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ÍNDICE

NOTA INTRODUTÓRIA------------------------------------------------------------------------------ 5

PARTE I

EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES

1. EDUCAÇÃO INCLUSIVA: É O QUE ACONTECE OU O QUE FAZEMOS

ACONTECER? ---------------------------------------------------------------------------------------- 10

Vítor Cruz

2. AVALIAÇÃO INCLUSIVA - UMA AVALIAÇÃO CENTRADA NA

COMPREENSÃO DO POTENCIAL DE DESENVOLVIMENTO ----------------------- 22

Adelinda Araújo Candeias

3. FUNDAMENTOS PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM PORTUGAL ---------- 39

Mónica Rebocho, Maria José Saragoça & Adelinda Candeias

4. O ESTADO DA ARTE EM EDUCAÇÃO INCLUSIVA: O PENSAMENTO DE

PROFISSIONAIS DETENTORES DE BOAS PRÁTICAS --------------------------------- 50

Maria Luísa Fonseca Grácio; António Borralho; Adelinda Candeias; Clarinda Pomar; Elisa

Chaleta; Heldemerina Pires; Jean-Claude DeVreese; Eva Bernart; Carmem Negril Falcó;

Jenny Evans; Natalia Cabral; Jane Brodin; Ana-Lena Ljusberg

5. FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A ESCOLA INCLUSIVA: ALGUMAS

PERSPECTIVAS EUROPEIAS ------------------------------------------------------------------- 62

Clarinda Pomar; Luísa Grácio; António Borralho; Adelinda Candeias; Heldemerina Pires;

Elisa Chaleta; Jean-Claude DeVreese; Eva Bernart ; Carme Negril Falcó; Jenny Evans;

Natalia Cabral; Jane Brodin; Ana-Lena Ljusberg


PARTE II

EDUCAÇÃO INCLUSIVA: PRÁTICAS

6. O PAPEL DE FAMÍLIA NA INCLUSÃO ESCOLAR ------------------------------------ 79

Heldemerina Pires; Luísa Grácio; Graça Santos; António Borralho; Adelinda Candeias;

Elisa Chaleta; Clarinda Pomar

7. CONSTRUINDO PRATICAS EDUCATIVAS INCLUSIVAS – A PARTICIPAÇÃO

DOS ALUNOS NOS PLANOS EDUCATIVOS INDIVIDUAIS---------------------------- 89

Elisa Chaleta, Luísa Grácio, Maria João Cortes; Maria José Espírito Santo; Júlio Coincas

8. PERCURSOS INCLUSIVOS NO CICLO DE VIDA DA PESSOA COM

DEFICIÊNCIA ---------------------------------------------------------------------------------------- 95

Vítor Franco

9. O LUGAR DAS COMPETÊNCIAS PESSOAIS E SOCIAIS NA EDUCAÇÃO

INCLUSIVA DE ALUNOS COM NEE -------------------------------------------------------- 113

Ana Choupana, Ana Oliveira, Maria Carapinha & Adelinda Candeias

10. INTERVENÇÃO INCLUSIVA: REFLEXÕES A PARTIR DE UM CASO

PRÁTICO -------------------------------------------------------------------------------------------- 124

Mónica Rebocho; Adelinda Candeias; Marta Peniche; Paula Baldeira; Sandra Lagartixo
NOTA INTRODUTÓRIA

Passados quinze anos sobre a Declaração de Salamanca a Educação Inclusiva é uma


meta para a sociedade europeia a nível escolar e a nível social. Persistem, porém, múltiplas
interrogações sobre o significado conceptual e prático da Educação Inclusiva. A sociedade
actual, focalizada no conhecimento, na comunicação e na globalidade confronta-nos com
múltiplas diversidades culturais, sociais e pessoais e desafia-nos a repensar o(s) seu(s)
significado(s). Olhar a(s) diversidade(s) numa perspectiva interpessoal e intrapessoal, que
olhe a criança inserida numa relação educativa, escolar, familiar e comunitária
(local/global). Esta perspectiva sobre a(s) diversidade(s), reclama um olhar
multidimensional sobre o espectro das características intrapessoais que deverá incidir sobre
o que a criança é capaz de realizar (e das dificuldades e necessidades que a caracterizam),
mas, essencialmente, sobre o seu potencial de desenvolvimento e de aprendizagem.

O desenvolvimento da criança é o resultado da sua interacção com o meio que pode


acontecer sempre que a criança se vê exposta directamente a fontes externas de estimulação,
ou sempre que a experiência que poderia depender dessas fontes é mediada pela intervenção
de outra pessoa, que de modo intencional estrutura os elementos dessa experiência
modulando assim a sua influência sobre a criança. A escola é um local privilegiado para
operar essas mudanças e os professores, a família, o próprio aluno e demais agentes
educativos são mediadores fundamentais nesse processo de inclusão de todas as crianças
numa escola aberta a todos.

Esta perspectiva sobre a Educação Inclusiva remete para uma intervenção educativa
centrada no desenvolvimento do potencial do aluno, em que os professores assumem
funções de mediadores. Estas funções de mediação obrigam os docentes e demais técnicos
de educação a redireccionar a avaliação e a intervenção tradicionais para uma abordagem
mais dinâmica, multidimensional e centrada no potencial das crianças num contexto de
escola para todos.

Os trabalhos de reflexão, investigação e aplicação que compõem este livro ilustram


como persistem na actualidade, por um lado, múltiplas concepções explícitas – de natureza
teórica e política – e implícitas – como valores e atitudes – que marcam as narrativas e as
práticas educativas que se planeiam inclusivas. Por outro lado, podem identificar-se uma
diversidade de aplicações promotoras de educação inclusiva. Tais aplicações caracterizam-

5
NOTA INTRODUTÓRIA

se por práticas inovadoras que envolvem múltiplos contextos, como: escolares formais e
informais, familiar, e comunitário; e, múltiplos actores: professores, psicólogos, pais, o
próprio aluno, e outros agentes educativos. Tais concepções e práticas requerem mudanças
urgentes (Candeias, 2005):

1. O foco na “reparação” da criança, se desloque para o foco da formação e da


qualificação dos professores e demais técnicos de educação, para promoverem o
desenvolvimento do potencial da criança.
2. O foco sobre o que “não funciona” na criança (dificuldades, deficiências,
défices), se redireccione para o que funciona na criança (capacidades e potencial).
3. O foco centrado nos problemas e no diagnóstico, ceda lugar ao foco nos
recursos e na apreciação da modificabilidade da criança.
4. O foco na avaliação estática do desempenho da criança, mude para o foco na
avaliação dinâmica do potencial e da capacidade de modificabilidade da criança.
5. O foco na função do professor que ensina, se transfira para o foco na função
do professor mediador de desenvolvimento e de aprendizagem.
6. O foco na sala de aula, se alargue ao foco na relação sala de aula-escola-
família-comunidade.

Esta mudança conceptual tem sido preconizada a partir de diversos centros de


investigação, universidades, associações e projectos entre os quais destacamos:

• Yale Centre for the Psychology of Abilities, Competencies, and Expertise –


PACE, Centre for Cognitive Development;
• George Mason University, International Centre for the Enhancement of
Learning Potential – ICELP;
• IACEP - International Association for Cognitive Education and Psychology;
• European Comenius Projects:
 INCLUES - Clues to Inclusive and Cognitive Education,
 IRIS – Improvement through Research in the Inclusive School, and
 DAFFODIL - Dynamic Assessment of Functioning and Oriented at
Development and Inclusive Learning.

Neste livro damos destaque a alguns contributo que emergem da Conferência


Internacional: Changing Practices in Inclusive Education, no âmbito do Projecto IRIS. Para

6
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

tal conjugámos dez respostas possíveis para esta mudança. Estas respostas, traduzem
múltiplos olhares sobre Concepções e Práticas em Educação Inclusiva. Estes múltiplos
olhares cruzam perspectivas de investigadores e práticos de formação multidisciplinar de
vários países e estão organizados em duas partes, a primeira, mais orientada para as
concepções e, a segunda, mais direccionada para as práticas. As temáticas seleccionadas não
pretendem abarcar todo o espectro da Educação Inclusiva, seleccionámos algumas das que
mais preocupam a comunidade educativa no nosso país.

A primeira parte orientada para uma reflexão em torno das múltiplas Concepções de
Educação Inclusiva é constituída por cinco capítulos. O primeiro e o segundo capítulos
apresentam uma reflexão teórica sobre o significado da intervenção e da avaliação em
contexto de educação inclusiva, que é complementada no terceiro capítulo por uma
discussão dos fundamentos legislativos para a sua implementação entre nós. O quarto
capítulo discute as concepções dos profissionais europeus detentores de boas práticas
inclusivas e o quinto capítulo reflecte sobre as necessidades de formação de professores e
outros agentes educativos, promotoras de boas práticas inclusivas.

Na segunda parte apresentamos cinco capítulos que narram cinco possibilidades


reflexão e mudança sobre as Práticas em contexto de Educação Inclusiva. Os capítulos
cinco, seis e sete relatam como a família e o próprio indivíduo são actores fundamentais no
processo de implementação prática da educação inclusiva. O capítulo nove focaliza a
necessidade da educação inclusiva se orientar também para as competências pessoais e
sociais dos alunos e não apenas para as competências académicas. O capítulo dez, encerra
este livro com o relato de um caso de boas práticas inclusivas, integrando concepções
teóricas e discursos práticos sobre o que pode ser a inclusão educativa e social.

Na qualidade de coordenadora deste projecto, gostava de agradecer aos autores que


responderam ao desafio de contribuir com os seus trabalhos para esta publicação e que
permitiram o desenvolvimento de um livro que poderá interessar a professores, educadores,
psicólogos e sociólogos que se dediquem às concepções e práticas sobre Educação
Inclusiva. Os múltiplos olhares sobre Educação Inclusiva, ficam mais enriquecidos e
deixam-nos o desafio de continuar a desenvolver estes olhares sobre Inclusão educativa e
social que aqui não foram abordadas. A finalizar, uma palavra de agradecimento pelo apoio
financeiro da FCT e do Projecto IRIS (Comenius: Education and Culture Life Long
Learning Programme) que tornou possível a concretização deste livro no âmbito do Centro

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NOTA INTRODUTÓRIA

de Investigação em Educação e Psicologia da Universidade de Évora. A formação contínua


dos agentes educativos promotores de Educação Inclusiva passa também pelo encontro entre
investigação e prática, entre conhecimento, acção e reflexão, em síntese pelo encontro entre
Universidade e Escola, em contexto europeu.

Adelinda Araújo Candeias

Évora, 30 de Maio de 2009

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PARTE I

EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES


EDUCAÇÃO INCLUSIVA: É O QUE ACONTECE OU O QUE FAZEMOS
ACONTECER?

Vítor Cruz

Universidade Técnica de Lisboa - Faculdade de Motricidade Humana (PT)

1. Introdução

Como refere Pelpel (1986), afastado o que não é essencial, pode afirmar-se que toda
a situação de educação é um equilíbrio dinâmico entre três pólos, representando o primeiro
o saber ou a matéria (i.e., o currículo), o segundo o aprender ou o aprendente (i.e., o aluno) e
o terceiro o ensinar ou o ensinante (i.e., o professor).

Estes três pólos surgem assim como os vértices de um triângulo equilátero ou


triângulo pedagógico (Meirieu, 1989), cuja presença simultânea é constitutiva do campo da
educação. Neste sentido, no pólo do ensinante (i.e., professor) reside tudo o que diz respeito
ao acto de ensinar, às acções do educador, ao sistema de ensino, pois ensinar significa
organizar as condições de aprendizagem e é o reino por excelência da pedagogia.

Por seu lado, no pólo do aprendente (i.e., o aluno) reside tudo o que tem a ver com o
acto de aprender, com as acções do educando, com o sistema de aprendizagem, pelo que o
estudo dos fenómenos da aprendizagem e da motivação está aqui directamente ancorado.
Quanto ao pólo do saber (i.e., currículo), para ele converge tudo o que tem a ver com a
matéria ou assuntos a ensinar e a serem aprendidos.

Por outro lado, reconhecendo a necessidade e a urgência de garantir a educação para


todas as crianças, jovens e adultos com Necessidades Educativas Especiais (NEE)
(UNESCO, 1994), torna-se fundamental equacionar como actuar quando estamos perante
estas pessoas com características particulares no que se refere ao seu processo de
aprendizagem.

10
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

Assim, sendo os aspectos atrás referidos tão importantes no processo educativo em


geral, e do das pessoas com NEE em particular, é nosso objectivo estabelecer uma relação
entre os três vértices do triângulo pedagógico e três teorias da Inteligência, realizando assim
uma reflexão que se pretende facilitadora da compreensão e concretização acto educativo.

Deste modo, apoiar-nos-emos na Teoria Triárquica da Inteligência (TTI) de


Sternberg, para reflectir sobre o Aluno e o que ele é, na Teoria das Inteligências Múltiplas
(TIM) de Gardner, para incidir sobre o Currículo e o que ele não deve ser, e na Teoria da
Modificabilidade Cognitiva (TMC) de Feuerstein, para considerar o Professor e o que ele
deverá ser.

2. Aluno: O que é?

Para estabelecer a relação entre o aluno e a Teoria Triárquica da Inteligência (TTI)


de Sternberg, torna-se necessário compreender que a mesma compreende três subteorias,
Componencial, Experiencial e Contextual, cada uma das quais lidando com diferentes
aspectos da inteligência (Sternberg & Spear, 1985).

Começando com a subteoria componencial, esta relaciona o conceito de inteligência


com o mundo interno da pessoa, ou seja, está orientada para a abordagem dos mecanismos
mentais que suportam o comportamento inteligente (Sternberg, 1992; Sternberg & Spear,
1985).

Chama-se assim a atenção para a importância de considerarmos as competências e


os estilos cognitivos próprios de cada aluno, bem como de os respeitarmos durante todo o
processo educativo.

Assim, para além de perceber o que o aluno consegue fazer, trata-se de perceber e
respeitar o como prefere fazer, capitalizando deste modo as competências que tem e o modo
como prefere utilizá-las.

Ao contrário da subteoria componencial, que relaciona o conceito de inteligência


com o mundo interno da pessoa, a subteoria contextual procura relacionar a inteligência
com o mundo externo da pessoa (Sternberg & Spear, 1985), ou seja, preocupa-se com a
actividade mental que permite alcançar um ajustamento ao contexto e não com a actividade

11
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: É O QUE ACONTECE OU O QUE FAZEMOS ACONTECER?

física ou com as influências externas que podem facilitar ou impedir a actividade no


contexto (Sternberg, 1990).

Para o mesmo autor dá-se assim preferencialmente ênfase à actividade mental da


pessoa que tenta adaptar-se, e não existe uma preocupação em verificar se a pessoa
conseguiu ou não a adaptação a uma determinada situação.

Deste modo, esta subteoria tem por trás de si uma orientação e preocupação com o
processo e não com o produto, pois é mais importante perceber como o aluno aprende e
aplica o que aprende em diferentes situações, do que medir em termos absolutos o resultado
obtido.

Passando agora à subteoria experiencial, esta defende que as tarefas são


diferencialmente boas como reflexos da inteligência não apenas em função das componentes
envolvidas, mas também em função da existência ou não de familiaridade com as tarefas por
parte da pessoa que as realiza (Sternberg & Spear, 1985).

Deste modo podem existem pelo menos dois pontos específicos do contínuo de
experiências vividas pela pessoa, que são (Sternberg, 1992 e 1990; Sternberg & Spear,
1985):

– Quando as tarefas são relativamente novas ou inéditas na experiência da pessoa,


ou, pelo contrário;

– Quando as tarefas são tão habituais que o seu desempenho se está a tornar
automático e, portanto, essencialmente inconsciente.

Com base nesta posição torna-se evidente que devemos perspectivar cada aluno de
modo isolado, comparando-o com ele próprio (avaliação a critério) e não fazendo a
comparação com médias gerais (avaliação à norma).

Tal afirmação leva-nos assim à noção de que seria de uma profunda injustiça avaliar
do mesmo modo um aluno que conhece um determinado assunto e um outro que nunca
ouviu falar dele. De facto, se por um lado as tarefas complexas podem ser efectuadas com
facilidade apenas porque muitas das operações implicadas na sua realização já foram
automatizadas, por outro, as tarefas ou situações que estão fora da experiência quotidiana

12
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

individual e são diferentes de outras tarefas que a pessoa já realizou exigem uma
participação intensa e voluntária das componentes da inteligência.

Em síntese, para Sternberg (1993 e 1992) a TTI sugere que o comportamento


inteligente ocorre quando as componentes intelectuais de cada pessoa são aplicadas às suas
experiências para que aquela se organize e organize o contexto actual com o objectivo de
melhorar a compatibilidade entre as necessidades e as potencialidades de cada um – pessoa
e contexto.

3. Currículo: O que não deve ser?

Para compreender o que o currículo não deve ser, a Teoria das Inteligências
Múltiplas (TIM) proposta por Gardner (1983) parece-nos poder dar uma valiosa ajuda.

Assim, partindo da definição de inteligência como habilidade de resolver problemas,


ou criar produtos, que sejam valorizados num ou mais envolvimentos culturais (Gardner,
1983), a TIM vem pluralizar o conceito tradicional de inteligência, pois mesmo sendo um
conceito válido para descrever algumas capacidades de certas pessoas, ele parece ignorar
muitos outros talentos individuais notáveis (Gardner, 1995).

Por exemplo os testes que proporcionam a evidência de um factor geral de


inteligência são quase exclusivamente testes que envolvem a linguagem e a lógica, deixando
de fora outras habilidades da pessoa, como são o domínio das relações interpessoais,
espaciais ou corporais, etc.

Assim, nos seus trabalhos, Gardner (1998, 1995, 1994 e 1983) afirma que todos os
seres humanos são capazes de, pelo menos, oito diferentes modos de conhecer o mundo, ou
seja, todos os seres humanos normais desenvolvem pelo menos oito inteligências.

O mesmo autor refere que, de acordo com esta formulação, todos nós estamos aptos
a conhecer o mundo através da linguagem, da análise lógico-matemática, da representação
espacial, do pensamento musical, do uso do corpo ou de partes dele para resolver problemas
ou para fazer coisas, de uma compreensão de outros indivíduos e de uma compreensão de
nós mesmos, bem como de uma compreensão da natureza ou da nossa existência como seres
conscientes.

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA: É O QUE ACONTECE OU O QUE FAZEMOS ACONTECER?

Gardner (1983) refere também que quase todas as situações culturais utilizam mais
do que uma inteligência e ao mesmo tempo nenhuma prestação pode ser realizada
simplesmente através do exercício de uma única inteligência.

Uma vez que, como afirma Gardner (1995), todas as inteligências são parte da
herança genética humana, então todas elas se manifestam em todas as pessoas em algum
nível básico, independentemente da educação ou do apoio cultural. Assim, para o mesmo
autor, todos os seres humanos possuem certas capacidades essenciais em cada uma das
inteligências.

Em termos de desenvolvimento, cada uma destas inteligências segue uma


determinada trajectória natural e, partindo desta evolução, é natural que o papel da instrução
em relação à manifestação de uma inteligência mude ao longo da sua trajectória
desenvolvimental, pois a intervenção deve ser feita à luz das trajectórias desenvolvimentais
das inteligências (Gardner, 1995).

Deste modo, os alunos beneficiam de uma instrução explícita somente se a


informação ou a instrução estiver ajustada ao seu estádio específico na progressão
desenvolvimental, ou, pelo contrário, não têm qualquer benefício se um determinado tipo de
instrução for precoce ou tardia demais em relação a essa progressão ou não se preocupar
com as suas competência/inteligência.

Para Gardner (1994) as pessoas possuem quantidades variadas destas inteligências,


combinam-nas e usam-nas de modos pessoais e idiossincráticos, pois do mesmo modo que
todos nós parecemos diferentes e exibimos personalidades diferentes, também possuímos
tipos de mentes diferentes.

Gardner (1995) acrescenta ainda que pode acontecer que uma pessoa não seja
especialmente bem dotado em nenhuma das inteligências e, contudo, em virtude de uma
determinada combinação ou mistura das suas capacidades, talvez consiga realizar
singularmente bem certas tarefas

Por outro lado, refere que existe uma independência entre as inteligências, o que se
traduz na possibilidade de um alto nível de capacidade numa inteligência não requer um
nível igualmente alto em outra inteligência (Gardner, 1995).

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

Assim, segundo Gardner (1994), a diferença entre as pessoas surge a dois níveis
principais: (a) no vigor destas inteligências − o perfil de inteligências de cada pessoa, e (b)
na forma como cada pessoa invoca e combina tais inteligências para realizar tarefas,
resolver problemas e progredir em várias áreas.

O que atrás vem sendo dito acerca da TIM pode ter implicações decisivas a vários
níveis, particularmente no que se refere aos modos pelos quais executamos as nossas
intenções educativas (Gardner, 1994).

Assim, é fácil perceber que até agora a instrução formal da maioria das escolas na
maioria das culturas enfatizou exclusivamente uma certa combinação das inteligências
linguística e lógico-matemática, com eventuais prejuízos para aqueles alunos com
capacidades em outras inteligências (Gardner, 1995 e 1994).

Não obstante aquela ser considerada uma combinação indubitavelmente importante


para dominar as tarefas da escola, Gardner (1994) refere que fomos muito longe ao ignorar
as outras inteligências, pois ao minimizar a importância dessas outras inteligências dentro e
fora da escola:

- levamos muitos alunos à crença de que são tolos, apenas porque fracassam em
exibir a combinação “adequada”, e

- não tiramos vantagens dos modos pelos quais as múltiplas inteligências podem ser
exploradas para atingir de modo mais amplo as metas da escola e da cultura.

Procurando dar resposta a esta situação, Gardner (1995) propõe que a organização da
escola ideal do futuro se deve basear em duas suposições:

• A primeira delas é de que nem todos os alunos têm os mesmos interesses e


habilidades e nem todos aprendem da mesma maneira;

• A segunda suposição é a de que, actualmente, ninguém pode aprender tudo o que


há para ser aprendido.

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA: É O QUE ACONTECE OU O QUE FAZEMOS ACONTECER?

Portanto, esta escola centrada no aluno teria que ser rica na avaliação das
capacidades e tendências individuais para procurar adequar aos alunos tanto as áreas
curriculares como as maneiras particulares de ensinar esses assuntos (Gardner, 1995).

O referido autor acrescenta ainda que, mesmo depois dos primeiros anos, a escola
também deveria procurar adequar aos alunos os vários tipos de vida e de opções de trabalho
existentes na sua cultura.

Deste modo, uma educação construída sobre as múltiplas inteligências poderá ser
mais efectiva que uma construída apenas sobre duas inteligências, pois permite desenvolver
uma gama mais ampla de talentos e permite tornar o currículo-padrão acessível para uma
maior quantidade de alunos (Gardner, 1994).

4. Professor: O que deverá ser?

A Teoria da Modificabilidade Cognitiva (TMC) de Feuerstein é o modelo escolhido


por nós para explicar o que o professor deverá ser. A TMC é um modelo que para além de
nos permitir entender o funcionamento das componentes da inteligência (funções
cognitivas), nos permite avaliar e melhorar os processos da inteligência (Feuerstein, 1993).

Como o próprio autor refere, a TMC representa o começo de um novo paradigma


que pretende rever diferentes teorias da psicologia e da educação, pois a filosofia em que se
fundamenta envolve a necessidade de se saber como utilizar as diferentes modalidades de
pensamento humano.

Os seus efeitos no campo da educação e da psicologia passam, segundo Feuerstein


(1993), pela necessidade de considerar a inteligência como algo que se pode aprender e não
como algo fixo. Deste modo, a resposta à questão “É possível aprender a ser inteligente ?”,
é, evidentemente, SIM.

Mas para que esta seja a resposta é necessário considerar a modificabilidade como
uma característica da inteligência humana, sendo igualmente importante ensinar ao ser
humano a ser inteligente pelo aproveitamento da sua flexibilidade e autoplasticidade
(Feuerstein, 1993).

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

Em termos mais gerais, Feuerstein (1991) refere mesmo que embora parecendo um
paradoxo, a modificabilidade é a característica das características, a única permanente, não
havendo nada mais estável que a própria modificabilidade. Por outras palavras, o que o ser
humano tem de estável é a sua capacidade para mudar e de estar sempre aberto às
modificações.

Segundo o mesmo autor, um outro aspecto digno de relevo é o facto de a


modificabilidade negar absolutamente a possibilidade de predizer o desenvolvimento
humano ou a classificação dos seres humanos, pois podem ocorrer modificações
inesperadas, tanto de sentido positivo como negativo, resultantes de um acto da vontade.

Assim, Feuerstein (1991:8) define modificabilidade de uma pessoa como “a


capacidade de partir de um ponto do seu desenvolvimento, num sentido mais ou menos
diferente do previsível até agora, segundo um desenvolvimento mental”, sendo esta
capacidade para seguir uma direcção não prevista uma característica humana.

O mesmo autor avança mesmo que tanto do ponto de vista teórico como prático,
todos as pessoas são modificáveis, ou seja, as pessoas são sempre capazes de se modificar
inclusivamente tendo em conta a sua etiologia, a sua idade e a sua condição − três aspectos
geralmente considerados como criadores de dificuldades insuperáveis.

Pensando agora nas implicações educativas desta teoria, Feuerstein et al. (1986) diz-
nos que se o sistema escolar desenvolve os seus programas e currículos de acordo com
objectivos específicos estabelecidos para a população que servem, então é essencial que,
antes de estabelecerem os objectivos, organizarem os alunos, planearem os currículos,
escolherem o material didáctico e seleccionarem os educadores, estes últimos respondam a
três questões básicas:

1ª - A Modificabilidade Cognitiva é uma função crucial e legítima da educação?

2ª - A Modificabilidade Cognitiva é possível?

3ª - Se a Modificabilidade Cognitiva é tanto essencial como possível, como pode ela


ser levada a cabo de modo eficiente e económico?

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA: É O QUE ACONTECE OU O QUE FAZEMOS ACONTECER?

Para responder à primeira questão Feuerstein et al. (1986) refere que a actual ênfase
no desenvolvimento das habilidades do pensamento crítico reflecte o reconhecimento de que
as pessoas têm de ser capazes de lidar com as novas e rápidas mudanças envolvimentais.

No entanto, os mesmos autores referem que, apesar de importante, a aquisição do


pensamento crítico não é suficiente para a adaptação a situações novas e complexas, pois
esta adaptação requer uma flexibilidade interna.

Assim, adiantam que é a presença das funções cognitivas adequadas e o controlo


dessas funções que permite à pessoa viver numa sociedade tecnológica na qual os avanços
são tão rápidos que muita da informação que foi adquirida na escola se torna obsoleta antes
de poder ser aplicada.

No que se refere à segunda questão, Feuerstein (1980), Feuerstein et al. (1986),


Fonseca (1998) e Fonseca & Santos (1995) apresentam-nos resultados de pesquisas onde
são utilizados diversos programas de intervenção ao nível da inteligência, que suportam a
hipótese de que a modificabilidade cognitiva não é apenas possível, mas é também quase
dramaticamente fácil de levar a termo.

Deste modo, para Feuerstein et al. (1986) a visão de que o ser humano é um sistema
aberto que pode ser modificado deve ser motivo de reflexão na prática educativa.

Por fim, para que a modificabilidade cognitiva seja levada a cabo com sucesso e os
alunos aprendam a aprender e a pensar, os educadores, ocupando um papel chave na
tentativa de modificar a estrutura cognitiva, têm de desenvolver e investir em programas de
intervenção que afectem o destino dos seus educandos (Feuerstein et al., 1986).

5. Reflexões finais

Procurando fazer agora uma breve reflexão final, gostaríamos de começar por deixar
claro que consideramos que estas três teorias da Inteligência têm uma importância
fundamental para que possam ser criadas estratégias complexas, multidimensionais e
modificáveis de criação de melhores condições de ensino, de educação e de aceitação dos
outros.

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

Por seu lado, pensando no papel dos educadores (professores, pais ou outros),
gostaríamos de reforçar algumas ideias que consideramos fulcrais:

• É fundamental perceber quais são os estilos cognitivos dos nossos alunos, ou seja, para
além de perceber o que é que os nossos alunos gostam e conseguem fazer, é importante
entender como é que eles preferem fazer e quais são as competências envolvidas.
• Devemos preocupar-nos mais com o modo como os nossos alunos aprendem e resolvem
os problemas do que com o produto dessa aprendizagem e resolução, pois enquanto os
processos permanecem e são generalizáveis, os produtos esgotam-se neles próprios.
• É aconselhável não comparar os nossos alunos com médias frias e impessoais, e, pelo
contrário, devemos procurar perceber quais são as suas características particulares e
intrínsecas, de modo a podermos perspectivar de modo afectivo e personalizado a sua
evolução, tendo-os como referências de si próprios.
• Existem vários momentos no desenvolvimento, bem como existem diferentes domínios
em desenvolvimento, pelo que se torna fundamental percebe qual é o momento de
desenvolvimento e que domínios estão envolvidos em determinado período da vida dos
nossos alunos, para podermos organizar as exigências, as solicitações e as expectativas
em função das suas competências, necessidades e interesses variados.
• As competências intelectuais dos nossos alunos são modificáveis, portanto é necessário
ser optimista em relação a essa modificabilidade e estimulá-la, procurando sempre
afastar qualquer ideia preconcebida que limite a nossa crença optimista na riqueza
intelectual dos nossos alunos.

A actividade intelectual dos nossos alunos pode pois ser comparada ao fluxo de água
de um rio que é capaz de se adapta às características do terreno, moldando o seu correr de
acordo com o solo e não tendo uma forma constante, o que lhe permite ser modificável e
adaptável de acordo com cada conformação específica de terreno.

Mas o que se verifica na maioria das vezes é que esse fluxo de água (i.e., actividade
intelectual) é dificultado, pois é desviado do seu percurso natural e é orientado por forças
exteriores que, de um modo deliberado, se organizam contra o fluxo natural e decidem
quando, para onde e como ele há-de correr, sem terem em consideração a riqueza e a
idiossincrasia particular do fluxo inicial.

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA: É O QUE ACONTECE OU O QUE FAZEMOS ACONTECER?

O rio deixa de seguir o seu percurso natural e passa a seguir um percurso que lhe é
imposto, tal como a actividade intelectual dos nossos alunos deixa de seguir o seu
desenvolvimento normal, mais rico e enriquecedor, para ser orientada por forças que
contrariam essa riqueza pessoal, se esquecem dela e se organizam para metas que nada têm
a ver com as particularidades dos nossos alunos.

6. Referências

Feuerstein, R. (1993). La Teoría de la Modificabilidad Estructural Cognitiva: Un Modelo de


Evaluación y Entrenamiento de los Processos de la Inteligencia. In J. A. Beltrán, V.
Bermejo, M. D. Prieto & D. Vence (Eds.), Intervención Psicopedagógica (pp. 39-48).
Madrid: Ediciones Pirámide, S. A..

Feuerstein, R. (1991). La Modificabilidad Cognitiva y el PEI. In J. M. M. Beltrán, J. J. B. Gutiérrez


& R. F. Vilaró (Eds.), Metodología de la Mediación en el P.E.I. (pp. 7-14). Madrid:
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Feuerstein, R. (1980). Instrumental Enrichement - An Intervention Program for Cognitive


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Feuerstein, R., Hoffman, M. B., Rand, Y., Jensen, M. R., Tzuriel, D. & Hoffman, D. B. (1986).
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21
AVALIAÇÃO INCLUSIVA - UMA AVALIAÇÃO CENTRADA NA
COMPREENSÃO DO POTENCIAL DE DESENVOLVIMENTO

Adelinda Araújo Candeias

Universidade de Évora, Departamento de Psicologia e Centro de Investigação em Educação e


Psicologia (PT)

1. Introdução

Neste capítulo fundamentamos conceptualmente a necessidade de ultrapassar a


tradicional perspectiva sobre a avaliação psicoeducativa centrada nos défices, ou seja nas
dificuldades e nas deficiências, para uma perspectiva processual, funcional centrada no
potencial do aluno para aprender e para se desenvolver. Propomos uma discussão dos
principais fundamentos para a urgente mudança a operar na concepção de avaliação se
deslocar do diagnóstico sobre o que o aluno faz, para o que o aluno poderá conseguir fazer
através da acção educativa. Trata-se de uma avaliação centrada na compreensão do aluno
através da caracterização do potencial de aprendizagem e de desenvolvimento do aluno.
Esta forma de conceber a avaliação pressupõe uma continuidade entre avaliação e
intervenção educativa, por contraste à avaliação tradicional centrada nas classificações
diagnósticas de difícil transposição para a intervenção educativa que impunha uma
descontinuidade entre o que se avaliava e o que se ensinava, assim como entre quem
avaliava e quem ensinava.

A avaliação centrada no potencial de aprendizagem desloca o foco do diagnóstico


das dificuldades de aprendizagem do desempenho actual, habitualmente centrado nos
défices e no que o aluno não é capaz de fazer, para uma abordagem centrada na análise dos
processos de funcionamento (da aprendizagem) com uma estreita ligação às estratégias de
intervenção a implementar para alcançar níveis educacionais de eficácia, e eficiência
generalizáveis a todos os alunos. Para tal, este tipo de avaliação compreensiva incide sobre
as variáveis mediadoras do funcionamento intraindividual – atenção, percepção, memória,
motivação, combinação, selecção e elaboração de resposta e resposta – e do funcionamento

22
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

interindividual – estabelecimento de uma relação com o adulto que ensina e ou avalia a


criança.

