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A TEXTUALIZAÇÃO, A NARRAÇÃO E A FICÇÃO EM JARDIM

ZOOLÓGICO, DE WILSON BUENO


Bianca Estevam Veloso Ferreira
1
& Antonio Rodrigues Belon
2
1 Aluna do 3°ano de Letras da UFMS/CPTL, bolsista v
oluntária de Iniciação científica – PIBIC 2008/09
2 Professor da UFMS/CPTL, Departamento de Educação
Resumo:
Este trabalho tem como objetivo a elaboração de um
artigo que vise analisar
os elementos textuais que compõem o livro
Jardim Zoológico
, de Wilson Bueno,
demonstrando que entre as tantas teorias existentes
para a análise de uma obra, assim
como a sociológica ou a psicanalítica, a análise in
terna tem sua importância, no sentido
em que se propõe a observar os objetos lingüísticos
independentemente de sua produção
ou da forma como vai ser aceita pelo público. A ela
boração desse artigo consistiu em
levantamento de dados sobre o bestiário e a fábula,
análise dos aspectos narratológicos
da obra, e leituras que ajudaram para uma melhor co
mpreensão do estudo. O trabalho
aborda aspectos textuais como a montagem do texto;
o texto enquanto objeto
heterogêneo; o texto aberto, seus efeitos do real,
sua naturalização; a referencia a outros
textos, a intertextualidade.
Palavras-chave:
análise interna, bestiário, intertextualidade.
INTRODUÇÃO
Jardim Zoológico
, de Wilson Bueno, composto por 34 pequenos contos,
é
considerado uma reescrita de um bestiário medieval,
no entanto, o autor utiliza da
tradição das obras fantásticas e por meio de sua in
dividualidade inventiva desenvolve
uma obra ao mesmo tempo contemporânea. Um bestiário
é um manuscrito composto
por descrições do mundo real e natural que surgiu n
a Idade Média advindo das fábulas,
narrações de curtas cenas tendo como personagem na
maioria das vezes animais. Este
artigo se propõe a abordar os aspectos internos da
obra, demonstrando como autor
utiliza os aspectos intertextuais, os efeitos obtid
os pela organização da obra, os léxicos,
como os personagens e as histórias tornam-se crívei
s aos olhos do leitor. São analisados
alguns dos contos que compõem a obra para demonstra
r que a análise narratológica ou
interna, apesar de simples, transmite resultados ac
eitáveis. Como suporte dos aspectos
estruturais da obra foi utilizado “A análise da nar
rativa
:
O texto, a ficção e a narração”,
de Yves Reuter.
Posto isso, este trabalho objetiva demonstrar que a
análise, sociológica, ou
psicanalítica, não basta para uma inteira compreens
ão da obra tendo e vista que segundo
Lucien Goldmann, há alguns problemas em se consider
ar uma obra por seu caráter
coletivo e social, pois é necessário que o individu
o seja visto como o verdadeiro sujeito
da criação, portanto analisar a obra apenas por mei
o psicanalítico ou da “biografia
individual” do autor também não seria o suficiente.
É relevante enfatizar que a análise
interna também não é perfeita nem auto-suficiente,
mas transmite resultados precisos e
não contraditórios.
MATERIAL E MÉTODOS
A pesquisa e o desenvolvimento do trabalho ocorrera
m por meio de leitura
de obras que ajudaram para um melhor entendimento d
os estudos. Foram utilizados
obras como “Literatura e Sociedade” de Antonio Cand
ido, “Tradição e Talento
Individual” de T.S Eliot, “Sociologia do Romance” d
e Lucien Goldmann, “A análise da
narrativa: O texto, a ficção e a narração” de Yves
Reuter.
RESULTADO
A fábula é a narração de uma curta cena, tendo gera
lmente como
personagens os animais, mas em algumas exceções ess
es personagens podem ser
representados por vegetais ou seres humanos. Diz a
lenda que este gênero surgiu na
Índia, e foi o brâmane Pilpai quem lhe deu forma es
crita, em sânscrito
,
porém foi na
Grécia, com Esopo que este gênero atingiu seu máxim
o grau de perfeição. Na idade
média, a fábula surgiu no ocidente sob a forma de u
ma coleção de histórias naturais e
moralizadoras, denominada bestiário.
O termo bestiário é referente a manuscritos compost
os por descrições
minuciosas do mundo natural e principalmente animal
, sejam eles reais ou fabulosos.
