Bianca Estevam Veloso Ferreira 1 & Antonio Rodrigues Belon 2 1 Aluna do 3°ano de Letras da UFMS/CPTL, bolsista v oluntária de Iniciação científica – PIBIC 2008/09 2 Professor da UFMS/CPTL, Departamento de Educação Resumo: Este trabalho tem como objetivo a elaboração de um artigo que vise analisar os elementos textuais que compõem o livro Jardim Zoológico , de Wilson Bueno, demonstrando que entre as tantas teorias existentes para a análise de uma obra, assim como a sociológica ou a psicanalítica, a análise in terna tem sua importância, no sentido em que se propõe a observar os objetos lingüísticos independentemente de sua produção ou da forma como vai ser aceita pelo público. A ela boração desse artigo consistiu em levantamento de dados sobre o bestiário e a fábula, análise dos aspectos narratológicos da obra, e leituras que ajudaram para uma melhor co mpreensão do estudo. O trabalho aborda aspectos textuais como a montagem do texto; o texto enquanto objeto heterogêneo; o texto aberto, seus efeitos do real, sua naturalização; a referencia a outros textos, a intertextualidade. Palavras-chave: análise interna, bestiário, intertextualidade. INTRODUÇÃO Jardim Zoológico , de Wilson Bueno, composto por 34 pequenos contos, é considerado uma reescrita de um bestiário medieval, no entanto, o autor utiliza da tradição das obras fantásticas e por meio de sua in dividualidade inventiva desenvolve uma obra ao mesmo tempo contemporânea. Um bestiário é um manuscrito composto por descrições do mundo real e natural que surgiu n a Idade Média advindo das fábulas, narrações de curtas cenas tendo como personagem na maioria das vezes animais. Este artigo se propõe a abordar os aspectos internos da obra, demonstrando como autor utiliza os aspectos intertextuais, os efeitos obtid os pela organização da obra, os léxicos, como os personagens e as histórias tornam-se crívei s aos olhos do leitor. São analisados alguns dos contos que compõem a obra para demonstra r que a análise narratológica ou interna, apesar de simples, transmite resultados ac eitáveis. Como suporte dos aspectos estruturais da obra foi utilizado “A análise da nar rativa : O texto, a ficção e a narração”, de Yves Reuter. Posto isso, este trabalho objetiva demonstrar que a análise, sociológica, ou psicanalítica, não basta para uma inteira compreens ão da obra tendo e vista que segundo Lucien Goldmann, há alguns problemas em se consider ar uma obra por seu caráter coletivo e social, pois é necessário que o individu o seja visto como o verdadeiro sujeito da criação, portanto analisar a obra apenas por mei o psicanalítico ou da “biografia individual” do autor também não seria o suficiente. É relevante enfatizar que a análise interna também não é perfeita nem auto-suficiente, mas transmite resultados precisos e não contraditórios. MATERIAL E MÉTODOS A pesquisa e o desenvolvimento do trabalho ocorrera m por meio de leitura de obras que ajudaram para um melhor entendimento d os estudos. Foram utilizados obras como “Literatura e Sociedade” de Antonio Cand ido, “Tradição e Talento Individual” de T.S Eliot, “Sociologia do Romance” d e Lucien Goldmann, “A análise da narrativa: O texto, a ficção e a narração” de Yves Reuter. RESULTADO A fábula é a narração de uma curta cena, tendo gera lmente como personagens os animais, mas em algumas exceções ess es personagens podem ser representados por vegetais ou seres humanos. Diz a lenda que este gênero surgiu na Índia, e foi o brâmane Pilpai quem lhe deu forma es crita, em sânscrito , porém foi na Grécia, com Esopo que este gênero atingiu seu máxim o grau de perfeição. Na idade média, a fábula surgiu no ocidente sob a forma de u ma coleção de histórias naturais e moralizadoras, denominada bestiário. O termo bestiário é referente a manuscritos compost os por descrições minuciosas do mundo natural e principalmente animal , sejam eles reais ou fabulosos. De origem medieval, sempre acompanhado de comentári os moralizantes, os bestiários não eram textos científicos, mas sim alegóricos, mu itas vezes humorísticos, e fantasiosos. O propósito de sua