Trata-se de uma abordagem avaliativa que coloca o foco no processo relacional,


dinâmico e interactivo, para analisar e caracterizar os processos psicológicos que estão
subjacentes à resolução de problemas, à aprendizagem, à adaptação e à inteligência humana,
responsabilidade e resiliência (Sternberg, 2008). Este tipo de avaliação está para além da
resposta tradicional que os testes de QI e que os testes escolares de conhecimentos nos dão e
procura ultrapassar as críticas que nas últimas três décadas se têm levantado á avaliação
tradicional centrada no desempenho e nos produtos através de um conjunto de linhas
orientadoras (Candeias et al., 2005), das quais destacamos:

A avaliação tradicional centrada nas classificações normativas, deverá dar lugar à


centrada na compreensão do potencial e da capacidade de aprendizagem/desenvolvimento
do aluno, com o intuito de clarificar como, onde e com que recursos intervir, com todos os
alunos com dificuldades de aprendizagem, com défices cognitivos, com problemas
emocionais e psicomotoras, com proveniências linguísticas, étnicas e culturais específicas,
entre outros.

A abordagem avaliativa centrada na classificação dos défices dos alunos deverá dar
lugar à compreensão do potencial e das dificuldades, com o intuito de identificar as
estratégias mais adequadas a uma intervenção promotora da aprendizagem e do
desenvolvimento do aluno.

Assume-se, claramente, a importância do contexto e da educação-formação na


modificabilidade cognitiva e no desenvolvimento do potencial de cada aluno.

A intervenção individualizada, centrada na acção sobre o aluno dá lugar a uma


intervenção centrada na relação professor-aluno. O professor é um mediador que assume um
papel fundamental na avaliação, na activação do desenvolvimento do potencial do aluno e
na selecção das estratégias mais eficientes para a aprendizagem dos conteúdos educativos.

A concepção de uma escola inclusiva como uma escola de excelência para todos que
enfatiza um processo educativo adaptável de forma flexível e direccionado para o ensino de
todos alunos. Os resultados do processo educativo não são um objectivo em si, mas uma

23
AVALIAÇÃO INCLUSIVA - UMA AVALIAÇÃO CENTRADA NA COMPREENSÃO DO POTENCIAL DE
DESENVOLVIMENTO

consequência do mesmo. As instituições educativas deverão preocupar-se com a adequação


do processo educativo a todos os alunos em vez de se concentrarem nos resultados.

Esta mudança de um paradigma centrado no défice, para um paradigma centrado no


potencial sustenta uma transformação da avaliação educacional, pedagógica e psicológica, o
foco no diagnóstico dos défices, das dificuldades e das perturbações desloca-se para o
diagnóstico do potencial de modificabilidade, de educabilidade, de aprendizagem, numa
palavra desenvolvimento.

Para fundamentarmos esta proposta de avaliação inclusiva, dinâmica, funcional e


processual, focalizada no potencial de desenvolvimento e aprendizagem organizamos este
capítulo em quatro pontos: (1) A emergência de um conceito de avaliação ao serviço da
intervenção educativa inclusiva; (2) O que se avalia: Potencial, Modificalidade,
Aprendizagem, Experiência em Desenvolvimento; (3) Actores principais do processo de
avaliação: Professores, Pais e Aluno; (4) O professor: Um avaliador e um mediador do
desenvolvimento do aluno .

2. A emergência de um conceito de avaliação ao serviço da intervenção


educativa inclusiva

Temos assistido, nos últimos 30 anos, à emergência dum paradigma de Avaliação


Inclusiva ou Avaliação Alternativa centrada no Potencial de Aprendizagem e de
Desenvolvimento. Esta abordagem tem-se vindo a desenvolver a partir de diversos centros
de investigação, universidades e associações, entre os quais destacamos:

• Yale Centre for the Psychology of Abilities, Competencies, and Expertise – PACE, Centre
for Cognitive Development;
• George Mason University, International Centre for the Enhancement of Learning Potential –
ICELP;
• International Association for Cognitive Education and Psychology – IACEP.
• European Comenius projects:
• INCLUES - Clues to Inclusive and Cognitive Education,
• IRIS – Improvement through Research in the Inclusive School, and
• DAFFODIL - Dynamic Assessment of Functioning and Oriented at Development and
Inclusive Learning;

24
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

A emergência deste paradigma de Avaliação-Intervenção, centrado no


desenvolvimento do potencial do aluno está alicerçada em políticas geradoras de uma
educação para todos, uma educação inclusiva. Desde a Declaração de Salamanca, diversos
países da Europa Comunitária (Lloyd, 2006; Shevlin & Rose, 2007; Watkins, 2007) e da
América (Elliot, Braden & White, 2001; Lucas et al., 2004; Paula & Enumo, 2007)
desenvolveram políticas de educação com impacto sobre a avaliação para uma educação
inclusiva. Estas políticas tiveram como consequências directas, entre outras: (i) definição de
objectivos educacionais que reflectem os padrões de desempenho esperado dos alunos; (ii)
criação de serviços de acompanhamento do desempenho dos alunos em função das medidas
implementadas nos programas escolares que disponibilizam essa informação no domínio
público; (iii) desenvolvimento de sistemas de avaliação comuns para todos os alunos que
incluem os alunos com necessidades específicas de educação, (Watkins, 2007). Isto
significa que os alunos com necessidades específicas de educação têm o direito de aceder a
avaliações nacionais apropriadas às suas necessidades. Tais políticas sugerem que a : (i)
avaliação deverá basear-se em padrões de aprendizagem; (ii) desempenho a avaliar deve ser
representado de forma real e adequada; (iii) avaliação deve ser incorporada no currículo de
ensino; (iv) a avaliação deve ter por objectivo fornecer vários tipos de dados sobre a
aprendizagem dos alunos; (v) os padrões educacionais devem ser avaliados, mas, não só
através da imposição de testes estandardizados focalizados nos resultados; (vi) as pessoas
que realizam avaliações devem ser as mesmas que concebem e implementam e,
posteriormente, apresentam o relatório dos resultados da avaliação e consequentemente
participam na elaboração dos PEI’s; (vii) as boas práticas e as práticas inovadoras devem ser
utilizadas para orientar as políticas e planear o sistema de avaliação (Candeias et al., 2009).

No mesmo sentido, a Agência Europeia para o Desenvolvimento em Necessidades


Educativas Especiais - AEDNEE - definiu recentemente que a avaliação inclusiva deverá
incorporar os testes e os procedimentos que fornecem a informação percebida por alunos,
pais, professores, políticos e demais actores do processo educativo, como base para tomar as
decisões que directa e indirectamente tenham impacto sobre as experiências educacionais e
o futuro dos alunos (Watkins, 2007, 26).

Em síntese, estas propostas políticas têm consequências profundas na organização


escolar, nas práticas avaliativas e pedagógicas. Para podermos acompanhar a sua
implementação com eficácia é necessário continuar a apostar numa atitude de investigação-

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AVALIAÇÃO INCLUSIVA - UMA AVALIAÇÃO CENTRADA NA COMPREENSÃO DO POTENCIAL DE
DESENVOLVIMENTO

acção para avaliar o impacto destas novas orientações na avaliação e intervenção inclusivas,
assim como reflectir sobre os impactos nas práticas pedagógicas e educativas. Que
mudanças práticas serão necessárias para implementar com eficácia a avaliação inclusiva
que favoreça as práticas educativas inclusivas?

3. O que se avalia: Potencial, Modificalidade, Aprendizagem, Experiência em


Desenvolvimento

Este paradigma para a Avaliação-Intervenção Inclusivaassenta no pressuposto


conceptual que o ser humano é um sistema aberto, susceptível de mudanças cognitivas que
afectam o seu funcionamento (Feuerstein, 1980). A modificabilidade das estruturas
cognitivas resulta de dois tipos de interacção entre o organismo e o ambiente: (i) a primeira
acontece sempre que o aluno se expõe directamente a fontes externas de estimulação; e (ii) a
segunda ocorre quando essa experiência é mediada pela intervenção de um adulto que, de
um modo intencional, estrutura os elementos dessa experiência, modelando assim a sua
influência sobre o aluno. Nesta experiência, designada, Experiência de Aprendizagem
Mediatizada, o agente mediador desempenha um papel fulcral ao seleccionar, elaborar,
filtrar e organizar os estímulos mais apropriados para a realização da tarefa. O aluno adquire
assim padrões de comportamento e aprendizagem que se convertem em ingredientes básicos
da sua capacidade de modificação ou mudança (Feuerstein, 1980). Ou seja, o mediador
determina a frequência, ordem, intensidade e o contexto dos estímulos apresentados ao
aluno. Desta forma, são os mediadores que despoletam no aluno a atenção, a curiosidade e
sensibilidade aos estímulos mediatizados, procurando criar conjuntamente com o aluno
relações temporais, espaciais e de causa-efeito entre estímulos (Haywood & Tzuriel, 1992;
Haywood, Tzuriel & Vaught, 1992). O mediador desempenha, assim, um papel importante
não só no desenvolvimento do potencial de aprendizagem do aluno, mas também na
identificação de possíveis dificuldades deste face às diferentes etapas de resolução de
problemas, ajudando-o a superá-las. Os alunos podem deparar-se com dificuldades ao nível
da recolha, elaboração, codificação e comunicação da informação relativa ao problema, e
também ao nível dos factores afectivo-motivacionais (Alonso-Tapía, 2002).

Dotar o indivíduo de experiências de aprendizagem mediatizada pode, por isso,


contribuir para a superação de tais dificuldades. A preparação de tais experiências parte
sempre de uma avaliação e diagnóstico das dificuldades e do potencial cognitivo ou de
aprendizagem do aluno. Por este razão a avaliação realizada assume um carácter dinâmico

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

porque se direcciona para as capacidades latentes do indivíduo, com o objectivo de


quantificar o potencial do aluno, isto é, avaliar a inteligência modificável e susceptível de
desenvolvimento. Enquanto a avaliação tradicional enfatiza os resultados obtidos com base
nas aptidões já desenvolvidas, (permitindo deste modo caracterizar a forma como o aluno
adquire, armazena e usa a informação), a avaliação dinâmica focaliza a sua atenção na
quantificação dos processos psicológicos que intervêm na aprendizagem e na mudança.
Nesta forma de avaliação prevê-se o uso do feedback sobre a eficácia do desempenho, o que
influi na motivação e na percepção de auto-eficácia do aluno, factores determinantes para o
sucesso na realização de qualquer tarefa. De destacar, ainda que a natureza da relação entre
a criança e o avaliador é interactiva e bidimensional ao contrário da relação de neutralidade
característica da situação de testing tradicional (Sternberg & Grigorenko, 2002). A nível
internacional têm sido desenvolvidas diversas abordagens, com principal destaque para as
de Feuerstein (1980; 1996) e Budoff (1968) e mais recentemente a de Sternberg e
Grigorenko (1994a, 2002). Entre nós, têm sido realizados diversos estudos, entre os quais
destacamos, Araújo e Almeida (1996a,b); Candeias, Almeida, Rodrigues e cols. (2004);
Candeias e cols. (2005); Cruz e Fonseca (2001); Simões (1995; 2000); Casas e Almeida
(1996); Rosário, Candeias e Cruz (2007).

Esta abordagem à avaliação das capacidades humanas apoia-se na concepção de que


o desenvolvimento humano é constituído por sucessivas aprendizagens e remete-nos
obrigatoriamente para o conceito de inteligência e para a questão da sua modificabilidade.
Nesta perspectiva, o conceito de inteligência e de aptidão remetem para a construção de
“experiência em desenvolvimento”, ou “o processo contínuo de aquisição e consolidação de
um conjunto de aptidões necessárias para um nível elevado de experiência ou domínio num
ou mais âmbitos de actuação”, no sentido ao que foi proposto por Sternberg e Grigorenko
(2002, p.17). As provas tradicionais de aptidões e de inteligência, avaliam apenas uma parte
daquelas dimensões psicológicas – aptidão e inteligência – habitualmente a experiência e o
domínio, o que as aproxima dos testes de rendimento. Alguns autores (por exemplo:
Anastasi, 1990), propõem mesmo que as provas tradicionais medem o rendimento que um
indivíduo deveria ter tido há alguns anos atrás. O problema é quando esse rendimento nos
testes é usado para inferir uma relação causal entre inteligência e o êxito exterior na escola
ou no trabalho (Candeias et al., 2005). Quando, o que estamos a medir é, apenas, uma parte
do que se expressa, ou seja “as manifestações da experiência em desenvolvimento”, que não
é mais do que um precursor temporal do rendimento escolar, mas não um precursor

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AVALIAÇÃO INCLUSIVA - UMA AVALIAÇÃO CENTRADA NA COMPREENSÃO DO POTENCIAL DE
DESENVOLVIMENTO

psicológico (Sternberg & Grigorenko, 2002). As medidas de inteligência deverão então estar
correlacionadas com o sucesso posterior, quer se tratem de medidas de aptidão ou de
rendimento. Então a realização de uma actividade específica (e.g. prova de raciocínio
abstracto, prova escolar de matemática ou de língua portuguesa) depende de vários
componentes: aptidões metacognitivas (e.g. reconhecimento, definição e representação de
problemas, formulação de estratégias, avaliação da resolução de problemas, etc.), aptidões
para a aprendizagem (e.g. codificação, combinação e comparação selectivas), aptidões para
o pensamento (e.g. analisar, avaliar, levantar hipóteses, imaginar, etc.), tipo de motivação da
pessoa (se orientada para a auto-eficácia ou para o ganho), e do contexto (e.g. língua
materna, familiaridade com o material, importância que a sua realização tem para o
indivíduo, apresentação do material ao aluno, etc.).

Esta forma de conceber o funcionamento cognitivo do aprendiz enquanto


‘experiência em desenvolvimento’ encontra-se muito próxima do conceito de inteligência
dinâmica, ou modificável, proposto por Almeida (1993, 2002), Feuerstein (1996), e
Sternberg (2008), entre outros. Nesta perspectiva, assume-se uma visão centrada na
educabilidade e adaptabilidade do aluno, uma propensabilidade para mudar e para mudar-se:
“we define intelligence as the propensity of the organism to modify itself in order to be able
to respond in an adaptative way to changes in the conditions of the stimuli, and to its
particular needs” (Feuerstein, 1997, p.276 apud Sternberg & Grigorenko, 2002). A
inteligência não é considerada um traço, com uma natureza fixa, expressando-se da mesma
forma em tempos diferentes, estável e relativamente imutável. Pelo contrário, é considerada
como um estado “a state is a dynamic condition that modifies itself and can be modified,
can be changed...if a condition exists which may affect the state, such as a particular event
or intervention, we may witness a more or less significant change in the state” (Ibidem). O
desenvolvimento das estruturas cognitivas do aluno é o resultado dos tipos de interacção
entre o organismo e o seu meio – que pode acontecer sempre que o organismo se vê exposto
directamente a fontes externas de estimulação ou sempre que a experiência que poderia
depender dessas fontes é mediada pela intervenção do adulto – nesta situação, o professor –
que de modo intencional estrutura os elementos dessa experiência modulando assim a sua
influência sobre a criança. A inteligência deixa de ser considerada como algo estável, trata-
se sim de uma estrutura e sustentada em processos capazes de sofrerem modificabilidade,
sendo esta mudança produzida pela interacção do aluno com o meio social. Assim, o
desenvolvimento cognitivo do indivíduo muda quando há interacção, sendo esta interacção

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

mediatizada pelos outros indivíduos. A capacidade de aprendizagem do indivíduo é o mais


valorizado: quando e como é capaz de aprender, e não o conhecimento que demonstra num
momento ou num determinado domínio, tendo em conta a individualidade e particularidade
dos processos de aprendizagem de cada aluno, e não os resultados quantitativos obtidos em
testes estandardizados e com referência ao grupo (Casas & Almeida, 1996).

Neste sentido a inteligência é entendida como um potencial, que se operacionaliza


a partir da comparação entre as capacidades intelectuais actuais e potenciais. Esta concepção
radica na Teoria de Vygotsky sobre as funções mentais superiores (Moll, 2002). Um dos
conceitos fundamentais desta teoria – Zona de Desenvolvimento Próximo (ZDP) – põe a
tónica no que o indivíduo, neste caso o aluno, pode vir a aprender e a desenvolver, ou seja,
não é que ele é no momento em que é avaliado, mas o que pode vir a ser, não é o que já está
desenvolvido, mas o que está em desenvolvimento. Trata-se por isso de um conceito que
preconiza um estado de sensibilidade à aprendizagem de conteúdos culturais criados por
membros mais experientes da cultura, com qualidades históricas e culturais definidas, e que
determina a aprendizagem e o desenvolvimento do indivíduo dentro de dada cultura
(Rogoff, 1990). As funções mentais superiores, como a inteligência e aprendizagem, são
entendidas como um potencial, que se operacionaliza a partir da comparação entre as
funções actuais e as funções potenciais. Ou seja, operacionaliza-se a partir da comparação
entre o Nível de Desenvolvimento Actual (NDA) e o conjunto de actividades que é capaz de
realizar com ajuda, colaboração e orientação de outros – Nível de Desenvolvimento
Próximo (NDP) (Leitão, 2004). Esta noção de Potencial de Aprendizagem (PA) torna-se
uma alternativa ao conceito tradicional de inteligência e desempenho. Nesta perspectiva a
avaliação do PA é concebida como a capacidade de aprendizagem revelada pelo aluno
quando este pode ter uma experiência de aprendizagem em condições propícias à
manifestação das suas reais potencialidades. Sternberg e Grigorenko (2002), consideram
mesmo que este conceito se tornou um dos mais conhecidos na Psicologia e na Educação
Ocidental, nomeadamente pelas suas implicações directas na compreensão das diferenças
entre aprendizagem e desenvolvimento; funções cognitivas maduras face a funções
cognitivas em processo de maturação; e, o que indivíduo pode fazer só por si e o que pode
fazer com a ajuda de outros.

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AVALIAÇÃO INCLUSIVA - UMA AVALIAÇÃO CENTRADA NA COMPREENSÃO DO POTENCIAL DE
DESENVOLVIMENTO

4. Actores principais do processo de avaliação: Professores, Pais e Aluno

Como referimos em trabalhos anteriores (Candeias et al., 2009) avaliação dos alunos
é tradicionalmente configurada em função de categorias e classificações diagnóstico de
difícil transformação em orientações educativas e pedagógicas que orientem as estratégias
de ensino-aprendizagem a implementar em contexto educativo escolar e/ou familiar. Os
testes psicológicos e educacionais normalizados, são, geralmente, pouco acessíveis aos
professores em sala de aula, e são concebidos numa perspectiva, “tipo clínico” afastada do
contexto em que o aluno se insere. Nesta linha, já em 1995, Bickel e Hattrup defendiam que
existe um crescente reconhecimento de que os dados recolhidos num processo de avaliação,
deverá ser uma responsabilidade partilhada por profissionais de diferentes comunidades
científicas em trabalho colaborativo e a família da criança. Deste modo deverão colaborar
para desenvolver ferramentas de avaliação diagnóstica para uso na avaliação formativa.

É necessário que os professores adoptem uma avaliação centrada na aprendizagem,


baseada na informação diagnóstica sobre o aluno, para planear o processo de ensino-
aprendizagem e determinar o que fazer com cada um. Este procedimento deve ser associado
à avaliação da eficácia das estratégias de ensino como auto-ajuda para o professor ajustar as
medidas educativas mais adequadas, assim como, para avaliar os progressos do aluno.

Neste contexto, a formação de professores, constituirá um argumento fundamental


para implementar o trabalho pedagógico com alunos com NEE, especialmente em técnicas
especializadas de avaliação inclusiva. Também Hattie (2005) defende que para a avaliação
inclusiva ser implementado e apoiar eficazmente o ensino e a aprendizagem, é necessário
transferir o pensamento dos professores dos dados classificativos da avaliação para a
compreensão da avaliação e suas implicações para no planeamento da intervenção
educativa. Este aspecto foi apontado como crucial para o desenvolvimento de atitudes e
competências nos professores que apoiam uma inclusão educacional bem sucedida (Kemp
& Carter, 2005), especialmente para: (i) melhorar a formação dos professores na condução
de avaliações; (ii) ligar a avaliação alternativa de currículos e programas pedagógicos; (iii)
ligar a avaliação a Planos Individuais de Educação.

Tal como Falvey propõe, desde 1995, os pais e os próprios alunos têm um papel
crucial em todos os aspectos do processo de educação, mas muito particularmente nos
processos de avaliação. Hammeken, (1995) utiliza estudos de caso de professores, pais e dos

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

próprios alunos para ilustrar a forma como o processo de avaliação e de instrução pode ser
efectivamente enriquecido em ambientes inclusivos se tiver em conta todos estes pontos de
vista e inputs. Porém, o papel dos pais na avaliação da aprendizagem dos seus filhos com
necessidades de aprendizagem e NEE tem alguns prós e contras, pois apesar de os pais
poderem ser uma fonte de informação rica e valiosa para a avaliação das crianças, podem ter
ideias pré-concebidas sobre o que a avaliação é ou deveria ser, o que pode resultar em
situações de conflito. Wehmeyer e cols. (2004), destacam a importância da participação do
aluno com dificuldades de aprendizagem e NEE na sua avaliação, destacando a sua
«autodeterminação» como um meio para o aluno assumir um papel central na sua própria
educação. Para que tal seja possível professores e pais devem preocupar-se em ensinar aos
alunos como estar envolvido na auto-avaliação - não apenas como um meio para melhorar a
avaliação, mas também como desenvolver a sua autonomia na aprendizagem.

5. O professor: Um avaliador e um mediador do desenvolvimento do aluno

Partindo da premissa básica de que o ser humano é um sistema aberto, susceptível a


mudanças cognitivas que afectam o seu funcionamento e tem a capacidade única de
modificar as suas funções cognitivas e de se adaptar às mudanças do seu contexto, diversos
autores (p. ex., Feuerstein, 1996; Sternberg, 2008), atribuem a responsabilidade da
modificabilidade cognitiva fundamentalmente aos agentes mediadores entre a criança e o
seu meio. O que quer dizer que a modificabilidade das estruturas cognitivas do indivíduo é
resultado de dois tipos de interacção entre o organismo e o ambiente: a primeira acontece
sempre que o indivíduo se expõe directamente a fontes externas de estimulação; e a segunda
ocorre quando essa experiência é mediada pela intervenção de um adulto que, de um modo
intencional, estrutura os elementos dessa experiência, modelando assim a sua influência
sobre a criança. Esta experiência é denominada por Feuerstein (1996) de Experiência de
Aprendizagem Mediada.

Este tipo de experiência de aprendizagem, em que há a intervenção intencional de


um agente externo acontecem quando um agente mediador – pais, irmãos, professores,
psicólogos - selecciona os estímulos mais apropriados para a criança, chama a sua atenção
sobre certos aspectos do estímulo e não sobre outros.

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AVALIAÇÃO INCLUSIVA - UMA AVALIAÇÃO CENTRADA NA COMPREENSÃO DO POTENCIAL DE
DESENVOLVIMENTO

O agente mediador tem então um papel determinante ao seleccionar, elaborar, filtrar


e organizar os estímulos mais apropriados para a realização da tarefa de aprendizagem. O
aluno adquire assim padrões de comportamento e aprendizagem que se convertem em
ingredientes básicos da sua capacidade de modificação (Feurstein, 1980). Ou seja, o
mediador determina a frequência, ordem, intensidade e o contexto dos estímulos
apresentados ao aluno. Desta forma são os mediadores que despoletam no aluno a atenção, a
curiosidade e sensibilidade aos estímulos mediatizados, procurando criar conjuntamente
com o aluno relações temporais, espaciais e de causa-efeito entre estímulos (Haywood &
Tzuriel, 1992).

O mediador desempenha, então, um papel fundamental não só no desenvolvimento


do potencial de aprendizagem do aluno, mas também na identificação de possíveis
dificuldades deste face às diferentes etapas de resolução de problemas, ajudando-o a superá-
las. Podem surgir dificuldades ao nível da recolha, elaboração, codificação e comunicação
da informação relativa ao problema, e também a nível dos factores afectivo-motivacionais
(Kozulin & Falik, 1995; Alonso-Tapía, 2002).

Este tipo de aprendizagem mediada afecta o desenvolvimento das estruturas


cognitivas do aluno. O desenvolvimento de tais estruturas cognitivas vai criar condições de
maturação no aluno para que ele adquira padrões motivação para a aprendizagem que
dirigem e activam a propensão para conhecer e resolver problemas, expressos em
comportamentos de desempenho e rendimento em diversos domínios do saber. A relação
entre os dois tipos de interacção assinalados é de tal ordem que quanto mais eficaz e com
mais frequência se vê submetido o aluno à acção dos agentes mediadores, quanto maior
chegará a ser a sua capacidade de aproveitar e utilizar eficientemente as experiências
proporcionadas pela exposição directa aos estímulos externos (Alonso-Tapía, 2002; Shamir
& Tzuriel, 2004). Em síntese, poderemos afirmar que tradicionalmente o ensino estava
preocupado com os produtos e que a mediação está focalizada nos processos e nas
estratégias que o aluno usa para resolver problemas, num contexto.

O papel da mediação das experiências de aprendizagem no desenvolvimento


cognitivo, pode ser visto em função de determinantes remotos e determinantes próximos do
mesmo e em consequência do tipo de dificuldade do aluno. Ao nível dos determinantes
remotos incluem os factores biológicos (genéticos, orgânicos), os pessoais (nível de ajuste
emocional) e os ambientais (nível de estimulação ambiental, equilíbrio emocional dos pais,

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

estatuto socioeconómico). A maioria destes factores não causa de modo inevitável o atraso
de desenvolvimento cognitivo e nenhum deles é responsável único pelo grau em que a
dificuldade se manifesta. Os determinantes próximos são, com muita frequência, a carência,
limitação ou inadequação das experiências da aprendizagem mediada. Concordamos com
Alonso-Tapía (1996) quando propõe que a aceitação da mediação da aprendizagem como
factor de primeira importância no desenvolvimento cognitivo constitui o fundamento teórico
que permite crer na modificabilidade, ao menos parcial, dos processos cognitivos do aluno
com dificuldades, em última instância, podemos afirmar que não há razão para crer na
irreversibilidade do atraso ou das dificuldades de aprendizagem, na medida em que o
desenvolvimento cognitivo está sujeito à influência do mediador humano.

Este processo dinâmico em que o indivíduo modifica as suas estruturas cognitivas


pela interacção com o meio, desafia-nos a pensar a aprendizagem, a inteligência e o
rendimento escolar, não só em função do que o aluno é capaz de realizar autonomamente,
mas também em função do que o aluno pode aprender através da intervenção intencional
dos que guiam, planificam, regulam, seleccionam, filtram a tornam possível a propensão
para novas aprendizagens. A representação teórica do conceito de PA é hoje bastante aceite
e consensual, porém a sua operacionalização através de procedimentos de avaliação e
interpretação, assim como a validação experimental desse modelo de avaliação tem sido
lenta e complexa, pela sua natureza dinâmica, interactiva e desenvolvimental. Tal avaliação
implicará, então, pôr em evidência os processos actuais de aprendizagem, os níveis
previamente conseguidos, assim como aqueles que podem vir a ser atingidos através do
processo de aprendizagem mediada.

Neste processo o papel do mediador é de extrema importância, ou seja, como refere,


Almeida (1993) é necessário que os professores acreditem na importância do ensinar a
pensar e que este ensino é possível. O processo de mediação não depende só do mediador e
da sua motivação, mas também é preciso ter em conta que: (i) um treino sistemático de
alguns meses é necessário para se observarem as mudanças, sendo particularmente útil que
o esforço não seja apenas realizado por um professor, nem a mudança introduzida apenas
numa disciplina, mas por uma equipa que envolva professores, pais, o próprio aluno e outros
agentes educativos; (ii) ensinar implica aprender, mas aprender pressupõe conhecer quem
aprende. Ensinar a pensar é também criar espaços e oportunidades para conhecer,
compreender e consequentemente promover o desenvolvimento de competências no aluno.

33
AVALIAÇÃO INCLUSIVA - UMA AVALIAÇÃO CENTRADA NA COMPREENSÃO DO POTENCIAL DE
DESENVOLVIMENTO

Ao contrário do método tradicional em que o professor expunha ideias ou ditava


apontamentos, explicando e demonstrando como o aluno deveria fazer, aqui importa criar
espaço para conhecer o aluno e planear a acção educativa em função desse conhecimento.

6. Conclusões

A partir dos pontos desenvolvidos neste capítulo sobressaem as virtualidades desta


abordagem à avaliação-intervenção psicopedagógica na ajuda aos professores e psicólogos
na compreensão das dificuldades dos seus alunos em função dos processos psicológicos que
medeiam o desempenho e o rendimento, como: atenção, percepção, memória, combinação,
selecção e elaboração de resposta e resposta; e que medeiam a relação com o adulto que
ensina e ou avalia a criança.

Em segundo lugar, esta abordagem está para além da resposta tradicional dos testes
de QI e dos testes de conhecimento escolar, centrados nos produtos, fundamentando-se: na
avaliação do processo de resolução de problemas, ou do processo de pensamento. A
‘atavismo’ da classificação para encontrar diferenças, dá lugar á necessidade de
compreensão das estratégias e dos erros com o objectivo de intervir.

Em terceiro lugar, surge uma clara opção pelo reconhecimento da importância do


contexto e da educação-formação na modificabilidade cognitiva e no desenvolvimento do
potencial de cada indivíduo. O modelo de intervenção individualizada, centrada na acção
sobre o aluno dá lugar a uma intervenção centrada na relação professor-aluno e demais
profissionais. O professor é um mediador que assume um papel fundamental na activação
do desenvolvimento do potencial do aluno e na selecção das estratégias mais eficientes para
a aprendizagem dos conteúdos educativos.

Consequentemente esta abordagem pode incutir mudanças profundas no aluno que


se podem verificar desde o inicio da intervenção, na medida em que lhe proporciona de
modo sistemático e contínuo informação detalhada sobre o desenvolvimento das suas
competências.

Em jeito de síntese, podemos perguntar se os graves problemas do insucesso escolar,


dificuldades de aprendizagem e abandono escolar em Portugal estarão associados à
incapacidade dos alunos para aprenderem ou se serão os métodos de ensino-aprendizagem e
as estratégias educativas utilizados que estão desadequadas perante as necessidades e

34
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

potencialidades dos alunos. Os estudos realizados têm demonstrado que mesmo numa
situação em que os alunos parecem irremediavelmente condenados pelo insucesso que
marca o seu percurso escolar, quando sujeitos a uma modalidade de avaliação dinâmica e
actividades educativas orientadas por mediadores (psicólogos e professores) preparados para
ensinarem a pensar, a olhar, a procurar e a seleccionar respostas para dar aos problemas,
esses alunos melhoram os seus desempenhos no espaço em curtos períodos de tempo. Os
baixos resultados dos alunos, nesta perspectiva, devem ser vistos como a linha de base do
que o aluno é capaz de realizar no presente, mas não no futuro. A inteligência e a
capacidade de aprendizagem são modificáveis por acção dos mediadores (professores e
psicólogos). Esta acção de mediação direccionada não para as dificuldades do aluno mas
para o que poderá aprender incute-lhe confiança, interesse e disponibilidade para mudar,
activando o seu potencial e criando oportunidades para a sua concretização.

A finalizar, salientamos o quanto uma abordagem avaliativa aos alunos com NEE,
inclusiva, dinâmica e centrada no potencial de aprendizagem/cognitivo e no ensino
mediatizado requer mudanças profundas no sistema tradicional de ensino e de
aprendizagem, assim como nos modelos e práticas de avaliação educacional e de avaliação
psicológica. Essas mudanças só se poderão concretizar com os consequentes ajustamentos
na formação inicial, contínua e pós-graduada de professores e psicólogos.

7. Referências

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38
FUNDAMENTOS PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM PORTUGAL

Mónica Rebocho, Maria José Saragoça & Adelinda Candeias

Universidade de Évora, Centro de Investigação em Educação e Psicologia (PT)

1. Introdução

Tendo como suporte estudos realizados ao nível da Educação Inclusiva e tendo


presente a legislação no Sistema Educativo em Portugal, este capítulo apresenta uma
resenha histórica do processo de inclusão educativa, no Sistema Educativo Português.
Focamos fundamentalmente, os marcos significativos a partir dos anos sessenta até à
actualidade, que nos permitam perceber o processo de inclusão de crianças com NEE no
nosso sistema de ensino, até ao momento actual de implementação da Classificação
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, da Organização Mundial de Saúde
(CIF) (OMS, 2004). Este capítulo apresenta uma revisão dos documentos legislativos e
científicos que consideramos mais marcantes para a compreensão do processo de
implementação da Educação Inclusiva no Sistema Educativo Português.

2. Sobre o(s) Significado(s) de Educação Inclusiva

O significado comummente aceite de Educação Inclusiva pressupõe que a escola


regular seja o local privilegiado para o aluno com NEE efectuar as suas aprendizagens. Será
nesse local, em conjunto com os seus colegas sem NEE, que lhe será proporcionado o
melhor ambiente quer de aprendizagem, quer de socialização, de modo a maximizar o seu
potencial (Ainscow, 1996, 1998; César, 2003; Correia, 1997, 2005; Costa, 1996; Niza,
1996). Uma escola inclusiva é uma escola onde toda a criança é respeitada e encorajada a
aprender até ao limite das suas capacidades (Correia, 2005, p. 7).

