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FORTALEZA – CEARÁ
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FORTALEZA – CEARÁ
2015
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AGRADECIMENTOS
Ao meu pai, Abelardo, e minha mãe, Liliana, por terem me criado com todo o amor e carinho,
por terem investido em mim e por sempre estarem ao meu lado, me ensinando, me cobrando,
me motivando e acreditando no meu potencial.
Às minhas irmãs Lilia e Deborah, por sempre terem sido as irmãs e amigas, ajudando,
confortando, estimulando e acompanhando.
Ao meu namorado, Rafael, por sempre estar do meu lado como namorado e companheiro,
incentivando quando estava desmotivada e compreendendo quando estava ocupada com meus
estudos, além de sempre me fazer rir quando eu precisava.
A minha pequena Rebeca, que esperava ansiosamente o fim deste trabalho, sempre torcendo a
cada página escrita.
Ao meu Orientador, Prof. Dr. João Bosco, que, desde o início, me acolheu, compreendeu
minhas dificuldades, estimulou minhas virtudes e me passou a tranquilidade necessária à
obtenção do meu objetivo.
À grande amiga Aline, que compartilhou as noites de sono perdidas, as angústias e as alegrias
desse percurso, incentivando, rindo e chorando comigo, que tornou tudo isso mais prazeroso.
As minhas amigas Veridiana, Karla e Rebeka, simplesmente por serem minhas verdadeiras
amigas, compreendendo minhas angústias e me incentivando.
Aos Professores Doutores Regina Maciel e Geovani Jacó, integrantes da banca avaliadora da
qualificação e defesa, pela aceitação do convite, tempo dispensado à leitura e pelas
contribuições que enriqueceram sobremodo a pesquisa.
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A todos os policiais que colaboraram de forma direta ou indireta com minha pesquisa, com
disponibilidade e atenção, mostrando o quão difícil, porém admirável, é seu trabalho. Eu os
admiro mais a cada dia!
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(Autor Desconhecido)
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RESUMO
ABSTRACT
It discusses the job of COTAR police officers and their labor activity, searching for
understanding their organization and work conditions, with an understanding about
the relation between the prescribed and the real situation of this activity. Specifically,
the purpose is to know: the profile of the COTAR police officer, labor course,
organization and work conditions, formation and police officers improvement,
hierarchy and discipline expressed daily, relationship between the police officers and
the society, besides the police officers perception about the risks and harm of their
work. I notes that the COTAR is the youngest corporation of the Riot control,
constituted by police officers that work in the countryside of the state, with the main
goal of acting in the repression of bank robbery. The company head office is in the
Riot control quarter, localized in Fortaleza, however, after departure from the
quarter, the return forecast is just in the end of the duty. The police officers have a
work journey of 6x7 and 6x8 – six days of work of seven days off and six days of
work of eight days off, which are most of the time at the inner cities of state and far
from their families. The police officers job is the patrol directed for the caatinga’s
reality. In the absence of operations, they do the preventive patrol, with the intention
to restrain robbery, besides doing other activities like prisoners transport, action in
the jail rebellions, capture of drugs and guns, aside from others. In the case of police
report, the police officers, in several occasions, need to move in high velocity, which
already have mentioned as a stressful factor for them. Because of the physical
conditions of the state countryside and the lack of special physical structure, the
police officers remain without accommodation, eating and sleeping only when
possible, besides being exposed to the climatic conditions of the countryside, like
heat and high temperatures. It is noteworthy the burden lived by the police officers,
that, because of their work nature, has caused problems with the spine and
withdrawals. Besides the waste caused by these conditions, there is still the
disrespect of some patrol commanders that renege the foreseen about the service
board, about the sleep, rest or the physical activity execution. In general, the police
officers report union in the activities execution and operation, concern with others,
however, reclaim about the existence of abuse and harassment on the work. One
concludes that the police officers generally like activity and being police officers, but
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LISTA DE QUADROS
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE GRÁFICOS
faixa etária............................................................................................. 65
de filhos................................................................................................. 66
ingresso na instituição........................................................................... 73
policiais do COTAR.............................................................................. 79
do COTAR............................................................................................ 91
LISTA DE TABELAS
SUMÁRIO
HISTÓRICA E SOCIAL..................................................................................... 30
À DEMOCRACIA........................................................................................... 40
3 PERCURSO METODOLÓGICO................................................................. 45
4 LOCUS DA PESQUISA................................................................................ 55
CONDIÇÕES DE TRABALHO.................................................................... 65
dos Policiais...................................................................................................... 71
Trabalho............................................................................................................ 75
REFERÊNCIAS............................................................................................ 116
APÊNDICES................................................................................................. 120
ESCLARECIDO............................................................................................. 121
ANEXOS........................................................................................................ 123
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No ano de 2013, vivemos no Brasil a preparação para a Copa do Mundo de 2014, além
da realização da Copa das Confederações (eventos de futebol internacionais). Neste período,
porém, o País também deparava um momento de questionamentos sobre o cenário político e
social, potencializado pelos investimentos que estavam sendo feitos em obras para os eventos
da FIFA, em detrimento das necessidades urgentes, como melhorias na educação, saúde,
dentre outros setores.
Desse modo, o período de 2012 a 2014 foi marcado pelo constante movimento da
população nas ruas, por meio de manifestações, cujo ápice, em junho de 2013, teve como
motivador inicial a insatisfação com o aumento das passagens de ônibus em várias cidades
brasileiras, mas que posteriormente foram ampliadas em razão das repetidas denúncias de
corrupção, e os investimentos nos eventos internacionais, conforme citado.
Nesse contexto de manifestações, foram se ampliando as reivindicações e o
movimento popular nas ruas, e o que inicialmente era apenas o livre direito de manifestar
democraticamente insatisfação e indignação tomou outras proporções, gerando violência, o
que pôde ser visto nos mais diversos programas jornalísticos no Brasil e no mundo, jornais
impressos, além da repercussão nas redes sociais, como Facebook, o qual foi bastante
utilizado, tanto na organização, como nos comentários sobre as manifestações.
Segundo Fachinetto (2013), vários foram os temas abordados nesse período: uns
surgiram como motivação para as manifestações (o preço do aumento das passagens de
ônibus) e outros em decorrência do que foi observado junto ao povo nas ruas (o trabalho
policial e sua legalidade). De acordo com o observado, na análise sobre a percepção das
pessoas acerca das manifestações, a polícia foi tomando relevância como tema de debate e
sendo alvo de questionamentos e críticas por parte dos media, das redes sociais e da
população em geral, chegando o assunto sobre a violência policial a ser o segundo mais
debatido em alguns jornais e redes sociais. Bastava ligar o televisor ou acessar a internet para
depararmos a enorme quantidade de matérias nos noticiários e publicações (no caso das redes
sociais) sobre o assunto. Algumas demonstravam indignação com a ação policial (utilização
de munição de borracha, granas de efeito moral), porém, em contrapartida, outras elogiavam
as ações policiais e as incentivavam.
De fato, essas reivindicações resultam de uma característica histórica do cotidiano,
vivido pela maioria da população brasileira que, segundo Jesus (2008) e Pinheiro (1997), é
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No final de todos os cursos da polícia, existe o momento de desaceleração, no qual o policial, que estava em
constante pressão e ansiedade, é preparado para retornar para suas famílias.
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que havia por parte da maioria desses policiais. A atuação de uma psicóloga parecia inquietá-
los, incomodá-los, tanto pela condição profissional quanto de gênero, num contexto
predominantemente masculino. Havia desconfiança, receio de ser visto pelo grupo como
‘doente’, além de relativa relutância em falar em decorrência da realidade da estrutura
hierárquica na qual estavam inseridos. No decorrer do contato, eles foram permitindo a
aproximação e a possibilidade de ajudá-los, mediante o estabelecimento de uma relação de
confiança e na promessa do sigilo. Posteriormente, ficou evidente que o preconceito por parte
deles não era apenas com psicólogos, mas, também, com sociólogos, justificado pelas
experiências em que os policiais eram usados apenas como “cobaias”, objeto de estudo, e
depois nem sequer uma devolutiva recebiam. Por essa razão, tanto durante o
acompanhamento quanto no decurso da pesquisa, um dos pilares da nossa relação de
confiança partiu de sinceridade, ética, sigilo e comprometimento em sempre dar devolutiva
aos policiais, fosse no acompanhamento na qualidade de psicóloga ou no próprio resultado da
dissertação como pesquisadora, haja vista julgarmos ser direito deles terem o retorno de toda a
pesquisa.
Os policiais se mostraram diante de nós não apenas como sujeitos individualizados,
mas também como agentes sociais que tinham papel relevante na sociedade, e foi onde o olhar
como psicóloga já não bastava para compreendê-los. Para ampliar saberes sobre a polícia, era
necessário exercitar uma verdadeira “conversão do olhar” (BORDIEU, 1983), em que fosse
possível experimentar uma visão transposta ao apreendido como profissional de Psicologia.
Em verdade, a experiência profissional apontava questionamentos sobre algumas
características do trabalho policial: jornadas de trabalho não definidas por lei; insatisfações
desses “servidores” do governo; falta de reconhecimento profissional, refletido no tempo de
demora para as promoções; falta de reconhecimento do Comando ou mesmo dos colegas de
Batalhão. No que se refere ao bom resultado de operações realizadas, surgiam questões
relativas às relações de poder e disciplina existentes na instituição, aos entraves burocráticos,
à falta de investimento no trabalhador policial, representada pela reduzida quantidade de
uniformes; o não respeito às folgas, dentre outros.
Neste contexto, torna-se relevante pensar sobre o percurso pelo qual esses policiais
passaram até os dias atuais, principalmente tomando como referência a repercussão de
acontecimentos e características da PM cearense no ano de 2013: a) o Ceará apresenta o
segundo menor efetivo de policiais em relação ao número de habitantes por Estado; b) possui
um dos piores salários da categoria no Brasil (como exemplo, tem-se que os oficiais cearenses
detêm o segundo lugar como os mais mal pagos do país); c) as manifestações que marcaram
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de disciplinar o fazer a partir do corpo, mas também da mente das pessoas. Com efeito, o
trabalho prescrito era o previsto pela organização, na qual eram fixadas regras e objetivos. Já
o trabalho real se baseava na atividade do sujeito, onde ele põe em jogo todo seu corpo,
experiência e afetividade, com base nas reais condições de trabalho.
Desse modo, buscamos compreender até que ponto há disparidade entre o prescrito e o
real do trabalho dos policiais, atividade baseada no imprevisto.
Em primeiro lugar, convém chamar a atenção para o caráter de imprevisibilidade da
atividade que requer a cada instante a inteligência criadora do trabalhador, e não
pode ser interpretada automaticamente como sinônimo de interesse ou de prazer no
trabalho, posto que, a fadiga, o sentimento de monotonia, a insatisfação e o
sofrimento podem co-habitar num mesmo posto de trabalho. Em segundo lugar, o
eixo da atividade apontado pela ergonomia colocou em primeiro plano o valor do
conhecimento e do savoir-faire dos operadores como fator inesgotável para garantir
os clássicos imperativos empresariais de produtividade, eficiência e qualidade.
(FERREIRA, 2000, p.06)
Com base nessa teoria, o objeto desta pesquisa foi tomando relevância em meio a
questionamentos que esboçavam a intenção de pesquisa: como se constitui o trabalho desses
policiais? Qual o sentido que eles conferem à sua atividade laboral? Quem são os policiais
que trabalham no Batalhão de Choque (sexo, idade, escolaridade, cor da pele, situação
conjugal, patente, número de filhos, tempo de serviço, formação profissional, renda familiar)?
Qual a trajetória profissional dos policiais militares do Batalhão de Choque? Como se
configuram a sistemática e as objetivas condições de trabalho dos policiais militares do
Batalhão de Choque no exercício de suas práticas cotidianas? Quais os riscos e agravos
provenientes do trabalho policial?
Com suporte nestas indagações, decidimos realizar estudo sobre o trabalho do Policial
Militar do Batalhão de Choque do Ceará, sob o ponto de vista do policial acerca do seu
trabalho, bem como as repercussões das condições do trabalho em suas vidas. O Batalhão de
Polícia de Choque foi o "escolhido" em virtude da proximidade com os policiais, o que
facilitaria o acesso aos dados, a repercussão que os policiais do Choque tiveram nos media no
decorrer do período da realização da pesquisa, além da importância do trabalho do Choque,
principalmente nesse momento de manifestações, aumento da criminalidade, crescimento do
número de homicídios e assaltos a banco, dentre outros.