elaboração era expo r o mundo natural, mais do que registrá-lo ou esclarecer o seu funcionamento, tinh a como objetivo instruir os homens, estimulando a imaginação em relação ao mundo real e o supra-real, dando ilustrações para que a mente pudesse compreender certas alusões mais complexas. Através da natureza e hábitos dos animais, o homem poderia ver a humanidade refletida e aprender o caminho para a re denção, dessa forma, cada criatura assumia uma mensagem redentora. Procurava-se também atribuir a cada animal um significado místico, tendo como base as Sagradas Es crituras. Isto não era simples, pois um ser poderia representar o bem e o mal simultanea mente; deste modo, os escritos optavam por atribuir uma dualidade a alguns animais . O Bestiário organiza-se em torno de pequenas narrativas, cada uma delas é composta p or duas partes distintas: uma parte descritiva de sentido literal, e outra moralizante, de interpretação teológica do sentido simbólico-alegórico. O livro Jardim Zoológico é composto por 34 pequenos textos, cada um referente a um “monstro”, é como um passeio, em que o narrador apresenta minuciosamente cada característica dos seres ali pr esentes. Dessa forma, o livro tem como característica a descrição, gênero que tem sid o considerado como uma expansão da narrativa. Uma descrição resulta freqüentemente da combinação de um ou vários personagens com um cenário que desencadeia o aparec imento de uma série de subtemas de unidades que estão em relação metonímica de incl usão: no caso a descrição de um jardim zoológico (tema principal introdutor) desenc adeia a enumeração dos diversos seres que constituem este local. Cada subtema dá lu gar a uma riqueza maior de detalhes (os diferentes tipos de monstros, as suas caracterí sticas físicas, suas atitudes, sua importância e funções). Muitos dos seres presentes neste jardim zoológico, representam inquietações e sentimentos pertencentes ao universo humano, o Iv itú, por exemplo, alivia dos índios a dor da saudade; os cordes têm como característica despertar a esperança nos corações humanos possuem, segundo o narrador, o difícil ofíc io de amar nesse mundo beligerante. Outros seres, a própria representação do ser humano, como os nuncas, designados pelo narrador como uma subespécie do ser humano, que, todavia representam o homem inteiro; e os recém-nados, no l atim a palavra nado refere-se a nascido, por meio do título já se sabe que estes se res são os bebês. Nos pequenos contos de Jardim Zoológico percebe-se a presença de caract erísticas existentes na sociedade que são intrínsecas ao comportamento humano, desde a necessidade de um sentimento que abrande os problemas da vida, até uma forma de enxergar os acontecimentos ao redor e encarar os seus semelhantes. Lucien Goldmann, em A sociologia do romance explicita sobre os problemas que surgem ao se considerar uma obra lite rária apenas identificando sua temática por um caráter coletivo, apenas por uma an álise sociológica, pois o indivíduo deve ser visto como verdadeiro sujeito de criação. O que o autor tenta explicar é que a obra literária é considerada como reflexo da realid ade social, pois possui uma relação com o conteúdo da consciência coletiva, porém todo autor tem total liberdade para desenvolver por meio de sua máxima articulação imag inativa, questões que auxiliam o grupo a entender melhor suas idéias, pensamentos e sentimentos, pois ele possui um certo domínio sobre um universo imaginário coerente , cuja estrutura corresponde àquela a qual se dirige o conjunto do grupo. Goldmann afirma que um artista por meio de sua “bio grafia individual”, encontra-se apto a desenvolver um universo conceptu al ou imaginário e pode também encontrar nesse universo uma satisfação derivada ou sublimada para suas próprias aspirações inconscientes, que são impedidas pela re alidade. Ou autor cita Freud, que descobriu que a relação entre a racionalidade e a r ealidade exige uma satisfação imaginária, para que possa se completar, podendo as sumir uma variedade de formas, “desde as estruturas adaptadas do lapso e do sonho, até às