Neste contexto o processo de inclusão educativa propõe que o aluno com NEE esteja
no ensino regular, é um direito que lhe assiste, recebendo todos os apoios necessários ao seu
desenvolvimento e aprendizagem em função das suas características e necessidades
(Candeias et al. 2007, 2008, 2009; Sternberg & Grigorenko, 2003; Rebocho et al., 2005).

39
FUNDAMENTOS PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM PORTUGAL

Pretende ainda, encontrar maneiras passíveis de fomentar a participação de todos os alunos


com NEE, inclusivamente NEE de carácter prolongado, nas turmas regulares,
independentemente dos seus níveis académicos e sociais (Correia, 1997, 2005). Partindo
destes pressupostos, ter-se-á que conjugar um conjunto de parcerias que envolvem vários
serviços de apoio especializados (serviços ao nível da educação especial/apoios educativos)
no sentido de promover as aprendizagens de modo a tornar os alunos autónomos respeitando
o seu ritmo e o limite das suas capacidade.

3. O Período: Pré-Educação Inclusiva em Portugal


3.1. Centros de Reabilitação e Escolas Especiais

No início da década de 60, os recursos existentes no nosso país eram escassos ou


mesmo inexistentes para crianças com NEE. É nessa época que os pais começam a
organizar-se e fazem surgir um movimento que despoleta associações que têm como
premissa encontrar respostas educativas passíveis de ajudar os seus filhos. Tais movimentos
voluntários e sem fins lucrativos, deram origem a centros de reabilitação e escolas
especiais, que surgiram por todo o país e se mantiveram até há relativamente pouco tempo.
De tal modo coexistiam dois sistemas paralelamente: o ensino regular, para o qual eram
encaminhadas todas as crianças não portadoras de deficiência, sob a alçada do Ministério da
Educação; e o ensino especial, que deveria prestar cuidados e assistência às crianças com
deficiências. O ensino especial era tutelado pela Segurança social.

3.2. A Lei de Bases do Sistema Educativo e a Formação de Equipas de Ensino


Especial

Nos primeiros anos da década de 70, o Ministério da Educação passa a assumir,


gradualmente, o sector da educação especial, tendo sido criadas, em 1972, as Divisões de
Ensino Especial do Básico (DEEB) e do Secundário (DEES).

A partir de 1978, por influência do Warnock Report (1978), que introduz o conceito
de Necessidades Educativas Especiais (NEE), a política educativa portuguesa começa a
mudar, no sentido de reforçar o papel da escola e do professor do ensino regular, no que
concerne à responsabilização da educação das crianças com NEE (Costa, 1996). O Warnock
Report veio, deste modo, deslocar o enfoque médico nas deficiências para o enfoque na

40
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

aprendizagem escolar de um currículo ou programa. O referido relatório tem subjacentes


três aponta para três níveis de mudança necessários:

• Encontrar os meios adequados de acesso ao currículo.


• Criar condições para que os alunos que necessitem possam usufruir de um currículo especial
ou modificado.
• Focalizar a atenção no contexto educativo, onde se desenrola o processo de
ensino/aprendizagem e não apenas no aluno e nos seus défices (Bairrão et al., 1998).

Nesta época, a integração destinava-se essencialmente às crianças portadoras de


deficiências sensoriais ou motoras (sem deficiência mental), que tinham condições para
acompanhar, com as devidas adaptações materiais, os currículos do ensino regular.

Após a generalização do conceito de NEE, por toda a Europa, aparece contemplado


na legislação portuguesa só em 1986 com a publicação da Lei de Bases do Sistema
Educativo (LBSE, ME, 1996), se começam a verificar transformações significativas na
concepção da integração (Correia, 2005). A Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº
46/86 de 14 de Outubro, já com alterações) refere a educação especial como uma
Modalidade Especial de Educação Escolar, visando a recuperação e integração sócio-
educativas dos indivíduos com necessidades específicas devidas a deficiências físicas e
mentais. De acorda com a lei de bases a educação especial deve organizar-se,
preferencialmente, segundo modelos diversificados de integração em estabelecimentos
regulares de ensino, tendo em conta as necessidades de atendimento específico e com apoios
de educadores especializados. Prevê, também, que a “educação especial se processe em
instituições específicas quando comprovadamente o exijam o tipo e o grau de deficiência do
educando. A partir da LBSE, são criadas as equipas de educação especial (EEE),
consideradas como serviços de educação especial a nível local, que abrangem os vários
níveis de ensino, exceptuando o Superior, (Correia, 2005).

3.3.Contributos internacionais a emergência de um paradigma de Educação Inclusiva

A 26 de Janeiro de 1990, Portugal assinou a Convenção sobre os Direitos da


Criança. Ainda que destinando-se a todas as crianças, esta Convenção, no seu art.º 23
refere-se particularmente às crianças com deficiência sublinhando que a criança com
deficiência tenha efectivo acesso à educação, à formação, aos cuidados de saúde e à
reabilitação, à preparação para o emprego e actividades recreativas e beneficie desses

41
FUNDAMENTOS PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM PORTUGAL

serviços de forma a assegurar uma integração social tão completa quanto possível (…). Na
Convenção sobre os Direitos da Criança destaca-se o direito à educação. Sublinha-se que o
objectivo da educação é o de desenvolver a personalidade, talento e aptidões mentais e
físicas da criança. A educação deve também preparar a criança para ser um cidadão
informado, autónomo, responsável, tolerante e respeitador dos direitos dos outros.

Para além da Convenção dos Direitos da Criança, Portugal também assinou a


Declaração Mundial sobre Educação para Todos, em Março de 1990, em Jomtien,
Tailândia. Os países aí presentes assumiram que as necessidades básicas de aprendizagem
das pessoas portadoras de deficiência requerem atenção especial e que é preciso tomar
medidas que garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer
tipo de deficiência como parte integrante do sistema educativo.

Começa aqui um percurso que vai despoletar num normativo de grande envergadura,
o Decreto-Lei nº 319/91, de 23 de Agosto. Este decreto veio colmatar uma lacuna
legislativa, no que respeita às crianças com NEE, defendendo o direito a uma educação
gratuita, igual e de qualidade, para os alunos com NEE, com a individualização de
intervenções educativas através de planos educativos individualizados (PEI) e de Programas
Educativos (PE) no sentido de responder às necessidades desses alunos (Correia, 2005).

Em 1994, surge um marco importante para as crianças com NEE - A Declaração de


Salamanca, a qual proclama “a Escola Para Todos” ou “Escola Inclusiva”, defendendo o
direito inalienável de crianças e jovens com NEE ao acesso às escolas regulares e também
ao facto que deve ser a escola e os professores a adequarem-se e serem capazes de ir ao
encontro dessas necessidades (Unesco, 1994).

A Inclusão Educativa passa a ser entendida como um meio através do qual a escola
continua a procurar novas formas passíveis de desenvolver respostas que promovam a
diversidade (Hegarty, 2007; Mantoan, 2002; Marchesi, 2001; Morgado, 1999; Warwick,
2001;). Segundo os referidos autores, falar de inclusão em educação é focar o interesse no
aluno de modo a dar resposta às suas necessidades específicas. Enquanto a integração
procurou fundamentalmente valorizar o envolvimento físico onde a aprendizagem se
desenvolve, a inclusão vai mais além e procura ajustar as necessidades de aprendizagem dos
indivíduos adaptando o ensino a essas necessidades: A inclusão inicia-se com o contacto da
criança com NEE com outras crianças sem dificuldades de aprendizagem, mas sem haver

42
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

uma interacção planeada e um programa educacional planeado, no contexto de um


currículo comum, não se pode dizer que tenha sido atingida. (City and County of Swansea,
SEM Policy, 1999, cit. por Warwick, 2001, p. 113).

Em 1999 foi publicado o Despacho Conjunto nº 891/99 de 19 de Outubro que define


os princípios e condições para o apoio integrado no âmbito da intervenção precoce dirigida
a crianças (até aos seis anos de idade) com deficiência ou em risco de atraso grave de
desenvolvimento, e suas famílias. Este apoio é prestado por equipas multidisciplnares que
integram profissionais da educação, da saúde e da acção social e em cooperação,
designadamente, com as instituições de solidariedade social e cooperativas de solidariedade
social. A Intervenção Precoce focaliza a sua intervenção na criança no seu contexto familiar
e a família é considerada como uma unidade funcional da comunidade. Todas as crianças
devem frequentar os estabelecimentos de ensino da sua área de residência. Contudo, as
crianças e jovens com NEE de carácter permanente, podem frequentar o jardim-de-infância
ou a escola independentemente da sua área de residência.

4. A Implementação da Escola Inclusiva no Sistema Educativo Português –


Contributos normativos para a situação actual

Em Janeiro de 2008, fui publicado o Decreto-Lei nº 3/2008 (que revogou o Decreto-


Lei nº319 de 1991 que definia o Regime Educativo Especial para alunos com Necessidades
Educativas Especiais), e define os apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e
nos ensinos básico e secundário dos sectores público, particular e cooperativo. A criação
deste tipo de resposta visa disponibilizar condições para a adequação do processo educativo
às necessidades educativas especiais dos alunos com limitações significativas ao nível da
actividade e da participação num ou vários domínios da vida, decorrentes de alterações
funcionais e estruturais, de carácter permanente, resultando em dificuldades continuadas ao
nível da comunicação, da aprendizagem, da mobilidade, da autonomia, do relacionamento
interpessoal e da participação. Para os alunos com NEE de carácter permanente (de alta-
intensidade e de baixa-frequência), que carecem de apoio específico ao longo de todo o
percurso escolar, são criadas as condições para a adequação do processo educativo às
necessidades desses alunos.

Assumidamente, a educação especial tem, a partir desta altura, uma clara orientação
para a inclusão educativa e social, o acesso e o sucesso educativo, a autonomia, a

43
FUNDAMENTOS PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM PORTUGAL

estabilidade emocional, bem como a promoção da igualdade de oportunidades, a preparação


para o prosseguimento de estudos ou para uma adequada preparação para a vida pós-escolar
ou profissional. Esta orientação está patente nas seis medidas educativas propostas: apoio
pedagógico acrescido, adequações curriculares individuais, adequações no processo de
matrícula, adequações no processo de avaliação, currículo específico individual e
tecnologias de apoio. Prevê também a introdução de áreas curriculares específicas que não
fazem parte da estrutura curricular comum, entre outras, leitura e escrita em Braille, a
orientação e mobilidade, o treino de visão, a actividade motora adaptada.

As respostas educativas e respectivas formas de avaliação de cada aluno são fixadas


e fundamentadas no PEI – Programa Educativo Individual. Quando uma criança ou jovem
apresenta uma problemática mais grave, deve ser também elaborado um PIT – Plano
Individual de Transição, de forma a promover a sua transição para a vida pós-escolar e para
o exercício de uma actividade profissional com adequada inserção social, familiar ou numa
instituição de carácter ocupacional. Tendo em conta que todos os alunos,
independentemente da sua problemática, devem estar nas escolas regulares, podem ser
criadas redes de escolas de referência para o ensino bilingue de alunos surdos e de uma rede
de escolas de referência para o ensino de alunos cegos e com baixa visão. Estabelece
também a possibilidade de os agrupamentos de escolas organizarem respostas específicas
diferenciadas através da criação de unidades de ensino estruturado para a educação de
alunos com perturbações do espectro do autismo e de unidades de apoio especializado para
a educação de alunos com multideficiência e surdocegueira congénita.

De referir que todas estas respostas são dadas nas escolas regulares. Os alunos
podem, assim, ter um ensino mais ajustado à sua problemática e, simultaneamente, estarem
integrados com alunos sem NEE. Está ainda previsto que nos casos em que as medidas de
educação especial se revelem comprovadamente insuficientes em função do tipo e grau de
deficiência do aluno, pode ser proposto o seu encaminhamento para uma instituição de
educação especial.

Outra medida de consequências profundas que este novo diploma introduziu, foi a
avaliação dos alunos com NEE por referência à CIF – Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2004). A
CIF é apresentada como uma classificação geral cujo objectivo é proporcionar uma
linguagem unificada e padronizada assim como uma estrutura de trabalho para a descrição

44
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

das condições de saúde e estados relacionados com a saúde (tais como a educação e o
trabalho) (OMS, 2004, p.7). A aplicação da mesma à educação, mais especificamente como
instrumento operacional para a identificação de grupos-alvo ao nível da educação especial
em Portugal, deve-se ao facto de ter determinadas características que permitem
compreender, interpretar, descrever e partilhar a funcionalidade da pessoa, em várias
perspectivas, biopsicossocial, a qual vai ao encontro dos princípios de uma escola inclusiva
(Pereira, 2008). A funcionalidade aparece definida como um termo global, o qual abarca
todas as funções do corpo, actividades e participação; e, a incapacidade é definida como um
termo que abrange deficiências, limitação da actividade ou restrição na participação. Neste
sentido, a CIF permite definir perfis úteis da funcionalidade, incapacidade e saúde dos
indivíduos em vários domínios (OMS, 2004, p.7).

Na sequência deste diploma legislativo, as escolas regulares passam a dispôr de


docentes especializados em Educação Especial em função do número de alunos com NEE
de carácter permanente. Estes docentes trabalham na sala de aula juntamente com os
docentes e alunos da turma ou, caso a especificidade da problemática da criança o exija, em
espaços à parte. Alguns agrupamentos de Escolas possuem técnicos como Fisioterapeutas,
Terapeutas da Fala, Psicólogos que, na Escola Regular, acompanham os alunos com NEE de
carácter permanente. É usual também que, em momentos específicos, durante o período
lectivo, alguns alunos usufruam de Terapias fora da Escola, em Associações que fornecem
os recursos humanos e materiais mais adequados. Tudo isto para se concretizar a ESCOLA
INCLUSIVA.

Tem sido também preocupação de Portugal regulamentar direitos (e deveres) dos


cidadãos portadores de deficiência. A Lei de Bases da Reabilitação (Lei nº 38/2004 de 18 de
Agosto) define as bases gerais do regime jurídico da Prevenção, Habilitação, Reabilitação e
Participação da Pessoa com Deficiência. Esta Lei assume que “compete ao Estado adoptar
medidas específicas necessárias para assegurar o direito de acesso ao emprego, ao trabalho,
orientação, formação, habilitação e reabilitação e a adequação das condições de trabalho da
pessoa com deficiência”. Define também o direito à educação e ensino, competindo ao
Estado “adoptar medidas específicas necessárias para assegurar o acesso da pessoa com
deficiência à educação e ao ensino inclusivo, mediante, nomeadamente, a afectação de
recursos e instrumentos adequados à aprendizagem e à comunicação”.

45
FUNDAMENTOS PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM PORTUGAL

Em Setembro de 2007, no quadro da presidência portuguesa da União Europeia, o


Ministério da Educação de Portugal organizou, em cooperação com a Agência Europeia
para o Desenvolvimento em Necessidades Especiais de Educação a Audição Parlamentar
“Young Voices: Meeting Diversitiy in Education”. Presentes estiveram jovens com NEE de
29 países, que frequentam os ensinos: secundário, profissional e superior. Do encontro
resultou a Declaração de Lisboa – Pontos de vista dos jovens sobre Educação Inclusiva, que
foi enviada a todos os Ministros da Educação da União Europeia e ao Parlamento Europeu a
fim de a mesma ser tida em consideração na definição das políticas. Os jovens presentes
concluíram: “Compete-nos construir o nosso futuro. Temos de remover barreiras dentro de
nós e dos outros. Temos de crescer para além da nossa deficiência – então o mundo aceitar-
nos-á melhor”.

5. Conclusões

Parece encontrar-se um consenso entre orientações políticas internacionais e


nacionais no sentido de uma escola para todos os alunos. Neste processo a inclusão deve ser
entendida como um processo para enfrentar e responder às diferentes necessidades de todos
os alunos. o que só é alcançável se houver um efectivo aumento da participação na
aprendizagem por parte de todos os alunos, independentemente da sua origem cultural,
étnica ou socioeconómica e das suas dificuldades funcionais

A educação inclusiva é de uma importância incomensurável, dado que todos –


independentemente quem sejam, das necessidades especiais de aprendizagem que
manifestem - têm um papel crucial na sociedade. A educação é transversal na vida do aluno.
Os que necessitam de apoio específico devem ser educados em escolas regulares com o
suporte adequado. Para tal mudança significativa nos conteúdos, abordagens, estratégias e
estruturas é necessária.

Em Portugal, a legislação tem sido um pilar essencial em todo este processo. As


escolas, actualmente abarcam uma maior diversidade de alunos, contudo a educação
inclusiva ainda se encontra em desenvolvimento. No contexto escolar, a inclusão é um
desafio que precisa de uma mudança de atitudes e práticas, especialmente quando queremos
a participação activa de todos os alunos, assegurando simultaneamente a efectiva integração
de todas as crianças e jovens na escola. As práticas inclusivas nas escolas dependem das
concepções que professores têm das mesmas. Por isso estudos relativos ao pensamento dos

46
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

professores têm permitido a compreensão da relação entre a prática docente e as suas


representações, as interpretações e os valores (Grácio et al., 2008; Pomar et al., 2008). Uma
formação de professores mais efectiva e eficiente centrada em métodos e estratégias de
avaliação e intervenção inclusiva é urgente (Candeias et al. 2008, 2009). A formação de
professores deve orientar-se para ajudar os professores a desprenderem-se de um ensino
estereotipado, e a tornarem-se mais receptivos aos outros, através da tolerância e da
colaboração. Deste modo estarão mais preparados para um ensino que promova a
contextualização e integração dos saberes, em equipas pluridisciplinares, tornando maior a
capacidade de reconhecer o carácter multidimensional dos problemas e das suas soluções.
Para tal os professores deverão estar capacitados para redefinem os seus planos para uma
educação para a cidadania global, livre de preconceitos e que reconheça e valorize a
diversidade.

Uma escola para todos, é uma escola aberta incondicionalmente a todos os alunos,
logo, inclusiva. Temos que ajudar a formar uma nova geração partindo de um princípio
educativo inclusivo, através de um exercício diário de cooperação e de tolerância,
valorizando a diversidade.

O caleidoscópio necessita de todas as peças que o compõem. Quando se retiram


peças, o desenho torna-se menos complexo, menos rico. As crianças desenvolvem-se,
aprendem e evoluem melhor num ambiente rico e variado, Morin (2001).

6. Referências

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49
O ESTADO DA ARTE EM EDUCAÇÃO INCLUSIVA: O PENSAMENTO DE
PROFISSIONAIS DETENTORES DE BOAS PRÁTICAS

Maria Luísa Fonseca Grácio1; António Borralho1; Adelinda Candeias1; Clarinda Pomar1; Elisa
Chaleta1; Heldemerina Pires1; Jean-Claude DeVreese2; Eva Bernart3; Carmem Negril Falcó4; Jenny
Evans5; Natalia Cabral6; Jane Brodin7; Ana-Lena Ljusberg7
1 2
Universidade de Évora, Centro de Investigação em Educação e Psicologia (PT); Service Général
de L’Inspection/ Inspection de L’Enseignement Spécialisé (BE); 3Center for Special Needs
Education (AT); 4Generalitat de Catalunya. Serveis Territorials a Tarragona (ES); 5Devon County
Council (UK); 6Agrupamento de Escolas Eugénio de Andrade/Paranhos (PT); 7Stockholm Institute
of Education/University of Stockholm (SE)

1. Introdução

A educação fornece uma firme fundação para o desenvolvimento humano individual e


para a sociedade. Por seu turno, as comunidades em sentido lato, representam um dos meios
mais efectivos para o desenvolvimento dos indivíduos. É pois fulcral o aumento da
consciência sobre os direitos e protecção dos indivíduos bem como a criação de meios de
aprendizagem, seguros, ricos, inclusivos e redutores de estigmas.

A educação inclusiva necessita que as escolas mudem no sentido de se tornarem capazes


de responder às necessidades de aprendizagem de todas as crianças numa dada comunidade.
Desta forma, procura-se promover não só os resultados de aprendizagem académica, mas
também o desenvolvimento pessoal e as competências sociais. A nível escolar, o principal
objectivo é portanto o desenvolvimento de escolas efectivas e eficazes para todos. Tal
significava já em 1991 para Ainscow que as escolas vissem os alunos com dificuldades em
aprender como indicadores de uma necessidade de reforma da própria escola.

Se queremos activar mudanças no que concerne a uma educação inclusiva, devemos


partir de um conhecimento da realidade que nos permita conhecer o pensamento, práticas,
vivências e contexto em que ela ocorre, assim como as reais necessidades daqueles que são
elementos chave da sua promoção.

Durante vários anos a educação inclusiva tem vindo a tentar tornar-se gradualmente uma
realidade através de reformas educativas assumindo um conjunto específico de crenças e

50
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

assunções que exigem práticas escolares também diferentes (Carrington, 1999). No entanto,
como afirmam Ainscow, Booth e Dyson “people may be happy to agree on values, say those
concerned with equity and participation, until they start to look in detail at their implications
for practice” (2006, p.3). De facto, a inclusão prende-se não só com o acesso a escolas
regulares por parte de alunos com Necessidades Específicas de Educação, mas também com
a eliminação ou minimização de barreiras limitadoras da aprendizagem e participação de
qualquer aluno (Booth et al., 2002).

Abordamos neste artigo concepções de sala de aula, escola e comunidade inclusivas de


sujeitos de diferentes países europeus considerados detentores de boas práticas de inclusão.
A ênfase primordial é aqui colocada na percepção dos obstáculos, recursos e benefícios que
tais contextos apresentam actualmente ou daquilo que é considerado necessário para que os
mesmos se tornem mais inclusivos.

A escola inclusiva implica mudanças não só das próprias escolas como da sociedade em
geral. De facto, para que as instituições educativas possam responder efectivamente às
necessidades de todas as crianças de uma dada comunidade são necessárias diversas
mudanças. Ora, de que mudanças estamos a falar? Em que consistem tais mudanças aos
olhos de quem vive e experiencia directamente a educação em contexto de sala de aula ou
na comunidade? Que obstáculos, barreiras, benefícios e recursos são percepcionados,
sentidos e vividos pelos actores que tentam implementar uma escola e uma sala de aula
inclusiva na Europa? Estas são algumas das questões alvo de investigação no âmbito do
projecto IRIS (Improvement through Research in Inclusive Schools) cujos resultados
passaremos a descrever.

2. Metodologia

O estudo empírico realizado insere-se numa perspectiva fenomenográfica. Tal


perspectiva tem como principal objectivo investigar as formas qualitativamente diferentes
das pessoas compreenderem um dado fenómeno (Marton, 1986; Linder, & Marshall, 2003).

O fenómeno em foco neste artigo reporta-se, de uma forma geral, à escola inclusiva e à
sala de aula inclusiva e, em particular, às concepções que sujeitos de diferentes países
europeus têm sobre as barreiras, benefícios e recursos existentes ao nível de uma sala de
aula, escola e comunidade inclusivas.

51
O ESTADO DA ARTE EM EDUCAÇÃO INCLUSIVA: O PENSAMENTO DE PROFISSIONAIS DETENTORES DE BOAS PRÁTICAS

2.1.Amostra

Neste estudo participaram 19 sujeitos a quem foram realizadas entrevistas pelos


membros parceiros dos países envolvidos no projecto. Foram entrevistados entre dois a três
sujeitos por parceiro participante no projecto. Na medida em que em Portugal existiam dois
parceiros (Évora e Porto), 31.5% das entrevistas consideradas são de participantes
portugueses e 68.5% pertencentes aos restantes países (Aústria, Bélgica, Catalunha
/Espanha, Reino Unido e Suécia).

Os participantes entrevistados pertenciam ao universo da escola ou comunidade


educativa de um dado país (e.g., professores, técnicos diversos, sujeitos ligados à
administração e comunidade educativa, pertencentes a associações ou ao poder local). O
primeiro sujeito entrevistado foi sempre um professor sinalizado como exemplo de boas
práticas no domínio da inclusão o qual, seguindo o método de “bola de neve”, indicou,
dentro do leque de possíveis entrevistados que ele considerava como detentores de boas
práticas, o próximo sujeito a ser entrevistado.

2.2. Instrumentos e procedimentos

A recolha de dados foi realizada através de entrevistas realizadas individualmente e


audiogravadas.

Na sua totalidade, o guião de entrevista estruturou-se por relação com as seguintes


cinco grandes temáticas ou dimensões:

I. Concepção de escola inclusiva e da política educativa.

II. Sala de aula inclusiva.

III. Barreiras, recursos e benefícios da escola inclusiva, da sala de aula inclusiva e da


comunidade inclusiva.

IV. Estratégias/acções de promoção de uma escola e de uma sala de aula inclusiva.

V. Comunidade (papel e aos contributos da comunidade para a implementação da


escola inclusiva).

52
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

Cada um dos temas acima enunciados englobou entre uma a cinco questões. O tema
objecto do presente artigo (i.e., Barreiras, Recursos e Benefícios) é composto por três
grandes questões: uma relativa às principais barreiras, outra aos principais recursos e outra
aos principais benefícios de inclusão. Cada uma destas questões foi colocada relativamente
a três contextos diferenciados, i.e., relativamente a uma escola inclusiva, uma sala de aula
inclusiva e uma comunidade inclusiva.

As entrevistas foram transcritas na sua totalidade e os dados assim obtidos alvo de


análises qualitativa e quantitativa. Dentro de cada temática foi formada uma unidade sempre
que existia evidência suficiente de que um particular significado completo havia sido
expresso. Assim, dentro de cada questão definimos o que designámos por categorias e sub-
categorias, identificadoras das formas qualitativamente diferentes de caracterizar o
fenómeno em causa.

3. Resultados

O principal foco de atenção do presente artigo reporta-se às barreiras, recursos e


benefícios da escola inclusiva, da sala de aula inclusiva e da comunidade inclusiva. No
entanto, começaremos por aludir, de forma genérica, aos resultados encontrados nas
dimensões “Concepção de escola inclusiva” e “Concepção de sala de aula inclusiva” na
medida em que estes constituem o enquadramento mais amplo da temática em causa.

3.1. Concepções de escola para todos, escola inclusiva e política educativa

A problemática explorada acerca das concepções de escola inclusiva engloba três


temáticas centrais: concepção de escola para todos, concepção de escola inclusiva e
organização educativa da escola.

No cômputo geral da amostra de parceiros, a escola para todos surge


conceptualizada como sendo pautada por valores, acção individualizada e aceitação de todos
os alunos, como promotora de desenvolvimento, construtora de objectivos e sucesso, espaço
de igualdade de oportunidades e resposta a necessidades diferenciadas sendo também
marcada por determinados aspectos relacionais e recursos. De forma residual é também
considerada como inexistente (Grácio et al. 2009ª¸Grácio et al. 2009b).

53
O ESTADO DA ARTE EM EDUCAÇÃO INCLUSIVA: O PENSAMENTO DE PROFISSIONAIS DETENTORES DE BOAS PRÁTICAS

No que respeita às concepções de escola inclusiva ela é maioritariamente considerada


como sendo uma escola que aceita e integra todas as crianças independentemente das suas
problemáticas detendo recursos adequados e sendo igual a escola para todos. Encontram-se
ainda discursos mais ou menos residuais que expressam as ideias de que a escola inclusiva é
marcada por determinadas práticas de ensino e aspectos relacionais, promotora do potencial
e de uma sociedade inclusiva, pautada por determinados valores, respondendo a
necessidades diferenciadas e próxima geograficamente da população que serve

Acerca da relação entre política educativa vigente e promoção da escola inclusiva


observa-se que o discurso dos sujeitos se distribui pelas conceptualizações antagónicas de
que a política educativa não promove ou que, pelo contrário, promove a escola inclusiva. As
conceptualizações mais salientes reportam-se à consideração de que a política educativa
não promove a escola inclusiva e de que os motivos para tal se prendem com obstáculos da
escola e com obstáculos governamentais e legislativos. Menos numerosas são as
verbalizações que expressam a ideia de que a política educativa promove a escola inclusiva.
Os motivos justificativos desta opinião reportam-se à existência de legislação e de
adaptações curriculares

No cômputo geral, observamos que cerca de 81% das verbalizações dos sujeitos acerca
da relação entre política educativa e promoção da escola inclusiva se referem a aspectos que
apontam para fragilidades e obstáculos à realidade de uma escola verdadeiramente
inclusiva. Tal denota a percepção de um contexto social, político, económico e educativo
ainda pouco promotor da mesma por parte de participantes de diferentes países europeus.

3.2. Concepções de Sala de Aula inclusiva

A temática relativa à sala de aula inclusiva foi explorada por relação com as práticas de
ensino, valores centrais na sua promoção, suportes de apoio, crenças sobre a auto-eficácia
das acções docentes e dificuldades de inclusão encontradas em contexto de sala de aula.
Iremos em seguida debruçar-nos, sobretudo, sobre as concepções dos professores acerca de
tais temáticas.

As práticas de ensino consideradas promotoras de inclusão pelos professores reportam-


se a dois contextos: um relativo à sala de aula em geral e outro a práticas de
ensino/aprendizagem. No que concerne a um contexto de sala de aula promotor de inclusão

54
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

surgem como aspectos mais referidos a integração de alunos com dificuldades de


aprendizagem no currículo normal, o respeito pela diferença e a promoção de integração.
Quanto às práticas de ensino/aprendizagem propiciadoras de uma sala de aula inclusiva
destacam-se referências a uma aprendizagem social e a adaptação das aulas aos grupos de
alunos.

No total da amostra destacam-se fortemente o respeito pela diferença e a tolerância


como valores promotores de inclusão.

São técnicos de NEE e de psicopedagogia os mais referidos enquanto apoios


existentes, a par de uma tipologia de trabalho articulada com o professor e encontrando-se
tais técnicos integrados na sala de aula. Os professores consideram-se como eficazes na
promoção de um ambiente de trabalho inclusivo e enquanto modelos de inclusão.

No grupo dos professores, as maiores dificuldades enunciadas prendem-se com a


inexistência ou escassez de recursos humanos especializados, com o elevado número de
alunos por classe e com a necessidade de uma mudança de mentalidade. Já os outros agentes
educativos, que não professores, realçam os obstáculos institucionais, ausência de políticas
educativas adequadas e de recursos especializados e dificuldades de gestão da sala de aula .

3.3. Barreiras, benefícios e recursos da sala de aula, escola e comunidade inclusivas

A) Obstáculos e Barreiras

A análise meramente categorial das entrevistas evidencia os recursos materiais como


a maior barreira ou obstáculo à promoção de uma sala de aula inclusiva (23.5%), seguindo-
se obstáculos ligados a valores e atitudes sociais (20.6%) e a práticas de ensino (11.8%). No
entanto, uma meta análise das diversas categorias identificadas permite encontrar quatro
grandes agrupamentos de significações verificando-se então que a tipologia dos obstáculos
mais enunciados por ordem decrescente é a seguinte1:

• Ensino (i.e., práticas de ensino, comportamentos do professor, aspectos


organizativos da classe, espaço não personalizado) – 38.2%.

• Recursos (i.e., sua ausência) – 23.5%

1
A estas acresce ainda a categoria “Não sabe/não responde” (5.9%)

55
O ESTADO DA ARTE EM EDUCAÇÃO INCLUSIVA: O PENSAMENTO DE PROFISSIONAIS DETENTORES DE BOAS PRÁTICAS

• Valores e atitudes sociais – 20.6%

• Meio sócio-económico e familiar de origem dos alunos – 8.8%

• Aspectos relacionais – 2.9%

Tal constatação traz para primeiro plano a concepção do papel central do professor e
da sua acção na implementação de uma sala de aula verdadeiramente inclusiva.

Os obstáculos mais salientes relativamente a uma escola inclusiva reportam-se,


sobretudo, a recursos (25%), à própria escola (21.4%), a atitudes e crenças (21.4%) e a
práticas educativas (14.3%).

No que respeita a uma comunidade inclusiva os principais obstáculos


percepcionados pelos sujeitos prendem-se com valores e atitudes sociais (31.8%), aceitação
(18.2%), incipientes parcerias com a comunidade e também escassa colaboração
família/escola (cada uma 9.1%).

B) Recursos existentes e necessários

Embora os sujeitos somente tenham sido questionados sobre quais os principais


recursos para a promoção de uma sala de aula, escola ou comunidade inclusivas, o seu
discurso organizou-se em torno de dois eixos de significado: um relativo aos recursos que
consideram existir em cada um dos contextos, e, outro, relativo aos recursos que consideram
necessários à existência ou promoção da inclusão nesses mesmos contextos.

Ao nível da sala de aula inclusiva é referida a existência de diversos recursos


designadamente materiais, espaço, acessibilidades, diferentes profissionais, legislação,
atitudes, colaboração entre professores, práticas de ensino e boas práticas. No entanto, é a
existência de professores especializados, ou de apoio, que poderão prestar ajuda ao
professor titular da turma o recurso mais mencionado como existente (30.8%). O segundo
recurso mais mencionado é de tipo interno, reportando-se a atitudes muito ligadas à vontade
de inclusão (23.1%). Em terceiro lugar, é enunciada a colaboração entre professores também
enquanto recurso presente e promotor de inclusão em contexto de sala de aula (11.5%).

