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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SWAIN, Tania Novono. Você disse imaginário? In: SWAIN, Tania Novarro. História na plural. Brasília: UNB, 1993. solicitar nosso encanto e nossa perda. No entanto, muitos desses perfis, por
mais encantat6rios que pareçam ser, traduzem miragens do feminino, escritas
em um registro alheio e alienante:
1. BRANDÃO, 1989.p.17.
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Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit
Em sua dupla condição de mulher e negra, a personagem negra 1
feminina tem sido objeto de vícios de representações que espelham não apenas
o registro do olhar masculino, mas também convenções e figurações inseminadas
Nessas realizações poéticas, alguns significantes, a voz, o corpo, os
pelo registro do racismo. Nas cenas literárias, no Brasil, predominam, com raras
exceções, três modelos de ficcionalização do corpo feminino da negrura, inscritos desejos, são recorrentes, como anéis entrelaçados. Da alquimia do verso emergem
em versos e prosa: a mãe preta, perfil da generosa mãe-de-leite, sempre sorridente novas modulações tímbricas e figurativas que, pelas vias da reversibilidade,
e amável, sempre alimentando e ninando a criança branca; a empregada disrupção, confrontação e auto-celebração, esculpem, como contraponto às
doméstica, uma espécie de força bruta assexuada, de rosto indiferenciado, na representações tradicionais, engenhosas construções poéticas que ressemantizam
a personagem negra na linguagem poética e o próprio corpus literário nacional.
,
função reificada de objeto do lar; e a insinuante mulata, corpo erotizado em
excesso, objeto dos desejos "ocultos" do homem branco. Dos poemas de Como um lugar privilegiado de ressonâncias e dissonâncias, o corpo metafórico
do texto, em muitos poemas, toma-se signo do próprio corpo da mulher, ali
Gregório de Matos às representações narradas pelo romance, televisão e cinema,
inscrito em tons e maquiagens, caligrafados na mordida dura ou leve da palavra:
a figura da mulata percorre uma travessia linear, escrita como signo indiciaI
que, inexoravelmente, aponta para sensualidade, lascívia, malícia, imoralidade, I
permissividade, vício, egoísmo, cumplicidade e prazer, "qualidades" Uma gota de leite
epitomizadas na luxuriante e sinestésica Gabriela, de Jorge Amado. 1 me escorre entre os seios.
Uma mancha de sangue
Capturado nessas miragens produzidas na e pela linguagem literária,
me enfeita entre as pernas.
esculpido como letra e forma na materialidade dos significantes textuais. o corpo
da mulher negra, literariamente narrado, torna-se uma concha de onde ecoam as Meia palavra mordida
vozes narrativas que tecem a personagem feminina à revelia de seu próprio me foge da boca.
desejo. Esses perfis de mulheres, alheios e alienantes, nunca são auto-definíveis, Vagos desejos insinuam esperanças. 5
mas posam nas cartografias do texto como se se quisessem eternamente mirados
e perenamente desejáveis. Encobertas por esse véu simultaneamente narcísico e
Nesse poema de Conceição Evaristo, a metáfora dos "rios vermelhos"
racialista, essas figurações habitam o que Josefina Ludner nomeia "ficções de
exclusão"3, ficções que tendem a apagar a diferença, e vibram na nossa escrita recobre o sujeito/mulher (fêmea matriz/força motriz) que, ao se apropriar da
como "passageiras da voz alheia" 4, conforme Brandão. palavra, devolvendo-a em estado de semente, provoca a disritmia violentadora
dos "tímpanos do mundo" (p.70). Num texto de 21 versos, o pronome Eu repete
E é do locus da ficção e da poesia que a escritora negra, em se por oito vezes em sua forma pessoal, ecoando ainda por mais três nas suas
particular, busca rasurar esses vícios de figuração, vestindo a personagem negra formas oblíquas. O movimento desse Eu, sujeito da enunciação, engravida o
feminina com novos significantes que indiciam outras possibilidades de texto de referências deslocadas, citando o corpo da mulher como uma paisagem
significância e de interferência nos processos de alçamento do corpo feminino reinaugurada pela auto-nomeação:
como corpo de linguagem. Traduzindo sua condição binária de mulher e negra,
as escritoras afro-brasileiras, em muitas de suas produções, elegem o corpo Eu-mulher
moto contínuo
do mundo. (p.70)
o corpo se Eu mulher
unta de
arranco a viseira da dor
verso e prosa. ó enganosa.!