Nessa busca por compreender o trabalho do policial militar, hoje, se tornou relevante
conhecermos como se constituiu a Polícia e qual foi o processo de formação do trabalho do
policial militar, tomando como base a história da Instituição e o trabalho do policial
propriamente dito, atualmente classificado na esfera dos serviços.
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pois, além de trabalhadores, eles também são sujeitos e cidadãos, os quais são motivados ou
desmotivados nas relações com o social.
Em adição, também no decorrer do apreendido nas leituras e com suporte nos
documentos e narrativas dos policiais, buscamos compreender como sucede o trabalho dos
policiais do COTAR no que se refere a condições de trabalho, natureza da atividade e
reconhecimento profissional, além de compreender a relação entre o trabalho e o adoecimento
físico e psicológico.
Na seção conclusiva, delineamos a síntese de alguns pontos desenvolvidos, tendo
como referência as fundamentações teóricas, considerações sobre a fala dos entrevistados e os
dados colhidos dos questionários, além das percepções pessoais na qualidade de pesquisadora.
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Policiais que estavam na última fase do III CATE.
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O brevê é usado por policiais que terminam cursos e simboliza a qualificação profissional. Pode ser
emborrachado ou de metal e é utilizado fixado na farda do policial.
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Como explicar, no entanto, a existência de sociedades que não possuem polícias? Daí
a necessidade de entendermos a diferença entre policiamento e polícia. O policiamento é bem
antigo e tem como função assegurar a ordem social, podendo ser realizado por várias
instituições, tanto públicas como privadas. Suas primeiras evidências são do período colonial,
sendo exercidas por cidadãos ou funcionários privados, sem organização ou vínculo
propriamente dito.
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Como era chamado o policial inglês.
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fogo, tendo como arma o cassetete, utilizado apenas em situações em que a conversa não
resolvesse.
Mesmo surgindo da necessidade de organização, a Nova Polícia não foi bem aceita,
inicialmente, seja pelas classes altas e médias, que tinham receio de perder sua liberdade
mediante a intromissão do governo em assuntos locais, seja pela classe operária, com o uso da
polícia no controle da reforma industrial. A violência nesse período caiu, mas julga-se que
não em virtude apenas da Polícia, mas em razão de mudanças de comportamento da
sociedade.
A polícia foi bem sucedida em conseguir tal grau de legitimidade, não mais sendo
vista por todos como uma força politicamente opressiva, através de uma combinação
de estratégias específicas que deram à polícia inglesa uma característica distinta, que
a implantou firmemente em uma mitologia nacional. (REINER, 2000, p.78).
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A expressão policiamento por consentimento foi utilizada em Reiner (2000) para explicar todo o trabalho de
renovação da polícia, baseada em mudanças que buscavam aceitação da sociedade.
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Em meio aos casos de corrupção, tomam relevância os abusos de poder por parte dos
policiais, o que levou ao entendimento de que algumas das regras pareciam não ser
conhecidas pelos policiais. Passa-se a acreditar que, se o que estava prescrito para a atividade
policial fosse cumprido, não haveria eficiência por parte da polícia.
De certa maneira, os meios de força policiais se inserem em uma espécie de interseção dos
condicionamentos de dois níveis: de um lado, a configuração formal-legal da autoridade do
Estado e, de outro, o conjunto diversificado de demandas concretas e inadiáveis provenientes
do convívio em sociedade. Esse limites transformam-se em objetos de constante negociação,
na prática policial. É, por excelência, nos encontros ordinários entre policiais e cidadãos, em
alguma esquina ou rua de nossa cidade, que os princípios da legalidade e da legitimidade, que
conformam o abstrato “estado de direito”, são negociados, reinterpretados, experimentados e
mesmo constituídos. (MUNIZ, 1999 p.39).
Com o passar dos tempos, a Polícia, ao mesmo tempo em que é a instituição mais
conhecida é a menos entendida (BRETAS, 1997, MUNIZ, 1999). O que alguns estudiosos do
tema procuram estudar não é a atividade policial propriamente dita, mas o trabalho como
repetição cumulativa de atos semelhantes e a ligação da polícia com o crime. Dessa forma, o
policial ora é o “vilão”, quando se fala sobre abuso de autoridade ou execução de crimes; ora
é a “vítima”, quando é assassinado, alvejado; além de ora ser o “herói”, quando, finalmente,
suas ocorrências que obtiveram resultados positivos são mostrados nos media, o que não é
ordinário, fato natural.
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Embora existam várias diferenças entre as polícias no mundo, que podem ser
representadas pelo uniforme, local de trabalho, jornada de trabalho, viaturas, armamento, etc,
elas possuem algo em comum: uma cultura policial, que pode ser expressa: pela constante
cobrança de resultado, pela vivência entre Leis do mundo e Mundo das leis, pelo vício em
adrenalina, pela suspeição, pelo isolamento, o não direito ao questionamento, a solidariedade
entre os pares e, principalmente, pelo fato de ser policial não constituir apenas uma profissão,
mas um meio de vida. Esse é o que se conhece por ethos policial, um modo de existir que só
pode ser aprendido nas ruas, e que, geralmente, não é percebido pela maioria das pessoas.
(REINER, 2000; BRETAS, 1997; MENANDRO e SOUSA, 1996; BRODEUR, 2004).
A origem da polícia brasileira teve como cenário histórico o período imperial, porém
suas raízes já estão na história desde o período colonial. Na sua constituição, a polícia passou
por várias transformações até chegar ao que hoje conhecemos como Polícia Militar Brasileira.
É difícil, segundo Holanda (1987), precisar as origens da Polícia em virtude da falta de
documentação e da perda de arquivos importantes. A despreocupação e a desorganização
observadas nas organizações policiais com papéis e documentos relevantes permanecem até
os dias atuais, segundo relato dos responsáveis pelo Instituto Histórico da PM do Ceará.
Brasil (1989) cita a constituição das polícias e ressalta que o aparelho policial não
nasceu de ensejos da sociedade civil, mas sim com origem na preocupação das classes
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dirigentes em manter a ordem, tendo como objetivo o controle social por meio da repressão e
prevenção.
não exerciam
profissionalmente a
atividade militar, mas,
depois de qualificados
como guardas nacionais,
passavam a fazer parte
do serviço ordinário ou
da reserva da instituição
1834 Corpos de Guardas Segmentos sociais à Manter a ordem pública e auxiliar a
Municipais parte das relações de justiça
Permanentes produção
1866 Polícia da Corte Sujeitos menos abastados Montar guarda, patrulhar a cidade, além
e com menores de realizarem atividades preventivas e
escolaridades repressivas
1967 Inspetoria Geral das Efetivos transferidos das Manter a ordem, através de policiamento
Polícias Militares Guardas Civis e fardado, subordinado ao Exército
anteriores organizações
militares.
Fonte: Dados constantes em Holanda (1987) e Brasil (1989)
A Polícia Militar brasileira surgiu arrimada nos modelos de polícia francesa e inglesa,
representados pela hierarquia, disciplina, dedicação exclusiva e pagamento de soldos
(salários) por intermédio dos cofres públicos, do modelo francês, além do policiamento
comunitário e a busca de aproximação com a sociedade, do padrão inglês.
Como informa Muniz (1999), a implantação das polícias denotou o esforço em
transformar a segurança em um bem público universal, não sendo mais aceitável o emprego
do combate para manutenção da ordem contra civis desarmados, surgindo a ideia de
segurança como responsabilidade, agora do Estado, sendo as organizações policiais as
agências que mais se transformaram no curso da história. Esse processo foi acompanhado
pelo fato de que as polícias sempre foram expostas às críticas públicas:
As polícias, desde sua criação, tornaram-se a face mais delicada do Estado. Elas têm se
apresentado como o lugar no qual se pode legitimar ou descredenciar o valor atribuído à
autoridade. Isto porque as agências policiais representam, por um lado, a encarnação mais
concreta e cotidiana da autoridade governamental na vida dos cidadãos; e por outro, o único
meio de força legal, disponível diuturnamente, capaz de responder de forma imediata e
emergencial às mais distintas e heteróclitas demandas citadinas por ordem pública. (MUNIZ,
1999, p.37).
De acordo com Brasil (1989), a Polícia está vinculada à manutenção da ordem, o que
em alguns momentos da história do Brasil conduziu as forças policiais a servirem para a
sustentação do sistema político, muitas vezes defendido pelas oligarquias: a polícia como
“braço do Estado”.
A denominação oficial da Polícia Militar ocorreu após a Segunda Guerra Mundial.
Desde então, foi dado novo direcionamento no emprego das polícias militares, sendo
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Com suporte nessa formação, os estados foram criando suas PM’s, com características
e processos históricos diferenciados, partindo das necessidades e dos processos de cada
Estado, porém bastante similares no modo de acontecer.
Desse modo, a PM brasileira é uma instituição de prestação de serviços, que expressa uma
organização burocrática e se baseia em princípios como hierarquia e disciplina,
É esperado do policial que ele seja cordial com os cidadãos e repressor com os
desordeiros e malfeitores, que lide com todas as mazelas do mundo, pois ele é o profissional
que convive diariamente com a pobreza, a drogadição, com o mundo do crime, com a
perversidade das relações e que, por outro lado, tem que estar bem para retornar ao lar.
A crise vivenciada pela polícia nos anos 1960 no plano mundial ocorreu também no
Brasil, no decorrer dos anos 1980 (BRETAS, 2000), período em que a polícia foi convocada a
fazer frente às manifestações da campanha das “Diretas-já”. Esperava-se haver comunhão de
propósitos entre Estado e Polícia, em que o Estado se moveria de forma coesa, sem
negociações internas e sem mediações com o mundo externo, o que passou a não fazer sentido
quando iniciaram os movimentos sindicais dos profissionais de polícia, sobretudo nos Estados
Unidos e na Inglaterra (MUNIZ, 1999).
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O Regimento Disciplinar é um conjunto de condutas as quais baseiam o permitido e o proibido aos policiais.
Cada Estado possui regimento com normas específicas, porém havendo bastante consenso na maior parte das
normas gerais.
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ocorre maior mobilização trabalhista dos policiais, que culminou na greve de 1997, conhecida
como “revolta das praças”, episódio em que, segundo Muniz (1999), as praças da PM, os
Pm’s de mais baixas patentes (soldado, cabo, sargento) desafiaram o Estado, reivindicando
melhores salários. O episódio, que iniciou em Minas Gerais, se espalhou por outros estados,
desencadeando desconfiança por parte do Estado e maior atenção, agora não mais apenas na
população, mas também nas polícias que eles haviam criado, deslocando a atenção do que
esses homens armados faziam no trabalho nas ruas para o que esses policiais poderiam estar
fazendo contra o Estado.
Desse modo, foi criada uma cultura política orientada pela suspeita, em que os
interesses do Governo Executivo eram mais significativos do que consolidar o monopólio
estatal do uso da força. Então, as hostilidades e os embates entre a sociedade e a Polícia
tomaram relevância, proporcionando atos de abuso de autoridade e baixa visibilidade do
trabalho policial, denotativa de segurança pública era apenas prender pessoas. Vale lembrar,
entretanto, que, de acordo com o artigo 144 da Constituição Federal de 1988, Segurança
Pública passa a ser direito e dever de todos. Nesse âmbito, “A polícia é o setor da
administração pública oficialmente responsável pelo exercício do controle social e pela garantia
da segurança pública.” (MENANDRO e SOUZA, 1996, p. 133)
A história da Polícia Militar do Ceará tem início com a criação do Corpo Policial do
Ceará, com origem na lei número 13, de 24 de maio de 1835 (BRASIL, 1989: 52), período em
que o Ceará ainda era província. O então presidente da Província, José Martiniano de Alencar,
preocupado com a segurança e o bem-estar dos seus habitantes, criou a Força Pública do
Ceará, embrião da Polícia Militar do Ceará, a qual possuiu várias denominações, até que, em
4 de janeiro de 1947, passou a ser chamada Polícia Militar do Estado (segundo a Constituição
de 1947).