Os recursos considerados necessários para a existência de salas de aula inclusivas


reportam-se à redução do ratio professor /aluno, formação de professores, recursos diversos

56
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

e ambiente de sala de aula. Destes, são os recursos em geral (44.4%) e a formação de


professores (33.3%) aqueles que os participantes consideram mais prementes.

Por sua vez, os recursos considerados existentes na escola inclusiva dizem respeito a
espaços, práticas de ensino, motivação e vontade dos professores, trabalho de equipa,
existência de professores de apoio especializados e legislação. Destes os mais referidos
como existentes para a promoção da escola inclusiva prendem-se com a existência de: (a)
recursos em termos genéricos e professores especializados (cada um 19%); (b) práticas de
ensino e motivação e vontade dos professores (cada um 14.3%); (c) trabalho de equipa de
professores (9.5%).

Mais uma vez os participantes entrevistados apontam, de forma completamente


espontânea, as necessidades que consideram existir para que a escola seja verdadeiramente
inclusiva: (a) recursos (29.4%); (b) mudança de mentalidades e de vontade de inclusão
(cada uma 23.5%); (c) formação de professores (11.8%); (d) formação de pais e dinamismo
de professores (cada uma 5.9%).

Quanto a uma comunidade inclusiva, são referidos quatro tipos de recursos como
existentes: participação da comunidade e assistentes sociais (cada um 22.2%), legislação e
existência de recursos variados (cada um 11.1%). No que concerne aos recursos
considerados como necessários à comunidade inclusiva são apontados valores,
comportamentos e atitudes (37.5%), recursos (25%); aumento de informação sobre inclusão
e necessidade de apoio institucional/de políticas educativas (cada um 12.5%) e planificação
efectiva e vontade e motivação (cada um 6.3%).

Em síntese, para os participantes entrevistados existem já alguns recursos que


contribuem para uma sala de aula, escola e comunidade inclusivas. No entanto, da análise
dos dados ressalta claramente que as necessidades são inúmeras e os recursos
disponibilizados escassos e ainda incipientes.

C) Benefícios da sala de aula, escola e comunidade inclusivas

Na sua globalidade são indicados por ordem decrescente de referências como


benefícios de uma sala de aula inclusiva: o desenvolvimento de valores nos alunos (30.8%),
a individualização da aprendizagem (23.1%), a participação (15.4%), a própria experiência

57
O ESTADO DA ARTE EM EDUCAÇÃO INCLUSIVA: O PENSAMENTO DE PROFISSIONAIS DETENTORES DE BOAS PRÁTICAS

de inclusão e a redução das diferenças (cada uma 11.5%) e, por último, a


interdisciplinaridade (3.8%).

Quanto a uma escola inclusiva, o benefício mais destacado consiste no


desenvolvimento de valores, atitudes e comportamentos (47.8%). São, também, indicados
como benefícios a referência em que a escola inclusiva se pode tornar para a própria
sociedade e o sucesso educativo que promove (cada uma 8.7%). Ainda que de forma
residual, são ainda considerados benefícios de uma escola inclusiva a prevenção de riscos, o
desenvolvimento de cooperação e solidariedade entre professores e o aumento da sua
motivação (cada uma 4.3%).

Os benefícios de uma comunidade inclusiva são entendidos, sobretudo, enquanto


ganhos em termos do desenvolvimento de valores, atitudes e comportamentos (53.3%).
Também neste contexto discursivo uma comunidade inclusiva é entendida como
contribuindo para a criação de um novo modelo de sociedade (13.3%). A redução da
violência e marginalidade e uma escola mais justa são também referidos como contributos
de uma comunidade inclusiva (cada um 6.7%). De um modo geral podemos concluir que os
participantes entrevistados reconhecem que a comunidade tem um importante papel na
construção da escola inclusiva ao nível dos recursos que pode proporcionar, das atitudes e
dos valores. No entanto, não se encontra evidenciada a necessidade de estabelecer parcerias
e aprofundar diálogos mais abrangentes com os vários agentes da comunidade, aspecto que
alguns estudos apontam como fundamentais para o aprofundamento do processo de inclusão
(e.g., Turner, 1996).

Em síntese, os sujeitos entrevistados destacam como o benefício mais relevante da sala


de aula, escola e comunidade inclusivas o desenvolvimento de valores, atitudes e
comportamentos atribuindo-lhes, assim, um papel crucial.

4. Conclusões

“You make it all so complex! In our community school, we all work together. It
is simple. We value and respect each other’” (Comment of an African teacher at the 5th
International Special Education Congress at the University of Manchester, UK,
Carrington & Robinson, 2006, p. 323)

58
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

Os participantes entrevistados, i.e., professores e outros agentes educativos, revelam


uma elevada consciência de que a inclusão se relaciona com valores, cultura escolar e social
e práticas de ensino. No entanto, as implicações de tal observação devem ser entendidas
parcimoniosamente. Por um lado, devido ao tamanho limitado da amostra e às suas
características já que os sujeitos entrevistados foram considerados detentores de boas
práticas de inclusão. Por outro lado, porque tais afirmações precisariam de um maior
aprofundamento. Por último, devido à existência de uma plataforma educativa a dois níveis.
um, relativo à “teoria exposta” pelos educadores (i.e., o que dizem, o que assumem e o que
tencionam fazer); outro, relativo à sua “teoria em uso”, ou seja, às assunções, crenças e
intenções evidenciadas pelo seu comportamento ou pelo emprego do discurso em termos
reais (Carrington, 2000, 2006; Sergiovanni & Starratt, 1988).

Tendo em conta que a passagem da teoria à sua integração e implementação efectiva


leva tempo e que as mudanças preconizadas pela inclusão são profundas, parece-nos
necessário um trabalho de consciencialização das assunções, crenças e teorias daquilo que
em termos privados os professores e agentes educativos e comunitários acreditam acerca de
um ensino inclusivo já que é isso que governa efectivamente os seus comportamentos na
classe ou na comunidade. Aliás, tal é sobejamente reconhecido pelos participantes
entrevistados ao referirem, sistematicamente e simultaneamente, como obstáculos e
necessidades da sala de aula, escola e comunidade inclusivas uma mudança de
mentalidades, valores, crenças, atitudes e comportamentos.

As implicações educativas, no que respeita a uma maior implementação da inclusão,


apresentam algumas similaridades com estudos anteriormente realizados nomeadamente no
que se refere a um maior trabalho de equipa, apoio profissional de ajuda aos professores,
aumento de recursos humanos, materiais e de estudo, turmas menores e desenvolvimento de
atitudes positivas acerca da inclusão (e.g., Heiman, 2001).

Um dos grandes obstáculos percepcionados pelos entrevistados à inclusão diz


respeito ao ensino em si mesmo. De facto, já na década de 90 (Ainscow ,1991; Hopkins,
Ainscow, Southworth, & West, 1994) consideravam que as escolas inclusivas se
caracterizavam pela eficácia do seu ensino fortemente ligada aos seguintes aspectos: (a)
liderança escolar forte e atenta à qualidade do ensino; (b) ênfase na aquisição de
competências básicas; (c) elevadas expectativas acerca dos estudantes e confiança entre os
professores de que conseguem lidar com as necessidades individuais; (d) currículo amplo e

59
O ESTADO DA ARTE EM EDUCAÇÃO INCLUSIVA: O PENSAMENTO DE PROFISSIONAIS DETENTORES DE BOAS PRÁTICAS

implicando experiências para todos os alunos; (e) clima de aprendizagem e ensino seguro e
organizado; (f) apoio ao desenvolvimento individual dos professores; e (g) monitorização do
progresso dos estudantes.

Os resultados obtidos levam-nos a inferir que é necessária uma formação inicial e


contínua que sensibilize e dote os professores de saberes, instrumentos e práticas que lhes
permitam desempenhar o seu papel numa lógica e práticas inclusivas aumentando,
simultaneamente, a sua competência percebida o que influenciará positivamente os seus
comportamentos (Ajzen, 1991).

Embora as estratégias de ensino necessitem de se tornar mais inclusivas, segundo

Ainscow e Miles (2008) o aspecto fulcral não é a introdução de novas técnicas, mas,

sobretudo o fortalecimento de colaboração dentro da escola e entre escolas, ligações mais

estreitas com a comunidade e o estabelecimento de redes entre contextos. A análise global

dos discursos dos sujeitos revela que a grande maioria dos aspectos considerados na

literatura como promotores de inclusão, na prática ainda se encontram numa fase de

implementação minoritária e restrita a determinados contextos e sujeitos não se tendo ainda

alargado à escola enquanto instituição global e muito menos à(s) sua(s) comunidade(s)

envolvente(s).

5. Referências

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61
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A ESCOLA INCLUSIVA: ALGUMAS
PERSPECTIVAS EUROPEIAS

Clarinda Pomar1; Luísa Grácio1; António Borralho1; Adelinda Candeias1; Heldemerina Pires1; Elisa
Chaleta1; Jean-Claude DeVreese2; Eva Bernart 3; Carme Negril Falcó4; Jenny Evans5; Natalia
Cabral6; Jane Brodin7; Ana-Lena Ljusberg7

Universidade de Évora, Centro de Investigação em Educação e Psicologia (PT) 1; Service Général de


L’ Inspection/ Inspection de L’Enseignement Spécialisé (BE)2; Center for Special Needs Education
(AT)3; Generalitat de Catalunya. Serveis Territorials a Tarragona (ES)4; Devon County Council
(UK)5; Agrupamento de Escolas Eugénio de Andrade/Paranhos (PT)6; Stockholm Institute of
Education/University of Stockholm (SE)7

1. Introdução

Com um valor inquestionável em termos éticos, humanos e educativos o conceito de

inclusão foi rapidamente generalizado constituindo-se como um princípio organizador

básico do sistema educativo de muitos países. Porém, o discurso da inclusão não tem,

frequentemente, uma expressão empírica, isto é, a dimensão e a qualidade da prática nas

escolas e nas salas de aula não tem conseguido acompanhar a velocidade com que se produz

legislação sobre inclusão e se discursa sobre os seus benefícios e vantagens. Com efeito,

vários estudos e relatórios europeus (e.g. EADSNE, 2003) têm demonstrado uma

contradição entre os discursos da inclusão e a prática nas escolas, em geral, e nas salas de

aula em particular. Contudo, alguns resultados são, de alguma forma, encorajadores visto

referirem que a inclusão é, verdadeiramente, uma realidade em algumas escolas e salas de

aula europeias (e.g. EADSNE, 2003).

A promoção e efectivação de uma escola mais inclusiva e, consequentemente, mais

eficaz para todos os(as) alunos(as) assenta, em grande medida, na qualidade profissional

dos(as) professores(as) e outros agentes educativos (e.g Bénard da Costa, Leitão, Morgado

62
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

& Pinto, 2006; EADSNE, 2003) que, diariamente, procuram dar resposta aos inúmeros

desafios da inclusão e da equidade, desencadeados pela pluralidade de contextos e situações

bem como pela multidimensionalidade das questões que envolvem a educação inclusiva.

A formação de professores(as), nos seus vários níveis, deve garantir o domínio de

conhecimentos e as competências necessárias para o desenvolvimento de práticas

promotoras de inclusão e, consequentemente, de qualidade educativa. Pensamos,

efectivamente, que a formação de professores(as) e outros agentes educativos é um dos

elementos-chave para enfrentar os inúmeros desafios da escola inclusiva tornando

exequíveis os princípios da equidade e da qualidade que sustentam a educação inclusiva.

2. A perspectiva dos(as) professores(as) e outros agentes educativos

Enquadrada numa perspectiva fenomenográfica cujo principal objectivo é investigar

as formas qualitativamente diferentes das pessoas entenderem um dado fenómeno (Linder &

Marshall, 2003), desenvolvemos uma investigação nos vários países parceiros do Projecto

IRIS (Improvement Trough Research in Inclusive Schools) que, entre outras questões

relacionadas com a Escola Inclusiva, se incluía a recolha de informação acerca da opinião

dos professores(as) e outros agentes educativos sobre os contributos e o papel que a

formação de professores deveria assumir no âmbito da escola inclusiva.

No total foram inquiridos 19 sujeitos, pertencentes ao universo da escola ou da

respectiva comunidade educativa, dos seguintes países: Portugal, Suécia, Espanha, Áustria,

Reino Unido e Bélgica. A selecção dos sujeitos foi realizada através do método de “bola de

neve”, ou seja, cada entrevistado indicava um leque de possíveis entrevistados que ele(a)

considerava detentores de boas práticas.

63
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A ESCOLA INCLUSIVA: AALGUMAS PERSPECTIVAS EUROPEIAS

A recolha de dados foi realizada através de entrevistas individuais audiogravadas. As

entrevistas foram transcritas na sua totalidade, efectuando-se posteriormente análises

categoriais temáticas.

Na generalidade, os(as) entrevistados(as) enfatizaram o importante papel que cabe à

formação de professores(as) (inicial e contínua) no desenvolvimento de conhecimentos e de

competências que lhes permitam compreender e enfrentar os inúmeros e constantes desafios

da escola inclusiva.

Os resultados revelaram que a formação inicial e contínua deve fazer incidir a sua

acção em vários domínios: nas competências pessoais e relacionais, nos conhecimentos e

competências práticas de intervenção na sala de aula, nos conhecimentos acerca de variadas

NEE , nos conhecimentos sobre factores pessoais e sociais envolvidos no desenvolvimento e

na aprendizagem.

(i) Desenvolvimento de competências pessoais e relacionais.

Forma referidas como competências essenciais que facilitam o trabalho em equipa

(com outros professores(as), com outros técnicos e com as famílias), permitem criar um

bom clima de aprendizagem na sala de aula e na escola, e uma melhor cooperação com a

comunidade.

Os entrevistados referiram que a sensibilização para valores como a aceitação da

diferença, a tolerância, a solidariedade, a inter-ajuda, bem como a reflexão sobre o próprio

comportamento são imprescindíveis para que o(a) professor possa estar preparado em

termos pedagógicos e sócio-emocionais para evitar a segregação e a discriminação e

transmitir uma atitude positiva e encorajadora de inclusão, tanto na sua sala de aula, como

na escola e na própria comunidade.

64
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

Consideramos este factor, associado à consciencialização e ao desenvolvimento de

atitudes positivas perante a inclusão, fundamental como elemento formativo, na medida em

que a investigação revela que estas atitudes se reflectem nos comportamentos na sala de

aula (e.g. Leatherman & Niemer, 2005).

Com efeito, a escola não representa apenas uma experiência académica mas sim uma

intensa experiência social e cultural num envolvimento institucional em que os valores

socioculturais se transmitem frequentemente de forma não expressa e geralmente

inconsciente através, não só do que se ensina mas da forma como se ensina e até mesmo

através daquilo que não se ensina, o que geralmente se define pelo conceito de “currículo

oculto” (Bain, 1990). Pela sua inevitabilidade, não intencionalidade e frequente

inconsciência, estas “mensagens” possuem bastante poder o que dificulta ainda mais o

controlo sobre os produtos da actividade educativa. A conceptualização do ensino e da

aprendizagem como processos complexos e multidimensionais é essencial devendo o(a)

professor(a) tomar consciência destes fenómenos e dos meios necessários para os poder

controlar devidamente.

(ii) Domínio de conhecimentos e de competências práticas de ensino.

Neste âmbito foram apontadas variadas questões essenciais como, por exemplo:

metodologia do trabalho em equipa, metodologias de avaliação e de intervenção pedagógica

diferenciadas, domínio de instrumentos de diagnóstico e avaliação; estratégias de gestão da

sala de aula, etc.

Efectivamente, um dos aspectos que parece preocupar mais os(as) professores(as)

são as estratégias para gerir a diversidade dos(as) alunos(as) que têm nas suas salas de aula

(suas características físicas e psicológicas, suas necessidades e interesses, suas capacidades

65
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A ESCOLA INCLUSIVA: AALGUMAS PERSPECTIVAS EUROPEIAS

e potencialidades, suas competências cognitivas, motoras, sociais e relacionais, emocionais,

etc).

Para lidar com a diferença na sala de aula, o(a) professor(a) necessita muitas vezes

de ajuda ou apoio específico que não é constante no quotidiano da sala de aula. Desta

maneira, o trabalho cooperativo entre os vários profissionais envolvidos é crucial no

planeamento das actividades tendo cada professor que ter capacidade de flexibilizar e

adaptar o seu ensino procurando métodos e estratégias alternativas.

Embora seja possível referenciar, em termos gerais, um conjunto de estratégias e de

práticas que se poderão revelar eficazes (ver ponto 3), é sempre necessário proceder a

adaptações em função da singularidade de cada turma ou comunidade educativa. O trabalho

cooperativo entre professores(as) e os vários intervenientes no processo educativo

(outros(as) professores(as) da escola, profissionais de outros serviços de apoio, famílias, etc)

deve ser sempre considerado essencial no planeamento e respectiva avaliação da “melhor”

estratégia.

(iii) Domínio de conhecimentos acerca de variadas NEE.

Neste aspecto, os entrevistados realçaram o desconhecimento que possuem acerca

das múltiplas NEE e a insegurança sobre a eficácia da sua intervenção. Apontaram como

sendo fundamental não só compreender e conhecer bem as características dessas NEE como

as respectivas metodologias específicas de avaliação e intervenção;

No nosso entender, e ao nível da formação inicial, consideramos que estes conteúdos

deverão abordar, fundamentalmente as NEE mais comuns, tal como Rodrigues (2006:6)

sugere:

66
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

Pensamos que a formação deve ser feita em termos das deficiências mais ligeiras (a
esmagadora maioria dos casos que surgem nas escolas regulares) e que todo o conhecimento da
diferença seja integrado numa compreensão da diversidade humana que vai das altas habilidades
até à deficiência e dando a noção que os casos muito difíceis são uma minoria e que na grande
maioria as dificuldades são discretas e leves.

iv) Aquisição e/ou aprofundamento dos conhecimentos sobre factores determinantes

do desenvolvimento e da aprendizagem.

Os(as) entrevistados(as) expressaram necessidades de formação ao nível da

compreensão dos aspectos centrais e críticos do desenvolvimento e da aprendizagem,

principalmente no que diz respeito aos seus processos e dinâmicas. Referiram-se

explicitamente a factores como a personalidade, a motivação, a auto-estima e auto-

confiança.

Relativamente à formação contínua e especializada, os sujeitos referiram a

importância de se desenvolverem conhecimentos e competências técnicas para utilizar os

vários instrumentos de avaliação e diagnóstico. Destacamos ainda o facto de, em referência

a este tipo de formações, ter sido bastante mencionada a importância de se possibilitar a

realização de visitas, seminários e encontros para partilha de conhecimentos, discussão de

questões essenciais e debate de casos concretos. Foi ainda comum a opinião de que o

aperfeiçoamento ou o desenvolvimento de competências técnicas deveria ser possibilitado

através do recurso a especialistas detentores de uma vasta experiência prática.

v) Implicações para a formação de professores

Estes resultados revelam-se bastante enriquecedores da discussão sobre os conteúdos

da formação de professores para a escola inclusiva pois, se por um lado permitem verificar

similitudes nas opiniões entre os sujeitos de vários países, também permitem consubstanciar

67
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A ESCOLA INCLUSIVA: AALGUMAS PERSPECTIVAS EUROPEIAS

e fundamentar os princípios norteadores de qualquer programa de formação de professores,

com dimensão europeia, para a construção da escola inclusiva.

Assim, considerando estes resultados, pensamos que a formação de professores(as)

para a escola inclusiva deverá estruturar-se à volta dos seguintes grupos de conteúdos:

i) Conteúdos de carácter reflexivo (e.g. reflexão e sensibilização para os valores;

reflexão acerca do papel do(a) professor(a), dos(as) alunos(as), do grupo de pares, da

família no processo de ensino e aprendizagem, etc.)

ii) Conteúdos de carácter comportamental e atitudinal (e.g. desenvolvimento de

competências sociais e relacionais, desenvolvimento de atitudes de responsabilização, ajuda

e cooperação; desenvolvimento de uma atitude de inovação, de investigação, etc.)

iii) Conteúdos de carácter teórico e metodológico (e.g. metodologias de ensino

centradas na promoção do potencial individual e na aprendizagem activa; metodologias de

gestão e organização do trabalho em sala de aula; metodologias de trabalho cooperativo e de

intervenção com equipa multidisciplinar, metodologias de avaliação centradas na

diferenciação, etc.)

vi) Conteúdos de carácter especializado considerando as variadas NEE.

Pensamos crucial que a formação de professores envolva não só o desenvolvimento

de conteúdos de carácter especializado e teórico-metodológico mas também o

desenvolvimento de conteúdos de carácter comportamental, atitudinal e reflexivo que

permitam o desenvolvimento de atitudes e de competências psicopedagógicas associadas à

qualidade do ensino e da aprendizagem, num contexto pautado pela diversidade e pela

68
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

pluralidade e que pretende, acima de tudo, respeitar e valorizar as diferenças, potenciando-

as de uma forma que consiga servir a aprendizagem e o desenvolvimento de todos.

3. Estratégias e práticas inclusivas na sala de aula

O domínio de conhecimentos relativamente a estratégias e práticas promotoras de

inclusão na sala de aula foi um dos domínios de intervenção da formação de professores

mais referido pelos inquiridos.

Existe já uma assinalável literatura sobre práticas e estratégias inclusivas em sala de

aula. Com base na análise desta documentação, o projecto IRIS procurou definir ou salientar

um conjunto de práticas e estratégias que poderão constituir-se como referências eficazes.

Contudo, há que ter sempre presente que não existe, propriamente, “receitas” e que cada

sugestão ou estratégia deverá ser devidamente ponderada e adaptada às características do

contexto educativo onde vai ser utilizada.

Somos da opinião que a formação de professores(as) deverá possibilitar o

conhecimento de uma multiplicidade de estratégias desenvolvendo a capacidade de cada

professor(a), em cooperação com o conjunto de actores envolvidos nesse processo

educativo, poder seleccionar e, eventualmente, adaptar a(s) mais adequada(s) à

especificidade do contexto em que trabalha.

Tomando em consideração o relatório da European Agency for Development in

Special Needs Education (2003) produzido com base em inúmeras investigações, podem-se

identificar os seguintes grupos de factores como determinantes das práticas inclusivas:

i) O ensino cooperativo, o que salienta a necessidade imperiosa de se saber trabalhar

em grupo com outros(as) professores(as) ou agentes educativos, dentro ou fora da escola;

69
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A ESCOLA INCLUSIVA: AALGUMAS PERSPECTIVAS EUROPEIAS

ii) A aprendizagem cooperativa (ou tutoria entre pares) sendo, desta forma, essencial

conhecer e dominar uma série de estratégias pedagógicas que a investigação aponta como

eficazes no desenvolvimento dos(as) alunos(as) a vários níveis (cognitivo, social e

relacional e afectivo-emocional).

É relativamente vasta a investigação e a literatura sobre a aprendizagem cooperativa

(e.g. Johnson et. al., 1993; Slavin, 1995) que relata as suas potencialidades educativas, tanto

ao nível individual como por exemplo: nível da motivação para a aprendizagem, tempo de

empenhamento nas tarefas de aprendizagem, atenção, performance na resolução de

problemas, grau de satisfação com a escola, auto-estima, atribuições causais para o sucesso

baseadas no esforço e no empenhamento; como ao nível dos relacionamentos sociais, das

atitudes perante a diferença e sentido de grupo/ comunidade.

Recentemente, podemos destacar os trabalhos de Terpstra e Tamura (2008) sobre as

estratégias de desenvolvimento de competências sociais e os de Bond e Castagnera (2006)

sobre as potencialidades educativas da aprendizagem cooperativa criando condições

favorecedoras do progresso dos(as) alunos(as) a nível cognitivo, social e afectivo. Estes

autores realçam o seguinte:

Peer-to peer relationships are more than an outcome; they are a critical component of the
process of inclusive education. Inclusive education helps us work toward creating a society where
all people are valued. When peers are used to support inclusive education, everyone benefits. (Bond
& Castagnera, 2006:229).

iii) Os agrupamentos heterogéneos e uma perspectiva assente na diferenciação

pedagógica são necessárias para conseguir gerir a diversidade na sala de aula. Este aspecto

traduz-se na necessidade de o(a) professor(a) dominar um conjunto de saberes e de

competências que lhes permita dotar a sua intervenção de flexibilidade e de variabilidade.

70
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

Embora os resultados do relatório da EADSNE (2003:6) refiram que são os

pequenos grupos que incrementam a educação inclusiva, concordamos com a perspectiva de

Rodrigues (2006) segundo a qual existem vantagens em se possibilitarem vários tipos de

grupos de trabalho e de aprendizagem, de forma a que o(a) aluno(a) possa compartilhar

vários tipos de interacção e de identidades: grande grupo, grupos de projecto, grupos de

nível, trabalho a pares e trabalho individual. Todos estes enquadramentos permitem que as

diferentes situações sejam adequadas às diferentes características dos(as) alunos(as) e dos

objectivos do trabalho que se está a desenvolver.

Face aos seus objectivos, a utilização de grupos heterogéneos surge geralmente

associada à própria definição de aprendizagem cooperativa. A heterogeneidade pode ser

considerada mediante vários critérios, definidos, obviamente, em função dos objectivos

educativos que se pretendem atingir com aquele tipo de agrupamento: género, raça, idade,

grupo social, performance escolar, competências relacionais, personalidade, motivação ou

atitude perante esse conteúdo de ensino, etc.

Pensamos que a decisão sobre a utilização de um grupo homogéneo ou heterogéneo

para a realização de uma determinada actividade depende essencialmente dos objectivos

educativos que se pretendem prosseguir com essa situação específica. Claro que não temos a

pretensão de referir que a heterogeneidade é sempre a melhor opção; mas sim que a

heterogeneidade é essencial para a criação de uma comunidade inclusiva. Acima de tudo, há

que entender a escola como um contexto que deverá dar resposta aos interesses e

capacidades individuais mas também como um contexto onde todos(as) alunos(as) deverão

ter oportunidade de aprender a viver em comunidade, promovendo o sentido de pertença, o

companheirismo, a solidariedade e a cooperação (Soodak, 2003).

71
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A ESCOLA INCLUSIVA: AALGUMAS PERSPECTIVAS EUROPEIAS

Por outro lado, não é apenas agrupando os alunos que se conseguem atingir as

potencialidades educativas da aprendizagem cooperativa. Terpstra e Tamura (2008) alertam-

nos para a necessidade de uma intervenção específica para que, por exemplo, crianças com e

sem NEE interajam de forma significativa. O simples contacto ou exposição entre estes dois

grupos de crianças não resulta em atitudes mais positivas ou maior aceitação social de

crianças com dificuldades, sendo imprescindível incorporar um programa de estratégias de

interacção social para que haja resultados positivos. Através destas estratégias de interacção

social as crianças aprendem a interagir umas com as outras, a controlar o seu

comportamento e a apoiar os seus colegas. Entre estas estratégias salienta-se a

sensibilização dos pares para os objectivos que se pretendem alcançar pois é necessária uma

intervenção consciente e activa dos alunos envolvidos.

Existem muitas formas de agrupar os alunos de forma heterogénea, considerando


determinados critérios. Wood (2009:55) apresenta alguns exemplos:

a. Grupos criativos são os que permitem reunir uma maior diversidade de


capacidades académicas e dão liberdade de movimentação entre grupos.

b. Grupos de pesquisa estabelecem-se dando a cada grupo um problema específico


para investigar.

c. Grupos de aprendizagem cooperativa nos quais os alunos trabalham em conjunto


para alcançar um objectivo comum.

d. Grupos de interesses em que se agrupa os alunos através dos seus interesses


pessoais.

iv) A resolução de problemas colaborativa, especialmente quando existe a

necessidade de incluir alunos(as) com problemas comportamentais e relacionais. A

definição clara das regras e dos limites acordados entre todos, a abordagem sistemática dos

comportamentos inapropriados e o uso de incentivos adequados, têm demonstrado

72
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

resultados eficazes. Este aspecto determina a necessidade de o(a) professor(a) possuir

competências relacionais que lhes permita negociar e criar condições para a definição

participada de regras acordadas entre todos os intervenientes.

Os benefícios e as implicações tanto da aprendizagem cooperativa como da

resolução cooperativa de problemas são tanto maiores quanto maior for a cooperação entre

os vários elementos da equipa educativa e, essencialmente, se esta se constituir como uma

estratégia comum nesse contexto educativo.

v) O ensino efectivo, isto é, um ensino caracterizado pelo domínio das competências

e técnicas pedagógicas que a investigação sobre a eficácia pedagógica tem apontado como

propiciadoras de sucesso na aprendizagem. Referimo-nos às competências de avaliação,

planeamento e intervenção propriamente dita em que o(a) professor(a) consegue, por

exemplo, transmitir expectativas elevadas de desempenho, informar com clareza e

objectividade, dar feedbacks individualizados assentes nas reais necessidades dos(as)

alunos(as), criar um clima motivador e encorajador na sala de aula, etc. Implicitamente, este

factor de qualidade está também associado ao uso adequado dos instrumentos de avaliação

disponíveis e ao apoio adicional que poderá ser introduzido através dos planos educativos

individuais (PEI).

Queremos ainda relevar a importância de que se reveste a implementação sistemática

da metodologia de investigação-acção na efectivação da escola inclusiva, pelos seus

atributos ecológicos, objectivos e reflexivos centrados na mudança e na melhoria.

Qualquer profissional comprometido com a educação inclusiva deve desenvolver

uma prática pedagógica pautada pela criatividade e reflexividade numa perspectiva de

formação e inovação permanente. Estes aspectos legitimam-se na capacidade de, no

73
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A ESCOLA INCLUSIVA: AALGUMAS PERSPECTIVAS EUROPEIAS

decorrer da sua acção educativa, identificar problemas, estabelecer relações causais e

procurar formas de resolução possíveis e adequadas à realidade contextual. A investigação-

acção é uma metodologia que cumpre os objectivos de compreender, melhorar e reformar as

práticas implicando uma intervenção mais planeada e cuidada, com um processo rigoroso de

recolha de dados que permita consubstanciar uma reflexão mais acuidada do que aquela que

se faz diariamente.

Isabel Sanches (2005) fundamenta a importância da investigação-acção referindo

que fornece maior capacidade de compreensão do processo de ensino e aprendizagem

desencadeando respostas oportunas, pertinentes e adequadas à realidade. O(A) professor(a)

produz, desta forma, um saber mais contextualizado o que lhe dá maior autonomia na

resolução dos problemas. A investigação-acção terá todas as vantagens em ser um processo

participado incluindo uma intervenção activa dos grupos-alvo de investigação nas análises

críticas, reflexões e tomadas de decisão o que responsabilizará todos os intervenientes pelo

processo educativo (professores, técnicos, alunos e famílias).

4. Conclusão

A pluralidade de questões de natureza ética, sociocultural e académica que envolvem

a escola inclusiva constituem-se como desafios apenas alcançáveis por professores e

professoras com atitudes, conhecimentos e competências pessoais, técnicas e pedagógicas

que lhes proporcionem a capacidade e o poder de ultrapassar as concepções tradicionais do

ensino e da aprendizagem criando contextos de aprendizagem que valorizem a criatividade,

o potencial individual, as interacções sociais, o trabalho cooperativo, a experimentação e a

descoberta. Em suma, contextos de aprendizagem impregnados de qualidade educativa e

favorecedores de sucesso, não só académico mas também pessoal e social.

74
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

O nosso trabalho, desenvolvido no âmbito no projecto internacional I.R.I.S.,

pretende representar um contributo para a reflexão sobre os contributos da formação de

professores(as) para a escola inclusiva, bem um impulsionador da análise e discussão das

estratégias e das práticas favorecedoras de inclusão que poderão ser

utilizadas/experimentadas tanto por professores(as) como por todos os outros profissionais

de educação que lidam e procuram a qualidade da escola inclusiva.

É nosso entender que, embora a acção destes profissionais seja crucial, a

responsabilidade sobre o sucesso da inclusão não pode recair apenas sobre eles, havendo

necessidade de estabelecer acções integradas entre os vários níveis do sistema educativo e

entre os vários sistemas intervenientes (educativo, social, de saúde, político, económico,

etc). Têm que lhe ser proporcionadas condições e recursos (não só legislativos como

espaciais, temporais, humanos e de equipamentos) que lhe permitam desenvolver com

eficácia a sua função e corresponder às expectativas dos jovens que surgem expressas na

Declaração de Lisboa (2007):

Os professores precisam de estar motivados, bem informados e compreenderem as nossas


necessidades. Têm de ter boa formação e perguntarem-nos o que necessitamos; estarem bem
coordenados entre si ao longo do ano lectivo.

Não será tarefa fácil, obviamente, mas acreditamos que será possível!

5. Referências

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

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Wood, J. (2009). Practical strategies for the inclusive classroom. New Jersey: Pearson.

77
PARTE II

EDUCAÇÃO INCLUSIVA: PRÁTICAS


O PAPEL DE FAMÍLIA NA INCLUSÃO ESCOLAR

Heldemerina Pires; Luísa Grácio; Graça Santos; António Borralho; Adelinda Candeias; Elisa
Chaleta; Clarinda Pomar;

Universidade de Évora, Centro de Investigação em Educação e Psicologia (PT)

1. Introdução

O conceito de inclusão assenta sobre a ideia de um desenvolvimento da criança e


do jovem que tenha em consideração, os níveis cognitivo, socio-afectivo e pessoal, por
forma a poder proporcionar uma educação adequada, orientada para o desenvolvimento
das potencialidades da criança.