estruturas inadaptadas da alienação e da loucura”. Dessa forma, o autor concl ui que uma obra de arte se edifica no ponto de encontro entre as formas mais elevadas das tendências para a coerência, que são próprias da consciência coletiva, e as formas m ais elevadas de unidade e de coerência da consciência individual. Talvez a função da cultura seja, apesar de todas as diferenças (não cremos que possa existir o inconsciente coletivo), análoga . Os grupos humanos só poderiam agir racionalmente sobre a realidade e ada ptar-se às frustrações e satisfações parciais impostas por essa ação e pelos obstáculos com que se deparam, na medida em que a ação racional e transfo rmadora se faz acompanhar de satisfações integrais no plano da cri ação conceptual ou imaginária. (GOLDMANN, p. 217) Wilson Bueno, em sua obra, faz uma reescrita dos be stiários medievais, e utiliza muitos recursos intertextuais. Já em sua ep ígrafe, o autor cita Augusto Monterroso, escritor mexicano, admirador da fauna d e seu e de outros países, que declarou que os animais são tão parecidos com os ho mens, que muitas vezes é impossível distingui-los. Na epígrafe de Monterroso , Esopo é citado, responsável por aperfeiçoar o gênero da fábula, possuía a habilidad e de contar histórias, onde os animais eram os personagens principais, seus relatos possuí am sempre uma moral a ser tirada. As fábulas de Esopo inspiraram muitos outros autore s, foram e ainda são, objetos de milhares de citações no percorrer da história. As novas gerações de escritores deverão retomar, ca da qual na medida de seu talento, a inventiva tarefa que começou com Esopo, ou mesmo antes dele, de reunir os animais que pela Terra andam e hão de and ar perenemente. Augusto Monterroso. (BUENO, 1999. p.9) Segundo T.S Eliot, ninguém escreve sem a influência de alguém ou de algo, a “tradição” ocorre por meio do reaproveitamento do passado; associado assim, com o talento individual de cada artista. O autor afirma que nenhum artista tem sua significação completa sozinho, e a harmonia entre o antigo e o novo deve existir, sempre com a consciência de que a arte nunca se ape rfeiçoa, mas que seu material jamais será completamente o mesmo. Num sentido peculiar, terá ele também a consciência de que deve ser julgado pelos padrões do passado. Eu disse julgado, não amp utado, por eles; julgado não para ser tão bom quanto, ou pior ou melhor do q ue o morto; e decerto não julgado pelos cânones de críticos mortos. Trata -se de um julgamento, de uma comparação, na qual duas coisas são medidas por cada uma delas. Estar apenas em harmonia poderia significar que a nova ob ra não estivesse de modo algum realmente em harmonia; ela não seria nov a e, por isso, não seria uma obra de arte. E não queremos em absoluto dizer que o que é novo é mais valioso porque se ajusta a esta harmonia; ma s este ajuste é um teste de seu valor – um teste, é verdade, que só pode ser lenta e cautelosamente aplicado, pois nenhum de nós é infalível em matéria do que está ou não em conformidade. (ELIOT, p. 40, 1989) Mikhail Bakhtin em sua constituição dialógica já fa lava que o sujeito não está pronto e acabado, está em busca constante de s ua completude, e sua individualidade só advém com a alteridade, pois o outro é quem deli mita a atuação do sujeito no mundo. Para Bakhtin, todas as palavras e formas que povoam a linguagem são vozes sociais e históricas que lhe dão determinadas significações c oncretas e que se organizam no romance em um sistema estilístico harmonioso, dessa forma não existe um texto monovocal, no mínimo bivocal. O diálogo das linguagens não é somente o diálogo da s forças sociais na estática de suas coexistências, mas é também o diál ogo dos tempos, das épocas, dos dias, daquilo que morre, vive, nasce; a qui a coexistência e a evolução se fundem conjuntamente na unidade concret a e indissolúvel de uma diversidade contraditória e de linguagens diver sas. (BAKHTIN, p. 161, 1988) Wilson Bueno dialoga com vários autores e obras que marcam a tradição das fábulas, bestiários e literatura fantástica, de sde Ovídio e sua obra