De origem medieval, sempre acompanhado de comentári
os moralizantes, os bestiários
não eram textos científicos, mas sim alegóricos, mu
itas vezes humorísticos, e
fantasiosos. O propósito de sua elaboração era expo
r o mundo natural, mais do que
registrá-lo ou esclarecer o seu funcionamento, tinh
a como objetivo instruir os homens,
estimulando a imaginação em relação ao mundo real e
o supra-real, dando ilustrações
para que a mente pudesse compreender certas alusões
mais complexas.
Através da natureza e hábitos dos animais, o homem
poderia ver a
humanidade refletida e aprender o caminho para a re
denção, dessa forma, cada criatura
assumia uma mensagem redentora. Procurava-se também
atribuir a cada animal um
significado místico, tendo como base as Sagradas Es
crituras. Isto não era simples, pois
um ser poderia representar o bem e o mal simultanea
mente; deste modo, os escritos
optavam por atribuir uma dualidade a alguns animais
. O Bestiário organiza-se em torno
de pequenas narrativas, cada uma delas é composta p
or duas partes distintas: uma parte
descritiva de sentido literal, e outra moralizante,
de interpretação teológica do sentido
simbólico-alegórico.
O livro
Jardim Zoológico
é composto por 34 pequenos textos, cada um
referente a um “monstro”, é como um passeio, em que
o narrador apresenta
minuciosamente cada característica dos seres ali pr
esentes. Dessa forma, o livro tem
como característica a descrição, gênero que tem sid
o considerado como uma expansão
da narrativa.
Uma descrição resulta freqüentemente da combinação
de um ou vários
personagens com um cenário que desencadeia o aparec
imento de uma série de subtemas
de unidades que estão em relação metonímica de incl
usão: no caso a descrição de um
jardim zoológico (tema principal introdutor) desenc
adeia a enumeração dos diversos
seres que constituem este local. Cada subtema dá lu
gar a uma riqueza maior de detalhes
(os diferentes tipos de monstros, as suas caracterí
sticas físicas, suas atitudes, sua
importância e funções).
Muitos dos seres presentes neste jardim zoológico,
representam inquietações
e sentimentos pertencentes ao universo humano, o Iv
itú, por exemplo, alivia dos índios
a dor da saudade; os cordes têm como característica
despertar a esperança nos corações
humanos possuem, segundo o narrador, o difícil ofíc
io de amar nesse mundo
beligerante. Outros seres, a própria representação
do ser humano, como os nuncas,
designados pelo narrador como uma subespécie do ser
humano, que, todavia
representam o homem inteiro; e os recém-nados, no l
atim a palavra nado refere-se a
nascido, por meio do título já se sabe que estes se
res são os bebês. Nos pequenos contos
de Jardim Zoológico percebe-se a presença de caract
erísticas existentes na sociedade
que são intrínsecas ao comportamento humano, desde
a necessidade de um sentimento
que abrande os problemas da vida, até uma forma de
enxergar os acontecimentos ao
redor e encarar os seus semelhantes.
Lucien Goldmann, em
A sociologia do romance
explicita sobre os
problemas que surgem ao se considerar uma obra lite
rária apenas identificando sua
temática por um caráter coletivo, apenas por uma an
álise sociológica, pois o indivíduo
deve ser visto como verdadeiro sujeito de criação.
O que o autor tenta explicar é que a
obra literária é considerada como reflexo da realid
ade social, pois possui uma relação
com o conteúdo da consciência coletiva, porém todo
autor tem total liberdade para
desenvolver por meio de sua máxima articulação imag
inativa, questões que auxiliam o
grupo a entender melhor suas idéias, pensamentos e
sentimentos, pois ele possui um
certo domínio sobre um universo imaginário coerente
, cuja estrutura corresponde àquela
a qual se dirige o conjunto do grupo.
Goldmann afirma que um artista por meio de sua “bio
grafia individual”,
encontra-se apto a desenvolver um universo conceptu
al ou imaginário e pode também
encontrar nesse universo uma satisfação derivada ou
sublimada para suas próprias
aspirações inconscientes, que são impedidas pela re
alidade. Ou autor cita Freud, que
descobriu que a relação entre a racionalidade e a r
ealidade exige uma satisfação
imaginária, para que possa se completar, podendo as
sumir uma variedade de formas,
“desde as estruturas adaptadas do lapso e do sonho,
até às estruturas inadaptadas da
alienação e da loucura”. Dessa forma, o autor concl
ui que uma obra de arte se edifica no
ponto de encontro entre as formas mais elevadas das
tendências para a coerência, que
são próprias da consciência coletiva, e as formas m
ais elevadas de unidade e de
coerência da consciência individual.