Desde então, a história da polícia se confunde com a história do Estado, que foi
marcado por acontecimentos como a Guerra do Paraguai (1864-1870), a Sedição de Juazeiro
(1914), Revolução de 1930 no Ceará, Combate ao Cangaço (1920-1930), todos
acontecimentos históricos que contaram com a participação das forças do Estado. Nesse
período, que abrange cerca de meio século, o Corpo Policial não possuía um efetivo
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representativo, em razão de vários homens terem sido deslocados para trabalhar nos eventos
ora mencionados. (BRASIL, 1989).
A fala do oficial reflete uma realidade que era bastante ativa na citada década (anos
1980), mas que, mesmo após 30 anos, ainda existe. Por mais que nesse ano o nível de
escolaridade exigido para concurso PM CE seja maior - nível médio para concurso de praça e
nível superior para concurso dos oficiais - ainda há resistências reais de mudanças na
instituição, que quiçá serão alcançadas quando os oficiais mais antigos forem para a reserva,
porém, não há como ignorar as reformulações ocorridas no decorrer dos anos 1980.
Num breve relato sobre as mudanças acontecidas neste período, podemos relatar o
conjunto de acontecimentos que envolveram o “governo das mudanças”, de Tasso Jereissati,
que teve início em 1986 e representou a transição de um regime autoritário para um regime
democrático. Mesmo com esse intuito de mudanças, apenas no segundo governo (1995-1998),
com origem em crises profundas envolvendo a credibilidade da segurança pública (abuso de
autoridade, corrupção policial, roubos, envolvimento com tráfico de drogas) que realmente se
iniciaram as mudanças na segurança pública. O primeiro marco foi a criação da Secretaria de
Segurança Pública e Defesa da Cidadania/SSPDC, a qual passou a atuar com um comando
único para as Polícias Civil e Militar e Bombeiros. Neste período, foi também criada a
Corregedoria dos Órgãos de Segurança Pública, hoje denominada Controladoria, que surge
com o papel de fiscalizar, organizar e orientar esses órgãos (BRASIL, 1997).
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Desse modo, a Controladoria foi um órgão criado em decorrência das várias acusações
que recaíam sobre os policiais. Foi uma iniciativa com intuito de renovar a credibilidade da
população sobre a capacidade de o Estado garantir a segurança, a qual estava vulnerável, além
de uma nova forma de controle sobre os policiais, os quais seriam vigiados de forma mais
próxima, em busca de maior controle por parte do Estado no que se refere à segurança.
Percebemos, assim, que a Segurança Pública, como órgão reconhecido, é algo recente,
e que, desde seu início, foi perpassada por várias crises, como a da separação das polícias em
20057, a divulgação da existência de grupos de extermínio dentro da Polícia e a redução dos
investimentos na segurança pública, marcadamente no governo de descontinuidade de Lúcio
Alcântara, no que se refere à Segurança Pública.
Neste momento, a imagem da Polícia novamente aparece como negativa, e as ações de
alguns grupos de policiais criminosos denigrem a imagem da instituição perante a população.
Em 2006, foi eleito o governador Cid Gomes, o qual também iniciou seu governo com
proposta de modernização, estruturação e resolução de crimes de policiais. Ele nomeou para
assumir como Secretário de Segurança Pública não mais um general, mas um delegado
aposentado da Polícia Federal. Novos investimentos foram feitos com a Criação do Programa
Ronda do Quarteirão8, com proposta de policial mais próximo da sociedade. Como, porém,
investir numa mudança como estas sem antes preparar a sociedade e ajustar o homem que
entraria numa instituição conhecida pelo trabalho ostensivo, mediante uma forma rústica de
abordagem?
Desse modo, é importante ressaltar que a existência de crises, violência e corrupção se
repete em momentos históricos diferentes na área da Segurança Pública, no Brasil e no
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Separaram a PM da PC, como órgãos distintos, mas que trabalham em conjunto, ambos subordinados à
SSPDC.
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Ronda do Quarteirão é um programa de Segurança Pública implementado no Estado do Ceará em novembro de
2007, que tinha como proposta maior aproximação entre policiais e população.
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mundo, conforme já citado, as quais se refletem diretamente no trabalho e vida dos policiais,
bem assim na existência da sociedade em geral.
No ano ora corrente, a Polícia Militar do Ceará é formada por cerca de 1650 militares,
sendo apenas 457 mulheres. O contingente é dividido em Comando de Policiamento da
Capital (CPC), Comando de Policiamento Especializado (CPE), Comando de Policiamento
Metropolitano (CPM), Comando de Polícia Comunitária (CPCOM), Comandos de
Policiamento do Interior Sul e Norte (CPI), Batalhão de Policiamento Rodoviário Estadual
(BPRE), Coordenadoria de Inteligência Policial (CIP) e Coordenadoria de Feitos Judiciários
Militares (CFJM).
O Comando da Capital é composto por batalhões, os quais possuem atividades e
jornadas diferenciadas. A PM é comandada por um oficial do mais alto posto – coronel - que
recebe o nome de Comandante Geral, sendo responsável por todo o efetivo da PM CE.
convocados para trabalhar juntos numa mesma operação, como exemplo, na Copa do Mundo
de 2014.
O COTAR, objeto de estudo desta pesquisa, pertence ao BPChoque, sobre o qual nos
aprofundaremos posteriormente.
A PMCE, ao longo de sua existência, passou por várias mudanças, tendo que adaptar
suas estruturas e modo de funcionamento de acordo com as mudanças da sociedade. Dentre as
mais recentes mudanças, podemos citar a reestruturação que ocorreu mediante a Lei de
Organização Básica9, a qual apresenta em seu artigo 1º do capítulo I uma definição atual da
PMCE:
A Polícia Militar do Estado do Ceará - PMCE, instituição permanente, força auxiliar e
reserva do Exército, organizada com base na hierarquia e na disciplina, destina-se à
preservação da ordem pública, à polícia ostensiva, além de outras atribuições previstas na
legislação federal e estadual, tendo por base os seguintes princípios: I - respeito aos direitos
individuais e coletivos e à integridade moral das pessoas; II - uso moderado e proporcional
da força; III - unidade de comando; IV - eficiência; V - pronto atendimento; VI - emprego de
técnicas proporcionais e adequadas de controle de distúrbios civis; VII - qualificação
especial para a gestão de conflitos sociais; VIII - colaboração com outras forças policiais na
troca de informações e no monitoramento da segurança comunitária.
9
Lei número 15.217, que dispõe sobre a nova Organização Básica da Polícia Militar do Ceará (LOB/PMCE)
44
3 PERCURSO METODOLÓGICO
admitidos não cursados. Cada Companhia possui curso específico, no qual são abordadas as
atividades e operações específicas de cada composição: COTAM – Curso de Patrulhamento
Urbano, CDC – Curso de Distúrbios Civis, GATE – Curso de Ações Táticas Especiais, Canil
– Curso de Cinotecnia e COTAR – Curso de Ações Táticas Rurais.
A observação dos cursos tornou-se relevante e possibilitou o entendimento mais
aprofundado do Batalhão e de suas companhias, com destaque a representação simbólica do
uniforme para eles, o que os fazia sentir “choqueanos” em algumas ocasiões e “catianos,
sertão, CDC, canil e COTAM” em outros. Passavam por avaliações, treinamentos, provas em
que ficavam com comida e sono reduzidos, em busca, muitas vezes, de um sonho, como o
percebido na fala de um aluno do I COTAR: “Desde bem pequenininho eu via meu tio
vestindo a farda do Choque e pensava que um dia seria eu...”
No decorrer do nosso trabalho, as diferenças dos policiais das companhias foram se
tornando mais claras, pois, mesmo quando estavam todos com o uniforme camuflado do
Choque, as particularidades dos comportamentos, do modo de trabalhar, da descrição das
atividades, do relacionamento do grupo, iam se tornando mais sensíveis. Isso decorre do fato
de que os policiais, em muitas ocasiões, trabalham como Choque, não vestindo a farda de sua
Companhia, nem atuando especificamente. Essa é uma das características relevantes do
trabalho do policial do Choque, pois eles têm que ser preparados e treinados não apenas para
atuar nas ocorrências específicas da sua Companhia, mas também nas ocorrências que forem
de competência do Choque. Isto é algo que pode parecer contraditório, pois é um policial
especializado, mas que tem de ser multifacetado, estando sempre pronto para o que aparecer.
Com a exceção dos policiais do GATE que, na maior parte do tempo, estão com seu
fardamento específico preto, os demais parecem se misturar ao caminharem no pátio do
quartel ou nos momentos de descontração. Durante o acompanhamento dos grupos, a
realização de palestras (anteriores ao momento da pesquisa, porém não menos relevantes) ou
mesmo na observações das rotinas ou cursos, fácil era identificar que estávamos com policiais
de variadas companhias, seja pela união que era mais visível em alguns grupos, seja pela
vaidade de se julgar ser um policial de uma Companhia superior, representado por um
conjunto de vaidades individuais e certa forma de competitividade, nem sempre sadia. Foi
interessante observar as diferenças e as inúmeras semelhanças entre um grupo de 616 homens
e mulheres que representam o Choque.
10
Indisponíveis são os policiais que não estão na escala de serviço, seja por estarem afastados ou de férias.
50
policiais). Possuem uma sala de aulas e alojamentos com banheiro para os policiais. Como em
algumas companhias do Choque, há os alojamentos dos oficiais e das praças. Os policiais do
COTAM são geralmente os que aparecem mais rápido nas ocorrências, pelo fato de sempre
estarem patrulhando na Cidade, além de possuírem o segundo maior efetivo, o que facilita sua
chegada às ocorrências.
O CDC é a 2ª Companhia. É comandada por um capitão e também é localizada no
Choque, mas possui várias diferenças facilmente observadas. Primeiramente, em virtude da
essência de seu trabalho, pois não é uma tropa de patrulhamento, mas é específica para
controle de distúrbios, como a denominação de pronto já esclarece. Seus policiais,
geralmente, ficam no quartel, esperando convocação para operações, algumas já planejadas,
como eventos esportivos, reintegração de posse e outras imprevisíveis, como greves e
rebeliões. Pelo fato de ser a Companhia de entrada no Batalhão, percebe-se um clima de
maior receptividade para policiais vindos de outras companhias ou batalhões, justamente por
ser a Companhia mais convocada para trabalhar em grupos.
O GATE é a 3ª Companhia. É comandada por um capitão e localizada em
Maranguape, pela necessidade de rápida locomoção em virtude de ocorrências específicas.
Possui sede própria, mas, no decorrer de oito anos, mudou três vezes de local. O que,
tecnicamente, deveria ser algo de responsabilidade do Governo, na prática era
responsabilidade deles, pois, acompanhando as mudanças de sede, não havia nenhuma
participação do governo do Estado, mas apenas dos próprios policiais que saíam pela cidade
em busca de locais pertencentes ao Governo que estivessem desocupados. E era assim a
mudança de endereço das companhias, motivadas não por suas necessidades ou intenções,
mas, em geral, por determinação da Secretaria. Como exemplo, podemos comentar a mudança
da sede do GATE da Avenida Bezerra de Menezes: havia um prédio desocupado, sem uso
naquele momento, até que o GATE solicitou mudança de sede para lá, ocupou o prédio,
pintou-o, arrumou-o (estruturação observada no decorrer do acompanhamento), e, quando
estava funcionando, pronto, logo foi solicitado que fosse desocupado, pois seria utilizado pela
Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará; é o prédio onde até hoje funciona a
Secretaria. Vale ressaltar que, em muitos casos, a tinta que era utilizada, e até alguns móveis
do quartel, eram conseguidos pelos policiais, o que acontece em todas as companhias do
Batalhão.
O Canil é a 4ª Companhia. É comandada por um major e localizada no bairro
Conjunto Esperança. Em razão da especialidade do Patrulhamento com cães, percebemos que
o Canil também difere das demais companhias, seja pela estrutura física, pela simples
51
existência dos cães, o que já necessita de todo um aparato para cuidar e treinar o cão desde
seu nascimento, além do modo de trabalho, viaturas. Por ser uma das últimas companhias a
ser incorporadas ao Choque, e pelo modo como essa incorporação foi feita, percebemos certo
distanciamento dos policiais do Canil em relação aos demais, não sendo possível, nesse
momento, nos aprofundarmos para melhor entender essa relação. Ressaltamos que cada
policial do Canil possui pelo menos um cão, com o qual guarda um relacionamento bem
próximo, pois o policial passa a ser responsável por seu animal.