Metamorfoses , Kafka, Plínio o velho, que em sua História natural descreve um animal chamado “catoblepas”, e que reaparece em Flaubert nas Tentações de Santo Antão ,eé relembrado por Jorge Luis Borges em um de seus best iários, e que surge novamente em Jardim Zoológico . Aliás, Jorge Luis Borges é muito citado no decorr er da obra, escritor argentino um dos que impulsionou a estética fantást ica, que tem como principal característica a ausência de limite na imaginação. Outra característica da obra é a relação entre a cu ltura latino-americana, principalmente argentina, e a cultura brasileira, e xemplo disso é o conto denominado “as yararás”. A yarará é uma espécie de cobra que habita em terras argentinas, na história o ser com mesmo nome possui todas as carac terísticas de uma serpente, e habita a banda oriental do Paraguai mas também pode-se per ceber algumas semelhanças entre a personagem folclórica brasileira Iara, e a person agem de “Jardim Zoológico”. Ambas as personagens enfeitiçam os homens para depois os possuírem, a Iara por meio de seu canto e a yarará assim o faz por meio de seus olhos de moça e sua paciente espreita. Característica relevante desse conto é que entre os outros que compõem a obra é o único que possui o título no gênero feminino “as yararás” , enquanto os outros contos estão todos no masculino, motivo para isso é explicada já no início da história: Bichos só encontrados na banda oriental do Paraguai , as yararás são exclusivamente femininas. A rigor, constituem exemp lares perfeitos de réptil hermafrodita, mas como para os índios inexista esta mediação – e tão só o limitado império dos dois sexos – as yararás – fême as, femínias, serpentes emplumadas, os olhos de moça e o recurvo par de pre sas que apunhala os apaixonados. (BUENO, 1999, p.51) O conto fornece ao leitor personagens garantidores da veracidade da história, como o escritor Paraguaio Hélio V eras, e o escritor paranaense Fabio Campana, que dentro do âmbito ficcional surgem como “paraguaiólogos.” Todas as pequenas narrativas apresentadas por Wilson Bueno p ossuem sua localização geográfica, o autor utiliza também fatos históricos , como no caso do “Agôalumen”, monstro marinho que foi visto pelos primeiros naveg adores lusos a oeste da rota atlântica das Índias, mas que já era conhecido e de nominado por argonautas 1 genoveses, como Aqualudus. Estes recursos históricos e geográf icos ajudam a ativar o imaginário do leitor, unindo o mito à arte. Muito dos animais presentes na inquietação deste Zo ológico, são originários de ambientes indígenas, pode-se perceber pelos nome s destes seres, Ivitús, guapés, kwiuvés, tiguasús. O narrador conta a história dess es animais, mas informa que quem deu a ciência de suas existências foram os índios, como no caso dos Guapés, descobertos pelos índios Kaxuianas do Alto Amazonas . Os personagens indígenas passam a sensação da existência real das histórias, e são utilizados talvez por serem um 1 Cada um dos lendários heróis gregos que viajaram na mitológica nau Argo em busca do velocino de ouro. dos poucos humanos que resistiram ao ceticismo, e p or manterem fiéis algumas de suas tradições. Na literatura pode-se dizer que existem dois extrem os, a do inventário, em que o autor olha o mundo e faz um levantamento dos fatos, e a invenção, em que o autor por meio desses levantamentos constrói uma outra re alidade, passando-os para o âmbito ficcional. Dessa forma, todo discurso, narrativa ou texto remete ao mundo pois não se pode construir um universo ficcional e compreende-l o sem referi-lo às nossas categorias de apreensão de mundo. “Jardim Zoológico” é conside rado uma obra fantástica, porém por mais surpreendentes que possam ser alguns de se us elementos, esses procuram tornar-se aceitáveis por meio de efeitos do real, q ue tornam suas criaturas criveis aos olhos do leitor. No conto “os rememorantes” pode-se perceber alguns desses efeitos do real a começar pelo título, a palavra rememorar, que sig nifica trazer a memória, relembrar, dá vida ao monstro, que é caracterizado por serem d otados de uma inimaginável