Talvez a função da cultura seja, apesar de todas as
diferenças (não cremos
que possa existir o inconsciente coletivo), análoga
. Os grupos humanos só
poderiam agir racionalmente sobre a realidade e ada
ptar-se às frustrações e
satisfações parciais impostas por essa ação e pelos
obstáculos com que se
deparam, na medida em que a ação racional e transfo
rmadora se faz
acompanhar de satisfações integrais no plano da cri
ação conceptual ou
imaginária. (GOLDMANN, p. 217)
Wilson Bueno, em sua obra, faz uma reescrita dos be
stiários medievais, e
utiliza muitos recursos intertextuais. Já em sua ep
ígrafe, o autor cita Augusto
Monterroso, escritor mexicano, admirador da fauna d
e seu e de outros países, que
declarou que os animais são tão parecidos com os ho
mens, que muitas vezes é
impossível distingui-los. Na epígrafe de Monterroso
, Esopo é citado, responsável por
aperfeiçoar o gênero da fábula, possuía a habilidad
e de contar histórias, onde os animais
eram os personagens principais, seus relatos possuí
am sempre uma moral a ser tirada.
As fábulas de Esopo inspiraram muitos outros autore
s, foram e ainda são, objetos de
milhares de citações no percorrer da história.
As novas gerações de escritores deverão retomar, ca
da qual na medida de seu
talento, a inventiva tarefa que começou com Esopo,
ou mesmo antes dele, de
reunir os animais que pela Terra andam e hão de and
ar perenemente.
Augusto Monterroso. (BUENO, 1999. p.9)
Segundo T.S Eliot, ninguém escreve sem a influência
de alguém ou de algo,
a “tradição” ocorre por meio do reaproveitamento do
passado; associado assim, com o
talento individual de cada artista. O autor afirma
que nenhum artista tem sua
significação completa sozinho, e a harmonia entre o
antigo e o novo deve existir,
sempre com a consciência de que a arte nunca se ape
rfeiçoa, mas que seu material
jamais será completamente o mesmo.
Num sentido peculiar, terá ele também a consciência
de que deve ser julgado
pelos padrões do passado. Eu disse julgado, não amp
utado, por eles; julgado
não para ser tão bom quanto, ou pior ou melhor do q
ue o morto; e decerto
não julgado pelos cânones de críticos mortos. Trata
-se de um julgamento, de
uma comparação, na qual duas coisas são medidas por
cada uma delas. Estar
apenas em harmonia poderia significar que a nova ob
ra não estivesse de
modo algum realmente em harmonia; ela não seria nov
a e, por isso, não
seria uma obra de arte. E não queremos em absoluto
dizer que o que é novo
é mais valioso porque se ajusta a esta harmonia; ma
s este ajuste é um teste
de seu valor – um teste, é verdade, que só pode ser
lenta e cautelosamente
aplicado, pois nenhum de nós é infalível em matéria
do que está ou não em
conformidade. (ELIOT, p. 40, 1989)
Mikhail Bakhtin em sua constituição dialógica já fa
lava que o sujeito não
está pronto e acabado, está em busca constante de s
ua completude, e sua individualidade
só advém com a alteridade, pois o outro é quem deli
mita a atuação do sujeito no mundo.
Para Bakhtin, todas as palavras e formas que povoam
a linguagem são vozes sociais e
históricas que lhe dão determinadas significações c
oncretas e que se organizam no
romance em um sistema estilístico harmonioso, dessa
forma não existe um texto
monovocal, no mínimo bivocal.
O diálogo das linguagens não é somente o diálogo da
s forças sociais na
estática de suas coexistências, mas é também o diál
ogo dos tempos, das
épocas, dos dias, daquilo que morre, vive, nasce; a
qui a coexistência e a
evolução se fundem conjuntamente na unidade concret
a e indissolúvel de
uma diversidade contraditória e de linguagens diver
sas.
