer dinamarquês residente na Suíça.
Essa diferença tecnológica entre a Herman Miller e a Knoll Inter­
national se reflete na política de produção. Os produtos da primeira são
animados pelo "espírito" do design, de modo que possam, por assim
dizer, estar sozinhos: em casa, no escritório, num laboratório de pes­
quisa. Os da segunda sempre parecem idealizados em função de um
ambiente; são concebidos mais como elementos de decoração do que
como produtos de design.
E vamos à componente "venda". Os produtos idealizados por Eames
e Saarinen, e consequentemente pelas empresas para as quais traba­
lhavam, receberam um forte impulso promocional de um instituto
prestigioso, como é o caso do MOMA de Nova York, em suas princi1jais
mostras. Mas além de promover e publicizar em alto nível a produção
exposta, o instituto desenrnlveu uma atividade com aspectos muito perti­
nentes à questão da \·enda. Recordemos que já o concurso ele 1940 nascia
com o acordo comercial estipulado com a rede Bloomingsclale, que se
empenhou em pôr à ,·enda os móveis premiados. Uma outra significa­
tiva intervenção do museu foi em 1948 (quando Eames já era projetista
da Miller), por ocasião do concurso para móveis "a baixo custo". Em
tal concurso, o modelo de Eames recebeu apenas o segundo prêmio,
pois foi julgado muito caro; o designer reestudou o projeto, encontrou
a solução mais econômica e a Miller o produziu, não sem antes tirar
vantagem da publicidade que o episódio havia causado. Quando, em
1973, o mesmo museu preparou a antológica mostra Charles Eames,
Furniture from Design Collection, o sucesso cultural e comercial, seja
do designer, seja da empresa, foi definitivamente ratificado.
Certamente, esse tipo de lance promocional não é novidade; há
cerca de um século e meio se preparam mostras e se anunciam concursos
nos maiores museus e institutos do mundo, mas nesse caso nos encontra­
mos frente a um fenômeno novo. Com a tranquilidade daquele lowcost
(baixo custo), justificado em certos aspectos pela política ele venda que
se seguiu nos anos do pós-guerra, a ação promocional de um centro de
cultura de prestígio tem um papel diverso daquele do passado. Parado­
xalmente, agora não se trata mais ele incentivar uma grande produção e
venda de massa, e sim aquela reservada a uma elite, aquela que frequenta
o museu, atraída pela arquitetura, pelas artes visuais e pelo design ele uma
vanguarda que, na América, perdeu o seu elemento revolucionário para
se dar a uma cultura fruitiva, a de uma burguesia iluminada.

245
Nesse ponto, que seja dito que tanto a Herman Miller quanto a
Knoll International, ligadas sob vários aspectos ao design histórico, e
assim prontas a realizar aquilo que os racionalistas e os orgânicos só
haviam projetado, se diferenciam dos antecessores europeus em sua
política de venda. Seus produtos são caros, por incidir sobre eles as des­
pesas ele experimentações, de maquinários, ele atividades promocionais
e publicitárias e, além disso, a concepção ele que um objeto seria tanto
mais apreciado quanto mais caro fosse. Seguindo, ainda que em outros
termos, a filosofia bem descrita de T horstein Veblen em seu livro The
Theory of Leísure Class (A Teoria ela Classe Ociosa), os produtores pre­
feriam recorrer a uma clientela cl-e poucos, recuperando os custos com
altos preços ele vencia. Não por acaso, Charles Eames, que faz escola
também nesse aspecto, começou pensando em móveis reproclutíveis, ele
série, e assim acessíveis a todos, para depois idealizar e fazer produzir a
célebre Upholsterecl Longue Chair anel Ottoman, símbolo cio desenho
opulento, da sociedade ele bem-estar, dos anos ele boom econômico, e
que custa tanto quanto um automóvel.

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Figuras 243-244
Publicidade e desenho da
cadeira estofada otomana de
Ch. Eames, 1957.