memória e por vigiarem o sono dos demais seres que habitam o mundo. O sonho nada mais é do que o exercício cerebral que é ativado du rante o sono, nos trazendo imagens e lembranças sejam elas antigas ou recentes, no conto o rememorante penetra até mesmo no sono mais embrutecido, se alimentando do que ser ia o maior triunfo do ser humano, deixando aos homens as sobras sonhadas, lapsos, fra gmentos, fluidos. O autor utiliza de uma experiência pelo qual toda pessoa já viveu e vi ve constantemente, o que torna o monstro aceitável, dando sentido e explicação para a experiência que se tem durante a noite, que acontecem não só com os seres humanos, m as com todos os seres da terra, pois segundo cientistas todos os bichos sonham pois trata-se de uma atividade neural muito primária. E porque se alimentem dos nossos sonhos, vão por aí , ruminando-os o tempo inteiro, justamente naquelas manhãs em que ingênuos , nos deixamos enganar, pensando que há muitas noites nada sonhamos. É com eles que os rememorantes se refestelam, gordas jibóias de nossa talvez mais sublime quimera. (BUENO, 1.999, p.66). Outra característica das histórias do livro é a imp ressão de que o tempo da narração é apenas um fragmento do tempo comum da hu manidade e que o espaço corresponde ao menos parcialmente ao real. Isso se realiza por meio de indicações espaço-temporais atestadas fora do texto como anos, dias horas, lugares. Há também a presença recorrente de personagens qualificados com o garantidores da informação, como zoólatras e pesquisadores: “Para que o Ivitú a conteça, anotam os zoólatras, é preciso que, na primeira minguante, o candidato a a rrancar da alma o sentimento incomodo, saia aos campos, o ano inteiro cobertos d e neve...”. Pode-se perceber que a obra possui apenas quatro co ntos cujos títulos se iniciam com letra maiúscula, “O Ivitú”, “O Agôalume n”, “O Tatã” e o “Hesatí”, enquanto os outros trinta contos possuem títulos qu e se iniciam em letras minúsculas. Esses quatro seres fantásticos compõem os quatros e lementos da natureza, ar, água, fogo e terra, respectivamente, mas possuem outras f ortes características, relatam sentimentos e atitudes pertencentes a todo ser huma no como a saudade, angústia, ciúme, ego/alteridade. No primeiro conto do livro, “O Ivitú” pode-se perce ber alguns efeitos do real a começar pelo título, a palavra Ivitú em tupi -guarani, língua falada ao longo do litoral, na Amazônia, Paraguai e Rio Grande do Sul, significa vento, na história o ser que possui esse nome é o próprio fenômeno da nature za transfigurado em monstro. O lugar onde na história o ser se encontra, o Extremo Sul Argentino, é conhecido em âmbito real por seus fortes ventos, pelo constante mau tempo e por seus campos cobertos de neve por todo o ano, esse cenário é des crito literalmente e fielmente pelo narrador, passando então do mundo real para o ficci onal, proporcionando ao leitor uma sensação de veracidade. Os belicosos Anayeus, do extremo sul argentino, ide ntificam no ar um pequeno deus de quatro patas – o Ivitú (aragem na l íngua deles), que embora monstruoso, horror e cascos retorcidos, é um ente d estinado em exclusivo a mitigar, dos índios, a dor da saudade. Todo de bris a e vento, o Ivitú não se dá a conhecer senão no breu que os céus faz antes das tempestades. (BUENO, 1999, p.11) O que chama a atenção no conto é a função exercida pelo ser, “um ente destinado em exclusivo a mitigar, dos índios, a dor da saudade. Várias palavras no decorrer da história caracterizam esse sentimento m elancólico de incompletude, léxicos como: negro, gritante, aflito, desamparado, imenso, enfraquecido, insistente, inconsoláveis. Este monstro é representado pelo ele mento do ar, que simboliza a instabilidade, a mutação constante e o movimento, p or ser considerado como um símbolo, sagrado em algumas religiões, muitos ritua is religiosos são realizados na presença de um símbolo desse elemento, pois, acredi ta-se, o ar possui alguns poderes especiais. No conto o ritual é feito pelos índios A nayeus: Para que o Ivitú aconteça, anotam os zoólatras, é p reciso