(BAKHTIN, p. 161,
1988)
Wilson Bueno dialoga com vários autores e obras que
marcam a tradição
das fábulas, bestiários e literatura fantástica, de
sde Ovídio e sua obra
Metamorfoses
,
Kafka, Plínio o velho, que em sua
História natural
descreve um animal chamado
“catoblepas”, e que reaparece em Flaubert nas
Tentações de Santo Antão
,eé
relembrado por Jorge Luis Borges em um de seus best
iários, e que surge novamente em
Jardim Zoológico
. Aliás, Jorge Luis Borges é muito citado no decorr
er da obra, escritor
argentino um dos que impulsionou a estética fantást
ica, que tem como principal
característica a ausência de limite na imaginação.
Outra característica da obra é a relação entre a cu
ltura latino-americana,
principalmente argentina, e a cultura brasileira, e
xemplo disso é o conto denominado
“as yararás”. A yarará é uma espécie de cobra que
habita em terras argentinas, na
história o ser com mesmo nome possui todas as carac
terísticas de uma serpente, e habita
a banda oriental do Paraguai mas também pode-se per
ceber algumas semelhanças entre
a personagem folclórica brasileira Iara, e a person
agem de “Jardim Zoológico”. Ambas
as personagens enfeitiçam os homens para depois os
possuírem, a Iara por meio de seu
canto e a yarará assim o faz por meio de seus olhos
de moça e sua paciente espreita.
Característica relevante desse conto é que entre os
outros que compõem a obra é o único
que possui o título no gênero feminino “as yararás”
, enquanto os outros contos estão
todos no masculino, motivo para isso é explicada já
no início da história:
Bichos só encontrados na banda oriental do Paraguai
, as yararás são
exclusivamente femininas. A rigor, constituem exemp
lares perfeitos de réptil
hermafrodita, mas como para os índios inexista esta
mediação – e tão só o
limitado império dos dois sexos – as yararás – fême
as, femínias, serpentes
emplumadas, os olhos de moça e o recurvo par de pre
sas que apunhala os
apaixonados.
(BUENO, 1999, p.51)
O conto fornece ao leitor personagens garantidores
da veracidade da
história, como o escritor Paraguaio Hélio V eras, e
o escritor paranaense Fabio
Campana, que dentro do âmbito ficcional surgem como
“paraguaiólogos.” Todas as
pequenas narrativas apresentadas por Wilson Bueno p
ossuem sua localização
geográfica, o autor utiliza também fatos históricos
, como no caso do “Agôalumen”,
monstro marinho que foi visto pelos primeiros naveg
adores lusos a oeste da rota
atlântica das Índias, mas que já era conhecido e de
nominado por argonautas
1
genoveses,
como Aqualudus. Estes recursos históricos e geográf
icos ajudam a ativar o imaginário
do leitor, unindo o mito à arte.
Muito dos animais presentes na inquietação deste Zo
ológico, são originários
de ambientes indígenas, pode-se perceber pelos nome
s destes seres, Ivitús, guapés,
kwiuvés, tiguasús. O narrador conta a história dess
es animais, mas informa que quem
deu a ciência de suas existências foram os índios,
como no caso dos Guapés,
descobertos pelos índios Kaxuianas do Alto Amazonas
. Os personagens indígenas
passam a sensação da existência real das histórias,
e são utilizados talvez por serem um
1 Cada um dos lendários heróis gregos que viajaram
na mitológica nau Argo em busca do velocino de
ouro.
dos poucos humanos que resistiram ao ceticismo, e p
or manterem fiéis algumas de suas
tradições.
Na literatura pode-se dizer que existem dois extrem
os, a do inventário, em
que o autor olha o mundo e faz um levantamento dos
fatos, e a invenção, em que o autor
por meio desses levantamentos constrói uma outra re
alidade, passando-os para o âmbito
ficcional. Dessa forma, todo discurso, narrativa ou
texto remete ao mundo pois não se
pode construir um universo ficcional e compreende-l
o sem referi-lo às nossas categorias
de apreensão de mundo. “Jardim Zoológico” é conside
rado uma obra fantástica, porém
por mais surpreendentes que possam ser alguns de se
us elementos, esses procuram
tornar-se aceitáveis por meio de efeitos do real, q
ue tornam suas criaturas criveis aos
olhos do leitor.
