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SIMPÓSIO
INTERNACIONAL DE
MÚSICA NA AMAZÔNIA

08 A 11 DE NOVEMBRO DE 2016
BELÉM - PA

ANAIS
ISSN 2447-9810
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA

Editora da UFRR

Reitor: Diretor
Jefferson Fernandes do Nascimento Cezário Paulino Bezerra de Queiroz

Vice-Reitor: Conselho Editorial


Américo Alves de Lyra Júnior Alexander Sibajev
Edlauva Oliveira dos Santos
Pró-Reitora de Ensino e Graduação: Cássio Sanguini Sérgio
Lucianne Braga Oliveira Vilarinho Guido Nunes Lopes
Gustavo Vargas Cohen
Pró-Reitor de Assuntos Estudantis e Extensão: Lourival Novais Néto
Vladimir de Souza Luis Felipe Paes de Almeida
Madalena V. M. do C. Borges
Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-graduação: Marisa Barbosa Araújo
Fabiana Granja Rileuda de Sena Rebouças
Silvana Túlio Fortes
Teresa Cristina E. dos Anjos
Wagner da Silva Dias

Editora da Universidade Federal de Roraima


Campus do Paricarana - Av. Cap . Ene Garcez, 2413
Aeroporto - CEP.: 69.310-000. Boa Vista - RR - Brasil
Fone:+55 (95) 3621-3111 E-mail: editoraufrr@gmail.com

A Editora da UFRR é filiada à:


5º SIMA
SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE MÚSICA NA AMAZÔNIA

GUSTAVO FROSI BENETTI


JEFFERSON TIAGO DE SOUZA MENDES DA SILVA
PAULO MURILO GUERREIRO DO AMARAL
ADRIANA CLAIREFONT MELO COUCEIRO
PAULO ROBERTO DA COSTA BARRA
(ORGANIZADORES)

ISSN: 2447-9810

BOA VISTA / RR
2017
EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA

Todos os direitos reservados.


A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação dos direitos
autorais (Lei n. 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Ilustração da marca do SIMA - Fernando Alves Matos

COMISSÃO ORGANIZADORA

Externa: Interna:

Anselmo Guerra de Almeida (UFG) Adriana Clairefont Melo Couceiro (UFPA)


Danián Keller (UFAC) Joziely Carmo de Brito (UFPA)
Francisco Zmekhol N. de Oliveira (UNIR) Jucélia Estumano Henderson (UFPA)
Gustavo Frosi Benetti (UFRR) Laura Vicunha Paraense Guimarães (UFPA)
Jefferson Tiago S. Mendes da Silva (UFRR) Liliam Cristina Barros Cohen (UFPA)
Leonardo Vieira Feichas (UFAC) Paulo Murilo Guerreiro do Amaral (UEPA)
Marcello Messina (UFAC) Sonia Maria Moraes Chada (UFPA)
Marcus Facchin Bonilla (UFT) Tainá Magalhães Façanha (UFPA)
Ricardo Lobo Kubala (UNESP)
REALIZAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

REITOR
Emmanuel Zagury Tourinho

VICE REITOR
Gilmar Pereira da Silva

PRÓ REITOR DE ADMINISTRAÇÃO


João Cauby de Almeida Junior

PRÓ REITORA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO


Edmar Tavares da Costa

PRÓ REITOR DE EXTENSÃO


Nelson José de Souza Junior

PRÓ REITOR DE PESQUISA E PÓS GRADUAÇÃO


Rômulo Simões Angélica

PRÓ REITORA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL


Raquel Trindade Borges

PRÓ REITORA DE DESENVOLVIMENTO E GESTÃO DE PESSOAL


Karla Andreza D. Pinheiro de Miranda

PRÓ REITOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS


Horácio Schneider

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA ARTE


DIRETORA
Adriana Valente Azulay

DIRETOR ADJUNTO
Joel Cardoso da Silva

ESCOLA DE MÚSICA
DIRETOR
Adalberto Aleixo Teixeira

VICE DIRETOR
Carlos Augusto Pires Vasconcelos

LABORATÓRIO DE ETNOMUSICOLOGIA
Sonia Maria Moraes Chada
Liliam Cristina Barros Cohen
COMISSÃO EXECUTIVA
Adalberto Aleixo Teixeira
Adriana Valente Azulay
Ana Margarida Lins Leal de Camargo

COMISSÃO ARTÍSTICA
Alexandre Lucas do Carmo Contente
Joziely Carmo de Brito
Leonardo Vieira Feichas
Marcello Messina

COMISSÃO DE COMUNICAÇÃO
Isac Rodrigues de Almeida
Joelma de Almeida e Silva Bezerra

COMISSÃO DE PRODUÇÃO
Anderson Clayton Gonçalves Sandim
Barbara Lobato Batista
Dayse Maria Pamplona Puget
Frank de Lima Sagica
José Jacinto da Costa Kahwage
Leonardo Venturieri
Nathalia Lobato da Silva
Saulo Christ Caraveo da Silva
Ricardo Augusto Ferreira Smith
Silene Trópico e Silva
Silvio Teixeira Melo Júnior
Thomas Rafael Alves Teixeira

ASSITENTES DE PRODUÇÃO
Kauê Lobato
Luany Ferreira

CERIMONIAL
Raul Vitor de Oliveira Paes

WEB DESIGNER
Pedro Filho
Rodrigo Pinto de Macedo
Vicente Raiol

DESIGN GRÁFICO
Fernando Alves Matos
Vicente Raiol

FOTOGRAFIA
Antônio Diego Paula Nascimento
Nathalia Lobato da Silva
Silvio Teixeira Melo Júnior
COMITÊ DE PROGRAMA
COMISSÃO CIENTÍFICA (EXTERNA)
Anselmo Guerra de Almeida (UFG)
Danián Keller (UFAC)
Francisco Zmekhol Nascimento de Oliveira (UNIR)
Gustavo Frosi Benetti (UFRR)
Jefferson Tiago de Souza Mendes da Silva (UFRR)

COMISSÃO CIENTÍFICA (INTERNA)


Carlos Augusto Vasconcelos Pires (UFPA)
Celson Henrique Sousa Gomes (UFPA)

COORDENADORES DE SUBÁREA
PRÁTICAS CRIATIVAS
Danián Keller (UFAC)
Anselmo Guerra de Almeida (UFG)

MUSICOLOGIA HISTÓRICA
Fernando Lacerda Simões Duarte
Gustavo Frosi Benetti (UFRR)

ETNOMUSICOLOGIA
Marcus Bonilla (UFT)
Paulo Murilo Guerreiro do Amaral (UEPA)

PERFORMANCE
Ricardo Lobo Kubala (UNESP)
Leonardo Vieira Feichas (UFAC)

TEORIA MUSICAL E ANÁLISE


Francisco Zmekhol Nascimento de Oliveira (UNIR)
Carlos Augusto Vasconcelos Pires (UFPA)

EDUCAÇÃO MUSICAL
Jefferson Tiago de Souza Mendes da Silva (UFRR)
Celson Henrique Sousa Gomes (UFPA)
PARECERISTAS
PRÁTICAS CRIATIVAS
Anselmo Guerra de Almeida, Damián Keller,
Francisco Zmekhol Nascimento de Oliveira, Marcello Messina
Tadeu Moraes Taffarello

MUSICOLOGIA HISTÓRICA
André Alves Gaby, Fernando Lacerda Simões Duarte
Gustavo Frosi Benetti, Jefferson Tiago de Souza Mendes da Silva
Raimundo Rajobac, Silvia Maria Lazo, Wellington Mendes

ETNOMUSICOLOGIA
Adriana Clairefont Melo Couceiro, Jorgete Maria Portal Lago
Liliam Cristina Barros Cohen, Maria José Pinto da Costa de Moraes
Sonia Maria Moraes Chada

PERFORMANCE
Anselmo Guerra de Almeida,Adriana Valente Azulay
Biraelson Magalhães Corrêa, Denille Naiara Perotti Mello
Gustavo Frosi Benetti, Jacob Furtado Cantão, Leonardo Vieira Feichas, Marcelo Brum
Marcus Facchin Bonilla, Marcos Jacob Costa Cohen, Ricardo Lobo Kubala,
Rucker Bezerra de Queiroz

EDUCAÇÃO MUSICAL
Celson Henrique Sousa Gomes, Cristiane Maria Almeida
Denille Naiara Perotti Mello, Glauber Resende Domingues
Gustavo Frosi Benetti, Ivete Souza da Silva, Jefferson Tiago de Souza Mendes da Silva,
José Ruy Henderson Filho, Jucélia Estumano, Lucyanne de Melo Afonso
Maíra Andriani Scarpellini, Marcus Facchin Bonilla, Maria Betania Fonseca Parizzi,
Rosangela Duarte, Rosemara Staub de Barros Zago

TEORIA MUSICAL E ANÁLISE


Francisco Zmekhol Nascimento de Oliveira,Rômulo Mota de Queiroz
Sonia Maria Moraes Chada, Tadeu Moraes Taffarello

TRABALHOS ARTÍSTICOS
Anselmo Guerra de Almeida, Leonardo Vieira Feichas
Marcello Messina, Ricardo Lobo Kubala
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 9
CONFERÊNCIA DE ABERTURA 10
Etnomusicología en Venezuela: trayectoria y desafíos con enfoques amazónicos 11
Katrin Lengwinat

MESA REDONDA – EDUCAÇÃO MUSICAL 27


MESA REDONDA – ETNOMUSICOLOGIA 28
Etnomusicologia e Educação do Campo: algumas aproximações 29
Marcus Facchin Bonilla

MESA REDONDA – MUSICOLOGIA 37


Música e História na Amazônia: subsídios para a pesquisa bibliográfica 38
Gustavo Frosi Benetti
Pesquisa documental na Amazônia: um olhar panorâmico sobre os acervos 45
Fernando Lacerda Simões Duarte

MESA REDONDA – PERFORMANCE 64


O uso do repertório brasileiro e latino-americano no desenvolvimento de estratégias performáticas dos
alunos 65
Leonardo Vieira Feichas
Recursos interdisciplinares na construção performática do canto coral 71
Ana Maria de Castro Souza

MESA REDONDA – PRÁTICAS CRIATIVAS 77


Ferramentas tecnológicas gratuitas aplicadas no Curso de Licenciatura em Música da UEAP 78
Emanuel Lima Cordeiro
O ensino de Música Computacional na universidade 80
Anselmo Guerra
Estratégias de compartilhamento de conhecimento nas práticas criativas: O workbook.nap 88
Damián Keller

MESA REDONDA – TEORIA E ANÁLISE 100


Discussões a respeito da teoria e análise musical em cursos de ensino superior ou formação conservatorial 101
Francisco Zmekhol Nascimento de Oliveira

EDUCAÇÃO MUSICAL – COMUNICAÇÕES 104


Novas tecnologias na educação musical: jogando, brincando e aprendendo com objetos de aprendizagem 105
Milena Cristina Rabelo de Araújo
José Ruy Henderson Filho
Estratégias didático-pedagógicas para o ensino de música por meio da percepção no projeto EMUSCO - um
Relato de Experiência 117
Márcio Borges Barboza
Eliane Leão
Guitarristas: uma demanda comprovada no curso de licenciatura em música 133
Saulo Caraveo
Colocando a Banda na Rua: relato de experiência no PIBID-Música 144
Tainá Maria Magalhães Façanha
Silene Trópico e Silva
Música e desenvolvimento: crenças de pais participantes de um projeto de educação musical para bebês 154
Iani Dias Lauer-Leite
Ensino de música na educação básica para pessoas com deficiência: estudo de caso com uma professora do
ensino regular da rede municipal de Belém 162
Sara Carolinne Costa Pantoja
Jucélia Estumano Henderson
Caminhos alternativos do PIBID/UEPA para o ensino de música na educação básica 174
Társilla Castro Rodrigues
Cláudia Maria Souza Mesquita
Jessika Castro Rodrigues
Ewando Müller Barbosa da Silva
Hezrom Glauber Mendes Amorim
Josineia de Souza Araújo
Kalindi Carvalho Castelo Branco Ferry
Paula Thaís Lima Cardoso
Rosenildo Santos Junior
Uma aula de música fundamentada nos princípios de George Self 187
Nathália Lobato da Silva
Lana Luisa da Silva Aragão
Ediel Rocha de Sousa
Experiências pedagógicas que influenciaram na motivação do aluno da EJA para aprender música:
considerações sobre o cotidiano 192
Silene Trópico e Silva
Jucélia Estumano Henderson
A influência do aparelho ortodôntico para o trompetista: uma investigação na classe de trompetes da Escola
de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN 206
Thiago Sousa Silveira
Ranilson Bezerra de Farias
Mozart: entre o mito e a música educativa 216
Edna Andrade Soares
Criação de vocalizes para vozes infantis: atividade de composição na formação de professores de música 228
Ediel Rocha de Sousa
Cristina Mami Owtake
O sentido da profissão professor para os jovens licenciados em música: descrição do processo de construção
do estado de conhecimento da pesquisa em andamento 238
Karina Firmino Vieira
Tainá Maria Magalhães Façanha

ETNOMUSICOLOGIA - COMUNICAÇÕES 249


A produção musical independente do rock em Belém do Pará 250
Bárbara Lobato Batista
Sonia Chada
A Viola de Buriti e a musicalidade do Mumbuca: um caso de mudança cultural/musical em uma comunidade
quilombola no Jalapão, TO 257
Marcus Facchin Bonilla
Sonia Maria Moraes Chada
Mudança e continuidade na música instrumental brasileira: uma análise a partir de gravações de Jacob do
Bandolim e Armandinho Macedo da música Noites Cariocas 267
Gabriel de Campos Carneiro
Victor Moreira Angeleas
O Samba de Cacete em Cametá-PA 281
André Wilkes Louzada D’Albuquerque
Sociografia Musical de um Bairro com Alto Padrão Sócio-Econômico de Belém-PA e Sua Tendência de
Globalização Cultural 301
José Alexandre Rodrigues de Lemos
Alerson César Oliveira Santiago
CássioVilacorta Alves
Leonardo Mateus Pratagy Pinto
Lucas Ferreira da Silva
Ricardo Marreira Vidal
Sônia Maria Moraes Chada
O Regionalismo santareno nas obras vocais para coral do maestro Wilson Fonseca 306
Monique Melo Marinho da Paixão
Lucília Maria Pereira Mota
A Música e o Candomblé Ketu: Instrumentação, Músicos e Toques 320
Natália Paixão
Jefferson de Souza
Marisa Mokarzel
Amanheceu: samba enredo do Grêmio Recreativo Social Jurunense Rancho Não Posso Me Amofiná, destaque
do carnaval paraense 336
Dayse Maria Pamplona Puget
Sonia Chada - UFPA
O hinário Harpa Cristã na liturgia da igreja evangélica pentecostal Assembleia de Deus 348
Diego Quadros
Sônia Chada
A prática do carimbó na microrregião Salgado Paraense segundo os acervos do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional - IPHAN 362
Danilo Rosa dos Remédios
Maria José Pinto da Costa de Moraes
A cena musical nas noites da capital paraense: traços multifacetados do mercado artístico 371
Frank Sagica
Sonia Chada
Vominê: uma prática musical 380
Ricardo Smith
Sônia Chada
Leandro Machado
Tradição afro-brasileira e cultura em transformação nas práticas musicais percussivas de Edson Santana 388
Leonardo Vieira Venturieri

MUSICOLOGIA - COMUNICAÇÕES 399


Livros litúrgicos-musicais mercedários e sua relação com o Ritual Mercedário de João da Veiga 400
Marcely Adriele Viana Cunha
João da Veiga e a lacuna na história musical e eclesiástica do Grão-Pará 405
Lucas Gabriel de Azevedo Frota
André Alves Gaby
Representações sobre o circuito musical em Manaus no Jornal A Crítica (1980-1981) 412
Rebeca Caroline Ihuaraqui Nogueira
Lucyanne de Melo Afonso
O Concerto para harmônica e orquestra de Heitor Villa-Lobos: considerações sobre seus procedimentos
composicionais a partir da estrutura da harmônica cromática 428
Edson Tadeu de Queiroz Pinheiro
Representações sobre o circuito musical em Manaus no Jornal A Crítica (1970-1973) 435
Camila Barbosa da Silva
Lucyanne de Melo Afonso
O acesso das mulheres ao Theatro da Paz na Belém dos anos 1930: por meio do mercado de trabalho no
âmbito musical 449
Milena Moraes de Araújo e Souza

PERFORMANCE - COMUNICAÇÕES 458


Sonata Op. 61 “Delírio” de Glauco Velásquez: proposta de construção de performance 459
Éverton Rodrigo Amorim
Eliane Tokeshi
Três Estudos para Trompete e Piano do compositor José de Lima Siqueira: analise estrutural e dificuldades
técnicas encontradas pelo trompetista no primeiro estudo da obra 475
Márcio Borges Barboza
Ranilson Bezerra de Farias
Duas Danças para trombone e piano do Compositor Maestro Duda: sugestões interpretativas 492
Marlon Barros
Ranilson Bezerra de Farias
Conflitos de memórias na preparação para a performance musical: identificação e consequências da
interferência proativa na condução do arco no violino 509
Edmarcos Costa
O Caldeirão dos esquecidos de Danilo Guanais: acompanhamento da gênese de uma obra para violino solo
em estilo Armorial 518
Mariana de Moraes Holschuh
Rucker Bezerra de Queiroz
Categorias e critérios para análise de dificuldades musicais em obras escritas para piano 531
Júnia Gonçalves Santiago
O Quarteto de Cordas Nº2 de Guerra-Peixe: considerações técnicas-interpretativas 541
Israel Victor Lopes da Silva
Marlon Barros de Lima
PRÁTICAS CRIATIVAS - COMUNICAÇÕES 554
Alleggiu: a lentidão como princípio compositivo e horizonte colaborativo 555
Marcello Messina
Leonardo Vieira Feichas
Letícia Porto Ribeiro
Contornando Falas 565
Alex Pochat
Autor 2. Marcos da Silva Sampaio
Estratégias de aferição da criatividade com público infantil: Utilizando ícones faciais em atividades com a
metáfora de marcação temporal 576
Simone Lima da Silva
Damián Keller
Vanessa da Silva Pereira
William Ramon Barbosa Bessa

TEORIA E ANÁLISE - COMUNICAÇÕES 591


Sebastião Tapajós e a harmonia da Bossa nova: uma breve análise 592
Edmarcio da Paixão Araújo
João Batista Cordovil de Ataide Filho
Estrutura do Concertino para Clarineta e Orquestra de Câmara de José Siqueira 605
Hudson de Sousa Ribeiro
André Luiz Muniz Oliveira
Forma na poética de dois compositores eletroacústicos brasileiros 616
Jorge Luiz de Lima Santos

TRABALHOS ARTÍSTICOS 629


Sem comentários 630
Alex Pochat
Instante I Solo para Clarinete em Bb 636
Salatiel Costa Ferreira
APRESENTAÇÃO

O Simpósio Internacional de Música na Amazônia se constitui no único evento acadêmico


internacional em música sediado na Região Norte do Brasil. Amparado por sua progressiva expansão, ao
longo das edições anteriores, vem consolidando-se como um evento anual e itinerante. Abriga as subáreas
de Educação Musical, Musicologia, Etnomusicologia, Performance Musical, Práticas Criativas, com ênfase na
produção cultural da Pan Amazônia.
O 5º Simpósio Internacional de Música na Amazônia, o 5º SIMA, realizado na Universidade Federal
do Pará, entre os dias 08 e 11 de novembro de 2016, constituiu-se de conferências, mesas redondas,
palestras, grupos de trabalho, minicursos, comunicações orais de pesquisas e apresentações artísticas.
Promoveu a integração da pesquisa em música na Pan Amazônia, sua inovação, com abordagem
interdisciplinar, por meio da inserção, em sua programação, de tópicos emergentes da área musical.
Estimulou, ainda, o debate acerca das especificidades da pesquisa em música nesse contexto, incentivando
a produção acadêmica nos cursos de música das universidades da região. Através da oferta de distintas
atividades, congregou pesquisadores em música, discentes de cursos de licenciatura, de cursos técnicos e de
pós-graduação, músicos e professores de música e a comunidade da Região Norte do Brasil e de países
vizinhos.
Nesta quinta edição do Simpósio Internacional de Música na Amazônia, destaca-se a contribuição de
renomados convidados, conferencistas, palestrantes e músicos - pesquisadores e artistas - venezuelanos,
brasileiros, e, especialmente, da Amazônia Brasileira. E, o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade do Estado do Pará
(UEPA), representando o reconhecimento institucional do evento e sua importância para a área de música.
Os anais reúnem a produção científica socializada no evento.

Belém, abril de 2017.

Comissão Organizadora

Anais do 5º Simpósio Internacional de Música na Amazônia


Belém-PA. ISSN 2447-9810
-9–
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CONFERÊNCIA DE ABERTURA

Prof.ª Dra. Katrin Lengwinat (UNEARTE)


Nacida en Alemania, realizó estudios de Musicología y Latinoamericanística en las
universidades Mickiewicz (Poznán, Polonia) y Humboldt (Berlín, Alemania), así como
un PhD en esta última. Desde 1995 reside en Venezuela.
En el ámbito laboral se ha desempeñado en el campo educativo, investigativo y
gerencial. Sus indagaciones en el área de la musicología se han concentrado en las
culturas tradicionales y populares venezolanas y latinoamericanas, en las que ha
abarcado aspectos metodológicos, clasificatorios, históricos y fenomenológicos, entre
otros, y como resultado de ello ha participado en numerosos congresos y publicaciones a nivel nacional e
internacional.
Es actualmente la representante oficial de Venezuela en el Consejo Internacional para la Música Tradicional
(ICTM, por sus siglas en inglés), presidenta de la Sociedad Venezolana de Musicología y miembro activo en la
Asociación Internacional para el Estudio de la Música Popular /Rama Latinoamérica (IASPM). Desde 1998
hasta 2016 se desempeñó como profesora en la Universidad Simón Bolívar (USB) y desde 1997 es docente
en la Universidad Nacional Experimental de las Artes (Unearte), en la cual coordina también el Área de
Investigación de Artes Tradicionales.

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Etnomusicología en Venezuela: trayectoria y desafíos con enfoques amazónicos

Katrin Lengwinat
katjoropomail.com
UNEARTE, Venezuela

Resumen: Esa breve retrospectiva de los trabajos etnomusicológicos en Venezuela


recorre de manera panorámica los estudios desde finales del siglo XIX hasta finales
del siglo XX, para darle mayor énfasis a las pesquisas del presente con sus variados
temas y enfoques. A pesar de que la región amazónica no sea el centro de atención
de los investigadores, existen importantes alcances en los trabajos en torno a la
danza, música e instrumentos indígenas. Además se reflexiona sobre el papel
político de la etnomusicología en el ámbito de las Instituciones de Enseñanza
Superior, en especial en la Universidad Nacional Experimental de las Artes de
Venezuela, donde se han desarrollado importantes proyectos de investigación y de
formación en Etnomusicología Aplicada que se vinculan directamente con las
comunidades, es decir con procesos y proyectos de relevancia e impacto social.
Palabras clave: Etnomusicología. Venezuela. Historia.

Precursores
El primer documento conocido que sistematiza datos etnomusicológicos aparece a finales del siglo
XIX. Son los Ensayos sobre el arte en Venezuela de Ramón de la Plaza que ve la luz pública en 1883. De la
Plaza (1831-1886) era general en la Guerra Federal y también ejercía cargos políticos y diplomáticos. En sus
cualidades de músico, pintor e historiador fue el primer director del Instituto de Bellas Artes. Desde sus
diversas responsabilidades dirigía peticiones a instituciones e individualidades dentro y fuera de Venezuela
para que aportaran materiales a la biblioteca, colección que le servía de base para la obra mencionada. En
los Ensayos se encuentran enfoques metodológicos de la musicología comparada, de la escuela difusionista
y de la etnohistoria. En un apartado aborda la música indígena, donde recoge datos de toda Latinoamérica.
En cuanto a los pueblos originarios venezolanos hace referencia a las etnias wayuu y cumanagoto. Lo que
respecta a la Amazonía se pueden encontrar dos datos importantes a partir de instrumentos musicales. Uno
es el juruparis1, un instrumento sagrado, hecho de corteza de árbol que fue ubicado en el río Jaupes, afluente
al Río Negro. De la Plaza describe su contexto de fiesta, su simbología y los principios de la construcción, pero
no suministra ningún dato sobre la etnia que lo utilizaba. El botuto es otro instrumento y hecho de barro. Se
encuentra en el río Orinoco y es usado en danzas fúnebres. Nuevamente se detalla su construcción, pero
tampoco se define la etnia. Sin embargo, el aporte quizás más interesante de la obra para la etnomusicología

1
Mansutti-Rodríguez (2012:59) trabaja el yuruparí como una fiesta piaroa, en la cual se usan también esas trompas de grandes dimensiones, igual
que en yurupaís arawakos.

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se halla en el anexo, donde se publican 44 “aires nacionales” con su título y melodía, un importante
documento del cancionero de la época.

Fig. 1: Juruparis y botuto. De la Plaza (1883: 61, 62)

Entre los primeros documentos que contienen datos importantes para la etnomusicología se
encuentran los estudios de científicos europeos del siglo XIX que eran viajeros pasajeros o asentados en estos
lares. Entre ellos se encuentra Alexander von Humboldt (1769-1859), geógrafo, naturalista y humanista,
quien observa y documenta detalladamente datos sociales de la época. Carl Appun (1820-72), botánico
alemán, estudia profundamente las regiones del Orinoco, la Guayana británica y los ríos Amazonas y Negro,
dedicando buena parte de sus publicaciones a los indígenas de esas y otras zonas. Pal Rösti (1830-74), un
fotógrafo húngaro que se moviliza especialmente en el centro norte de Venezuela, los Llanos y en Guayana,
contribuye con una importante imaginería de la época, que aún está poco explorada por la musicología. Adolf
Ernst (1832-99), botánico, geólogo y etnógrafo es quizás uno de los más conocidos hoy, debido a que por
más de 30 años fue activo en Venezuela en el marco del Museo de Ciencias, la Biblioteca Nacional y la
Universidad Central de Venezuela (UCV). Estuvo interesado en hechos antropológicos, lingüísticos y
etnográficos, tanto indígenas como de otras poblaciones, ya que se movía entre los Andes, la Guayana y el
centro norte venezolano. Parece que fue uno de los principales aportadores al cancionero publicado por de
la Plaza. Carl Sachs (1853-78), médico alemán se asentó en Calabozo, en los Llanos, desde donde generó
importantes publicaciones que incluyen muchas observaciones sociales. Finalmente llegó a Venezuela el
etnólogo Theodor Koch Grünberg (1872-1924), quien realiza profundos estudios sobre los pemón y los
baniwa que se encuentran en territorio amazónico del Río Negro. Los documentos como fotos, películas

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silentes y grabaciones de audio reposan en el Museo Etnológico de Berlín, donde en especial los audios
fueron digitalizados y publicados a principios del siglo XXI. Recientemente el colega Matthias Lewy (s/f)
comenzó a trabajar con esos documentos pemón grabados por Koch-Grünberg en 1911, entre otros uniendo
el sonido del cilindro de cera con la filmación silente.

Fig. 2: del archivo de Koch-Grünberg en el Museo Etnológico de Berlín

La etnomusicología institucionalizada del siglo XX


La estricta investigación etnomusicológica comienza con Isabel Aretz y Luis Felipe Ramón y Rivera.
Ambos, pero aún más Aretz, fueron pupilos de Carlos Vega (1898-1966), musicólogo pionero argentino, a
través de quien se colaron en Latinoamérica y en Venezuela el pensamiento de Hugo Riemann (1849-1919),
de la escuela histórico-cultural y el enfoque del difusionismo. Isabel Aretz (1913-2005), formada en
Argentina, vivió medio siglo en Venezuela ejerciendo labores como investigadora, docente, compositora y
emprendedora de grandes proyectos institucionales. Entre otras actividades destacan la instalación de la
cátedra de etnomusicología en la UCV, la creación de INIDEF – FUNDEF y la vasta publicación de libros y más
de 300 artículos científicos. Su trabajo más difundido es el Manual de Folklore (1957). Luis Felipe Ramón y
Rivera (1913-93), venezolano del estado andino de Táchira, se desempeñó como músico, compositor,

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educador e investigador. En especial al regresar en 1947 de un curso con Vega en Argentina y al asumir la
dirección del Instituto Nacional de Folklore INAF (1953-77) emprende infinitos viajes de campo (Laynez 2006)
junto a Isabel Aretz, Juan Liscano, Miguel Acosta Saignes y otros. Aparte de sus dos obras más consultadas
sobre la Fenomenología (1980) y El joropo (1953), destaca su labor como transcriptor y fotógrafo.

Fig.3: Luis Felipe Ramón y Rivera e Isabel Aretz


(http://www.tachira.gob.ve/web/2016/08/red-de-bibliotecas-publicas-presente-en-homenaje-a-luis-felipe-ramon-y-
rivera/)

La fecunda unión de los esposos Aretz – Ramón y Rivera se concretaba en propuestas educativas,
posturas artísticas y especialmente en el énfasis en la revalorización, el estudio y la difusión de lo propio,
tanto venezolano como latinoamericano. Dentro de sus criterios científicos y político-culturales trabajaron
temas específicos de la música indígena, de la afro y hispanovenezolana, abordaron las teorías del folklor, de
cancionero, de análisis y de la historia de la etnomusicología en Latinoamérica.
Para ilustrar un solo criterio que mantuvieron durante toda su trayectoria y que ha influenciado
considerablemente el razonamiento y la terminología musical en Venezuela, puede mencionarse la
diferenciación entre los disímiles tipos de música. Ellos distinguían entre música indígena, música criolla y
música popular, considerando momentos históricos, grados de transculturación, funciones y transmisión.
Estos criterios serán revisados y cambiados apenas a principios del siglo XXI. El siguiente cuadro sintetiza las
definiciones manejadas en la segunda mitad del siglo XX.

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Música indígena Música criolla Música popular

Etnomúsica Folklore Comercial, de Moda

Música prehispánica Música posthispánica Música de raíces


tradicionales
Sin contacto con elementos Transculturación con música
europeos europea
Mágica y laboral, Parte del ciclo vital Para fondo o diversión
Parte del rito
Transmisión oral Transmisión oral Transmisión oral y
transmisión mediática
Tab. 1: Definiciones de músicas por Aretz y Ramón y Rivera

Uno de los proyectos de mayor impacto en la etnomusicología latinoamericana fue la creación del
Instituto Interamericano de Etnomusicología y Folklore (INIDEF) en 1971 por Isabel Aretz, apoyada por Luis
Felipe Ramón y Rivera y otros. INIDEF se dedicaba a la investigación, preservación y difusión de las culturas
tradicionales de Venezuela, América Latina y el Caribe, basado en programas conjuntos con la OEA. Debido
a que fuera también un centro de formación interamericano de etnomusicólogos, allí convergían
especialistas de los más diversos países enlazando sus saberes y experiencias. Entre el gran número de
participantes se nombran en este contexto sólo a unos pocos, así al surinamés Terry Agerkop, los brasileños
Rita Segato y Jorge Carvalho, la uruguaya Marita Fornaro, entre otros. Sin embargo vale destacar que algunos
se han quedado en Venezuela y siguen aportando hasta hoy al desarrollo de la disciplina, así la argentina
Olimpia Sorrentino, el hondureño Ronny Velásquez, el salvadoreño Israel Girón y el chileno Igor Colima.
Aparte de estas misiones, INIDEF seguía una política permanente en registros de todo tipo de las
manifestaciones, de intercambio en foros internacionales, de la difusión en exposiciones, discos, libros y
revistas. Las actividades están ampliamente documentadas en las diversas publicaciones y especialmente en
la Revista INIDEF. Para el ámbito amazónico destaca un trabajo y estudio de campo sobre los piaroa, realizado
por Terry Agerkop que se publicó en 1983 como Caja audiovisual que contiene un libro, un casset y
diapositivas. Allí se analizan los cantos, instrumentos, mitos, espacios y ritos alrededor de la fiesta del
warime.

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Fig. 4: Agerkop 1983, diapositiva 1

Como sucesor casi inmediato de INIDEF surgió la Fundación de Etnomusicología y Folklore (FUNDEF)
en 1990, la cual durante sus primeros 6 años también fue dirigida por Isabel Aretz. En su existencia hasta el
año 2006, se llevaron a cabo proyectos de investigación como el “Plan Caribe”, apoyado por la OEA, “Joropo
y Cuerdas”, así como proyectos didácticos. Se ampliaron los registros sistemáticos, se realizaban foros y
exposiciones, se editaban libros, discos y una revista y como nuevo ingrediente surgieron conciertos públicos
con intención didáctica y difusora del patrimonio venezolano. Entre los años 1947 y 2006, principalmente
bajo la dirección de Aretz y Ramón y Rivera, sugió la colección quizás más importante y extensa del área
latinoamericana. Según su página web (Home Fundef, s/f), abarca unos 7500 documentos escritos, 1200
instrumentos musicales, 4600 artesanías y 115600 materiales audiovisuales (entre ellos 9000 cintas reel y
cassetes). Uno de los más importantes productos de ese período es la edición de una serie de 100 discos bajo
el lema “Venezuela plural”, preparado cada uno por un especialista en una región, un género, un personaje
o un instrumento. Destaca la gran cantidad de etnias incluidas: del Amazonas los baniva, warekena, piapoco,
curripaco, jivi, yekuana, piaroa y yanomami; de Guayana los pemón, panare y warao; de Oriente los kariña y
de Occidente los wayuu y yukpa. Además podemos encontrar ahí rarezas como grabaciones instrumentales
de joropo central (CD Región Centro, El virtuoso de Miranda: Fulgencio Aquino) o calipsos con instrumentos
tambú bambú (CD Región Oriente, La música de patuá sonen: Cantos de Güiria y el Caribe). Sin embargo,
hasta los momentos han aparecido apenas 48 de los 100 discos y su distribución ha sido muy limitada entre
donaciones y entregas personalizadas.

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Fig. 5: Serie CD Venezuela Plural, FUNDEF/CDC

En 2006 FUNDEF será transformada en Centro de la Diversidad Cultural (CDC). Como lo indica su
nombre, la investigación ya no es el corazón de la institución y así van desapareciendo también las
publicaciones, la difusión a través de la página web, los conciertos y los programas de radio. Quizás lo más
grave es la complicación para el uso del preciado archivo, que es de alto interés internacional, pero el cual se
rige ahora por una larga permisología e imposibilidad de adquirir copias. Entre las políticas nuevas del CDC
destaca el levantamiento de sucursales en todo el país e incluso en España, sin embargo parecen carecer de
fondos necesarios para sus actividades que consisten sobre todo en talleres y pequeñas exposiciones. Aparte
de eso se ha generado un tipo de encuentro e intercambio de cultores de todo el país bajo el nombre “Foro
de los 100 días” y “Foro permanente de la diversidad cultural”, dentro del cual se promueven también las
manifestaciones culturales. Un impacto importante han generado las actividades alrededor de los
nombramientos a partir del 2012 como Patrimonio Cultural Inmaterial de la Humanidad por la UNESCO, para
los cuales es necesario generar una buena documentación y argumentación. Sin embargo, lo que queda de
ello como documento consultable es esencialmente el video promocional2.

2
http://www.unesco.org/culture/ich/es/listas?display=default&text=&inscription=0&country=00233&multinational=1&type=0&domain=0&display1
=candidature_typeID#tabs

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La etnomusicología del siglo XXI


Los especialistas en la investigación de música tradicional no poseen ningún gremio en común. Sin
embargo varios de ellos pertenecen a la Sociedad Venezolana de Musicología3, fundada en 2001, que ha
realizado congresos y simposios, editado una revista4, así como mantenido una lista de discusión muy activa,
donde participan con sus temas específicos. Debido a la falta de instituciones que alojen cargos para
etnomusicólogos, éstos están relativamente poco activos y dispersos en el país. Existe una producción
regional, pero su difusión es insuficiente, cuenta con tirajes bajos y escasa promoción. Sin embargo hay que
destacar que esa producción es de alta calidad. Los enfoques son casi siempre venezolanos y eso es necesario
para profundizar los temas después de la obra pionera de Aretz y Ramón y Rivera.
Venezuela goza de una enorme diversidad de manifestaciones musicales tradicionales. La región
amazónica que se encuentra al sur del país, alejada de los grandes centros de la vida política y económica,
está habitada sobre todo por diferentes pueblos originarios. Los grupos indígenas en toda Venezuela, con
aproximadamente 35 etnias, constituyen el 1% de la población, así que la amazónica es sumamente escasa
visto a escala general. Y esto ha generado que su estudio pocas veces ha sido centro de atención.
En cuanto a universidades hay tres que ofrecen especializaciones en investigación musical. La más
antigua es la Universidad Central de Venezuela (UCV) en Caracas, donde se puede estudiar musicología desde
1978. La carrera contiene algunas pocas materias dedicadas a la etnomusicología, sin embargo han surgido
25 tesis sobre música tradicional. Además es la única institución nacional que desde 1993 ofrece una maestría
en Musicología latinoamericana, la cual algunos pocos han culminado con temas etnomusicológicos. La
Universidad Católica Cecilio Acosta (UNICA) en el estado Zulia ofrece desde aproximadamente 2000 la carrera
de musicología, la cual contiene una buena parte de formación etnomusicológica. Y finalmente es la
Universidad Nacional Experimental de las Artes (UNEARTE) en Caracas y su predecesor, el Instituto
Universitario de Estudios Musicales (IUDEM), que oferta una licenciatura en Etnomusicología desde 1989, de
la cual hasta la fecha hay apenas 6 egresados. Sin embargo, desde 2009, en las menciones Música y Danza
tradicional se han producido varias investigaciones y tesis de grado sobre las culturas musicales tradicionales.
Hay algunas otras instituciones que han apoyado en parte los estudios etnomusicológicos, entre ellas
el Instituto Latinoamericano de Investigaciones y Estudios Musicales Vicente Emilio Sojo (1978 – 2016), los
Institutos Pedagógicos con formación en Educación musical, así como algunas fundaciones privadas como la
Fundación Bigott y Fundalares.