que, na primeira minguante, o candidato a arrancar da alma o sentime nto incômodo, saia aos campos, o ano inteiro cobertos de neve, e ali, ao p ressentir o menor ruído, corra atrás dele e o agarre com as mãos, pegando o ruído pelos cornos feito quem detém um carneiro bravio. (BUENO, 1999, p.12) No conto denominado “O Agôalumen”, o elemento em qu estão é a água, o ser é descrito pelo narrador como um monstro, em to dos os sentidos extraordinário, que despertou nos primeiros navegadores lusos sentiment os como a angústia e o medo. O ser é um monstro marinho e aéreo, capaz de voar a c onsideráveis altitudes e retornar, intacto, ao fundo das águas, assim que se precipite a noite do grande mar, um animal transparente e da cor da água, a exibir, triunfante , seja no fantástico vôo ou no mergulho ao fundo, o seu esplendor de água viva, o cegante c elofane de sua liquida textura. Agarrados ao leme de suas embarcações, infladas tod as as velas, atados todos os nós, mesmo os navegadores mais experientes estre meciam, ao pressentir, quando à deriva, pela agitação dos céus semelhante à gigantesca pro-cela, a proximidade do monstro de formidáveis asas, vindo e m retorno ao mar, nos incendiados crepúsculos ao largo de Açores ou Cabo Verde. (BUENO, 1999, p.30) O elemento água remete à sensibilidade, á emotivida de, apontado como o princípio de todas as coisas, representa a purifica ção; a regeneração, a profundeza, o infinito, no aspecto negativo representa a destruiç ão. É um dos símbolos do inconsciente, sendo que o ato de mergulhar na água é uma analogia de adentrar no subconsciente, enquanto que ser lançado à água é si milar a ser entregue ao seu próprio destino. Enquanto um dos quatro elementos é um símb olo do sentimento. As emoções também se encontram representadas na água. As ondas do mar corresponderiam ao movimento dessa mesma emoção. O conto é uma analogi a às tribulações, pelas quais o ser humano passa, seus medos e suas angústias, segu ndo Antonio Rodrigues Belon: O ser dotado de possibilidades reflexivas, o homem sempre de volta à questão de suas origens, da mesma forma que se inte rroga sobre o seu destino, funcionando a sua consciência somente na e laboração dos dois temas e na intuição das ameaças a sua integridade em cada perigo da travessia, da existência. A travessia dos mares da vida implica o enfrentamento com o agôalumem. (BELON, 2004, p.23) O terceiro conto aqui apresentado é “O Tatã”, um an imal em tudo semelhante ao dragão, tradicionalmente associado à zoolatria oriental. O ser é descrito pelos índios como um ser extremamente dócil desde q ue não provocado no que possuía de mais sagrado, o ciúme, que, a crer nos próprios selvagens, ardia dentro dele feito uma bola de fogo no coração. O ciúme, estado emocio nal complexo que envolve um sentimento provocado em relação a um ser ou objeto de que se pretende exclusividade, na história relaciona-se com o elemento do fogo. Es te elemento pode referir-se a sentimentos intensos e à sua demonstração, “incendi ar” pode significar a ignição de materiais inflamáveis ou a incitação das emoções da s pessoas. No geral a tal bola de fogo, classificada como tata raviú, que significa “chama” e também “brasa”, em tupi-guarani, permanec ia a maior parte do tempo inativa, claramente visível bem no centro do monstro (...) o impressionante no Tatã era a sua doçura, desde que não provocado, como já disse, no que possuía de mais crasso – o ciúme, o q ue acontecia quando os índios demasiado bêbados insistiam em penetrar a gr uta onde, comentavam, ele passava quase todos o tempo a sonhar sonhos de miraculosa artesania, amando-os como se fossem amantes. Ao tentarem rouba r dali os sonhos do Tatã, coloridos todos e mais embriagadores do que a uaipiá, o intruso era invariavelmente incendiado (...). (BUENO, 1999, p.5 8) O fogo enfatiza o sentido de temperamento explosivo , humor instável, clima de forte tensão, de modo negativo traz a idéia de d estruição, pela maledicência, da vida dos outros, queimando tudo o que está ao seu redor. Sua simbologia demonstra a intensidade da tonalidade afetiva