O conceito de inclusão está, inevitavelmente, ligado à ideia de diversidade. A


diversidade das crianças e das suas famílias corresponde a um dos maiores e mais
importantes desafios da actualidade que não deve ser negligenciado pelo professor e
pelo sistema de ensino de qualquer país. Assim, uma escola que se propõe seguir um
modelo de educação inclusiva deve centrar-se na busca de respostas para a diferença e a
diversidade de todos os que a frequentam.

A escola inclusiva é também um desafio para a organização e funcionamento


dos sistemas de ensino. Neste mesmo contexto, a formação de professores e a de outros
técnicos também se apresenta como um aspecto fundamental. As diferenças ao tomarem
o seu devido lugar e peso, sujeitam os professores a reconhecer e a dar uma resposta
adequada às diferenças sociais, culturais, linguísticas, cognitivas, ao mesmo tempo, que
dão atenção às necessidades de todos os alunos.

Para que as escolas possam responder, verdadeiramente, às necessidades de


todas as crianças é necessária a colaboração de diversas entidades, de técnicos e de
outros agentes implicados no desenvolvimento e educação das crianças e dos jovens.

79
O PAPEL DE FAMÍLIA NA INCLUSÃO ESCOLAR

Uma educação inclusiva é aquela que é capaz de criar e fornecer respostas com
vista a satisfazer as necessidades individuais dos alunos.

Uma escola que adopta o modelo de educação inclusiva tem pela frente uma
tarefa difícil com muitas barreiras e entraves, uma vez que, apesar dos esforços
empreendidos com vista a alteração de políticas educativas e, da existência de algumas
recomendações internacionais, estes não têm resultado numa verdadeira implementação
dos modelos de educação inclusiva. Existe ainda um conjunto de diversos obstáculos.
Uma escola inclusiva exige dos professores, dos outros agentes educativos e da
sociedade em geral mudanças ao nível das práticas, dos valores e das atitudes. E, para
que a escola possa responder, verdadeiramente, às necessidades de todas as crianças é
necessária a colaboração das diversas entidades, técnicos e outros agentes implicados no
desenvolvimento e educação das crianças e dos jovens. É neste sentido, que a família
pode ser considerada como um parceiro privilegiado no desafio que a inclusão escolar
coloca. Ambas, a família, em conjunto com a escola perseguem os mesmos objectivos
de formação, educação e desenvolvimento da criança, do adolescente (do ser humano).
Estas instituições, família e escola, ao longo das últimas décadas têm sofrido profundas
alterações. Relativamente à família, apesar de ao longo das últimas décadas do séc. XX,
ter sofrido alterações profundas ao nível dos valores, no seu modelo e nas suas funções,
a família continua sendo o primeiro contexto de desenvolvimento de todo o ser humano.

Assim, pretende-se a partir de uma perspectiva essencialmente reflexiva, teórica


e conceptual relacionar um conjunto de elementos que se prendem com o complexo
tema do papel da família no contexto da escola inclusiva. Daí a importância de se
trabalhar as relações entre as famílias e a escola levando-as a assumir o seu papel na
inclusão escolar dos filhos.

2. A educação no contexto familiar

A educação no contexto familiar tem sido considerada pelos investigadores em


ciências humanas e sociais como um processo informal com contributos significativos
para o desenvolvimento da criança e para sua adaptação ao meio e à sociedade onde
vive.

80
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

Não há dúvida de que a família surge como o primeiro contexto de


desenvolvimento do ser humano. Ao longo das últimas décadas do séc. XX, como
resultado das grandes mudanças sociais, a família tradicional sofreu e continua sofrendo
alterações profundas ao nível dos valores, no seu modelo e nas suas funções. Contudo,
não deixou de ser o espaço privilegiado para a aprendizagem e a elaboração de aspectos
importantes da interacção com os outros, do desenvolvimento da criança e não só
(Alarcão, 2002). A família continua tendo o efeito estimulador do desenvolvimento na
infância (Raposo, 1987).

O contexto familiar surge, então, como sendo o primeiro espaço onde as crianças
aprendem: a língua, as noções, os conceitos, as atitudes, os valores culturais, as
maneiras de fazer, as maneiras de ser e de estar, as formas de interpretar o mundo; as
formas de agir e as formas de aprender (perguntando, provando, participando em
actividades. Durante muitos anos os pais orientam as aprendizagens dos filhos e a sua
influência é importante uma vez que esta vai configurar as competências cognitivas e
motoras, o equilíbrio pessoal, a relação interpessoal assim como, a sua inserção social.

Acreditamos que todas as alterações verificadas ao longo destes anos, tanto ao


nível da sociedade como ao nível da família, têm contribuído para o surgimento de
dificuldades na própria família assim como, nas diferentes áreas do desenvolvimento
das crianças, dos adolescentes e dos jovens. Quando estas dificuldades são detectadas
no contexto escolar são imediatamente imputadas a uma educação familiar deficiente.
Mas, por outro lado, muitas famílias atribuem as dificuldades que encontram na
educação dos seus filhos a factores sociais. O variado contexto de vivências social e
familiar que envolve a infância e a juventude actual introduz aspectos importantes na
sua formação. Existe na realidade alguma complexidade na relação entre a escola e a
família que pode ser explicada em parte pelo seu carácter multidimensional e pela
natureza dessa colaboração. Contudo, existem várias formas de colaborar e de participar
no processo educativo e de inclusão escolar de uma criança ou adolescente.

Os especialistas na área da educação inclusiva Ainscow e Booth (2003)


Ainscow, Muijs e West, (2006); Doyle, (2008) Salomon e Comeau (1998) Jorgensen,
Schuh e Nisbet (2005) consideram que além da parceria entre família-escola existem
outros factores importantes no processo de inclusão dos alunos tais como: a colaboração
entre os professores do ensino regular e do ensino especial, os programas e planos

81
O PAPEL DE FAMÍLIA NA INCLUSÃO ESCOLAR

educativos bem elaborados e individualizados, equipas de prestação de serviços bem


articuladas e cursos de formação para os técnicos.

Uma relação positiva entre os pais e agentes educativos (professores, educadores


e outros técnicos) contribui, para a adaptação da criança à escola, para um melhor auto-
conceito assim como para uma maior participação dos pais Deslandes e Bertrand
(2005). Este tipo de relação contribui também para que os pais se impliquem e assumam
o seu papel parental e desenvolvam o seu sentimento de competência parental através
do apoio que prestam ao seu filho. Por seu turno os professores também desenvolvem
uma atitude mais positiva relativamente aos pais enquanto educadores Deslandes e
Bertrand (2005); Tilstone e Rose (2003).

O interesse da escola para que as famílias estejam mais presentes na escola dos
seus filhos tem muito a ver com o facto de esta ter subjacente a ideia de que quanto mais
as famílias estão próximas da escola, melhor rendimento escolar e adaptação os seus
filhos apresentam Mastropieri e Scruggs (2000); Salomon e Comeau (1998).

De acordo com Allan, (2007) a forma como a criança percebe a importância que
a família (os pais) atribui à educação e às suas aprendizagens, desempenha um papel
importante no seu sucesso escolar e não só.

Neste contexto particular, do ponto de vista do desenvolvimento da criança e da


educação inclusiva, o papel da família é fundamental na medida em que o sucesso da
criança está muito dependente da acção e da atitude dos pais perante a escola e a
educação.

3. O papel da família na inclusão escolar

Habitualmente, o interesse dos pais pela escola é medido pela freqüência dos
encontros entre professores e pais assim como, pela assistência e presença em reuniões
convocadas pelos professores. Deste ponto de vista poderíamos, seguramente, afirmar
que as famílias que não o fazem não estão envolvidas nem interessadas na escolarização
dos seus filhos. No entanto, consideramos, pois, que a não comparência às reuniões
marcadas pelos professores e directores de turma não são o único indicador do interesse,
do envolvimento e da participação dos pais na escolarização do seu filho. Podemos

82
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

encontrar um conjunto de razões justificativas da não participação dos pais em


actividades da escola Zion, (2009).

Deslandes (1999) num estudo levado a efeito junto dos pais, relativamente ao
cumprimento do seu papel na inclusão escolar, verificou-se que estes consideram,
fundamentalmente, dois aspectos: a participação em casa ao nível da supervisão dos
trabalhos de casa e participação na escola fazendo voluntariado ou estando presente em
reuniões.

Deslandes e Bertrand (2004), consideram que o acompanhamento pelos pais das


actividades da escola em casa é importante e pode apresentar-se como um dos factores
de protecção e de resiliência para a criança. Além disso, quando os pais vão à escola
apreendem a melhor forma de orientar as actividades de aprendizagem dos seus filhos e
procuram ajuda quando percebem dificuldades. Podemos acrescentar que as idas à
escola facilitam a construção de uma relação positiva com os professores Tilstone,
Florian, & Rose (2004).

De acordo com Deslandes (1999) num estudo efectuado junto de adolescentes,


estes consideram que papel dos pais através de variados aspectos. Assim, o mesmo pode
manifestar-se através da expressão de afecto de encorajamento, do apoio ou ajuda na
realização dos trabalhos de casa, através da participação em discussões sobre escolhas a
fazer, da assistência de actividades nas quais as crianças estão envolvidas; a
comunicação com os professores que se traduz na troca de telefonemas ou encontros; as
interacções entre pais e filhos resultantes de questões relacionadas com a escola, com os
trabalhos e os resultados escolares e a comunicação família-escola manifestada pela
presença em reuniões de pais e através da discussão entre pais e filhos sobre a
actualidade ou projectos futuros.

A motivação dos pais em participar assumindo o seu papel no processo de


inclusão do filho resulta na maioria dos casos da percepção dos pais relativamente ao
seu impacto sobre o rendimento escolar dos filhos bem como, sobre a acessibilidade aos
recursos exigidos e também quando percebem que a sua participação na escola é bem
aceite e sobretudo quando compreendem que o seu envolvimento faz parte das suas
responsabilidades parentais Deslandes e Bertrand (2004).

83
O PAPEL DE FAMÍLIA NA INCLUSÃO ESCOLAR

No entanto, existem vários obstáculos à colaboração dos pais que têm a ver com
os horários de trabalho pouco flexíveis, falta de recursos, dificuldades com os
transportes, stress associado à vida do dia-a-dia, barreiras linguísticas e culturais e até
mesmo experiências negativas ao longo da escolaridade dos pais.

Doyle (2008) aponta pelo menos quatro motivos que levam os pais a estarem
pouco envolvidos nas actividades da escola.

A primeira razão é que alguns pais consideram a educação escolar como sendo
algo exclusivo e da responsabilidade dos professores declarando que a escola é quem
sabe, o que a Escola (sistema educativo) espera das crianças e jovens.

A segunda razão apontada revela que a escola é um lugar pouco conhecido, em


todos os sentidos da palavra. Nalguns casos parece evidente a distância entre a escola e
os pais dos utentes da mesma. Assim, o desconhecimento da realidade da escola leva-
nos a pensar que é necessário levar a família à escola e envolve-la cada vez mais no
processo de inclusão do seu filho.

Um terceiro motivo pelo qual os pais participam pouco tem a ver com questões e
problemas levantados nas reuniões com os diversos professores quando tentam explicar
aos pais o que fazem e porque o fazem dessa forma e não de outra.

Geralmente, o que se faz decorre de uma preocupação com a transparência e a


clareza, mas não parece claro que o objectivo seja alcansado por essa via.

A quarta razão, mais evocada é simplesmente a falta de tempo, ou o horário em


que as reuniões são marcadas. Considerando as razões apontadas podemos dai
depreender que as famílias não dispõem todas elas dos mesmos recursos para poderem
participar plenamente na realização do processo de inclusão, pois, certas problemáticas
familiares podem limitar a sua disponibilidade para participarem reuniões e em outras
actividades da escola.

Logo no início da escolaridade dos filhos, os pais preocupam-se com a sua


adaptação e com o seu sucesso escolar. A resposta a essa preocupação é o envolvimento
dos pais que se manifesta sobretudo através do esforço de tutoria e monitorização das
aprendizagens escolares da criança. Este tipo de envolvimento familiar é,

84
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

habitualmente, acompanhado por uma resposta positiva às solicitações da escola


manifestada através de visitas pontuais à escola para obtenção de informações junto dos
professores Jorgensen, Schuh e Nisbet, (2005).

Consideramos que o acompanhamento das actividades escolares feito em casa


pelos pais e, a sua comparência quando convocados pela escola, fazem parte integrante
do exercício das funções parentais, como também são um contributo à realização do
objectivo da escola.

Segundo Conrad e Whitaker (1997) a família é a ancora de um projecto


educativo submetido a numerosos pontos de interferência, nomedamente os
procedimentos administrativos, as alterações de programas, as mudanças de professores
e as passagens de um nível a outro.

O papel dos pais na inclusão escolar é importante quando estes monitorizam as


actividades escolares da criança por um lado e, quando participam e se envolvem em
actividades da escola, por outro lado. Contudo, os pais podem ainda, ter um papel activo
na vida da escola participando nos órgãos da escola e em associações de pais, assistindo
ou estando presente em actividades especiais organizadas pela escola, respondendo aos
questionários ou inquéritos, participando em actividades de trabalho voluntário ou em
pequenas festas. De acordo com Doyle (2008) esta forma de envolvimento na vida da
escola encontra-se até certo ponto associada a uma melhor adaptação da criança à
escola.

A participação nos órgãos da escola permite que os pais colaborem mais


activamente nos processos de decisão sobre assuntos importantes do funcionamento da
escola. Deste modo há a possibilidade de poder exprimir a sua opinião e intervir nas
políticas educativas. Este espaço de participação além de permitir um melhor
conhecimento e tomada de consciência sobre as políticas da escola e, políticas
educativas emanadas do ministério, permite também a troca de experiências e a criação
de laços entre os pais assim como o desenvolvimento de um sentimento de pertença
relativamente à escola.

O papel dos pais pode ainda, tornar-se evidente com a sua participação em
estruturas como as associações de pais onde existe a possibilidade de discutir e resolver

85
O PAPEL DE FAMÍLIA NA INCLUSÃO ESCOLAR

assuntos relacionados com a escola e com os seus filhos. Além disso, os pais têm
lugares de representação no seio de organismos regionais e nacionais aonde podem
exercitar o seu direito de opinião e de voto.

Tal como existem obstáculos ao cumprimento do papel dos pais no processo de


inclusão, também existem alguns elementos facilitadores, nomeadamente, a qualidade
da comunicação que se estabelece entre os diferentes intervenientes nesse processo de
inclusão; a colaboração e a concentração dos agentes educativos nos objectivos
educativos da criança assim como o estabelecimento de uma relação de confiança. De
acordo com estudos efectuados juntos dos pais e dos professores. Os pais consideram
que uma maior confiança no professor passa necessariamente pela relação que o
professor estabelece com a criança. Isto significa que os pais depositam sua confiança
num professor que respeita o seu filho, demonstra interesse, desenvolve um
relacionamento significativo, o gosto pela aprendizagem e que orienta e encoraja. Os
professores consideram e esperam dos pais, a sua colaboração, a comunicação e o
respeito. Assim sendo, a família deve estar receptiva aos convites do professor para
participar em actividades e reuniões e, quando os pais compreendem que a sua
participação no processo de escolarização do filho faz parte das suas funções parentais,
mais disponíveis se apresentam.

É importante reconhecer e partilhar os sucessos, as preocupações e as


inquietações. A partilha de experiências positivas tem o poder de sustentar a motivação
e consolidar o envolvimento no objectivo de inclusão da criança.

4. Conclusão

Ao concluir podemos afirmar que num projecto de educação inclusiva, o papel


efectivo dos pais resulta da colaboração entre a família e a escola. A relação entre a
família e a escola devia ser um elemento transversal a qualquer projecto escolar. Pois, a
família e a escola são ambas espaço de aprendizagem e de socialização contudo fazem
uso de estratégias diferentes para atingirem os seus objectivos.

Juntas, a Escola e a família devem ser complementares para poderem preencher


a sua função educativa que é individualmente inerente a cada uma.

86
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

Nos casos em que os pais parecem não exercer o seu papel, a escola pode
organizar-se no sentido de averiguar as causas do pouco envolvimento procurando, ao
mesmo tempo, saber o que poderia levar os pais a um maior envolvimento. O
levantamento desses aspectos poderia ser feito através de um inquérito distribuído aos
pais com questões que considerem todas as formas de participação na vida escolar.

Claro está, que a educação das crianças e dos jovens é desde o início uma função
da responsabilidade da família o que, de facto, vem reforçar a importância do seu papel
na educação de um modo geral e na inclusão escolar em particular.

5. Referências

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Ainscow, M., Muijs, D. West, M. (2006). Collaboration as a strategy for improving schools in
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Allan, J. (2008) Rethinking Inclusive Education: The philosophers of difference in practice.


Dordrecht: Springer Thomas.

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Deslandes, R. (1999). Une visée partenariale dans les relations entre l’école et les familles:
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Doyle, M. (2008). The Paraprofessional's Guide to the Inclusive Classroom: Working as a


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Jorgensen, C., Schuh, M., & Nisbet, J. (2005). The inclusion facilitator's guide. Baltimore: Paul
H. Brookes Publishing Co.

87
O PAPEL DE FAMÍLIA NA INCLUSÃO ESCOLAR

Mastropieri, M. & Scruggs, T. (2000). The inclusive classroom: Strategies for effective
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Raposo, N. (1987). Educação e tarefas de desenvolvimento. Atlântida, 33, (1), 106-123.

Salomon, A. & Comeau, J. (1998) La participation des parents a l'école primaire trente ans
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Tilstone, C, & Rose, R. (2003). Strategies to Promote Inclusive Practice. London: Routledge
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Tilstone, C., Florian, L. & Rose, R. (2004). Promover a Educação Inclusiva. Lisboa: Instituto
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Zion, S. (2009). Systems, stakeholders, and students: including students in school reform.
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88
CONSTRUINDO PRATICAS EDUCATIVAS INCLUSIVAS:

A PARTICIPAÇÃO DOS ALUNOS NOS PLANOS EDUCATIVOS


INDIVIDUAIS

Elisa Chaleta, Luísa Grácio, Maria João Cortes; Maria José Espírito Santo; Júlio Coincas

Centro de Investigação em Educação e Psicologia - Universidade de Évora (PT)

1. Introdução

Os anos 70 do século XX marcaram o início da implementação das políticas


direccionadas para a diversidade e para a implementação de novas respostas educativas. São
marcantes as várias directivas internacionais, em particular a Declaração de Salamanca de
1994 patrocinada pela Unesco que preconizava a educação para todos e lançava o conceito de
inclusão como a palavra-chave para a reorganização dos sistemas educativos.

O reconhecimento de que a implementação da educação inclusiva é urgente e


importante para a resolução de problemas centrais com que se confrontam actualmente as
sociedades tem levado a sucessivas mudanças legislativas nos vários países que ora se
constituíram como avanços, ora como retrocessos. Os sistemas educativos continuam ainda a
revelar dificuldades em acolher e criar condições de atendimento eficazes face ao aumento
progressivo do número de alunos que necessitam de intervenção específica e a revelar
dificuldades em adoptar conceitos que remetam para a transformação conceptual e,
consequentemente, para o desenvolvimento de práticas educativas inclusivas.

Vários são ainda os obstáculos com que a educação inclusiva se confronta. Um desses
obstáculos continua a ser a terminologia adoptada. Ballard referia em 1995 que enquanto o
termo “especial” continuasse a empregar-se a segregação continuaria a ser uma prática aceite.
Quinze anos após a Declaração de Salamanca continuamos a observá-la nas determinações
políticas, na legislação, na organização das instituições, na literatura da especialidade e nas
práticas educativas sem vislumbrar qualquer questionamento sobre as suas implicações.
Autores como Ballard (1995), Ainscow (1997) e outros defendem que só a adopção de uma
nova terminologia determinará mudanças ao nível das atitudes e dos valores presentes na

89
CONSTRUINDO PRATICAS EDUCATIVAS INCLUSIVAS – A PARTICIPAÇÃO DOS ALUNOS NOS PLANOS
EDUCATIVOS INDIVIDUAIS

sociedade e nos profissionais e, em consequência, poderão surgir práticas inovadoras e


inclusivas, capazes de olhar o sujeito não apenas em função das suas características ou
necessidades actuais mas numa perspectiva de educação ao longo da vida.

Após a Declaração de Salamanca em 1994, que procura tornar mais abrangente e


inclusivo o atendimento às crianças com NEE (Necessidades Específicas de Educação),
determina-se que todas as crianças e jovens devem ter acesso às escolas regulares e que estas
se devem adequar através de uma pedagogia centrada na criança, de modo a combater as
atitudes discriminatórias, a criar comunidades abertas e solidárias e a construir uma sociedade
inclusiva e aberta a todos. Assim se substitui o conceito de integração pelo de inclusão e se
determina que todas as características das crianças passam a constituir o ponto de partida para
a elaboração de um plano adaptado a cada caso específico.

A noção de Escola Inclusiva tem como princípio incluir todas as crianças em idade
escolar, quaisquer que sejam as suas características físicas, sociais, linguísticas, ou outras, e
de aí as manter criando oportunidades de aprendizagem bem sucedidas mediante
diferenciação de estratégias e, sempre que possível reintegrar todas as crianças que dele
estejam excluídas (reforço da importância da vida social e educativa de todos os alunos). Este
conceito gera uma transformação na intervenção educacional, não se remetendo apenas aos
alunos com dificuldades na escola, mas apoiando todos os elementos que constituem a
comunidade educativa de uma forma sistémica (Mantoan, 2000).

Segundo Marchesi e Martin (1990) os alunos têm Necessidades Específicas de


Educação quando “...apresentam um problema de aprendizagem, durante o seu percurso
escolar, que exige uma atenção mais específica e uma gama de recursos educativos diferentes
daqueles necessários para os seus companheiros da mesma idade” (p. 19). Esta definição
remete-nos para um dos aspectos mais relevantes para os alunos que apresentam necessidades
específicas de educação (sejam eles portadores de deficiência ou não) dado que remete para o
processo de avaliação. A avaliação das competências de cada uma das crianças e das suas
necessidades (sobre a qual não nos vamos deter neste ponto) constitui um elemento central
para a elaboração dos PEI (s) - Planos Educativos Individuais que, em última análise, são os
instrumentos que regulam toda a intervenção a realizar com cada criança.

Considerando os PEI(s) como um instrumento fundamental para a promoção do


desenvolvimento e da aprendizagem dos alunos numa perspectiva inclusiva importa, também,

90
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

considerar o papel que os próprios alunos podem ter na planificação do seu próprio processo
de aprendizagem e da sua educação com vista à preparação para uma vida adulta
independente. Na Convenção sobre os Direitos da Criança pode ler-se: as partes tornarão
possível que a criança possa ter as suas próprias opiniões e o direito de expressar livremente
essas opiniões em todos os assuntos que a afectem. As suas opiniões devem ser tidas em conta
de acordo com a sua idade e maturidade (ONU, 1989, artigo12).

Este enunciado pretendia que estivessem garantidos os direitos das crianças a serem
escutadas, sempre que estas tivessem reunidas condições para tal. No entanto nesta vertente
não foram produzidas orientações ao nível da formação de professores pelo que estes
dificilmente consideram formas de participação dos alunos em cada etapa da sua
aprendizagem. Este aspecto remete para a importante questão da motivação dos estudantes
para aprender e para a necessidade de um maior auto-conhecimento dos seus pontos fortes
enquanto aprendizes (Rose, 2003). Mais importantes ainda se tornam estes factores quando
falamos de crianças com necessidades específicas de educação que em muitas situações já
experienciaram situações de fracasso.

2. Método

Considerando a importância dos PEI(s) para as crianças com necessidades específicas


de educação (e tendo em conta a sua obrigatoriedade) uma vez que estes têm como objectivo
central nortear a intervenção educativa e determinar o tipo de apoio que lhes será
proporcionado o trabalho que realizámos visou identificar e caracterizar as componentes
constantes nestes instrumentos de intervenção. Assim, recolhemos 30 PEI(s) em 10 escolas
seleccionadas ao acaso no distrito de Évora os quais submetemos a análise de conteúdo.

3. Resultados

Pudemos verificar que de um modo geral para cada aluno estava desenhado um Plano
Educativo Individual e um Programa Educativo Individual.

No Plano Educativo Individual encontrava-se a informação mais geral sobre os alunos:


identificação do aluno, dados familiares, percurso escolar do aluno, dados de avaliação
(médica, psicológica e académica), nível de aquisições e potencialidades, dificuldades,
medidas anteriormente adoptadas, justificação da necessidade de Regime Educativo Especial,
Regime Educativo a aplicar, especificação das medidas, áreas e conteúdos curriculares

91
CONSTRUINDO PRATICAS EDUCATIVAS INCLUSIVAS – A PARTICIPAÇÃO DOS ALUNOS NOS PLANOS
EDUCATIVOS INDIVIDUAIS

adequados, serviços que o aluno deve beneficiar, avaliação do Plano Educativo Individual e
intervenientes.

O Programa Educativo Individual de cariz essencialmente académico encontra-se


enquadrado pelo Plano Educativo Individual e nele constam: identificação do aluno, situação
educativa, intervenção – Regime Educativo aprovado no plano, áreas/disciplinas do
programa, objectivos gerais da intervenção, avaliação do programa – processos e critérios,
estratégias e recursos específicos, disciplinas/ áreas, objectivos específicos, actividades,
intervenientes e avaliação.

A análise realizada aos planos e programas recolhidos permitiu constatar a presença


das componentes anteriormente referidas de um modo geral. Atribuímos a uniformização
encontrada à legislação vigente que determina quais as componentes que devem integrar tanto
os planos como os programas educativos.

Encontrámos para além dos planos e programas educativos, planos de


desenvolvimento para a intervenção precoce, planos de transição para a vida activa e planos
para apoio à família.

Em nenhuma situação encontrámos referências precisas sobre a participação das


famílias, ou seja, qual a responsabilidade atribuída em termos da sua contribuição para os
planos educativos, para a planificação e participação nas actividades educativas ou na sua
avaliação e em nenhum caso existem referências à participação dos alunos neste processo.

Consideramos que este será um factor que deve ser explorado pela investigação pois
estudos neste domínio mostram que menos de um terço dos professores têm em conta as
opiniões dos alunos e que a sua participação na planificação das respostas às suas
necessidades é insignificante (Wade & More, 1994). A maior parte dos professores adopta
uma posição de autoridade e considera a participação dos alunos como pondo em causa essa
autoridade (Charlton, 1996). Este aspecto torna-se relevante pois investigações realizadas
(Padeliadu, 1996; Rose, 2003) mostram que são consideráveis as vantagens em termos de
motivação para aprender, empenho nas tarefas, aumento de competências em termos de
compreensão e expressão, auto-estima, auto-conceito e clima da sala de aula o que conduz a
maiores progressos em termos de desenvolvimento e aprendizagem e também em termos

92
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

sociais encontrando-se assim favorecido o contexto capaz de proporcionar uma educação mais
eficaz em termos educacionais e acentuadamente mais inclusiva.

4. Conclusões

A análise realizada aos planos e programas educativos mostrou grande uniformidade


nos itens que os constituem, o que atribuímos a determinantes legislativas uma vez que se
encontram descriminados especificamente quais os dados a recolher sobre cada criança. Não
tendo este trabalho como objectivo avaliar a adequação de cada PEI às necessidades de cada
criança torna-se necessário, em estudos posteriores, averiguar se estes constituem
efectivamente um instrumento capaz de promover eficazmente o desenvolvimento e a
aprendizagem das crianças mobilizando os recursos e os intervenientes necessários e se são
efectivamente um contributo para uma educação inclusiva ou um pró-forma requerido pela
legislação.

Consideramos ainda importante, pelas razões referidas anteriormente, averiguar o


contributo das famílias no desenho e desenvolvimento do PEI e também como concebem os
professores a participação dos alunos na construção das respostas às suas próprias necessidades
específicas de educação.

5. Referências

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CONSTRUINDO PRATICAS EDUCATIVAS INCLUSIVAS – A PARTICIPAÇÃO DOS ALUNOS NOS PLANOS
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94
PERCURSOS INCLUSIVOS NO CICLO DE VIDA DA PESSOA COM DIFICIÊNCIA

Vítor Franco

Departamento de Psicologia - Universidade de Évora (PT)

1. Introdução

A inclusão das pessoas portadoras de deficiência é hoje um desafio permanente, e dos


mais complexos, da nossa organização social. Principalmente porque, apesar de tão usado, o
conceito de inclusão não é estático. Não há um momento em que se inicia nem um momento
em que se pode dar por terminado. Por isso faz sentido falar em percursos inclusivos mais do
que em inclusão, porquanto nos dá uma perspectiva de continuidade, com diferentes
momentos, desafios e exigências. Protegendo-nos de cair na tentação de pensar que os
problemas da inclusão das pessoas com deficiência se resolvem definitivamente na escola, no
emprego, ou noutro qualquer momento particular.

Tudo aquilo que se refere á inclusão pode ser entendido numa perspectiva de
desenvolvimento, de mudança e transformação progressiva.

Isso acontece, em primeiro lugar, ao nível do próprio conceito que não é, de forma
alguma, estático nem surge desligado dos movimentos sociais e políticos das últimas décadas.

A mesma perspectiva se aplica, em segundo lugar, ao nível das instituições e das suas
respostas. Podemos dizer que o carácter inclusivo das instituições precede a sua acção. Por
isso não é a educação inclusiva que torna as escolas inclusivas, mas são as escolas inclusivas
na sua concepção que permitem a educar inclusivamente e para a inclusão. O mesmo
acontecendo com todas as respostas para as pessoas com deficiência. As respostas inclusivas
são, afinal, uma maneira de um sociedade inclusiva se organizar para responder, num
determinado momento, às necessidades das pessoas com deficiência. Mesmo as respostas
menos inclusivas, e que hoje tendemos a chamar segregadoras, permitiram construir uma
sociedade mais inclusiva, por exemplo quando permitiram que algumas crianças saíssem de
suas casas e aparecessem á luz do dia recebendo cuidados adequados às sua necessidades.

95
PERCURSOS INCLUSIVOS NO CICLO DE VIDA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Em terceiro lugar temos o que acontece em termos do desenvolvimento individual.


Também aqui o percurso é mais importante do que qualquer das suas fases, e o que o
promove, inibe ou prejudica num determinado momento é decisivo para todo o processo.

Em quarto lugar, os contextos: não há inclusão sem a existência de contextos


inclusivos. Por isso a inclusão não se resolve no acto de publicação das leis ou se impõe pelos
resultados da investigação ou pelo assumir público dos valores sociais inclusivos. Esse será
apenas um nível contextal ou sistémico. No entanto a inclusão é sempre algo a construir,
enquanto projecto colectivo e enquanto projecto pessoal de cada cidadão.

É uma questão de vontade e de desejo, porquanto representa a vontade e o ideal de


maior justiça a igualdade de uma sociedade mas, é simultaneamente um problema ético e de
acção, ou seja, que confronta cada pessoa, individualmente, com uma vivência inclusiva.

2. Bases filosóficas, antropológicas, psicológicas e relacionais da inclusão

A perspectiva inclusiva tem uma sustentação filosófica e antropológica que questiona


a nossa noção de pessoa, de humano, antes de se referir qualquer mudança educativa ou social
em particular.

A concepção de educação inclusiva é indissociável dos grandes movimentos pelos


direitos humanos que, no séc. XX, tiveram impacto na história das sociedades ocidentais,
representados pela aprovação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948.
Como reafirma a Declaração de Madrid (2002), a questão da deficiência e da forma de
encarar a diversidade é, antes de mais, uma questão de direitos humanos.

Esses movimentos estabeleceram a dignidade da Pessoa, a sua definição no que de


mais irrefutável e inabalável possui, consignando assim um valor para a diferença, porquanto
asseguraram o valor do comum, ou seja, a Pessoa. Valor esse que é independente da
quantidade variável das características do individuo ou de algumas delas. Mais hábil ou
menos, mais ou menos eficiente ou funcional, isso não lhe retira ou acresce algo na sua
dignidade e direitos, ou seja, na sua humanidade e cidadania.

Todos são, assim, iguais em dignidade, condição e direitos, mas, ao mesmo tempo,
todos deferindo de algum modo, sendo essa completa diferença que nos assegura como
sociedade de humanos.

96
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

A inclusão só tem razão de ser assente numa perspectiva de Pessoa diferente e em


mudança e no contexto de uma sociedade que pode pensar a diferença como enriquecedora
ou, pelo menos, como parte fundamental e constituinte de si mesma. Até quando esse
diferença, como no caso da deficiência, pode afectar seriamente o funcionamento social de
muitos dos seus membros.

No entanto, se ao nível dos princípios e dos valores já conseguimos um razoável


consenso, se já vivemos numa sociedade que assume os valores da inclusão, o mesmo já não
acontece ao nível dos comportamentos e do quotidiano individual. De facto, a inclusão não é
verdadeiramente um problemas filosófico, mas antes um problema relacional. Por isso não se
resolve em abstracto, nem tem outra forma de se concretizar e atingir os seus fins que não seja
através das relações e interacções que estabelecemos uns com os outros e, neste caso, com as
pessoas portadores de deficiência.