3
Presidente de 2001-2008 José Peñín, de 2013 a 2017 Katrin Lengwinat
4
Revista de la Sociedad Venezolana de Musicología (https://independent.academia.edu/SociedadVenezolanadeMusicolog%C3%ADa), Música en
Clave (http://www.musicaenclave.com/)

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Actualmente Venezuela cuenta con 6 especialistas con doctorado concluido y otros más en curso,
que suelen ser adquiridos a través de facultades hermanas y muchas veces en el exterior. Las disciplinas
auxiliares son por ejemplo Filosofía, Antropología, Humanidades, Historia, Ciencias para el desarrollo
estratégico, Educación y Sociología. En cuanto a temáticas se refieren a estudios metodológicos5, al análisis
del género malagüeña6, a la identidad en la fiesta de los kimbánganos7, a rituales de la etnia pemón8, a la
semiótica de los chimbángueles9 y a la ritualidad religiosa10.
Las investigaciones etnomusicológicas actuales en su mayoría son descriptivas, hay también varias
analíticas bajo un aspecto teórico específico y algunas con un enfoque de revisión crítica. Sus formatos son
muy heterogéneos: trabajos escritos como tesis, monografías, artículos; publicaciones cibernéticas como
páginas web y blogs, ediciones digitales en CD-R interactivos, discos de música comentados; exposiciones
fotográficas y productos audiovisuales en forma de videos y documentales de cine.
A continuación se introducen dos producciones destacadas, una por ser del ámbito amazónico y
tener una forma extraordinaria y la otra por tratar un tema emblemático de Venezuela y haber sido producida
por no especialistas en música en una calidad excepcional. El primer ejemplo se refiere al trabajo de maestría
de Nina Hurtado (2006) intitulado: Instrumentos musicales indígenas del Amazonas venezolano. Es un estudio
que sistematiza y describe la función, construcción y clasificación de instrumentos actuales e históricos de 10
etnias: piaroa, warekena, baré, baniva, puinave, yekuana, jivi, piapoco, curripaco y joti. Aparte de la valiosa
documentación, fue elaborado en la forma amigable de un CD-R interactivo, lo que permitió incluir con la
dinámica pertinente ejemplos auditivos y audiovisuales del nutrido archivo de la autora. Pero además hizo
posible su montaje en una página web11, lo que admite la máxima accesibilidad y difusión. El segundo
ejemplo, La Joropera, fue producido en 2014 como un documental de cine con una duración de 80 minutos.
Sus autores Carlos Márquez y Alejandro Calzadilla son cineasta y antropólogo y lograron un extraordinario
recurso sobre la poco conocida variante oriental del género musical más difundido en Venezuela: el joropo.
Partiendo de observaciones, testimonios y entrevistas a estudiosos, abordaron coherentemente y con
impactantes imágenes plasmar la historia, el contexto, las estructuras musicales, coreográficas y literarias,

5
Lengwinat, Katrin (1989). Zu konzeptionellen Fragen der Volksmusikforschung in Lateinamerika. [Sobre aspectos metodológicos en la
etnomusicología en Latinoamérica]. Berlin: Humboldt Universität
6
Barreto, Sofía (2003). La chanson traditionnelle de l’est Vénézuélien et ses rapports avec la musique des Iles Canaries. [La canción tradicional del
este de Venezuela y sus relaciones con la música de las Islas Canarias]. Paris: Sorbonne (Paris IV)
7
Prieto Laya, José Guillermo (2011). La parranda de Negros Kimbánganos: su contribución a la construcción de la memoria cultural. Santiago de Cuba:
Universidad de Oriente
8
Lewy, Matthias (2011). Die Rituale areruya und cho'chiman bei den Pemón (Gran Sabana/ Venezuela). [Los rituales areruya y cho’chiman entre los
pemón]. Berlín: Freie Universität
9
Mora Queipo, Ernesto (2011). Mitos, ritos y paisaje sonoro en la fiesta del chimbángueles. Maracaibo: Universidad del Zulia
10
Sulbarán, Rosa Iraima (2013). La ritualidad en las manifestaciones musicales religiosas de los Pueblos del Sur del Estado Mérida. Mérida: Universidad
de los Andes
11
http://www.acnilo.org/IMPIAV/index.htm

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así como los personajes principales. Y a pesar de que la difusión es más bien poca en las salas de cine, han
colocado en la web varios teaser12 que presentan parte de la valiosa información.

El papel político de la etnomusicología


Las políticas del estado desde 1999 establecen ciertas pautas que han tenido también impacto en la
investigación y formación. A partir de la Constitución de la República Bolivariana de Venezuela se plantea
reforzar una sociedad igualitaria y expandir el poder popular. Se promueven la consideración especial de la
venezolanidad, la independencia identitaria y científica, la participación comunitaria, la conservación del
patrimonio artístico de la nación, así como la difusión de la cultura tradicional venezolana y latinoamericana;
todos valores a los cuales la etnomusicología es predestinada a aportar. Pero no sólo contribuyendo de
manera teórica a nivel académico, sino de manera colaborativa con las comunidades portadoras de sus
culturas locales y regionales. La etnomusicología aplicada, basada en los planteamientos y experiencias de
Paulo Freire, desarrollada por Martha E. Davis, Angela Lühning, Samuel Araujo y muchos otros alrededor del
globo, no había prácticamente llegado a Venezuela hasta el nuevo milenio. Esas investigaciones que parten
de la reflexión crítica de las experiencias propias, que actúan con un compromiso social y emprenden el
aprendizaje cooperativo, son de reciente data y aún poco implementadas. En el ámbito educativo se inserta
con una pedagogía humanista, crítica y comprensiva de los valores individuales y colectivos. La investigación
aplicada siempre es de relevancia social y se rige por principios éticos como la responsabilidad plena, la
justicia, la beneficencia y la autonomía. Su finalidad mayor torna alrededor de la producción de saberes y el
empoderamiento de las artes tradicionales.
Un proyecto clave surge en el marco de la Misión Alma Mater13. Esa propuesta de una nueva
institucionalidad pretende comprometer la educación universitaria con el desarrollo humano integral basado
en la participación protagónica de las comunidades. A partir de la fundación de la Universidad Nacional
Experimental de las Artes en 2009 se apertura una carrera de etnomusicología bajo el nombre de “Tradición
y Contexto” que se inscribe en el formato colaborativo de aprendizaje. Allí se forma en 8 semestres a un
investigador que sobre todo en el eje vertebral de currículum, la materia ‘Música tradicional y contexto
comunitario’ desarrolla sus habilidades y conocimientos dentro de una comunidad y a la vez con ella.
Paralelamente se generan otras carreras novedosas, así Ejecución de instrumentos populares como cuatro,
bandola, arpa, percusión latinoamericana, canto popular y danza tradicional. Sin embargo, hasta ahora estas
otras carreras de formación están mucho menos orientadas hacia la compenetración con las comunidades.

12
https://www.youtube.com/watch?v=odLI-Of0WsQ, https://www.youtube.com/watch?v=jJ9NiE6iD90,
https://www.youtube.com/watch?v=ohOt4D-aK4o
13 Vea las bases en: http://unearte.edu.ve/media/informacion/pdf/mision_alma_mater.pdf

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Por supuesto que estudios como “Tradición y Contexto” representan un sinfín de desafíos para la universidad.
Ella debe revisar y adaptar sus objetivos, metodologías y productos, ya que el campo sería ahora el lugar
principal de la adquisición, reflexión y aplicación de los conocimientos. Además, las producciones son
distintas a las acostumbradas. Ahora deben valer también una exhibición pública en la Casa de cultura,
programas radiales comunitarios, cursos de formación, círculos o grupos culturales, un festival o textos de
circulación oficial.

Esto genera múltiples interrogantes en los distintos grupos involucrados.


Desde la academia surgen preguntas de ese tipo:
¿Cómo se garantiza la integridad física y moral en una sociedad de altísimo índice de inseguridad?
¿Deben aceptarse sólo proyectos que no requieren fondos financieros?
¿Cómo se convence a las autoridades correspondientes de habilitar para una sola carrera un tiempo
corrido y prolongado para la estadía y convivencia en las comunidades, cuando ésta carrera comparte casi el
90% del currículum con las otras carreras?
¿Cómo se aseguran condiciones mínimas de estadía en lugares donde por lo general no existen
hoteles?
¿Cómo se logran convenios ad hoc entre la universidad/el tutor y una comunidad?
Desde el profesor también se generan nuevas reflexiones, así por ejemplo:
¿Cuánto tiempo se necesita para lograr un producto que equivalga a una tesis?
¿Cómo lograr que el educando sea también gerente cultural?
¿Cómo evaluar un proyecto fracasado?
¿Cómo orientar al estudiante para descubrir las necesidades de una comunidad?
¿Quién hace los convenios entre los involucrados?
¿Cómo se tutorean 20 estudiantes en 20 pueblos a la vez?
¿Podrían ser los primeros 2 años orientadores y los 2 siguientes exploratorios?
Los estudiantes se hacen preguntas como las siguientes:
¿Cómo puedo mantener el entusiasmo de una comunidad por años?
¿Cómo se financiarían mis estadías en el campo?
¿Qué hacer cuando no hay dinero para un proyecto necesario?
¿Cómo logro que me respeten como mujer?
¿Hay que cambiar un proyecto si el colectivo no está convencido?
Y por supuesto en las comunidades nacen dudas, entre otras esas:
¿Quién responde por la continuidad de un proyecto?
¿Podemos rechazar un proyecto porque hay otras prioridades?

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¿Cómo se garantiza que la comunidad no quede decepcionada ante un proyecto fallido o cortado,
porque un estudiante no desarrolló suficiente sensibilidad o desempeño o porque abandonó en la mitad del
camino la carrera?
Entonces esas y muchas otras interrogantes deben seguirse discutiendo, además de juntar
experiencias en el transcurso de su ejecución.
La Universidad Nacional Experimental de las Artes cuenta con otro proyecto de etnomusicología
aplicada. En mayo del año 2013 se conforma oficialmente un Equipo de Investigación de Artes Tradicionales
que se plantea realizar investigaciones con y para las comunidades. Para ello elige la figura clave del Maestro
honorario. La universidad había nombrado desde sus inicios en 2009 a más de cien maestros honorarios del
entorno tradicional, reconociendo sus méritos artísticos y socializadores durante largas trayectorias en las
comunidades. Estos maestros son los perfectos facilitadores de comunicación entre su propia comunidad y
la comunidad universitaria. Además, como líderes en su entorno son los más indicados para un diagnóstico
oportuno de las verdaderas necesidades. El equipo multidisciplinario quedó integrado por cultores,
estudiantes y profesores, pero invita igualmente a obreros y trabajadores administrativos interesados.
Se plantea una producción con impactos en tres entornos distintos: comunitario, universitario y
nacional. Sin embargo, en varias ocasiones han incidido las tres áreas. Los formatos son disímiles, desde tesis
de grado, por la generación de un archivo audiovisual y documental público, experiencias de campo para los
estudiantes, la formación de talentos comunitarios, el apoyo mutuo entre comunidad y universidad en forma
de talleres, coloquios y otros encuentros de intercambio, hasta publicaciones formales. Entre las
publicaciones destaca la página web del equipo (www.unearte.edu.ve/atunearte) que está insertada en la
página oficial de la universidad. Allí aparecen productos de diferentes actividades, formatos, profundidades
y autorías. La página fue visitada en los últimos 3 años más de 17.000 veces. Lo interesante es que algunas
publicaciones surgieron a partir de las necesidades de las comunidades. Así tuvimos por ejemplo la dicha de
tener un taller intensivo con el Maestro honorario Cirilo Oberto sobre la manifestación musical danzaría de
la Gaita Perijanera. El maestro lamentaba que las diferentes danzas se difundieran en regiones no originarias
de la tradición con muchos errores. En base a un buen registro del taller, entrevistas al Maestro, análisis y
estudios bibliográficos, se pudo lograr una compleja instrucción que se ofrece ahora a todo interesado.
El proyecto central del Grupo de Investigación de Artes Tradicionales en UNEARTE se fija desde 2013
en la pequeña población de Tarmas, un pueblo costero de muchas tradiciones durante todo el año. En base
a un módico presupuesto externo y el apoyo de la universidad en cuanto a una cómoda oficina y la disposición
de un transporte institucional, se mantiene un permanente contacto e intercambio, en especial en cuanto a
dos manifestaciones: El Entierro de la Sardina para concluir el Carnaval, y las fiestas de San Juan el 24 de
junio. El impacto tanto universitario como comunitario alrededor del Entierro de la Sardina, surge a partir de
la necesidad de reforzar el interés en la costumbre entre los más jóvenes del pueblo, a partir de la

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desincorporación del cuatrista acompañante y del desconocimiento de la población de general de esa


manifestación. Esto se enfrenta a través de la participación con distintos grupos de estudiantes en la
festividad, de un amplio registro audiovisual y testimonial, del apoyo a necesidades de identificación, donde
se produjo mancomunadamente un logo y se estamparon franelas, en la investigación conjunta y la
fabricación de textos, en talleres en ambos centros y la preparación musical de jóvenes cuatristas, así como
a través de la elaboración de un juego didáctico, un manual de ejecución musical y un video informativo. En
cuanto a las fiestas de San Juan, el Maestro honorario de Tarmas, Daniel Benítez, nos comunicó la necesidad
de conocer su historia, ya que observaban muchos cambios en los últimos años. En ese sentido se generó
también una importante participación de estudiantes alrededor de las fiestas que generó un amplio registro
audiovisual y testimonial, parte importante de la investigación histórica. Además se organizaron talleres de
canto, ejecución de tambores y baile en la universidad que sirvieron de base para informaciones minuciosas
y la sensibilización del estudiantado sobre la diversidad de las manifestaciones sanjuaneras. Se produjo un
video que destaca los elementos principales locales, ya que muchas veces los tarmeños se habían lamentado
sobre las confusiones en sus ritmos y bailes en otros lados, se publicaron textos analíticos y hasta programas
de radio.

Fig. 6: Juego didáctico del Entierro de la Sardina en Tarmas de UNEARTE

Además hay una visión que desde principios de este milenio está tomando cada vez más cuerpo en
toda Venezuela que es el planteamiento de la descolonización de la conciencia y de la actitud. En UNEARTE
está ganando espacio como se puede constatar por ejemplo en los múltiples planteamientos que se hicieran

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en sus Jornadas de Investigación14. Esta corriente de pensamiento incluye el cambio de paradigma de


búsqueda de la otredad a la comprensión de la nostredad, es decir no enfrentar al otro como algo ajeno sino
desde adentro como parte de nosotros. Y en ese sentido se van formando nuevas redes de interacción como
la Antropología del Sur15, la cual reclama expresamente “el compromiso del investigador [a] hacer de su
trabajo de investigación un producto con aportes al conocimiento, pero además los mismos deben buscar
una aplicabilidad social, permitiendo contribuir con la población estudiada...” (Mejías 2015). Tanto
explícitamente como implícitamente encontramos esas ideas en muchos trabajos etnomusicológicos de
formación e investigación.
Para finalizar el breve recuento del desarrollo de la etnomusicología en Venezuela es pertinente
hacer mención de un trabajo publicado que había sido un gran desafío durante decenios. El estudio quizás
más consultado por la población en general era, y quizás es aún, el Manual de Folklore (1957) de Isabel Aretz.
Ahí ella abordó muchos temas, por ejemplo la definición de folklore, su estudio, el folklore material (desde
la vivienda hasta los sombreros), el folklore de la organización social, el literario, los instrumentos, danzas y
la música. Por supuesto que no podía profundizar en muchos aspectos. Después de ello llegaron a distribuirse
muchas otras publicaciones, pero jamás una obra que integrara muchas manifestaciones a la vez. En esas
circunstancias surgió el Panorama de tradiciones musicales venezolanas (2014) por Katrin Lengwinat, Ruth
Suniaga y María Teresa Hernández, que ofrece una definición nueva de la música tradicional y establece un
conjunto de características inseparables.

Música tradicional
Intencionalidad grupal, la cual conduce a la pérdida de autorías
Uso y difusión regional en zonas homogéneas
Características

Sin valor comercial


Transmisión memorial, la cual genera variabilidad y la formación de variantes
Creación por las clases populares no dominantes
Dinámica retroactiva entre todos los participantes
Difusión en vivo y en su contexto
Tab. 2: Definición de Música tradicional por Lengwinat

Basándonos en esas características fue creado un sistema clasificatorio para la música


tradicional a partir de la funcionalidad.

14
Vea “Recopilación de Algunas Ponencias Presentadas en las Jornadas de Investigación de la UNEARTE Edición 2015” en:
http://unearte.edu.ve/publicaciones.php
15
Vea http://antropologiasdelsur.org.ve/

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Tab. 3: Clasificación de la Música tradicional por Lengwinat

Este esquema permitió integrar armónicamente y casi sin disyuntiva cualquier manifestación, ya sea
indígena, afro- o hispanovenezolana, de implicación religiosa aborigen, católica, evangélica o santera.
El reto del futuro consiste en seguir sistematizando y profundizando el conocimiento alrededor de
nuestra historia disciplinaria, sobre nuestras culturas musicales vivas y pasadas y sobre todo en saldar la
deuda con sus cultores, generando una revaloración descolonizadora de las manifestaciones genuinas de
nuestra región entre todos nosotros. El encuentro del V SIMA ha sido un gran aporte para entender que
somos hermanados en la historia, las culturas tradicionales y populares, la música, también en la musicología
y hasta en visiones ideológicas del Amazonas y del continente latinoamericano.

Referencias

AGERKOP, T. Piaroa. Venezuela. Caracas: Cajas Auduivisuales INIDEF 1983, 71 pp., 1 casset, 36 diapositivas.

ARETZ, I. Manual de folklore. Caracas: Ministerio de Educación 1957, 219 pp.

DE LA PLAZA, R. Ensayos sobre el arte en Venezuela. Caracas 1883, 311 pp.

Home Fundef: Colecciones (s/f). http://prof.usb.ve/emendoza/web_fundef/inicio/colecciones.


html

LAYNEZ, M. Vida y obra de Luis Felipe Ramón y Rivera. 2006


http://wwwmariadelmarlaynez.blogspot.com/

LENGWINAT, K.; SUNIAGA, R. Panorama de tradiciones musicales venezolanas. Caracas: CELARG/UNEARTE


2014, 380 pp.
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LEWY, M. Imágenes y sonidos de los trópicos: un visionario multimedia en la selva. (s/f)


http://portal.iai.spk-berlin.de/Koch-Gruenberg.98+M52087573ab0.0.html

MANSUTTI-RODRÍGUEZ, A. Yurupaí: máscaras y poder entre los piaroas del Orinoco. Espaço Ameríndio, Porto
Alegre 2012, v. 6, n. 2, p. 46-75, jul./dez.

MEJÍAS, A. Una antropología distinta. 2015 http://antropologiasdelsur.org.ve/?p=1

RAMÓN Y RIVERA, L. F. Fenomenología de la etnomúsica del área latinoamericana. Caracas: Biblioteca INIDEF
1980, no.3, 169 pp.

RAMÓN Y RIVERA, L. F. El joropo: baile nacional de Venezuela. Caracas: Ministerio de Educación 1953, 92 pp.

Revista INIDEF. Caracas

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MESA REDONDA – EDUCAÇÃO MUSICAL

Prof. Dr. Celson Gomes (UFPA)


Professor da Escola de Música da Universidade Federal do Pará (UFPA). Possui doutorado e
mestrado em Educação Musical pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Bacharel em violino pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Dirigiu a Escola de Música
da UFPA (2002-2004). Foi Diretor de Apoio à Cultura (DAC) da Pró-Reitoria de Extensão (2009-
2010). Diretor Geral do Instituto de Ciências da Arte da UFPA (2011-2016). Tem experiências nas áreas de
Educação Musical e Ensino de instrumentos.

Prof.ª Dra. Rosemara Staub (UFAM)


Professora associado do departamento de Artes do Instituto de Ciências Humanas e Letras
da Universidade Federal do Amazonas (UFAM); Professora permanente do Programa de Pós-
Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia/PPGSCA-UFAM. Possui doutorado em
Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2002),
Mestrado em Artes (Música) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho -
UNESP (1996) e graduação em Educação Artística (Música) pela Faculdade de Artes Santa
Marcelina (1982). É líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Música na Amazônia e do Grupo de Estudos e
Pesquisa em Processos de criação em Arte. Coordena as turmas de Primeira licenciatura em Música do Plano
Nacional de Formação de Professores para a Educação Básica/ PARFOR, no interior do Amazonas/AM, desde
2010. Coordenou o curso de Música da UFAM (2012/2013) e o Programa de Pós-Graduação Sociedade e
Cultura na Amazônia/PPGSCA/UFAM (2010/2012). Têm experiência na área de Artes, com ênfase em Arte-
Cultura, Arte-Educação, Artes Visuais e Educação Musical, atuando, principalmente, nos temas de pesquisa:
processos de criação, crítica genética, artes visuais, semiótica da cultura e educação musical.

Prof. Dr. José Ruy Henderson (UEPA)


Professor adjunto do departamento de Artes da Universidade do Estado do Pará. Possui
doutorado em Música (Educação Musical) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul -
UFRGS (2007), Mestrado em Ciência da Computação, pela Universidade Federal de Santa
Catarina – UFSC (2002) e graduação em Educação Artística (Música) pela Universidade do
Estado do Pará – UEPA (1995). Líder do Grupo de Estudo e Pesquisa em Música – GEPEM/UEPA. Coordenou
o Curso de Licenciatura em Música da UEPA (2008-2010), o Núcleo de Educação a Distância – NECAD e
Universidade Aberta do Brasil – UAB da UEPA (2013-2015). Foi coordenador institucional do Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID/UEPA (2011-2016). Atual coordenador de área do
PIBID/UEPA-subprojeto Música (2016). Tem experiências nas áreas de Educação Musical, Música e
Tecnologia e Educação a Distância.

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MESA REDONDA – ETNOMUSICOLOGIA

TRAJETÓRIAS DA PESQUISA EM ETNOMUSICOLOGIA NA PAN AMAZÔNIA

Prof. M.e Marcus Facchin Bonilla (UFT)


É doutorando em Artes pela UFPA na área de etnomusicologia, mestre em Musicologia/
Etnomusicologia pela UDESC (2013), bacharel em Música (violão) pela UFRGS (1993) e
especialista em Educação Musical pela UDESC (1997). Atua como Professor do curso de
Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes Visuais e Música da
Universidade Federal do Tocantins. Possui larga experiência como músico profissional e professor,
principalmente na área de cordas dedilhadas, violão brasileiro, teoria musical e etnomusicologia. Atualmente
desenvolve pesquisas envolvendo a Etnomusicologia e Educação do Campo.

Prof.ª Dra. Liliam Cristina Barros Cohen (UFPA)


Pianista e etnomusicóloga. Possui graduação em Bacharelado em Música Piano pela
Universidade Estadual do Pará (2000), mestrado em Etnomusicologia pela Universidade
Federal da Bahia (2003), doutorado em Etnomusicologia pela Universidade Federal da Bahia
(2006) e Pós-Doutorado em Antropologia pela Universidade de Brasília (2009). Atualmente é
professora da Universidade Federal do Pará e Pós-doutoranda do Centro de Pesquisa e Pós-
Graduação sobre as Américas da Universidade de Brasília. Tem experiência na área de Música, com ênfase
em Etnomusicologia.

Prof. Dr. Bernardo Mesquita (UFAM)


Possui graduação em Educação Artística - Habilitação em Música pela Universidade Estadual
do Pará (UEPA, 2004), Mestrado em Etnomusicologia pela Universidade Federal da Bahia
(UFBA, 2009) e Doutorado em Etnomusicologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA,
2014). Baterista e percussionista, também têm experiência na área de Educação Musical,
Música Popular tradicional e urbana. Como pesquisador atua principalmente nos seguintes temas: história
do Carimbó e dos batuques na Amazônia, Música Afro-Caribenha na Amazônia, hibridismo, identidade e a
relação música e política. Atualmente, é professor de Etnomusicologia e História da Música Brasileira no
Curso de Música da Universidade do Estado do Amazonas, UEA e docente no Programa de Pós-Graduação
Interdisciplinar em Ciências Humanas, Mestrado em Ciências Humanas, Área de Concentração: Teoria,
História e Crítica da Cultura. Além disso, lidera o Grupo de Pesquisa e Práticas Musicais da Amazônia.

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Etnomusicologia e Educação do Campo: algumas aproximações

Marcus Facchin Bonilla


marcusbonilla@uft.edu.br
Universidade Federal do Tocantis

Bom dia a todos e a todas! Quero primeiramente agradecer a Sonia Chada e o Paulo Murilo pelo
convite, e dizer que é uma alegria poder compartilhar esse momento importante no SIMA ao lado de
pesquisadores que eu admiro bastante. Um Cumprimento especial também aos meus companheiros de
mesa, a Liliam Cohem e o Bernardo Mesquita. Aproveito também para parabenizar toda a equipe local do
SIMA que esbanjou empenho, dedicação e eficiência para tornar esse evento realidade.
Estou aqui representando o Estado do Tocantins, através da UFT, Universidade Federal do Tocantins
do campus de Tocantinópolis, como professor do curso de Educação do Campo, com habilitação em Artes e
Música, o único curso desse tipo com essa habilitação no Brasil e na América Latina. E, casualmente, eu fui o
primeiro e, por cerca de um ano, o único professor de música no campus de Tocantinópolis. Hoje, felizmente
tenho mais 3 colegas, e existem mais 5 professores atuando no campus de Arraias, também da UFT. Quero
aproveitar e destacar a presença aqui da professora Shirlene que também é professora de música na
Educação do Campo, porém em uma Escola do Campo no IFPA de Marabá.
O tema que eu escolhi pra essa fala foi: Educação do Campo e Etnomusicologia: algumas
aproximações. Com o tema posto, de imediato já surge uma pergunta inevitável: Afinal, o que tem a ver
música ou a etnomusicologia com a Educação do Campo? É essa aproximação é que vou tentar estabelecer
ao longo dessa fala.
Essa pergunta já me acompanha a mais de 3 anos, desde quando eu fiz concurso para uma vaga na
área de música pro curso de Educação do Campo para a UFT – Tocantins. Abrindo um parêntese, vale lembrar
que o estado do Tocantins é o único da federação que não tem um curso regular e presencial de formação
de professores em música no Brasil, logo, nesse momento, a Educação do Campo está sendo protagonista
nessa função.

Mas afinal, o que é a Educação do Campo?


A Educação do campo nasce nos movimentos sociais, protagonizado principalmente pelo MST. Nesse
sentido, é importante deixar claro que falar de Educação do Campo é, antes de tudo, um posicionamento
político que trata de uma proposta pedagógica que tem como pilar o respeito ao ser humano e a luta pela
educação aos povos do campo. Entendem-se povos do campo os camponeses, os ribeirinhos, os quilombolas,
os assentados da reforma agrária e os indígenas, povos esses que historicamente nunca tiveram voz ou
espaço nas discussões sobre educação. Ou seja, a Educação do campo tem um lado, e não é o lado da elite.

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Trata-se de uma política afirmativa, tal como cotas e políticas de inclusão, criadas para reparar erros
históricos.
O fato de eu pontuar a Educação do Campo aqui nesse V SIMA é também um ato político em dizer
que ela precisa de espaço e precisa de voz, ainda mais no atual contexto de fortes retrocessos, em que a
ponta de baixo é sempre a mais impactada. Nosso curso, que mal começou, já está em risco de extinção.
Traduzindo: é uma fala contra o atual projeto de governo, contra a PEC 241/55 – Contra a reforma do ensino
médio, apoio a ocupação dos estudantes e todas as políticas impostas de forma antidemocráticas que temos
observado ultimamente.
O termo Educação do Campo tem uma noção oposta a noção de Educação Rural que é o que vem
sendo implantada no Brasil desde a colonização, aquela em que quem decide o que deve ou não ser ensinado
nas escolas do campo não é o homem ou a mulher do campo. Também não atende aos interesses do campo
e, sobretudo não respeitam as especificidades e necessidades desses povos. Os currículos adotados nas
escolas das áreas rurais sempre foram elaborados e decididos por pessoas que nunca estiveram no campo,
mas que sabem que essas pessoas precisam ser formadas para atender aos interesses da indústria ou do
agronegócio.
De lado oposto, a Educação do Campo busca uma educação DO e NO campo, e não mais PARA o
campo como tem sido até então. Uma educação que realmente atenda as demandas, os interesses e as
necessidades dos povos do campo, e que seja construída de baixo pra cima de forma democrática e
participativa1.
Nesse sentido ela se difere pedagogicamente da Educação tradicional e possui suas próprias
ferramentas, tendo como referencial norteador os princípios pedagógicos de Paulo Freire (2014), seja pela
construção dialógica de conhecimentos, o respeito aos saberes dos educandos e os saberes tradicionais,
como também pela abordagem crítica e questionadora de conteúdos.
Dentre suas ferramentas, a mais impactante é a Pedagogia da Alternância, uma proposta que nasceu
na França na década de 1930 que prevê dois espaços de construção de conhecimento, sendo um na Escola
de modo intensivo e outro na Comunidade, onde ocorrem necessariamente pesquisas, aplicação prática dos
conteúdos, assim como o envolvimento da família, do trabalho e da comunidade. Nesse espaço ocorre
também a ida de professores para acompanhamento de perto dos processos de pesquisa, assim como
entender as histórias de vida de cada aluno.
Outra ferramenta adotada chama-se caderno da realidade, onde são registradas as pesquisas, as
histórias de vida e demais atividades acadêmicas. No caso específico do nosso curso, por ser ligado à arte,

1
Para mais aprofundamento ver: Munarim (2011); Frigotto (2010), entre outros.

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ampliamos essa ferramenta outros suportes, como produções audiovisuais, músicas ou outros registros
artísticos. (Eu entendo que talvez uma contribuição importante da arte nesse contexto seja justamente a
desconstrução da concepção de realidade adotada pela Educação do Campo e pelos movimentos sociais,
cujo enfoque dado provém do materialismo histórico dialético)2
A abordagem de conteúdos por áreas de conhecimento e não por disciplinas também é defendido
pela Educação do Campo. Trata-se de um ideal ainda distante e também uma questão bastante polêmica e
de pouco consenso no contexto das licenciaturas. Seguindo algumas ferramentas freirianas como os temas
geradores, por exemplo, o profissional de educação do campo deveria ser capaz de saber observar um objeto
por diferentes disciplinas dentro de uma mesma área para construção de conhecimentos com os alunos.
Sobre esse aspecto, no nosso caso, um curso ideal seria o de artes, em que o discente pudesse ter acesso às
diferentes ferramentas de expressão artística e não apenas de música. Ou seja, o aluno não precisa ser um
músico ou um artista plástico virtuose, mas precisa compreender os objetos artísticos de forma mais ampla,
criativa e crítica, de acordo com a realidade dos estudantes. Por outro lado, levando-se em conta que as
escolas do campo são isoladas, distantes e esquecidas pelo poder público, onde dificilmente existe a
contratação de outros professores dessa área, o profissional precisa estar preparado.
No caso da música, muito já se discutiu sobre a importância de se garantir a especificidade dessa área
e dos riscos da polivalência, assim como comemoramos muito a aprovação da lei 11.769 que hoje,
infelizmente foi transformada e não se aplica mais ao ensino médio. Mas vale ressaltar que a proposta por
área da Educação do Campo difere da polivalência no sentido do entendimento de que a construção do
conhecimento se dá de forma colaborativa, crítica e que faça sentido na vida dessas pessoas. Nesse sentido,
de forma salomônica decidimos que, para o próximo PPC, a habilitação do curso será apenas em artes, com
a opção de ênfase em música ou teatro.
A Educação do Campo, apesar de recente já tem um histórico e alguns marcos normativos, dentre os
mais significativos são:
1998 - I conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo – Onde o termo Educação do
Campo foi usado pela primeira vez.
2002 e 2008 – Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. (BRASIL, 2002;
2008)
2006 – Parecer CNE/CEB nº 1 – Estabelece Dias Letivos para a aplicação da pedagogia da
Alternância nos Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFA). (BRASIL, 2006)

2
Para mais aprofundamento ver: Gimonet (2007); Nosella (2014); Ribeiro (2008); Silva, Andrade e Moreira (2015), entre
outros.

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2010 – Decreto nº 7352 – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA. (BRASIL,
2010a)
2010 – PL nº 8035/2010 - Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-2020 (PNE - 2011/2020).
(BRASIL, 2010b)
2012 - Edital de Seleção nº 02/2012 – SESU/SETEC/SECADI/MEC, de 31 de agosto de 2012. (BRASIL,
2012). Que viabilizou a criação de 42 cursos de Licenciatura em Educação do Campo por todo o Brasil, sendo
que 4 deles localizados aqui no Estado do Pará, nas cidades de Abaetetuba, Cametá, Altamira e Marabá.
2014 – 7 de Maio - Início do curso de Educação do Campo em Tocantinópolis, TO. Nasce então os 2
cursos de Licenciatura em Educação do Campo: área códigos e linguagens - habilitação em artes e musica, na
UFT, distribuídos entre os campi de Tocantinópolis, norte do estado e Arraias, sul do estado.
Apenas pra ambientar o lugar desse curso, a cidade de Tocantinópolis que eu atuo é um pequeno
município de cerca de 12 mil habitantes, apesar do tamanho, é uma das principais cidades da região do Bico
do Papagaio, extremo norte do Tocantins, ou na meso região chamada de Tocantina, entre o os estados
Maranhão e o Pará. Região de muitos conflitos, principalmente agrários e com cidades que possuem os
menores Índices de Desenvolvimento Humano - IDH do Brasil. A região também foi palco da guerrilha do
Araguaia na década de 1970, um dos mais sangrentos episódios da ditadura militar que, apesar do empenho
do governo ditador da época de apagar os rastros, deixou marcas de medo e terror até os dias de hoje, além
do assassinato do líder campesino Padre Josimo, que transformou-se em um dos mártires dos movimentos
sociais do campo, sobretudo na região amazônica.

Algumas características do curso


Hoje contamos com 3 turmas em andamento no curso e com edital aberto do vestibular para o
ingresso da próxima turma ano que vem, assim como também temos a previsão de formatura da primeira
turma ao final do próximo ano. Nossos alunos são pessoas da própria cidade, assentados da reforma agrária,
camponeses, quilombolas e indígenas, além de alunos com necessidades especiais. Apesar de 68% do
território da cidade ser reserva indígena Apinayé, o acesso desses na Universidade ainda é restrito. Uma
conquista recente foi que, depois de 2 anos de curso com praticamente exclusão desses povos no processo
de vestibular, conseguimos redução de entraves burocráticos, assim como garantir que as provas desses
indígenas fossem corrigias por etnolinguistas, o que resultou em um aumento significativo dessas populações
no curso. Contamos hoje com 13 estudantes dessa etnia matriculados regularmente.
O Tocantins conta também com 44 comunidades quilombolas, 7 delas ainda em processo de
aquisição de certificado. No curso de Tocantinópolis temos representantes de pelo menos 3 dessas
comunidades, já o curso de Arraias conta com quase 50% dos discentes dessas populações.

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Uma dessas comunidades, a do Mumbuca que localiza-se na região do Jalapão, foi a que escolhi para
desenvolver meu projeto de doutorado em Artes, com enfoque em etnomusicologia, por sua forte relação
com as artes e a música, assim como pela peculiaridade do uso da viola de buriti como instrumento
representativo, instrumento esse criado e desenvolvido pelos músicos e artesão da comunidade, conforme
apresentei na comunicação de terça-feira nesse mesmo V SIMA.
Puxando esse gancho, quero destacar os pouquíssimos trabalhos em etnomusicologia que me
deparei nesse período em que estou no Tocantins. Um deles é um projeto colaborativo da ONG Centro de
Trabalho Indigenista, que tem como objetivo contribuir para que os Povos Indígenas assumam o controle
efetivo de toda e qualquer intervenção em seus territórios. Destaco aqui o trabalho de criação do Arquivo
Musical Timbira localizado na cidade de Carolina, MA. Os Timbira são formados por 6 etnias do tronco Jê
distribuídos entre o Maranhão, o Pará e o Tocantins, entre eles os Apinayé e os Khraôs que localizam-se no
Tocantins. (TYGEL, 2008)
O mais famoso cantor Apinayé da região, o Zé Cabelo, montou seu repertório depois de longa
pesquisa nesses arquivos, conforme me relatou o antropólogo André Demarchi, que estuda esses povos, e
meu colega no Tocantins, o que demonstra o respeito e a importância desse acervo pra os povos Timbira.
Também existe um filme criado, dirigido e protagonizado pelos Krahô e disponível no portal do Youtube
chamado: Sustentando o cerrado na respiração do maracá: conversas com os mestres Krahô3.
Recentemente o Walace Rodrigues defendeu sua tese de doutoramento na Holanda com o tema O
processo de ensino-aprendizagem Apinayé através da confecção de seus instrumentos Musicais. Apesar do
foco principal do trabalho ser os processos de ensino-aprendizagem na visão das artes visuais, esse trabalho
dialoga muito com a etnomusicologia, principalmente na revisão bibliográfica dos instrumentos Apinayé. De
forma mais remota outro trabalho no Tocantins é de Pedro Paulo Salles sobre a trompa Karajá na Ilha do
Bananal, sudoeste do estado. (SALLES, 2011)
Só por curiosidade, fiz também uma busca nos ANAIS da ANPPOM dos últimos 10 anos, digitando o
nome Tocantins, me remetendo a apenas um trabalho no ano de 2008 de Heitor Oliveira sobre identidade
da música popular urbana na cidade de Palmas.
Fazendo então um balanço sobre o curso de licenciatura Educação do Campo com habilitação em
artes e música na UFT, trago aqui algumas considerações.

3
https://www.youtube.com/watch?v=KeKlXv9L8bw Acesso em 24 nov de 2016.

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Primeiro algumas situações a superar:


• Muita dificuldade em lidar com tamanha diversidade em turmas grandes e ainda buscando
abordagens contra hegemônicas;
• Dificuldade de adaptar as especificidades do curso com os entraves burocráticos da
Universidade;
• Superar algumas barreiras com relação à escrita e o português de alguns alunos, lembrando
que, no caso dos indígenas, o português é a segunda língua e de outros alunos que vieram
de um ensino médio bastante precarizado das “escolas rurais”;
• Lidar com restrições de toda ordem, seja da estrutura do curso em si, com turmas
superlotadas, sem laboratórios, sem instrumentos, sem internet, até situações de extrema
pobreza enfrentadas por alguns discentes;
• Entraves entre a proposição afirmativa do curso e as instâncias burocráticas excludentes da
Universidade;
• Uma mudança urgente do currículo também se faz necessária para adequação das realidades
do curso, assunto que já vem sendo arduamente trabalhado esses 3 anos e pretende-se
implantar um novo PPC reformulado já para o próximo semestre.