Já a 5ª Companhia, o COTAR, é a mais recente e possui outras especificidades que
serão mais aprofundadas em seguida.
Importante é ressaltar que, pelo percebido na primeira fase da pesquisa, os dados e
documentos da instituição se encontram desatualizados e, em alguns casos, informados pelos
próprios policiais como perdidos, o que pôde ser confirmado em inúmeros contatos, visitas e
conversas informais com policiais do Instituto Histórico da PM, ou de policiais que já estão
na reserva11, mas que trabalham na atualização de dados da Instituição. Faltam informações
no próprio site do governo do Estado, além de vários dados, como o número de policiais da
Instituição, que está desatualizado. Indicadores como a existência da 5ª Companhia do
Choque – COTAR ainda não existem de forma atualizada no site, mesmo após mais de dois
anos de efetivação. Outro ponto relevante é a falta de informações sobre os benefícios e
serviços disponíveis para os policiais, como os cedidos pelo Centro Biopsicossocial12, além de
dados atualizados da Perícia sobre como estão os policiais que voltaram de afastamentos, ou
até mesmo quantos afastamentos houve de pessoas diferentes em um ano, pois apenas sabem
o número de afastamentos, mas não sabem se foi uma mesma pessoa que se ausentou três
vezes no ano, ou se foram três pessoas diferentes que se afastaram. Isso mostra a
desorganização e a falta de cuidado com os sujeitos da Instituição.
11
O policial não se aposenta, ele vai para a Reserva.
12
O Centro é um local de acolhimento e acompanhamento de policiais com problemas. Há vários serviços
ofertados aos policiais, que ou não são divulgados para os mesmos ou não acontecem de modo eficaz, como o
serviço de Psicologia, pois há uma psicóloga para 1.650 homens.
52
4 LOCUS DA PESQUISA
O
Fonte: Imagem retirada da internet
segundo relato do atual comandante do Batalhão. Nesse momento, o Choque ainda era
localizado no 5º BPM, mas agora já como Batalhão.
Por volta de 1996, inicia-se o envio de oficiais do Batalhão para outros estados a fim
de fazerem cursos, como o de Ações Táticas e de Operações Táticas. Nesse momento, inicia-
se uma visão diferenciada do que seria o Batalhão de Choque, com uma estrutura de três
companhias mais definidas e especializadas: 1ª Motorizada, 2ª Controle de Distúrbios Civis -
CDC e 3ª Grupo de Ações Táticas Especiais - GATE.
Desde o projeto inicial do BPChoque estava prevista a inclusão do Canil, mas, por
questões administrativas, políticas e de instalações13, ele ficou vinculado ao 6º Batalhão, o
que perdurou até 2008, quando, finalmente, a Companhia foi incorporada ao BPChoque,
passando a ser a 4ª Companhia, que é a de Policiamento com Cães.
Atualmente, o Batalhão, como força de reação do comandante geral da PMCE, é uma
unidade de antiguerrilha, controle de tumulto, patrulhamento urbano e rural. Situa-se na Rua
Antônio Pompeu, 260 – Centro, e possui um efetivo de 612 policiais, segundo dados da
Ajudância14 do Batalhão15. No momento atual, policiais advindos de outras unidades estão
sendo treinados para serem integrados ao efetivo do Choque, além de outros já treinados que
estão esperando a liberação para serem transferidos. Seu efetivo atual é dividido em cinco
companhias, cada uma com especialidades: 1ª Cia/ COTAM (Comando Tático Motorizado),
2ª Cia/ CDC (Controle de Distúrbios Civis) a 3ª Cia/ GATE, a 4ªCia/ Canil, e a 5ª Cia/
COTAR (Comando Tático Rural), criada mais recentemente.
Ao discorrermos acerca do Choque, é importante entender estes três termos constantes
no brasão do Batalhão e que definem com eficiência o ser ‘choqueano’: Coragem, Sacrifício e
Abnegação. Segundo palavras dos próprios policiais, “coragem se refere a não andar para trás,
a enfrentar o perigo, o inimigo”, “abnegação é nosso dia a dia, quando renunciamos da nossa
vontade, quando nos colocamos em risco para salvar a vida dos outros”, e finalmente
“sacrifício, que é o fato de não termos rotina, de termos de estar sempre disponíveis, e passar
pelo que for necessário para realizar nosso trabalho”.
13
O Canil é uma companhia de patrulhamento com cães, e, por tal razão, necessita de espaço adequado para
criação e treinamento de cães, o que exige instalações mais específicas.
14
A ajudância do Batalhão é onde ficam os dados e documentos do referido contingente.
15
Segundo as associações visitadas e a própria ajudância, os dados do Governo encontram-se defasados, seja no
que se refere ao contingente total de policiais da PMCE ou aos policiais do Batalhão, o que pode ser visto no
próprio site do Governo do Estado.
55
especialidades, mas sempre estão a serviço do Batalhão de Choque, podendo o policial ser
convocado para operações sem a identificação de sua companhia, apenas representando o
Choque. As atividades desempenhadas são: a segurança em eventos esportivos, como jogos
de futebol, manifestações, rebeliões de presos, assaltos a bancos, sequestros, busca e
apreensão de drogas, busca de explosivos, dentre outras.
O policial do Choque pode ser facilmente identificável, seja por sua farda em tecido
camuflado (calças e blusa com estampa camuflada e tecido mais resistente), coturno (bota –
comum aos PM’s), boina vermelha, que pode ser substituída pelo capacete quando em
56
operações; além do colete a prova de balas e o escudo; ou, ainda, pela forma como se
apresentam nas ruas e nas operações: um grupamento com armamento com maior poder de
fogo (pistola, fuzis, granadas), viaturas camufladas com quatro homens em cada uma,
portando armas visíveis16 e vidros abertos (diferente dos policiais do Ronda que andam em
número de três e de vidros fechados), além da própria atuação do Choque, que é em grupo.
Embora o Choque, até esse momento, fosse um Batalhão específico, não havia
diferença nos soldos (salários) recebidos por seus policiais. Com a não adesão do BPChoque e
do BPRaio à greve da PM ocorrida em 2012, no entanto, foi criada uma gratificação
específica para esses contingentes, com o objetivo de reconhecer que somente eles foram os
que “ficaram do lado do Estado”. Desde a LOB/PMCE de 2012, o efetivo que trabalhava no
Choque passa a receber gratificação mensal, a qual é paga apenas ao Choque e ao RAIO,
denominada Gratificação de Policiamento Especializado - GPE. Vale ressaltar que essa
gratificação ensejou sentimento de incômodo nos demais policiais da Instituição, que já não
estavam satisfeitos. Em contrapartida, para os policiais do Choque, foi um reconhecimento da
fidelidade e do trabalho desenvolvido. De acordo com a percepção dos policiais do Choque, a
gratificação veio como um incentivo, mas que hoje, segundo alguns dos entrevistados, já se
incorporaram aos seus salários, não sendo mais objeto de motivação.
A inserção no BPChoque até a década de 2000 era feita apenas por transferências e
indicações, o que mudou de certa forma, apresentando-se atualmente de modo mais
organizado. Em decorrência da rotina de atividades especializadas, necessidade de policiais
que trabalhem em equipe17e, até mesmo, por notícia da gratificação, houve, com o passar dos
tempos, um aperfeiçoamento na seleção para este Batalhão.
Em meados do ano de 2012, após a greve, foi implementado um processo de
recrutamento e seleção do Batalhão, em que foram estabelecidos critérios para ingresso no
BPChoque:
tempo mínimo de serviço de dois anos, com o último ano na execução de atividades
operacionais – em razão da responsabilidade por operações de alta complexidade
operacional, técnica e política, que precisam de um domínio melhor da situação;
16
Os choqueanos andam com armamento visíveis para poderem reagir prontamente a possíveis ocorrências,
além de buscar intimidar os criminosos.
17
Os policiais que ingressam na Instituição, geralmente, trabalham em duplas ou trios, não estando acostumados
ao trabalho em grupos, como o necessário no Choque.
57
capacidade física acima da média, com pelo menos 80%, baseado nos testes normais
da corporação - Ele tem que tirar 80% no TAF18, no mínimo;
ter uma conduta individual e profissional ilibada; e
não estar respondendo a nenhum tipo de processo de crime, com exceção em objeto de
serviço, que não seja por corrupção.
Geralmente a porta de entrada do Choque é a companhia CDC. Por atuar com
distúrbios civis, é a Companhia escolhida para preparar o policial a fim de trabalhar em grupo.
Essa preparação pode ser observada no treinamento das formações nas quais os policiais têm
de se organizar e se desorganizar, sempre buscando se proteger e proteger os demais com os
escudos. Caso um dos policiais falhe, deixando espaço entre os escudos, no caso de uma
operação, pode causar danos e até a morte de seus colegas de trabalho, o que reflete a
responsabilidade e atenção necessárias nas atividades.
Há casos, entretanto, em que policiais entram no Choque por meio de outras
companhias, mas também respeitando os critérios de admissão. Essa inserção é realizada por
meio da conclusão dos cursos específicos das Companhias, o que será mais bem explicado em
seguida.
O Choque possui treinamentos anuais e semestrais gerais, além dos treinamentos
específicos, realizados pelas próprias companhias, como o Curso de Ações Táticas Especiais
– realizado pelo GATE, Curso de Distúrbios Civis – efetivado pelo CDC, Curso de Operações
Táticas Rurais – efetivado pelo COTAR, Curso de Cinotecnia – levado a efeito pelo Canil, e
Curso de Patrulhamento Urbano – conduzido pelo COTAM. A participação nos cursos é
aberta para a Instituição PMCE e geralmente com reserva para policiais de outros Estados.
Após a finalização do curso, o aluno recebe um brevê, que é pregado ou abotoado ao seu
uniforme e que é um modo de mostrar a qualificação deste profissional. O brevê dos cursos
enseja tratamento diferenciado e até mesmo respeito por parte dos profissionais da área. Após
a conclusão do curso, o policial pode ser removido para o Choque, mediante necessidade de
efetivo e solicitação do comandante do Batalhão.
18
O Teste de Aptidão Física é uma avaliação pela qual todos os policiais passam no ingresso, ou na inscrição
para cursos. Ao ingressarem, a média exigida para aprovação é de 50%.
58
Cada uma das companhias do Choque possui atividades especiais, com jornadas de
trabalho específicas, que podem ser de 24/4819, 24/72 ou 6/8 e 6\0920. Dentre as Companhias,
apenas duas apresentam sede no Choque, COTAM e CDC. O COTAR deveria, segundo relato
dos próprios policiais, situar-se no mesmo prédio do GATE (próximo ao Município de
Maranguape), mas, na prática, seus alojamentos e seu comando estão no Choque. O Canil
também possui sede fora do Choque pela necessidade de espaço para os cães. Das cinco
companhias, a única que tem atividades preferencialmente desenvolvidas fora da Capital é o
COTAR.
19
Trabalha-se 24 horas para folgar 48 horas ou 72 horas.
20
Trabalha 6 dias e folga 8, para em seguida trabalhar 6 dias e folgar 9. Jornada específica do COTAR.
59
nascimento diferente do que qualquer projeto: teria que ser primeiramente planejada,
formatada, para depois passar a atuar efetivamente 21.
Desse modo, houve duas frentes de trabalho, duas linhas de trabalho: a primeira era
manter essas viagens, conservar-se no interior, mas não como unidade específica para tal, e a
segunda era formatar o que seria o COTAR hoje.
21
Diferente porque, dentro da Polícia, e até mesmo da Segurança Pública, de modo geral, tudo é feito ao
contrário, primeiro realizando para depois ser planejado.
60
de práticas desportivas como tropa de choque, ele atua, pois o COTAR possui um conjunto de
atuações bem mais amplo do que qualquer outra unidade dessa natureza no Brasil, hoje.
Em agosto de 2013, houve o I COTAR – Curso de Operações Táticas Rurais, no qual
policiais provenientes do Choque ou de outros batalhões foram treinados e preparados para o
trabalho no ‘sertão’. No decorrer de aproximadamente 40 dias, eles receberam treinamentos
específicos chamados por eles de “caatinga”, formado por: instruções sobre rapel e operações
helitransportadas, treinamento em patrulha de combate, cartografia, orientação, tiro de
combate com arma longa, tiro em situação de alto risco, operações em regiões inóspitas,
atendimento a ocorrências com material explosivo, abordagem a edificações e em barreiras,
resgates, sobrevivência e primeiros socorros.