No conto “os rememorantes” pode-se perceber alguns
desses efeitos do real
a começar pelo título, a palavra rememorar, que sig
nifica trazer a memória, relembrar,
dá vida ao monstro, que é caracterizado por serem d
otados de uma inimaginável
memória e por vigiarem o sono dos demais seres que
habitam o mundo. O sonho nada
mais é do que o exercício cerebral que é ativado du
rante o sono, nos trazendo imagens e
lembranças sejam elas antigas ou recentes, no conto
o rememorante penetra até mesmo
no sono mais embrutecido, se alimentando do que ser
ia o maior triunfo do ser humano,
deixando aos homens as sobras sonhadas, lapsos, fra
gmentos, fluidos. O autor utiliza de
uma experiência pelo qual toda pessoa já viveu e vi
ve constantemente, o que torna o
monstro aceitável, dando sentido e explicação para
a experiência que se tem durante a
noite, que acontecem não só com os seres humanos, m
as com todos os seres da terra,
pois segundo cientistas todos os bichos sonham pois
trata-se de uma atividade neural
muito primária.
E porque se alimentem dos nossos sonhos, vão por aí
, ruminando-os o tempo
inteiro, justamente naquelas manhãs em que ingênuos
, nos deixamos enganar,
pensando que há muitas noites nada sonhamos. É com
eles que os
rememorantes se refestelam, gordas jibóias de nossa
talvez mais sublime
quimera. (BUENO, 1.999, p.66).
Outra característica das histórias do livro é a imp
ressão de que o tempo da
narração é apenas um fragmento do tempo comum da hu
manidade e que o espaço
corresponde ao menos parcialmente ao real. Isso se
realiza por meio de indicações
espaço-temporais atestadas fora do texto como anos,
dias horas, lugares. Há também a
presença recorrente de personagens qualificados com
o garantidores da informação,
como zoólatras e pesquisadores: “Para que o Ivitú a
conteça, anotam os zoólatras, é
preciso que, na primeira minguante, o candidato a a
rrancar da alma o sentimento
incomodo, saia aos campos, o ano inteiro cobertos d
e neve...”.
Pode-se perceber que a obra possui apenas quatro co
ntos cujos títulos se
iniciam com letra maiúscula, “O Ivitú”, “O Agôalume
n”, “O Tatã” e o “Hesatí”,
enquanto os outros trinta contos possuem títulos qu
e se iniciam em letras minúsculas.
Esses quatro seres fantásticos compõem os quatros e
lementos da natureza, ar, água,
fogo e terra, respectivamente, mas possuem outras f
ortes características, relatam
sentimentos e atitudes pertencentes a todo ser huma
no como a saudade, angústia, ciúme,
ego/alteridade.
No primeiro conto do livro, “O Ivitú” pode-se perce
ber alguns efeitos do
real a começar pelo título, a palavra Ivitú em tupi
-guarani, língua falada ao longo do
litoral, na Amazônia, Paraguai e Rio Grande do Sul,
significa vento, na história o ser
que possui esse nome é o próprio fenômeno da nature
za transfigurado em monstro. O
lugar onde na história o ser se encontra, o Extremo
Sul Argentino, é conhecido em
âmbito real por seus fortes ventos, pelo constante
mau tempo e por seus campos
cobertos de neve por todo o ano, esse cenário é des
crito literalmente e fielmente pelo
narrador, passando então do mundo real para o ficci
onal, proporcionando ao leitor uma
sensação de veracidade.