Segundo as alegrias nesse caminho escolhido:


• Importância dos trabalhos realizados em Tempo Comunidade, tanto pela riqueza das
pesquisas trazidas pelos discentes como pela riqueza, ainda maior, das atividades
envolvendo nós docentes nas comunidades dos alunos, com certeza um ganho pedagógico,
além do nosso ganho pessoal;
• A realização do I e II festival de vídeos de 1 minuto como proposta pedagógica para sintetizar
os processos artísticos do curso mostrou-se uma ferramenta riquíssima, tanto pela
construção de conhecimento, de produção artística, de envolvimento dos discentes com os
docentes, mas também como um catalisador de processos críticos em arte, possibilitando a
integração das disciplinas em torno desse suporte, usando como ferramenta apenas os
recursos aos quais os alunos tinham acesso, como celulares e computadores pessoais
compartilhados entre eles4;

4
Ver (SILVA; PAULA e BONILLA, 2016)

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• O trabalho de campo que propusemos nos sítios arqueológicos da Serra da Capivara / PI, foi
e tem sido uma experiência marcante, e de muita riqueza para o entendimento dos
processos hegemônicos e contra hegemônicos, principalmente em arte e música;
• A criação da Revista Brasileira de Educação do Campo, criada pelo nosso colegiado e que já
caminha para a segunda edição. Está aberta para submissão de trabalhos envolvendo
também a música em contextos contra-hegemônicos ou no campo. Aproveito e convido a
todos a conhecerem e também a submeterem artigos.

Sabemos que a Educação do Campo não é a solução mágica pra todos os problemas da educação,
mas a educação tradicional também não resolveu os problemas que enfrentamos nessa área no Brasil,
sobretudo para os menos favorecidos. Ao menos, trata-se de um caminho que olha por aqueles que eram
invisíveis até então. Como reza a lenda, um ex-governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro costumava
proferir aos seus assessores: “se for pra errar, que seja pela esquerda”, frase que me parece adequada
também nesse contexto.
Para finalizar, entendo que a Educação do Campo aproxima-se muito da Etnomusicologia, sobretudo
pela metodologia, que prima pelo cuidado de ouvir e dar voz as pessoas e as músicas das populações do
campo e de grupos minoritários. O resultado é que a cada turma do curso, um trabalho etnomusicológico
novo, em que o aprendizado é tanto dos discentes como dos docentes, na mesma medida, sem hierarquias
e em respeito mútuo.
Muito obrigado!!

Referências

BRASIL. RESOLUÇÃO CNE/CEB 1, DE 3 DE ABRIL DE 2002. Disponível em:


<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=13800-rceb001-02-
pdf&Itemid=30192> Acesso em 24 nov 2016.

_________. RESOLUÇÃO Nº 2, DE 28 DE ABRIL DE 2008. Disponível em:


<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/2008/rceb002_08.pdf> Acesso em 24 nov 2016.

_________. Parecer CNE/CEB nº1 de 2006. Disponível em:


<http://pronacampo.mec.gov.br/images/pdf/mn_parecer_1_de_1_de_fevereiro_de_2006.pdf > Acesso em
24 nov 2016.

_________. Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-2020. 2010a. Disponível em:
<http://fne.mec.gov.br/images/pdf/notas_tecnicas_pne_2011_2020.pdf> Acesso em 24 nov 2016.

_________. Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010. Dispõe sobre a política de educação do campo e
o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA. 2010b. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7352.htm> Acesso em: 19 fev. 2016.

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_______. Ministério da Educação. Edital de Seleção nº 02/2012 - SESU/SETEC/SECADI/MEC de 31 de agosto


de 2012. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=13300&Itemid=>.
Acesso em: 19 fev. 2016.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 58 ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2014.

FRIGOTTO, G. Projeto societário contra-hegemônico e educação do campo: desafios de conteúdo, método e


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GIMONET, J.-C. Praticar e compreender a Pedagogia da Alternância dos CEFFAs. Petrópolis: Vozes; Paris:
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MUNARIM, A. Educação do campo e políticas públicas: controvérsias teóricas e políticas. MUNARIM, A. et al.
Educação do Campo: Políticas públicas, territorialidades e práticas pedagógicas. Florianópolis: Insular, 2011.
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SALLES, Pedro Paulo. ĂDJŪRŌNÁ: PERCURSOS SIMBÓLICOS


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contexto de uma licenciatura em Educação do Campo. Nupeart, Florianópolis, v. 15, n. 1, jan./jun. 2016. (no
prelo)

TYGEL, Júlia Zanlorenze. A etnomusicologia participativa na academia: alguns apontamentos. In: Anais IV
ENABET – Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia, Maceió, 2008.

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MESA REDONDA – MUSICOLOGIA

Prof. Dr. Gustavo Frosi Benetti (UFRR)


Professor do Curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal de Roraima. Possui
doutorado em Música pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Coordenador do Grupo de
Pesquisa “Musicologia na Amazônia” (MusA). Pesquisa temas ligados à historiografia musical
brasileira, arquivologia aplicada à música e edição musical.

Prof. Dr. Fernando Lacerda Simões Duarte


Pesquisador independente em Musicologia. Doutor em Música pela Universidade Estadual
Paulista (UNESP) com pesquisa documental em acervos brasileiros nos vinte e seis estados
e Distrito Federal. Tem se dedicado a temas relacionados à música ritual (litúrgica e
paralitúrgica) da Igreja Católica, acervos musicais e patrimônio cultural.

Prof. M.e André Alves Gaby (UFPA)


Professor da Escola de Música da Universidade Federal do Pará. Possui mestrado em
Música pelo Conservatório Giuseppe Verdi de Turim (Itália) em canto gregoriano.
Desde 2013 se dedica à divulgação do canto gregoriano no meio acadêmico através de
Extensão Universitária. Iniciou a pesquisa sobre o canto chão dos mercedários do Pará
em 2015, através da investigação do volume Rituale sacris, regalis, ac militaris ordinis,
B. V. Mariae de Mercede redemptionis captivorum, ad usum fratrum ejusdem ordinis
in Congregatione Magni Paraensi commorantium, jussu R. P. praedicatoris Fr. Joannis da Veiga in Civitate
Paraensi ejusdem Ordinis Commendatoris elaboratum, & in lucem editum.

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Música e História na Amazônia: subsídios para a pesquisa bibliográfica

Gustavo Frosi Benetti


gustavo.benetti@outlook.com
Universidade Federal de Roraima

Resumo: Esta proposta tem como objetivo fornecer subsídios à pesquisa


bibliográfica, no âmbito da musicologia, sobre a região amazônica. Para tanto,
utiliza como recurso uma adaptação das categorias bibliográficas propostas por
Duckles. Aponta materiais de interesse à pesquisa musicológica na Amazônia,
visando ampliar as investigações nesse contexto.
Palavras-chave: Musicologia. Bibliografia. Amazônia.

Abstract: This paper aims to provide sources for bibliographic research in


musicology, considering the Amazon region. As method, uses an adaptation os the
bibliographic categories established by Duckles. It points out materials of interes to
musicological research in Amazon, to increase the investigations in this context.
Keywords: Musicology. Bibliography. Amazon.

1. Panorama da pesquisa musicológica na Amazônia


A região amazônica brasileira consiste em tema de interesse historiográfico desde o século XVI, sendo
discutida em tratados, relatos de viajantes e obras de assuntos diversos. A música desse contexto, todavia,
ainda é um tema sobre o qual há escassez de fontes. A partir do final do século XIX, considerando-se a
expansão econômica da região, houve um sensível aumento dos registros da atividade musical.
Atualmente, apesar de um crescente interesse sobre a música na região, as iniciativas de pesquisa
vêm sendo estabelecidas lentamente, geralmente vinculadas às universidades. Houve, nos últimos anos, a
implantação de diversos cursos de graduação em música, os quais estão presentes em quase todos os estados
que compreendem a Amazônia brasileira. No âmbito da pós-graduação, há dois cursos que contemplam a
música como linha de pesquisa, um em artes no Pará e outro interdisciplinar no Amazonas. No Diretório dos
Grupos de Pesquisa no Brasil (DGP), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), há atualmente sete grupos de pesquisa em música na Amazônia, sendo quatro sediados no Pará,
dois no Amazonas e um em Roraima.
Dentre as pesquisas realizadas nas instituições, percebe-se um desenvolvimento considerável dos
trabalhos de orientação etnográfica, todavia, há escassez de pesquisa histórica. Pretende-se, através deste
texto, fornecer subsídios para viabilizar o acesso à bibliografia musical relativa à região e, consequentemente,
contribuir para a pesquisa musicológica histórica na Amazônia.

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2. Musicologia e a pesquisa bibliográfica


A produção do conhecimento é um processo contínuo, não ocorre de forma isolada, pontual. Novas
ideias e pesquisas são apresentadas constantemente no meio científico, proporcionando distintas
interpretações. A revisão de bibliografia, de acordo com Sampieri, Collado e Lucio, “[...] consiste em
identificar, obter e consultar a bibliografia e outros materiais que sejam úteis para os objetivos do estudo,
do qual se deve extrair e recompilar a informação relevante e necessária sobre o nosso problema de
pesquisa” (2006, p. 54, grifo dos autores). Busca-se para tal tarefa o maior número possível de referências
relacionadas direta ou indiretamente ao tema escolhido e, desta forma, permite-se a observação de uma
série ampla de fenômenos. Além disso, a revisão fornece ao leitor informações básicas sobre a pesquisa, bem
como demonstra o nível de conhecimento do pesquisador sobre o tema.
Uma revisão criteriosa e atualizada contribui para a obtenção de resultados consistentes. Por outro
lado, uma revisão insuficiente pode comprometer a pesquisa. A eficiência do processo de revisão
bibliográfica depende da busca pelo maior número possível de materiais relacionados ao tema. Para cada
obra consultada, devem-se buscar na lista de referências as publicações consultadas que se refiram, direta
ou indiretamente, ao tema da pesquisa. Esse processo gera novas possibilidades, até o momento em que se
constate a repetição das referências consultadas. Quando os títulos se repetem, por cruzamento das
referências diversas, pode-se assumir que há uma considerável parcela do material já revisado sobre o tema
da pesquisa (BENETTI, 2015, p. 45).
Para organizar a pesquisa bibliográfica em música, Duckles propôs a obra Music Reference and
Research Materials (DUCKLES; REED; KELLER, 1997), na qual busca-se categorizar tipos de bibliografias
específicas para a pesquisa em música. Esta metodologia visa uma busca organizada de materiais, a partir de
bibliografia especializada e, considera principalmente o tipo de informação possível de ser encontrada,
conforme segue:
1) dicionários e enciclopédias: caracterizam-se como obras nas quais os assuntos abordados são
listados alfabeticamente. Enciclopédias tendem a fornecer informações mais detalhadas do que dicionários,
embora os dois termos sejam por vezes utilizados alternadamente. Geralmente, obras de volume único
intitulam-se enciclopédias, enquanto os dicionários podem estar publicados em diversos volumes. Há uma
subdivisão particularmente interessante: trata-se da terceira subcategoria, dicionários de orientação
nacional, com obras específicas sobre a música brasileira.

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2) histórias e cronologias: os autores listados tratam somente de “histórias da música ocidental nos
principais idiomas europeus, juntamente a algumas das histórias ‘paralelas’ mais recentes”1 (DUCKLES; REED;
KELLER, 1997, p. 115, tradução nossa). Há indicação de obras sobre a música latino-americana e, podem-se
incluir aqui as diversas histórias da música brasileira.
3) guias de musicologia: aborda principalmente obras sobre métodos, técnicas e teorias da pesquisa
musicológica, inclusive das disciplinas auxiliares da musicologia. Subdivide-se em três seções: métodos de
pesquisa, edição e escrita; performance; e obras gerais sobre a “musicologia como um campo de estudo,
incluindo obras clássicas; estudos que promovem uma autocrítica da disciplina; estudos sobre a nova
musicologia; e estudos que se concentram nos recentes desenvolvimentos das subdisciplinas”2 (DUCKLES;
REED; KELLER, 1997, p. 141, tradução nossa).
4) literatura musical: compreende escritos sobre música como artigos de periódicos, teses e
dissertações. Trata-se da principal categoria utilizada neste texto, que a partir de referências de temáticas
abertas, pode indicar categorias específicas para aprofundamento dos temas.
5) bibliografias de música: encontram-se referências de partituras.
6) obras de referência de compositores individuais e suas obras: indicações de listas de obras,
biobibliográficas e catálogos temáticos.
7) catálogos de bibliotecas de música e coleções: lista dos catálogos das principais bibliotecas de
música do mundo e acervos.
8) catálogos de instrumentos musicais e coleções: referências sobre os catálogos de coleções
especializadas de instrumentos musicais.
9) histórias e bibliografias de impressão e publicação musical: incluem-se bibliografias sobre as
principais editoras de música, além de obras voltadas aos processos técnicos de impressão musical.
10) discografias e fontes relacionadas: estão contidas informações, em formato de catálogo, sobre
bibliografias de discografias.
11) anuários, diretórios e guias: obras para referências sobre dados de atividades musicais específicas
de um local delimitado ou de um período curto.
12) recursos eletrônicos de informação: lista principalmente bases de dados disponíveis em rede. As
fontes em meio eletrônico representam grande parte do conhecimento produzido na área. Além disso, a

1
“standard general histories of music in the major European languages together with some of the more recent outline
histories”.
2
“musicology as a field of study, including classic works; studies that offer a critical self-assessment of the discipline;
studies outlining the New Musicology; and studies that focus on recent developments in the subdisciplines”.

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informação em rede possibilita o acesso a referências de diversas localidades em um tempo reduzido. Grande
parte das obras inseridas nas outras categorias se encontra disponível em repositórios online.
13) bibliografia, indústria musical e biblioteconomia: categoria aberta, menos definida, que lista
estudos sobre bibliografia musical e também sobre o aspecto comercial da música.
Como exemplo de pesquisa bibliográfica voltada à musicologia histórica pode-se citar a tese de
doutorado deste autor, intitulada Guilherme de Mello revisitado: uma análise da obra ‘A musica no Brasil’
(BENETTI, 2015), da qual um dos produtos foi o texto para a edição crítico-genética do livro de Guilherme de
Mello. Um dos desafios da pesquisa foi compreender o processo da gênese da obra no âmbito bibliográfico,
visto que a maior parte do referencial teórico do autor não estava explícito, procedimento comum no Brasil
à época da publicação, início do século XX. Dessa pesquisa, verificou-se uma metodologia em três grandes
etapas, classificadas a partir do nível de informação acerca da fonte:
1) referência à obra: – quando em algum momento do livro um título é citado, trata-se de uma fonte
em potencial para outros trechos sem referência e por isso deve ser verificada integralmente. Para tanto,
realizaram-se os seguintes procedimentos:
a) estudo sobre a obra: edições, dados da publicação etc.;
b) identificação da possível edição utilizada por Mello;
c) leitura completa;
d) mapeamento de possíveis citações;
e) análise comparativa: excertos identificados / objeto de estudo;
f) fichamento.
2) referência somente ao autor: – quando um autor é citado sem indicação de obra, trata-se de
referência incompleta, sobre a qual há uma série de fontes em potencial que devem ser verificadas, conforme
os procedimentos a seguir:
a) estudo sobre o autor: obras, edições, contexto;
b) identificação da obra utilizada por Mello;
c) aplica-se o item 1.
3) sem referência – os excertos com fonte não identificada a partir dos procedimentos anteriores
também podem ser citações ou paráfrases, por isso, procede-se à verificação destes, conforme segue:
a) pesquisa no Google utilizando termos descritores diversos;
b) redirecionamento à base de dados na qual a obra encontra-se disponível;
c) aplica-se o item 1.
Tais procedimentos foram definidos para um objeto específico, todavia, podem ser úteis para edições
críticas e para outros trabalhos bibliográficos. Como a pesquisa musicológica na Amazônia ainda carece de

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fontes, verificar referências bibliográficas ora esquecidas pode abrir possibilidades para novas investigações
sobre a música na região.

3. Bibliografia musical histórica na Amazônia


Neste texto não há a pretensão de fornecer uma vasta pesquisa de fontes bibliográficas sobre música
na região, mas, de indicar materiais de interesse, alguns ora esquecidos, para impulsionar a pesquisa
musicológica histórica na Amazônia. No âmbito da literatura musical encontram-se os relatos de viajantes,
textos mais antigos de caráter descritivo de aspectos diversos. Destaca-se o Tratado descriptivo do Brasil em
1587 (1851) de Gabriel Soares de Sousa, que trata em detalhes sobre aspectos geográficos e etnográficos na
Amazônia. Também dedicaram páginas relevantes à região Spix e Martius (1823) e Koch-Grünberg (1923). O
último reservou parte do terceiro volume da obra Vom Roroima zum Orinoco às manifestações musicais de
algumas etnias de Roraima, inclusive com a produção de registros sonoros e filmes.
Além dos viajantes europeus, há também obras literárias de interesse para a área publicadas por
brasileiros no final do século XIX. O selvagem (1876), de Couto de Magalhães, reproduz uma visão
colonizadora, eurocêntrica, baseada em determinismos e preceitos do evolucionismo social. Todavia, traz
informações relevantes sobre o contexto amazônico da época. Mello Moraes Filho, autor que se ocupou de
pesquisa em folclore, consiste em autor relevante para a pesquisa musicológica do período, com destaque
para o livro Patria selvagem, A floresta e a vida; Mythos amazonicos; Os escravos vermelhos ([189?]).
Mello Moraes Filho também foi o organizador da Revista da Exposição Anthopologica Brazileira
(1882), obra imprescindível aos estudos musicais em contexto amazônico do período que, além de textos
dele próprio, traz discussões de Deleau, Lacerda, Barbosa Rodrigues, Padre João Daniel, Orville Derby e Couto
de Magalhães. Da literatura musical, considerando textos em periódicos, destaca-se ainda Entre o Madeira e
o Javary (1904), de Euclydes da Cunha e Aspecto da arte brasileira colonial (1898), de Cunha Barbosa. Este
último foi publicado na revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), periódico relevante para
a pesquisa musicológica na região da Amazônia. Segue sendo publicado, com primeiro número de 1839 e
que se encontra integralmente disponível no site do IHGB.
Em relação às obras de referência específicas sobre música, ressaltam-se os trabalhos pioneiros de
João Mohana (1974) e de Vicente Salles (1980). Mais recentemente, as produções acadêmicas de doutorado
dos pesquisadores Márcio Páscoa (2003) sobre José Malcher, João Berchmans de Carvalho Sobrinho (2004)
sobre Leocádio Rayol e Alberto Dantas Filho (2006). Nestas já há uma discussão específica sobre
compositores, obras e seus contextos de produção e recepção. Entre os livros de referência de compositores
individuais e suas obras há o trabalho de Ronaldo Miranda (1979), sobre Waldemar Henrique. Há outros
músicos relevantes, os quais tiveram atuação no contexto amazônico, que carecem de pesquisa. Entre eles

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cita-se Adelelmo do Nascimento, Corbiniano Villaça, Meneleu Campos, Miguel Torres, Antonio Rayol,
Francisco Colás e Henrique Gurjão.

4. Considerações
Apesar da ampliação do Ensino Superior em música ocorrida nos últimos anos nos estados da Região
Norte do Brasil, a pesquisa musicológica sobre a Amazônia ainda é escassa. Trata-se de um campo aberto,
de inúmeras possibilidades e, necessário à compreensão da atividade musical. Conforme apontado, há
escassa literatura musical, mas também há materiais provenientes de outras áreas que podem subsidiar a
discussão sobre a música na Amazônia.

Referências bibliográficas

BARBOSA, A. C. Aspecto da arte brazileira colonial. Revista trimensal do Instituto Historico e Geographico
Brazileiro, Rio de Janeiro, v. 61, parte 1, p. 95-154, 1898. Disponível em:
<https://ihgb.org.br/publicacoes/revista-ihgb.html>. Acesso em: 6 nov. 2016.

BENETTI, G. F. Guilherme de Mello revisitado: uma análise da obra ‘A musica no Brasil’. 2015, 677 p. Tese
(Doutorado em Música)-Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.

CARVALHO SOBRINHO, J. B. A música religiosa de Leocádio Rayol (1849-1909) e sua relação com o Maranhão
do Século XIX: um estudo musicológico, com transcrição, análise e perspectiva histórica. 2003. Tese
(Doutorado em Música)-Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004.

CUNHA, E. Entre o Madeira e o Javary. O Estado de São Paulo, São Paulo, 29 maio 1904.

DANTAS FILHO, Alberto. O acervo musical João Mohana e a vida musical litúrgica no Maranhão Imperial: o
‘Romantismo de província’ como ornamentalismo hegemônico na Ilha de São Luís – 1836-1892. 2006. Tese
(Doutorado em Música)-Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2006.

DUCKLES, V. H.; REED, I.; KELLER, M. A. Music Reference and Research Materials: An Annotated Bibliography.
5. ed. New York: Schirmer Books, 1997.

KOCH-GRÜNBERG, T. Vom Roroima zum Orinoco. v. 3. Stuttgart: Strecker und Schröder, 1923.

MAGALHÃES, J. C. O selvagem. v. 2. Rio de Janeiro: Typographia da Reforma, 1876.

MIRANDA, R. Waldemar Henrique: compositor brasileiro. Belém: Falângola, 1979.

MOHANA, J. A grande música do Maranhão. Rio de Janeiro: Agir Editora. 1974.

MORAES FILHO, A. J. M. Patria selvagem; A floresta e a vida; Mythos amazonicos; Os escravos vermelhos. Rio
de Janeiro: H. Garnier, [189?].

______. (Org.). Revista da Exposição Anthropologica Brazileira. Rio de Janeiro: Typographia de Pinheiro & C.,
1882. 160 p.

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PÁSCOA, M. Ópera na Amazônia na Época da Borracha (1880-1907): Bug Jargal, de José Cândido da Gama
Malcher. 2003. Tese (Doutorado em Música)-Universidade de Coimbra, Coimbra, 2003.

SALLES, V. A música e o tempo no Grão-Pará. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1980.

SAMPIERI, R. H.; COLLADO, C. F.; LUCIO, P. B. Metodologia de pesquisa. 3. ed. São Paulo: McGraw-Hill, 2006.

SOUSA, G. S. Tratado descriptivo do Brasil em 1587. Editado por Francisco Adolpho de Varnhagen. Rio de
Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1851.

SPIX, J. B.; MARTIUS, C. F. P. Reise in Brasilien. München: M. Lindauer, 1823.

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Pesquisa documental na Amazônia: um olhar panorâmico sobre os acervos

Fernando Lacerda Simões Duarte


lacerda.lacerda@yahoo.com.br
PPG-MUS/UFMG, CAPES/PNPD

Resumo: O presente trabalho apresentado em mesa-redonda tem como objetivo


apresentar uma reflexão acerca dos desafios da pesquisa de fontes musicais na
Amazônia, seja nas peculiaridades observadas nesta região, seja aqueles comuns
ao restante do país. Misto de pesquisa exploratória e reflexão teórica, o trabalho
tem como quadro teórico as noções de metamemória, identidade e affordance do
patrimônio cultural em Joël Candau, bem como remete à tipologia das redes de
Paul Baran para fundamentar a reflexão acerca da atividade musicológica que aqui
se propõe. Os resultados apontam para um ampliado campo de estudos que não
deve abordado de maneira isolada, bem como para a necessidade de uma rede
musicológica multicentralizada que envolva de maneira mais efetiva a Amazônia.
Palavras-chave: Salvaguarda e pesquisa do patrimônio musical. Arquivologia
musical. Música na Amazônia. Fontes musicais. Rede musicológica.

Abstract: This paper presented at panel discussion intends to present a reflection


on the research challenges of musical sources in the Amazon, both in the
peculiarities observed in this region, as those common to the rest of the country.
Jointing exploratory research and theoretical reflection, the paper has as
theoretical framework the notions of metamemory, identity and affordances of
cultural heritage by Joël Candau, and refers to the networks types by Paul Baran to
support the reflection on the musicological activity proposed here. The results
point to an expanded field of study that must not be approached in isolation, as
well as the need for a multi-centered musicological network involving more
effectively the Amazon.
Keywords: Safeguarding and research of musical heritage. Musical Archivology.
Music in the Amazon. Musical sources. Musicological network.

Introdução
O presente trabalho – apresentado na mesa-redonda da subárea de Musicologia – discute
desdobramentos da pesquisa de campo em busca de acervos musicais, realizada durante a elaboração de
nossa investigação de doutorado em música, bem como de trabalhos pontuais posteriores à defesa. O
enfoque da pesquisa de doutorado recaiu sobre as práticas musicais do catolicismo romano no Brasil entre
1903 e 2013 a partir das noções de memória e esquecimento (DUARTE, 2016b). Atualmente, em estágio pós-
doutoral, o objeto de estudo se mantém, propondo-se, entretanto, uma abordagem das continuidades e
rupturas em longa duração, a partir de fontes musicais documentais do estado de Minas Gerais.
Ao se considerar que fontes musicais utilizadas com finalidade religiosa podem ser recolhidas a
diversas categorias de entidades custodiadoras, o trabalho de campo tem considerado os arquivos paroquiais

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– institucionais e de coros –, diocesanos, públicos, fundos documentais pessoais ou familiares, bibliotecas


públicas – sobretudo, a sessão de obras raras – e universitárias, além de teatros, bandas de música e outras
agremiações. Durante a realização do trabalho de campo havia ainda o interesse específico pelo
mapeamento de acervos, razão pela qual não foram eliminadas quaisquer possibilidades de buscas junto a
instituições ou pessoas que pudessem eventualmente guardar partituras, recortes de jornais ou qualquer
outra fonte útil ao estudo musicológico. Deste modo, também consideramos:

[...] como fonte pro estudo de qualquer aspecto relacionado à Musicologia todo
documento, material bibliográfico ou pessoa que possa proporcionar informações
ao pesquisador sobre qualquer dos campos desta ciência. [...] o conceito de fonte
é mais amplo do que o de documento, pois este não compreende a maior parte da
bibliografia que se ocupa dos temas do objeto de estudo, que não proporciona
informações “em primeira mão”, mas que em muitos casos orienta
significativamente o pesquisador. [...] Dentro das fontes, algumas serão
propriamente musicais, como as partituras, registros sonoros etc., e outras,
“perimusicais”; estas últimas não contêm música diretamente, mas proporcionam
informação relativa a ela. Neste grupo encontramos atas de reuniões, livros de
caixa, e uma grande variedade (GÓMEZ GONZÁLEZ et al., 2008, p.93, tradução
nossa1).

O interesse pela memória das práticas musicais e a busca pela produção de narratividades a partir
das fontes musicais é um dos vieses possíveis de estudo destas fontes. Majoritário na musicologia brasileira
ao longo de algumas décadas parece ter sido, entretanto, o interesse pelo resgate das obras contidas nos
suportes materiais através da edição. Este enfoque não escapou, entretanto, às críticas daqueles que
propunham uma abordagem dos contextos nos quais se deram as execuções das obras, qualificando o
trabalho editorial como positivista (KERMAN, 1987). Ao se pensar a realidade brasileira, tal crítica parece
improcedente, uma vez que por mais que tenha havido no passado um intenso trabalho voltado à
preservação, estudo e edição de fontes musicais2 por parte de vários musicólogos, o risco do perecimento

1
“[...] como fuente para el estudio de cualquier aspecto relacionado con la musicologia a todo documento, material
bibliográfico o persona, que pueda proporcionar información al investigador sobre cualquiera de los campos de esta
ciencia. [...]el concepto de fuente es más amplio que el de documento, pues éste no comprende la mayor parte de la
bibliografía que se ocupa de los temas objeto de estudio, que no proporciona información ‘de primera mano’ , pero que
en muchos casos orienta significativamente al investigador. [...]Dentro de las fuentes, algunas serán propiamente
musicales, como las partituras, registros sonoros, etc., y otras perimusicales; estas últimas no contienen directamente
música, pero proporcionan información relacionada con ella. En este grupo encontraremos actas de reuniones, libros
de cuentas y un largo etcétera” (GÓMEZ GONZÁLEZ et al., 2008, p.93).
2
É possível citar, dentre outros, frei Pedro Sinzig, Franz Kurt Lange, Vicente Salles, Cleofe Person de Mattos, Mercedes
Reis Pequeno, Maria Augusta Calado, Dom Oscar de Oliveira, arcebispo de Mariana-MG e os padres João Mohana, Jaime
Diniz e José Penalva.

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deste patrimônio cultural tangível e o consequente esquecimento das práticas musicais e obras a ele
relacionadas ainda se revelam desafios no presente.
A música é reconhecida como patrimônio cultural imaterial tanto por entidades que se ocupam da
preservação do patrimônio no Brasil e em nível internacional. Em razão da possibilidade de se separarem
obra e suporte, tal arte possui também uma dimensão material (MENDES, 2012), representada por
partituras, tratados, métodos e outros documentos escritos, além de instrumentos, objetos, mobiliário,
gravações e outros suportes materiais da memória das práticas musicais. Tal dimensão também se revela
passível de reconhecimento patrimonial. Partituras são contempladas, por exemplo, entre os documentos
protegidos pelo Programa Memória do Mundo da UNESCO (2002). Exemplos de salvaguarda dos aspectos
imaterial e material da música são o samba de roda do Recôncavo Baiano e os manuscritos de Ernesto
Nazareth recolhidos à Biblioteca Nacional, respectivamente. Neste sentido, parece perfeitamente aplicável
aos estudos do patrimônio musical em geral – e não somente das fontes escritas – o conceito de affordance
patrimonial desenvolvido pelo antropólogo francês Joël Candau e pela historiadora brasileira Maria Letícia
Mazzucchi Ferreira, conforme procuramos recentemente demonstrar (DUARTE, 2016a). Segundo Candau
(2011), a memória se divide em três níveis: protomemória ou habitus, memória de alto nível e metamemória.
A primeira categoria se refere a uma presentificação do passado, àqueles costumes e técnicas adquiridos por
meio da repetição que embora acessados conscientemente, não se costuma pensar sobre eles para executá-
los. Já a memória de alto nível pressupõe um resgate intencional do passado. A metamemória implica uma
narratividade do passado que foi acessado, acesso este que, longe de ter como meta uma descrição objetiva
desse passado, sempre se relaciona aos interesses do indivíduo no presente. A narratividade necessária à
metamemória é o fator que permite seu compartilhamento pelos sujeitos, tornando-a, portanto, memória
coletiva. A affordance do patrimônio cultural nada mais é do que o reconhecimento de determinados entes
– sejam eles materiais ou imateriais – enquanto passíveis de uma narratividade de caráter memorial que
possa ser compartilhada (CANDAU; FERREIRA, 2015). No caso das fontes musicais de tradição escrita,
sobretudo de partituras musicais, procuramos distinguir o reconhecimento ou potencial (affordance) das
fontes musicais, daquele relativo às obras nelas contidas (DUARTE, 2016a). Em outras palavras, uma partitura
pode revelar muito mais do que uma música: com qual finalidade a obra musical foi executada, quais os
sujeitos envolvidos nesta execução (copistas e intérpretes), quando essa obra foi executada – seja por meio
da data claramente apontada na fonte, seja por dedução, ao se considerar a caligrafia do copista e as
características do papel utilizado no conjunto do acervo – etc. Deste modo, o estudo de fontes musicais se
revela um vasto campo, ainda pouco explorado no Brasil como um todo e sempre em renovação, já que as
práticas musicais do presente continuam a deixar traços materiais. Ao se pensar as práticas musicais em
longa duração, por exemplo, deve ser mencionada a arqueologia musical, que se dedica aos estudos de
fontes musicais legadas por civilizações por vezes já extintas. Este ramo particularmente relevante dentro

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dos estudos etnomusicológicos poderia encontrar seu parelho de interesse musicológico em uma eventual
arqueologia musical industrial, que se ocupasse dos instrumentos produzidos a partir do século XVIII
remanescentes no país (podem ser citados como exemplos os órgãos tubulares, particularmente aqueles dos
estados da Bahia e Minas Gerais). Sem recorrer, entretanto, a mais divisões das disciplinas já existentes –
que são, por si, excessivamente fragmentárias –, apresenta-se a taxonomia das fontes musicais proposta por
Gómez González (Tab.1) e demais autores considerando seu uso comum por todas as subáreas da Música:

Fontes musicais

Diretas Indiretas

(1) Partituras, registros sonoros e audiovisuais; (2) Libretos e textos; (3) (1) Guias de arquivos; (2)
Escritos pessoais dos compositores; (4) Tratados sobre música; (5) Inventários; (3) Catálogos e
Documentação de órgãos governamentais ou instituições com bases de dados; (4) Índices
atividades musicais; (6) Estatutos e regulamentos; (7) Entrevistas informatizados
pessoais; (8) Instrumentos musicais; (9) Objetos artísticos (objetos
tridimensionais e de iconografia musical); (10) livros de contas (de caixa
ou de “fábrica”); (11) cerimoniais (religiosos e civis, como os das
universidades); (12) dossiês de concurso (expedientes de oposiciones);
(13) documentação avulsa (legajos sueltos); (14) livros sacramentais de
paróquias; (15) documentos pontifícios [e demais legislação eclesiástica
sobre música]; (16) documentos notariais ou cartoriais; (17) Impressos:
críticas musicais e anúncios de concertos; (18) cartazes e programas de
concertos; (19) correspondências.
Ex. 1: Exemplo de taxonomia de fontes musicais em diretas e indiretas (GÓMEZ GONZÁLEZ et al., 2008, p.93-102). Neste sistema, as
noções de fontes primárias e secundárias não correspondem exatamente aos modelos correntes no Brasil.

Diante deste quadro de fontes documentais, iconográficas e tridimensionais, é possível vislumbrar a


amplitude do universo compreendido pelas fontes e a necessidade de seu estudo. Este estudo engloba a
investigação das práticas musicais a partir dos suportes materiais por elas legados, bem como a análise dos
próprios suportes. Sua finalidade abarca a produção de historiografia de práticas musicais particulares que
se encontram esquecidas, a revisão dos trabalhos historiográficos existentes, e permitem que mais bem se
compreenda, em última análise, as práticas do presente a partir da experiência histórica.
Se bem é verdade que houve um aumento do número de guias contendo dados de arquivos, em
pesquisa de campo foi possível constatar que estes guias disponíveis na internet nem sempre são atualizados
e muitas vezes tão somente replicam informações já existentes. No que diz respeito aos acervos estritamente
musicais ou às suas entidades custodiadoras, o acesso às informações é ainda mais precário. Apesar de já
terem sido produzidos estudos destinados a mapear acervos brasileiros tendo como base procedimento
bibliográfico (LACERDA, 2008) ou mesmo um levantamento de caráter regional mais aprofundado (SOTUYO
BLANCO, 2004), fato é que o conhecimento mais elementar sobre acervos, que é sua existência e localização,

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ainda é incipiente e particularmente superficial no Brasil, e de modo particular, na Amazônia. Igualmente, se


é fato que alguns passos importantes foram dados no sentido do reconhecimento patrimonial de alguns
acervos musicais brasileiros (Coleção Francisco Curt Lange de Documentos Musicais e manuscritos de
Nazareth), a maior parte deles ainda carece dos procedimentos mais elementares de conservação,
organização e processamento das fontes a eles recolhidas.
Misto de pesquisa exploratória e reflexão teórica, o presente trabalho apresenta resultados de visitas
a algumas dezenas de instituições na Amazônia Legal (os sete estados da região Norte, Maranhão e Mato
Grosso). Busca-se inserir tal amostragem num panorama de mais de quinhentas instituições visitadas em
cerca de setenta e cinco cidades brasileiras.
Conduzem o presente estudo os seguintes problemas: quais as características dos acervos da região
da Amazônia Legal em termos de preservação das fontes? Quais os desafios inerentes a esta região e quais
são comuns ao Brasil como um todo? E finalmente, como ampliar e tornar mais eficiente o estudo das
práticas musicais nesta região a partir das fontes musicais, particularmente, do patrimônio arquivístico-
musical? Para respondê-los, procedeu-se ao já mencionado trabalho de campo, além de pesquisa
bibliográfica. Fundamentam a reflexão aqui realizada os referenciais de metamemória, narratividade e
affordance do patrimônio cultural de Joël Candau, bem como sua taxonomia da memória apresentados
anteriormente. Oportunamente será apresentada também uma classificação das redes de comunicação de
Paul Baran (1964) a fim de tratar os desafios da musicologia no presente.
O trabalho se desenvolve em três partes. A primeira diz respeito a algumas rotas para a pesquisa de
fontes que chegam ou chegaram à Amazônia e que dela partem ou partiram. No segundo item serão
apresentados dados oriundos de nosso trabalho de campo, não com vistas a apresentar um diagnóstico
exaustivo de um perito em conservação e difusão do patrimônio, mas tão somente os desafios mais urgentes
na visão do pesquisador. Finalmente, buscar-se-á retomar o conceito de affordance do patrimônio cultural e
relacioná-lo à pesquisa em música enquanto via para legitimação da salvaguarda desse patrimônio.