Atualmente, o COTAR é composto por 122 policiais, todos do sexo masculino, dos
quais 113 se encontram disponíveis no momento.
Eles atuam geralmente no interior do Ceará, podendo, porém, ser convocados para
trabalhar pelo Choque em Fortaleza. Suas atividades se estendem a todos os municípios do
Estado, afora Fortaleza.
62
50% 40,60%
40%
29,70%
30%
18,90%
20%
10% 5,40% 5,40%
0%
24 a 26 anos 27 a 29 anos 30 a 32 anos 33 a 35 anos 36 em diante
70%
59,38%
60%
50%
40% 31,25%
30%
20% 15,63%
9,38%
10%
0%
1 2 3 Não respondeu
O ponto negativo é a ausência da família né, que deixa a gente ...que mexe um
pouquinho com o psicológico da gente por conta da ausência de casa. Às vezes o
policial vai trabalhar, sai da folga, aí vai passar 7 dias longe e fica pendência pra
resolver em casa...(Entrevistado 6).
Podemos, assim, inferir que o soldo (como é chamado o salário) recebido pelos
policiais é parte importante da renda familiar, pois 62,16% dos entrevistados (ressaltando que
64
100%
90%
80%
70% 62,16%
60%
50%
40%
30%
16,22% 16,22%
20%
10% 5,41%
0,00% 0,00% 0,00%
0%
Mais de R$
Menos de R$
De R$ 679,00 a R$
De R$ 1.357,00 a
De R$ 2.715,00 a
De R$ 5.431,00 a
Não respondeu
10.861,00
R$ 10.860,00
R$ 2.714,00
R$ 5.430,00
678,00
1.356,00
O COTAR é formado por policiais nascidos no Ceará (86,49%), mas também por
outros advindos de outros estados do Nordeste, como Pernambuco (5,41%). Dentre os que são
cearenses, 51,36% nasceram no interior do Ceará ou na Região Metropolitana de Fortaleza.
Os demais (48,65%) são de Fortaleza. Essa raiz interiorana facilita o conhecimento da
realidade e maior adaptação ao local onde trabalham, pois, de acordo com os entrevistados, o
trabalho no interior é bem diferente daquele na Capital: trânsito fluido, sem estresse; maior
liberdade e autonomia no trabalho, em razão da distância do Comando e do menor acesso dos
meios de comunicação social, como pode ser percebido nas falas seguintes:
É uma cultura totalmente diferente, por conta das dificuldades que o pessoal do
interior tem, das carências e dos anseios. Até pra trabalhar de polícia tem que ter
uma atenção diferenciada, que nenhum tratamento pode ser igual...eu acho que o
pessoal do interior é mais,... mais obediente, no caso das autoridades.(Entrevistado
6).
Moradia atual %
Capital 48,65%
Região Metropolitana 16,22%
Interior 35,14%
Total 100,00%
mesmo nos primeiros concursos era exigido dos policiais apenas nível fundamental.
Atualmente, para concurso de praças (soldado), é necessário nível médio, e para concurso de
oficiais (tenente), nível superior. Como consequência, observamos profissionais mais bem
preparados intelectualmente, mas também mais exigentes e com maior dificuldade de
obediência à disciplina imposta. Reflexo disso é a ocorrência de greves, como as de 1997 e de
2013, motivadas por cobrança de melhores salários e mais dignas condições de trabalho.
Ainda sobre a família, constatamos que 56,8% dos entrevistados possuem familiares
que são ou foram profissionais de segurança pública. Desses, 59,5% pertencem ou
pertenceram à Polícia Militar, o que demonstra uma tradição familiar, em que o ethos policial
é buscado e tomado como referência, como o percebido nas falas:
Aí eu resolvi que um dia ia ser policial militar. Meu pai era policial militar, meus
tios também são policiais militares, então eu já me via policial militar. Então um dia
eu chorando disse: eu vou ser um policial e sair desse sofrimento. (Entrevistado 4).
Meu irmão já era polícia, e eu tinha nele uma espécie de referência, porque meu pai
saiu de casa eu tinha um ano e meio, e ele era meu exemplo de vida. Eu só tenho ele
de irmão...eu via ele como exemplo...E ele era do Batalhão. (Entrevistado 2).
No que se refere à confissão religiosa, 91,9% dos entrevistados são cristãos, sendo
católicos 62,2% do total dos entrevistados. Vale ressaltar que, dentro do BPChoque, há uma
capela reservada aos cultos realizados nos fins de semana. Há, de modo geral, respeito pelas
crenças dentro do quartel, e a maioria percebe a religião como auxiliar do equilíbrio dos
sujeitos, norteando suas vidas. Algumas patrulhas têm o hábito de fazer uma oração toda vez
que saem do quartel, no primeiro dia de serviço, em busca de proteção para a jornada de
trabalho que se segue.
Sempre quando sai, na parte da manhã ou da noite, qualquer hora, sempre tem a
nossa oração, pedido de clemência a Deus né? E sempre Deus tem nos abençoado.
67
Todas as vezes que a gente vai sair a gente faz a nossa oração pedindo
agradecimento a Deus...E isso tem nos protegido até hoje, Graças a Deus! Já tem
acontecido tantas coisas que Deus tem passado a mão por cima neh, nos protegendo.
(Entrevistado 4)
...o que me marcou foi ver o cenário: muito, muito, muitos tiros nas paredes. A
gente via pelo chão lá, muito estojos, é de fuzil,...e nenhum colega nosso ter sido
alvejado. É onde mais a gente sente a presença de Deus né, porque todos os dias,
quando a gente vai iniciar nosso serviço, todo dia a gente ora. (Entrevistado 5)
O percurso laboral dos policiais antes de entrarem na Polícia é bem diversificado: uns
trabalhavam na roça com a família, outros em comércio, alguns ensinavam, já outros
trabalhavam nas Forças Armadas, além de alguns que eram concursados em outras
23
Graduação é utilizado para as praças e posto para os oficiais.
68
A minha vida profissional começou dentro da Polícia Militar. Eu entrei aos 19 anos.
Eu só estudava, aí foi minha primeira experiência profissional, foi entrar na PM.
(Entrevistado 1)
Gráfico 4: Distribuição proporcional dos motivos que levaram os policiais a escolherem esta
profissão
50% 43,2%
45%
40% 32,4%
35%
30% 21,6%
25% 16,2% 16,2%
20% 10,8%
15% 8,1% 8,1%
10%
5% 0,0% 2,7% 2,7% 0,0% 0,0%
0%
familiares/am…
atividade/adr…
associado à…
sabe/nunca…
no mercado…
Falta de opção
Vocação
Oportunidade
Oportunidade
e/ou benefícios
Agir na defesa
Status/prestígio
Estabilidade do
Outro
serviço público
de prestar…
Influência de
Natureza da
Remuneração
do cidadão
(estava…
Poder
social…
Não
69
Eu não vou mentir. Fiz o concurso da polícia só buscando uma estabilidade e quem
sabe uma ponte para outros concursos. Mas depois que a gente começa a trabalhar,
que sente a adrenalina e vê como acontece o trabalho, as coisas mudam. Hoje eu
não me vejo fazendo outra coisa senão sendo PM. (Fala de soldado PM em conversa
informal).
50%
45%
40%
35%
30% 24,33%
25%
20%
15% 10,80% 10,80% 10,80% 10,80%
8,10% 8,10%
10% 5,40%
2,70% 2,70% 2,70%
5%
0%
1992
1993
1994
1995
1997
1998
2001
2003
2007
2009
2010
A maioria do efetivo atual do COTAR iniciou sua carreira na PM no policiamento de
rua, o qual é bastante diferente do trabalho realizado pelo policial do Choque, por vários
motivos: o trabalho de rua é de dupla ou, no máximo, trio; os policiais andam em carro ou
motocicleta; e realizam trabalho unicamente ostensivo, ou seja, de prevenção à ocorrência de
crimes. Enquanto isso, o trabalho do Choque é no mínimo de três por viatura, sem utilização
de moto, e sem policiamento a pé. Além do mais, realizam trabalho ostensivo e repressivo,
visando a prevenir e reprimir a ocorrência de crimes. Outra grande diferença é no que se
refere à qualidade e à quantidade dos equipamentos do Choque, os quais não se comparam
aos existentes em outros batalhões da Capital, e menos ainda quando comparado à realidade
da PM no interior do Estado, a qual possui pouca ou nenhuma estrutura, o que se torna
relevante, visto ser o local de trabalho do COTAR. “No interior é muito carente em material,
de homens treinados. Os FTA’s do interior é feito na cara e na coragem, quem é mais valente
vai pra lá,..., só na cara e na coragem, mas não têm material. Os caras têm que ter
material.”(Entrevistado 3).
E nesse meio tempo desses três anos e meio eu vinha ao Choque, deixava minha
ficha individual, porque era querendo vir pra cá já...Eu queria muito porque eu
queria muito tá aqui: policiamento, questão de comportamento, visão de mundo é
diferente. (Entrevistado 2).
O efetivo do COTAR hoje é formado, em sua maioria, por policiais que trabalham
apenas na Polícia. 93,8% dos policiais responderam que, no momento, não desenvolvem
nenhum outra atividade remunerada fora da instituição. Isto decorre da complexidade das
ocorrências e das condições de trabalho, as quais desgastam os policiais física e
psicologicamente, sendo bastante complicado assumirem outra atividade externa. Por mais
que no Regimento da PMCE seja vetado aos policiais terem outra atividade remunerada, é
conhecido o fato de que grande número de policiais militares, e muitos choqueanos, realizam
o que denominam de ‘zig’, de modo a complementar a renda.
24
As FTA´s são grupos especializados por todo o território cearense. Elas são acionadas quando o policiamento
ostensivo local não consegue resolver a ocorrência.
25
A FNSP foi criada pelo Governo Federal e formada por policiais federais e policiais dos estados . É um
programa de cooperação de segurança, a qual é acionada sempre que situações de distúrbio público, originadas
em qualquer ponto do Território Nacional, requerem seus serviços. Para tanto, é necessário que exista a
aquiescência do governador do Estado na sua utilização.
72
Segundo Dejours (2011), o trabalho exige da pessoa o corpo todo, numa constante
busca de enfrentar o que não é dado pela organização do trabalho (o prescrito). No cotidiano
de trabalho percebe-se que aquilo que fora proposto como descrição do trabalho é vivido na
prática de modo muito mais complexo, exigindo não apenas o corpo do trabalhador, mas
também sua capacidade de criar e de agir perante o imprevisto.
Há, desse modo, diferenciação no que se refere a tarefa e atividade, sendo a primeira
aquilo que era previsto e a segunda o que se faz realmente. “Para enfrentar a realidade do
trabalho, é necessário mobilizar uma forma de inteligência que convoca o corpo todo –
inteligência do corpo – e não apenas o funcionamento cognitivo”. (DEJOURS, 2011, p. 155).
Desse modo, é exigido do trabalhador não apenas o esforço mental, mas o esforço do corpo
todo.
Os policiais trabalham em forma de patrulha, a qual é formada por duas viaturas, cada
uma com quatro homens. Há um comandante na primeira viatura e o subcomandante na
segunda, os quais são os de mais alta patente no grupo. A primeira viatura é a de assalto e a
segunda a de apoio. As duas sempre andam juntas, conforme fala de um soldado: “uma é a
73
sombra da outra”. Todos na patrulha são treinados para realizar todas as atividades
necessárias na ocorrência, mas cada um tem sua especialidade, como os integrantes de cada
viatura possuem também seu modo de atuar. “Cada integrante de fração, no caso a patrulha
são as duas frações. Cada integrante da fração tem a sua responsabilidade.”(Entrevistado 2).