246
6.
O DESENHO INDUSTRIAL NOS ESTADOS UNIDOS

Que a história do design sofra essa reviravolta, justamente na produ­


ção norte-americana, e especialmente no campo do fumiture design, é
muito significativo. Os programas racionalistas europeus ele qualificar a
quantidade, ele conceber o design como espécie de "arte para todos", fali­
ram, como vimos, seja por motivos técnico-econômicos, seja por razões
,r
políticas (ditadura, política cultural etc.), mas também porque não con­
seguiram preencher a lacuna entre cultura do design e cultura popular.
Mesmo na América, os assuntos e as formas do "bom desenho" são impo­
pulares; aqui o mercado é mais articulado e flexível, já que não existem
soluções político-administrativas que envolvam tantas questões como
na Europa; assim que, ao lado ele uma produção em massa ele móveis
econômicos, de anonimous design - um comércio que, se não faz "his­
tória", responde mais corretamente elo que qualquer outro às exigências
primárias do mercado-, existe uma produção elitista, que se mostra fran­
camente como tal. Se poucos são os compradores dos sofisticados produtos
ele fumiture design, é inevitável, ainda que com as motivações aduzidas
por Veblen, que paguem caro por tais produtos. Num aparente paradoxo,
sucede que no momento em que se afirmam e se elaboram muitos aspec­
tos formais do "design histórico", isso se torne comercialmente possível
graças à leisure class (classe do ócio). Essa política de vendas, da América
elos anos de 1950, se difundirá em todos os outros países.
O internacionalismo elo design norte-americano no setor mobiliá­
rio não se limita aos aspectos mencionados, mas, em razão das vendas,
atinge vários outros. Como já sinalizado, a partir de 1951 a Knoll Interna­
tional abrirá filiais na França, na Alemanha, na Bélgica, no Canadá, em
Cuba, na Suécia, Suíça, Itália etc., assim como fizeram várias empresas
de sucesso. O fato novo pode ser visto na constância da imagem empre­
sarial, a ponto de absorver produções e designers que a exprimam ou
a ela se adéquem: de modo que a empresa norte-americana produz e
vende móveis de Breuer, Afra e Tobia Scarpa, V ico Magistretti, antes
do catálogo da firma italiana Gavina.
Mas quem são os consumidores de fumiture design? Por enquanto,
é preciso ter em conta o fato de que os emigrés ( emigrados) da Bauhaus
preferiram se ocupar antes de arquitetura elo que de design; assim é que,
se seus edifícios encontraram consenso no público, tornava-se necessário
encontrar móveis e sistemas de decoração que lhes fossem adequados.
Como escreve Karl Mang,

na América, o desenvolvimento no setor da construção de arranha­


-céus destinados a escritórios, devido à difusão ela ideia ele Mies van

247
Figura 245
Eero Saarinen, poltrona cavada,
1948.

Figura 246
Poltrona estofada e apoio de
pé, 1948.

Figura 247
H. Bertoia, cadeira diamente,
19.,52.

Figura 248
Eero Saarinen, poltrona da série
cálice, 1946.
(

Figura 249
H. Bertoia, série de cadeiras e
poltronas.

Figura 250
{abaixo, à direita) V. Panton,
cadeira em S, 1960.

Figura 251
(acima, à esquerda) Ch. Eames,
cadeira e poltrona com estrutura
de alumínio.