Não há inclusão fora de nós próprios e da nossa atitude inclusiva. Temos necessidade
de transformar as nossas relações com o outro, e, simultaneamente, transformar a nossa
relação connosco próprios. A dimensão ética torna-se assim presente como dimensão de
escuta, atenção e solidariedade. Trata-se de escutar a diferença, de pouco interessando afirmar
a sua existência e os seus direitos se não a podemos escutar, entender e confrontar com ela.

Isto implica também estarmos atentos à nossa própria diferença e diversidade,


desafiarmos os nossos sentimentos face ao outro diferente mas, simultaneamente, os
sentimentos em nós gerados por aquilo que a diferença, nomeadamente a deficiência, provoca
em nós. E, como sabemos, a deficiência suscita em nós dimensões emocionais ameaçadoras,
relativas á imperfeição, à destruição, ameaça e, em última análise, a morte

3 - Percurso inclusivo

A problemática da inclusão não é, por isso, estritamente educativa, e muito menos


escolar. Nem sequer a problemática da Escola Inclusiva é deste tipo. Pelo que faz mais
sentido falarmos de percurso inclusivo do que em inclusão, já que não há um momento a
partir do qual a inclusão se faça nem, muito menos, um momento a partir do qual ela esteja
feita.

Talvez aqui a primeira grande diferença em relação á integração. E talvez seja o


modelo de integração que, muitas vezes, continua a orientar o nosso pensamento mesmo

97
PERCURSOS INCLUSIVOS NO CICLO DE VIDA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

quando falamos de inclusão: num momento determinado a criança acede a outra condição e é
integrada num novo contexto.

Não é assim que se passa com a inclusão. Trata-se antes de um percurso em que aos
diferentes contextos de desenvolvimento é atribuído um papel que é simultaneamente um
desafio fundamental para que cada um, e em especial as pessoas com deficiência (como
outras, por exemplo, pela sua diversidade cultural) possam ser cidadãos plenos e, mais do que
isso, pessoas na sua totalidade ontológica e social.

Por isso a qualidade inclusiva de um qualquer momento ou contexto pode ser


completamente anulado se, antes ou depois, os outros momentos desse percurso de
desenvolvimento não são igualmente inclusivos. Nuns casos será demasiado tarde: se uma
criança viveu a segregação e exclusão no seu desenvolvimento até á entrada na escola, se, por
exemplo, se foi rejeitada pelo sua família e maltratada pelas instituições, será demasiado tarde
para que a escola possa reverter o que de pernicioso aconteceu em momentos decisivos do
desenvolvimento.

Mas também se a capacitação e a promoção do desenvolvimento promovidas pela


escola não tiverem continuidade inclusiva, isso será deitado fora e a criança, ou jovem, pode
cair na mais completa exclusão social.

Por isso, mesmo que quando tratamos de um momento particular do desenvolvimento,


por exemplo na educação, não podemos perder uma perspectiva longitudinal, na qual
podemos delimitar alguns momentos ou dimensões especialmente marcantes.

a) Inclusão familiar

Este percurso inclusivo de cada um começa no nascimento e na família. Na história


individual de cada Pessoa com perturbações do desenvolvimento há um percurso de inclusão
que é, ao mesmo tempo, a história e o desenvolvimento de uma família. Por isso, a família
tem de ser entendida como o objecto primeiro das intervenções dirigidas aos desenvolvimento
do indivíduo. Esse é o primeiro contexto inclusivo e se falhar na sua função tudo o mais
estará posto em questão, exigindo uma compreensão teórica e uma abordagem prática
inclusivas.

98
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

A criança portadora de deficiência, ou que nasce com uma alteração grave do


desenvolvimento, começou por existir, no pensamento e imaginação dos pais como uma
criança bonita e perfeita. Também ela foi desejada e emocionalmente investida. A história da
criança na família começa muito antes do seu nascimento, quando nasce no desejo, fantasia e
imaginação dos pais.

Esse bebé idealizado, criado na fantasia dos pais antes e durante a gravidez, contém as
qualidades iniciais que constituem a pré-história do processo de vinculação (Brazelton &
Crammer, 1989) imprescindíveis ao adequado processo de desenvolvimento. Nesse período
são vividas as esperanças e expectativas de cada família e, ao longo dele, os pais vão
aprendendo a conhecer melhor o seu filho, ainda feto, de tal modo que a vinculação com o
recém-nascido vai assentar nas relações anteriores com esse filho imaginado que foi sendo
conhecido ao longo da gravidez. É no processo vinculativo que se começam a organizar as
qualidades relacionais fundamentais para a vida da criança, que lhe permitirão viver num
contexto afectivo e social que lhe trará segurança, sentido e identidade.

Este bebé idealizado não vive sozinho no pensamento dos pais. Durante a gravidez
também há fantasias destrutivas e medos, geradores de ansiedade e preocupação, e para
entendermos esta pré-história emocional do bebé com deficiência podemos encontrar aqui os
primeiros sentimentos, motivações e ambivalências com que a família se vai confrontar na
altura do nascimento.

Começando por nascer no pensamento dos pais como bebé perfeito e idealizado, a
criança que nasce com qualquer perturbação do desenvolvimento ou deficiência traz sempre
consigo um impacto emocional de desilusão. Desilusão no sentido que esse bebé idealizado,
nunca chega a nascer. A desilusão funda o luto. A perda dos objectos relacionais é sempre
acompanhada de sofrimento emocional e de dor mental. Exige um período de luto, um tempo
durante o qual a perda possa ser elaborada. O que distingue esta situação de luto é que não se
trata efectivamente da perda do ser relacional mas sim do objecto idealizado, representado e
construído, com o qual o processo vinculativo se começou a construir. Mas a criança continua
a estar presente, embora não seja um bebé que possa dar continuidade ao que tinha sido
gerado e crescido na fantasia, mas sim um outro que se tenta impor na sua realidade.

Este o problema básico da inclusão, o momento que marca a diferença. É paradigma


de todas as dificuldades face á inclusão: que fazer com o que não foi desejado e ao mesmo

99
PERCURSOS INCLUSIVOS NO CICLO DE VIDA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

tempo como desprender-se do que não existe mas foi idealizado. É também aqui que radica a
diferença fundamental da inclusão das pessoas com deficiência face a todas as outras forma
de inclusão.

Esta é a questão central do desenvolvimento emocional da família e da inclusão


familiar da criança com perturbações de desenvolvimento. Mais do que a elaboração do luto,
trata-se aqui de saber o que fazer com este bebé.

Se todos os filhos têm de começar por nascer na fantasia e pensamento dos pais, então
só há certamente um caminho para que estas crianças tenham um lugar: nascerem de novo,
serem de novo idealizadas e investidas no pensamento, desejo e fantasia dos pais (e dos
outros).

Está em causa a fertilidade emocional dos pais das crianças com deficiência e como é
que podem conceber um novo bebé ideal, feliz, perfeito e desejado, a partir de um bebé cujas
características, imperfeições ou deficiências não podem ser negadas. Para que estas crianças
se possam tornar objecto sólido e consequente do amor dos pais, tem de haver uma re-
idealização. Se esta não poder ocorrer, subsistirá a dor crónica, o desgosto crónico ou formas
de negação e de evitamento em que a culpabilidade tem sempre uma função altamente
destrutiva. Em qualquer dos casos estarão ameaçados os vínculos (e a inclusão) e o que a
família tende a fazer é gerir o sofrimento, defendendo-se da dor mental, utilizando mecanismo
de defesa mais primários, e tentando lidar com a culpabilidade.

Assim, para poderem ter um lugar na família, (isto é, no seu primeiro lugar e momento
de inclusão) todas as crianças com deficiência têm de nascer duas vezes: enquanto objecto de
desilusão (nascimento real na sua condição de portadora de uma ferida narcísica e emocional)
e nascer de novo no pensamento dos pais, na fantasia verdadeira do seu futuro e das suas
qualidades. Esta re-idelaização, sendo tarefa fundamental, depende de alguns processos
essenciais: a beleza, capacidades e esperança. O primeiro permite gostar, deixar-se cativar
estética e emocionalmente, ver e ver-se no outro. O segundo permite reconhecer capacidades
e competências onde parece só haver incapacidade e limitação. O terceiro permite criar
perspectiva temporal, projectos de futuro e ideais por que lutar.

100
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

As necessidades emocionais da família para ultrapassar a dor e o sofrimento


depressivo passam por este processo de re-idealização pelo que é necessário trabalhar com a
família desde o nascimento (ou mesmo antes). Daí também que o processo inclusivo seja
aqui, como sempre, inequivocamente relacional. A inclusão começa no momento de
identificação da deficiência e na reorganização emocional que comporta. É aí que poderá
começar também o trabalho de apoio às famílias, na maternidade, na neonatologia e na
intervenção precoce. O trabalho inclusivo começa muito antes da escola, jardim de infância
ou creche.

Pais que não são capazes de retomar o seu próprio processo de desenvolvimento são
pais funcionais, ou seja, pouco inclusivos. Aliás isso acontece também com os técnicos com
responsabilidades educativas ou outras; se não constituírem uma boa organização emocional
interna, na sua relação com estas crianças serão sempre técnicos funcionais, ou seja, incapazes
de se situar face à diferença e, por isso, anti-inclusivos.

A inclusão refere-se, nesse momento, a um processo de transformação do contexto


familiar no sentido dessa criança se tornar parte plena de um todo social e afectivo. Por seu
lado, as necessidades funcionais da família passam pela existência de políticas e serviços de
apoio ás suas necessidades básicas: educação, saúde, emprego, políticas sociais e, por tais
respostas serem consideradas como direitos e não, como tantas vezes acontece, de forma
perversa, como direitos da família porque é pobre e não como direitos que lhe advêm pela
deficiência da sua criança. Por ela própria ser uma família portadora de deficiência e, por isso,
também ela ser sujeito de um processo inclusivo. Porque se há não-inclusão dos indivíduos,
também há das famílias, e as que têm algum dos seus membros com deficiência estão
permanentemente ameaçadas de exclusão.

b) Inclusão educativa e escola inclusiva

Num segundo momento do percurso de vida, a inclusão da criança passa pelo seu
processo educativo. O esforço inclusivo tem sido grande nas últimas décadas, especialmente
nos Jardins de Infância, da mesma forma que tem havido grandes mudanças na forma de
encarar e cuidar das crianças com deficiência. Chegámos a uma época em que as sociedades,
através das suas leis, defendem, ou pelo menos enunciam, os seus direitos e a sua dignidade e
é unanimemente aceite que ninguém deve ser marginalizado pelas suas limitações físicas,
sensoriais, intelectuais ou mentais. Até chegarmos aqui, encontramos, numa linha de

101
PERCURSOS INCLUSIVOS NO CICLO DE VIDA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

continuidade, diferentes perspectivas acerca da forma de cuidar, educar e viver dessas


crianças. No entanto, muitas dessas perspectivas coexistem, num mesmo período,
sobrepondo-se.

Colocando-nos no ponto de vista do desenvolvimento da criança, a questão central que


faz a ligação entre essas diferentes perspectivas tem sido a importância reconhecida aos
contextos em que a criança vive. Diferem umas das outras relativamente à identificação de
quais desses contextos serão os mais adequados ao desenvolvimento.

A época da educação especial ou especializada, muitas vezes rotulada, apenas, como


segregada, começou na necessidade de criar melhores contextos para o acolhimento das
crianças. Ainda hoje temos bastantes instituições que funcionam nesta perspectiva. Algumas
foram juntando a intervenção ao acolhimento. As grandes instituições portuguesas para
deficientes, nascidas nas décadas de 60 e 70, acentuavam, de uma forma que era inovadora
para a época, sublinhe-se, a necessidade de lugares especializados e multivalentes: educativos,
terapêuticos e sociais. Falando em termos de contextos de vida, tratava-se de criar condições
de vida social e de aprendizagem, paralelas às das outras crianças, mas que lhe fossem tão
similares quanto possível, onde a criança estivesse bem, cuidada e protegida da segregação
social. Por isso será talvez pouco correcto, ou pelo menos simplista, chamar-lhes apenas
segregadoras, uma vez que tiveram um papel importante no combate à segregação: vieram
mostrar que era possível e desejável que as crianças portadoras de deficiência vivessem,
aprendessem, e recebessem educação, evitando que ficassem fechadas, escondidas e
abandonadas.

Muito rapidamente se concluiu ser desejável que essas crianças tivessem um tipo de
vida tanto quanto possível similar ao das outras crianças. Daqui decorreram duas grandes
implicações em termos de contextos: uma referente à escola e outra aos restantes espaços de
vida. Já não se estava a falar apenas das horas que a criança passava na escola (ou na
instituição) mas da vida real e global: o tempo livre, o desporto, o acesso à cultura, as relações
interpessoais com a família e os pares, etc. Para que a criança com deficiência pudesse ter um
tipo de vida similar ao das outras pessoas, deveriam ser introduzidas na sua vida diária
normas e condições o mais parecidas possível às consideradas como habituais na sociedade.

102
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

O contexto em causa passou a ser o da vida social comum. Tratou-se de alterar as


condições de vida da pessoa com algum tipo de perturbação de forma de se tornar o mais
similar possível às da vida social. Encontramos um primeiro exemplo na separação entre local
de aprendizagem e residência. Esta nova perspectiva trouxe consigo a necessidade dos locais,
espaços e instituições serem adaptados, isto é, transformados de forma a receberem as
crianças com deficiência. Aqui começa o esforço da integração. A integração é assim o
movimento no sentido de colocar a criança com deficiência a viver junto das outras crianças,
das pessoas da sua família e da comunidade. As mudanças necessárias para essa integração
visam sempre que o meio em que a criança se move não lhe seja factor de restrição,
constrangimento ou ameaça.

Do ponto de vista educativo, o princípio da integração aponta para a colocação da


criança com deficiência, ou com necessidades especiais, junto das outras com objectivos
académicos e sociais. Procura-se que também ela tenha o máximo de progresso e
desenvolvimento, assumindo-se que "a colocação conjunta propicia um melhor
desenvolvimento social e académico e reduz o estigma derivado do facto de se ser educado
em ambientes segregados” (Correia, 1997). Torna-se assim necessária a utilização de serviços
educativos diferenciados e ambientes educacionais variados em que a criança possa ser
inserida, um dos quais e o mais desejável será a classe regular. Evitando obviamente que
outros estigmas se criem, decorrentes de novas problemáticas relacionais criada ao trazer
essas crianças para dentro das escolas regulares tal qual já existiam.

Nos Estados Unidos, a Public Law, em 1975, que será talvez o paradigma das
legislações de carácter integrador, apontava para uma educação pública e gratuita para todas
as crianças, assente num plano individualizado de ensino. Defendia: a) a colocação da criança
num meio o menos restritivo possível que pudesse satisfazer as suas necessidades educativas;
b) a garantia de um processo educativo adequado a cada criança em todas as fases; c) a
existência de práticas de avaliação adequadas à condição da criança; e d) a elaboração de
planos educativos individualizados, avaliados e revistos regularmente pelos professores, pais
e órgãos de gestão da escola. Tal perspectiva reconhecia, consequentemente, a necessidade de
uma adequada formação de professores e outros técnicos, do desenvolvimento de materiais
adequados e do envolvimento dos pais no processo educativo da criança.

103
PERCURSOS INCLUSIVOS NO CICLO DE VIDA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Outro documento pioneiro e fundador, o Relatório Warnock, de 1978, identificava


vários tipos de orientação para o carácter integrador da escola, nomeadamente a adaptação
dos programas, através da pormenorização ou desdobramento dos seus conteúdos; a
existência de meios complementares facilitadores do acesso aos conteúdos e actividades do
programa; e a alteração da organização e do clima afectivo da actividade escolar, na sala de
aula, para os alunos com dificuldades de adaptação (Niza, 1996).

Estas e outras iniciativas surgidas a partir do final dos anos 70, mostram-nos como nos
modelos de integração se parte do contexto tal como ele é, considerando-se depois as
mudanças ou adaptações necessárias de forma a poder acolher as crianças com problemas de
desenvolvimento. O esforço pedido é no sentido de haver adaptações: dos espaços, dos
programas, do clima afectivo, dos métodos pedagógicos e de avaliação.

A Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, realizada em 1994,


em Salamanca, aponta para que "as crianças e jovens com NEE devem ter acesso às escolas
regulares que a elas se devem adequar, através de uma pedagogia centrada na criança, capaz
de ir ao encontro das suas necessidades. As escolas regulares, seguindo esta orientação
inclusiva, constituem os meios mais capazes para combater as atitudes discriminatórias,
criando comunidades abertas e solidárias, construindo uma sociedade inclusiva e atingindo a
educação para todos” (Unesco, 1994). Defende ainda que "as escolas se devem ajustar a todas
as crianças, independentemente das suas condições físicas, sociais, linguísticas ou outras (...)
e devem encontrar formas de educar com sucesso estas crianças, incluindo aquelas que
apresentam incapacidades graves” (idem).

Realce-se o “que a elas se devem adequar” ou se devem ajustar. Isso pode ser
entendido tanto de uma forma integradora, se caso a caso a escola faz um esforço para aceitar
uma criança que surge como diferente, não desejada pois induz alguma perturbação mas que é
possível ser cuidada. Só será inclusão se, pelo contrário, a escola começa por pôr em questão
a sua própria natureza, nomeadamente as características intrinsecamente segregadoras das sua
práticas, e até fundamentos, e se prepara para funcionar de uma forma adequada a todas a
crianças independentemente das suas características físicas, cognitivas de desempenho ou
culturais.

104
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

Inclusão implica promover o desenvolvimento global do aluno com deficiência, ou


com NEE, mesmo o que apresenta dificuldades profundas, na classe regular, com apoio dos
recursos especializados que sejam necessários e adequados às suas características e
necessidades (Correia, 1997). O princípio da inclusão apela para uma escola que tenha em
atenção a criança-todo, e não só a criança-aluno, e que respeite níveis de desenvolvimento
essenciais, académico, sócio-emocional e pessoal, por forma a proporcionar-lhe uma
educação apropriada, orientada para a maximização do seu potencial.

Para Lopes (1997) a expressão educação inclusiva "reenvia à ideia segundo a qual,
mais do que integrar no ensino regular crianças que dele estariam excluídas, trata-se de a
escola incluir desde o início todas as crianças em idade escolar, quaisquer que sejam as suas
características físicas, sociais, linguísticas ou outras, e aí as manter, evitando excluí-las e
procurando oportunidades de aprendizagem bem sucedida para todas, graças à diferenciação
de estratégias que se impuser". O princípio fundamental das escolas inclusivas é o de que
"todos os alunos devem aprender juntos, sempre que possível, independentemente das
dificuldades e diferenças que apresentam. Estas escolas devem reconhecer e satisfazer as
necessidades diversas dos seus alunos, adaptando-os aos vários estilos e ritmos de
aprendizagem, de modo a garantir um bom nível de educação para todos, através de currículos
adequados, de uma boa organização escolar, de estratégias pedagógicas, de utilização de
recursos e de uma cooperação com as respectivas comunidades" (Unesco, 1994).

A concepção de educação e de escola de que decorre qualquer modelo de Escola


Inclusiva ao serviço das crianças com deficiência assenta em dois grandes pilares:

a) Uma perspectiva global do desenvolvimento. Isto é, uma escola que se preocupa


com a criança no seu todo, na sua globalidade e que, por isso, não privilegia o sucesso
académico em detrimento do máximo desenvolvimento noutros domínios. Por isso também
não se sente mal quando o sucesso académico de alguns dos seus alunos não pode ser medido
pelos instrumentos e critérios não inclusivos. É ainda uma escola que não está focalizada no
ensino, mas na experiência e na diversidade das aprendizagens, das quais decorre o
desenvolvimento. Isso ultrapassa em muito a resposta fácil que muitas vezes encontramos
relativamente à utilidade da integração para crianças com graves e profundas perturbações do
desenvolvimento quando se diz que “não aprendem, mas é bom para a socialização...”. Esta
utilidade de algo que decorre de um processo relacional não carece de menos intencionalidade
ou menor objectividade e rigor que as aprendizagens. É por isso que a escola inclusiva nunca

105
PERCURSOS INCLUSIVOS NO CICLO DE VIDA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

poderia colocar o problema nesses termos.

b) Uma perspectiva pedagógica diferenciada. Por oposição a uma educação voltada


para o aluno ideal que seria o objectivo último da sua acção educativa. Nem mesmo uma
educação dirigida para o aluno médio, entidade abstracta, muitas vezes confundida com o
conjunto de todos os alunos. Uma educação para todos significa uma educação para cada um
e a possibilidade de cada um fazer os seus próprios percursos de aprendizagem, diferindo
quanto aos ritmos e aos processos.

As escolas, como outros contextos, devem ter características tais que acolham a
diversidade sem necessidades de acréscimo de adaptação. São as suas características e a sua
natureza que a tornam inclusiva e não a sua capacidade de fazer pequenas adaptações ou
correcções à norma. É nesta medida que os contextos de natureza inclusiva se podem tornar
locais de desenvolvimento.

Por isso uma escola inclusiva exige também um sistema educativo inclusivo. Muitas
vezes ouvimos pais de crianças do 1º ou 2º ciclo dizerem, queixando-se do prejuízo que as
crianças com deficiência trazem aos seus filhos: “isso é muito bonito mas se ele depois não
tem notas não entra na Universidade”.

Estes grandes princípios fundadores, que acabamos de enunciar, têm de ter


concretização prática no que se refere à organização da própria escola. Quando, nos anos 90,
trabalhámos na implementação do primeiro jardim de Infância inclusivo em Évora,
encontrámos pelo menos três grandes princípios fundamentais, sem os quais é duvidoso que
se possa haver inclusão. E quando os procurámos passar á prática naquele Jardim de Infância,
verificámos a desconfiança de muitos professores e educadores de outros estabelecimentos
educativos, mais do que dos pais, diga-se.

O primeiro refere-se ao espaço enquanto local comum, com maleabilidade e


diversidade pedagógica. Não é apenas um problema de acessibilidade (de entrada ou de
rampas) mas de um espaço suficientemente diversificado e maleável para poder conter
crianças com comportamentos, capacidades, atitudes, ritmos e interesses muito distintos. O
modelo rígido da sala de aula, ou até o da sala de jardim de infância apertada nos seus
cantinhos, dificilmente resistirá às exigências da diversidade.

106
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

O segundo, refere-se à organização dos grupos de alunos e das turmas. A ideia de


grupo-turma como entidade homogénea, quanto à idade, características ou ritmos de
aprendizagem, é dificilmente compatível com a inclusão. Nessas turmas, a criança com algum
tipo de perturbação do desenvolvimento está sempre, inevitavelmente, de fora, sempre aquém
do aluno médio ou do esperado pelo professor. Só a heterogeneidade propicia um contexto
mais natural e mais promotor do desenvolvimento. O que é valido tanto para as crianças com
perturbações de desenvolvimento, ou NEE, como para todas as outras crianças cujo
desenvolvimento é suscitado pelos seus pares, tanto os que sabem mais como os que sabem
menos.

Um terceiro aspecto fundamental consiste no trabalho de grupo e na partilha de


responsabilidades. O modelo, muito arraigado, do educador ou professor rei e senhor da sua
sala, de porta fechada, não é conciliável com uma prática inclusiva. Ele sozinho nunca poderá
ser o gestor de todas as aprendizagens, assim como a fragmentação por professores de apoio
ao aluno, não promove inclusão. Por mais professores de apoio que haja, nunca se saberá
quem apoiam. Só um trabalho de integração de múltiplos saberes em que todos aprendem
(professores e auxiliares) permitirá construir contextos inclusivos. Essa, aliás, uma das
primeiras objecções que sempre se coloca à organização inclusiva das escolas: o número de
alunos. Quando a questão fundamental é sempre muito anterior a essa: como se diferencia
pedagogicamente o trabalho, seja com 10, com 20 ou 50 alunos.

Estes elementos são indispensáveis para podermos assentar sobre eles a inclusão nos
JI mas também nos níveis seguintes de escolaridade. Não há inclusão sem escolas inclusivas,
e estas definem-se não por terem uma criança com dificuldades de deficiência mas pelo modo
como funcionam independentemente disso, por serem escolas para todos e assentes na
diversidade.

No primeiro ciclo não temos escolas inclusivas (com as excepções raras e conhecidas).
Algumas são boas integradoras e merecem o nosso aplauso e incentivo. Mas inicia-se o ciclo
da segregação, sendo os outros ciclos progressivamente mais segregadores. A escola não é
para todos, é para a média, para os que aprendem bem ou num determinado ritmo, e para os
que se portam bem. Dos outros a escola queixa-se, pune e exclui.

107
PERCURSOS INCLUSIVOS NO CICLO DE VIDA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Este percurso vai-se estreitando até à Universidade. Claro que também aí encontramos
pessoas com deficiências, mas sempre à custa de um esforço pessoal e familiar muito grande e
só quando algumas competências permitem ultrapassar limitações e se encontra uma
conjugação favorável de circunstâncias.

Integração e inclusão são, assim, conceitos muito próximos e muito distantes. De uma
forma simples talvez possamos dizer que há integração quando é preciso mudar alguma coisa
e inclusão quando não é preciso mudar nada. Há integração quando perante o aparecimento de
uma criança portadora de deficiência, ou com qualquer perturbação do desenvolvimento, há
que alterar significativamente o contexto educativo de modo a que ela dele possa participar e
usufruir. Seja alterando os espaços físicos, as tarefas ou as formas de as executar, criando
excepções, etc. Por outro lado, a inclusão será sempre um percurso em que o surgimento de
tal criança diferente não exige alterações substanciais das formas de funcionamento porquanto
pela sua diversidade, maleabilidade e adaptabilidade há condições para que ela usufrua
plenamente desse contexto. O conceito de inclusão difere assim, significativamente, do de
integração no que se refere à adaptabilidade e natureza dos contextos

Possivelmente há que passar por profundas mudanças adaptativas, integradoras, e por


uma cultura de integração, antes de se poder falar em inclusão. Se assim for, não haverá
forma de queimar etapas, isto é, de passar dos funcionamentos "segregados" para os
inclusivos e poderá ser esse um dos impasses que frequentemente encontramos. Não podemos
esquecer que tão segregadora é a escola especial que só tem crianças deficientes como é a
escola dita normal que os não tem, não está preparada para ter, ou quando os tem os segrega
entregando-os a professores ou auxiliares secundários.

O perigo de uma inclusão sem transformação inclusiva, e a sua consequente ineficácia,


conduz à negação da deficiência até as crianças chegaram ao final da idade de escolaridade
obrigatória e o seu surgimento nessa altura, quais cogumelos, não havendo para elas respostas
de qualquer tipo, e muito menos inclusivas.

Poderá ser esse o preço a pagar por um movimento integrador mal concretizado e
sustentado que nunca consiga ganhar significado inclusivo ou que não entende que o processo
inclusivo não se pode localizar num momento nem pode ser protelado para o seguinte.

c) Inclusão social e contextos sociais para o desenvolvimento

108
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

O processo inclusivo não termina no Jardim de Infância, no final da escolaridade


obrigatória ou qualquer outro momento escolar particular. Nem se esgota no percurso escolar.
Se não há educação inclusiva sem escolas inclusivas, também só há inclusão com contextos
inclusivos. Nem haverá educação inclusiva eficaz se se situar apenas nos limites da própria
escola e se esta não poder contar com um conjunto de outros contextos. A mudança social
para a inclusão exige novos espaços de interacção.

Para que o avanço teórico não se torne em obstáculo (por insuficiência inclusiva dos
contextos) há que fazer um esforço sério para a construção de contextos com características
de facto inclusivas. Tais contextos inclusivos não podem ser construídos a partir da
normalidade de um grupo, adaptando-se posteriormente a outro, mas terão nascer de tal forma
que todos aqueles que nele vão interagir e crescer o possam viver de forma igualmente valiosa
mas diferenciada.

As escolas, tal como os centros de reabilitação, os hospitais ou qualquer outro tipo de


instituição social, são limitadas A cultura é inclusiva por definição, porque é do domínio do
comum. Nós vivemos nesses contextos, somos esses contextos, somos cultura. A
heterogeneidade não é segregadora ou empobrecedora. Quanto ao reconhecimento da
importância dos contextos no desenvolvimento psicológico infantil, são de referir as
contribuições pioneiras, cada um em sua época de Winnicott e Bronfenbrenner. Winnicott
(1951/1980) veio mostrar que o contexto relacional precoce tem um impacto enorme no
domínio interpessoal e intrapsíquico. O bebé não pode ser visto isoladamente, do mesmo
modo, a forma como a criança se relaciona com os outros e o mundo deriva, em grande
medida, da sua experiência de nascer num contexto que incorpora diferentes dimensões:
psicológica, fisiológica, geográfica, cultural, etc. Também Bronfenbrenner (Portugal, 1992)
veio mostrar, a outro nível, que os contextos se constituem em elemento fundamental do
desenvolvimento. Apesar da investigação teórica sobre a importância do meio e dos
contextos, há necessidade de mais pesquisa sobre as características inclusivas não só da escola
mas também dos restantes sistemas em que a criança vive. Se a inclusão for apenas escolar
estaremos, por certo, a criar a exclusão noutros níveis.

A Declaração de Madrid (2002) que determinou o Ano Europeu da Pessoa com


Deficiência acentuou que a inclusão social resulta da não descriminação mais a acção
positiva. Como já dissemos, a questão da inclusão e da forma de encarar a diversidade é antes
de mais uma questão de direitos humanos. A sociedade integradora e inclusiva é boa para

109
PERCURSOS INCLUSIVOS NO CICLO DE VIDA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

todos e não apenas os que têm deficiência porquanto uma sociedade que exclua alguns dos
seus membros será sempre uma sociedade empobrecida.

Os contextos inclusivos criam-se e promovem-se. Em primeiro lugar a inclusão


profissional é uma dimensão fundamental no percurso inclusivo que temos vindo a seguir
para as pessoas com perturbações de desenvolvimento Isso exigirá orientação vocacional e
formação profissional (Cardoso, Franco & Reis, 2004) bem delineados e tendo sempre em
vista a plena inclusão no mundo profissional. A inclusão profissional é sem duvida relevante
numa dupla dimensão: na autonomia (económica, nomeadamente) e da realização pessoal. A
própria construção da autonomia com vista á inclusão profissional coloca, a montante,
importantes desafios à própria escola, a que ela muitas vezes não responde e adia para os
sistemas de formação profissional.

Mas os contextos inclusivos têm de se estender a toda a prática social: o desporto, a


cultura, o lazer, o acesso à actividade económica e de cidadania

O desporto tem potencialidades inclusivas muito grandes. Pode proporcionar a


possibilidade de exercitar e competir com iguais e diferentes. Por um lado permite a
valorização pessoal (assim como estilos de vida mais saudáveis) através da competição, por
outro pode potenciar a própria interacção com outros. O desporto é uma dimensão da escola e
da sua prática inclusiva e coloca tanto o problema do acesso á prática desportiva como do
desporto adaptado. É também um problema social mais vasto que tem a ver com clubes,
associações, infraestruras de prática e competição.

O acesso às actividades culturais é igualmente uma reivindicação inclusiva. Quer


enquanto fruição cultural (teatro, cinema, dança) quer enquanto possibilidade de expressão
artística (fazer e exprimir-se através das artes e outras formas de comunicar). De novo tem
uma dimensão escolar e uma extra-escolar que é fundamental acautelar e desenvolver.

O acesso ao lazer e actividades de tempos livres deve ser igualmente equacionada para
a população com deficiência. A questão é sempre: onde é que essas crianças, jovens ou
adultos se encontram, cruzam e interagem com os outros iguais a si e os outros diferentes de
si.

110
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

Os próprios espaços públicos (ruas, cidade, supermercados, estabelecimentos


comerciais) devem ser pensados como promotores ou não da inclusão. Pois estes são os
contextos inclusivos sem os quais a escola inclusiva ficará sempre amputada.

4. Conclusões

A inclusão das pessoas com perturbações de desenvolvimento, mais ainda que um


processo, é um percurso. Percurso de uma vida que coloca permanentemente desafios a si
mesma e a todas aquelas que com ela partilham um mesmo espaço ou relação. Ser um
percurso significa que cada acção tem uma importância particular num ciclo de
desenvolvimento e que o que faz, ou, especialmente, o que não faz, tem consequências no
futuro.

Nesse percurso precisamos de compreender que:

a) A inclusão assenta sobre uma perspectiva de Pessoa e do valor fundamental da


diversidade humana. Implicando uma mudança de mentalidade e atitudes no sentido de uma
sociedade inclusiva.

b) Mais do que um conceito ou mera opção ideológica ou legislativa, a inclusão é uma


opção relacional e emocional, com implicação pessoal, o que significa uma cultura inclusiva e
a opção práticas não discriminatórias.

c ) A inclusão é um processo que se inicia no nascimento e que passa pela capacidade


da família incluir emocional e funcionalmente a sua criança com deficiência. Esse momento é
um ponto chave do processo vinculativo da inclusão familiar e da inclusão da família.

d) A escola tem de ser inclusiva, isto é, para todos, antes de haver educação inclusiva.

e) Não há inclusão sem contextos inclusivos, desde o acesso ao trabalho até à cultura,
lazer, desporto e espaços de cidadania.

Por tudo isso, mais do que falar em inclusão como se fosse uma tarefa a ser resolvida,
especialmente pelos que têm sempre as soluções técnicas e pedagógicas, temos de encarar a
vida das pessoas com perturbações de desenvolvimento como um percurso de inclusão. Em
que cada momento coloca desafios à família e à comunidade, exigindo a criação de
ambientes, contextos e relações de natureza verdadeiramente inclusiva.