1. Nos (des)caminhos das águas: nascentes de novas investigações


No âmbito da música religiosa católica, o repertório de tradição (transmissão) escrita dos
missionários europeus que chegou ao solo amazônico através das águas, não raro parece ter sobrevivido
mais pela força da oralidade – com todas as transformações inerentes à transmissão da memória – do que
dos suportes materiais. Assim, não se estranha a afirmação de Liliam Barros (2009, p.51) que “das práticas
musicais jesuítas no Rio Negro poucos documentos históricos foram encontrados, em virtude da instabilidade
das missões naquele lugar”. Nas rezas cantadas recolhidas pela pesquisadora em São Gabriel da Cachoeira-
AM, memórias do contato inicial entre as populações locais e os sacerdotes da igreja romana podem persistir,
ainda que de maneira procedural e profunda (protomemórias) nas ladainhas, benditos e outras orações. Tais

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memórias podem se referir, entretanto, a um contato mais recente, não com os jesuítas, franciscanos ou
carmelitas que por lá também passaram, mas com os salesianos de Dom Bosco, já no século XX. Tais
possibilidades figuram, entretanto, tão somente no campo das especulações, já que não existem fontes
musicais escritas destas ordens para comparação. No tocante aos inacianos, a expulsão por Pombal e a
provisória dissolução da sociedade de religiosos podem ser causas para a ausência. As restrições ao
desenvolvimento de ordens religiosas no governo do Marquês de Pombal em meados do século XVIII também
podem estar na gênese da ausência de fontes relativas às práticas musicais de franciscanos e carmelitas.
Quanto aos padres de Dom Bosco, nossa pesquisa na sede de sua inspetoria em Manaus se revelou
infrutífera, não tendo havido liberação de acesso a eventual arquivo ou biblioteca. Do mesmo modo que em
outras negativas que serão apresentadas ao longo deste trabalho, o fato de não ter sido possível acessar um
acervo não significa sua inexistência, sendo recomendável a outros pesquisadores a insistência.
Semelhantemente ao caso de São Gabriel da Cachoeira, porém sem conhecermos registros
consistentes de memórias musicais persistentes até o presente, a matriz de Nossa Senhora do Carmo de Boa
Vista remete a momentos diversos de ocupação por religiosos: inicialmente, os carmelitas das Missões do
Rio Branco (século XVIII), no século XX, beneditinos alemães e mais recentemente, padres diocesanos. Fontes
que poderiam revelar estes estratos da memória musical local não foram localizadas na igreja matriz. A
pesquisa no arquivo da diocese constitui tarefa a ser realizada, uma vez que nosso acesso dependeria da
aprovação do prelado, o que não foi possível obter durante nossa pesquisa.
A presença de ordens e congregações religiosas na região amazônica é um traço particularmente
marcante da história do catolicismo no país, que pode ser compreendida pelo caráter missionário desta
parcela do clero. Assim, os arquivos e bibliotecas do clero regular nos parecem uma via particularmente
promissora para o estudo das práticas musicais do catolicismo romano na região. O acervo pessoal de frei
Fulgêncio Monacelli exemplifica tal afirmação: o compositor e regente de coro atuante há cerca de meio
século no Amazonas conseguiu reunir não apenas fontes musicais produzidas em sua atuação, mas até
mesmo algumas recolhidas em outras cidades, provavelmente em outros conventos capuchinhos.
Ainda no âmbito das congregações religiosas, a presença dos mercedários em Belém nos séculos XVII
e XVIII suscita igualmente o interesse de pesquisadores, desde Vicente Salles até André Gaby, no presente.
Do mesmo modo que os frades mercedários, diversas ordens religiosas se instalaram na capital paraense,
algumas das quais ainda se mantêm e suscitam nosso interesse, como é o caso dos clérigos regulares de São
Paulo, os padres barnabitas da Província Norte do Brasil, que administram, dentre outros templos, a Basílica
Santuário de Nazaré. Sua presença na Amazônia se relaciona claramente ao projeto da autocompreensão
católica conhecida como Romanização, que tinha, dentre outros objetivos, centralizar o controle da Igreja
Católica no clero, reafirmar a autoridade papal e uniformizar um modelo de liturgia – e posteriormente, um

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modelo musical – de características europeias, então consideradas universais, e não raro, coibindo as
manifestações do catolicismo popular (DUARTE, 2016b). Neste sentido:

Em Belém, os barnabitas receberam a incumbência de dirigir o seminário, sendo,


mais tarde, entregue a eles o mais importante santuário de devoção popular da
Amazônia, o de Nossa senhora de Nazaré. Isso fazia parte de uma política mais geral
do episcopado brasileiro no sentido de controlar os principais centro de devoção
do Brasil. De Belém os barnabitas estenderam sua ação missionária ao interior do
estado, onde lhes foi confiado a prelazia do Guamá, inicialmente com o nome de
prelazia do Gurupi, com sede na cidade de Ourém (antiga casa forte do Rio Guamá).
Mais tarde, com a incorporação de algumas paróquias interioranas pertencentes à
arquidiocese de Belém, os barnabitas transferiram sua sede para Bragança, onde
também havia um importante centro de devoção popular dedicado à São Benedito
(MAUÉS, 1995, p.63).

Há ainda de se considerar que o padre barnabita Paulino Bressan (1950) publicou um Manual de
canto gregoriano no Rio de Janeiro em meados do século XX, sugerindo a importância da música para estes
religiosos. Além disto, a atuação da congregação foi grande na imprensa católica belenense, publicando ou
colaborando com a publicação de periódicos (quantidade considerável destes periódicos pode ser consultada
no Arquivo Arquidiocesano de Belém). Diante da intensa atuação dos barnabitas, sua biblioteca – na Basílica
de Nazaré – se revela tão estratégica para a compreensão das práticas musicais religiosas de tradição escrita
em Belém, quanto o material procedente do antigo seminário – à época, sediado na Igreja de Santo Alexandre
– que hoje se encontra no Centro de Cultura e Formação Cristã, em Ananindeua. Nos dois casos, contudo,
obtivemos respostas de que os materiais careciam de tratamento para que somente então pudessem ser
consultados.
Deve ser destacado ainda o caso dos religiosos e das religiosas servitas em Xapuri e Rio Branco, no
Acre. Relatos sobre repertório e práticas musicais – em conformidade com as prescrições romanas vigentes
à época – introduzidos pelos servitas em Xapuri-AC foram mencionados por frei Dilermano Vieira (2009, p.
88-89) em seu livro acerca da história da ordem religiosa no país. Não foi localizado, entretanto, qualquer
indício de um patrimônio arquivístico-musical por ela preservado em Xapuri ou em Rio Branco, no museu dos
servitas. Já no convento feminino, as religiosas relataram que no Museu das Servas de Maria havia pequena
quantidade de fontes musicais, que se perdeu em razão da trágica enchente que atingiu o estado do Acre
em 2015. Aqui se enuncia um dos grandes desafios em termos de preservação e uma solução eficiente: a
digitalização de acervos documentais se revela hoje não apenas uma necessidade, mas um procedimento de
urgência em termos de salvaguarda do patrimônio arquivístico-musical, não somente na Amazônia, mas no
Brasil como um todo. Não se trata da digitação (edição diplomática) das fontes em softwares, mas sua
conversão em formato digital, seja com uso de câmeras, seja com scanner. A edição das fontes é necessária,
pois propicia a preservação das obras e sua difusão de maneira eficiente nas práticas musicais do presente.

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A digitalização garante, entretanto, uma preservação mais ampla, pois representa a salvaguarda da obra e
da fonte, com todos os metadados relativos às práticas musicais que podem ser nelas localizados: datas da
composição ou execução, copistas, intérpretes, quais outras obras foram executadas na mesma ocasião e
com qual finalidade, dentre outros. Assim, as atividades de salvaguarda do patrimônio musical podem
constituir temas para trabalhos relevantes, independentemente do nível em que for realizada (ensino
técnico, graduação ou pós-graduação em música), considerando-se obviamente as proporções do acervo e o
nível de aprofundamento das pesquisas.
Partindo de Uberaba em fins do século XIX e alcançando em pouco mais de uma década o sul do Pará,
a Ordem dos Pregadores se instalou em grande parte do território então pertencente a Goiás: Uberaba (hoje,
MG), cidade de Goiás, Porto Nacional (atualmente, TO) e Conceição do Araguaia (hoje, PA), chegando a
alcançar Marabá (PA). Dominicanos e dominicanas de origem francesa não apenas fundaram igrejas e
colégios, mas no caso de Conceição do Araguaia, a própria cidade. A pesquisa nos conventos reminiscentes
em várias destas cidades foi mais bem sucedida, entretanto, em relação às fontes tridimensionais do que em
relação às documentais: um piano do século XIX em Porto Nacional (convento feminino) e o órgão tubular
na cidade de Goiás foram os principais êxitos da pesquisa. Possibilidades que serão investigadas dentro em
breve são o museu da ordem religiosa em Uberaba-MG e o arquivo da província, em Belo Horizonte. À
exceção de Uberaba e Goiás, as igrejas antes administradas pelos frades dominicanos hoje se encontram aos
cuidados do clero secular. Já as casas de religiosas da ordem permanecem em Porto Nacional e Conceição do
Araguaia.
Em seus estudos de mestrado sobre as bandas de música de Santarém-PA, Leonice Nina (2015) citou
a intensa atuação dos frades franciscanos observantes (ordem dos frades menores) na criação de
agremiações musicais deste gênero, bem como de coros. Na prática musical relacionada a um destes coros
atuou Wilson Fonseca. Além das agremiações de finalidades religiosas, outras tantas se formaram na cidade,
despontando esta como um vasto campo para estudos exploratórios de acervos. Chama a atenção
igualmente Igarapé-Miri (PA), particularmente pelas fotocópias de partituras e partes manuscritas – de
diversos copistas – de música religiosa para coro e banda de João Valente do Couto (1875-1938), recolhidas
por Vicente Salles e que hoje integram seu acervo, recolhido à Biblioteca do Museu da UFPA. Apesar de se
tratar de um compositor da virada do século XIX para o XX, a existência de cópias das décadas de 1940 e 1980
sugerem a permanência de suas obras na prática musical local. Em sua Missa Solene à N. S. Santana, por
exemplo, lê-se na capa da partitura: “Executada com orquestra e coral, no dia 26 de julho de 1985 na Igreja
de N. S. Santana, padroeira de Igarapé-Miri [(PA)]. Regência de R. Araujo Pinheiro” (COUTO, 1985). Este tipo
de informação – que se perderia em um simples processo de digitação da fonte em software – revela a função
social da obra muito tempo após sua composição.

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Não poderíamos deixar de citar como referência da atuação de religiosos católicos na constituição
de bandas de música o caso bastante peculiar da banda de música dos meninos bororos, formadas pelos
padres salesianos no sul do estado de Mato Grosso (colônia Sagrado Coração de Jesus) no início do século
XX. Apesar de existir registro fotográfico desta banda e razoáveis fontes que contam sua história, o repertório
que esta teria executado e mesmo as partituras demandam mais pesquisas3. Considerando o espírito da
época e os métodos dos religiosos de Dom Bosco, não parece impossível que o procedimento tenha sido
replicado em outras regiões. Ainda no âmbito das bandas de música, espólio que parece ser particularmente
interessante é o daquela – hoje extinta – regida pelo maestro Oscar Santos, em Macapá, hoje sob a guarda
da professora Lúcia Uchôa, da UFPA. Contemporânea e conterrânea da banda de Mestre Oscar, a banda da
Guarda Territorial também foi extinta, sendo incerto o paradeiro de seu acervo, caso este tenha sido
realmente preservado4. Finalmente, as bandas que se mantêm ativas até o presente – inclusive as militares5
– constituem amplo universo para pesquisas musicológicas e podem revelar eventuais mudanças na atuação
destas bandas – cerimônias das quais participaram, repertório e perfis dos músicos – e, quiçá, transformações
do papel social deste tipo de agremiação na vida cultural das distintas cidades. O levantamento de tais
agremiações realizado pela Fundação Nacional de Artes (FUNARTE, [20--]), disponível na internet pode
contribuir subsidiariamente como um guia de acervos6.
Não é possível deixar de mencionar a intensa atividade musical nos teatros, conservatórios,
sobretudo na Belle èpoque, cujos traços materiais já ensejaram pesquisas e continuam a constituir vasto
campo de investigação. Nesta seara, as edições musicais realizadas por Márcio Páscoa na coleção Ópera na
Amazônia durante o período da borracha (1850-1910) apontam para o fato de grande parte das fontes
musicais que foram consultadas terem sido localizadas no Rio de Janeiro, revelando um processo de migração
do patrimônio arquivístico-musical para a então capital do país. Dentre os acervos amazônicos que
preservam fontes musicais documentais relativas à Belle époque amazônica e aos teatros aos quais se teve
acesso ou ao menos notícia consistente de existência de fontes, podem ser citados o Arquivo Público do Pará

3
Apresentamos os dados obtidos até o momento em um periódico diocesano de Goiás, bem como em fontes
secundárias no XVI Seminário Nacional de Pesquisa em Música da UFG – SEMPEM, cuja publicação de anais se encontra
no prelo.
4
Informações orais de um ex-membro da Guarda Territorial sugeriram que este acervo poderia estar no Rio de Janeiro,
sem apresentar, entretanto, maiores detalhes sobre uma eventual localização. Por ter se tratado de uma conversa
quando da visita ao Forte de São José de Macapá, e não de entrevista, esta não foi registrada.
5
Merece ser mencionada uma fotocópia de parte instrumental de um dobrado composto para o primeiro bispo de
Porto Velho que se encontra no Museu da Catedral Sagrado Coração de Jesus. A fonte original que teria pertencido à
banda da Guarda Territorial de Rondônia pode ter sido integrada ao acervo da banda da Polícia Militar sediada em Porto
Velho. Apesar de duas tentativas de visita ao acervo da banda a fim de constatar ou descartar tal possibilidade, não foi
possível concretizar tal objetivo.
6
Apesar de demandar atualização, sobretudo de endereços das sedes, por meio deste inventário nos possibilitou
localizar diversas bandas e seus acervos.

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– com documentação referente às atividades do Conservatório Carlos Gomes – e o Instituto Histórico e


Geográfico do mesmo estado, que possuiria fontes manuscritas de obras de compositores locais.
Merece destaque ainda a escola de música municipal de Conceição do Araguaia, que recolhe o acervo
do maestro Levino Santos, fundador da Escola de Música de Brasília. Trata-se de acervo de proporções
consideráveis e de relevância para a instituição à qual se encontra recolhido, uma vez que o maestro foi o
fundador da escola municipal de música. Um trabalho sólido de tratamento e organização deste acervo que
o mantivesse em Conceição do Araguaia poderia não apenas constituir uma vasta pesquisa, mas também
uma forma demonstrar o valor deste patrimônio arquivístico-musical perante as autoridades municipais,
representando, em última análise, significativa contribuição para a cultura da cidade.
Em suma, estudos exploratórios de acervos musicais constituem uma necessidade sempre presente
no estudo musicológico, seja na Amazônia, seja em qualquer lugar onde existam práticas musicais. Tais
estudos não se justificam somente pelo fato de os estudos anteriores não terem exaurido as possibilidades
de mapeamento de eventuais acervos existentes, mas principalmente pelo fato de as práticas musicais
sempre se renovarem e novas fontes para seu estudo serem produzidas.

2. Um olhar sobre fontes e acervos musicais na Amazônia: êxitos e desafios


Apresentadas as possibilidades de novas investigações, cabe agora abordar os desafios inerentes ao
trabalho com fontes musicais na Amazônia e em âmbito nacional. Dois acervos da região se revelam modelos
bastante interessantes no que diz respeito à organização, preservação e descrição das fontes. O primeiro
deles decorre das atividades de pesquisa de Vicente Salles e se encontra recolhido, conforme já foi
mencionado, à Biblioteca do Museu da UFPA. O segundo resultou dos esforços de preservação da música do
Maranhão empreendidos pelo padre, médico e escritor João Mohana. Atualmente, o acervo João Mohana é
um dentre os muitos que integram o Arquivo Público do Estado do Maranhão. Nos dois casos foi respeitado
um princípio basilar da Arquivologia, a separação dos fundos documentais. Isto implica dizer que, no caso do
acervo de Mohana, apesar de os documentos eclesiásticos da Arquidiocese de São Luís se encontrarem no
arquivo do estado, bem como outros documentos gerados pela Administração Pública, existe uma total
separação entre cada um deles de acordo com sua procedência. Igualmente, na biblioteca do museu da UFPA
é possível separar claramente os documentos produzidos ou recolhidos por Vicente Salles de livros e outras
fontes, tanto em relação à organização física do material, quanto de seu inventário. Tais características
podem ser também observadas no Arquivo Público do Estado do Pará, no que diz respeito aos documentos
procedentes do Conservatório Carlos Gomes. Estes poucos casos refletem em âmbito regional a realidade
que foi possível observar no Brasil de maneira geral: somente uma pequena parte dos acervos se encontra
em situação realmente favorável à pesquisa, ou seja, com documentos em situação satisfatória de
conservação e com instrumentos de pesquisa que garantam o efetivo acesso ao seu conteúdo.

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A fim de ilustrar o contraste entre esta realidade que se poderia dizer “ideal” para o consulente, há
de citar a ausência de um arquivo público estadual no Amapá. A ausência de instituições destinadas ao
recolhimento permanente de documentos – aqueles que têm como principal utilidade as pesquisas históricas
por terem perdido sua função original em razão do decurso do tempo (BELLOTTO, 2012) – em âmbito
municipal é relativamente comum no Brasil. Como regra, os arquivos públicos municipais visitados recolhem
documentos em fase corrente, ou seja, aqueles relativos a atos jurídicos que não foram atingidos pelos
institutos jurídicos da prescrição e da decadência. Já a ausência de um arquivo estadual se revelou uma
particularidade da região amazônica. Na via contrária, há de se registrar uma particularidade bastante
positiva da região, o tombamento de um acervo musical pela legislação estadual de Roraima (Lei n.734, de
22 de julho de 2009):

Art. 3º Nos termos do art. 159 da Constituição do Estado, são tombados como parte
do patrimônio histórico do Estado de Roraima os seguintes bens: [...]
IV - o acervo musical da Associação Canarinhos da Amazônia, letras, música e
arranjos; [...]
VI - o Hino do Estado, composição e arranjo musical;
VII - o acervo dos atos do Governo do Estado de Roraima, de 1º de janeiro de 1991
a 31 de dezembro de 2002; [...]
IX - o hino da Polícia Militar, composição e arranjo musical; e
X - o acervo da Legislação do Estado, de 1º de janeiro de 1991 a 31 de dezembro de
2002. (RORAIMA, 2009, p.1-2).

Existem iniciativas de tombamentos estaduais e municipais de fontes musicais no Brasil há algumas


décadas: diversos acervos protegidos em listagem do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico
de Minas Gerais (IEPHA, 2016), os órgãos tubulares de Salvador – e atualmente se encontra em análise o
pedido de reconhecimento das atividades de organista e organeiro como patrimônio imaterial da Bahia –,
dentre outras. A condição de igualdade com os símbolos oficiais do estado que o patrimônio arquivístico-
musical da Associação Musical Canarinhos da Amazônia foi tratado na legislação de Roraima revela, contudo,
um interesse social e político desta agremiação não observado em qualquer outro estado, bem como um
estímulo à pesquisa musicológica – particularmente, da história da educação musical e do canto coral infantil
– no estado.
No que tange à conservação de fontes documentais, deve ser mencionado o fato de existirem
especificações técnicas sobre a construção de arquivos, conservação de documentos, confecção de
embalagens de acondicionamento e inventário de documentos pelo Arquivo Nacional, pela Associação de
Arquivistas de São Paulo e pelo Conselho Nacional de Arquivos (ARQUIVO NACIONAL, 2005; CASSARES, 2010;
CONARQ, 2014; BRITO, 2010). Sobre a conservação física dos documentos, nos parece o ideal o seu adequado
acondicionamento em caixas projetadas para esta finalidade, na posição horizontal, com controle de

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temperatura, umidade, luminosidade e radiação, em estantes de aço tratado com pintura sintética, bem
como que os documentos em papel mais frágeis estejam envoltos invólucros de papel com pH neutro ou
ligeiramente alcalino. Contudo, não podemos ignorar realidade brasileira e as sérias limitações em termos
de investimentos em cultura, de modo que na impossibilidade de serem produzidas caixas de papel sob
medida e de adquirirem os demais insumos para a conservação, nos parece recomendável ao menos que os
documentos mais frágeis sejam envoltos ou guardados em envelopes de papel sulfite, e que o acervo como
um todo seja preservado em caixas que não amassem ou recurvem os documentos. Para a conservação do
acervo procedente da Catedral de Nossa Senhora da Conceição de Manaus, bem como no arquivo pessoal
de frei Fulgêncio Monacelli, adquirimos caixas de arquivo-morto nas quais foram organizadas as fontes de
menores proporções e pastas plásticas de tamanho A3 para aquelas maiores, conservando-as todas em
posição horizontal. Sobre a intervenção física no documento para fins de restauro, tais como o uso de papel
japonês em sua coloração original ou imerso em chá, não somos favoráveis a estas técnicas uma vez que
podem omitir informações relevantes, parecendo-nos preferível, portanto, a digitalização da fonte com
scanner ou câmera – e inclusive das marcas d’água – e o acondicionamento adequado posteriormente. Tal
acondicionamento implica a remoção de elementos metálicos que possam oxidar com o tempo (grampos,
clips, presilha do tipo “Romeu e Julieta”, dentre outros). Caso as entidades custodiadoras optem por tais
intervenções físicas nos documentos, é necessário ressaltar que a área de conservação e restauração de
documentos possui métodos e técnicas próprios, constituindo um campo de conhecimento autônomo. As
atividades de conservação e restauração não competem, portanto, ao musicólogo, que deve se ocupar,
quando muito, de proceder à adequada higienização mecânica das fontes. Há ainda de se considerar as
peculiaridades de outros tipos de suportes materiais, tais como disquetes e outras que não devem ser
deixadas próximas a fontes de magnetismo. Estes e outros cuidados com as fontes musicais – que podem e
devem ser adaptados à realidade de cada entidade custodiadora – foram detalhados nas especificações
técnicas mencionadas anteriormente.
Objetos tridimensionais também requerem condições de conservação e manutenção adequadas,
devendo ser consultados, para cada uma, especialistas da área. É possível citar como exemplos de fontes
tridimensionais ainda preservadas os órgãos tubulares da capela de Santa Teresinha, em Manaus, da Catedral
de Belém e da Basílica de Nossa Senhora de Nazaré, na mesma cidade. Na via contrária, ouvimos relatos da
existência de um órgão – talvez tubular – na Catedral de Manaus em um passado recente, mas em visita ao
templo, não foi possível localizar tal instrumento, o que revela o risco de perecimento dos instrumentos, do
mesmo modo que pode ocorrer com as fontes documentais quando estas não se encontram em uso. Assim,
uma vez que perca uma função social imediata, parece ideal que a fonte seja recolhida em fase permanente
a alguma instituição de salvaguarda. Uma vez preservada, passa-se às estratégias de difusão deste
patrimônio (edição e elaboração de instrumentos de pesquisa eficientes) para que volte a ter função alguma

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social. Considerada a amplitude do tema e a limitação da extensão deste trabalho, apresenta-se este breve
resumo de desafios locais, muitos dos quais podem ser constatados em âmbito nacional:
1. Estudos exploratórios de fontes e acervos: necessários não somente para por fim a eventuais
silêncios das memórias musicais locais – por exemplo, das práticas musicais sacro-litúrgicas em Cuiabá e
Porto Nacional –, mas também pelo fato de continuarem a existir práticas musicais no presente e estas
produzirem traços materiais. O aprofundamento destes estudos exploratórios constitui por si só um campo
de pesquisa, cujos resultados podem gerar um mapeamento capaz de facilitar e impulsionar novas pesquisas;
2. Produção de inventários, catálogos e repositórios: a partir de fundos documentais específicos e de
maneira mais ampla e utópica, um inventário integrado de fontes musicais no Brasil, em língua portuguesa
e que fosse útil aos pesquisadores da área de música e de outras áreas do conhecimento. Para a
concretização deste ideal seria ideal a presença de músicos e musicólogos não apenas na elaboração da base
de dados, mas também nas entidades custodiadoras a fim de auxiliá-las no preenchimento das informações.
3. Sistematização e disponibilização dos instrumentos de pesquisa referentes à documentação
produzida por órgãos governamentais com atividades musicais: se em instituições particulares depende do
interesse destas no tratamento da informação, em relação aos órgãos públicos, o acesso a elas é um direito
garantido pela lei de acesso à informação (BRASIL, 2011, art.7º).
4. Aprimoramento dos índices informatizados: não raro as entidades recolhem fontes musicais
preciosas que não podem ser nelas localizadas fisicamente em razão dos termos de busca registrados nas
bases de dados. Cita-se como exemplo a coleção especial (obras raras) da Biblioteca Pública Benedito Leite,
em São Luís-MA. Após a localização acidental na internet de preciosa fonte musical documental a ela
recolhida, tentamos localizá-la por meio do catálogo digital da biblioteca e não obtivemos sucesso.
5. Processos de musealização que integram fontes musicais: valorização, estudo, aprimoramento e
divulgação daqueles já existentes na região amazônica, como são os casos do Museu da Catedral de Porto
Velho, do Museu Artístico e Histórico do Maranhão (ambos com partituras e instrumentos) e do Museu de
Arte de Belém (com iconografia e instrumento), mas também o estímulo ao desenvolvimento de novas
iniciativas, uma vez que tais entidades procuram integram as práticas musicais ao contexto de sua produção,
dando às fontes musicais uma função social imediata por elas mesmas.
6. Preservação e inventariação dos registros sonoros, fotográficos, iconográficos e audiovisuais: deve
constituir uma das prioridades, uma vez que este tipo de registro foi produzido em grande quantidade na
região. Seu estudo se direciona inicialmente aos museus da imagem e do som (MIS), que são as entidades
custodiadoras mais tradicionais deste tipo de fontes, mas também estimula a pesquisa de campo em busca
de outras instituições. Há ainda de se investigar a existência de outros registros documentais (partituras,
textos, encartes e invólucros) nas sedes dos referidos museus.

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7. Salvaguarda, preservação e inventariação de instrumentos musicais: previne contra seu


desaparecimento de instrumentos e mantém sua função social, seja a função original – caso dos órgãos
tubulares –, seja por meio de seu recolhimento permanente em processos de musealização.
8. Pesquisa e organização de notícias de jornais, críticas musicais, divulgação e programas de
concertos, apresentações artísticas e demais práticas musicais, inclusive com a digitalização e digitação
destas fontes. Exemplo de entidade a ser explorada é a hemeroteca do Centro de Documentação do Estado,
que funciona junto ao Museu do Estado de Rondônia.
9. Produção e conservação de novos registros de práticas musicais: gravações, entrevistas e outros
que se destinem a deter o esquecimento das práticas musicais com risco iminente de desaparecimento no
presente.
10. Valorização das correspondências enquanto fontes de pesquisa, inclusive para a produção de
uma história da musicologia no país: os acervos que resultaram das atividades musicológicas de Franz Curt
Lange (recolhido à biblioteca central da Universidade Federal de Minas Gerais) e do padre Jaime Diniz (no
Instituto Ricardo Brennand, em Recife) revelam a existência de grande quantidade de correspondências. Uma
análise superficial dos remetentes e destinatários sugere ter existido no passado uma rede de musicólogos
no Brasil, cuja conexão se dava, dentre outros meios, através destas correspondências. Parece se justificar,
portanto, o epíteto de musicólogo missivista utilizado por Manoel Antonio Vicente de Azevedo Franceschini
para se referir a seu pai, o compositor e organista Furio Franceschini. Aprofundar o conhecimento destas
redes parece-nos outro aspecto relevante na produção de uma história da musicologia no Brasil. Mais
importante nos parece, entretanto, o resgate deste modelo de redes para o avanço do trabalho musicológico
no presente, particularmente no que diz respeito ao trabalho direto com fontes. Em nossa pesquisa de campo
acabamos por construir uma rede de colaboração que foi fundamental para o desenvolvimento da
investigação de doutorado. A rede que construímos pode ser classificada, entretanto, como sendo do
majoritariamente centralizada, de acordo com a taxonomia de Paul Baran (1964), ou seja, ela tem um único
hub – neste caso, sujeito – que concentra a maior parte das conexões. Certamente não excluímos a
possibilidade de muitos dos sujeitos se conheçam e seguramente não conhecemos muitos envolvidos no
trabalho direto com fontes musicais documentais. Parece-nos necessário, portanto, um fortalecimento desta
rede. Sendo fato que os eventos acadêmicos já contribuem para seu fortalecimento e ampliação, há de
considerar, contudo, que nem todos os envolvidos com tal pesquisa são necessariamente da área de música,
do mesmo modo que não se pode esperar que todos tenham interesse em participar de eventos acadêmicos.
Deste modo, temos assumido como desafio pessoal e estudado maneiras – para além das redes sociais da
internet – de tornar esta rede distribuída ou descentralizada, na qual todos os hubs tenham comunicação
entre si, ou ao menos uma rede multicentralizada, com alguns sujeitos que atuem para integrar os demais.

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3. Affordance do patrimônio musical: a pesquisa como legitimação da salvaguarda


A pesquisa em Música – sem distinção entre suas subáreas – aparece no último item deste trabalho
não por acaso. Ela se relaciona a todos os aspectos apresentados anteriormente. O primeiro fato a se
destacar sobre a pesquisa é que o conhecimento científico em qualquer área do conhecimento só se constrói
coletivamente. Isto implica reconhecer esforços anteriores. Assim, destacamos com particular reverência as
atuações de Vicente Salles e padre João Mohana. Por outro lado, há de se reconhecer a necessidade de que
o conhecimento continue a progredir, razão pela qual procuramos não apresentar resultados exaustivos ou
conclusões neste trabalho7, mas possibilidades e desafios para que novas pesquisas sejam realizadas. Para
que este conhecimento avance coletivamente, defrontamo-nos com o maior desafio que temos observado:
despertar o interesse de novos pesquisadores pelo estudo das práticas musicais a partir de fontes, tanto orais
quanto tridimensionais, documentais escritas e em notação musical, iconográficas etc. Não se trata de uma
constatação de todo pessimista ou apocalíptica, mas da proporção ainda pequena entre pesquisadores,
acervos e a infinidade de objetos de pesquisa contida nestes acervos.
Em segundo lugar, a pesquisa implica diretamente o reconhecimento do caráter patrimonial das
fontes musicais, abordado na introdução deste trabalho: a affordance das fontes musicais e das obras
contidas naquelas do tipo documental somente será reconhecida por profissionais de outras áreas –
arquivistas, historiadores, bibliotecários etc. – se houverem pesquisadores interessados em produzir
narrativas históricas a partir delas, ou em trazer de volta às práticas musicais as obras nelas contidas. Em
outras palavras, affordance patrimonial está diretamente ligada à função social das fontes, que são o
derradeiro argumento para justificar a sua salvaguarda. O quadro mais recorrente que pudemos observar,
entretanto, na maioria das entidades custodiadoras visitadas foi a ausência total – ou quase – de
pesquisadores da área de música, ao passo que aqueles de outras áreas se faziam notar.
Há de se observar ainda o caráter multidisciplinar e até mesmo interdisciplinar que pesquisas de
fontes musicais podem demandar, superando definitivamente o preconceito infundado de que o trabalho
com fontes seria positivista e teria menor valor. O primeiro exemplo que ilustra a abordagem de mais de uma
subárea da música se relaciona à pesquisa de Liliam Barros (2009) em São Gabriel da Cachoeira-AM: caso
fosse possível encontrar fontes musicais documentais relativas às atuações das distintas ordens e
congregações religiosas atuantes na cidade, seria possível analisar a transmissão oral e a recepção das
músicas cantadas nesta região, integrando musicologia e etnomusicologia. A separação entre tais subáreas
nos parece, aliás, cada vez menos aplicável, seja por que optamos por lidar com a noção de práticas musicais

7
Caso os resultados concretos de nossa pesquisa de campo durante a investigação de doutorado tenham despertado
algum interesse, sugerimos a leitura de nossa tese (DUARTE, 2016b).

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do catolicismo romano em nossa tese de doutoramento (DUARTE, 2016b), ao invés de limitar o estudo ao
repertório, seja em razão do que apontam as próprias fontes musicais documentais, como se observa em
dois exemplos. O primeiro deles é a prática musical de função religiosa conhecida como encomendação das
almas ou alimentação das almas: presente ainda hoje em muitas cidades brasileiras – dentre as quais,
Oriximiná-PA (COSTA, 2012) – e transmitida através da oralidade, constitui também objeto de fontes musicais
de tradição escrita, por ter sido acompanhada por bandas de música e outras agremiações. Uma destas
composições é de Manoel Dias de Oliveira (1735?-1813) e foi editada na coleção Música Sacra Mineira. O
segundo exemplo se refere a partes vocais copiadas em 1855 na cidade de Catas Altas-MG(recolhidas ao
Museu da Música de Mariana, em Minas Gerais), nas quais constam letras de folias do Divino Espírito Santo
que foram cantadas provavelmente como intróito em missas de Pentecostes, nas quais também parece
terem sido cantadas obras de João de Deus de Castro Lobo e José Maurício Nunes Garcia8. Assim, se a via de
transmissão oral e escrita do repertório nas distintas práticas não parece suficiente para separar musicologia
e etnomusicologia, também os objetos que têm sido tradicionalmente separados por estas subáreas se
complementam nas práticas musicais.
Para além das subáreas da Música, há de se destacar como possibilidade de pesquisa o mapeamento
geográfico de rotas relacionadas a práticas musicais específicas, tal como buscamos proceder em relação às
ordens religiosas anteriormente. Este estudo implica uma abordagem interdisciplinar, sobretudo em contato
com as áreas de história, geografia, sociologia e pode conferir aos resultados um caráter de completude ao
relacionar práticas de distintas localidades que sejam ligadas por sujeitos e elementos constitutivos comuns
a elas.
Finalmente, há de ser salientada a necessidade de ações de sensibilização para o valor histórico das
fontes musicais, voltadas para arquivistas de instituições com e sem práticas musicais, bibliotecários,
regentes e diretores artísticos de teatros e agremiações musicais, líderes religiosos, dos músicos e a
sociedade civil como um todo. Tais ações podem ser operacionalizadas por diversas vias e praticamente todas
elas se relacionam à pesquisa e seus resultados. Citamos algumas possibilidades que nos parecem viáveis e
concretas: (1) realização de palestras (divulgação científica) em bandas de músicas e outras entidades
custodiadoras de acervos musicais, centros culturais, bibliotecas etc.; (2) inserir os resultados das pesquisas
musicológicas nos cursos de graduação e técnicos; (3) desenvolver habilitações específicas voltadas para a

8
Apresentamos em coautoria com Paulo Castagna o trabalho Folia e Matinas do Divino Espírito Santo em um manuscrito
musical de Catas Altas-MG de 1855: memórias e esquecimentos das devoções populares em distintas identidades do
catolicismo no Brasil no XI Encontro de Musicologia Histórica, promovido pela Universidade Federal de Juiz de Fora, cuja
publicação dos anais deverá ocorrer em breve.

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investigação nos cursos de graduação em música; (4) integrar de maneira eficiente o patrimônio musical aos
cursos superiores e técnicos que lidam com a preservação e salvaguarda do patrimônio artístico e histórico.

Considerações finais
A apresentação deste trabalho teve como principal objetivo despertar o interesse de graduandos e
pós-graduandos para a pesquisa musicológica, mas também apontar de maneira coerente constatações
provenientes do trabalho de campo na área de musicologia. Por esta razão foram apresentadas possíveis
temáticas e abordagens das práticas musicais a partir dos diversos tipos de fontes existentes.
Como resposta aos problemas formulados, é possível afirmar que acervos da região amazônica
apresentam desafios muito semelhantes àqueles observados em todo o país, constituindo a formação e
capacitação de pesquisadores um dos maiores. Há de se destacar que a região possui importantes
antecedentes históricos da pesquisa musicológica, como foram os casos de Vicente Salles e João Mohana,
mas que ainda apresenta vastas regiões cujos passados musicais permanecem silenciados por não terem sido
localizadas fontes musicais. A existência de pelo menos dois grandes acervos musicais estruturados na região,
além de dezenas de outros a serem descobertos, organizados, preservados e estudados em profundidade
dão a dimensão do amplo trabalho musicológico que a região demanda.
Longe de ser uma necessidade exclusivamente regional, o reconhecimento da potencialidade
patrimonial das fontes (affordance) e a sensibilização para este patrimônio dependem fundamentalmente
da realização de pesquisas e da divulgação de seus resultados, seja por meio dos eventos acadêmicos – que
integram pesquisadores de várias regiões do país e até mesmo do exterior –, seja por meio da construção de
uma rede distribuída de pesquisadores das diversas áreas que trabalham diretamente com fontes, seja ainda
ao trazer de volta para as práticas musicais as obras contidas nestas fontes por meio da performance.
Desta maneira, a pesquisa de fontes musicais se revela interdisciplinar e requer a integração das
diversas subáreas da música. A difusão ampla dos resultados destas pesquisas confere às fontes, em última
análise, uma função social, que é o principal argumento para a salvaguarda deste rico patrimônio, que detém
o esquecimento das práticas musicais do passado e permite que repensemos as práticas do presente a partir
da experiência histórica.

Referências

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Janeiro: O Conselho, 2005. 20 p.

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MESA REDONDA – PERFORMANCE

O ENSINO DA PERFORMANCE MUSICAL NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR DO BRASIL: AVANÇOS E DESAFIOS

Prof. Dr. Ricardo Kubala (UNESP)


Professor do Instituto de Artes da UNESP, o violista Ricardo Kubala graduou-se pela
Faculdade Santa Marcelina e realizou cursos de aperfeiçoamento na Academia da
Filarmônica de Berlim (bolsista da Sociedade Vitae) e na Escola Superior de Música de
Karlsruhe (bolsista do DAAD e da CAPES). Obteve os títulos de Mestre e de Doutor em
Música na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi professor na Faculdade Santa
Marcelina e na Universidade de São Paulo (USP/Câmpus de Ribeirão Preto). Atuou em
conjuntos premiados, como a Orquestra Solistas do Brasil (APCA – melhor conjunto de
câmara), o Quarteto de Cordas de São José dos Campos (APCA – melhor conjunto de câmara) e a Orquestra
de Câmara Solistas de Trondheim (Amadeus Music Award e Golden Harmony Award). Como membro do
Núcleo Hespérides, que se dedica à pesquisa e divulgação da música das Américas, participou de gravação
do CD 'Sons das Américas' (selo SESC).

Prof. M.e Leonardo Feichas (UFAC)


Professor Assistente do Curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal do Acre
(UFAC). Possui mestrado em Música, pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Bacharel em Música (Violino) pela UNICAMP. Membro dos grupos de pesquisa Estudo de
implementação do Ensino Coletivo de Cordas junto à Universidade Pública (UNESP) e do
Ensinoaprendizagem musical em múltiplos contextos (UFAC). Colaborador no Núcleo
Amazônico de Pesquisa (NAP). Coordenador do projeto Ensino Coletivo de Cordas da
Universidade Federal do Acre. Realiza pesquisas e atividades nas áreas de: Performance em Música,
Pedagogia da Performance, Ensino Coletivo de cordas, Pesquisa em Repertório Latino Americano, Sons
Biofônicos.