Figura 252
F. Knoll, decoração da sala
de recepção nos escritórios
da Connecticut General Life
lnsurance Co., em Bloomfield,
1957.
der Rohe, ofereceu à Knoll Associates a ocasião ele integrar à reali­
dade ela arquitetura norte-americana o funcionalismo ela Bauhaus.
A perfeição técnica da arquitetura exigia uma perfeição igualmente
absoluta na construção ele móveis e na decoração ele interiores; tais
exigências só podiam ser satisfeitas pela colaboração, sempre mais
estreita, entre empresas moveleiras atualizadas e jovens designers [ ... ].
As empresas Knoll e Miller ainda hoje ocupam, em todo o mundo,
uma posição ele relevo no setor ela produção internacional ele móveis,
e nos anos passados determinaram com frequência as tendências mais
importantes do design. De qualquer maneira, não se pode dizer com
certeza que as cadeiras perfeitas de metal cromado e couro nunca
tenham sido econômicas. Mas o mercado, relativamente amplo, ele
móveis caros e representativos para o management cios anos ele 1960
permitiu a designers e indústrias realizarem projetos ousados e aper­
feiçoá-los continuamente24.

Essa informação sintética e eficaz deve ser aprofundada. Não é,


como se poderia entender do trecho citado, que Mies tenha sido o
"inventor" do arranha-céu para escritórios, pois notoriamente essa é uma
tipologia puramente norte-americana, oriunda do século XIX; a junção
dela com o fumiture design está no fato de que, por obra de Mies van
der Rohe (o europeu mais bem integrado ao contexto norte-americano
e à sua lógica econômica), também o arranha-céu para escritórios é
concebido em termos de design, e ambos dentro da filosofia de uma
sociedade opulenta. Polemizando com o Seagram Building de Nova
York, projetado por Mies, Louis Kahn observou icasticamente: "Nasceu
morto sobre uma espécie de pódio. A única coisa que resta aos projetis­
tas que não são invejosos é fazer outro de prata, de modo que custe não
88 dólares o pé quadrado, mas 200."25
Para responder ao quesito sobre o consumo do fumiture design, é
útil aqui referir-se ainda a Veblen e aprofundar o discurso, antes só assi­
nalado, a respeito do destino do móvel caro. A esse propósito, ele escreve:

O princípio geral é que um objeto de valor, para fazer apelo ao nosso


senso ele beleza, eleve conformar-se às exigências da beleza e do dis­
pêndio. Mas isso não é tudo. Além cio mais, o cânone cio dispêndio
influencia mesmo o nosso gosto, ele tal modo a fundir em nossa ava­
liação, de maneira inextrincável, os signos ela clispendiosiclacle com as
características belas cio objeto, classificando o efeito resultante como
valorização ele sua beleza. Os signos ele dispendiosidade de um artigo

250
L -.«" '' .., =--F""--
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Figura 253
Interior com poltrona e divã da
série Bastiano, de T Scarpa.

Figura 254
Poltrona Bastiano.
caro conseguem se passar por traços de beleza. Esses aqui seduzem
porque são signos de dispêndio honorífico, e o prazer que oferecem
por esse motivo se funde com o oferecido pela beleza da forma e o
colorido do objeto. De modo que, frequentemente, dizemos que um
artigo de vestuário, por exemplo, é belíssimo quando uma análise
do seu valor estético nos consentiria dizer que ele é financeiramente
honorífico. Essa fusão e confusão de elementos de dispêndio e ele
beleza talvez encontre o seu melhor exemplo nos artigos ele vestuá­
rio, ele mobiliário e ele decoração clomésticos.26