111
PERCURSOS INCLUSIVOS NO CICLO DE VIDA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

5. Referências

Brazelton, T.; Crammer, B. (1989). A relação mais precoce. Os pais, os bebés e a interacção precoce.
Lisboa: Terramar

Cardoso, P.; Franco, V.; Reis, T. (2004). Desenvolvimento vocacional de jovens com paralisia
cerebral. Projecto de emprego apoiado em mercado de trabalho aberto. In Taveira, M.C. (coord.).
Desenvolvimento vocacional ao longo da vida. Coimbra: Almedina

Correia, L.M. (1997). Alunos com necessidades educativas especiais nas classes regulares. Porto:
Porto Editora.

Franco, Apolónio (2002). Desenvolvimento, resiliência e necessidades das famílias com crianças
deficientes, Ciencia Psicológica, 8, pp. 40-54.

Lopes, M.C. (1997) .A educação especial em Portugal. Braga: Ed. APPACDM

Niza, S. (1996). Necessidades especiais de educação: da exclusão á inclusão na escola comum.


Inovação, 9 (1,2)

Portugal, G (1992). Ecologia e Desenvolvimento Humano em Bronfenbrenner, Aveiro: Cidine.

Unesco (1994). Declaração de Salamanca e enquadramento da acção – Conferência Mundial sobre


necessidades educativas especiais: acesso e qualidade.Unesco

Riço, M. C. (1998). Contributos para a construção de elementos curriculares a partir das interacções
espontâneas com crianças com Paralisia Cerebral inseridas no jardim de infância. Trabalho de fim
de curso. CESE em NEE. Universidade de Évora

112
O LUGAR DAS COMPETÊNCIAS PESSOAIS E SOCIAIS

NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA DE ALUNOS COM NEE

Ana Choupana, Ana Oliveira, Maria Carapinha & Adelinda Candeias

Universidade de Évora, Centro de Investigação em Educação e Psicologia (PT)

1. Introdução

A população que frequenta as escolas de hoje em dia é cada vez mais diversificada,
sendo constituída por crianças e jovens de diferentes proveniências étnicas, culturas e
socioeconómicas e portadoras de diferentes capacidades e dificuldades (Meadan & Monda-
Amaya, 2008). Para tal, o processo educativo deverá tornar-se flexível e adaptável a todos os
alunos, inclusivo. Neste contexto, os resultados do processo educativo não são um objectivo
em si, mas uma consequência do mesmo e as instituições educativas deverão preocupar-se
com o processo educativo em vez de se concentrarem nos resultados (Sternberg, 2008). O
processo educativo deverá focar-se na formação pessoal e social de todos os alunos, e não só
no ensino-aprendizagem dos saberes tradicionais ao nível da leitura, escrita e matemática.

A escola inclusiva é um espaço e um tempo de desenvolvimento, educação e formação


de todos os alunos, e deverá atender às suas diversidades. Os alunos com necessidades
educativas especiais (NEE) incluem-se nesse universo de diversidades e importa, por isso,
adoptar, uma atitude interventiva de desenvolvimento pessoal e social (Anderson-Butcher,
Iachini & Amorose, 2008). Assim, emerge a necessidade de criar estruturas de intervenção
que promovam e suportem o desenvolvimento de competências sociais, uma vez que parecem
constituir um factor facilitador de inclusão de alunos com NEE, que geralmente apresentam
dificuldades ao nível do desenvolvimento social, como para as crianças que não possuem
qualquer tipo de NEE (Meadan & Monda-Amaya, 2008).

Este capítulo assenta numa revisão da literatura, e começará por esclarecer o conceito
de competência social, de seguida procederemos à revisão de estudos que nos últimos anos
têm justificado a pertinência de apostar numa intervenção educativa focalizada nas
competências sociais. O desenvolvimento de competências sociais em crianças portadoras de

113
O LUGAR DAS COMPETÊNCIAS PESSOAIS E SOCIAIS NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA DE ALUNOS COM NEE

NEE, as linhas orientadoras que emergem de estudos da última década, para a intervenção
com estes alunos e o papel do professor neste processo de intervenção educativa fecham o c e
de outros agentes educativos encerram este capítulo.

2. Competência Social: O Conceito

O conceito de competência social é frequentemente comparado com outros conceitos


como o de habilidade social, comunicação social e comunicação interpessoal (Semrud-
Clikeman, 2007), o que nos conduz a um vasto número de definições e de contradições entre
diferentes autores. Neste sentido, o conceito de competência social tem sido conceptualizado
como a interacção entre o contexto e um conjunto de competências biológicas do indivíduo
(Semerud-Clikeman, 2007). Waters e Sroufe (1983; citados por Chen & French, 2008) dizem-
nos ainda que a competência social é geralmente definida como a capacidade de conseguir
relações sociais de sucesso com um sujeito ou grupo. Está ainda relacionado com o grau com
que o indivíduo se empenha no desenvolvimento de comportamentos pró - sociais, assim
como na sua capacidade de criar e manter relações interpessoais de sucesso (Anderson-
Butcher et al., 2008). Existem inúmeras maneiras de definir competência social. Em geral,
Junttila e colaboradores (2006) referem-se às competências sociais como a capacidade de
fazer e manter resultados sociais positivos, organizando os seus recursos pessoais e
ambientais. Rubin e Rose-Krasnor (1992) definem a competência social como a capacidade
de alcançar objectivos pessoais na interacção social e simultaneamente manter relações
positivas com os outros ao longo do tempo e em todas as situações (Junttila et al., 2006). A
competência social é vista ainda, por alguns autores, como um factor de protecção para o
indivíduo, pois está relacionada com a sua capacidade para uma adaptação favorável
(Cecconello, 1999, cit. por Cecconello & Koller, 2000). Competência social é uma
característica individual que tem em conta a interacção do indivíduo com a família e outras
pessoas significativas.

Podemos referir então que todas as conceptualizações sobre o conceito (embora


evidenciem algumas diferenças) enfatizam a participação activa do sujeito nas interacções
sociais ou a sua iniciativa na criação de interacções sociais, assim como o ajustamento dos
comportamentos sociais em cada situação específica (Chen & French, 2008). Perante as
disparidades existentes na literatura na definição do conceito de competências sociais, este
tem sido diferenciado conceito de habilidades sociais, sendo este último definido como
habilidades específicas que são exigidas para desempenhar com competência uma

114
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

determinada tarefa. Este conceito é ainda descrito como o padrão de comportamentos


socialmente aceitáveis que permitam ao sujeito receber comportamentos de reforço social e de
aceitação por parte do contexto em que está inserido e que evitem situações sociais de
reprovação (Meadan & Monda-Amaya, 2008).

3. Competências Sociais, Desenvolvimento Humano e Realização Académica

A competência social, segundo Lemos e Meneses (2002), na mesma linha do referido,


desempenha um papel fundamental no desenvolvimento humano em geral e no
funcionamento adaptado na escola, afectando as relações com os professores, a aceitação
pelos pares e a realização académica. A competência social refere-se então a um conjunto de
comportamentos aprendidos, socialmente aceites, na medida em que permite interacções
eficazes com os outros e previne relações socialmente inaceitáveis. As crianças capazes de
partilhar, iniciar interacções positivas, ajudar, pedir ajuda quando precisam, pedir por favor e
agradecer, serão bem sucedidas nas suas relações, o que constitui uma das mais importantes
tarefas do desenvolvimento. Em contrapartida, défices na competência social relacionam-se
com baixa realização académica e podem levar a problemas de adaptação futura ou mesmo
psicopatologia (Lemos & Meneses, 2002). A competência social é um assim um conceito lato,
utilizado para descrever o comportamento social, a compreensão e utilização de habilidades
sociais e a aceitação social. Refere-se sobretudo às competências de interacção com o mundo
social, embora se encontrem na literatura definições que incluem neste conceito competências
mais genéricas; estas, geralmente, constituem requisitos básicos para as primeiras. Há mesmo
concepções de competência social tão abrangentes que a vêem como uma capacidade
individual para coordenar recursos. A competência social é para Lemos e Meneses (2002),
como para outros autores já referidos, um construto multidimensional e interactivo. Os
componentes considerados nas várias definições dependem das perspectivas teóricas sobre o
funcionamento e o desenvolvimento social. Analisando a diversidade de definições de
competência social, Dodge (1985) identificou dois factores comuns: a receptividade e
disposição para responder aos estímulos do ambiente (e.g. a atenção, a sensibilidade e a
adequação das reacções próprias às circunstâncias) e a eficácia social (e.g. a habilidade de
interagir eficazmente no ambiente social, especialmente com os pares, por exemplo através de
estratégias de resolução de problemas e habilidades sócio-cognitivas). Estes aspectos comuns
e outros componentes específicos são vistos como interagindo na produção do
comportamento socialmente competente. A competência social não decorre da simples

115
O LUGAR DAS COMPETÊNCIAS PESSOAIS E SOCIAIS NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA DE ALUNOS COM NEE

presença dos seus componentes, mas também das interacções entre eles. Trata-se portanto de
um construto multidimensional, que inclui factores sociais/interpessoais, cognitivos e
emocionais (Lemos & Meneses, 2002).

4. O Caso Específico das Competências Sociais em Crianças/Jovens com NEE

As relações interpessoais, são particularmente importantes para as crianças e jovens


portadoras de NEE, uma vez que podem constituir um factor de risco ou de protecção no seu
desenvolvimento (Murray & Greenberg, 2006). Indivíduos portadores de NEE são mais
susceptíveis a desenvolver distúrbios emocionais e comportamentais do que a população em
geral (Hill & Furniss, 2006). Os problemas de comportamento, que advém normalmente das
dificuldades de interacção social e da rejeição pelo grupo de pares (Meadan & Monda-
Amaya, 2008) constituem a principal barreira à integração das crianças e jovens com NEE ao
lhes dificultar o acesso às oportunidades educativas, profissionais e de lazer (Rojahn, Aman,
Matson & Mayville, 2003). Assim, uma vez que a criança portadora de NEE está mais
susceptível à rejeição pelo grupo de pares e se encontra mais isolada socialmente (Meadan &
Monda-Amaya, 2008), a existência de interacções sociais positivas revela-se pertinente para o
seu processo de desenvolvimento, trazendo-lhe benefícios sociais (Framer et al., 2008). Deste
modo, é importante que crianças portadoras de NEE experimentem relações sociais de
sucesso, na medida em que as crianças que experimentam múltiplos riscos e rejeições em
diferentes domínios estão mais propensas a desenvolver padrões de problemas de
comportamento (Ibidem). Subjaz a este entendimento que ao experienciarem situações de
rejeição pelos colegas e amigos, estas crianças encontram-se mais propícias a se depararem
com problemas a nível social, uma vez que a aceitação pelo grupo de pares é um dos
principais indicadores do ajustamento social (Chen & French, 2008). Além disso, o
desenvolvimento das competências sociais está relacionado com a resiliência nas crianças e
jovens, sendo que o desenvolvimento deste atributo funciona como um factor protector
(Anderson-Butcher et al., 2008), o que parece indicar que quando falamos de crianças
portadoras de NEE este facto revela-se de todo pertinente, já que estas crianças apresentam
geralmente défices no relacionamento interpessoal (Meadan & Monda-Amaya, 2008). Brown,
Odom & Buysse (2002) referem que nas crianças em que persiste uma dificuldade na
interacção com pares e um fracasso no estabelecimento de uma relação positiva entre pares
são consideradas de elevado risco relativamente ao desajuste social. Este aspecto reflecte-se
em particular nas crianças com atrasos ao nível cognitivo e problemas de comportamento. As

116
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

interacções positivas entre pares estão associadas a um reforço no desenvolvimento das


crianças e as dificuldades de interacção entre pares são as primeiras preditoras de um futuro
com problemas ao nível do desenvolvimento de competências sociais (Brown et al., 2002).

Sigman e Ruskin (1999) (citados por Gutstein & Whitney, 2002) desenvolveram um
estudo com adolescentes com autismo que acompanharam desde a pré-escola e que revelou
não houver qualquer evolução nas capacidades sociais dos indivíduos estudados. Num outro
estudo, Bauminger e Kasari (2000) (citados por Gutstein & Whitney, 2002) concluíram que
os adolescentes autistas não percebem nem compreendem os aspectos emocionais
relacionados tanto com a amizade como com a solidão. As amizades de pessoas autistas são
de pouca qualidade e as crianças em questão não ganham sentimentos de segurança e
companheirismo necessários para reduzir o sentimento de solidão. Neste sentido, o
estabelecimento de uma relação positiva entre pares fica bastante comprometida. Um terceiro
estudo, de Green, Gilchrist, Burton e Cox (2000) (citado por Gutstein & Whitney, 2002),
focou-se unicamente em crianças com síndrome de Asperger e comparou esse grupo com
outro formado por crianças com graves doenças de comportamento. Tendo sido verificado
que as crianças com síndrome de Asperger têm as capacidades sociais muito mais diminuídas
que o outro grupo e que ambos os grupos têm elevados níveis de ansiedade, raiva,
pensamentos suicidas, obsessivos e grande tendência para a depressão. Apesar de progressos
significativos noutras áreas, as capacidades sociais nos adolescentes com síndrome de
Asperger permanecem muito pouco desenvolvidas (Gutstein & Whitney, 2002).

Segundo os estudos desenvolvidos por Bruner, (1983), Emde, (1989), Fogel (1993) e
Gottman, (1984), as competências sociais englobam três aéreas que devem funcionar em
conjunto: a segurança na relação; os instrumentos de aprendizagem social; e as relações com
partilha de experiencias. Alguma falha numa destas áreas parece significar um fracasso ao
nível das relações sociais. Na opinião de Gutstein e Whitney (2002), desde os estudos do
Bowly (1969) e do Ainsworth, Bleah, Waters e Wall (1978) a ligação afectiva tem sido o pilar
no desenvolvimento da criança e das suas competências sociais (Gutstein & Whitney, 2002).
Como já foi referido, o papel desempenhado pelo grupo de pares é essencial no processo de
socialização e na construção e competências interpessoais, sendo que o desenvolvimento
dessas competências determina o ajustamento da criança ao longo da vida (Ladd, 1999).
Neste sentido, estudos indicam que o comportamento social da criança é influenciado pelo
desenvolvimento das relações sociais. Assim, as relações sociais problemáticas são explicadas

117
O LUGAR DAS COMPETÊNCIAS PESSOAIS E SOCIAIS NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA DE ALUNOS COM NEE

por um défice nas competências sociais, sendo que esta dificuldade advém da rejeição pelo
grupo de pares (Ibidem).

Outros estudos apontam para o facto de que as crianças adquirem as competências


sociais ou, pelo contrário, défices neste tipo de competências, em contextos de socialização
precoce, como a família (Ladd, 1999). Deste modo, pais que promoveram à criança
oportunidades de interacção com o seu grupo de pares, tendem a que essas crianças no seu
processo de desenvolvimento estabeleçam interacções sociais positivas. Num outro sentido,
estudos indicam que interacções sociais de suporte entre a mãe e a criança, proporcionam à
criança a capacidade de estabelecer relações cooperativas e afectivas com o seu grupo de
pares. Ao invés, as relações precoces determinadas pela insegurança entre mãe e a criança
conduzem a dificuldades no desenvolvimento das competências sociais, assim como são
potenciadoras de problemas de comportamento (Ladd, 1999).

5. O Papel do Professor na Promoção de Competências Sociais

A primeira proposta de intervenção que aqui apresentamos é adaptada de Meadan e


Monda-Amaya (2008) e enfatiza o papel do professor na promoção de competências sociais
no processo de desenvolvimento da criança e jovem portador de NEE. O professor deve criar
um ambiente escolar onde todos os alunos aprendam as competências e estratégias necessárias
para que sejam capazes de resolver problemas que possam surgir a nível social, desenvolver
amizades e aprender a trabalhar cooperativamente com o outro, e consequentemente,
aumentar a sua auto-estima. Neste sentido, o papel dos professores é o de promover o
desenvolvimento social de todas as crianças, criando um ambiente favorável ao processo de
aprendizagem dos alunos (Meadan & Monda-Amaya, 2008).

Assim, para desenvolver a competência social em crianças e jovens portadores de


NEE, os autores propõem uma estrutura ou Sistema de Suporte Social, constituído por três
níveis. O Sistema de Suporte Social centra-se na promoção de um ambiente favorável à
aprendizagem, e tem como principais objectivos: promover um ambiente socialmente aceite,
desenvolver a competência social em todos os alunos e prevenir comportamentos socialmente
inadequados. Para tal, os três níveis que constituem o Sistema de Suporte Social encaram o
ambiente como um todo e são orientados para as necessidades específicas de cada aluno. No
nível 1: estruturar o ambiente, é enfatizada a importância do ambiente geral na sala de aula,
sendo este a base necessária para estruturar um ambiente de suporte social. A prioridade é a

118
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

criação de um ambiente positivo, promovendo oportunidades para o surgimento de


interacções sociais, e assegurando que cada aluno sente que ocupa um lugar na sala de aula.
Assim, o professor deve reforçar os comportamentos adequados, criar oportunidades onde a
criança com NEE experimente um sentimento de pertença na turma (ter o seu próprio espaço
de trabalho, participar nas decisões da turma) e promover actividades que incentivem a
aprendizagem cooperativa entre pares. No nível 2: estratégias específicas para a promoção de
competências sociais, é referida a importância do professor desenvolver instruções
necessárias para o desenvolvimento de competências sociais em actividades específicas na
sala de aula. Estas estratégias baseiam-se na instrução directa e sistemática de actividades
(modelagem, role-play) que permite aos estudantes desenvolver padrões necessários para o
estabelecimento de respostas positivas nos relacionamentos sociais. Por fim, no nível 3:
intervenções individuais, procura-se que as estratégias de intervenção sejam implementadas a
nível individual da competência social do aluno, tendo em conta factores específicos.

6. Conclusão

Embora existam disparidades entre o conceito de competência social e o de habilidade


social (Meadan & Monda-Amaya, 2008) sumarizam ambos os conceitos ao afirmar que as
habilidades sociais são comportamentos que devem ser ensinados, aprendidos e executados
considerando que as competências sociais representam a avaliação destes comportamentos.
Neste sentido, o conceito de competência social pode ser ainda equiparado aos conceitos de
interacção social, competências pró-sociais e competências sócio-cognitivas (Meadan &
Monda-Amaya, 2008). Assim, podemos referir que o conceito de competências sociais está
intimamente ligado ao desenvolvimento de interacções sociais positivas (Anderson-Butcher et
al., 2008) e à participação activa do sujeito nas interacções recíprocas com o seu grupo de
pares, que conduzirá ao seu processo de ajustamento social (Chen & French, 2008).

A habilidade da criança para exercer novos papéis e adequar o seu comportamento e


as suas atitudes a outros contextos é considerada um importante aspecto da competência
social, uma vez que está relacionada com a adaptação a diferentes ambientes. A empatia no
relacionamento com pares e adultos é um aspecto que contribui para a competência social e
transição ecológica da criança (Cecconello & Koller, 2000). Uma criança socialmente
competente é capaz de ser sensível e empática com seus pares, de realizar actividades sociais
positivas, construir relações de amizade e adaptar-se em situações de stress. Deste modo, a
educação para o desenvolvimento das competências sociais nas crianças portadoras de NEE, é

119
O LUGAR DAS COMPETÊNCIAS PESSOAIS E SOCIAIS NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA DE ALUNOS COM NEE

fundamental, pois estas crianças estão mais susceptíveis a experimentar relações interpessoais
de insucesso e rejeição de pelo grupo de pares (Meadan & Monda-Amaya, 2008). Tendo em
conta que a criança com NEE apresenta maiores dificuldades na iniciação de interacções
sociais (Framer et al., 2008) e maior probabilidade de estar sujeita a experiências de rejeição
pelo grupo de pares, tambem está mais susceptível a níveis reduzidos de auto-eficácia e da
confiança no outro, sendo estas capacidades-chave para o desenvolvimento de competências
sociais (Cecconello & Koller, 2000), é importante promover nestas crianças competências
sociais que lhes facilitem a sua adaptação social ao contexto em que estão inseridas. Assim,
parece existir um consenso na literatura no que diz respeito ao facto de que o
desenvolvimento de interacções sociais positivas, para além de promover competências
sociais na criança ou jovem portadora de NEE, promove o seu ajustamento social (Framer et
al., 2008) e diminui a possibilidade de desenvolverem distúrbios emocionais e
comportamentais (Meadan & Monda-Amaya, 2008). O facto de a criança ou jovem
experimentar sucessivamente situações de rejeição e fracasso nas suas interacções sociais,
conduz a um desajuste social e à susceptibilidade de desenvolvimento de problemas de
comportamento (Brown et al., 2002). Neste âmbito, o desenvolvimento de competências
sociais revela-se uma importante estratégia de intervenção para a promoção de suporte social
e para a adaptação social das crianças e jovens portadores de NEE.

Para tal, é importante que as estratégias de intervenção utilizadas se orientem para o


expansão de ambientes socialmente positivos, o desenvolvimento de competências sociais em
todos os alunos e a prevenção de comportamentos socialmente inadequados (Meadan &
Monda-Amaya, 2008), assim como proporcionar a melhoria do funcionamento social da
criança (Vaugh et al. 2003). Ambas as estratégias encontradas na literatura parecem enfatizar
o contexto escolar para a promoção de competências sociais, enfatizando o papel do professor
(Meadan & Monda-Amaya, 2008) e do grupo de pares (Vaugh et al., 2003).

A promoção de competências sociais surge como um factor relevante para as crianças


com ou sem NEE, sendo que desempenham um papel significativo nas suas interacções
sociais e na adaptação social (Framer et al., 2008). Embora ainda se encontre pouco
desenvolvida a discussão acerca da importância do desenvolvimento de competências sociais
na população portadora de NEE, sabe-se que funcionam como preditoras de um bom
funcionamento social para a população em geral (Vaugh et al., 2003), o que parece indicar
que a sua influência também se verifique na população com NEE. Por fim, e atendendo à

120
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

sensibilidade que este tipo de população, especialmente as crianças portadoras de NEE,


apresenta para vivenciar situações de fracasso nas interacções sociais e rejeições pelo grupo
de pares (Brown et al., 2002), revela-se importante o desenvolvimento de competências
sociais que lhes permitam ser activos no processo de interacção social e construtores de
relações sociais positivas e de suporte para o seu ajustamento ao contexto onde estão
inseridas.

Como falamos de crianças, a importância de implementar estratégias que promovam


competências quer lhes permitam lidar com situações sociais geradoras de stress e que lhes
proporcionem capacidades de construir relações sociais de suporte revela-se mais
significativa, uma vez que a intervenção precoce parece estimular tais capacidades,
preparando o seu processo de adaptação ao longo da vida (Meadan & Monda-Amaya, 2008).
Assim, é claramente importante que se desenvolvam estratégias de intervenção com o intuito
de promover as competências sociais, tanto nas crianças portadoras de NEE como nas
crianças sem qualquer tipo de NEE, fomentando um ambiente inclusivo, facilitador de
aprendizagem e promotor de interacções sociais de suporte, tanto na sala de aula como nos
espaços de contacto informal (e.g. intervalos). Neste sentido, afirma-se aqui novamente a
importância da promoção de competências sociais nas crianças portadoras de NEE, enquanto
facilitadoras do seu processo de desenvolvimento e bem-estar (Chen & French, 2008).

No que concerne às estratégias de intervenção apresentadas com o intuito de promover


competências sociais nas crianças, parece-nos pertinente que estas possam ser aplicadas na
prática educativa, uma vez que parecem trazer benefícios tanto para as crianças com NEE´s
como para aquelas que não possuem qualquer tipo de NEE. Assim, as estratégias apresentadas
no presente artigo revelam-se importantes para a prática inclusiva nos contextos escolares que
integram crianças portadoras de NEE, na medida em que proporcionam a estas crianças o
desenvolvimento de competências que lhes permitam construir interacções sociais positivas
com o seu grupo de pares, promovendo assim a sua adaptação; para as crianças sem NEE, as
mesmas estratégias contribuem para o desenvolvimento de competências que lhes
possibilitem igualmente interagir com os seus colegas, construindo comportamentos baseados
na aceitação do outro.

Neste âmbito, no que concerne a implicações futuras, salientamos que as estratégias


aqui reunidas a partir dos trabalhos de Meadan e Monta-Amaya (2008) e de Vaught e
colaboradores (2003) poderão constituir um suporte para aplicação na prática educativa,

121
O LUGAR DAS COMPETÊNCIAS PESSOAIS E SOCIAIS NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA DE ALUNOS COM NEE

enfatizando o trabalho cooperativo entre os vários agentes educativos (professores e outros


agentes educativos). Em termos educativos, o desenvolvimento de competências sociais em
todos os alunos, constituirá um factor facilitador imprescindível para ambientes inclusivos
efectivos nas escolas portuguesas, promotores de aprendizagem para todas as crianças.

7. Referências

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122
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

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123
INTERVENÇÃO INCLUSIVA

REFLEXÕES A PARTIR DE UM CASO PRÁTICO

Mónica Rebocho; Adelinda Candeias; Marta Peniche; Paula Baldeira; Sandra Lagartixo

Centro de Investigação em educação e Psicologia – Universidade de Évora (PT)

1. Introdução

A mudança com que nos deparamos na escola actual requer práticas que ajudem os
professores a desenvolver estratégias passíveis de responder a essa mudança. As respostas a
estas necessidades passam necessariamente pela compreensão do aluno, quer em termos das
suas necessidades quer das suas potencialidades. As concepções teóricas sobre o
funcionamento da cognição humana, nomeadamente as propostas de Sternberg e Grigorenko
(2003) e de Gardner (1999) trazem contributos fundamentais para olharmos o aluno em
função do seu potencial, e concebermos as práticas educativas como formas de promover o
desenvolvimento desse potencial. Nesta perspectiva a inteligência é olhada como uma forma
de desenvolvimento em acção, ou uma competência, e o professor é um mediador
fundamental nesse processo. Esta mudança implica um novo olhar sobre o aluno e sobre as
funções do professor, como procuraremos explicitar neste capítulo.

2. O Conceito de Necessidades Educativas Especiais

Este termo aparece pela primeira vez no relatório Warnock (1978) e inspira mais tarde
em Inglaterra a nova Lei de 1981 (Jiménez, 1993). O conceito de N.E.E. é muito importante,
considerando-se que uma criança tem Necessidades Educativas Especiais quando tiver
alguma Dificuldade de Aprendizagem que requeira uma medida educativa especial (idem).

O conceito de Dificuldade de Aprendizagem retrata um objecto controverso e ainda


pouco consensual (Fonseca, 1999 in Dificuldades de Aprendizagem, p. 11). Esta problemática
complexa pode muitas vezes ser susceptível de se transformar numa injustiça escolar ou numa
desigualdade social, culminando numa situação frustrante para o futuro de muitas crianças.

124
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

Portanto, é essencial para o futuro das dificuldades de aprendizagem que seja elaborada uma
definição globalmente aceite (Kavale, Forness & Lorsbach, 1991; Hammill, 1990, cit. por
Vítor Cruz. p. 51) pois de contrário continuarão a surgir confusões entre os profissionais, os
parentes e legisladores acerca de (1) quem tem e não tem dificuldades de aprendizagem e até
(2) se as dificuldades de aprendizagem realmente existem (Hammill, 1990, cit. por Vítor
Cruz. p. 51). Importa salientar que as definições marcantes do conceito de Dificuldades de
Aprendizagem podem ser classificadas em três categorias principais: lesão cerebral,
disfunção cerebral mínima e dificuldades de aprendizagem (Mercer, 1994; Correia, 1991 e
Kirby & Williams, 1991, idem, p.52). Das múltiplas definições dos diversos autores, salienta-
se uma definição escolhida que procura ser consensual:

Dificuldades de Aprendizagem é um termo geral que se refere a um grupo heterogéneo


de desordens manifestadas por dificuldades significativas na aquisição e uso da audição, fala,
leitura, escrita, raciocínio, ou habilidades matemáticas. Estas desordens são intrínsecas ao
indivíduo, presumivelmente devem-se a disfunções do sistema nervoso central e podem
ocorrer ao longo da vida. Problemas na auto - regulação comportamental, percepção social e
interacção social podem existir com as dificuldades de aprendizagem mas não constituem por
eles próprios uma dificuldade de aprendizagem. Embora as dificuldades de aprendizagem
possam ocorrer concomitantemente com outras condições desvantajosas (handicapping) (por
exemplo, dificuldades sensoriais, deficiência mental, distúrbios emocionais sérios) ou com
influências extrínsecas (tais como diferenças culturais, instrução insuficiente ou
inapropriada), elas não são o resultado dessas condições ou influências (NJCLD, 1994: 65-66,
ibidem).

O conceito de Necessidades Educativas Especiais vem responder à gradual


democratização das sociedades, partindo do postulado da filosofia da integração e
proporcionando uma igualdade de direitos, nomeadamente no que toca à não discriminação
por questões de raça, religião, opinião, aspectos intelectuais e físicas, a toda a criança e
adolescente em idade escolar (Correia, 1997). Há uma necessidade educativa especial quando
um problema (físico, sensorial, social ou qualquer combinação destas problemáticas) afecta
a aprendizagem ao ponto de serem necessários acessos especiais ao currículo, ao currículo
especial ou modificado, ou a condições de aprendizagem especialmente adaptadas para que
o aluno possa receber uma educação apropriada (Brennan, 1988, p.36. cit. por Correia,
1997). Esta concepção vai de encontro ao postulado defendido pelo Warnock Report (1978),

125
INTERVENÇÃO INCLUSIVA
REFLEXÕES A PARTIR DE UM CASO PRÁTICO

o qual se refere ao conceito de N.E.E., enfatizando o nível de problemas para a aprendizagem,


com uma classificação de ligeiros e temporários a severos e permanentes. Correia (1993, cit.
por Correia, 1997) refere-se ao conceito de N.E.E., aplicando-o não somente a crianças e
adolescentes com problemas sensoriais, físicos, intelectuais e emocionais, mas engloba
também neste conceito as Dificuldades de Aprendizagem, as quais são passíveis de derivar de
factores orgânicos ou ambientais.

Outros estudos indicam que as crianças e os jovens com Dificuldades de


Aprendizagem representam a maior parte de crianças com N.E.E. do sistema escolar
(Fonseca, 1999, cit. por Cruz 1999). Portanto, o conceito de Dificuldades de Aprendizagem é
parte integrante de um conceito mais amplo – o conceito de Necessidades Educativas
Especiais, o qual, a partir do Warnock Report (1978) ganha relevo e reforça o papel da escola
e do professor do ensino regular, no que concerne à responsabilização da educação das
crianças com Necessidades Educativas Especiais (Costa, 1996). O Warnock Report veio,
deste modo, deslocar o enfoque médico nas deficiências para o enfoque na aprendizagem
escolar de um currículo ou programa. O referido relatório tem subjacentes três categorias:

- A necessidade de se encontrarem os meios adequados de acesso ao currículo.

- A necessidade de alguns alunos poderem usufruir de um currículo especial ou


modificado.

- A necessidade de dar uma peculiar atenção ao contexto educativo, onde se desenrola


o processo de ensino/aprendizagem. (Bairrão et al, 1998).

Em 1994, surge um grande marco para as N.E.E. – A Declaração de Salamanca a qual


proclama “a Escola Para Todos” ou “Escola Inclusiva”, defendendo o direito de crianças e
jovens com N.E.E. ao acesso às escolas regulares e também ao facto que deve ser a escola e
os professores a adequarem-se e serem capazes de ir ao encontro dessas necessidades
(Unesco, 1994). As crianças e jovens com N.E.E. devem ter acesso às escolas regulares, que
a elas se devem adequar e (…) ser capazes de ir ao encontro dessas necessidades. (Unesco,
1994, p.8). Portanto o conceito de N.E.E. torna-se mais amplo e os tipos de N.E.E. aparecem
divididos em dois grandes grupos:

Permanentes (exigem adaptações generalizadas do currículo, adaptando-o às


características do aluno, as quais se mantêm na maior parte do percurso escolar do mesmo.

126
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

- Temporárias (exigem modificação parcial do currículo adaptando-o às características


do aluno em dado momento do seu desenvolvimento) (Correia, 1997).

Actualmente, o Decreto-Lei nº 3/2008 (que revogou o Decreto-Lei nº319 de 1991 que


definia o Regime Educativo Especial para alunos com Necessidades Educativas Especiais),
prevê, para os alunos com NEE de carácter permanente (de alta-intensidade e de baixa-
frequência), a inclusão educativa e social, o acesso e o sucesso educativo, a autonomia, a
estabilidade emocional, bem como a promoção da igualdade de oportunidades, a preparação
para o prosseguimento de estudos ou para uma adequada preparação para a vida pós-escolar
ou profissional. Este decreto aponta seis medidas educativas de educação especial: apoio
pedagógico acrescido, adequações curriculares individuais, adequações no processo de
matrícula, adequações no processo de avaliação, currículo específico individual e tecnologias
de apoio. As respostas educativas e respectivas formas de avaliação de cada aluno são fixadas
e fundamentadas no PEI – Programa Educativo Individual. Quando uma criança ou jovem
apresenta uma problemática mais grave, deve ser também elaborado um PIT – Plano
Individual de Transição, de forma a promover a sua transição para a vida pós-escolar e para o
exercício de uma actividade profissional com adequada inserção social, familiar ou numa
instituição de carácter ocupacional. Tendo em conta que todos os alunos, independentemente
da sua problemática, devem estar nas escolas regulares, podem ser criadas redes de escolas de
referência para o ensino bilingue de alunos surdos e de uma rede de escolas de referência para
o ensino de alunos cegos e com baixa visão.