Prof.ª Dra. Ana Maria Souza (UEPA)


Doutora em Música, área Educação Musical (UFBA, 2015), com estágio doutoral em TUFTS
University (BO); Mestra em Educação Musical (UFBA, 2001), Professora do curso de
Licenciatura Plena em Música da Universidade do Estado do Pará. Possui experiência nas
áreas de Educação Musical, Expressão corporal, Arranjos vocais, Regência Coral, MPB,
Música afro-brasileira e Côro-cênico. Formada em piano pelo Instituto Carlos Gomes onde foi professora
(1979 a 1988). Especialista em Fund. da Linguagem Musical (UEPA). Foi professora e gestora da Escola de
Música da UFPA (1981-2007); criou o Grupo Vocal Vox Brasilis e do Coro-cênico Helena Cardoso desde 1988,
hoje Cantores Contemporâneos (UFPA). Atualmente é regente do Madrigal da UEPA.

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O uso do repertório brasileiro e latino-americano no desenvolvimento de


estratégias performáticas dos alunos

Leonardo Vieira Feichas


leonardo.feichas@gmail.com
Universidade Federal do Acre

Como se trata de um evento realizado na região Norte, uma região carente deste tipo de evento, eu
trouxe as minhas experiências na Universidade Federal do Acre (UFAC), no ensino, pesquisa e extensão.
Minhas dificuldades e soluções. A introdução do ensino coletivo de cordas friccionadas no projeto de
extensão e a parceria com a UNESP e UFC. Sobre o laboratório de performance, eu uso de repertório latino
americano no desenvolvimento de conhecimentos musicais e desenvolvimento de habilidades, no âmbito da
Pedagogia da Performance.

Sou professor de violino e música em conjunto no curso de licenciatura da UFAC desde 2014.

Eu trouxe três pontos que gostaria de abordar. Os dois primeiros são constatações e considerações,
que são a minha chegada ao Acre (UFAC) e o entendimento da necessidade de um trabalho de base e
algumas considerações sobre o ensino de violino na licenciatura em música. A partir desses pontos,
pretendo chegar no uso do repertório brasileiro e latino americano no ensino de performance nos cursos
de licenciatura em música.

Primeiro ponto: Chegada ao Acre e o entendimento da necessidade de um trabalho de base.


Ao chegar na Universidade Federal do Acre percebi que, além de pensar na condução da licenciatura,
haveria a necessidade de criar caminhos também que possibilitem aos alunos chegarem no ensino superior
em Música (Licenciatura em Música) com um conhecimento prévio. Para que vocês possam entender, em
Rio Branco há uma Escola de Música, que teoricamente, deveria realizar essa formação previa dos alunos
mas que por conta de problemas de gestão e dependência política não realiza plenamente sua função. Ao
perceber isso, viu-se a necessidade de criar meios de oferecer a alunos uma experiência musical antes da
Universidade. Diante disso sugiram questões como: O que fazer para resolver isso? Como criar estruturas
para sanar isso?
Diante desta situação, o que me ocorreu foi o ensino coletivo de cordas, como um projeto de
extensão, já que além de ser um método que se comparado com o ensino individual tem menos custo e é
mais abrangente em quantidade de alunos atendidos. Antes de ir para o Acre eu já fazia parte de um grupo
de estudo intitulado Implementação do ensino Coletivo em universidades Públicas, liderado pelo Prof. Luiz

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Amato da UNESP. O polo principal deste projeto acontece na UNESP com a metodologia da Professora Liu
Ying (Método a Corda Toda). Trata-se de uma metodologia que utiliza canções brasileiras no ensino, o que
facilita o aprendizado. Hoje a Dra. Liu é professora da Universidade Federal do Ceará, levando um polo a esta
universidade também. Então hoje, temos uma parceria entre os projetos da Unesp (Amato), UFC (Ying) e
UFAC (Feichas).

Como acontece essa parceria:


Em 2014 a Prof. Liu esteve na UFAC participando da ABEM norte, foi quando demos o pontapé inicial
a essa parceria. O projeto de ensino coletivo de cordas teve início no começo desse 2016 quando o curso de
licenciatura ganhou um laboratório de Educação Musical e conseguimos mobilizar os bolsistas e os técnicos
músicos da UFAC. Nosso projeto de extensão de ensino coletivo hoje, com 6 meses, acontece no laboratório
de Educação Musical e conta com 15 alunos da sociedade externa da UFAC, bolsistas do PIBID e dois técnicos
músicos (do quarteto de cordas da UFAC- Letícia Porto e Alan Uchôa) que auxiliam no desenvolvimento do
projeto. Optou-se por começar pequeno justamente por ser experimental, de haver a necessidade de treinar
essa turma para que eles mesmos, sob a supervisão minha e dos técnicos, possam ir treinando os futuros
bolsistas.
Recentemente, conseguimos um vaga de professor temporário no laboratório de educação musical,
o que propicia condições de abrirmos novas turmas e ampliar o projeto. Com a dedicação deste professor só
para as atividades do laboratório de educação musical, o objetivo para o ano que vem seria de abrir 3 novas
turmas. Abrindo essas novas turmas teríamos uma quantidade de alunos que poderiam seguir sua formação
e futuramente, pelo menos parte deles, entrar no curso de licenciatura e cooperarem também com a
orquestra acadêmica, que funciona no curso de licenciatura.
O aperfeiçoamento do projeto passa por reflexões da equipe local sobre o que está e não está
funcionando. Outro procedimento são as visitas dos coordenadores locais nos polos. A Prof. Liu teve a
oportunidade de colaborar no início do projeto quando esteve na ABEM na Ufac. Nas últimas duas semanas
eu estive como professor e artista residente na UFC (Universidade Federal do Ceará), através de um edital
da UFAC chamado de ESFOR (Escola de Formação), tendo a oportunidade de conhecer como o projeto da
Prof. Liu se desenvolve. Pude participar dando as aulas para alunos de violino da licenciatura (masterclass),
regendo os grupos de ensino coletivo, tocando com camerata e também realizando um recital. No dia 28
de Novembro, eu recebi o Prof. Luiz Amato para o primeiro contato dele com o ensino coletivo de cordas da
UFAC. Ele ministrou palestras de ensino coletivo e masterclass.
Então, a criação do projeto de ensino coletivo de cordas, baseados na metodologia da prof. Liu de
canções brasileiras, oferece a iniciação ao instrumento já com o contato com a música brasileira, sendo um
grande diferencial no futuro para esses estudantes.

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Esse projeto de ensino coletivo se insere dentro de medidas (projetos) que visam minimizar a falta
oportunidades de estudo de música no estado. O caminho pensado seria esse:

- Musicalização infantil (Prof. Elder Gomes e Maíra Scarpellini) (ativo)


1. Ensino coletivo de cordas (Prof. Leonardo Feichas, Letícia Porto e Alan Uchôa ) (Ativo)

2. Academia da UFAC (título provisório) ( Leonardo Feichas, Letícia Porto, Alan Uchoa e
Marcello Messina) (Inativo)

3. Licenciatura em música (ativo)

SEGUNDO PONTO: Considerações sobre o ensino de violino na licenciatura em música


Obviamente a falta de uma formação prévia de instrumento e em música compromete o
desenvolvimento dos alunos ao longo do curso de licenciatura. O professor tem que ministrar tópicos que
teoricamente não seriam oferecidos em um curso superior. Então desde o começo buscou-se o trabalho de
base, sendo todas as experiências para esses alunos uma novidade, desde a consciência e entendimento da
importância do estudo diário com qualidade até aspectos elementares da pedagogia da performance. Todos
os alunos não tinham nenhuma experiência prévia de uma apresentação artística ao vivo. Buscou-se
esquematizar apresentações semestrais.
A partir dessa experiência inicial certificou-se que apesar de alunos de licenciatura em música, eles
precisam ter essa vivência de palco, do ritual da performance, para que possam agregar em sua formação e
multiplicar esse conhecimento após formados. Após os primeiros recitais públicos de fim semestre percebeu-
se que a classe, constitui ́da principalmente por alunos iniciantes em instrumento, é essencial que se trabalhe
̃ e uma
a performance de forma pedagógica e de maneira que esta experiência constitua uma motivaçao
bagagem de experiência essencial para esses futuros professores e músicos.
Trouxe aqui uma citação que está em um artigo publicado sobre minhas considerações e experiências
preliminares da pedagogia da performance no curso de licenciatura em música da UFAC. Do ponto de vista
de Havas (1986, p.125), lidar com o medo do palco tem estreita relação com a autoestima, já que:

“(...) quando se lida com o medo do palco, a primeira coisa a se fazer é eliminar os
motivos de auto-depreciação e dúvida. (...) Como alguém pode ‘se entregar’ a não
ser que esteja livre para se amar, amar os outros seres humanos e, mais que tudo,
amar seu público?”

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Percebi o quanto as experiências de performances eram motivadoras para esses alunos. Como eles
ficavam empolgados e davam, dessa forma, sentido aos estudos, uma meta para estudar.
A partir disso, pensando na pedagogia da performance (educação musical em nível superior) buscou-
se um laboratório de performance musical, com palco, forro de madeira para diminuir a reverberação
acústica, espelho, luz de palco, cortina blackout, cadeira sem braço para o público. Ganhamos esse
laboratório, com forro de madeira (para minimizar a reverberação da sala), o palco e ainda esse ano espero
o resto desse material. Embora não fora inaugurado oficialmente, já estamos realizando as aulas de violino
e música de câmara no espaço. A reação dos alunos tocando no palco é outra completamente diferente da
que se tem em uma sala de aula comum usada para apresentações. As aulas realizadas no palco e em
masterclass provocam reações diversas (como extremo nervosismo, tremedeira etc). Ao longo da aula
conversamos sobre essas reações, o quanto elas fazem parte de um processo de amadurecimento e
buscamos estratégias para lidar com esse momento tão frequente na vida de um músico. Disponibilizo textos
referentes a aspetos da performance para incentivar a reflexão.

TERCEIRO PONTO: Uso do repertório brasileiro e latino-americano no ensino de performance nos


cursos de licenciatura em música.
O uso do repertório brasileiro (ou latino-americano) no ensino de violino e seus aspectos
performáticos tem, ao meu ver, como uma grande dificuldade, a questão de acesso às partituras. Na América
Latina há algumas ações, acervos e coleções que contribuem para pesquisa em repertório latino-americano.
Na Argentina, a Prof. Mariela Nedyálkova possui o projeto de divulgação e pesquisa em repertório Latino
Americano para Violino (Creacion Latinoamericana para Violin).
No Brasil são poucas as iniciativas de divulgação e uso de repertório brasileiro, sendo talvez o Projeto
SESC partituras, em um âmbito mais nacional, a mais bem consolidada ação com esse propósito. Nesse, que
tive a oportunidade de participar, os intérpretes montam o concerto baseado no acervo com obras de
compositores brasileiros. Um projeto fantástico! Mas tirando essa ação, não há outras em nível nacional, o
que dificulta o acesso das obras.
Eu pesquiso o repertório brasileiro para violino, aspectos históricos, analíticos e performáticos. Esse
tipo de pesquisa muitas das vezes encontra resistência da família dos compositores, que não entendem o
caráter da pesquisa, o quanto o objetivo é de mapear e divulgar e não obter um lucro financeiro. Eu pesquiso
há 10 anos o violinista e compositor mineiro Flausino Valle (1894-1954). Valle compôs 26 Prelúdios, intitulado
26 Prelúdios Característicos e Concertantes para violino Só. Esses Prelúdios são pequenas miniaturas para
violino solo com temas brasileiros (Tirana, Batuque, canções folclóricas), paisagens sonoras (imitação de
porteira da fazenda, tico-tico, carro de boi, batuque, fogos de artifícios etc) e também influência da música
erudita europeia. Flausino Valle foi apelidado por Villa-Lobos com o Paganini Brasileiro. Esse apelido vem no

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sentido que tanto o violinista/compositor italiano quanto o violinista/compositor mineiro buscaram meios
de inovar, buscar novar possibilidades na linguagem do violino. Logo, esses Prelúdios mostram-se um
manancial de aprendizado de musicalidade (acessíveis), aspectos musicais brasileiros, aspectos técnicos e
performáticos também.
Considero esses 26 Prelúdios de Flausino Valle como um referencial, já eles oferecem diversos
aspectos que podem ser trabalhados com o estudante, visando equalizar o uso do repertório europeu e o
brasileiro-latino-americano em conservatórios e Universidades. Busca-se entender o quanto esses Prelúdios
podem colaborar na formação instrumental e musical de um violinista e para a construção repertório
brasileiro nos Conservatórios e Universidades, tratando-se assim de um repertório rico de possibilidades e
não apenas um repertório adotado para atender uma cota de repertório brasileiro.

Alguns aspectos:
Aspectos técnicos-instrumentais:
O 26 Prelúdios são repletos de desafios técnicos, mas, simultaneamente, a maneira como o
compositor escreve (uma maneira que demonstra que Valle conhecia muito bem a linguagem do violino, a
“geografia” do braço do instrumento, o que era e não era possível), utilizando diversos golpes de arcos.

ARCO:
Ricochet Arpejato
Arco Jeté
Detaché
Spicatto
Sautielle
Overpressure

Mão Esquerda:
Glissando
Terças
Sextas
Alla Guitarra
Pizzicato
Pizzicato de mão esquerda

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Aspectos performáticos:
Diversos aspectos performáticos podem ser trabalhados. Os Prelúdios têm como caraterística serem
músicas descritivas (descrevem paisagens sonoras), o que demanda do intérprete / estudante uma postura
investigativa e uma relação com o público que vai além de transmitir o conteúdo musical apenas tocando,
mas também com o apoio de uma descrição verbal. Todos os Prelúdios têm um título que geralmente se
relaciona com efeito onomatopaico que aparece no discurso musical da peça. Então por exemplo, o Prelúdio
Tico-Tico há imitação do tico-tico; no Prelúdio a Porteira da Fazenda, o efeito da Porteira tanto na introdução
quanto na coda.
Depois de um experimento com alunos da licenciatura que visava entender o quanto os títulos dos
Prelúdios eram assimilados com os efeitos contido neles, chegou-se à conclusão de que na maioria deles,
com exceção de “A Porteira da Fazenda, o significado é subjetivo. Isso veio a mostrar o quanto uma interação
verbal do intérprete com a plateia pode colaborar para uma maior entendimento. Nesse sentido, o estudante
experimenta, nesse repertório, se dirigir à plateia não só através da música mas também verbalmente, o que
torna seu estudo didático e útil para o estudante sob diferentes prismas.
Ainda no Prelúdio XIV- A Porteira da Fazenda há diversas possiblidades que podem seu interessantes
para introduzir o aluno a novos conceitos como:
Valle, em alguns prelúdios, trabalha basicamente as técnicas tradicionais do repertório do violino,
por exemplo, como o importante método Kreutzer trabalha. Assim como em Kreutzer há uma variedade de
estudos ricos que, se bem estudados, contribuem decisivamente na formação técnica do estudante, em Valle
também, com a vantagem que o aluno aprende características rítmicas, musicais e de formas brasileiras.
Então, busco experimentar essa alternância entre os métodos e o quanto pode colaborar e refinar o músico
tecnicamente e musicalmente. As edições que fiz dos Prelúdios, que contêm “fichas interpretativas”
explicativas para cada Prelúdio, foram adotadas também na Universidade Federal do Ceará (UFC) e na UNESP.
São experiências preliminares que espero no futuro poder trazer mais resultados concretos.

RESULTADOS PARCIAIS:
- Iniciação do ensino coletivo de cordas em 2016.
- O fortalecimento das relações de parceria e do grupo de estudo de ensino coletivo entre eu, a Prof.
Liu Man Ying e o Prof. Luiz Amato da Unesp. A vinda da Liu na ABEM 2014- minha ida na UFC na residência
artística- vinda do Luiz na UFAC e minha ida futura à UNESP.
- Os alunos de violino da licenciatura são monitores no ensino coletivo.
- Alunos pesquisando música brasileira (nacional e local) e latino-americana.

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Recursos interdisciplinares na construção performática do canto coral

Ana Maria de Castro Souza


anni.belem@hotmail.com
Universidade Estadual do Pará

Canto coral e expressão corporal


A preparação de um coral envolve várias etapas que vão desde a classificação das vozes por naipe
em formações de coro misto, feminino, masculino ou mesmo em uníssono no coro infantil, infanto-juvenil
ou terceira idade. Depois a técnica vocal, respiração, articulação, leitura do texto com a melodia e a
memorização, todos esses elementos que antecedem a interpretação musical, requerem dos cantores
compreensão do estilo musical, do gênero e da época para dar significado. É preciso sentir o que se está
cantando para demonstrar com a expressão facial e corporal mesmo quando o coral é considerado
tradicional.
A educação musical pela prática coral e a expressão corporal contribui para o desenvolvimento de
coralistas. Santos (2001) considera ser: “a forma possível de atuação metodológica e postura educacional,
que visa o fomento da expressividade, da interpretação criativa, da qualidade estética, e do fazer musical
concebido com a participação colaborativa em grupo”. Santos (2001,p.18)
Em minha experiência profissional por anos, venho atuando como educadora musical e regente na
formação coletiva pelo canto coral a princípio de forma tradicional, regendo um coro misto a quatro vozes
dentro da escola de música. A princípio no meu entendimento os procedimentos para desenvolver o grupo
coral seriam: preparação vocal (técnica vocal) para aperfeiçoar a afinação, a sonoridade, a igualdade e
harmonização; fidelidade ao estilo, ritmicamente coordenado; dinâmicas nos fraseados, e finalmente,
bastante ensaios para alcançar um resultado satisfatório do repertório selecionado em apresentações
artísticas.
Mas ainda havia uma inquietação que me incomodava muito: cantavam bem, mas faltava algo para
melhorar a performance do grupo, que tinha relação com a interpretação dos coralistas.
Para Costa (2009) “a performance engloba diversos apelos além do resultado musical e –
ponderemos – o espectador que vai a uma apresentação, não está com seu foco de atenção apenas no seu
aparelho auditivo”. Para interpretar o que cantam os coralistas precisavam entender como expressar o que
estavam cantando e assim, envolver o ouvinte.
O detalhe era que eu mesma como regente não sabia solucionar o problema com o grupo por
questões de minhas limitações naquela ocasião.
Concordo com a afirmação de Costa (2009) em:

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Colorir a interpretação com recursos que vão ampliar o sentido de comunicação


coro/plateia de forma extra musical e que poderão atuar diretamente no fazer
musical, é um trunfo que pode despertar muito prazer tanto nas descobertas
quanto na realização do espetáculo. COSTA (2009, p.67)

A busca dessa comunicação para contribuir com a qualidade da interpretação necessita de pontes
entre áreas artísticas que possam somar saberes e conhecimentos. Para Santos (2001, p.18) “esses recursos
permitem ao indivíduo o conhecimento de seus limites, quer corporais, mentais ou espirituais, a fim de que
possa desenvolver a liberdade de comunicação”.
No final da década de 80, em um aperfeiçoamento no interior do Rio de Janeiro, no Painel de
Regência Coral em Resende, tive a oportunidade de assistir algumas performances de corais e dentre eles,
dois me chamaram a atenção pela expressividade dos jovens coralistas interpretando a música brasileira:
Coral “Canto em canto” e grupo “Som a pino”. Logo me aproximei de uma das regentes, à qual fiz o convite
para vir a Belém dar um curso de regência, e trabalhar arranjos vocais contemporâneos com o grupo coral
que dirigia.
Após essa rica aprendizagem, criei coragem para reger arranjos mais ousados e iniciei parcerias com
profissionais das artes cênicas que realizaram laboratórios com o grupo e me incluindo também. Os objetivos
eram: preparar o corpo para o canto e dividir a responsabilidade entre a música e a expressão corporal dos
coralistas, assim como, elaborar um roteiro do repertório apresentado.
Na investigação para o mestrado, ministrei uma oficina para alunos do ensino médio de uma escola
pública de Salvador denominada “Expressão e interpretação” para coral, com 12 horas de duração, dividida
em seis ensaios de 2 horas aos sábados. Foram 80 pessoas inscritas e foram selecionados aleatoriamente 30
participantes. Durante as atividades da oficina, descobri que som apoio de profissionais da cênica para dividir
a liderança, poderia solucionar situações complexas musicais por outro caminho: a conscientização rítmica
do pulso e a prática de células rítmicas da música brasileira.
Na oficina aplicada na pesquisa utilizei recursos da expressão corporal partindo do ritmo na
abordagem educativa, elemento que facilitou o caminho para desenvolver nos coralistas, uma interpretação
musical com expressividade e elementos únicos. Dalcroze citado por Bundchen (2005.p.99) “propôs a relação
entre corpo e música a partir do ritmo, buscando uma implicação na expressão do corpo e na compreensão
dos conteúdos da música”.
Benetti (2002) enfatiza que “é a partir de experiências corpóreas que se concretizam possibilidades
expressivas e, consequentemente, que se torna possível o processo comunicativo com o mundo”. (Pereira
,2010,p.211)
Um dos participantes da oficina “Expressão e interpretação” no coral, ministrada para a pesquisa de
Mestrado por SANTOS (2001) responde sobre a avaliação da oficina:

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Eu nunca tinha cantado com a expressividade porque eu sempre ficava parado, aquele negócio
quieto ali. Na minha interpretação eu só fazia com a boca, o gesto com a boca, mas nunca tinha parado para
perceber essa emoção que a gente passa que a gente tem que passar com a música. Então foi assim uma
experiência nova, talvez diferente, mas que incentivou muito o meu falar, poder me expressar na música.
(SANTOS, 2001, p.99).
As atividades que envolvem canto, o corpo, o ritmo e o movimento, possibilitaram que os coralistas
descobrissem outras potencialidades e realizassem satisfatoriamente e com prazer um conjunto de saberes,
desenvolvendo outras habilidades e desafios do canto em conjunto.

O processo de desenvolvimento:
O espetáculo cênico musical como práticas educativas e artísticas
A construção de um espetáculo cênico musical com o coral em nossa experiência desenvolveu-se
com a parceria do regente que tem o papel de coordenador musical e um profissional da área cênica (teatro
ou dança) objetivando preparar o corpo dos coralistas para o canto, como um performer. “Estar consciente
do próprio corpo é fundamental para o desenvolvimento da performance, possibilitando um desempenho
mais seguro quanto à expressão musical”. Bündchen (2005, p.89)
“Defini-se o artista do espetáculo vivo como aquele que traz em seu próprio corpo sua obra de arte”.
Strazzacappa (2008, p.78).
Como já foi comentado anteriormente, antes da preocupação com o resultado do trabalho, vale
lembrar que o processo de aprendizagem incluindo o corpo e o conhecimento de outras linguagens, almejava
mudanças nos indivíduos envolvidos, desbloqueando amarras ou comportamentos introvertidos. Santos
(2001) reflete que aspectos da personalidade que lidam com a sensibilidade, a criatividade e a expressão
estão diretamente ligados à voz, à fala e à ação do corpo.
Gainza (1988, p.72) citada por Santos (2001) esclarece que quando uma pessoa se encontra em crise,
o bloqueio afetivo é acompanhado de um bloqueio físico que não se sabe o que está mais tenso: se é o corpo
que impede que a música passe, ou se é o espírito que impede que o corpo se comunique.
O processo importa mais do que os resultados no desenvolvimento das pessoas como esclarece por
Reverbel (1989):

[...] a relevância de focar o processo e não o resultado final, ou seja, não se deve
atribuir ao resultado o foco principal, mas sim favorecer o desenvolvimento
gradativo das capacidades expressivas. Citada por Bundchen (2005, p.97).
As atividades do movimento, da dança e jogos teatrais que envolvem os coralistas no uso da fala, do
corpo e da interpretação de texto, contribuem para solucionar dificuldades de comunicação e de
expressividade no canto e colaboram para que ocorram mudanças significativas.

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Uma fala de Bloch (1980:109) citada por Santos (2001) sobre a valorização da fala e da voz para a
comunicação da pessoa se adéqua para a voz cantada: “Impostar uma voz é impostar uma pessoa.
Treinamento da voz é um aperfeiçoamento da pessoa”. Santos (2001,p.30)
As atividades devem ser direcionadas para desenvolver as dimensões cognitiva, afetiva, e motora,
possibilitando a interação grupal, a criatividade, e a autonomia, juntamente com a reflexão sobre o porquê
utilizá-las (Pereira, 2010,p.203).
Vários pesquisadores concordam com a interdisciplinaridade para a realização dos trabalhos
artísticos com a música como Strazzacappa (2008):

Permite às pessoas que tenham acesso às diferentes formas de linguagem e,


consequentemente, aos códigos de interpretação dessas linguagens representa um
passo na direção de democratização dos bens culturais, logo, da arte.
STRAZZACAPPA (2008,p.88)

Na atualidade a educação musical desenvolvida com o canto coral tanto na educação básica com
crianças e adolescentes ou mesmo com grupos corais de outra natureza, nem sempre seguem os mesmos
padrões dos ensaios e performances do coral tradicional, que buscam alcançar a sonoridade, virtuosidade de
harmonizações e surpreendentes potências vocais. As práticas corais buscam também alcançar melhor
qualidade no resultado musical, mas o processo de aprendizagem requer práticas que interessem aos
cantores nas áreas cognitivas, afetivas e corporais.
Diante dos novos tempos com a tecnologia e inovação, o regente-professor-educador musical ao
preparar-se para o exercício de sua função, tende a adquirir conhecimentos complementares de outras
linguagens além de formar parcerias interdisciplinares. Santos (2001) pela experiência com coral jovem de
escola de música que se tornou côro-cênico posteriormente, em pesquisas no Brasil com as novas práticas
corais, pôde registrar o posicionamento de regentes da época, como Sergio Oliveira e Samuel Kerr (1994):

A junção do processo liberatório da criatividade, propiciou uma informalização da


postura cênica e a necessidade de uma interpretação não apenas vocal, o que
requer uma ampliação de especialidades. Não era mais suficiente para o coro,
apenas o regente com sua experiência musical. Santos (1999, p.3)

Nos 28 anos de práticas em Belém dentro da Escola de Música o grupo coral passou por várias etapas,
com parcerias de profissionais de teatro e nos últimos 11 anos vem incorporando e definindo a equipe central
que desenvolve trabalhos: a regente e coordenadora, um preparador cênico, que é e cantor do grupo há
mais de 20 anos e um professor e diretor instrumental que participa do grupo há nove anos.
O grupo que no inicio trabalhava com jovens, sempre incluiu pessoas leigas da comunidade e com
qualquer idade, hoje conta com cantores de diferentes profissões e idade média de 35 anos. Nessa formação,

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80% cantam juntos há 14 anos. Têm dois deficientes visuais, duas médicas, um engenheiro, três cantores
líricos, uma professora de instrumento, dois licenciandos em música e uma empresária.
Após a vivência do grupo por 20 anos vinculado a Escola de Música da UFPA por aposentadoria da
regente, ainda continuamos organizando e construindo trabalhos artístico-musicais em equipe, de forma
voluntária e seguindo a mesma linha dos últimos, selecionando repertório com temáticas relevantes e atuais
como: meio ambiente e regionalidade amazônica; questões étnico-raciais; resgate de antigos carnavais;
serenatas e saraus musicais do séc. XIX.
O trabalho educativo e artístico construído dentro da escola de música, se aplica hoje à academia,
no curso de formação de educadores musicais no Curso de Licenciatura Plena em Música da Universidade do
Estado do Pará. No conteúdo programático da disciplina Prática Coral, foi incluída uma prática que
contribui significativamente para a atuação dos futuros educadores musicais na educação básica: os
“Processos Criativos”.
Os “Processos criativos” são atividades que tem por objetivos preparar os graduandos para a prática
coral na escola com suas turmas, utilizando repertórios adequados a cada faixa etária, possibilitando uma
aprendizagem interessante nas aulas de música, por meio do canto coletivo, em que os participantes do
processo são estimulados a desenvolver seus potenciais e habilidades para assumir papeis de forma
colaborativa dentro da organização.
Essa atividade tem também como objetivo preparar os graduandos para encarar situações realísticas
da escola pública que nem sempre tem estrutura e recursos para as aulas de música, mas tem os alunos com
o corpo, a voz, a criatividade e a capacidade.

Referenciais bibliográficos

BÜNDCHEN, Denise Blanco Sant’Anna. A relação ritmo-movimento no fazer musical criativo: uma abordagem
construtivista na prática de canto coral. Dissertação de Mestrado em Educação. Faculdade de Educação.
UFRGS. Porto Alegre, 2005.

COHEN, Renato. Desempenho como linguagem. Série debates arte. Perspectivas. São Paulo, 2009.

COSTA, Patrícia. Expressão Cênica como elemento facilitador da performance no coro juvenil. Per musi
(online).2009, PP.63-71. ISSN 1517-7599.

PEREIRA, Lúcia Helena P. O corpo também vai á escola? As atividades bioexpressivas e a educação da criança.
IN: Damiano, Gilberto, etc e tal (Org). Corporeidade e educação: tecendo sentidos... Cultura Acadêmica. São
Paulo, 2010.

SANTOS, Ana Maria S. Efeito do Coro-cênico no desenvolvimento musical: um estudo de caso. Anais da
ANPPOM. Salvador, 1999.

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________________. A expressão corporal a partir do ritmo: um caminho para interpretação de coralistas.


Dissertação de Mestrado em Música. Salvador, 2001.

STRAZZACAPPA, Márcia. A arte do espetáculo vivo e a construção do conhecimento: vivenciar para aprender.
IN: FRITZEN, Celdon e MOREIRA, Janine (Orgs.). Educação e Arte, as linguagens artísticas na formação
humana. 2ª edição. Papirus Editora.Campinas,2008.

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MESA REDONDA – PRÁTICAS CRIATIVAS

PRÁTICAS CRIATIVAS NO CONTEXTO DA AMAZÔNIA: PARTICULARIDADES, DESAFIOS E POTENCIAIS

Prof. Dr. Anselmo Guerra (UFG)


Professor Titular da Universidade Federal de Goiás. Possui graduação em Composição e
Regência pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1986), mestrado em
Ciência da Computação pela Universidade de Brasília (1992) e doutorado em Comunicação
e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1997). Foi pesquisador
visitante no CRCA - Center for Research in computing and The Arts da Universidade da Califórnia San Diego
(1995/6). Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Música Computacional, atuando principalmente
nos seguintes temas: composição musical, música computacional, música eletroacústica, música
contemporânea. Foi coordenador do Mestrado em Música da UFG por três mandatos e é vice-presidente da
Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica - SBME. Lidera o Núcleo de Música, Interdisciplinaridade e
Novas Tecnologias - UFG

Prof. Dr. Damián Keller (UFAC)


Coordenador do Núcleo Amazônico de Pesquisa Musical (2003-2016) e pesquisador PQ nível
2 do CNPq. Sua pesquisa foca o suporte para as atividades musicais criativas e o estudo da
criatividade musical cotidiana. Sua produção científica inclui uns 150 artigos publicados em
eventos científicos e em revistas especializadas e 20 publicações editadas, entre livros e
anais. É coeditor do primeiro volume sobre música ubíqua (Editora Springer), tendo
impulsionado o avanço das práticas criativas cognitivo-ecológicas através de projetos financiados pelo Lower
Mannhattan Community Council, pela National Association of Latino Arts and Cultures (EUA) e pelo CNPq
(Brasil).

Prof. M.e Emanuel Cordeiro (UEAP)


Professor e coordenador do Curso de Licenciatura em Música da Universidade do Estado do
Amapá (UEAP). Possui mestrado em Composição Musical pela Universidade Federal da
Bahia (UFBA), Especialização em Fundamentos da Criação em Música pela Universidade
Federal do Pará (UFPA), Bacharelado em Composição e Arranjo pela Universidade do Estado
do Pará (UEPA) e Bacharelado em violão pela Universidade do Estado do Pará (UEPA). Teve
composições premiadas na XXI Bienal de Música Brasileira Contemporânea da Funarte, 3º Festival de Música
e 3º Festival da Associação de rádios públicas do Brasil (ARPUB). Tem experiência na área de composição
musical, arranjo e violão.

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Ferramentas tecnológicas gratuitas aplicadas no Curso de Licenciatura em Música


da UEAP

Emanuel Lima Cordeiro


emanuelcordeiro0@gmail.com
Universidade Estadual do Amapá

O presente trabalho relata a aplicação inicial de Ferramentas Tecnológicas Gratuitas no Curso de


Licenciatura em Música da UEAP, para isso, é preciso contextualizar o referido curso. O curso de Licenciatura
em Música da Universidade do Estado do Amapá (UEAP) foi a 1ª Graduação em Música do Estado do Amapá,
contando com apenas 3 professores efetivos e obteve o ingresso da 1ª Turma em 2015. Neste ano, o curso
continham a estrutura para as aulas de 1 sala de aula sem quadro pautado, 1 sala de informática
compartilhada, 1 caixa amplificada e 1 Data-show da universidade.
O curso de Licenciatura em Música da Ueap contém a disciplina “Tecnologia e Informática na
Música”, ministrada no primeiro semestre, esta disciplina tem por objetivo introduzir o acadêmico no uso de
ferramentas tecnológicas musicais, mas também serve como ponte conectando a tecnologia musical entre
diversas disciplinas do curso, como “Teoria e Percepção Musical” (3 semestres), “Criação e Improvisação” e
“Orquestração”.
Para escolher as ferramentas tecnológicas musicais, deu-se preferência para a utilização de
aplicativos gratuitos, intuitivos, em português, leves e portáteis, para que os mesmos fossem acessíveis a
todos os acadêmicos.
Dentre as ferramentas utilizadas no curso destacam-se o piano virtual “Wispow FreePiano 2”, que
pode transformar o teclado do computador em um controlador MIDI. Esse instrumento virtual foi utilizado
na sala de aula substituindo a função de um piano.
Na disciplina de Teoria e Percepção Musical foram utilizados alguns recursos para aprimorar e
estimular a leitura de partituras, como o programa “NoteAttack” que é um jogo bastante simples servindo
para o treino da leitura das alturas e o “ScoreDate” que serve tanto para a leitura de alturas em diferentes
claves, quanto para a leitura rítmica e até para treinamento auditivo.
Outros programas foram utilizados para o treinamento auditivo, como o “Functional ear trainer”,
que contém um método fundamentado na percepção das funções (graus) das escalas maiores e menores
incluindo toda a escala cromática. Outro programa utilizado foi o “GNU Solfege”, um dos programas gratuitos
de treinamento auditivo mais completos, contendo uma variada gama de exercícios auditivos.
Para a edição de partituras foi utilizado o “Musescore”, que permite escrever partituras com vários
recursos e facilidades. Esse programa foi utilizado em várias disciplinas e também substituiu o quadro com
pauta por diversas vezes, resultando em maior dinamismo para estas aulas.

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O programa “Musibraille” foi utilizado para a edição de partituras em braille, introduzindo os alunos
para este tipo de notação, entretanto, não é necessário entender esse tipo de notação para escrever música
em braille, pois este contém um teclado para inserir as notas e ritmos, além de transcrição da música escrita
em braille para a notação musical convencional.
Na parte da produção e edição de áudio, utilizou-se o “Audacity”, que permite a gravação de áudio,
inserir efeitos e uma grande quantidade de recursos para manipulação de áudio com várias pistas. O
programa “Linux MultiMedia Studio” (LMMS) foi utilizado como sequenciador MIDI baseado em Loops
(repetições), permitindo a criação musical simples e intuitiva.
Por meio do uso desses recursos tecnológicos pôde-se Estimular os acadêmicos nas disciplinas,
desenvolvendo a criatividade por meio da experimentação musical, além de contornar alguns problemas
estruturais do início de curso.

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O ensino de Música Computacional na universidade

Anselmo Guerra
guerra.anselmo@gmail.com
Escola de Música e Artes Cênicas – EMAC / Universidade Federal de Goiás

Resumo: Minha proposta para a Mesa Redonda - Práticas Criativas - gravita em


torno da experiência com o ensino de Música Computacional na Escola de Música
e Artes Cênicas da UFG. Ela está presente tanto no ensino de graduação, como na
pós e em práticas de extensão. Faz parte de um contexto maior, quem vem se
configurando e aprimorando ao longo dos últimos 18 anos. Na estruturação do
curso de Composição Musical da EMAC, a Música Computacional entrou então
como matéria obrigatória ao aluno de Composição ou optativa aos demais cursos
da EMAC. Resumidamente, Música Computacional mantém o foco no aprendizado
e no domínio das ferramentas computacionais que formam os ambientes mediados
de análise, composição e performance musical. Em anos recentes, a disciplina foi
aberta também como Núcleo Livre, ou seja, oferecendo uma parte das vagas para
estudantes de outras unidades da UFG, assim, abrindo espaço a alunos das
Engenharias, da Informática, das Artes Visuais ou mesmo de áreas mais distantes.
Assim, mesclando alunos com habilidades e dificuldades complementares
podemos apresentar alguns resultados à esta mesa.
Palavras-chave: práticas criativas, música computacional, sonologia, educação
musical.

Abstract: My proposal for the Round Table - Creative Practices - gravitates around
the experience with the teaching of Computer Music in the School of Music and
Performing Arts of UFG. It is present in both undergraduate and postgraduate
teaching and extension practice. It is part of a larger context, which has been
shaping up and improving over the past 18 years. In the structuring of the course
of Musical Composition of EMAC, Computer Music then entered as a compulsory
subject to the Composition student or optional to the other EMAC courses. Briefly,
Computational Music maintains the focus in the learning and in the domain of the
computational tools that form the environments mid of analysis, composition and
musical performance. In recent years, the discipline was also opened as Free Core,
that is, offering a portion of the vacancies for students of other units of the UFG,
thus opening space for students of Engineering, Computer Science, Visual Arts or
even more distant areas . Thus, by mixing students with complementary skills and
difficulties we can present some results at this table.
Keywords: creative practices, computer music, sonology, music education.

O ensino na graduação e pós-graduação


Minha carreira de professor na UFG se inicia em 1997 no então Instituto de Artes da UFG. Na época
houve uma reestruturação administrativa em que se tornaram independentes as unidade de Música e Artes
Visuais. Já nos anos 2000, o curso de Música agregou o recém-criado Curso de Artes Cênicas, rebatizando
nossa faculdade como Escola de Música e Artes Cênicas (EMAC).