Essas teses, que Veblen escreve em 1899, inspiradas justamente pelo


gosto de Ruskin e de Morris a favor de objetos feitos a mão e contra a
nascente produção industrial (que não teria conjugado o belo com o
dispendioso), retornam com atualidade no mesmo momento em que
o desenho industrial na América, para se tornar belo, deve ser caro. O
que Veblen só er1 parte antecipa é que aquele "honorífico", nascido
da fusão e da confusão entre opulência e beleza, se torna, por sua vez,
instrumento de riqueza e de lucro. Daí resulta o sucesso do fumíture
design em meio ao management norte-americano, em primeiro lugar, e
depois internacionalmente, com sua forte contribuição para a imagem
da casa, mas, sobretudo, do escritório: sólida, segura, refinada, a ima­
gem de uma leísure class.
Em síntese, esse setor da produção norte-americana, se desmente
alguns programas sociais do design histórico, encontra, ainda assim, um
modo de realizar suas formas e suas prerrogativas; se abandona o pro­
jeto de uma "arte para todos", ao menos salva a compatibilidade entre
"arte" e "indústria"; confirma algo que sempre foi verificado - o prestígio
que vem da qualidade - e o desenvolve no sentido de promover uma
coisa diferente: o gosto de morar, o mundo dos negócios, a imagem de
uma empresa. Mais do que tudo, o fumiture design norte-americano do
período 1950-1970 se caracteriza por um aspecto perdido na produção
posterior, não só na América, mas também nos países escandinavos, na
Itália, na Inglaterra, em todas as demais nações onde é legítimo se falar
de design: a longa duração de um gosto e de um estilo. Os produtos da
Herman Miller e da Knoll International resistem à moda e representam,
por assim dizer, o momento mais clássico do design contemporâneo
e, num certo sentido, o ponto de chegada do International Style no
campo do design.
Mas nos últimos anos do século xx, muitas coisas mudaram: a assim
chamada "cultura de massa", no campo da sociologia; a difusão dos

252
6,
O DESENHO INDUSTRIAL NOS ESTADOS UNIDOS

mass-media no âmbito tecnológico; o new dada, a pop art, o happening,


a arte conceitua! no campo da neo-vanguarda artística; o historicismo de
Louis Kahn, a poética macroestrutural, o pós-modernismo no campo da
arquitetura. Todos fenômenos nascidos nos Estados Unidos que, unidos
a outras tendências de gosto e de movimentos socioculturais europeus, ,r
põem por terra qualquer ideia de um classicismo moderno e, certa­
mente, a de um estilo, de um gosto de longa duração. Foi sintomático
que nos últimos tempos a Knoll tenha produzido uma série de móveis
desenhados por Robert Venturi, "um dos grandes nomes da refundação
da arquitetura moderna, ponto de referência do pós-modernismo, irô­
nico reelaborador da tradição e glorificador do banal"27. Referindo-se
ao título de um famoso livro desse autor, poderemos concluir que o
design norte-americano começou aprendendo com a Bauhaus e termi­
nou aprendendo com Las Vegas.

253
7.
(

SOB MUITOS ASPECTOS, A ARQUITETURA E O DESIGN DOS PAÍSES


escandinavos possuem matrizes e destinos similares àqueles elos demais
centros europeus, pois entram, embora com suas particulariclacles, no
movimento moderno; sob outros pontos ele vista, parecem seguir um pro­
cesso e perseguir objetivos sensivelmente diferentes. Os principais fatores
ele sua diversidade podem ser assim considerados: não ter assumido como
referente a "máquina"; não haver seguido a mímesis formal e conceitua}
ela realidade industrial, como o fizeram os racionalistas e, sobretudo, Le
Corbusier; a falta de rompimento entre artesanato e indústria; a vontade
ele não desmentir a própria tradição, mas continuá-la; o uso prevalente de
alguns materiais, especialmente a macieira, que possuem em abundância
etc. No campo ele design, em particular, os escandinavos não seguiram a
lógica pela qual uma metodologia unitária clava forma a todos os setores
merceológicos; e embora gerando experiências significativas em vários
campos, especialmente em épocas mais recentes, ele fato não privilegia­
ram nenhum deles. Em outras palavras, os escandinavos reivindicaram
para o design ele objetos domésticos, de móveis e decorações um lugar à
parte no mais vasto horizonte cio design industrial; não apenas isso, mas
assumiram como referência ele seus projetos a natureza, ela qual, graças
ao maquinário e à mão do artífice, descobriram uma morfologia inédita
e secreta. Daí que as lâmpadas ele Aalto não são mais os aparelhos eletrô­
nicos para iluminação ela Bauhaus, mas objetos que, munidos ele tela e
ele difusores, tendem a fundir a luz artificial com a luminosidade natural

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