Perante este cenário complexo e multifacetado, como poderemos atender à diversidade


dos alunos. A compreensão dessa diversidade requer uma fundamentação teórica acerca do
que são as capacidades e as competências humanas, ou dito de forma mais tradicional, a
inteligência, e sobre como avaliá-las. É o que procuraremos explicitar no próxima capítulo.

3. Inteligência/competência: Experiência em Desenvolvimento

A noção convencional de Inteligência é construída em torno de uma definição


consensual em termos de uma adaptação generalizada ao ambiente. Mas será a Inteligência
apenas isto?

Usualmente utilizamos o termo Inteligência como algo concreto, estático e passível de


ser medido. Segundo investigações actuais, a Inteligência é um conceito pouco consensual e

127
INTERVENÇÃO INCLUSIVA
REFLEXÕES A PARTIR DE UM CASO PRÁTICO

complexo. A Inteligência já não é apenas vista como sinónimo de capacidade ou competência


intrínseca ao sujeito, a qual pode ser medida por testes psicométricos. Motivado por esta
complexidade do conceito, em 1981 (cit. por Sternberg, 2003), desenvolveu vários estudos
acerca das concepções que os indivíduos possuem sobre a Inteligência. Concluiu que a maior
parte dos sujeitos atribuíam três factores à Inteligência: a resolução prática de problemas, a
competência verbal e a competência social. Estudos posteriores, em 1997, revelaram que as
concepções de Inteligência incluíam um factor cognitivo e factores de competência
interpessoal, intrapessoal, a capacidade intelectual auto-assertiva e a capacidade intelectual de
auto-supressão (idem).

Além destes estudos, alguns investigadores procuraram novas definições de


Inteligência. Robert Sternberg, desenvolveu uma Teoria Triárquica da Inteligência, onde
analisa os vários mecanismos de processamento de informação que os indivíduos utilizam
para solucionar problemas e também investiga como a experiência influencia tais
mecanismos. A Teoria Triárquica da Inteligência (T.T.I.) de Sternberg, aparece dividida em
três sub-teorias: componencial, experiencial e contextual. Esta teoria permite compreender o
comportamento inteligente em função das componentes processuais que organizam a
experiência e medeiam/e são mediadas a adaptação ao contexto. Esta função cognitiva
complexa, tem sido mais recentemente definida como ‘experência em desenvolvimento’
(Sternberg & Grigorenko, 2003). Ou seja, a inteligência é uma função cognitiva superior que
medeia a experiência do sujeito e que se desenvolve na interacção entre processos cognitivos
individuais e o contexto. Trata-se, por isso, de uma conceito dinâmico, modificável ou
potencial. De acordo com esta perspectiva, a Inteligência serve para nos dar opções que, em
última análise, nos levam a escolher a melhor solução para um determinado problema. A
Inteligência é vista por Sternberg e Grigorenko (2003) como uma forma de experiência em
desenvolvimento, a qual é constituída por aptidões metacognitivas, aptidões para a
aprendizagem, aptidões para o pensamento, conhecimento, motivação e experiência. Por
exemplo, a aprendizagem conduz ao conhecimento, mas o conhecimento facilita novas
aprendizagens. Existe interacção entre os elementos apresentados, sem a qual eles
permaneciam inertes. A motivação é o elemento central, a qual dirige as aptidões
metacognitivas, que por sua vez activam as aptidões para a aprendizagem e o pensamento, as
quais proporcionam feedback às aptidões metacognitivas, permitindo deste modo melhorar o
nível de experiência.

128
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

Outra teoria, a Teoria da Inteligência de Sucesso (Sternberg, 1985, 1997a, 1998b e


1989c, cit. por Sternberg & Grigorenko, 2003) considera que a Inteligência é composta por
três aspectos: analítico, criativo e prático. Segundo esta teoria a Inteligência é definida como a
capacidade de atingir sucesso na vida, tendo em conta os padrões pessoais dentro do
contexto sociocultural (Sternberg & Grigorenko, 2003, p. 141). De acordo com esta nova
perspectiva da Inteligência, podemos concluir que a mesma se reveste de um cariz dinâmico
necessitando de uma avaliação que tenha em conta esta especificidade. Portanto, a Avaliação
Dinâmica da Inteligência pode oferecer um meio para quantificar o verdadeiro potencial de
crescimento de uma pessoa, independentemente do lugar em que ela se encontre, em
determinado momento, do ponto de vista cognitivo. Concordamos com os autores quando
afirmam que: seria fantástico que pudéssemos verificar a capacidade das pessoas para
aprender coisas novas, em lugar de nos limitarmos a medir a sua capacidade? (Sternberg &
Grigorenko, 2003, p.45).

Pierre Lévy (1993, cit. por Antunes 2005) desenvolve a teoria da ecologia cognitiva,
na qual avança para ultrapassar a noção isolada do conceito, mostrando que, fora da
comunidade, desprovido do ambiente, o indivíduo não pensaria. Todas as nossas Inteligências
nada mais são do que segmentos componentes de uma ecologia cognitiva que nos engloba.
Segundo o mesmo autor, o indivíduo não seria inteligente sem a sua língua, a sua herança
cultural, a sua ideologia, a sua crença, a sua escrita, os seus métodos intelectuais e outros
meios do ambiente. A Inteligência não constitui apenas um elemento neurológico isolado,
independente do ambiente. A escola surge nesse contexto, com um papel central estimulador
da Inteligência (Antunes, 2005. p. 8). Se a criança já não precisa de ir à escola para
simplesmente aprender, ela necessita da escolaridade para “aprender a aprender”, desenvolver
as suas habilidades e estimular as suas Inteligências. O professor não perde espaço nesse novo
conceito de escola. Ao contrário, transforma a sua na mais importante das profissões, pela sua
missão de estimulador de Inteligência. A Inteligência não poder ser analisada como algo
único, é multifacetada. Assim, partindo da definição de Inteligência como capacidade de
resolver problemas, ou gerar resultados que sejam valorizados num ou mais envolvimentos
culturais, Howard Gardner na sua obra Estruturas da Mente (1983) apresenta a sua Teoria das
Inteligências Múltiplas que reforça a sua perspectiva intercultural da cognição humana.
Segundo o autor o Ser Humano seria portador de sete pontos diferentes do seu cérebro onde
se abrigam diferentes Inteligências – denominadas Inteligências Múltiplas. Seriam elas a
Inteligência Linguística, a Musical, a Lógico-matemática, a Espacial, a Corporal-cinestésica e

129
INTERVENÇÃO INCLUSIVA
REFLEXÕES A PARTIR DE UM CASO PRÁTICO

as Inteligências Pessoais (Interpessoal e Intrapessoal). Posteriormente, em 1995, acrescentou


uma oitava: a Inteligência Naturalista, que inicialmente incluiu como parte das Inteligências
Lógico-matemática e Espacial. Recentemente, sugere outras duas Inteligências: a Espiritual e
a Existencial. Passamos a apresentar uma breve descrição das mesmas:

A Inteligência Linguística é a capacidade de usar as palavras de forma efectiva, quer


oralmente, quer escrevendo. Esta Inteligência inclui a capacidade de manipular a sintaxe ou a
estrutura da linguagem, a semântica ou os significados da linguagem, e as dimensões
pragmáticas ou os usos práticos da linguagem (Armstrong, 2001, p. 14).

A Inteligência Musical é a capacidade de perceber, discriminar, transformar e


expressar formas musicais (idem). Gardner defende que qualquer indivíduo normal que teve
uma exposição frequente à música pode manipular o som, o ritmo e o timbre para participar
com alguma habilidade em actividade musicais, incluindo a composição, o canto ou a
execução de instrumentos (citado por Campbell et al, 2000, p. 132).

A Inteligência Lógico-Matemática é a capacidade de usar os números de forma


efectiva e para raciocinar bem. Esta inteligência inclui sensibilidade a padrões e
relacionamentos lógicos, afirmações e proposições, funções e outras abstracções relacionadas.
Os tipos de processos usados a serviço da Inteligência Lógico-matemática incluem:
categorização, classificação, inferência, generalização, cálculo e testagem de hipóteses
(Armstrong, 2001, p. 14).

A Inteligência Espacial é a capacidade de perceber com precisão o mundo


visuoespacial e de realizar transformações sobre essas percepções. Esta inteligência envolve
sensibilidade à cor, linha, forma, configuração e espaço, e às relações existentes entre esses
elementos e inclui a capacidade de visualizar, de representar graficamente ideias visuais ou
espaciais e de orientar-se apropriadamente em uma matriz espacial (idem).

A Inteligência Corporal-Cinestésica é a perícia no uso do corpo todo para expressar


ideias e sentimentos e facilidade no uso das mãos para produzir ou transformar coisas. Esta
inteligência inclui habilidades físicas específicas, assim como capacidades proprioceptivas,
tácteis e hápticas” (ibidem). Esta Inteligência inclui a capacidade de unir o corpo e a mente
para o desempenho físico perfeito. Começando com o controle de movimentos automáticos e
voluntários, a inteligência cinestésica progride para usar nosso corpo de maneira

130
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

extremamente diferenciadas e complexas. A Inteligência Cisnetésico-corporal é a base do


conhecimento humano, pois é através das nossas experiências sensório-motoras que
experimentamos a vida” (Campbell et al, 2000, p. 78).

A Inteligência Interpessoal é a capacidade de perceber e fazer distinções no humor,


intenções, motivações e sentimentos das outras pessoas. Isso pode incluir sensibilidade a
expressões faciais, voz, gestos; a capacidade de discriminar muitos tipos diferentes de sinais
interpessoais; e a capacidade de responder efectivamente a estes sinais de uma maneira
pragmática (Armstrong, 2001, p. 14). Esta Inteligência permite-nos compreender as outras
pessoas e comunicarmo-nos com elas, observando diferenças no humor, no temperamento,
nas motivações e nas habilidades. Inclui a capacidade para formar e manter relacionamentos e
para assumir vários papéis dentro dos grupos, como membros ou líderes (Campbell et al,
2000, p. 151).

A Inteligência Intrapessoal é o auto-conhecimento e a capacidade de agir


adaptativamente com base neste conhecimento. Esta inteligência inclui possuir uma imagem
precisa de si mesmo; consciência dos estados de humor, intenções, motivações, temperamento
e desejos; e a capacidade de auto-disciplina, auto-entendimento e auto-estima (Armstrong,
2001, p. 14). No cerne do nosso mundo interior estão as forças em que nos apoiamos para nos
compreendermos e compreender os outros, para imaginar, planear e resolver problemas. Lá
estão também qualidades como motivação, determinação, ética, integridade, empatia,
altruísmo. Sem recursos internos é difícil viver uma vida produtiva no sentido mais amplo
(Campbell et al, 2000, p. 178).

A Inteligência Naturalista é a perícia no reconhecimento e classificação das


numerosas espécies – a flora e a fauna – do meio ambiente do indivíduo. Inclui também a
sensibilidade a outros fenómenos naturais (Armstrong, 2001, p. 15). É a capacidade de
reconhecer a fauna e a flora, fazer distinções coerentes no mundo natural e usar tal capacidade
de maneira produtiva (na caça, no cultivo da terra, na ciência biológica). Além disso, os
naturalistas geralmente são hábeis em identificar membros de um grupo ou espécie, distinguir
os membros ou espécies, reconhecer a existência de outras espécies e perceber os
relacionamentos entre várias espécies (Campbell et al, 2000, p. 205).

131
INTERVENÇÃO INCLUSIVA
REFLEXÕES A PARTIR DE UM CASO PRÁTICO

A Inteligência Espiritual reflecte um desejo de saber sobre experiências e entidades


cósmicas que não são apreendidas num sentido material mas que, apesar de tudo, parecem
importantes para o ser humano. Se os humanos se conseguem relacionar com o mundo da
natureza, conseguem também relacionar-se com o mundo sobrenatural – com o cosmo que se
estende para além do que conseguimos apreender, com o mistério de nossa existência e com
as experiências de vida e morte que transcendem a nossa rotina (Gardner, 1999, p. 54).

A Inteligência Existencial é definida por Gardner como uma preocupação com as


questões básicas da vida (Armstrong, 2001, p. 163). Segundo o autor, a Inteligência
Existencial consiste na capacidade de situar-se com referência ao alcance máximo do cosmos
– o infinito e o infinitesimal – e a capacidade relacionada de situar-se com referência a
características existenciais da condição humana como o significado da vida, o significado da
morte, o derradeiro destino dos mundos físico e psicológico, e àquelas experiências profundas
como o amor por alguém ou a total imersão num trabalho de arte (Gardner, 1999, p.60, cit.
por Armstrong, 2001, p.163). A inteligência espiritual, ou a preocupação com “questões de
ordem superior”, parece ser o lado cognitivo menos ambíguo da inteligência espiritual. Esta
não inclui características que (…) não se coadunem com a consideração de inteligência
(Gardner, 1999, p. 60).

As inteligências múltiplas são assim definidas em função de domínios de


conhecimento e expressão humana fundamentais, permitindo um olhar multidimensional
sobre o aluno, desafiando-nos a olhar as suas habilidades e as suas necessidades. Neste
contexto, pode assumir-se que filosofia das inteligências múltiplas é muito prometedora para
alunos com necessidades educativas especiais e provenientes de ambientes desfavoráveis,
estes alunos podem ser brilhantes, capazes e ter muitas vantagens cognitivas que os
programas educativos mais tradicionais passam por alto (Prieto, M. D. & Ferrando, M.,
2005, pág. 18). Tal como estes autores propõem: se se oferecer a estes alunos uma
oportunidade de trabalhar nas áreas em que se destacam, podem adquirir novas destrezas e
mostrar-se mais competentes, tanto para si próprios como para os outros (idem) .

Diversos estudos realizados no campo educativo têm destacado as vantagens


educativas desta opção. Segundo Rettig (2005), a focalização no ensino –aprendizagem
baseado nas IM é susceptível de ajudar as crianças a aprender e a reter informação durante
mais tempo do que quando são utilizadas outras abordagens. O mesmo autor refere que a
utilização da TIM é bastante vantajosa no que toca a crianças portadoras de deficiência. De

132
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

acordo com esta perspectiva, abordar a educação de crianças portadoras de deficiência


através das IM pode ajudar-nos a descobrir ou “despertar” talentos escondidos (Rettig,
2005, p. 256).

A ênfase nas IM pode ajudar as crianças a descobrir as suas competências e


privilegiarem os seus pontos fortes em detrimento das suas dificuldades (idem). Outro aspecto
relevante da utilização das IM na sala de aula é a diminuição dos problemas comportamentais,
principalmente nas faixas etárias mais baixas (ibidem). Na prática, o que se tem verificado é
que os programas educativos e os próprios professores continuam a centrar-se na identificação
das dificuldades dos alunos, com a finalidade de remediar os problemas diagnosticados,
descurando as suas potencialidades. A vida escolar dos alunos é estruturada com actividades
baseadas nas suas fraquezas em vez de ser baseada nos seus pontos fortes (Hearme & Stone,
1995, p. 441). Todavia, há autores que, ao preocuparem-se com estas questões, enfatizam nas
suas pesquisas aquilo que os alunos conseguem fazer.

Tendo em conta estas novas abordagens, as escolas deveriam assumir-se como um


local onde os alunos podem desenvolver as suas inteligências pessoais fornecendo amplas
escolhas e oportunidades através do acesso a um currículo multifacetado (Gardner, 1983,
1993 cit. por Hearme & Stone, 1995).

4. Intervenção Educativa Inclusiva – propostas a partir da TIM

Os pressupostos conceptuais citados nos pontos anteriores e tomando uma opção


metodológica centrada na análise descritiva de casos apresentados na literatura, apresentamos
uma síntese analítica de alguns estudos de caso, que realçam a pertinência das Inteligências
Múltiplas aplicadas a alunos com N.E.E..

Nesta óptica, centrámo-nos numa tipologia de investigação que aparece usualmente


designada por Estudos de Caso. Como o próprio nome indica, os estudos de caso visam
geralmente a observação de fenómenos raros mas ricos ou importantes do ponto de vista de
informação contida para questionar uma dada teoria ou contrapor teorias, para explorar uma
hipótese ou uma metodologia de análise (Almeida e Freire, 2003, p.114). Partindo deste
pressuposto, pretendemos demonstrar alguns estudos que mereceram o nosso especial
interesse, os quais se encontram descritos na obra Ensino e Aprendizagem por Meio das
Inteligências Múltiplas, de Campbell (2000). Os três casos seleccionados revelam uma

133
INTERVENÇÃO INCLUSIVA
REFLEXÕES A PARTIR DE UM CASO PRÁTICO

evidente aplicação da Teoria das Inteligências Múltiplas nas práticas educativas com jovens
com Necessidades Educativas Especiais.

O primeiro caso, descreve a história de Sarah, uma aluna desmotivada e


desinteressada pelas actividades escolares, revelando empenho pelo desenho, apesar dessa
tarefa ser pouco valorizada. Sarah desenhava às escondidas, enfeitando as margens dos seus
cadernos ou folhas em branco, com desenhos artísticos ou com imagens complexas. Durante o
ensino fundamental, Sarah foi sempre inquieta e perturbadora, tendo dificuldade em recordar
as matérias. Quando andava na quinto ano, uma professora percebeu que nas aulas em que
Sarah podia desenhar, ela ficava sossegada, parecia atenta e, por vezes, até participava.
Depois de uma aula de Ciências sobre a estrutura da terra, Sarah mostrou à professora um
desenho que ilustrava a matéria, onde estava representado o centro da terra, o manto e a crosta
terrestre, com as características e proporções adequadas. Sarah possuía várias capacidades
cognitivas, que lhe permitiam representar visualmente a informação

O segundo, retrata o caso de uma menina a frequentar o sexto ano do Ensino Básico, a
Paula. Paula recusava-se a ler e a escrever. Revelava um atraso de duas ou mais séries em
relação às crianças da sua idade no que respeita a habilidades básicas. A sua auto-estima
estava a decrescer e a falta de interesse na escola aumentava. Através da observação directa
da menina, a sua professora reconheceu--lhe uma capacidade invulgar para a dança e sugeriu
que esta começasse a utilizar esta capacidade para melhorar o seu desempenho académico. No
início, Paula dançou as letras do alfabeto e o seu nome. Passada uma semana, a menina
passou da dança para a escrita e a sua a autoconfiança na aprendizagem revelava progressos.
Após quatro meses de aprendizagem corporal-cinestésica, Paula permanecia sentada e fazia as
suas tarefas com os restantes alunos.

O terceiro descreve um caso de Inteligência Intrapessoal, o caso do Bill que, quando


pequeno, era lento a aprender, tinha ataques frequentes e sofria de distúrbios de
comportamento. Devido a vários problemas do foro familiar, a mãe de Bill sentia-se
sobrecarregada com a atenção que o seu filho necessitava. Quando completou nove anos, foi
colocado numa instituição pública para deficientes mentais, onde permaneceu doze anos.
Nesta fase da sua vida, Bill viu-se isolado de tudo e todos. Como consequência, nunca foi
ensinado a ler e a escrever e passava os seus dias a fazer tarefas domésticas. Depois de deixar
a instituição, foi ajudado por uma organização social encarregue de ex-internos adultos. Isto
foi determinante para a definição de objectivos e para a sua integração na sociedade. Aos 31

134
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

anos ele definiu um novo objectivo: aprender a ler e a escrever, tendo o apoio de uma
professora que utilizou métodos mistos ao nível da leitura e da escrita para o ensinar. No
início, Bill escreveu à sua mãe e usou esta carta para treinar a leitura. Mais tarde através da
escrita do meio circundante, continuou a treinar estas competências. Bill exercitou a escrita
nos seus cadernos. A utilização de materiais por si escolhidos e a realização dos seus próprios
objectivos começaram a mostrar bons resultados. Bill revelava agora uma habilidade
crescente na leitura e na escrita e estabeleceu um novo objectivo: escrever um livro. Seis
meses depois Bill terminou o seu livro The Inside World que conta a história da sua vida. A
obra de Bill retrata a sua vida na instituição e destina-se a encorajar outras pessoas que
viveram ou ainda vivem nestas condições, mostrando-lhes que é possível traçar novos
objectivos, alcançando-os sobrevivendo à experiência marcante da institucionalização.

De seguida apresentamos o caso, objecto de estudo neste capítulo.

5. O caso de André – “Às vezes estas ideias resultam!”

O estudo de caso do André parte da análise documental e narrativa de um caso de


intervenção individual2 que foi desencadeado, por uma situação problemática, comum nas
escolas que são os problemas comportamentais dos alunos e as dificuldades de aprendizagem
dos mesmos, acompanhadas de falta de motivação. O André era um desses alunos que vivia
em permanente situação de conflito com os professores, com os colegas, com a escola e até
consigo próprio. Este aluno de 15 anos, frequentava pela segunda vez o 5º ano de escolaridade
na Escola EB 2,3/S de Cunha Rivara, em Arraiolos. Lia e escrevia com grande dificuldade e
acompanhava-o um desinteresse e uma desmotivação face à escola. Procurava
incessantemente, de forma inadequada, chamar a atenção sobre si próprio e sobre o seu mal –
estar.

O André estava abrangido pelo Regime Educativo Especial com o principal objectivo
de mantê-lo na escola para que adquirisse conhecimentos básicos para a sua vida prática:
como ler, escrever, resolver algumas operações e problemas do seu quotidiano. O aluno tinha
vergonha das suas dificuldades e falava frequentemente disso nas aulas de apoio. Lia

2
Agradecemos a disponibilização de dados por parte da Escola EB 2,3 / S Cunha Rivara – Arraiolos – Portugal,
para este estudo, e em particular à professora Mónica Rebocho (professora de apoio que acompanhou o
caso). O nome André é um nome fictício.

135
INTERVENÇÃO INCLUSIVA
REFLEXÕES A PARTIR DE UM CASO PRÁTICO

silabicamente em contexto de sala de apoio, com um ensino individualizado. Todavia,


recusava-se a ler e a escrever na sala, em contexto de turma afirmando, eu sou o maior de
todos, não sei ler e eles gozam comigo.

Após sucessivas aulas de apoio, o André demonstrou um grande interesse e um


conhecimento vasto na área das Ciências nomeadamente no estudo das aves. Conhecia todo o
tipo de pássaros, as suas características e habitats. Quando fazia pesquisas sobre aves, lia com
menor dificuldade e com muito interesse. Então a professora de apoio abandonou métodos
analíticos – sintéticos e métodos globais. A professora começa a escrever textos sobre aves,
ditados pelo aluno que, posteriormente, ele lia e ilustrava (também desenhava muito bem todo
o tipo de aves com os mais diversos pormenores). Através desta estratégia o André lia e não
se aborrecia, mas os problemas de comportamento e a dificuldade de integração na turma
mantinham-se. Foi nessa altura que se decidiu incluir este aluno num projecto de
computadores com um professor de Biologia, onde faziam pesquisas e exploravam
enciclopédias sobre animais, sobretudo as aves. Os professores de Educação Visual e
Tecnológica continuavam preocupados com o comportamento deste aluno.

Numa conversa com a professora de apoio o aluno refere que criava algumas espécies
de pássaros. Depois desta informação, os interesses do André começam a estar claros para os
professores que o acompanhavam. Entretanto já se tinham passado......meses. A equipa
docente começa a esboçar aqui a ideia de um projecto, que desde essa altura mobilizou com
muita intensidade a motivação do aluno. A construção de um viveiro de pássaros estava no
horizonte. Fizeram-se pesquisas sobre viveiros, espaços necessárias, materiais necessários,
métodos de construção e conservação. Depois de algumas visitas a viveiros de pássaros na
localidade e ao viveiro do próprio André, partiu-se para a acção – um projecto intitulado “Um
Viveiro na Escola”. Um dos locais possíveis para a construção do viveiro era um recinto
abandonado da escola.

Decorridos dois meses, foi delineado o projecto que tinha como finalidades:

- Motivar o aluno para a escola, partindo dos seus interesses e dos seus pontos fortes.

- Criar condições para que o aluno desenvolvesse competências necessárias para a sua
vida prática (ler, escrever...).

-Promover a auto – estima do aluno.

-Promover a autoconfiança do aluno para a aprendizagem.

136
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

-Melhorar o rendimento escolar do aluno.

-Envolver os restantes alunos da turma na elaboração de um trabalho conjunto.

-Aproximar o André dos seus colegas promovendo a sua integração na turma.

-Promover o respeito dos alunos da turma pelo André e pelos seus problemas.

-Promover o trabalho conjunto de professores, no sentido de responder às solicitações


próprias de um aluno com Necessidades Educativas Especiais.

-Sensibilizar a Comunidade Educativa para diferentes formas de aprender.

-Integrar adequadamente os diversos recursos disponíveis numa acção de parceria


flexível.

- Privilegiar a resposta especializada e diferenciada aos alunos.

-Incentivar a permanência do aluno na escola.

Após a formulação de objectivos registámos:

- os recursos existentes:

-Humanos (professores de apoio educativo, professores de E.V.T., Professor de


Biologia, o André e a própria turma).

- os recursos necessários:

- Espaço para a construção do viveiro.

- Material de construção.

- Mão-de-obra.

- Recursos financeiros.

Após a construção do projecto, este foi apresentado ao Órgão de Gestão, que o julgou
demasiado ambicioso. Todavia, não se desistiu desta ideia, foram elaborados jornais, onde o
André recolhia imagens e textos sobre aves e os colegas da sua turma os organizavam e
vendiam. Os professores de E.V.T. construíram com o André e os restantes alunos da turma
os ninhos para o suposto viveiro. Fizeram-se rifas, que foram vendidas por todos os alunos da
turma. Depois de angariado algum dinheiro voltou-se a insistir com o Órgão de Gestão que

137
INTERVENÇÃO INCLUSIVA
REFLEXÕES A PARTIR DE UM CASO PRÁTICO

aprovou o projecto. O André vendeu os pássaros para o viveiro, teve que fazer determinadas
operações e a motivação crescia de dia para dia.

O aluno queria um viveiro de grandes dimensões, que ocupasse a totalidade do


canteiro, contudo, por questões estéticas, considerou-se que seria melhor a construção de dois
viveiros mais pequenos (um em cada canteiro). O aluno envolveu-se em todas as actividades,
inclusivamente fez o acompanhamento da obra junto dos pedreiros e a expressão da sua
motivação e auto-estima positiva puderam ser testemunhados por todos. Começou a ganhar
protagonismo na turma, sentindo-se à vontade para ler e escrever. Continuou na escola e
começou a trocar correspondência com uma aluna de uma escola diferente.

Em suma, conseguiu-se mudar o percurso escolar sinuoso deste aluno, marcado pelas
dificuldades e rejeições, partindo dos seus interesses e pontos fortes, mudando o enfoque das
dificuldades para as potencialidades e os interesses. Promovendo o desenvolvimento e a
concretização das potencialidades o André conseguiu mobilizar motivação para se
comprometer na aprendizagem de conteúdos difíceis e para aos poucos perceber a sua
utilidade, ou seja a leitura e a escrita.

Recentemente, há cerca de um ano, o André foi à escola visitar os viveiros, entrou,


observou e exclamou: às vezes estas ideias resultam! Actualmente, o André tem 20 anos e
cumpre o Serviço Militar.

6. Discussão

Ao analisarmos cada um dos casos podemos encontrar pontos comuns, nomeadamente


no que toca ao desinteresse e desmotivação face à escola. Verificámos em todos os casos uma
resistência aos saberes tradicionais estereotipados que considerem os alunos “tábua rasa”
onde se lhe imprime o conhecimento e onde o cumprimento de programas prevalece sobre os
interesses dos mesmos.

A observação directa das formas diferenciadas de como as crianças aprendem e a


aplicação da Teoria das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner revelou ser uma resposta
eficaz para os casos descritos.

138
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

Sarah revelava capacidades ao nível da Inteligência Visuo-espacial, que lhe permitiam


representar visualmente as matérias que tinha de aprender. Nas aulas em que podia desenhar,
a aluna parecia motivada, interessada, atenta e até participava.

No caso de Paula, a utilização da Inteligência Corporal-cinestésica revelou-se


determinante para o desenvolvimento de habilidades básicas, tais como a escrita. Os efeitos
benéficos a outros níveis são também notórios ao nível da promoção da auto-estima e da
motivação para a aprendizagem.

A Inteligência Intrapessoal de Bill mostrou-se fundamental na aquisição da leitura e da


escrita, onde a perseverança e a paciência são motores de desenvolvimento cognitivo.

De facto, todos estes casos revelam resultados impressionantes no âmbito da


promoção de auto-estima e mostram como através de um processo de ensino/aprendizagem
que atende às características e interesses dos alunos, estes podem alcançar objectivos e
competências que, através de métodos mais tradicionais de ensino, se julgavam inatingíveis.
Os jovens envolvidos nestes processos de aprendizagem em que se foram valorizam os seus
pontos fortes e interesses, melhoraram o seu desempenho académico para além de se terem
tornado pessoas mais competentes a nível social, portadoras de mais auto-confiança e
motivadas para a aprendizagem. De facto, o crescente interesse pelas aprendizagens que a
aplicação da Teoria das Inteligências Múltiplas parece surtir sobre os alunos com N.E.E.
mostra ser um dos aspectos centrais e mais positivos. Isto acontece dado que estes alunos,
regra geral, apresentam um fraco empenho e motivação para a aprendizagem, aspectos que
revelam alterações positivas quando estes sentem que a comunidade escolar se preocupa e
responde aos seus interesses.

Os casos referidos revelam várias limitações. Uma das mais importantes é o facto de
não serem passíveis de generalização a outros contextos educativos ou a outros indivíduos,
dado que cada caso deve ser analisado detalhadamente dando relevância aos aspectos
particulares de cada um. Outra limitação comum a todos os casos descritos prende-se com o
facto de em nenhum deles existir follow-up. Ora, o acompanhamento do percurso escolar dos
alunos permite verificar se estes mantêm ou revelam progressos académicos. O follow-up é
também determinante para verificar se os jovens continuam ou não a demonstrar motivação
para a aprendizagem e se a sua auto-estima não voltou a decrescer.

139
INTERVENÇÃO INCLUSIVA
REFLEXÕES A PARTIR DE UM CASO PRÁTICO

Relativamente ao André, os seus professores, foram ao encontro de alguns dos


postulados da Teoria das Inteligências Múltiplas, ao promoveram e estimularam a Inteligência
Naturalista e a Inteligência Espacial do André. Partir dessas suas Inteligências, sobretudo da
Naturalista, foi um motor de mudança que fomentou no aluno uma auto-estima e um auto-
conceito positivos, adequação de comportamentos, integração na turma, aumento da
motivação pelas aprendizagens e melhorias significativas ao nível da leitura, escrita e cálculo.
É óbvio que há limitações, que tal como os casos anteriores, o caso do André não pode ser
generalizado, todavia pode servir de reflexão para muitos profissionais que se debatam com
estes problemas. Para que estas práticas educativas sejam possíveis, são necessárias mudanças
estruturais no sistema educativo (Feldman, 1986; Gardner, 1983, 1993; Sternberg, 1988).
Estas mudanças passam por alterar a forma de avaliação e diagnóstico das dificuldades dos
alunos que deverá focalizar quer as dificuldades quer as capacidades dos alunos. Por outro
lado, a avaliação sumativa apoiada nos desempenhos em testes de avaliação deve ser
urgentemente complementada por momentos de avaliação formativa que incidam sobre o
potencial do aluno. A avaliação dever ser retomada pelo seu valor informativo e formativo.
Tais mudanças passam também por uma reconceptualização das práticas educativas que
devem abandonar a excessiva focalização no ensino, para progressivamente se centrarem na
aprendizagem com significado cultural, contextual e social. Essa reconceptualização obrigará
a um novo olhar sobre o papel do professor, excessivamente focalizado nos conteúdos, em
detrimento da sua função de mediador fundamental entre o nível de desenvolvimento
potencial do aluno e a sociedade a cultura. O professor é um mediador que promove
desenvolvimento humano, urge recuperar esta função (Alonso-Tapía, 1996; Moll, 2002;
Shamir & Tzuriel, 2004). De acordo com Hearme e Stone (1995) serão necessárias, também,
modificações que permitam a criação de curricula interdisciplinares onde é possível que os
alunos utilizem múltiplas formas de conceptualização, organização e demonstração de
conhecimentos. Outra alteração importante é ao nível da formação de professores, a qual deve
ser feita no sentido de desenvolver os talentos artísticos, musicais e corporal-cinestésicos a
todos os níveis, encorajando-os a cultivar estes talentos nos seus próprios estudantes
(Hearme & Stone, 1995).

Temos plena convicção que as Inteligências Múltiplas podem ser uma mais valia para
crianças com Necessidades Educativas Especiais. É necessário, para tal, formar profissionais,
sensibilizando-os para estas temáticas e para uma abordagem aos alunos com N.E.E centrado

140
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

no seu potencial e não só nos seus défices, no sentido de incentivar uma atitude proactiva e a
nobre função de mediador de desenvolvimento humano, nos professores.

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