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Foi nessa transição que pudemos realizar uma restauração curricular na EMAC, incluindo a
implantação do bacharelado em Composição Musical. Participei da estruturação do novo curso,
aproveitando para dar a ele a feição que eu considerava ideal, criando disciplinas, suas ementas e planos de
curso. Assim, pude introduzir na grade curricular do curso de composição, as disciplinas que considero
importantes na formação do aluno sintonizado com seu tempo, destacando: Acústica e Tecnologia Musical;
Teoria e Prática de Gravação; Psicoacústica; Música Contemporânea; Laboratório de Composição
Eletroacústica; Música Computacional; Teoria e Análise da Música do séc. XX e XXI.
No processo de verticalização das linhas de suas linhas de pesquisa, o curso de pós-graduação da
EMAC ao adotar em sua estrutura do mestrado a área de concentração Música na Contemporaneidade abriga
na linha Criação e Expressão as disciplinas que dialogam com essa estrutura da graduação: Música
Computacional (avançado); e Composição e Novas Tecnologias.
Dessa maneira, procurei estruturar as disciplinas do curso de composição relacionadas à tecnologia
musical de modo que estivessem em grau crescente de complexidade, e que fossem relacionadas à linha de
pesquisa do Mestrado em Musica, permitindo o trânsito do aluno nos campos do ensino graduado e pós-
graduado, pesquisa e extensão. E o ponto de convergência desses campos é o Laboratório de Pesquisas
Sonoras (LPqS).

O Laboratório de Pesquisas Sonoras - LPqS


A pesquisa desenvolvida no LPqS envolve experimentos em síntese, análise espectral e performance
musical interativa, explorando as possibilidades da interface homem-computador. O projeto reúne
pesquisadores e alunos vinculados à linha de pesquisa Criação e Expressão do PPG Música da UFG, que exige
uma fundamentação teórica em tecnologia aplicada à música, cognição musical e representação do
conhecimento, que propomos introduzir desde a graduação. Nossa questão é fazer a ligação entre ensino,
pesquisa e extensão por meio da produção artística e científica.
O foco central de pesquisa no LPqS envolve experimentos em síntese, análise espectral e
performance musical interativa, explorando as possibilidades da interface homem-computador. A partir
desses experimentos, visamos apresentar nossa produção relacionada com a atuação didática. A linha de
pesquisa Criação e Expressão vinculada ao Programa de Pós-graduação em Música da UFG inclui a orientação
de mestrandos com projetos que envolvem tecnologia musical, cognição, o ensino da música computacional
ou o ensino da música com a mediação do computador.
Portanto, tornou-se imperativo que os alunos da própria unidade acadêmica possam ser preparados
desde seus primeiros anos da graduação, para atender o propósito da verticalidade das linhas de pesquisa
da pós-graduação em música. É na graduação que estes aprendem os fundamentos necessários através de

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disciplinas específicas e da pesquisa nos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), e na Iniciação Científica
(PIBIC e PIVIC).
Assim, ao longo da grade da graduação em música foram distribuídas as disciplinas que dependem
de uma prática laboratorial, dispostas em complexidade crescente:
Acústica e Tecnologia Musical: são abordados os princípios físicos e perceptuais do som, a acústica
dos instrumentos musicais, a formação de escalas e temperamentos, acústica de ambientes, aparelhos e
instrumentos eletrônicos, e o uso do computador na música;
Psicoacústica: são abordados os princípios físicos e perceptuais do som, neuro-psicologia, percepção
de sons complexos, percepção de timbre e os princípios da experimentação psicoacústica.
Teoria e Prática de Gravação: fornece ao aluno de composição as bases do que comumente é
chamado de Engenharia de Som. São trabalhados os fundamentos da produção elétrica do som e das
características da voz e dos instrumentos musicais acústicos e eletrônicos. Estudamos e praticamos o
aparelhamento básico para uma gravação, como os microfones e filtros, bem como a tecnologia digital de
captação, edição e masterização ;
Música Computacional: disciplina teórico-prática que parte dos métodos de síntese e análise
espectral. São programados trabalhos práticos em composição de Música Computacional, utilizando o
ambiente de programação PureData ;
Laboratório de Composição Eletroacústica: prática laboratorial das técnicas de composição
eletroacústica. São revisados os experimentos da Música Concreta e Música Eletrônica no contexto dos
recursos atuais do computador.
Tais conhecimentos são empregados nas disciplinas do mestrado:
Música Computacional, que mantém o foco no aprendizado e no domínio das ferramentas
computacionais que formam os ambientes mediados de análise, composição e performance musical;
Composição e Novas Tecnologias, que mantém o foco na resolução das questões estéticas utilizando
recursos computacionais.

1. Projetos de Pesquisa
Os projetos de pesquisa relacionados à música computacional estão intimamente ligados à própria
criação do LPqS e as disciplinas de apoio ali desenvolvidas. São eles:
1998 - 2005 LABORATÓRIO DE TECNOLOGIA MUSICAL
Projeto que deu origem ao Laboratório de Pesquisa Sonora – LPqS. O objetivo geral da pesquisa
desenvolvida no LPqS envolve experimentos em síntese, análise espectral e performance musical interativa.
Financiamento SESU-MEC: R$150 mil. Situação: Concluído Natureza: Projetos de pesquisa

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2004 - 2008 INTERAÇÃO HOMEM-MÁQUINA NA COMPOSIÇÃO E PERFORMANCE MUSICAL POR


MEIOS MISTOS
Projeto que envolve experimentos em síntese, análise espectral e performance musical interativa,
explorando as possibilidades da interface homem-computador. O projeto reuniu pesquisadores e alunos
vinculados ao curso de graduação em Composição Musical e ao Mestrado em Música da UFG.


2006 – 2012 CTINFRA-01/2006 UFG INFRA-ESTRUTURA PARA A PESQUISA INSTITUCIONAL E


LABORATORIAL PARA A PRESERVAÇÃO E DIFUSÃO DE DOCUMENTOS ESCRITOS E FONOGRÁFICOS DO
ACERVO MUSICAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
O objetivo deste subprojeto é o desenvolvimento de infraestrutura de pesquisa institucional e
laboratorial que consiste em obras civis e compra de equipamentos necessários para atualizar e interligar o
Laboratório de Pesquisas Sonoras da Escola de Música e Artes Cênicas, a Biblioteca Central e a Rádio
Universitária da UFG, de modo a viabilizar a catalogação, a preservação, o acondicionamento, a digitalização,
a disponibilização e a divulgação das partituras e registros fonográficos dos acervos da Universidade Federal
de Goiás, bem como a atender a demanda de pesquisa que envolve música, ciência e tecnologia.
Financiamento CTINFRA: R$ 154 mil.

2008 – 2010 CTINRA-01/2007 - MODERNIZAÇÃO DO LABORATÓRIO DE PESQUISA SONORA DA


UFG
Objetivos: Atualizar as instalações do Laboratório de Pesquisa Sonora de UFG (LPqS), promovendo
upgrade e adquirindo equipamentos de estúdio apropriados ao atendimento de projetos vinculados à linha
de pesquisa Composição e Novas Tecnologias do Mestrado em Música da UFG, grupos de pesquisa e práticas
laboratoriais desenvolvidas na Escola de Música e Artes Cênicas da UFG. A modernização do LPqS visa
atender prioritariamente a demanda de pesquisa do Núcleo de Música, Interdisciplinaridade e Novas
Tecnologias, do Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq. O projeto objetiva ampliar sua função
multifuncional e multiusuário, atendendo as disciplinas laboratoriais da pós-graduação e da graduação em
música – promovendo interações entre pesquisadores e alunos dos diferentes níveis acadêmicos.
Financiamento: R$ 197.000,00.

2012 – Atual CRIAÇÃO E DIFUSÃO NA MÚSICA CONTEMPORÂNEA: PROCESSOS COMPOSICIONAIS


E PERFORMANCE COM AUXÍLIO COMPUTACIONAL
Este projeto tem por objetivo explorar recursos computacionais aplicados aos processos
composicionais, sejam eles voltados à síntese sonora, ao processamento digital ou à composição para
instrumentos acústicos; bem como aos ambientes de performance sonora. Os campos de atuação dessa

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exploração envolvem as áreas da composição, da performance e da área didática de modo a contribuir com
a difusão da música contemporânea, elaborando documentação dos processos composicionais, permitindo
a socialização do manejo das ferramentas computacionais utilizadas. São objetivos específicos: (a)
composição musical: criação de composições, documentando os processos composicionais relacionados com
a pesquisa desenvolvida e a preparação de sua difusão; (b) preparação de material didático: documentação
dos fundamentos teóricos e elaboração de tutoriais para ambientes de auxílio à composição que ainda não
estão disponíveis em língua portuguesa; (c ) elaboração de artigos, palestras e concertos: interação com o
corpo de pesquisadores da instituição de destino e a atuação direta com o corpo discente; (d) participar de
grupos interinstitucionais de pesquisa: proporcionar o intercâmbio dos grupos de pesquisa das instituições
envolvidas.


2. Núcleo de Música, Interdisciplinaridade e Novas Tecnologias


O Núcleo de Música, Interdisciplinaridade e Novas Tecnologias é integrante do Diretório dos Grupos
de Pesquisa no Brasil, certificado pelo CNPq desde o ano 2000, funcionando desde então como centro de
articulação entre o ensino entre graduação e pós-graduação, e a relação destes com a pesquisa e extensão.
O Núcleo de Música, Interdisciplinaridade e Novas Tecnologias tem relação com linhas de pesquisa
em Criação e Expressão do Mestrado em Música da EMAC-UFG. As atividades do Núcleo envolvem: -
desenvolvimento de pesquisa em Composição Musical e Novas Tecnologias; - orientação de dissertações de
mestrado ; - orientação e desenvolvimento de pesquisa de Iniciação Científica; - orientação de projeto final
de curso da área de Composição Musical; - produção artística através do Grupo de Música Eletroacústica
(projeto de extensão); - documentação e difusão artístico/científica.

3. Projetos de Extensão
Nossas atividades de extensão se formalizam no projeto Grupo de Música Eletroacústica da UFG, por
mim coordenado. A atividade do grupo consiste na produção artística que é focada nas estéticas
eletroacústicas, a passagem dessa experiência aos alunos com a aplicação composicional dos conhecimentos
teóricos adquiridos em sala de aula e praticados nos laboratórios. É um local onde interagem o compositor,
graduandos e pós-graduandos, com a finalidade de produção artística, formação de público em benefício da
comunidade. Sua produção artística já foi premiada com patrocínio da Petrobrás Cultural para realização e
divulgação do CD intitulado “In Itinere”, por intermédio da Lei Rouanet. Nossa produção artística esteve
presente em eventos como I Bienal de Música Brasileira Contemporânea de Cuiabá (2004), Bienal de Música
Contemporânea do Rio de Janeiro (2003 e 2005), II Bienal de Música Brasileira Contemporânea de Cuiabá
(2006) e em concertos locais. Assim, o grupo se consolidou como pioneiro na produção eletroacústica no
estado de Goiás.

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Outro projeto voltado para a comunidade é o Estúdio Escola, um convênio de nossa unidade com a
FUNAPE – Fundação de Apoio à Pesquisa, que proporciona nossa atuação como empresa, prestando serviços
fonográficos cujos rendimentos se revertem para a manutenção e upgrade dos laboratórios, além de
introduzir alunos nessa área de trabalho.

4. A disciplina Música Computacional


Considerando então o contexto criado para propiciar o ensino da música computacional podemos
então discorrer sobre o conteúdo programático como disciplina. Tal contexto, como apresentado nas
sessões anteriores, envolve a preparação dos alunos em matérias pré-requisito para que estejam aptos para
um conteúdo tão multidisciplinar, como são as disciplinas Acústica, Tecnologia Musical, Psicoacústica, bem
como o encaminhamento para as disciplinas de cunho criativo com as quais eles podem aplicar esses
conhecimentos, como é o caso de Laboratório de Eletroacústica e dos estudos orientados com base na
infraestrutura do Laboratório de Pesquisa Sonora – LPqS.
A ementa da disciplina define Música Computacional como campo de estudo que envolve Arte a
Ciência: computer music (ROADS 1996), como denominado pelo seu criador Max Mathews e seu
envolvimento com um conhecimento multidisciplinar. São programados trabalhos práticos em composição,
utilizando o ambiente de programação PureData.
Sua metodologia consiste em aulas expositivas e trabalhos práticos. O conteúdo teórico
fundamentado na bibliografia apresentada é colocado em prática através de exemplos dados em aula ou em
exercícios propostos aos alunos usando PureData1 - linguagem para processamento digital de áudio criada
por Miller PUCKETTE (2007). PureData (Pd) é uma linguagem de programação visual de código aberto e que
possui versão para os principais sistemas operacionais – além de ser freeware pode ser instalado facilmente
nos computadores pessoais dos alunos. Pd permite que músicos, artistas visuais, performers, pesquisadores
e desenvolvedores a criar softwares graficamente sem precisar escrever linhas de código. O aprendizado se
complementa com material bibliográfico (FARNELL 2010) e tutoriais disponíveis na rede (KREIDLE 2009)
(PORRES 2016).
O programa da disciplina contempla:
Métodos tradicionais de síntese: aditiva, subtrativa, síntese não linear (AM e FM), síntese granular,
sampling;
Processamento digital de sinais;
Protocolo MIDI, controle e processamento em tempo real;

1
Site PureData: puredata.info

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Projeto final.
A avaliação se realiza pela somatória das atividades de trabalhos propostos a cada aula, fazendo
média com a nota do projeto final.
Na expectativa do aluno criar uma bagagem de conhecimento na graduação, a Música
Computacional enquanto disciplina na Pós-graduação tem um perfil mais voltado ao desenvolvimento de
projetos de composição, performance ou áreas afins ao mestrando.
Voltando ao âmbito da graduação, a Música Computacional é oferecida como disciplina obrigatória
aos alunos de Composição; optativa ao aluno de outras modalidades da Escola de Música, como a educação
musical, a musicoterapia ou os cursos de instrumento; e ainda como Núcleo Livre, ou seja, uma parte das
vagas destinadas a alunos de outras unidades da universidade.
Música Computacional como Núcleo Livre é uma experiência aplicada em anos recentes, onde temos
acolhido alunos de cursos como as engenharias, a informática, dos cursos de comunicação ou mesmo alunos
de artes visuais interessados em multimídia.

Considerações finais
A experiência de ensino da Música Computacional na Universidade Federal de Goiás se sobrepõe ao
meu próprio histórico na instituição. Pois meu ingresso como docente da universidade se deu pela motivação
de mão dupla: uma escola de música querendo investir na contemporaneidade das pesquisas que envolvem
música contemporânea e tecnologia musical; e minha situação de egresso de um doutorado, com ideias para
a criação de uma infraestrutura de laboratório e a atuação nos campos da pesquisa, ensino e extensão.
De lá para cá foram cerca de 18 anos onde gradualmente nos estruturamos enquanto laboratório, e
fomos ampliando o espaço físico e equipamentos de ponta. Nos estruturamos também em termos de
planejamento didático, fazendo com que os alunos adquiram os conhecimentos fundamentais em disciplinas
básicas que introduzem o repertório prático e teórico para que cheguem devidamente aparelhados para a
Música Computacional.
Os passos futuros pedem o constante upgrade dos equipamentos e o maior envolvimento de
pesquisadores para que se potencializem nossos resultados.

Referências

FARNELL, Andy: Designing Sound, p. 31, Cambridge, Mass.: MIT Press, 2010.
http://www.books24x7.com/marc.asp? bookid=47538. Accessed August 2016.

KREIDLER, Johannes: Loadbang: Programming Electronic Music in Pd, Hofheim: Wolke, 2009.

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PORRES, Alexandre. EL Locus Solus – Live Electronics Tutorials, https://sites.google.com/site/porres/pd.


Accessed August 2016.

PUCKETTE, Miller: The Theory and Technique of Electronic Music. Hackensack, N.J.: World Scientific Publishing
Co. 2007.

ROADS, Curtis (editor): The Computer Music Tutorial, Mass.: MIT Press 1996.

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Estratégias de compartilhamento de conhecimento nas práticas criativas: O


workbook.nap

Damián Keller
dkeller@ccrma.stanford.edu
Núcleo Amazônico de Pesquisa Musical – NAP (UFAC / IFAC)

Resumo: Minha contribuição para a discussão das práticas criativas no SIMA 2016
trata dos resultados preliminares obtidos ao longo de quatro anos de aplicação e
desenvolvimento de um conjunto de procedimentos de incentivo para a
criatividade musical - agrupados sob o denominador workbook.nap. O
workbook.nap abrange múltiplas atividades organizadas de forma modular, em
permanente expansão e atualização. Cada atividade inclui uma descrição sucinta
de materiais e ferramentas, procedimentos de preparação e de execução, junto
com a especificação dos resultados mínimos esperados. Durante sete semestres, o
protocolo foi disponibilizado para turmas iniciantes de tecnologia musical e criação
musical no Curso Superior de Música da Universidade Federal do Acre, atingindo
um total de 152 participantes. Neste texto fornecerei uma descrição inicial do
workbook.nap e discutirei algumas das limitações e vantagens da adoção de um
método de compartilhamento de conhecimentos aberto, iterativo, modular e
integrado ao ambiente web.
Palavras-chave: Música ubíqua; Suporte para a criatividade; Transferência de
conhecimentos; Criação musical; Tecnologia musical.

Abstract: A set of creativity support procedures – gathered under the


denomination of workbook.nap – encompass multiple activities organized in a
modular way. Each activity includes a brief description of tools and materials,
featuring preparation and execution and a specification of expected minimum
results. This toolset is being permanently expanded and updated. The protocol was
made available to music technology and music creation groups of beginners within
the context of the Undergraduate Music Program of the Federal University of Acre,
reaching a total of 152 participants. In this text I provide an initial description of the
workbook.nap and discuss the limitations and advantages of adopting an open,
iterative, modular and web-integrated knowledge-sharing method.
Keywords: Ubiquitous music; Creativity support; Knowledge transfer; Music
creation; Music technology.

1. A transmissão de conhecimentos no contexto das práticas musicais baseadas em tecnologia


da informação
Desde o início dos anos 1980, as durações dos ciclos de renovação tecnológica vêm sendo
progressivamente reduzida. Existem três pontos de inflexão nessa aceleração: a introdução dos
computadores pessoais (modelos estacionários) no início da década de 1980, a adoção da rede web como a
principal plataforma de troca de informações uma década depois, e a adoção dos dispositivos portáteis

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pessoais no início dos anos 2000. No caso dos dispositivos pessoais, a produção de modelos com novas
funcionalidades é mais rápida que a média no tempo de design, desenvolvimento e teste de software
especializado. Portanto, as estratégias atuais de design precisam levar em conta as mudanças permanentes
na infraestrutura de hardware.
Apesar da ampla disponibilidade de tecnologia, durante muito tempo o uso criativo de ferramentas
no campo musical ficou restrito ao âmbito dos especialistas. Entre os diversos limitadores da adoção de
ferramentas nas atividades criativas musicais, dois fatores se destacam: a pressão comercial – impulsionando
o uso de pacotes prontos que reduzem as possibilidades criativas e colocam os usuários no papel de
consumidores das decisões estéticas das empresas produtoras de software (para uma discussão mais
específica das implicações, ver a crítica de McGlynn e Lazzarini 2013), e a ênfase nos aspectos tecnicistas de
uma parte da comunidade de computação musical que coloca exigências desnecessárias para o acesso às
ferramentas computacionais por parte de músicos e artistas – usuários potenciais que em muitos casos não
têm domínio das linguagens de programação. Nesse contexto, além de conhecer os sistemas simbólicos de
representação dos dados musicais, também é necessário ter domínio das técnicas de programação.
Esse quadro de situação muda com as propostas surgidas no campo da música ubíqua. A música
ubíqua – ou ubimus (Keller et al. 2014) – surge como alternativa teórico-metodológica aos enfoques
baseados no modelo acústico-instrumental decorrente da tradição musical europeia do século XIX. A música
ubíqua propõe a ampliação do acesso à atividade criativa por parte de agentes que antes eram considerados
ouvintes passivos. Essa tendência já estava delineada no fazer criativo ecocomposicional (Keller 2000; Keller
2012; Keller e Capasso 2006), porém o foco da pesquisa muda da aplicação artística para o suporte à prática
criativa. Nesse ponto, o fazer artístico informa a pesquisa em computação musical (Miletto et al. 2011) com
impacto nos novos campos de investigação da estética da interação (Keller et al. 2015) e da educação musical
participativa (Lima et al. 2012). Uma proposta que vem ganhando consenso descreve a música ubíqua como
“sistemas distribuídos de agentes humanos e recursos materiais que possibilitam atividades musicais através
do desenvolvimento de ferramentas sustentáveis de suporte à criatividade.” As diversas linhas de pesquisa
em ubimus visam: (1) desenvolver suporte computacional, utilizando enfoques amplos aplicáveis à
infraestrutura de áudio e de interação; (2) embasar esse suporte em concepções recentes do que é
criatividade sem restringir o foco ao campo musical ou a uma modalidade específica do fazer musical; (3)
aplicar técnicas de aferição da criatividade compreendendo tanto o processo de criação quanto o produto
criativo; (4) aplicar os resultados no campo educacional, extraindo conclusões generalizáveis a aspectos da
interação social e ampliando a sustentabilidade das propostas.
A quarta linha de pesquisa – as aplicações no campo educacional - vêm mostrando resultados
altamente promissores (Lima et al. 2012), porém também apresentam desafios diversos que vão além do
impacto imediato da adoção de tecnologia dentro das práticas criativas. Uma dificuldade é a implementação

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de mecanismos de suporte para a transmissão de conhecimento. O embasamento na representação escrita


caracteriza boa parte da produção musical erudita do século XX (Boulez 1986). Em alguns casos, sugere-se
que o fazer musical – inclusive o fazer sustentado em ferramentas computacionais – precisa necessariamente
do suporte notacional (Zampronha 2000). A discussão detalhada dessa perspectiva vai além do escopo do
presente artigo, no entanto, a modo de ilustração mencionamos dois exemplos de práticas musicais que não
utilizam suporte escrito: a improvisação livre e a exploração sonora a partir da interação gestual com
ferramentas computacionais. A improvisação livre depende de decisões síncronas, portanto o resultado
sonoro não pode vincular-se a procedimentos previamente codificados. A exploração sonora através de
interfaces baseadas em ações corporais também depende de decisões síncronas, mas neste caso é possível
ajustar o comportamento em função dos resultados sonoros obtidos. A representação escrita do
conhecimento musical obtido através das práticas improvisatórias ou através do uso de interfaces gestuais é
possível mas é altamente ineficiente e portanto acaba sendo incompleta. Numa perspectiva mais geral, Katrin
Lengwinat (2016) afirma que no caso das práticas artísticas, a transmissão de conhecimento depende do
suporte memorial. Em outras palavras, esse tipo de conhecimento não pode ser repassado utilizando
exclusivamente a via escrita.
Vemos portanto que a transmissão de conhecimento dentro das práticas criativas musicais baseadas
em tecnologia da informação enfrenta dois desafios. Por um lado, as mudanças permanentes na
infraestrutura de hardware demandam a adoção de estratégias que não dependam de recursos específicos.
Especialmente quando são consideradas as plataformas móveis, as estratégias de design têm que ser
suficientemente amplas como para poder ser disponibilizadas em diversos sistemas, adotando ciclos de
aplicação com duração maior do que a renovação das especificações do hardware. Por outro lado, o suporte
para a transmissão de conhecimento precisa considerar as práticas musicais existentes mas não pode ficar
limitado ao uso de sistemas de notação.

2. Práticas situadas e práticas legadas


Dependendo dos mecanismos de aproveitamento dos recursos podemos separar as atividades
musicais criativas em dois tipos: as práticas situadas e as práticas legadas. As práticas situadas fazem uso
intensivo dos recursos locais, colocando a ênfase na geração de conhecimento a partir dos recursos materiais
e cognitivos acessíveis durante a ação criativa. Entre os exemplos de práticas situadas podemos mencionar
a ecocomposição e a música ubíqua. As práticas legadas reutilizam a bagagem de conhecimentos existentes
no grupo social que realiza a atividade. Portanto esse tipo de prática dá mais ênfase à aplicação de
conhecimentos previamente adquiridos.
A maior parte das práticas tecnológicas musicais utilizam conceitos que enfatizam o conhecimento
adaptado de práticas já existentes, portanto cabem dentro da categoria de práticas legadas. A música

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interativa utiliza instrumentos acústicos ou emulações digitais de instrumentos (digital musical instruments).
A prática de performance instrumental em grupo pode ser emulada utilizando dispositivos em rede (network
music) ou dispositivos portáteis (mobile music). Os exemplos mais difundidos desse tipo de prática são as
orquestras de dispositivos (laptop orchestras, mobile phone orchestras e similares).
Outra atividade embasada em conceitos herdados de práticas anteriores é a editoração de partituras.
A partitura - um subproduto da música instrumental - foi adotada como o modelo-padrão de interface para
a representação de dados musicais. Esse modelo prioriza a representação das alturas e das durações e separa
as fontes sonoras aplicando categorias derivadas da música instrumental. Até a popularização dos
sequenciadores baseados em loop, a partitura era uma das metáfora de interação mais utilizadas para o
sequenciamento de dados musicais.
Como forma de contornar as limitações dos mecanismos de transmissão de conhecimentos musicais,
a pesquisa em música ubíqua adota estratégias aplicáveis às práticas situadas e às práticas legadas. Uma das
contribuições de ubimus para a área de design de interação é o conceito de metáfora de suporte para a
criatividade. As metáforas para a ação criativa musical encontram-se no ponto de contato entre o conceito
de metáfora de interação musical (Pimenta et al. 2012) e as propostas formuladas nos enfoques da estética
da interação aplicados à criatividade (Keller et al. 2015). O foco é o suporte sustentável para a atividade
criativa, abrangendo por um lado o objeto da atividade – o produto criativo – e por outro os procedimentos
necessários para atingir o resultado criativo – o processo criativo ou processo de design. É este último aspecto
que diferencia as metáforas para a ação criativa das metáforas de interação. Enquanto as metáforas de
interação musical fornecem o apoio necessário para que leigos e músicos consigam atingir resultados
musicais, as metáforas para a ação criativa visam aumentar o potencial criativo dos participantes. Esse
potencial criativo pode ter impacto nos produtos intencionais da atividade, mas também abrange os
produtos não intencionais. Neste caso, o objetivo principal do suporte não é o produto criativo em si, mas a
capacidade dos agentes de aproveitar os recursos existentes no local da atividade.

3. Um método de compartilhamento iterativo, modular e aberto: o workbook.nap


O workbook.nap (wn) é uma apostila de atividades para o desenvolvimento da criatividade musical.
Todos os materiais ficam disponíveis para uso não comercial e estão protegidos pela licença creative
commons de atribuição não comercial com compartilhamento igual e sem permissão de distribuição de
adaptações (Creative Commons 2012). O wn está estruturado em exercícios independentes que podem ser
aplicados em qualquer ordem. Cada atividade inclui: (a) preparação (descrição dos materiais necessários para
realizar a atividade), (b) execução (procedimentos especificados passo a passo), (c) resultados (descrição do
produto ou do processo criativo obtido através da atividade), (d) referências em português e em inglês

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(materiais bibliográficos, software e recursos de mídia que seguem o padrão dos recursos educacionais
abertos, ou seja, não são produtos comerciais e em alguns casos foram desenvolvidos pela comunidade).
As aplicações do wn incluem as seguintes áreas: (a) atividades em educação musical, com ênfase nas
áreas de tecnologia e criação musical, (b) atividades em educação com tecnologias de informação e
comunicação (TICs), (c) atividades em desenvolvimento de TICs, com ênfase nas aplicações em interação
humano-computador e em design de sistemas multimídia ubíquos e portáteis. Os recursos utilizados
abrangem: (1) o suporte material – abrangendo o ambiente, as ferramentas e a matéria prima sonora; (2) o
suporte social – envolvendo a colaboração nas atividades e o compartilhamento de recursos através de
comunidades de prática; e (3) o suporte cognitivo, isto é, o conhecimento situado (on-line) e o conhecimento
abstrato (off-line).

Figura 1: Exemplo de brief de atividade (descrição sucinta): Mixagem em ambientes externos (versão 1).

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4. Análise de quatro anos de uso do workbook.nap


Métodos. O workbook.nap foi utilizado durante sete semestres nas disciplinas Tecnologia
Musical e Criação Musical no Curso Superior de Música Universidade Federal do Acre. A disciplina
Tecnologia Musical foca a utilização e o desenvolvimento de tecnologia dentro do campo das
Práticas Criativas em Tecnologia da Informação. Portanto é dada ênfase para o processo de
implementação e aplicação de tecnologia para fins criativos. Já a matéria Criação Musical foca o
aumento da capacidade crítica e do domínio técnico dentro das Práticas Criativas Musicais, visando
resultados sonoros efetivos e empregando tanto fontes sonoras instrumentais quanto fontes
sonoras eletroacústicas. Durante cada semestre foram adotadas de 8 a 10 atividades.
Participantes. Participaram 152 alunos iniciantes de graduação – a maioria sem
conhecimento ou experiência de uso de ferramentas musicais tecnológicas. Ao longo de sete
semestres, o número de participantes variou entre 8 e 38 alunos por turma.
Ferramentas. Como ferramentas de suporte, empregamos software de código aberto -
abrangendo tanto sistemas próprios desenvolvidos no NAP quanto ambientes amplamente
difundidos na comunidade das práticas criativas. Para as atividades de edição de áudio em estúdio
os alunos usaram Audacity (Mazzoni e Dannenberg 2000), um editor com suporte para gravação e
edição em dispositivos estacionários. Os exercícios de manipulação e sequenciamento de dados
musicais foram realizados utilizando MuseScore (Schweer et al. 2016), um sequenciador
desenvolvido para dispositivos fixos. Os trabalhos focados em técnicas de processamento e em
síntese de áudio foram realizados na linguagem Csound (Vercoe 1985).
Para as atividades envolvendo mixagem e gravação em ambientes externos foi empregado
o sistema musical ubíquo mixDroid 2G CS (Farias et al. 2014). Essa ferramenta – embasada na
metáfora de suporte criativo marcação temporal (Keller et al. 2010) – dá suporte para mixagem em
tempo real em dispositivos portáteis que rodam o sistema operacional Android. A versão 2G CS
também permite a utilização de código Csound, dando acesso a técnicas refinadas de síntese e de
processamento sonoro através de um mecanismo intuitivo de interação.
O protótipo SoundSphere é um sequenciador de amostras sonoras que utiliza o ambiente
web para dar apoio ao trabalho com áudio em dispositivos estacionários e portáteis (Bessa et al.
2015). Essa ferramenta emprega a metáfora de suporte criativo esfera sonora para fomentar
atividades musicais criativas por parte de usuários sem conhecimentos no domínio específico.

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Resultados. Durante a aplicação das atividades foram realizados diversos ajustes na


infraestrutura de suporte e nas estratégias de apoio para o trabalho criativo. A presente discussão
foca o desempenho dos alunos. Complementarmente, os aspectos técnicos vinculados ao
desenvolvimento das metáforas de suporte à criatividade podem ser consultados em diversos
trabalhos teóricos e experimentais produzidos pelo NAP (Bessa et al. 2015; Farias et al. 2014;
Ferreira et al. 2015; Keller et al. 2014).

semestre 1.2013 2.2013 1.2014* 2.2014 1.2015 2.2015 1.2016

tópico CM TM CM TM CM TM CM

participantes 16 23 8 20 22 38 25

concluíntes 5 9 5 11 12 16 15

% 31 39 63 55 55 42 60

Tabela 1. Dados obtidos em 7 semestres de aplicação do workbook.nap nas disciplinas Criação Musical 1 e Tecnologia Musical 1.

1. Impacto no desempenho criativo. A primeira pergunta a ser respondida é se o formato de


atividades práticas e modulares proposto no workbook.nap tem impacto positivo ou negativo no
desempenho dos participantes. Um indicador importante é a proporção entre os alunos matriculados e os
alunos que conseguem concluir o semestre com sucesso. A tabela 1 e a figura 2 fornecem resumos do
desempenho dos alunos nas duas disciplinas abrangendo um período de sete semestres. Em relação à
aplicação do workbook.nap nos interessa observar o tipo de impacto dos ajustes nos métodos no
desempenho dos participantes. A figura 2 mostra uma tendência ascendente na proporção entre alunos
matriculados e estudantes concluíntes.
O número de matriculados abrange tanto os alunos que atingem o mínimo de 75% de frequência
exigida pelo sistema de avaliação da UFAC, quanto os indivíduos que por motivos diversos não participam
efetivamente das atividades ao longo do semestre. Geralmente, entre 20 e 30 porcento realiza a matrícula
mas desiste antes do início das aulas. Portanto a proporção real entre participantes efetivos e concluíntes é
maior do que indica a tabela 1. A média do número de matriculados foi 24. A exceção é o primeiro semestre
de 2014, no qual foram matriculados somente 8 alunos. Esse número reduzido de participantes permite uma
dedicação maior para cada caso. Para fins de análise, acreditamos que o resultado desse semestre não é
representativo e de fato a porcentagem nesse semestre encontra-se fora da tendência observada no resto
dos dados.

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Figura 2. Tendência observada ao longo de período 2013-2016 (porcentagem de atividades finalizadas com resultados satisfatórios
por semestre letivo).

2. Resultados musicais diversos. Segundo Windsor (1995), os métodos prescritivos envolvendo o


adotrinamento e o proselitismo têm dominado as práticas composicionais do século XX. Especialmente as
produções teóricas de Boulez (1986) e de Schaeffer (1977) sugerem que a adoção dos métodos propostos
pelos autores garantem resultados composicionais satisfatórios. A produção em música serial e em música
concreta mostra que esses enfoques têm aplicabilidade limitada a um determinado contexto social e
histórico. Levando em conta que a grande maioria das práticas musicais está fortemente vinculada a um
contexto específico, o principal problema desses enfoques é o seu discurso generalista e a falta de definição
do domínio de aplicação das propostas.
Em contrapartida, as propostas de fomento à criatividade propõem o manuseio dos recursos
materiais a partir de estratégias próprias em lugar da aplicação de técnicas prontas. Elas sustentam-se no
princípio de que se aprende a criar exercitando o ato de criar. A diversidade musical observada nos resultados
obtidos através da aplicação do workbook.nap indicam que atividades centradas no desenvolvimento do
potencial criativo -- sem imposição de vertentes composicionais e sem adotrinamento em estilos já existentes
– podem ter impacto positivo na produção e na troca de conhecimento musical.

5. Implicações para o design de sistemas de apoio a criatividade


Um aspecto importante do uso das informações coletadas ao longo do estudo preliminar
com o workbook.nap é a delimitação de requisitos para o compartilhamento de conhecimento no
contexto das práticas criativas musicais. Destacamos três características no design dos recursos

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utilizados: a. instruções detalhadas, porém concisas; b. resultados sonoros sucintos, mas


representativos do potencial da atividade; c. organização flexível e modular das atividades.
a. Instruções detalhadas, porém concisas. Ao longo da aplicação do estudo, observamos que
os alunos têm dificuldades na utilização de materiais que envolvem leitura e interpretação de textos
longos. Existe uma oferta crescente de literatura na área das práticas criativas – abrangendo textos
técnicos e manuais de ferramentas (Zuben 2004), publicações de resultados de pesquisa (Keller e
Budasz 2010), e textos introdutórios ou de divulgação (Fristch 2008; Iazzetta 2009). Apesar da ampla
disponibilidade desses materiais, o uso por parte dos alunos é limitado. Inclusive, observamos que
a estratégia de utilizar a discussão teórica como incentivo para aplicações práticas – como é feito
em diversos textos clássicos (por exemplo, Schoenberg 1993) – pode ser contraproduzente. São
raros os casos de estudantes que têm afinidade ou capacidade para lidar com os aspectos teóricos
da criação musical, mas é muito mais frequente ver um bom desempenho quando o foco é o uso de
conhecimentos práticos. Nessa esteira, ajustamos as instruções para que forneçam as informações
mínimas necessárias – adotando um formato comparável ao brief utilizado na área de design – mas
excluímos a exigência da leitura integral da bibliografia para a realização das atividades práticas.
b. Resultados sonoros sucintos, mas representativos do potencial da atividade. É difícil
determinar o impacto do parâmetro duração nos resultados criativos. Algumas técnicas
composicionais não demandam aplicações em larga escala, enquanto que outras só têm resultados
efetivos se os produtos sonoros tiverem durações longas. Uma diferença entre a atividade de
fomento à criatividade e o exercício de estilo é que a primeira propõe-se como ponto de partida –
sem estabelecer limitações quanto ao leque de resultados possiveis – e o segundo estabelece o
resultado a ser atingido como premissa do processo. Tendo em vista a ênfase nos processos
criativos, as durações dos resultados sonoros das atividades de incentivo a criatividade podem ser
variáveis. No presente estudo, inicialmente foram adotados tempos acima de três minutos para os
resultados sonoros. No entanto, nos trabalhos com durações maiores de um minuto observamos
que os participantes tendem a reutilizar material já apresentado. Nesses casos fica difícil avaliar se
o reaproveitamento é motivado por necessidades estéticas ou pela incapacidade de gerar material
novo. Na última versão do wn sugerimos que os resultados sonoros fiquem próximos a um minuto
de duração.
c. Organização flexível e modular das atividades. O campo das práticas criativas pode ser
dividido em dois enfoques metodológicos: as perspectivas focadas na resolução de problemas e as

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perspectivas exploratórias. O primeiro enfoque – também chamado de teleológico (Fantauzacoffin


e Rogers 2013) – parte do pressuposto de que é possível estabelecer o resultado a ser atingido antes
de iniciar o processo criativo. O segundo enfoque propõe que os resultados criativos envolvem a
aquisição de conhecimentos e a geração de recursos através da interação com o ambiente durante
a realização da atividade. Nesta perspectiva, a solução de um problema seria um caso específico de
adaptação bem sucedida às demandas do ambiente. A adoção do segundo enfoque tem impacto
nos requisitos do suporte para a transferência de conhecimentos. Por um lado, as propostas têm
que dar espaço para resultados inesperados e para a utilização de recursos produzidos ou
incorporados ao longo do processo criativo. Por outra parte, tanto o perfil dos participantes quanto
o contexto no qual é realizada a atividade determinam o potencial criativo. Portanto, o suporte para
a ação criativa deve maximizar a flexibilidade e abertura dos processos de criação dando espaço
para comportamentos diversos.