A escolha dos patrulheiros e a avaliação é feita pelos comandantes das patrulhas, que
os selecionam por afinidade e por preparação operacional. A fala de um policial descreve bem
essa divisão:
A jornada de trabalho dos policiais do COTAR era de 7 x 7 (sete dias trabalhado e sete
dias de folga) desde sua criação, com base nos exemplos de efetivos semelhantes em outros
estados, como o CIOSAC de Pernambuco. Ao final do I COTAR, porém, haja vista a entrada
de mais policiais, foi possível a diminuição da jornada para 6 x 8, o que, para frustração dos
policiais, durou pouco tempo, pela chegada de novas viaturas, o que demandou maior efetivo
policial. No momento, a jornada oficial é de 6 x 8 e 6 x 9, significando que o policial trabalha
seis dias e folga oito, e depois trabalha seis dias e folga nove. Em virtude, no entanto, da
realização do II COTAR, a jornada retornou a ser 7 x 7 apenas do decorrer do curso, pois
alguns dos policiais do COTAR estão acompanhando os alunos do curso, ficando
indisponíveis para as viagens, o que reduz o efetivo de serviço. Assim que o curso finalizar,
há previsão de retorno para escala oficial de 6 x 8 e 6 x 9, ou até melhoria, caso muitas
pessoas terminem o curso, o que significaria um maior efetivo no COTAR.
melhor, o reduzido número, na prática, pois, na teoria, há outras duas viaturas que ninguém
nunca viu. “Tem duas reservas, não sei onde anda, mas...tem duas reservas...(risos)”
(Entrevistado 2) ou “Ela só vai parar se ela quebrar. Ou seja, tem a manutenção corretiva,
aliás, preventiva, mas ela não tem substitutas pra que ela fique parada.”(Entrevistado 1).
A partir daí, os policiais ficam à disposição no quartel, podendo ser enviados para
depor, ministrar treinamentos na AESP ou realizar qualquer outra operação enquanto
aguardam as viaturas para seguir viagem. Há também a liberação dos policiais que moram no
interior para resolverem assuntos pessoais, caso haja necessidade. Logo que chegam ao
quartel, eles são informados do plano de atuação proposto para o serviço, no qual, com base
nas demandas da semana ou com suporte em informações do serviço secreto do Batalhão, os
policiais são informados para que região do interior do Estado serão enviados inicialmente.
Vale ressaltar que, em algumas ocasiões, quando há ocorrências no momento de saída do
quartel, eles já saem em direção do local, porém, em outras ocasiões, viajam com o intuito de
patrulhamento, em direção a uma cidade específica.
Estava previsto para ir para Itapipoca. Aí quando nós saímos, tivemos que ir dar
suporte a um assalto que teve, que é justamente...Já saímos daqui, nos organizamos
bem rápido, jogamos o material, porque nós fomos e a ocorrência já estava em
andamento. Teve o primeiro confronto e a outra equipe já estava lá. (Entrevistado 1).
Aconteceu certa vez aqui no COTAR que a gente prendeu três rapazes que tavam
armados pela madrugada em Boa Viagem. A gente teve que ir até Canindé deixar
que eles pernoitassem lá, porque Boa Viagem não tinha delegada, pois só ia estar
pela manhã. Canindé também não tinha delegado. Aí a gente teve que pernoitar em
75
Canindé pra voltar no dia seguinte pra ser feito o procedimento. Chegou em Canindé
a gente colocou ele lá na delegacia pra ficar fazendo a segurança...No dia seguinte,
quando a gente voltou para Boa Viagem, quando veio terminar o flagrante era por
volta de 7 horas da noite. (Entrevistado 5).
Ficamos na operação até que eles se renderam. Viemos com o material e as pessoas
presas para Fortaleza pra apresentar aqui na delegacia da Roubos e Furtos, pra fazer
o procedimento, levar pro IML, fazer exame de corpo delito...nesse dia da operação
ninguém dormiu, porque foi concluir o flagrante já por volta de 2h da tarde.
(Entrevistado 1 falando sobre operação que iniciou no fim da tarde do dia anterior).
Desse modo, depois que o policial entra em uma ocorrência, ele só pode descansar
quando ela é encerrada, o que muitas vezes demora horas, podendo chegar a dias, dependendo
da operação. Por esse motivo, os policiais levam água e comida nas suas mochilas, para se
manterem minimamente no decorrer das atividades. É como se o policial do COTAR fosse
preparado para não dormir e não comer, apenas quando possível, o que é mais complicado
ainda em decorrência de o trabalho ser no mato, em algumas ocasiões.
80% 75,6%
70%
59,4%
60%
50% 45,9%
40,5%
40% 32,4%
27,0%
30%
20% 10,8%
5,4% 5,4% 8,1%
10% 0,0% 2,7% 2,7%
0%
Condução de viatura
Blitzer
Patrulhamento ostensivo
Ronda escolar
Transporte e custódia de
Outro
Contatos com a comunidade
Registro de ocorrências
Atividades administrativas
Elaboração de estatísticas
Abordagens de pessoas e
Elaboração de relatórios
Operações especiais
veículos
presos
26
A capa tática é um acessório que o policial usa por cima do colete, para ele colocar os carregadores-reservas,
para que, durante uma situação de combate, ele tenha à mão as munições de reposição.
.
27
Como eles chamam o lanche que levam nas mochilas.
77
em meio ao calor intenso, com 15 quilos de farda e equipamento, passa várias horas sentado,
muitas vezes andando em estradas carroçáveis, nas quais a viatura vibra bastante e gera
incômodo na coluna, segundo policiais. Além disso, no curso das ocorrências, os policiais
permanecem nas mais variadas posições com essa mesma carga de peso, apenas tirando-a
quando for seu momento de descanso, na Educação Física ou quando for tomar banho.
Essa prontidão para atuar cobra a existência de um policial bem preparado, atento e
munido de equipamentos em boas condições de uso, de modo a atuarem de forma satisfatória
no decorrer das ocorrências. O Gráfico 7 mostra a avaliação dos policiais no que se refere aos
seus equipamentos e acessórios.
84,4%
81,3%
81,3%
90,0%
68,8%
80,0%
65,6%
56,3%
70,0%
60,0%
37,5%
50,0%
34,4%
31,3%
28,1%
40,0%
21,9%
18,8%
18,8%
18,8%
30,0%
15,6%
15,6%
15,6%
9,4%
9,4%
9,4%
20,0%
6,3%
6,3%
6,3%
3,1%
3,1%
3,1%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
10,0%
0,0%
Viatura
Arma de grosso calibre
Arma de porte
Algemas
COTAR está no fato de que é a única Companhia em que todos estão habilitados e
capacitados para dirigir, com um maior ou menor nível de habilidade, mas todos têm que ter a
capacidade de dirigir, diferentemente das outras Companhias do Choque, onde isso não é
requerido. É um diferencial criado pela necessidade, pois o percurso de patrulhamento do
COTAR numa semana chega de três a cinco mil km rodados, dependendo da missão, e para
uma semana, um só motorista rodar tanto, o nível de desgaste dele seria muito elevado. Ao
dividir entre os quatro integrantes da viatura, há uma possibilidade desse desgaste ser menor
para cada um. Os motoristas principais, no entanto, são aqueles responsáveis pelas grandes
viagens ou deslocamento entre cidades. Vale ressaltar que esse deslocamento nem sempre é
tranquilo, pois, além de dirigir por longas distâncias, o motorista, muitas vezes, precisa fazer
isso em alta velocidade, chegando a 160km/h em média, e às vezes fazer manobras perigosas,
em virtude de perseguições ou mesmo de chegar mais rapidamente para auxiliar outros
colegas que já estejam em uma operação.
Estava em Russas. A gente tava até fazendo atividade física quando o policiamento
local solicitou pra gente. solicitou nosso apoio, informou a situação. A gente se
equipou rápido e seguiu. Deu...Russas é o quilômetro cento e ...deu 13 ou 14 km só.
Foi perto, só que eu tava muito rápido neh. Eu tive que fazer uma manobra. Eu tava
no assalto, dirigindo a viatura da frente. Eu vi os caras passando pela gente com os
fuzis. Eu tive que fazer um cavalo de pau no meio da BR, e os componentes da
patrulha rapidamente já desembarcaram. Por isso, por isso que me marcou, porque
qualquer atitude errada eu podia ter capotado a viatura e ter desabado tudo, ter sido
um desastre. (Entrevistado 6).
Além da direção, o motorista também é responsável por vigiar a viatura e carregar o
material coletivo, como na seguinte fala:
O motorista dá cobertura aos três, ao comandante e aos dois patrulheiros na hora da
abordagem. No deslocamento do mato ele geralmente fica de olho nas viaturas, aí
vai só os três. No caso se tiver mais de duas patrulhas, fica dois motoristas e os
outros dois acompanham. No caso dos motoristas acompanharem o restante da
patrulha, eles são encarregados de levar o material coletivo, questão de granada,
lançadores. (Entrevistado 2)
Conforme exposto, a vivência do risco é constante para eles. Alguns policiais chegam
a dizer que têm mais medo de morrer nos deslocamentos do que na própria troca de tiros. E o
que está na função de motorista no serviço tem a responsabilidade de fazer com que todos os
chamados sejam atendidos em tempo hábil, mas que também todos cheguem bem, o que
parece ser um fator gerador de estresse para os motoristas, mas também para a equipe como
um todo.
80
certeza de que terão onde se alimentar. Policiais relataram que, no início do COTAR, as
prefeituras e os órgãos das cidades lhes ofereciam refeições, porém, com o passar do tempo
isso quase não acontece. A variação do valor das diárias, mesmo sendo pequena, causa
aborrecimentos para os policiais, pois questionam o porquê da diferença dos valores de
acordo com a hierarquia, visto que o valor é uma ajuda de custo para alimentação, como
citado por um policial: “tipo, um soldado come menos que um cabo. Um cabo come menos
que um sargento...tipo assim, eu acho que pode ser por isso, né? Se é para alimentação, é pra
ser igual. Todos comem igual, não?” (Entrevistado 4). Outro ponto que os chateia é que eles
também recebem de acordo com o local para onde são mandados, e não para onde realmente
vão, pois eles saem em direção a uma cidade de pequeno porte, que possui baixa diária, por
exemplo, e acabam sendo direcionados para outra, desta vez de grande porte. O valor que eles
recebem, no entanto, é o da cidade para onde eles foram inicialmente enviados, como
percebido na seguinte fala:
Aí Quixadá já é outro valor menor. Aí aqui em Itapipoca, que são regiões mais
próximas e menores diárias, só que você vai pra lá, Itapipoca, mas não permanece lá.
Pode ficar umas horas lá e ser jogado para outra cidade, e a diária não acompanha.
(Entrevistado 1).
No que se refere às condições de trabalho, 8,1% responderam péssimas, 13,5% ruins,
45,9% razoáveis e apenas 32,4% boas. Tais dados nos mostram que, por mais que os policiais
pareçam se identificar completamente com seu serviço, já há desgaste evidente. Esses
percentuais de condições boas e razoáveis podem ser uma forma de naturalização dos riscos e
agravos à saúde a que estão submetidos, em que os policiais passam a considerar como um
hábito as más condições de trabalho ou até mesmo o perigo da morte.
Tem o problema mais de coluna, mas não é por causa do serviço do COTAR, o cara
já tem tendência, hérnia de disco e outras bobagenzinhas. Mas dá pra se ausentar
muito tempo não. O que demora mais foi o pessoal que já teve hérnia de disco.
(Entrevistado 3).
...ele tem que dar o descanso, porque ele tem o motorista dele que tem que
descansar, tem uma equipe dele, e se o pessoal não estiver descansado ele não vai ter
o raciocínio para na hora de uma ocorrência poder dar atendimento a altura.
(Entrevistado 1).
A escolha para quem vai dormir primeiro é realizada por antiguidade, ou seja, o mais
recente no COTAR é o que tira o pior quarto de hora. O sono, desse modo, é essencial para
que tudo ocorra dentro do esperado, pois, quando há desgaste, há maior risco para os policiais
e para a sociedade, como relatado a seguir:
É evidente que alimentação e sono são necessários para que uma pessoa tenha uma
vida saudável. Mesmo havendo variação, em média, ela necessita de oito horas de sono
ininterrupto. Além da reduzida quantidade de horas de sono, porém, esse descanso não é
linear, pois pode ser interrompido por vários motivos. Mesmo com os oito dias de folga, os
desgastes produzidos na vida desse policial não são facilmente recuperáveis, e, como eles
mesmos relatam, no fim do serviço, a atenção e a paciência já não são as mesmas, o que,
numa atividade tão delicada, pode vir a salvar uma vida.
Gráfico 8 - Distribuição proporcional das horas dormidas pelos policiais do COTAR durante a
noite.