Os belicosos Anayeus, do extremo sul argentino, ide
ntificam no ar um
pequeno deus de quatro patas – o Ivitú (aragem na l
íngua deles), que embora
monstruoso, horror e cascos retorcidos, é um ente d
estinado em exclusivo a
mitigar, dos índios, a dor da saudade. Todo de bris
a e vento, o Ivitú não se dá
a conhecer senão no breu que os céus faz antes das
tempestades. (BUENO,
1999, p.11)
O que chama a atenção no conto é a função exercida
pelo ser, “um ente
destinado em exclusivo a mitigar, dos índios, a dor
da saudade. Várias palavras no
decorrer da história caracterizam esse sentimento m
elancólico de incompletude, léxicos
como: negro, gritante, aflito, desamparado, imenso,
enfraquecido, insistente,
inconsoláveis. Este monstro é representado pelo ele
mento do ar, que simboliza a
instabilidade, a mutação constante e o movimento, p
or ser considerado como um
símbolo, sagrado em algumas religiões, muitos ritua
is religiosos são realizados na
presença de um símbolo desse elemento, pois, acredi
ta-se, o ar possui alguns poderes
especiais. No conto o ritual é feito pelos índios A
nayeus:
Para que o Ivitú aconteça, anotam os zoólatras, é p
reciso que, na primeira
minguante, o candidato a arrancar da alma o sentime
nto incômodo, saia aos
campos, o ano inteiro cobertos de neve, e ali, ao p
ressentir o menor ruído,
corra atrás dele e o agarre com as mãos, pegando o
ruído pelos cornos feito
quem detém um carneiro bravio. (BUENO, 1999, p.12)
No conto denominado “O Agôalumen”, o elemento em qu
estão é a água, o
ser é descrito pelo narrador como um monstro, em to
dos os sentidos extraordinário, que
despertou nos primeiros navegadores lusos sentiment
os como a angústia e o medo. O
ser é um monstro marinho e aéreo, capaz de voar a c
onsideráveis altitudes e retornar,
intacto, ao fundo das águas, assim que se precipite
a noite do grande mar, um animal
transparente e da cor da água, a exibir, triunfante
, seja no fantástico vôo ou no mergulho
ao fundo, o seu esplendor de água viva, o cegante c
elofane de sua liquida textura.
Agarrados ao leme de suas embarcações, infladas tod
as as velas, atados todos
os nós, mesmo os navegadores mais experientes estre
meciam, ao pressentir,
quando à deriva, pela agitação dos céus semelhante
à gigantesca pro-cela, a
proximidade do monstro de formidáveis asas, vindo e
m retorno ao mar, nos
incendiados crepúsculos ao largo de Açores ou Cabo
Verde. (BUENO, 1999,
p.30)
O elemento água remete à sensibilidade, á emotivida
de, apontado como o
princípio de todas as coisas, representa a purifica
ção; a regeneração, a profundeza, o
infinito, no aspecto negativo representa a destruiç
ão. É um dos símbolos do
inconsciente, sendo que o ato de mergulhar na água
é uma analogia de adentrar no
subconsciente, enquanto que ser lançado à água é si
milar a ser entregue ao seu próprio
destino. Enquanto um dos quatro elementos é um símb
olo do sentimento. As emoções
também se encontram representadas na água. As ondas
do mar corresponderiam ao
movimento dessa mesma emoção. O conto é uma analogi
a às tribulações, pelas quais o
ser humano passa, seus medos e suas angústias, segu
ndo Antonio Rodrigues Belon:
O ser dotado de possibilidades reflexivas, o homem
sempre de volta à
questão de suas origens, da mesma forma que se inte
rroga sobre o seu
destino, funcionando a sua consciência somente na e
laboração dos dois temas
e na intuição das ameaças a sua integridade em cada
perigo da travessia, da
existência. A travessia dos mares da vida implica o
enfrentamento com o
agôalumem. (BELON, 2004, p.23)
O terceiro conto aqui apresentado é “O Tatã”, um an
imal em tudo
semelhante ao dragão, tradicionalmente associado à
zoolatria oriental. O ser é descrito
pelos índios como um ser extremamente dócil desde q
ue não provocado no que possuía
de mais sagrado, o ciúme, que, a crer nos próprios
selvagens, ardia dentro dele feito
uma bola de fogo no coração. O ciúme, estado emocio
nal complexo que envolve um
sentimento provocado em relação a um ser ou objeto
de que se pretende exclusividade,
na história relaciona-se com o elemento do fogo. Es
te elemento pode referir-se a
sentimentos intensos e à sua demonstração, “incendi
ar” pode significar a ignição de
materiais inflamáveis ou a incitação das emoções da
s pessoas.
No geral a tal bola de fogo, classificada como tata
raviú, que significa
“chama” e também “brasa”, em tupi-guarani, permanec
ia a maior parte do
tempo inativa, claramente visível bem no centro do
monstro (...) o
impressionante no Tatã era a sua doçura, desde que
não provocado, como já
disse, no que possuía de mais crasso – o ciúme, o q
ue acontecia quando os
índios demasiado bêbados insistiam em penetrar a gr
uta onde, comentavam,
ele passava quase todos o tempo a sonhar sonhos de
miraculosa artesania,
amando-os como se fossem amantes. Ao tentarem rouba
r dali os sonhos do
Tatã, coloridos todos e mais embriagadores do que a
uaipiá, o intruso era
invariavelmente incendiado (...). (BUENO, 1999, p.5
8)
O fogo enfatiza o sentido de temperamento explosivo
, humor instável, clima
de forte tensão, de modo negativo traz a idéia de d
estruição, pela maledicência, da vida
dos outros, queimando tudo o que está ao seu redor.