6. Conclusões
Neste texto analisamos o impacto da aplicação de um conjunto de estratégias de suporte para a
criatividade – denominadas workbook.nap – no contexto do trabalho inicial em duas disciplinas de
graduação. O estudo teve a participação de 152 alunos ao longo de sete semestres. Observamos um aumento
na proporção entre os estudantes matriculados e os alunos que atingiram resultados satisfatórios. Os
produtos criativos foram diversos, indicando a adoção de estratégias próprias durante a realização das
atividades. Três características das estratégias adotadas podem ter impulsionado os resultados obtidos: a.
instruções detalhadas, porém concisas; b. resultados sonoros sucintos, mas representativos do potencial da
atividade; c. organização flexível e modular das atividades.
A popularização do acesso a ferramentas tecnológicas aponta para um potencial não explorado no
campo das práticas criativas. Existem ao menos dois desafios para viabilizar a transmissão de conhecimento
dentro das práticas criativas musicais baseadas em tecnologia da informação. Por um lado, a renovação
rápida da infraestrutura de hardware demanda a adoção de estratégias sustentáveis que não dependam de
recursos específicos. Ao considerar as plataformas móveis, estratégias de design amplas que podem ser
disponibilizadas em sistemas diversos permitem adotar ciclos de aplicação com durações maiores do que as
estratégias baseadas nas especificações do hardware. Por outro lado, o suporte para a transmissão de
conhecimentos precisa considerar as práticas legadas mas não pode se limitar à adoção de sistemas de
notação. O conhecimento musical envolve práticas diversificadas que raramente podem ser representadas
na folha de papel. Ao visar o desenvolvimento do potencial criativo, as metáforas de suporte para a

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criatividade ampliam o leque de estratégias de compartilhamento de conhecimentos, dando ênfase para os


aspectos não verbais.

7. Referências

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MESA REDONDA – TEORIA E ANÁLISE

Prof. Dr. Francisco Zmekhol Nascimento de Oliveira (UNIR)


Professor do Curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal de Rondônia
(UNIR), onde ministra disciplinas de Harmonia, Contraponto e Percepção. É bacharel
(2011) e mestre (2013) em Composição Musical pela Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP) e cursa atualmente doutorado em Sonologia na Universidade de
São Paulo (USP), sob orientação do Prof. Dr. Silvio Ferraz Mello Filho.

Prof. Dr. Carlos Augusto Vasconcelos Pires (UFPA)


Possui Doutorado (2012) e Mestrado (2010) em Composição Musical pela Universidade
Federal da Bahia, e Bacharelado em Música pela Universidade do Estado do Pará (2004). É
professor efetivo da Escola de Música da UFPA desde 2006, e foi professor do Bacharelado
em Música da Universidade do Estado do Pará (2005-2006) e do Instituto Estadual Carlos
Gomes (2002-2006). Atua como co-repetidor, professor de percepção, teoria, estruturação
e piano, arranjador e compositor.

Prof.ª M.ª Nayane Macedo (IECG)


Possui Mestrado em Artes pela Universidade Federal do Pará (2014), graduada em
Licenciatura Plena em Música pela Universidade do Estado do Pará (2008) e formada no
Curso Técnico em Contrabaixo Acústico pelo Instituto Estadual Carlos Gomes (2009).
Atualmente é uma das coordenadoras da disciplina Teoria Musical do IECG. Tem ampla
experiência na área de Artes, com ênfase em Música.

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Discussões a respeito da teoria e análise musical em cursos de ensino superior ou


formação conservatorial

Francisco Zmekhol Nascimento de Oliveira


deoliveira.chico@hotmail.com
Universidade Federal de Rondônia

Para a mesa-redonda de Teoria e Análise deste V SIMA, foi proposto que discutíssemos abordagens
aos conteúdos de Teoria e Análise em ensino superior ou formação conservatorial. Duas questões foram
propostas para guiar a mesa: 1) como associar o conteúdo trabalhado às efetivas práticas musicais dos
alunos? 2) Como aproximar pesquisa e ensino e trazer para a sala de aula a problematização do conteúdo
trabalhado?
Em minha atividade docente no curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal de
Rondônia (UNIR), estas questões têm não apenas se colocado, como também, frequentemente, se
desdobrado em enunciados como: 1a) como oferecer a nossos alunos ferramentas para que também eles
possam, em suas atividades docentes por vir, inclinar-se às práticas musicais de seus próprios alunos?; 2a)
como proporcionar-lhes interesse pela teoria musical em si?; 2b) como levá-los a perceber que eles têm
potencial participação no domínio da teoria musical? – e que não se trata de conteúdo estanque, a ser
meramente “aprendido”; 3) como trabalhar conteúdos teóricos de maneira a incluir e satisfazer tanto alunos
com pouco ou nenhum estudo prévio, como alunos com algum conhecimento teórico em música?
Por um mesmo meio tenho buscado lidar com essas muitas questões colocadas: a criação musical.
Práticas de criação em música no contexto de um curso de licenciatura (como é o nosso) possibilitam:

• que os alunos apliquem os conteúdos trabalhados de teoria musical em repertório que lhes seja
cotidiano ou familiar e, possivelmente, que o apliquem com vistas à execução no meio em que
exercem suas respectivas práticas musicais. E. g., que se arranje um hino para cantar na igreja; que
se re-harmonize uma canção para tocar com a banda; que se escreva uma segunda voz para uma
música que esteja sendo ensinada na escola em que o aluno estagia.
• Que os alunos venham a ter flexibilidade, em suas atividades docentes por vir, para trabalhar com
música cotidiana ou familiar a seus próprios alunos. E. g., que se escrevam novas vozes para um
determinado exercício de solfejo, ao invés de passar para o próximo; que se elabore um
acompanhamento para um certo estudo de técnica que um aluno seu esteja trabalhando; que se
adapte (com nova métrica, em nova forma, para os instrumentos, vozes ou corpos disponíveis etc.)
uma música conhecida de seus próprios alunos para ensinar, através dela, algo que se tenha
programado trabalhar.

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Permitem ainda, com relação a uma potencial discrepância dos níveis de estudo prévio dos distintos
alunos presentes em uma sala:

• que os desafios propostos a cada aluno sejam individualmente proporcionais ao seu nível de
domínio técnico. Em um hipotético trabalho de arranjo, e. g., posso, a um aluno que esteja
ainda se iniciando em estudos de harmonia, oferecer de antemão um percurso harmônico
para a música que ele tenha escolhido trabalhar, ou sugerir soluções para determinadas
passagens; ao aluno que porventura tiver mais estudo prévio, por sua vez, posso sugerir que
proponha um percurso harmônico alternativo ao do arranjo original da música trabalhada,
que, a cada repetição de uma dada melodia, esta venha a ser re-harmonizada, ou seja
apresentada em um registro diferente etc.

Mais amplamente, práticas de criação em música possibilitam ainda que os alunos experimentem
com as possibilidades expressivas e composicionais das instruções (concernentes à teoria musical) dadas e
melhor compreendam que:

• tais instruções recebidas em harmonia, contraponto etc. podem ser entendidas mais
propriamente como critérios do que como regras: noções como, e. g., a de suspensão, ou a
de dominante, podem servir menos para que se venha a resolver “corretamente” toda
suspensão ou dominante que surgir, do que para melhor perceber e jogar com suas
possibilidades expressivas e composicionais. A partir do que momento em que compreendo
do que se trata uma suspensão e o que está envolvido nela, posso experimentar resolvendo-
a para cima, ou por salto, ou com o atraso de sua resolução para o próximo acorde, com o
atraso de sua resolução através de extensão do princípio da escapada, com a não resolução,
pura e simplesmente, etc.
• Que os alunos compreendam que tais instruções portam certos propósitos e que a maneira
como elas serão ou não observadas depende, em parte, dos propósitos específicos que haja
em uma atividade criativa específica. E. g., evitam-se paralelismos de oitavas entre vozes se
o que se busca é independência entre estas, mas, se se deseja ressaltar uma determinada
melodia em meio a uma textura polifônica, é possível que tais paralelismos sejam um bom
recurso; evitam-se, em contraponto, saltos dissonantes (quarta diminuta, quarta
aumentada, terça diminuta etc.) ao se buscar suavidade, ou maior exequibilidade das vozes,
mas, se se deseja uma maior carga dramática, tais saltos podem ser um bom recurso.

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• Que compreendam que decisões em música são também contextuais e que os diferentes
domínios em que se esteja trabalhando (e. g., harmonia, estruturação formal, rítmica,
orquestração, prosódia etc.) interagem entre si: um paralelismo de consonâncias perfeitas
comprometerá menos o senso de independência entre vozes se, e. g., uma dentre estas for
notavelmente mais rápida do que a outra, se forem executadas por instrumentos diferentes,
se estiverem em meio a uma textura intensamente polifônica etc.; soluções melódicas,
encadeamentos, progressões harmônicas invulgares (“desviantes da norma”) podem ganhar
consistência de acordo com o momento formal em que vierem a ocorrer, com a maneira
como forem orquestradas, com a articulação (no caso de música vocal) com certas passagens
do texto etc.

Visando, pelos benefícios aqui expostos, proporcionar aos discentes do curso de Licenciatura em
Música da UNIR maior contato com a criação em música, tomei, desde o final de 2015, duas medidas a serem
aqui mencionadas. A primeira destas trata-se do estabelecimento de um grupo de estudos em composição
musical, mais direcionado a técnicas “recentes” (i. e., do pós-Guerra para cá) de composição. A segunda, por
sua vez, trata-se do estabelecimento, através de Tópicos Especiais, de um ciclo de disciplinas direcionadas à
composição musical tradicional, incluindo contraponto (disciplina cujo conteúdo, até então, encontrava-se
inserido em uma disciplina denominada Harmonia e Morfologia), contraponto tonal (direcionado ao arranjo)
e composição tradicional, propriamente, a ser ofertada em 2017.1.
Embora sejam ainda poucos discentes a participar de tais atividades – e uma das buscas, no
momento, deva ser a de incentivar que haja maior participação destes –, tenho, felizmente, notado o
desenvolvimento dos alunos participantes e creio que os benefícios, aqui apontados, que se podem
proporcionar por meio da criação musical estejam, em diferentes medidas, tornando-se progressivamente
mais reais para tais alunos.

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EDUCAÇÃO MUSICAL – COMUNICAÇÕES

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Novas tecnologias na educação musical: jogando, brincando e aprendendo com


objetos de aprendizagem

Milena Cristina Rabelo de Araújo


milamagali@hotmail.com
José Ruy Henderson Filho
ruy.edu@gmail.com

Resumo: O presente artigo é oriundo de uma pesquisa realizada no Mestrado


Profissional em Artes – PROF-ARTES, da Universidade Federal do Pará, que teve
como objetivo geral demonstrar as possibilidades de um objeto de aprendizagem
(OA) para uso da educação musical no ensino básico e como objetivos específicos
desvelar os conceitos de objetos de aprendizagem e jogo, brincadeira e brinquedo,
construir um OA para uso na educação musical e demonstrar as possibilidades
oriundas da criação/autoria de um material educativo digital para o ensino da
música na educação básica. Para tanto, foi construído o OA “Jogando Daqui...
Cantando de Lá...” A busca pela construção de um OA para uso da educação musical
no ensino básico tem por pretensão contribuir pedagogicamente com um material
digital singular para uso e melhoria da prática educativa na escola.
Palavras-chave: Objetos de Aprendizagem. Música na escola. Música e tecnologia.

Abstract: This article is derived from a research conducted in the Professional


Master of Arts – PROF-ARTES, Universidade Federal do Pará, which aimed to
demonstrate the possibilities of a learning object (LO) for use of music education in
primary and specific objectives reveal the concepts of learning objects and game,
game and toy, build an LO for use in music education and demonstrate the
possibilities arising from the creation / authoring a digital educational materials for
music education in basic education. Thus, it was built LO "Jogando Daqui ...
Cantando de Lá ..." The search for the construction of a LO for use of music
education in primary education has the intention to contribute pedagogically with
a unique digital material to use and improve educational practice at school.
Keywords: Learning Objects. Music in school. Music and technology.

1. Introdução
O exercício da docência no interior do Estado do Pará apresenta desafios diversos, e um dos mais
visíveis ainda corresponde a questionamentos a respeito do uso do computador. Porém entendemos que o
profissional de música, em pleno século XXI, não pode mais ignorar as profundas alterações que os
meios/tecnologias de comunicação introduziram na sociedade contemporânea e, principalmente, perceber
que os mesmos criam novas maneiras de "apreender" e "aprender" sobre o mundo. Essa multiplicidade de
pontos de vista, essa riqueza de leituras precisa ser digerida e incorporada pelo professor de música.
Entendemos que o docente de música também pode ser considerado como “administrador” de um
determinado grupo social, que exprime, de certa maneira, a estrutura e o modo de funcionamento da

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sociedade na qual está inserido. Neste sentido, tal profissional não pode deixar de levar em consideração
que a sociedade atual está permeada de recursos tecnológicos, e que os alunos que estão sob sua “regência”
têm acesso a todo momento a diversas informações, revelando então que muitas formas de atuar não se
justificam mais hoje.
Contudo ressaltamos que a utilização de Objetos de Aprendizagem (OA) por parte do professor de
música só terá eficácia a partir de sua forma de aproveitamento, visando um domínio mais claro e as
possibilidades que irão surgir da aplicação dos conhecimentos. O avanço tecnológico representa grande
desafio para o sistema organizacional, produtivo e educativo. É preciso esclarecer sempre que a tecnologia
não elimina o professor de música, mas possibilita a integração de funções e as faz mais significativas.
Este artigo não tem a pretensão de esgotar todas as possíveis variáveis que a utilização de Objetos
de Aprendizagem pode propiciar aos educadores musicais, mas sim apresentar possibilidades de fazer
musical integrado às ferramentas computacionais disponíveis para músicos e possibilitar aos referidos
profissionais que constatem concretamente os benefícios do uso complementar dessas ferramentas no
processo de educação musical.
No que se refere à construção do material digital educativo, foi utilizado o software de autoria JClic
por apresentar maiores possibilidades de produção e plataforma de construção de fácil compreensão, bem
como a utilização de forma online e off-line após o término de elaboração do produto. Para a construção do
material, levaram-se em consideração as orientações propostas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais
para o ensino da Arte, com ênfase exclusiva na área da Música.

2. O papel do jogo, brinquedo e brincadeira na aprendizagem


Ao tratar sobre o jogo, o brinquedo e a brincadeira nos remetemos instantaneamente ao período da
infância, no qual estes aspectos possivelmente propiciavam experiências significativas que estão presentes
no comportamento de maneira única, impossível muitas vezes de dissociar a experiência com o modo de se
portar.
No entanto, para que haja maior clareza com relação a esses aspectos, traremos à luz conceitos já
propostos do que sejam tais elementos. De acordo com Jacques Henriot (1989), citado por Kishimoto (2011),
quando se trata de JOGO podem-se atingir três dimensões: a) o resultado de um sistema linguístico; b) um
sistema de regras; c) um objeto. Neste caso, será considerado o conceito de que o jogo é sistema de regras,
quer sejam elas simples ou complexas que direcionam uma ação coletiva ou individual.
Cita-se também que o jogo, para Bruner (1976) citado por Tavares (2010), muitas vezes sucede em
momentos em que a pressão não existe, verificando um clima amistoso e sem tensão ou perigo, promovendo
assim uma aprendizagem rica, com a participação e a alegria de todos os envolvidos. Pode-se dizer que há
“um clima de quero mais”. A descoberta das regras do jogo e a própria situação que o indivíduo vive em jogo,

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os enriquece em diversos aspectos, possibilitando-lhes inclusive, alterar as regras do jogo. Tais aspectos são
ratificados na fala de Carvalho (1992):

O ensino absorvido de maneira lúdica passa a adquirir um aspecto significativo e


afetivo no curso do desenvolvimento da inteligência da criança, já que ela se
modifica de ato puramente transmissor a ato transformador em ludicidade,
denotando-se, portanto em jogo (CARVALHO, 1992 p. 28).

Já no que se refere ao BRINQUEDO, têm-se as ideias de Kishimoto (2011) de que este “representa
certas realidades [...] dá a criança um substituto dos objetos reais para que possa manipulá-la” (p. 21).
Verifica-se também o conceito de Vygotsky (1998) citado por Fantacholli (2011) que descreve a respeito do
papel do brinquedo, no qual este é concebido como um suporte da brincadeira, neste sentido apresenta em
sua essência influência relevante no desenvolvimento da criança, haja vista que o brinquedo propicia
momentos de transição entre a relação da criança com o objeto concreto e suas ações com significados.
Já no que tange às elucidações sobre o BRINCAR têm-se as concepções de Oliveira (2000) que
descreve o brincar não com o significado apenas de recreação, mas sim com um papel de desenvolvimento
integral do indivíduo. Entende-se que o ato de brincar caracteriza-se como uma das formas mais complexas
e singulares que a criança tem de comunicar-se consigo e com o mundo, ou seja, o desenvolvimento ocorre
a partir de trocas recíprocas que se estabelecem durante toda sua vida.
O brincar infantil constitui a forma básica mais importante e decisiva do ser humano, por fazer
desabrocharem e ativarem as forças criativas da criança. Todo educador precisa estar consciente dos
malefícios dos brinquedos industriais, produzidos em série, de gosto duvidoso, e que não atendem às
necessidades de descoberta da criança. A maioria deles se apresenta de tal forma que a força da fantasia da
criança não encontra alimento para dar vazão à imaginação, às construções simbólicas próprias da criança,
pois não há nada a completar, a imaginar, a projetar sobre esses brinquedos (ROJAS, 2007, p. 19).
Diante das concepções apresentadas, constata-se que as compreensões sobre jogo, brinquedo e
brincadeira apresentam singularidades que devem ser levadas em consideração, principalmente, se há a
intenção com fins educacionais, pois a apreensão destas permite um olhar cauteloso, de modo a potencializar
ao máximo as experiências promovidas pelas relações existentes entre o indivíduo, o brinquedo, o jogo e/ou
a brincadeira.

3. “Vai começar a brincadeira: 1... 2... 3 START!”


Ao conceber que o ato de brincar é uma ação preponderante para o desenvolvimento da criança,
entende-se então que as brincadeiras e jogos são aspectos que surgem paulatinamente na vida da criança,
quer sejam brincadeiras funcionais e/ou de regras. Neste sentido, tais situações gerarão experiências,

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promovendo a conquista e a formação da sua identidade. Os brinquedos e as brincadeiras são fontes


inesgotáveis de interação lúdica e afetiva, no entanto, para que haja uma apropriação significativa do
conhecimento faz-se necessário que a criança ou o aluno construa o conhecimento, assimile os conteúdos
através do manuseio de tais ações, ou seja, o jogo. Entende-se o ato de jogar ou brincar como uma forma
singular de apreender conhecimento, facilitação da aprendizagem. Tais aspectos são corroborados pela fala
de Carvalho (1992, p.14), que afirma:

Desde muito cedo o jogo na vida da criança é de fundamental importância, pois


quando ela brinca, explora e manuseia tudo aquilo que está a sua volta, através de
esforços físicos e mentais e sem se sentir coagida pelo adulto, começa a ter
sentimentos de liberdade, portanto, real valor e atenção às atividades vivenciadas
naquele instante.

Dando continuidade às ideias propostas por Oliveira (2000), entende-se que, ao brincar, a criança
aprende a respeitar regras, a ampliar o relacionamento social e a respeitar a si e ao outro. Essa interação
com o jogo e/ou o brinquedo é que também permite à criança expressar-se com maior facilidade, ouvir,
respeitar e discordar de opiniões, também possibilitando o exercício de papéis como o ato de liderar e ser
liderado. É importante ressaltar que em um contexto diferente do apresentado, isto é, em um ambiente sério
e sem motivações, os educandos acabam evitando expressar seus pensamentos e sentimentos, além de não
realizarem qualquer outra atitude com medo de serem constrangidos.
Ressalta-se que as atitudes provenientes do jogo devem ser construídas e reconstruídas, para que
promovam sempre uma nova descoberta, transformando-se também em um novo jogo, em uma nova
configuração de jogar. Partindo deste viés, compreende-se que, ao brincar, a criança, sem saber, fornece
várias informações a seu respeito, o que viabiliza o processo de aprendizagem, podendo ser utilizado também
para estimular seu desenvolvimento integral, tanto no ambiente familiar, quanto no ambiente escolar. Nesta
ótica, a brincadeira beneficia o desenvolvimento individual da criança, auxilia na aprendizagem das normas
sociais e na apropriação de comportamentos mais avançados que aqueles vivenciados no cotidiano,
permitindo assim que haja ampliação de conceitos, no que concerne a dimensão da vida social. Tais aspectos
também são vistos na fala de Oliveira (2000, p. 19):

O brincar, por ser uma atividade livre que não inibe a fantasia, favorece o
fortalecimento da autonomia da criança e contribui para a não formação e até
quebra de estruturas defensivas. Ao brincar de que é a mãe da boneca, por
exemplo, a menina não apenas imita e se identifica com a figura materna, mas
realmente vive intensamente a situação de poder gerar filhos, e de ser uma mãe
boa, forte e confiável.

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Diante das perspectivas apresentadas, compreende-se que o brincar também pode (e deve) ser
concebido como prática pedagógica, haja vista que é recurso singular de contribuição não só para o
desenvolvimento infantil, como também para o cultural. Desta feita, o ato de brincar não consiste apenas
em um momento definido para “deixar a criança à vontade” em um ambiente com ou sem brinquedos e sim
uma ocasião que pode ser geradora diferenciada dos atos de ensinar e aprender. Acredita-se então, que a
atividade lúdica (jogos, brincadeiras e brinquedos) promove à criança a possibilidade do preparo para a vida,
entre o mundo físico e social.

4. Jogando no computador: brincando se aprende


Ao fazer uso dos conceitos de jogar e brincar, pode-se estar mais próximo do que é hoje significativo
para a denominada “geração dos jogos” (PRENSKY, 2001, p. 84), pois a interatividade é fator preponderante
para a motivação educacional, neste caso, pode-se destacar a interatividade intelectual. São visíveis tais
diferenças quando se estabelece um quadro comparativo da forma de aprender da geração de jogos. A partir
das concepções de Prensky (2001), podem-se elencar dez principais mudanças do estilo cognitivo, no que se
refere à forma de aprendizagem.

Estilo cognitivo de Aprendizagem VERSUS Estilo cognitivo de Aprendizagem

GERAÇÃO DOS JOGOS GERAÇÃO X

Velocidade twich1 Velocidade convencional

Processamento Paralelo Processamento Linear

Primeiro os Gráficos Primeiro o Texto

Acesso aleatório Passo a Passo

Conectado Autônomo

Ativo Passivo

Brincar Trabalhar

Recompensa Paciência

Fantasia Realidade

Tecnologia como amiga Tecnologia como inimiga

Quadro 01 – Formas de Aprendizagem. Fonte: Prensky (2012).

1
Velocidade twich refere-se à alta velocidade que a “geração de jogos” acessa as informações. Sala de aula, palestras
ou outro evento de ensino que ocorrer com um ritmo mais lento pode ser frustrante (chato!) para este grupo que estão
acostumados a rápida apresentação e depuração de informações.

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Prensky (2012) também discorre que existe uma problemática pois, segundo ele, em termos de
softwares de aprendizagem, há uma escassez. No entanto, aponta três aspectos a serem refletidos entre
educadores musicais sobre o que concerne o uso de jogos na socialização do conhecimento da música:

1 – A aprendizagem baseada em jogos digitais está de acordo com as necessidades


e estilos de aprendizagem da geração atual e das futuras gerações; 2- A
aprendizagem baseada em jogos digitais motiva porque é divertida; 3- A
aprendizagem baseada em jogos digitais é incrivelmente versátil, possível de ser
adaptada a quase todas as disciplinas, informações ou habilidades a serem
aprendidas e, quando usada e forma correta, é extremamente eficaz (PRENSKY,
2012, p. 23).

Partindo dessa perspectiva é que o Objeto de Aprendizagem “Jogando daqui... Cantando de lá” foi
elaborado, sendo gerado a partir do software de construção JClic. Buscou-se atender também os padrões
propostos pela RIVED (Rede Interativa Virtual de Educação), haja vista que esta rede comporta um dos
principais repositórios nacionais.
O OA “Jogando daqui... Cantando de lá...” atende à área de conhecimento das artes com ênfase na
educação musical, sendo mais apropriado (não exclusivamente) sua aplicabilidade no ensino fundamental
(séries iniciais). A tecnologia utilizada tem por base o Java e apresenta sua atividade a partir de conteúdos
em “blocos”. Difundido em CD-ROM, contendo programa e bloco de notas, permite ao usuário também
disponibilizar o jogo por meio de ambientes virtuais de aprendizagem e /ou sites.
Tratando de identificação, ele caracteriza-se por conter informações, aspectos de prática e
apresentação dos conteúdos abordados. Ressalta-se que o mesmo ainda obterá licença Creative Commons
para sua veiculação. Referente aos conteúdos abordados, estes se dividem em quatro segmentos, conforme
esquema a seguir:

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Fig.1 – Segmentos e Conteúdos do OA “Jogando Daqui...Cantando de Lá...”

Os conteúdos abordados no Objeto de Aprendizagem construído atende às proposições dos


Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de Arte (PCN Arte), que lançam mão de 02 (dois) dos três
grandes eixos para a efetivação da socialização da educação musical no ensino regular.

• Apreciação significativa em música: escuta, envolvimento e compreensão da linguagem musical;


• A música como produto cultural e histórico: música e sons do mundo.

Mesmo diante das discussões em relação aos documentos oficiais e suas orientações, cabe aqui
ressaltar que estes apresentam um caminho a seguir, diferente do percorrido nas escolas especializadas,
permitindo assim novas possibilidades para o ensino da música, enfatizando elementos integradores do
processo de musicalização a partir das abordagens do fazer, apreciar e refletir.

As indicações deste documento revelam um direcionamento distinto daqueles das


escolas especializadas, voltadas para a formação de instrumentista, apontando que
é outra a função da música no ensino regular. Suas propostas, apesar de passíveis
de questionamento podem servir de base para a reflexão e discussão da prática
escolar em música (PENNA, 2014, p. 138).

Para que tal reflexão sobre as abordagens propostas pelos PCNs em Arte, a partir do uso das Novas
Tecnologias, torne-se real é necessário que o educador de música se aproprie desta ferramenta, não somente

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em aspectos superficiais, como utilização de áudios e vídeos, mas sim permita a si e ao educando uma nova
forma de compreender, aprender e vivenciar a educação musical.

A questão que devemos levantar hoje já não é mais se devemos ou não introduzir
essas novas tecnologias no ensino da música, mas sim de que forma podemos tirar
proveito das mesmas. Para isso, os professores precisam se apropriar dessas novas
tecnologias, tanto para uso pessoal como profissional, conhecendo e sendo capazes
de pesquisar maneiras de introduzi-las em suas práticas docentes (HENDERSON
FILHO, 2015, p. 05).

E por corroborar com as ideias de Henderson Filho (2015) que entende que o uso das tecnologias
pode propiciar uma aprendizagem musical significativa, por permitir aos atores do cenário educacional (no
caso aqui educador e educando) o acesso e aproveitamento eficaz destes recursos é que se propôs a
construção do Objeto de Aprendizagem “Jogando Daqui... Cantando de Lá...”, pois vem a ser uma
demonstração concreta das possibilidades computacionais no ensino da música no ensino regular,
abordando conceitos elementares.
Para acesso ao produto foi criado o blog <http://objetosdeaprendizagemmusical.
blogspot.com.br/>, onde o OA foi disponibilizado e dividido em três links: “Jogando Daqui...Cantando de Lá!
– Sons”, “Jogando Daqui...Cantando de Lá! – Instrumentos Musicais” e “Jogando Daqui... Cantando de Lá! –
Notação e Grupos Musicais”. É importante que o usuário/docente saiba que os navegadores de internet
adequados para a execução do software de construção e seus objetos JClic se restringem ao Internet Explorer
e Mozilla Firefox, pois apresentam ferramentas (plug-ins) necessárias para a exequibilidade eficiente do OA.

Fig. 03 – Apresentação do Objeto de Aprendizagem

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O Objeto de Aprendizagem “Jogando Daqui... Cantando de Lá...” traz “blocos” de atividades que
podem ser realizadas não linearmente e de forma atemporal, permitindo ao educando refletir sobre seus
conhecimentos e adquirir demais informações ainda não apreendidas. O acesso aos padrões ou schemata de
experiências anteriores vem permitir com que o usuário do OA realize “um salto imaginativo de várias
experiências antigas e desiguais para uma nova experiência, única e coerente” (SWANWICK, 2003, p.35).

Fig. 04 – Atividade Caça Palavras Barulhos e Ruídos

Na figura acima é possível identificar um dos blocos do OA “Jogando Daqui... Cantando de Lá...”
tratando sobre um dos elementos da educação musical: a identificação, conceituação e diferenciação de
sons, barulhos e ruídos. Trabalhar a escuta ativa é imprescindível para o êxito nas aulas de música.
Essa(s) experiência(s) propostas por um Objeto de Aprendizagem devem apresentar vantagens em
relação ao uso de materiais manipulativos ou tradicionais (como papel, lápis, quadro, dentre outros). De
acordo com Carraher (1992) citado por Castro Filho et al o OA deve “possibilitar a realização de atividades
que constituem atividades especiais para aprender e que seriam difíceis ou até impossíveis de acontecer sem
o computador” (p. 55). Neste sentido, a construção de um OA que propicie a aprendizagem de instrumentos
e sonoridades, as quais, o aluno da rede regular de ensino teria dificuldade de acesso, torna-se pertinente,
pois vem promover a democratização da informação cultural, permitindo desde os contextos usuais dos
instrumentos visualizados até a dificuldade de conhecimento concreto deste.

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Fig. 05 – Conhecendo grupos musicais e estilos

Acima podemos visualizar outra imagem referente ao Objeto de Aprendizagem “Jogando Daqui...
Cantando de Lá...”, tratando de grupos e gêneros musicais, permitindo ao educando o acesso à imagem
representativa do referido grupo e sua audição. A partir desta construção é possível verificar caminhos que
o computador pode propiciar ao atender o tempo de aprendizagem de cada educando, facilitando a
assimilação do material, sendo que neste processo a aprendizagem musical poderá ser beneficiada ou
beneficiar a aprendizagem de outros assuntos, concordando com a teoria das inteligências que defende que
diferentes capacidades intelectuais podem servir como meio de transmissão de conteúdos variáveis.
Sendo assim, pode-se averiguar também a capacitação que o uso das novas tecnologias da
informação e comunicação a partir de Objetos de Aprendizagem (OAs) oferece ao educador musical, novas
lógicas, competências e sensibilidades. Esses comportamentos são bem diferentes do processo linear,
sistemático e previsível da aprendizagem em que predominam os aspectos supostamente racionais,
privilegiados pelas formas regulares de ensino.

5. Considerações finais
Com as mudanças no paradigma pedagógico e o surgimento das novas tecnologias, tais como o
computador, faz-se necessário que docentes da educação musical no ensino fundamental compreendam o
papel destas novas ferramentas, que possibilitam a extrapolação da visão tradicional e os métodos
meramente discursivos no processo de ensino-aprendizagem. Contudo, sua eficiência dependerá de como
serão utilizadas, visando um domínio mais claro e as possibilidades que irão surgir da aplicação dos

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conhecimentos. O avanço tecnológico representa grande desafio para o sistema organizacional tradicional,
produtivo e educativo.
Associado à concepção do papel do jogo numa aprendizagem significativa é que o Objeto de
Aprendizagem, no caso deste trabalho, o jogo educacional proposto “Jogando Daqui... Cantando de Lá...” se
configurou como uma ferramenta complementar na construção e fixação de conceitos de música
desenvolvidos em sala de aula, bem como num recurso motivador tanto para o educador quanto para o
educando.
O Objeto de Aprendizagem “Jogando Daqui... Cantando de Lá...” foi proposto para ser aplicado em
uma escola da rede pública Estadual do Pará, no entanto sua construção permite a utilização em vários
ambientes educacionais. Ressaltamos que a ideia central parte das vivências e dificuldades percebidas em
alunos do ensino público. Neste sentido, a brincadeira e ludicidade serão um “aperte o play” para a
apreensão de conhecimentos musicais.
Acredita-se que uma maior divulgação dos fundamentos e das ferramentas computacionais
disponíveis para músicos e professores de música como os Objetos de Aprendizagem (OAs) pode auxiliá-los
a expandir seus conhecimentos, vencer seus receios e preconceitos e torná-los interessados em partilhar
experiências sobre a aplicação de tecnologia ao ensino da música. Acredita-se que essa mudança de atitude
resulta de um acesso maior a informações e de uma constatação, na prática, dos benefícios do uso
complementar de sistemas informatizados no processo de ensino-aprendizagem.

Referências bibliográficas

CARVALHO, A.M.C. et al. (Org.). Brincadeira e cultura: viajando pelo Brasil que brinca. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 1992.

FANTACHOLI, Fabiane das Neves. O brincar na Educação Infantil: Jogos, brinquedos e brincadeiras - Um olhar
Psicopedagógico. Revista Científica Aprender. 5ª ed., Minas Gerais, 2011.
http://revista.fundacaoaprender.org.br/index.php?id=148>. Acesso 17 nov, 2015.

HENDERSON FILHO, José Ruy. Informática aplicada à música: contribuições para a formação de professores
de música. Revista Tecnologias na Educação, vol. 12, julho, 2015. Disponível em <
http://tecnologiasnaeducacao.pro.br/wp-content/uploads/2015/07/Rel2-vol12-julho2015.pdf>. Acesso 02
mai, 2016.

KISHIMOTO, Tizuco Morchida. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 11 ed. São Paulo: Cortez, 2011.

PRENSKY, Marc. “Não me atrapalhe mãe, estou aprendendo!”: como os videogames estão preparando
nossos filhos para o sucesso no século XXI – e como você pode ajudar! Trad. Livia Bergo. São Paulo: Phorte,
2010.

OLIVEIRA, Vera Barros de (org). O brincar e a criança do nascimento aos seis anos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

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ROJAS, Jucimara. Jogos, brinquedos e brincadeiras: a linguagem lúdica formativa na cultura da criança.
Campo Grande: UFMS, 2007.

TAVARES, Romero. Ambiente colaborativo on-line e a utilização de objetos de aprendizagem. In: SOUZA
JUNIOR, Arlindo José. Objetos de Aprendizagem: Aspectos conceituais, empíricos e metodológicos.
Uberlândia: Editora da Universidade Federal de Uberlâdia EDUFU. 2010.

SWANWICK, Keith. Ensinado musica musicalmente. [tradução de Alda Oliveira e Cristina Tourinho]. São
Paulo: Moderna, 2003.

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Estratégias didático-pedagógicas para o ensino de música por meio da percepção


no projeto EMUSCO - um Relato de Experiência

Márcio Borges Barboza


Eliane Leão
marcioewal@gmail.com
Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Resumo: Neste artigo trata-se de discutir a importância do ensino de Percepção


Musical para a formação do músico e aluno da escola regular, a partir de um Relato
de Experiência, sobre a sua utilização como uma das ‘disciplinas eixo’. O Relato
visou consolidar as abordagens de estratégias didático-pedagógicas para o ensino
de música realizado no Projeto EMUSCO. Objetivou-se apresentar à comunidade
acadêmica o projeto e suas conquistas alcançadas através da criação e realização
da disciplina de Percepção Musical. A Metodologia de Pesquisa e Análise, tendo
como base teórica os pressupostos de Eckert (2003), oportunizou a sistematização
da experiência. Pôde-se concluir, que a criação da disciplina no projeto EMUSCO
pode ser uma ferramenta que aperfeiçoa o ensino e a aprendizagem de música.
Palavras-chave: Educação Musical. Percepção. Ensino de Percepção. Projeto
Musical. Banda de Música.

Abstract: This article discuss the importance of Musical Perception of education for
the formation of the musician and student of regular school, from an Experience
Report, on the use as one of the 'disciplines axis’. The Report aimed to consolidate
approaches to teaching and pedagogical strategies for the teaching of music held
in EMUSCO Project. The objective was to present to the academic community the
project and its achievements through the creation and realization of Musical
Perception discipline. The Methodology of Research and Analysis, with the
theoretical basis of the assumptions of Eckert (2003), provided an opportunity to
systematize the experience. It could be concluded, that the creation of Musical
Perception of discipline in EMUSCO project can be a tool that enhances teaching
and learning music.
Keywords: Music Education; Perception; Perception Teaching; Musical Project;
Musical Band.

Introdução
A partir de uma perspectiva educacional, a proposta de pesquisa sobre estratégias didáticas –
pedagógicas para o ensino de Música por meio da Percepção, pôde ser feita, realizada e consolidada através
de um projeto de ensino musical. O projeto, intitulado EMUSCO, destaca a importância do ensino de
conteúdos da Percepção Musical para a formação do músico e aluno da escola regular. Este esforço
pedagógico ofereceu uma das múltiplas possibilidades de ensinar e aprender música para o cumprimento
eficaz da Lei 11.769/2008, que alterou a LDB 9.394/1996; e que institui a obrigatoriedade da música como

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componente curricular nas escolas de ensino infantil, fundamental e médio, nos sistemas educacionais de
educação básica brasileira. A lei apregoa que ...“O ensino de arte é componente curricular obrigatório nos
diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos” (BRASIL,
1996 - Art. 26, par. 2).
Tendo como ponto de partida as experiências pessoais, que indicaram quais os métodos e as
estratégias de ensino/aprendizagem que podiam ser considerados mais efetivos, e tendo em vista os fatores
que levavam à eficácia destas estratégias, chegou-se à elaboração deste projeto, tendo em vista o tema
proposto.
Por ocasião dos primeiros contatos deste pesquisador com a disciplina Percepção Musical, durante a
formação acadêmica (técnico e graduação em música), viu-se despertada uma profunda admiração pelas
abordagens psico-pedagógicas da disciplina, bem como o que era necessário para a realização, vivências e
aprendizagem da mesma. Com o passar dos anos, a afinidade com a disciplina transformou-se em interesse
pelo seu ensino e, conseqüentemente, em curiosidade investigativa em torno da sua prática educativo-
musical.
Os exercícios utilizados no ensino/aprendizagem da disciplina mostram, que através do solfejo, da
audição e da prática rítmica, pode-se promover um melhor entendimento da formação harmônica e melódica
de um trecho musical. E que, através do conhecimento da construção dos acordes, de seus intervalos e de
sua importância funcional na música, pode-se perceber melhor a divisão métrica das diversas formas de
compassos, com as mais variadas células rítmicas; pode-se melhorar a leitura, a afinação e a ampliação do
conhecimento tímbrico; vivenciando os exercícios de conhecimento instrumental, sejam dos instrumentos
de orquestra, de banda de música, de Big Bands ou de grupos menores como duetos, quartetos, entre outros.
Com isso, acredita-se que o desenvolvimento auditivo musical, importante para todos os níveis de
ensino, possibilita um contato direto com o som, que é um dos elementos essenciais da música; e dá
oportunidades para uma musicalização significativa para os alunos.
Possibilitar que a criança tenha acesso a um amplo universo de experiências musicais pode ser um
desafio para um profissional da educação musical escolar. Dentre as dificuldades enfrentadas pode-se
enumerar: o custo da aquisição de instrumentos musicais; a disponibilidade de músicos para demonstrar os
sons desses instrumentos aos alunos; a própria manutenção desses instrumentos, entre outras. Uma das
possibilidades para minimização dos problemas citados é o uso do computador como ferramenta no processo
educacional, uma vez que softwares permitem a simulação de situações musicais e a reprodução de sons de
instrumentos, considerando que hoje os computadores estão cada vez mais disponíveis nas escolas. Leme e
Bellochio (2007) afirmam que o ensino de música, mediado por recursos tecnológicos, tem ganhado espaço
nas escolas de música, que vêm investindo tanto em tecnologias específicas quanto na estrutura dos
ambientes educacionais.