60%
50% 43,75%
40%
30% 18,75%
20% 12,50% 9,38%
6,25% 3,13% 6,25%
10%
0%
Não respondeu
4 horas
5 horas
6 horas
7 horas
8 horas
9 horas
-10%
Ele quer produzir, mas ele não quer ver o bem-estar do efetivo. Ele quer dar
resultado, quer apresentar resultado. Então esse é o ponto crucial, que melhoraria se
a pessoa não visse só os vencimentos. Não adianta ganhar um valor até a mais, mas
trabalhar triplicado. (Entrevistado 1)
84
A instituição PMCE oferece aos policiais benefícios como assistência médica, por
meio do plano de saúde ISSEC. Todos os policiais e servidores do Estado têm direito ao
plano, inclusive esposa e filhos. É contraditório, porém, o fato de que apenas 62,2% relataram
possuir assistência médica. Vale ressaltar que há várias reclamações sobre o plano de saúde,
pois, segundo policiais, há poucos médicos, além de algumas especialidades sem nenhum,
como é o caso de psiquiatras, o que leva o policial a buscar o atendimento de forma particular.
Dentre os outros benefícios recebidos, foi citado uniforme, com 51,4%. Não há,
todavia, uniformidade na distribuição das fardas. Em alguns anos, são entregues novos
uniformes, em outros não. Há casos de policiais que, em três anos de Choque, receberam, um
uniforme, outros receberam um em cada ano. Os que já possuíam também não podem contar
com recebimento de novos em período determinado. Nesses casos, os policiais adquirem com
o com seu próprio dinheiro. “Demorou. Eu recebi a primeira farda e quando eu recebi a
segunda foi só com dois anos depois. Demorou! Não tem frequência não!” (Entrevistado 5).
Nos momentos de folga, 81,1% deles optam por fazer atividades com a família, o que
é explicado pela ausência deles no decorrer da semana. Essa ausência leva a duas respostas
diferentes dos policiais para com suas famílias: uns se aproximam bem mais, buscando
suprimir a falta dos dias ausentes, já outros, optam pelo zig, que é como eles chamam a outra
atividade, seja um “trabalho extra” ou até mesmo uma “mulher extra”. Em decorrência, fica
evidente o alto número de separações e problemas conjugais dentro do COTAR.
De fato, na rotina de trabalho, os policiais passam pelo menos uma semana sem ver os
familiares, esposas e filhos, o que é visto como um problema para eles. Segundo relato do
86
Deste modo, podemos perceber toda a especificidade que existe no trabalho do policial
do COTAR, que o acompanha desde o momento de entrada na Companhia até as atividades-
fim que são o patrulhamento e o trabalho repressivo no interior do Estado.
Fala corrente nos diálogos policiais é que ‘trabalho de polícia se aprende na rua’. E
isso é verdade, pois a realidade do que vai ser necessário fazer no momento de uma operação
nem sempre pode ser prevista. Claro é que há planejamento, estudos sobre modos corretos de
agir com base em outros eventos passados, mas algo evidente é que eles vão aprendendo em
87
cada ocasião; cada dia de trabalho mostra novas realidades, as quais fazem da profissão
policial um constante aprendizado.
No momento atual, confrontamos todos os dias notícias sobre o trabalho dos policiais
militares, as quais, em sua maioria, são críticas sobre suas atuações ou omissões. Nesse
contexto, a Instituição Policial Militar cobra desses trabalhadores a habilidade de
improvisação, iniciativa, criatividade e o bom discernimento dos policiais, de modo que eles
estejam preparados para responder por seus atos e intervir em distintas situações, sempre
tendo em vista a preservação da vida, inclusive da sua. Até que ponto, entretanto, são dadas
reais condições para que o policial desempenhe essas tarefas?
No Gráfico 9, podemos perceber um pouco da realidade desse trabalho e de como eles
são tratados pelos colegas de mesma graduação e pelos superiores. Podemos perceber que há
cobranças arbitrárias, críticas muitas vezes desnecessárias, e tarefas em alguns momentos
consideradas absurdas, como terem que ficar parados em um local não previsto apenas por
vontade do comandante da patrulha.
88
Gráfico 9 - Distribuição proporcional das cobranças diárias feitas aos policiais do COTAR
50,00%
48,28%
48,28%
60%
44,83%
44,44%
41,38%
37,93%
37,93%
50%
35,48%
35,48%
34,48%
34,48%
34,48%
31,03%
31,03%
31,03%
31,03%
31,03%
29,63%
27,59%
27,59%
26,67%
40%
24,14%
24,14%
18,52%
17,24%
30%
13,79%
13,79%
13,33%
12,90%
10,34%
10,00%
9,68%
20%
7,41%
6,90%
6,90%
6,90%
6,45%
3,45%
0,00%
responsabilidade por outras de… 0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
10%
0%
... recebe críticas injustas ou sem
atualização e aperfeiçoamento?
... lhe deixam ocioso(a), sem nada
participação em cursos de
competências profissionais?
experiência maior que suas
tarefas que eram da sua
forma desnecessária ou
trabalho exagerado?
excessiva?
para fazer?
sentido?
O Curso de Formação dos oficiais é bem mais amplo do que o das Praças, no Ceará,
sendo atualmente de um ano e meio. Essa diferença é um reflexo do que é esperado de um
praça e de um oficial. A duração decorre das atividades que os oficiais vão exercer, pois,
desde o momento do curso, antes mesmo de ingressar na Instituição, eles já possuem nível
hierárquico mais elevado do que o do praça mais antigo em serviço. Isso significa que os
oficiais são treinados para exercerem funções de comando, de chefia, diferentemente dos
praças, treinados para a obediência.
50,0%
50% 46,9%
45%
40%
35%
30%
25% 18,8%
20%
15%
10%
5% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%
0%
Com duração
Com duração
Com duração
Outro
mês a 3 meses
de até 1 mês
de mais de 3
de mais de 6
Com duração
Com duração
até 6 meses
Não realizou
de mais de 1
de mais de 1
meses
Militares.
Muitas vezes a gente aborda pessoas que se acham melhor que as outras, e gosta de
argumentar neh? Se você for um policial leigo, que não entende de lei, ele vai lhe
enrolar bem facinho. Então eu concordo que o direito penal você tem que saber a
fundo. (Entrevistado 4).
91
O Direito Penal, no entanto, pode lhes proporcionar também o conhecimento para lidar
com o imprevisto das ocorrências, pois, quando em meio a condições de extremo desgaste
emocional, eles podem cometer infrações que os tornem vilões ou “vitimizadores”. E,
conhecendo melhor seus deveres, mas também seus direitos, eles podem melhor entender suas
possíveis falhas e até que ponto seriam culpados ou inocentes, tendo como referência todas as
condições disponibilizadas ao trabalho deles.
acontecendo, então, treinamentos menores nos intervalos em que o serviço está mais
tranquilo, com menores ocorrências. É percebido nos próprios policiais um desejo por
treinamento e aperfeiçoamento operacional especializado. Esse foi justamente o motivo
principal de a maioria ter optado pelo Choque, por ser um contingente preparado, treinado e
com melhores armamentos. Desse modo, existem os treinamentos de reciclagem e
nivelamento, os treinamentos mais pontuais que são feitos na maioria dos serviços, e os
treinamentos especiais, no caso da aquisição de novos materiais. Abaixo, estão reproduzidas
as falas de policiais que melhor exemplificam:
O treinamento nosso, capitão marca aí e vai chamando por patrulha, por quem está
entrando de serviço e vai dando devagarzinho. (Entrevistado 3)
respeito para quem carrega o brevê ao peito. Significa que o profissional merece o respeito do
grupo, por ser mais bem preparado, ter passado por barreiras pelas quais nem todos passam, e
até mesmo ter tido a coragem de fazer o curso.
Há quem defenda uma só via de entrada pelas corporações PM, iniciando-se da menor
graduação (soldado PM), porém seria impossível que todos os policiais chegassem aos
escalões superiores, já que a estrutura de pessoal de qualquer administração é piramidal (mais
executores do que gestores).
A proposta de unificar as carreiras não fará com que uma corporação de 40 mil
homens, por exemplo, tenha 40 mil coronéis – ideia de alguns que parecem querer,
inadivertidamente. Em qualquer organização, os gestores precisam trilhar o caminho da
liderança. Não é diferente nas polícias militares, que lidam com bens jurídicos cruciais para a
existência da sociedade.
Cada comandante pensa de uma forma diferente e age com uma forma diferente, e
lida com o sono, cansaço e atividade física, alimentação e todos os fatores de uma
forma diferente. Uns preservam, outros não preservam. Uns acha que precisa, outros
acha que não precisa, aí fica nisso, entendeu? (Entrevistado 6).
95
Porque o horário de descanso numa ocorrência tudo bem, mas quando não, a pessoa
que tá na frente pensa: ‘eu não quero comer. Então, se eu não quero comer ninguém
quer comer’. Eu não entendo essa ordem, eu ainda não entendi. (Entrevistado 1).
E o que mais me intriga, por incrível que pareça, eu viajei com o comandante da
companhia, e ele respeita isso demais. Ei fiquei ...a primeira vez que eu viajei com
ele eu fiquei abismado. Quem não respeita são os demais. O cara que é o chefe faz, e
a pessoa que deveria seguir a orientação dele não faz. (Entrevistado 1).
Segundo alguns policiais, existem casos em que os soldados são mais bem tratados
pelos oficiais do que pelas praças de maior hierarquia, como sargentos e subtenentes,
conforme vemos no relato seguinte:
62,07%
62,07%
61,29%
61,29%
70%
60%
41,38%
37,93%
35,48%
50%
32,26%
31,03%
40%
24,14%
30%
13,79%
20%
6,90%
6,90%
6,90%
6,90%
3,23%
3,23%
3,23%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
10%
0%
hostilidade ao se aproximar do
demais colegas?
com os colegas?
não existisse?
Nunca Quase nunca Às vezes Quase sempre colegas? Sempre
No que se refere ao modo como são tratados por colegas de posição hierárquica
equivalente, inferior ou superior que a deles, mostrado na Tabela 02 foi percebido que, por
parte da maioria, há respeito entre os colegas, porém, 17,86% relata ser tratado com gritos ou
de forma agressiva às vezes, e 7,14% às vezes ser alvo de insinuações sobre a saúde mental. O
segundo item foi percebido também durante a observação, pois, em forma de brincadeira,
existiram ocasiões em que foi questionado o estado de saúde mental de alguns policiais na
frente deles, de modo jocoso, o que não foi possível percebermos se era apenas uma
brincadeira comum entre eles ou algo perjorativo. Mesmo, porém, sendo em forma de
brincadeira, não há como avaliar o abalo que os comentários ou gritos causarão em quem os
recebe, pois cada pessoa possui individualidade, problemas e seu modo de lidar com as
situações desagradáveis. O que para uma pessoa pode soar apenas como brincadeira, para
outra pode provocar desmotivação e até traumas em alguns casos, dependendo da situação, do
modo como a pessoa está no momento e da frequência a que são expostos.
97
De modo geral, 9,4% dos policiais relataram sofrer assédio moral, e 28,1% não
responderam, o que é um número relevante quando relacionado com o tema em questão. Ao
serem questionados, no entanto, sobre o porquê de não reclamarem, ou levarem a queixa a um
superior competente, eles respondem que isso poderia ser julgado como insubordinação por
parte de alguns, e até mesmo sofreriam retaliações em alguns casos.
A relação com os abusos em certos momentos soam como tão frequentes que muitos
policiais parecem acostumados, assimilando-as como normais à profissão. Alguns mostram
desconforto e até indignação, dependendo do caso, já outros, respondem de forma pacífica,
chegando a ignorar a existência dos abusos. Acreditamos que essa reação decorre de dois
motivos: percepção de que não vai adiantar se incomodar, pois não haverá mudanças ou
punições para os abusadores, ou mesmo a ideia de que isso faz parte da carreira policial, como
percebido na seguinte fala de um policial:
Porque eu acho que venho pra tirar meu serviço, se o Comandante não quiser tomar
banho passo sete dias mais ele sem tomar banho, se não quiser comer também, não
vai morrer de fome (risos). Eu sou desse jeito, eu não fico me lamentando não, senão
os sete dias não passam, se você ficar se lamentando. (Entrevistado 3).
99
Pensamos assim, num certo conformismo perante os abusos por parte de alguns, como
se ser policial incluísse a realidade de sofrer assédios ou abusos. Muitos nem consideram que
estão sofrendo assédio moral, como se naturalizassem os desrespeitos presentes.