Sua simbologia demonstra a
intensidade da tonalidade afetiva e por isso é uma
expressão da energia psíquica que se
manifesta como libido.
Em “O Hesatí”, último conto do livro, é relatado a
história de um ser capaz
de despertar o pânico de quase todos os índios. O m
onstro coberto por lama em estações
chuvosas e barro endurecido durante o verão, chama
a atenção não por suas estranhas
características, mas sim pelo motivo pelo qual é te
mido. O narrador cita na história duas
tribos indígenas, os Yguaratés, que trazem a testa
marcada por um pequeno sinal de
argila vermelha com o intuito de não serem confundi
dos com os Yretés, a outra tribo
indígena. O Hesatí é igualmente representado pelas
duas tribos, a não ser por uma única
diferença, os Yguaratés crêem que o monstro é capaz
de soprar no rosto do índio
desprevenido uma poeira mortal, enquanto os Yretés
não acreditam nessa possibilidade,
vêem o monstro como um ser inofensivo.
Ao longo do conto, percebe-se que o verdadeiro medo
dos índios Yguaratés
não é propriamente do Hesatí, mas sim da possibilid
ade de se tornarem semelhantes aos
Yretés, tendo em vista que a única diferença entre
as tribos é a maneira como vêem o
pequeno monstro. O elemento terra, presente no cont
o, tem como característica a
solidez e a resistência à mudança. A analogia feita
na história é a de um ser pesado e
lento, avesso às mudanças, realista, conservador e
pragmático, demonstrando uma
característica eminentemente humana, relacionando-s
e com a alteridade e o egoísmo.
O Hesatí avança para os índios, alegremente, abano
e orelhas, a marcha
trôpega de um elefantinho, e esfregando-se neles, e
xcessivo, desajeitado
derruba um por um, e em todos esfrega a boca oferec
ida, de onde não sopra
peçonha ou poeira coisíssima nenhuma; melhor, cheir
a e acaricia, brinca e
morde de leve os índios caídos, com a ternura de an
imal que houvesse
reencontrado, muito tempo depois, os desgarrados me
mbros de seu bando.
Nem assim, contudo, os Yguaratés se dispõem a vislu
mbrar no Hesatí o que
não seja o temerário venenoso de sua poeira que, qu
ando soprada nos olhos,
torna um Yguaraté no indesejável oposto – um Yreté
sem mácula, rolando
na lama seca com um Hesatí vivo, feito fossem, de p
ó, dois incalculáveis
amantes. (BUENO, 1999, p. 94
).
De acordo com Wilson Bueno, em uma entrevista, sua
intenção ao escrever
Jardim Zoológico
foi a de inventar e/ou inventariar novos bichos pa
ra, a partir de sua
forma e conteúdo, refletir sobre a pobre condição h
umana. Ali onde havia um pardal,
instaurou, por exemplo, os giromas; ali onde, arisc
a, cheia de nosso presto amor com
raiva, se atocaiava uma raposa, colocou em seu luga
r, os guapés, micro-cães menores
que um dedo humano e seus filhotes inverossímeis. D
essa forma Wilson Bueno mescla
o folclore, a fábula, a fantasia, a lenda, ao descr
ever seres admiráveis, gerados em
diferentes geografias, originários de fontes folcló
ricas ou literárias, mostrando a força
da imaginação de sonhos. O leitor ao se deparar com
as pequenas narrativas
apresentadas na obra tem a liberdade de ler sem uma
ordem estipulada, de qualquer
forma ele conseguirá adentrar neste universo fantás
tico proposto pelo autor.
CONCLUSÃO
É importante ressaltar que as análises internas não
são perfeitas, porém
pode-se perceber com esse trabalho a importância de
uma análise dos aspectos internos
na compreensão de uma obra, pois fornecem embasamen
tos sólidos por meio de
organizações básicas como a ficção, a narração e a
organização de um texto.
REFERÊNCIAS BIBLI
OGRÁFICAS
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Questões de literatura e estética: a teoria do roma
nce
. São Paulo:
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Disponível em:
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http://www.sofabulas.globolog.com.br/
> Acessado em 25 de outubro de 2008.

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