Reencenado em vários lugares e tempos descontínuos, esse corpo em Restituído em seus predicados, esse eu pode agora oferecer-se ao outro,
movimento toma posse da palavra poética e, pelo processo de deslocamento como lugar de conhecimento e expressão, corpo de enunciação:
metonímico, produz-se como signo de auto-reconhecimento e júbilo.
Vicariamente, esse eu/shifter condensa o sujeito migratório que provoca Gosto sim,
curvaturas nos rituais de enunciação da dicção feminina. A viagem é, assim, desta história feita,
sempre inaugural, pois é na errância da palavra que se produzem a alquimia da na folha do papel
cravado em alfinetes
do sigiloso verso
de mágoas emboçado em nossos corpos
1I para liberar o ventreJ no imutável verbo dos sentidos.'
,11·
~
mulata, a escritora aborda o texto de Barreto pela analogia temática (o romance "Guarde Segredo" com o desejo implícito do narrador de Clara dos Anjos:
inter-racial), mas dele também se distancia pela arquitetura da trama e pela
diferença na figuração da personagem feminina: a Clara de "Guarde Segredo" é
o inverso da protagonista de Clara dos Anjos. Ela mata o amante e, sem _ Você matou Cassi Jones? - ele interrompeu o meu devaneio.
sentimentos de culpa ou recriminações, inverte o desfecho do enredo, tornando _ Matei - respondi. "Como soube disso?", interroguei-me.
a figura do namorado objeto de reflexões na carta/conto que envia ao leitor/ _ Bravo! Esse era o outro final que queria para o cafajeste do Cassi
narratário: Jones. (p.29)
Quando voltava para casa de vovó, fui interpelada por uma senhora Sobre o cadáver de Cassi Jones, metonímia do destino lacrimoso e
gorda. Parecia muito com Cassi Jones. Ela cruzou o meu caminho e indesejável da Clara barretiana, a narrativa contemporânea escreve a sua
ficou parada na minha frete. Insultou-me tanto!. .. Disse coisas horríveis diferenciadora alteração, como texto suplementar que evoca a tradição, citando
do tipo: "Você é a quinta negra que meu filho deflorou e também não a, mas que também a rasura, plissando-a. As referências tradicionais, recitadas
vai ficar com ele. Nesse exato momento está com outra garota". (...) em estado de diferença, criam, assim, engenhosas possibilidades de
Encontrei-os na saleta de um hotelzinho. Ela fugiu, mas ele não teve desdobramentos. Esse movimento de alternância, de filiação e distanciamento,
tempo de reagir. Foram tantas facadas!... (...) Demorei menos de uma de analogia e ruptura, é saborosamente traduzido pela avó da pós-moderna Clara:
hora para chegar à casa de vovó. (...) Fui entrando, entrando e ouvi o
"Tinha que ser assim, minha neta". e continuou: "Nós não devemos
Lima Barreto escrevendo à máquina. Conversavam e riam muito. Por
aceitar o destino com resignação". (p.29)
um momento, juro tê-lo ouvido dizer: "Esperávamos por você. Entre".