Disciplina e hierarquia passam a ser mais relevantes ao pensarmos que não estamos
falando apenas das relações de trabalho, mas também das vivências dos policiais, do ethos
policial militar, que não se encerra assim que o policial deixa o serviço.
A utilização perversa de mecanismos como esses há pouco sugeridos fizeram com que
caísse sobre os oficiais uma generalização de perseguição e abuso. É lamentável, pois é óbvio
que muitos oficiais são líderes, lutam por seus comandados e têm convivência salutar com
eles. Para dissipar esses estigmas, é preciso que as praças entendam esta dinâmica e valorizem
aqueles que não se adéquam às posturas negativas aqui discutidas. Destacar o positivo é o
mesmo que diminuir o negativo.
Por outro lado, os ocupantes de cargos estratégicos das corporações PM não podem
tolerar abusos nem perseguições, tampouco devem evitar ser justos porque um servidor
policial faz parte de uma ou de outra carreira.
O sujeito policial, desse modo, é antes de tudo um policial. Citando Muniz (1999), em
‘Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser’, são ratificadas a relevância e a influência que a
hierarquia e a disciplina têm na vida do sujeito, em sua casa, na sua folga, com amigos e até
com membros familiares. Isso pode ser explicado por vários motivos: seja pela identidade que
é criada desde o ingresso na carreira policial, seja pelo contínuo reforço no decorrer das
atividades, no modo de execução, na falta de liberdade para falar...o policial respira disciplina
desde o momento em que acorda ao instante em que vai dormir. Ele perde a identidade de
José, Marcos ou Fábio e passa a ser Azevedo, Rocha, ou até mesmo sendo conhecido por
números que se referem ao curso de formação ou à numeração em outros cursos como os do
Choque.
história do Choque e pelo surgimento da gratificação que eles possuem como reconhecimento
por eles não terem aderido à greve.
Sendo assim, o policial do COTAR veste uma farda que não está sob a pele, mas sim
impregnada na sua pele, no seu modo de agir, na sua vida.
O policial do COTAR é visto como o policial perfeito! Ele é visto como o policial
que não pode errar, não pode relaxar, não pode sentar, não pode vacilar de hipótese
nenhuma...a maioria da sociedade vê a gente como um exemplo mesmo, uma polícia
que é honesta, uma polícia que não erra. (Entrevistado 6).
Gráfico 12 - Distribuição proporcional dos cuidados que os policiais do COTAR têm com a
saúde
42,86%
41,18%
40,00%
38,24%
37,84%
37,84%
45,00%
32,35%
32,35%
29,41%
40,00%
24,32%
35,00%
23,53%
20,59%
30,00%
17,65%
17,65%
14,71%
14,71%
25,00%
11,76%
11,43%
20,00%
5,88%
5,71%
15,00%
10,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
5,00%
0,00%
Faz consultas com o dentista
Cuida da alimentação
Faz exames preventivos
retaliação, em alguns casos direcionada aos próprios sujeitos, em outros dirigida à instituição
Polícia Militar.
Segundo dados dos jornais Folha de São Paulo e Diário do Nordeste28, de dezembro de
2014 e março de 2015, respectivamente, é considerado alto o número de policiais mortos ou
feridos anualmente, o que torna o risco desse trabalho maior, influenciando o nível de
adoecimento e a insatisfação por parte de muitos. De acordo com o Diário do Nordeste, a
Câmara aprovou projeto que torna hediondos crimes contra policiais, e até mesmo contra seus
familiares, caso seja provada ligação da agressão com o fato de ser familiar de policial.
Os policiais relatam que os bandidos estão cada vez mais “atrevidos” e com menor
medo da Polícia, o que aumenta a sensação de insegurança para os policiais e seus familiares,
e têm como decorrência a criação de projetos de lei como o citado anteriormente, como forma
de conter os bandidos. Eles relatam que, antigamente, os policiais do Choque eram
respeitados e até temidos em qualquer lugar onde chegassem. Já, hoje, algum enfrentam e até
provocam os policiais, além de demonstrarem não sentir medo ou respeito em alguns casos,
como em uma ocorrência do COTAR na qual ao serem cercados por uma patrulha do
COTAR, um dos bandidos aparece para os policiais dizendo: “Perdeu!”
A iminência da morte é constante na vida dos policiais. Após certo tempo de profissão,
percebemos que, como defesa intrapsíquica, o sujeito passa a se tornar frio, de modo a melhor
lidar com essa possibilidade constante, percebendo a morte como algo natural:
É natural! No mundo de hoje tá natural! Você chega, você pode olhar que quando a
gente vê uma morte assim, a gente vê até as crianças sorrindo neh, perto do morto.
Então, se para uma criança hoje é natural, imagina para um policial que tá sempre
ali. (Entrevistado 4).
Sobre a morte deles, é interessante perceber que quase todos relatam não sentir medo
de morrer, mas sim de que os colegas morram, ou os familiares, o que pode ser percebido na
seguinte fala:
Rapaz, nesse dia eu vi a viatura a uns 160 km/h. A 160, numa estrada estreita, e
assim,... naquele momento, medo da morte a gente não sentiu não, porque a gente se
preocupava mais em chegar lá, por causa dos nossos colegas.29 ( Entrevistado 5).
28
Dados encontrados nos seguintes endereços: http://www1.folha.uol.com.br/co...iolencia-contra-policiais.shtml
http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/nacional/online/camara-aprova-projeto-que-torna-
hediondos-crimes-contra-policiais-1.1253490
29
Relato de policial do COTAR que teve sua patrulha convocada para ir dar apoio a colegas que estavam em
troca de tiros com assaltantes.
105
30
Problemas nos músculos, ossos e articulações.
107
peso. É, é o lado que eu boto o fuzil, o peso. E nessa época eu tava dirigindo muito,
com o fuzil cruzado aqui. Eu acho que desgastou!” (Entrevistado 4).
Gráfico 13 - Distribuição proporcional dos sintomas sentidos pelos policiais no decorrer dos
últimos doze meses.
60% 54,1%
51,4%
48,6%
50%
40% 37,8%
32,4%
30% 27,0%
24,3%
Colesterol…
Enxaqueca/cef…
Problemas…
Problemas…
Problemas…
Problemas…
Problemas…
Problemas…
Problemas…
Problemas…
Distúrbios do…
Transtornos…
Síndrome do…
Aumento de…
Não deseja…
Não teve…
Hipertensão
Não lembra
Depressão
Câncer
Outro
Ansiedade
Diabetes
-10%
Mesmo com todas essas condições adversas, porém, constatamos que o número de
afastamentos para tratamento da sua saúde, nos últimos 12 meses, não é tão relevante, pois
apenas 24,3% dos policiais do COTAR entraram de Licença para Tratamento de Saúde (LTS).
De acordo com os dados da Perícia Médica, os policiais são o segundo lugar entre os
servidores que mais adoecem, ficando atrás apenas dos professores. Deste modo, com suporte,
partimos dos dados do capítulo imediatamente anterior, referentes à organização e às
condições de trabalho, buscaremos entender qual a relação entre trabalho policial e
adoecimento, e quais são os maiores motivos dos afastamentos.
Mesmo considerando tudo o que foi aqui relatado, percebemos que há bastante
orgulho em ser policial e, principalmente, em ser do COTAR, mesmo com as dificuldades e
com a pesada jornada de trabalho. Muitos relatam querer sair do COTAR apenas em
decorrência da jornada que os deixa muito cansados e longe das famílias, porém, sempre
relatando que sentem bastante prazer nas atividades e no serviço. Em geral, os policiais do
COTAR, no momento da pesquisa, se encontravam em grande parte insatisfeitos, como
108
observado no Gráfico 14. Após a diminuição das escalas para 6x8, 6x9, no entanto, foi
perceptível a empolgação dos policiais, e o número de pedido para sair teve certa redução,
conforme relato abaixo:
A questão da jornada de trabalho é excessiva, é cansativa. A gente chega em casa
um pouco...deu uma melhorada agora, 6 x 8, mas antes era muito fatigante. É tanto
que nessa mudança agora a gente viaja e tá todo mundo sorridente.
Melhorou!”(Entrevistado 6).
48,65%
60%
43,24%
50%
35,14%
27,03%
40%
21,62%
18,92%
30%
13,51%
10,81%
10,81%
8,11%
20%
5,41%
5,41%
2,70%
0,00%
10%
0%
Sente orgulho em contar que é Sente que seu trabalho requer Sente que sua profissão
policia que você esconda suas prejudica sua vida
emoções pessoal/familiar
Nunca Raramente Às vezes Frequentemente Sempre Não sabe
Desse modo, percebemos que, segundo Gráfico 14, mesmo com todas as adversidades,
os policiais do COTAR sentem orgulho em contar que são policiais, mas que, em geral,
percebem que a atividade policial cobra deles como profissionais e sujeitos, levando-os à
necessidade de esconderem as emoções. Em geral, é notório que o trabalho é desgastante e
que pode levar ao adoecimento, porém, não sendo motivo o suficiente para saírem da
Companhia ou pensarem em mudar de profissão.
109
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diferentemente de tudo o que geralmente acontece na PM, o COTAR teve sua criação
planejada, desde o uniforme, formato da viatura, formação da patrulha, jornada de trabalho e
modo de abordagem, tendo como base os exemplos de outras tropas “caatinga” já existentes
no Nordeste, como o CIOSAC, de Pernambuco.
longos percursos em vias e estradas sem qualquer estrutura, na maior parte do tempo; e)
excesso de peso que o acompanha desde o momento que sai do quartel até o fim do serviço; e
f) a constante incerteza do que pode ocorrer durante o serviço.
Sendo assim, com base no modo de trabalho, das atividades como patrulhamento ou
confronto armado, os policiais do COTAR têm de estar sempre prontos. É exigida deles,
produção, que pode ser medida pela quantidade de armas apreendidas ou pelas ocorrências de
assaltos de que participam como repressores.
Nesse contexto, percebemos que os policiais do COTAR têm uma jornada de trabalho
considerada estressante, convivendo desde o momento que saem do quartel até o fim do
serviço com o imprevisível, tendo de estar sempre prontos para reagir a situações violentas.
Necessitam se deslocar em altas velocidades, indo ao encontro de algo que eles não sabem
bem o que é, porém, focados apenas no objetivo da missão, ou com a necessidade de dar
cobertura aos colegas que já estejam em ocorrências; policiais multifacetados, preparados seja
para fazer patrulhamento, seja para arriscarem suas vidas, salvando reféns ou mesmo
impedindo que os criminosos escapem. Precisam ter calma para realizar o tiro seletivo, para
fazer a leitura adequada das ocorrências, mesmo quando estão cansados com o peso dos
armamentos, ou simplesmente estão sem dormir ou comer. Esses são os policiais do COTAR!
Além disso, ainda são expostos a situações de abuso moral, seja pelo desrespeito ao
sono e alimentação programados, ou até por críticas, ofensas verbais e até ameaças ou maus
tratos no caso de treinamentos.
Finalmente, dá para se apreender daqui que, a partir das narrativas foram captadas
sugestões para o COTAR, como: diminuição da jornada de trabalho para 5 X 10; melhoria da
infraestrutura de apoio nos municípios possibilitando melhor descanso e apoio para os
policiais; maior oferta de capacitações, com liberação e investimento por parte do Governo do
Estado; aumento do número de viaturas e do efetivo; o devido cumprimento do previsto no
Quadro de Horários de descanso e atividades físicas; atividade física direcionada para a
atividade.
112
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Psicologia social e institucional) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
2004.
DOCUMENTOS
- Código Disciplinar da PMCE e do CBM. Marco Aurélio Macedo de Melo (org) – Ten Cel –
março de 2012
APÊNDICES
Prezado Colaborador;
O Sr. está sendo convidado a participar desta pesquisa que tem como objetivos:
conhecer os policiais do COTAR;
observar e analisar as condições e organização do trabalho dos policiais;
descrever as trajetórias de trabalho de policiais do COTAR; e
identificar e analisar os riscos de trabalho a que estão submetidos os trabalhadores do
COTAR.
Se tiver alguma dúvida a respeito da pesquisa e/ou dos métodos nela utilizados, pode
procurar a qualquer momento os pesquisadores responsáveis.
______________________________
Assinatura do participante
______________________________
Assinatura do Pesquisador
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ANEXOS