e por isso é uma expressão da energia psíquica que se manifesta como libido. Em “O Hesatí”, último conto do livro, é relatado a história de um ser capaz de despertar o pânico de quase todos os índios. O m onstro coberto por lama em estações chuvosas e barro endurecido durante o verão, chama a atenção não por suas estranhas características, mas sim pelo motivo pelo qual é te mido. O narrador cita na história duas tribos indígenas, os Yguaratés, que trazem a testa marcada por um pequeno sinal de argila vermelha com o intuito de não serem confundi dos com os Yretés, a outra tribo indígena. O Hesatí é igualmente representado pelas duas tribos, a não ser por uma única diferença, os Yguaratés crêem que o monstro é capaz de soprar no rosto do índio desprevenido uma poeira mortal, enquanto os Yretés não acreditam nessa possibilidade, vêem o monstro como um ser inofensivo. Ao longo do conto, percebe-se que o verdadeiro medo dos índios Yguaratés não é propriamente do Hesatí, mas sim da possibilid ade de se tornarem semelhantes aos Yretés, tendo em vista que a única diferença entre as tribos é a maneira como vêem o pequeno monstro. O elemento terra, presente no cont o, tem como característica a solidez e a resistência à mudança. A analogia feita na história é a de um ser pesado e lento, avesso às mudanças, realista, conservador e pragmático, demonstrando uma característica eminentemente humana, relacionando-s e com a alteridade e o egoísmo. O Hesatí avança para os índios, alegremente, abano e orelhas, a marcha trôpega de um elefantinho, e esfregando-se neles, e xcessivo, desajeitado derruba um por um, e em todos esfrega a boca oferec ida, de onde não sopra peçonha ou poeira coisíssima nenhuma; melhor, cheir a e acaricia, brinca e morde de leve os índios caídos, com a ternura de an imal que houvesse reencontrado, muito tempo depois, os desgarrados me mbros de seu bando. Nem assim, contudo, os Yguaratés se dispõem a vislu mbrar no Hesatí o que não seja o temerário venenoso de sua poeira que, qu ando soprada nos olhos, torna um Yguaraté no indesejável oposto – um Yreté sem mácula, rolando na lama seca com um Hesatí vivo, feito fossem, de p ó, dois incalculáveis amantes. (BUENO, 1999, p. 94 ). De acordo com Wilson Bueno, em uma entrevista, sua intenção ao escrever Jardim Zoológico foi a de inventar e/ou inventariar novos bichos pa ra, a partir de sua forma e conteúdo, refletir sobre a pobre condição h umana. Ali onde havia um pardal, instaurou, por exemplo, os giromas; ali onde, arisc a, cheia de nosso presto amor com raiva, se atocaiava uma raposa, colocou em seu luga r, os guapés, micro-cães menores que um dedo humano e seus filhotes inverossímeis. D essa forma Wilson Bueno mescla o folclore, a fábula, a fantasia, a lenda, ao descr ever seres admiráveis, gerados em diferentes geografias, originários de fontes folcló ricas ou literárias, mostrando a força da imaginação de sonhos. O leitor ao se deparar com as pequenas narrativas apresentadas na obra tem a liberdade de ler sem uma ordem estipulada, de qualquer forma ele conseguirá adentrar neste universo fantás tico proposto pelo autor. CONCLUSÃO É importante ressaltar que as análises internas não são perfeitas, porém pode-se perceber com esse trabalho a importância de uma análise dos aspectos internos na compreensão de uma obra, pois fornecem embasamen tos sólidos por meio de organizações básicas como a ficção, a narração e a organização de um texto. REFERÊNCIAS BIBLI OGRÁFICAS BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e estética: a teoria do roma nce . São Paulo: HUCITEC, 1988, p. 100-106. BELON, Antonio Rodrigues. O elementos em Jardim zoológico , de Wilson Bueno. In: BELON, Antonio Rodrigues; MACIEL, Sheila Dias (Org. ). Em diálogo Estudos Literários e Lingüísticos : Os elementos no Jardim Zoológico de Wilson Bueno . Campo Grande: Editora UFMS, 2004. BUENO,Wilson. Jardim Zooló gico. São Paulo: Iluminuras, 1999. CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre o azul, 2008. Dialogismo e intertextualidade. 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