Eu pensava: "Tudo está acontecendo ao mesmo tempo".lI
Ao final de sua narração, Clara confessa-se aliviada por ter revelado
sua estória, mas, consciente de que "ainda existe o balanço e a gangorra, apesar
No jogo intertextual e na fricção entre o texto exemplar da tradição e
do mato ter tomado conta de tudo", pede à amiga que "guarde eternamente este
a sua rasura, a narrativa de Esmeralda Ribeiro engendra outras vias de
segredo" (p.29). Guardar segredo é, aqui, um ato de recesso voluntário e
ficcionalização da mulher negra no contexto contemporâneo. Assim, o texto de
estratégico. Resguardando na esfera do privado a cena de ruptura, tornada
Lima Barreto é contemplado não por uma filiação especular, mas por uma relação
entretanto pública pela inconfidência da escritura, o gesto da narradora/escritora
descontínua que fissura e suplementa a narrativa de origem. Ao acessar o
simula, com eficácia, a dicção da mulher negra personagem e escritora, uma
suplemento da diferença, a metaficcionalidade textual passa a ser gerenciada
voz tensionada entre a necessidade do silêncio e o impulso da locução, como
não mais pela familiaridade abismática e especular da analogia, mas sim pela
bem observa Carole Boyle Davies:
via da contigüidade que produz o texto novo como moto-descontínuo, índice de
deslocamento. O destinatário da carta/conto faz-se, pois, plural. É tanto a amiga, E é esta tensão entre articulação e afasia, entre as limitações da língua
narratário ausente que recebe a missiva, quanto nós, seus leitores e intérpretes
falada e as possibilidades de expressão, entre o espaço para certas formas
da história literária que a narrativa subverte. Tornado personagem, Lima Barreto
de discurso e a falta de espaço para o discurso da mulher negra, a sua
erra pelo conto de Esmeralda Ribeiro, evocado como fotografia e fantasma que, 12
postulação entre o público e o privado, que essas escritoras abordam.
oscilando pelos planos da presença e da ausência, do visível e do invisível,
assombra o texto/casa de Clara. Ambiguamente celebrado e barrado, esse
Quebrar os ritos de ficcionalização da mulher negra, tecer outras
personagem é exorcizado pela dicção jubilatória que a narrativa lhe empresta,
dobras, desdobrar seus contornos e alinhavos, ferir as imagens viciadas são atos
fazendo coincidir a voz fantasmática do personagem/escritor Lima Barreto de
11.RIBEIRO, 1991. p.28. 12. DAVIES, 1994. p.153. Atradução desse trecho é de minho autoria.
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Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit
performados por esses textos, que desvelam, na rasura dos véus da tradição
poética e ficcional, outras possíveis silhuetas do fenúnino corpo da negrura. ABSTRACI'
Assim, podemos afirmar com Barthes: The líterary production of Black women writers is the
main theme of this paper, in which I adress some disrupting
"Desvelar" não é tanto retirar o véu como despedaçá-lo: no véu, s6 se discoursive constructions that create new references for the
comenta, geralmente, a imagem daquilo que se esconde ou subtrai. Mas fabulation of the feminine figures in the context of
o outro sentido da imagem é igualmente importante - o forrado, o tênue, contemporary Brazilian Literature.
o seguido; atacar o escrito mentiroso é separar o sentido, reduzir o véu KfW·WOR05:
a dobras quebradiças. 13 African-Brazilian Líterature, Brazilian Literature, Black
Women Wríters.
Esses textos, aqui brevemente abordados, constituem parte da
produção literária afro-brasileira, reeditada e traduzida em vários outros países,
apesar das dificuldades de edição, divulgação e do pouco interesse crítico que
encontram no cenário nacional. Mesmo sem privilegiar categorias de "gênero",
"raça" e "etnias" como referenciais que, por si s6s, informam as qualidades de
um texto, n6s, comentadores literários, não podemos olvidar os papéis que essas
mesmas categorias têm desempenhado na constituição dos cânones, nas escolhas
e exclusões dos escritos que são eleitos ou não para serem lidos e celebrados REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
por n6s. Esses textos poéticos e ficcionais, na hilética composição dos seus
significantes e na artesania da sua linguagem, pincelam o fenúnino corpo da ALVES, Miriam. Vudu. In: ALVES, M.A., DURHAM, C.R. (eds.) Fino//y us: conlemporary Block blosilions wamen writers. 1st edition 01
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