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Para Martins (1998), se inserido num ambiente de experimentação, o computador pode possibilitar
a construção do conhecimento sobre o domínio musical. Podem-se indicar exemplos de recursos
tecnológicos como a seguir, o software Zorelha. Este software, o ZORELHA, segundo Jesus et al (2010), tem
como objetivo auxiliar o desenvolvimento da percepção musical em crianças através da experimentação
musical, focando principalmente nas questões relacionadas ao reconhecimento de timbres, promove e
possibilita explorações com a intensidade sonora e a apreciação de uma mesma música sendo executada em
arranjos diferentes. O Zorelha foi desenvolvido com o intuito de servir como uma ferramenta de auxílio no
ensino de música para crianças com idade principalmente entre 4 e 6 anos. O software foi construído sobre
a abordagem pedagógica construtiva, propiciando a aprendizagem através da exploração sonoro-musical. No
programa utiliza-se música apenas instrumental e em seu repertório foram escolhidas músicas folclóricas
infantis como: Atirei o pau no gato; Marcha soldado; Cai, cai balão; e O sapo não lava o pé. Cada uma das
quatro músicas do Zorelha foi gravada em quatro arranjos musicais diferentes e cada em um gênero musical
distinto.
Alguns autores incentivam a vivência musical como imprescindível para o ensino/aprendizagem de
música. Para Kruger et al. (2003) é importante que a educação musical tenha como propósito proporcionar
ao aluno a vivência de manifestações musicais de diversos grupos sociais e culturais bem como de diferentes
gêneros musicais dentro da nossa própria cultura. Para Leão (2016), a vivência musical é proposta criativa e
a apresenta através de um ‘modelo matricial’ que inclui, como importante para o ensino de música, a
utilização de metodologias que estimulem o aluno:

4 - Chega-se, nesta proposta Matricial à última variável resultante e consequente


das três propostas anteriores, que possibilita o professor de música ao ensino da
música através da ‘Vivência Musical’, recurso pedagógico imprescindi ́vel para
desenvolver metodologias de ensino de música indissociáveis do ensino assumido
com metodologias criativas (LEÃO, 2015, p. 11).

Para a autora, “...a música e sua prática tem alcance maior: o de se consistir de atividade que
promove o desenvolvimento cognitivo musical, essencial para a formação do aluno” (ibid., 2015, p. 12).
Com a proposta que este artigo apresenta e analisa, pensa-se ser possível formar indivíduos que
exerçam a cidadania e que se relacionem com a música de modo crítico e criativo, podendo, inclusive,
progredir em um futuro trabalho ou estudo na área, conforme determina a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB/1996).
Segundo a educadora Silva (2008), alguns alunos de música têm dificuldades de apreensão na forma
de aprendizagem tradicional da percepção, levando por muitas vezes ao desanimo e distanciamento das
aulas de música; e isso acontece devido às praticas adotadas para o ensino de percepção. Ela argumenta que:

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As práticas adotadas corretamente para o desenvolvimento da percepção auditiva


privilegiam os ditados melódicos, rítmicos e solfejos, no sentido de treinar o ouvido
do aluno para perceber os códigos musicais, e dessa forma, estar capacitado para
ouvir, ler e escrever música (SILVA, 2008. p. 107).

Ainda segundo a autora, uma forma de tornar as aulas de percepção prazerosas e tranqüilas de se
aprender é dividir a sua forma de ensino em três etapas. Ela afirma que:

Fundamentamos nossa ação pedagógica na criação de ambientes de aprendizagem


que favoreçam os diferentes estágios de aprendizagem de cada um dos envolvidos
no processo; isso porque, partimos do princípio de que temos ritmos diferentes de
aprendizagem, que devem ser respeitados pelo professor e pelos demais colegas
(ibid., 2008. p. 110).

A educadora divide essas etapas da seguinte forma: na primeira etapa, ela ressalta que os parâmetros
do som, assim como os códigos rítmicos musicais sejam vivenciados primeiramente com o corpo, através da
audição de peças musicais cuidadosamente selecionadas para com que os alunos possam identificar
ritmicamente e melodicamente sua estrutura musical. Na segunda etapa, a vivência com a música seja
transportada para o papel através de gráficos não convencionais; isso seja dado através de trabalhos em
grupo, onde se possa ter reflexões e debates sobre o assunto. E por último, na terceira etapa, propõe utilizar
partituras convencionais, com os ditados rítmicos e melódicos; mas de maneira tranquila e prazerosa, para
que o aluno possa pouco a pouco, assimilar os sons com a escrita musical.
Segundo Schafer (1992), antes de se iniciar qualquer atividade de percepção auditiva, é necessário
limpar os ouvidos. Para tanto, faz-se necessário fazer música com os objetos com os quais se convive. O autor
argumenta que,

Todas as nossas investigações sonoras devem ser testadas empiricamente, através


dos sons produzidos por nós mesmos e do exame desses resultados. É óbvio que
não se pode reunir sempre uma orquestra sinfônica numa sala de aula para sentir
as sensações desejadas; precisamos contar com o que está disponível. Os sons
produzidos podem ser sem refinamento, forma ou graça, mas eles são nossos
(SCHAFER, 1992, p. 68).

Segundo Sekeff (2002), é essencial que o educador hoje possa proporcionar conexões através da
música, já que a música “possibilita um transitar progressivo pelos estágios da cognição que, partindo da
escuta, envolve o perceber, analisar, deduzir, diferenciar, sintetizar, superpor, codificar, decodificar, abstrair,
memorizar, lembrar” (p.135), práticas diretamente ligadas à percepção musical.

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O estudo da percepção musical também possibilita aos alunos o agir conjuntamente, entre eles
próprios e também com o professor, como construtores do conhecimento musical, uma vez que a música de
que gostam e aquilo que conhecem pode (e deve) também ser levado em conta.
Fujiyoshi e Novaes (2006) afirmam que o processo de musicalização do indivíduo está subordinado
aos aspectos perceptivos, necessários à significação musical. Fonterrada (2005) comenta que no trabalho do
belga Edgar Willems – um dos mais expoentes educadores musicais do séc. XX – há forte presença do fator
auditivo em sua concepção de ensino. Segundo a autora, Willems acreditava que ainda não se compreendia
a natureza profunda da musicalidade, além de que toda criança poderia ser preparada auditivamente.
Quanto à Metodologia de Sistematização da experiência a ser relatada, este artigo em sua finalidade
propõe apresentar um Relato de Experiência sobre as práticas didático pedagógicas do ensino da percepção
musical, utilizados nas aulas de teoria musical ministradas no projeto EMUSCO. Pretende apresentar como a
prática da percepção contribuiu para a formação do aluno de ensino regular participante do projeto. Sobre
a escrita cientifica Relato de Experiência, o site Escrita Acadêmica1 ressalta:

O relato de experiência é um texto que descreve precisamente uma dada experiência


que possa contribuir de forma relevante para sua área de atuação (por exemplo, um
curso novo ministrado sobre determinado assunto, um projeto profissional). Ele
traz as motivações ou metodologias para as ações tomadas na situação e as
considerações/impressões que a vivência trouxe àquele (a) que a viveu. O relato é
feito de modo contextualizado, com objetividade e aporte teórico (2016).

O que dará suporte à construção do artigo de relato de experiência é o conceito de Sistematização


de Experiência que, segundo Martinic (1984), apud2 Eckert (2009), de experiências é:

Um processo de reflexão que pretende ordenar e organizar o que tem sido a


trajetória, os processos. Os resultados de um projeto, buscando nessa dinâmica as
dimensões que podem explicar o curso que assumiu o trabalho realizado (ECKERT,
2009, p.10).

Para Berdegué (2002), no mesmo texto de Eckert (2009):


...a sistematização de experiências não é simplesmente um relato ou publicação,
mas trata-se de um processo de reflexão crítica de uma experiência concreta, com
o propósito de provocar processos de aprendizagem, entendendo essa reflexão
como um processo metodológico que baseia na idéia de “organizar” ou de

1
http://www.escritaacademica.com/topicos/generos-academicos/o-relato-de-experiencia/ acessado em 18 de Agosto
de 2016, às 20h:31min.
2
Explica-se que Apud é um termo que tem origem no latim e seu significado equivale a “perto de”, “em”, “junto a”. O
termo é empregado especialmente em trabalhos onde a citação de um autor está baseada no texto de outro autor.

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“ordenar” um conjunto de elementos (práticas, conhecimentos, idéias, dados,


entre outros) que até o momento estavam dispersos e desordenados (ibid., 2009,
p.10).

Segundo JARA (2006), apud Eckert (2009),

...a sistematização é aquela interpretação crítica de uma ou várias experiências que,


a partir de seu ordenamento e reconstrução, descobre ou explica a lógica do
processo vivido, os fatores que intervieram no dito processo, como se relacionaram
entre si e porque o fizeram desse modo (ibid., 2009, p.10).

Estas citações acima relacionadas dão suporte subjacente para as explicações, ordenações e
organizações que se fez para o planejamento deste artigo, que propõe, de maneira sistematizada, relatar o
processo de ensino/aprendizagem deste processo de ensino que foi planejado, acompanhado, organizado,
observado, avaliado e relatado. Não se trata de um relato aleatório de um processo de ensino de mesmo
formato.

1. EMUSCO – Escola de Música Severino Cordeiro


O projeto de música EMUSCO (Escola de música Severino Cordeiro), quanto ao espaço físico, funciona
em departamentos anexos da escola municipal Ferreira Itajubá, na Rua dos Pegas S/N – Bairro das Quintas,
Natal-RN. Esse projeto foi idealizado pela diretora da escola, a Professora Maria José Sarmento em 2004,
tendo como patrono Carlos Eduardo Alves, atualmente, e à época, prefeito da cidade do Natal. Dispôs de seis
salas e um banheiro, sendo uma destas, a sala para coordenação; e outra, para almoxarifado, onde são
guardados os instrumentos musicais, doados pela SME (Secretaria Municipal de Educação). Estes
instrumentos, quanto à descrição de materiais permanentes do projeto, podem ser descritos como sendo
dos mais variados possíveis, tais como: instrumentos de sopro (Trompetes, Trombones, Bombardinos, Tubas,
Trompas, Saxofones Alto, Tenor, Soprano e Barítono; Flautas Transversais e Clarinetes); instrumentos de
cordas (Violinos, Violas, Cellos, Violão, Guitarra e Baixo); e instrumentos de percussão e teclados. O espaço
físico da escola suporta uma capacidade média de 350 pessoas, incluídos os professores, os monitores e os
alunos, por semana. Cada sala possui quadro, cadeiras, ar condicionado e birô, oferecendo conforto e
promovendo a qualidade de ensino.
Quanto à atividades programadas, o projeto EMUSCO oferece atividades de iniciação musical,
formação de grupos musicais, nos turnos matutino e vespertino; e no noturno, o projeto atende a jovens e
adultos da comunidade. Atendendo também às crianças a partir de (10) dez anos de idade, aos jovens e/ou
adolescentes, preferencialmente da Escola Municipal Ferreira Itajubá, como da mesma forma, às demais

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escolas públicas do bairro das Quintas, conforme demandas das escolas, que estão inseridas em um contexto
periférico, onde a carência de projetos sociais é conhecida.
Quanto às atividades de ensino musicais propriamente ditas, estas são desenvolvidas por (04) quatro
professores graduados em Licenciatura e Bacharelado na EMUFRN, contratados por empresa terceirizada da
Prefeitura; e (06) seis monitores estagiários do programa bolsa estágio, remunerados pela Prefeitura
Municipal do Natal. As ações são desenvolvidas em (04) quatro módulos, (01) um por cada semestre do ano,
contando com um curso de teoria básica de dois anos de duração. As disciplinas de teoria musical e
instrumento contam com plano semestral de curso e cronograma de ensino.
O projeto dispõe de (02) dois grupos musicais maiores, que são a Banda de Música Severino Cordeiro
e a Banda Marcial Ferreira Itajubá (vide Figuras 03 e 04, abaixo); e de outros grupos menores, como o coral
infantil de Flauta Doce (vide Figura 01 e 02, abaixo); o de Voz e Percussão, (01) um quarteto de Cordas, (01)
um grupo de Metais e (01) um grupo instrumental de música popular e improviso. Os grupos musicais do
projeto realizam seus serviços em atividades cívicas, culturais e campanhas educativas em instituições
públicas e filantrópicas na cidade de Natal e na grande Natal. Pode-se citar alguns exemplos de apresentações
como: desfiles cívicos durante todo o mês de Setembro, em diversos bairros de Natal; e o desfile principal da
cidade, no dia 7 de Setembro; os desfiles sociais, como os promovidos pela Secretaria de Saúde; os concertos
didáticos em escolas públicas, com o apoio do projeto Pelotão da Cidadania; os concertos em inaugurações
de escolas municipais; e os concertos públicos em praças e eventos festivos da cidade.

1.2 Fotos do Projeto EMUSCO:

Imagem 1 - Coral Infantil de Flauta Doce, 2015. Foto de Uanderson José: Coordenador do projeto EMUSCO.

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Imagem 2 - Coral Infantil de Flauta Doce, 2016. Foto de Uanderson José: Coordenador do projeto EMUSCO, professor de Flauta Renêr França

Imagem 3 - Concerto didático da banda Severino Cordeiro na Escola Municipal Emilia Ramos, bairro de Cidade Nova/Natal RN em
Julho de 2016: foto retirada por Uanderson José. Maestro Márcio Borges.

Imagem 4 - Desfile cívico do Bairro da Vila de Ponta Negra, Natal/RN em 2015. Participação da Banda de Música Severino Cordeiro
juntamente com a Banda Marcial Ferreira Itajubá do Projeto EMUSCO, foto de Uanderson José.

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Imagem 5 - Concerto Didático no Bairro das Rocas, Natal/RN em 2014, foto de Maria José Sarmento, Coordenadora do Projeto
EMUSCO.

2. Metodologia
O cenário do estudo apresentado no artigo ocorre em uma estrutura física em anexo na Escola
Municipal Ferreira Itajubá, que está localizada na rua dos Pegas S/N, bairro das Quintas, da cidade do Natal
RN. As atividades foram iniciadas no Projeto EMUSCO em 2006, com o professor pesquisador ensinando
trompete e teoria musical. As aulas de teoria musical inicialmente foram ministradas de forma simples e
tradicional, seguindo as formas tradicionais de ensino: apresentação de conceitos musicais, notação musical,
divisões proporcionais de valores e solfejo. Muitos alunos iniciaram seus estudos de teoria musical e no
instrumento. Após um ano de estudo, passaram a fazer parte da banda de música do projeto intitulada Banda
de Música Severino Cordeiro. A partir da prática de ensaio na banda de música, percebeu-se a melhoria do
desempenho musical e instrumental dos alunos participantes, o que ajudou na qualidade musical da banda
de música.
Conforme os alunos evoluíam musicalmente em seus instrumentos, o interesse em seguir com os
estudos musicais e se profissionalizar cresceu entre os alunos. A partir das referências e exemplos advindos
dos professores preparados na academia, são transmitidos a eles bons exemplos; que resultam no seu
desenvolvimento musical. Observado este desenvolvimento dos alunos, no fim do segundo semestre de
2009, em reunião pedagógica com os professores e coordenação do projeto, surgiu a idéia de criação de uma
disciplina no curso para os alunos avançados que demonstravam interesse em submeter-se aos processos
seletivos oferecidos pela EMUFRN (Escola de Música da UFRN), candidatando-se aos cursos Técnico, ou
Bacharelado e/ou Licenciatura. A idéia foi aceita por toda comunidade do projeto (Docentes, discentes e
coordenação). Como consequência, foi criada e inserida, no plano de curso, a Disciplina Percepção Musical.

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Passou a ser ministrada (01) uma turma por ano, com duração de (04) quatro meses, em que é ministrada
nos 4 meses antecedentes aos processos seletivos oferecidos pela EMUFRN.

2.1. Metodologia de ensino da disciplina Percepção Musical


Segundo o que informa a Wikipédia3, fazendo uma leitura despretensiosa,

a percepção musical é a capacidade de perceber as ondas sonoras como parte de


uma linguagem musical. Envolve especialmente a identificação dos atributos físicos
do som, como volume, timbre e afinação (percepção sonora), mas também
elementos musicais como melodia (percepção melódica) e ritmo (percepção
rítmica). [...] O termo percepção musical é, muitas vezes, usado como sinônimo
de percepção sonora, nesse caso desconsiderando melodia, ritmo e elementos de
linguagem musical.

Tendo em vista o que se entende por Percepção Musical, com base nas teorias resultantes das
pesquisas da área, pode-se citar o trabalho de Hama (2013), que investigou a Percepção Musical a partir dos
conceitos de Cognição Musical. O musicista investigou algumas atividades de percepção musical e o
treinamento auditivo. Focou sua prática e comentou os resultados. As práticas foram fundamentadas a partir
de premissas da psicologia e da cognição musical visando uma reflexão sobre as possibilidades de tornarem-
se mais abrangentes em relação ao desenvolvimento geral do músico. O material investigado foi escolhido
em livros de psicologia cognitiva musical e métodos das propostas de ensino de percepção musical. Foi
realizado um trabalho de campo onde foram pesquisadas as atividades que tivessem a finalidade de
averiguar a possibilidade de inserção de premissas e propostas da psicologia cognitiva musical no campo da
percepção musical. Pretendia-se, com os resultados, fornecer um material para reflexão de novas formas de
abordagem para o estudo e a prática nesta área. Objetivou-se um desenvolvimento real no entendimento
do discurso musical a partir de uma percepção clara, organizada e consciente dos seus elementos musicais.
Os elementos musicais seriam os que determinariam o processo de percepção musical propriamente dito.
Para o autor,

O estudo da percepção musical e a prática de atividades que treinam a escuta


musical, tem fundamental importância no desenvolvimento musical do músico e
estudante de música. Seja qual for a área em ele irá atuar, uma boa percepção
musical fará grande diferença em sua qualidade como músico, pois esta apresenta-
se como peça fundamental na formação geral deste profissional. Conhecer,
identificar e poder estruturar os padrões e elementos musicais ouvidos num
contexto claro de entendimento, permite ao estudante ou músico, captar o cerne

3
Acesso on-line, dia 23/08/2016.

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da expressão da música e incorporá-lo continuamente ao seu conhecimento


musical. Enriquece-se assim sua vivência no meio musical seja ele, profissional,
amador ou educativo (HAMA, 2013, p. 02).

As citações acima contextualizam a importância do ensino da Percepção Musical na formação do


músico. A disciplina de Percepção ministrada com o intuito de melhor desenvolvimento musical dos alunos
do projeto EMUSCO, para a preparação para os processos seletivos, foi planejada para usar métodos de
ensino de percepção tradicional como o POZZOLI4 e GRAMANI5, para leituras rítmicas e divisões de valores;
e o PRIOLLI6, voltado para a teoria musical e solfejo. O plano de aula do curso de percepção tem como ponto
de partida os editais dos processos seletivos citados anteriormente, sendo trabalhados em sala de aula os
seguintes assuntos:
Assuntos teóricos – revisão teórica de assuntos primordiais para exames seletivos de música (Escalas
maiores e menores, Tons vizinhos, Intervalos simples e compostos, Armadura de claves e classificação de
acordes).
Divisões Rítmicas – exercício de leitura e compreensão de divisões de valores musicais;
Ditado Rítmico – exercício proposto pelo professor, em que os alunos terão que escrever uma divisão
rítmica por meio da audição de um trecho rítmico executado por mp3;
Solfejo – exercício de leitura musical e canto: os alunos terão que cantar a entoação ou altura correta
das notas;
Ditado melódico – exercício proposto pelo professor, em que os alunos terão que escrever uma
melodia por meio da audição de um trecho melódico executado por mp3;
Percepção de Intervalos Simples - exercício proposto pelo professor, em que os alunos terão que
identificar e classificar intervalos simples por meio da audição de intervalos melódico executado por mp3;
Leitura as três Claves – exercício onde os alunos terão que cantar trechos musicais escritos nas três
claves (Sol, Fá na quarta linha e Dó na terceira linha).

3. Resultados Alcançados
A primeira turma da disciplina de percepção oferecida no projeto EMUSCO teve duração de (04)
quatro meses, sendo (01) uma aula semanal com duração de (02) duas horas; e foi ministrada, no final de
2009, juntamente com o inicio de 2010, com a participação de (06) seis alunos estagiários do projeto e
músicos da banda Severino Cordeiro. Os alunos da disciplina se inscreveram no processo seletivo para

4
Método Pozzoli – Guias teórico-práticos de ensino da música.
5
Método Gramani – Guias estudos rítmicos.
6
Método Priolli – Princípios básicos de música.

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ingresso no curso Técnico em Música, oferecido pela EMUFRN, juntamente com a COMPERVE. Os
participantes eram (02) dois alunos de Trompete, (01) um aluno de Clarinete, (01) um aluno de Saxofone,
(01) um aluno de Regência e (01) um de Flauta Transversal. Os resultados alcançados com essa primeira
turma de Percepção musical foi uma grata surpresa para toda a comunidade do EMUSCO, com a aprovação
de quase todos os alunos no processo seletivo do curso técnico em música; com exceção de (01) uma
reprovação de aluno de Saxofone.
A segunda turma do curso, criada em 2011, teve como participantes (05) cinco alunos. Destes, (02)
dois alunos de Clarinetes, em que um deles estava inscrito para o curso de Licenciatura em Música e, o outro,
para o curso Técnico. Os outros (02) dois alunos de flauta transversal, (01) um se submeteu ao curso Técnico
e, o outro, para o curso de Bacharelado em Música. O quinto, um aluno de Trombone, decidiu pelo curso
Técnico. Esta turma obteve o sucesso almejado e proposto pelo curso, com a aprovação de todos os
matriculados na disciplina.
A turma de 2012 teve como participantes (04) quatro alunos, todos inscritos para o processo seletivo
do curso Técnico: (01) um aluno para Saxofone, (01) um aluno para Clarinete, (01) um aluno para Trompete
e (01) um aluno para Trombone; sendo aprovados os alunos de Saxofone e Clarinete. Em 2013, não houve
alunos da banda inscritos em nenhum processo seletivo da EMUFRN; com isso, a coordenação optou em não
oferecer a disciplina de Percepção. Em 2014, com a inscrição de estagiários e alunos do projeto nos processos
seletivos para cursos de música foi retomada e criada a Turma de Percepção musical. Esta turma oportunizou
a participação de (10) dez alunos: (02) dois alunos para Trompete, (01) uma aluna para Violino, (01) uma
aluna pra Clarinete, (01) um aluno para Baixo elétrico, (01) um aluno para Flauta Doce, (01) um aluno para
Trompa, e (03) três alunos para Saxofone; sendo (01) um para o curso de Bacharelado e os outros (02) dois,
juntamente com os demais participantes, para o curso Técnico em Música. Foram aprovados (06) seis dos
(10) dez alunos: os alunos de Saxofones, o aluno de Trompa, a aluna de Violino e o aluno de Flauta Doce.
Em 2015 a turma de percepção contou com (07) sete alunos: (01) uma aluna pra Clarinete, (02) dois
alunos para Guitarra, (03) três alunos para Trompete e (01) uma aluna para Saxofone, inscrita no curso de
Bacharelado; e os demais inscritos, para o curso Técnico. Foram aprovados (04) quatro alunos, a aluna de
Saxofone, a aluna de Clarinete, (01) um aluno de Guitarra e (01) um aluno de Trompete. Até o presente
momento não foi criada a turma de 2016, devido à não inscrição de alunos nos processos seletivos da
EMUFRN.
Segue, abaixo, a apresentação destes resultados das turmas, por meio da Tabela 1.

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Apresentação de resultados das turmas por meio de tabela:

QUANTIDADE DE APROVAÇÃO EM PROCESSO REPROVAÇÃO EM PROCESSO SELETIVO


TURMAS PARTICIPANTES INSTRUMENTOS SELETIVO DA EMUFRN (TÉCNICO, DA EMUFRN (TÉCNICO, BACHARELADO
BACHARELADO OU OU LICENCIATURA)
LICENCIATURA)
TROMPETE,
SAXOFONE,
2009/ SEIS ALUNOS CLARINETE, FLAUTA CINCO ALUNOS APROVADOS UM ALUNO REPROVADO
2010 TRANSVERSAL E
REGÊNCIA
TROMBONE,
2011 CINCO ALUNOS CLARINETE, FLAUTA
TRANSVERSAL CINCO ALUNOS APROVADOS NENHUM ALUNO REPROVADO
TROMPETE,
2012 QUATRO ALUNOS SAXOFONE, CLARINETE
E TROMBONE DOIS ALUNOS APROVADOS DOIS ALUNOS REPROVADOS
NENHUM
2013 SEM ALUNOS INSTRUMENTO NENHUMA APROVAÇÃO NENHUMA REPROVAÇÃO
TROMPETE, SAXOFONE,
2014 DEZ ALUNOS CLARINETE, FLAUTA
DOCE, BAIXO ELÉTRICO SEIS ALUNOS APROVADOS QUATRO ALUNOS REPROVADOS
VIOLINO E TROMPA
TROMPETE,
2015 SETE ALUNOS SAXOFONE, CLARINETE QUATRO ALUNOS APROVADOS
E GUITARRA TRÊS ALUNOS REPROVADOS
Tabela 1. Turmas, participantes e resultados da disciplina de percepção.

Análise e considerações finais


Em todo o período que foi ministrado a disciplina de Percepção Musical, houve a participação de (32)
trinta e dois alunos, em que (22) vinte e dois alunos foram aprovados nos processos seletivos oferecido pela
EMUFRN. Com este resultado contabilizam-se os dados de aproveitamento e aprovação de 69% do total dos
alunos. Este percentual mostra e comprova para todos que fazem parte do projeto EMUSCO a importância
do ensino de Percepção para a formação e aperfeiçoamento dos alunos de música. Em relação à importância
do ensino de percepção Otutumi (2006), ressalta:
O desenvolvimento do sentido auditivo ou da Percepção Musical é considerado
pela grande maioria dos educadores como de fundamental importância, pois se
bem encaminhada e aperfeiçoada, oferece significativo suporte para a carreira do
músico em suas diversas modalidades, além de anteceder sua formação
profissional, participando ativamente no processo de educação musical de base.
(OTUTUMI, 2006, p. 24).

É importante ressaltar que os alunos do curso de percepção não eram apenas expectadores no
processo de ensino musical. A participação dos alunos, de maneira ativa nas aulas, mostrou ser de
fundamental importância para a construção e formação do ensino realizado, o aprendizado da percepção.
Em relação à atuação dos alunos no processo de construção educacional Otutume (2008) corrobora:

Ampliar os horizontes da sala de aula, embora alarguem as atribuições em número,


trazem ao professor e seus alunos um maior compartilhamento de saberes, maior
proximidade de interação e grande estímulo às atividades acadêmicas no universo
musical. Em se tratando do desenvolvimento de projetos conjuntos com as

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atividades de ensino, nota-se, especialmente no campo da percepção musical, uma


transformação visível e muito positiva em relação ao desenvolvimento de
potenciais. Aprender com compromisso e com auxílio de colegas, com propostas
que destaquem pontos positivos e que permitam o desenvolvimento de diferentes
aspectos num trabalho lúdico, criativo e integrativo só traz benefícios aos
componentes participantes (OTUTUME, 2008, p. 67).

Segundo Sekeff (2002) é essencial que o educador hoje possa proporcionar conexões através da
música, já que ela “... possibilita um transitar progressivo pelos estágios da cognição que, partindo da escuta,
envolve o perceber, analisar, deduzir, diferenciar, sintetizar, superpor, codificar, decodificar, abstrair,
memorizar, lembrar” (p.135), práticas estas, diretamente ligadas à percepção musical.
Segundo Eckert (2009), é preciso sistematizar os processos de ensino/aprendizagem para levar o
aluno ao aprendizado. Esta sistematização pode ser consistente se relatada pelos Relatos de Experiência, que
é o procedimento metodológico utilizado neste artigo. Para ele, estes dois processos providenciam:

...Facilitar que os atores dos processos de desenvolvimento se envolvam em


processos de aprendizagem e de geração de novos conhecimentos a partir das
experiências, dados e informações anteriormente dispersas, de forma que se
desenvolva a capacidade para tomar melhores decisões, cada dia com crescente
autonomia (ECKERT, 2009, p. 11).

Além das aprovações nos processos seletivos da EMUFRN durantes os anos em que a disciplina foi
ministrada, pode-se destacar como outro resultado positivo para o projeto EMUSCO a melhora significativa
da performance musical da Banda Severino Cordeiro. Os músicos participantes das turmas de Percepção
Musical notaram que a técnica musical e afinação dos instrumentos, bem como o desempenho de toda a
banda de música melhoraram bastante após as aulas de Percepção Musical’ potencializando assim o
desempenho do grupo. Esses resultados também foram notados por toda comunidade do projeto. Assim,
além das finalidades específicas da matéria, promoveu-se uma mudança de consciência; em que os educados
se tornaram os agentes importantes de sua própria formação.
Dessa forma, considera-se que as atuais tendências, no âmbito da educação musical, é propor o
ensino da Percepção Musical; e que esta é uma prática que promove uma maior integração de conteúdos
específicos, que promove o aproveitamento de habilidades e a expressão da criatividade; além de ressaltar
os aspectos mais significativos para a formação global do indivíduo, garantindo o ensino/aprendizagem da
música. Pode-se concluir que a criação da disciplina de Percepção Musical no projeto EMUSCO passou a ser
uma ferramenta otimizadora do ensino de música e do aperfeiçoamento musical do indivíduo.

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de Agosto de 2016 às 20h:31min.

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Guitarristas: uma demanda comprovada no curso de licenciatura em música

Saulo Caraveo
saulocaraveo@gmail.com
Escola G2 Muhsica

Resumo: Este trabalho1 teve como objetivo comprovar indicativos de demanda


para o ensino de guitarra elétrica e analisar o projeto pedagógico do curso de
Licenciatura Plena em Música da Universidade do Estado do Pará, no que se refere
à disposição de carga horária para disciplinas que visam o ensino de instrumento.
A pesquisa teve cunho bibliográfico, abrangeu o período de 2003 a 2013 e com a
aplicação de questionário buscou-se evidenciar a existência de alunos praticantes
de guitarra elétrica na graduação. Concluiu-se que a maioria dos alunos que
ingressam no curso de licenciatura em música da UEPA é praticante de guitarra
elétrica. Neste sentido, podemos refletir sobre a importância da popularidade da
guitarra elétrica nas Instituições de Ensino Superior em Música e vislumbrar cursos
e disciplinas específicas para o instrumento musical em questão.
Palavras-chave: Guitarra Elétrica, Currículo, Licenciatura.
Abstract: This study aimed to prove demand indicative for the electric guitar
teaching and analyze the pedagogical project of the course Full Degree in Music
from the Pará State University, as regards the disposal of hours for courses aimed
at teaching instrument. The study was bibliographic nature, covered the period
2003-2013 and with the application of questionnaire sought to highlight the
existence of students practicing electric guitar graduation. It was concluded that
most students entering the degree course in UEPA music is electric guitar
practitioner. In this sense, we can reflect on the importance of the popularity of the
electric guitar in Higher Education Institutions in Music and envision specific
courses and subjects for musical instrument.
Keywords: Electric Guitar, Curriculum, Degree.

Introdução
A guitarra elétrica é um instrumento musical jovem quando comparado a outros como o violino,
piano e flauta, sua história recente que tem origem por volta dos anos de 1920, nos faz refletir a respeito do
interesse de seus praticantes por cursos de nível superior, em especial nessas últimas décadas que precedem
o seu centenário.
A partir dos anos de 2000, por meio de trabalhos como o de Miranda Neto (2003), Klassen (2004),
Gomes (2005), Visconti (2005), Mateiro (2007), Lopes (2007), Chernicharo (2009), Módolo (2015), entre
outros, foi possível observar grande interesse de professores e alunos por estudos e pesquisas que pudessem
levantar dados significativos a respeito da história da guitarra elétrica e propostas de elaboração de cursos e

1
Artigo adaptado como parte integrante do Trabalho de Conclusão de Curso Guitarra Elétrica: por uma proposta de
disciplina no curso de licenciatura em música da Universidade do Estado do Pará (2015).

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ementas voltadas a guitarra para Instituições de Ensino Superior (IES). Nesta direção, através de experiências
e observações pessoais, foi possível constatar a existência de grande demanda de guitarristas acadêmicos do
Curso de Licenciatura Plena em Música da Universidade do Estado do Pará.
Ao longo de minha formação musical uma questão sempre era indagada por mim: ainda não temos
um curso de Bacharelado em Guitarra Elétrica em Belém do Pará, ou mesmo uma disciplina específica para
este instrumento nos cursos locais de Licenciatura em Música.
Diante desta situação foram quatro os problemas que me inquietaram e nortearam este trabalho:
Quantos guitarristas ingressaram no Curso de Licenciatura em Música entre 2003 e 2013? É possível localizar
o mesmo problema em outras capitais do Brasil? Qual a carga horária disponibilizada para disciplinas de
prática em instrumento do projeto pedagógico do Curso de Licenciatura em Música da Universidade do
Estado do Pará? Dentre todos os alunos de Música da Universidade do Estado do Pará, quantos gostariam de
novas disciplinas envolvendo o ensino de seu instrumento?
Em relação à metodologia, a primeira etapa desta pesquisa foi desenvolvida por meio de investigação
bibliográfica. Segundo Andrade (2010), a pesquisa bibliográfica compreende várias fases: escolha e
delimitação do tema, coleta de dados, localização das informações, documentação dos dados, fichas, uso das
fichas e organização de fichários.
Os dados foram coletados em livros, artigos, trabalhos de conclusão de curso, dissertações,
publicações acadêmicas, revistas especializadas e material virtual obtido por intermédio da internet. A leitura
exploratória desse material permitiu localizar em algumas das obras o assunto desta pesquisa, tornando-as
referências deste trabalho.
Ainda sobre a metodologia da pesquisa, além de investigação bibliográfica, foi previsto e aplicado
um questionário, com o intuito de obter respostas dos estudantes do curso de Licenciatura em Música da
Universidade de Estado de Pará a respeito de suas formações em instrumento e do desejo de se ter uma
disciplina específica para seu instrumento no curso de licenciatura.
Os questionários para esta pesquisa eram compostos por perguntas abertas e fechadas, sendo
aplicados aos alunos que ingressaram durante os últimos dez anos (2003 – 2013) no curso de Licenciatura
Plena em Música, Campus do Centro de Ciências Sociais e Educação, em Belém do Pará. Obteve-se a lista dos
egressos entre os anos de 2003 e 2013 por meio de recursos da internet. A opção por este período se deveu
à dificuldade em contatar egressos de anos ainda mais remotos. Sessenta e um alunos, sendo que quarenta
e quatro alunos encontravam-se cursando, onze já estavam formados, quatro haviam trancado e dois alunos
abandonaram definitivamente o curso de Licenciatura Plena em Música da Universidade do Estado do Pará,
responderam aos questionários enviados ao total de setenta e cinco possíveis colaboradores. Os
questionários foram encaminhados por e-mail ou respondidos pessoalmente na própria universidade, no
turno da manhã.

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As respostas foram tratadas quantitativamente. Os resultados estão apresentados em formas de


gráficos. A escolha desse tratamento dos dados se deveu ao interesse em apenas fazer um levantamento
exploratório das demandas apontadas por esses estudantes e egressos do curso de Licenciatura em Música
da Universidade do Estado do Pará.
Este trabalho foi dividido em quatro seções. A primeira localiza e analisa o artigo “Eu quero estudar
guitarra: Um estudo sobre a formação instrumental dos licenciados” (MATEIRO, 2007). A segunda analisa o
programa curricular do projeto pedagógico do curso de Licenciatura Plena em Música da Universidade do
Estado do Pará na questão da distribuição de carga horária no que se refere a disciplinas práticas e teóricas.
Na terceira parte é possível verificar a quantidade de alunos ingressantes no curso de licenciatura, a formação
em nível de instrumento desses alunos e comprovar que a guitarra é apontada como instrumento de
formação pessoal pela grande maioria desses alunos. Na quarta e última parte, é mostrado à vontade desses
alunos em relação a novas disciplinas, inclusive para seu próprio instrumento de formação.
O texto encerra com as Considerações Finais, nas quais apresento a síntese dos resultados da
pesquisa.

1. Indicativos de demandas da guitarra elétrica na formação dos estudantes do curso de


licenciatura em música
Por meio deste tópico, pretendo identificar a atual demanda por disciplinas relacionadas à guitarra
elétrica dos estudantes do curso de Licenciatura em Música da Universidade do Estado do Pará. Antes,
porém, contextualizo tal demanda em outras IES do Brasil e exterior. Esclareço que, nestas últimas, o objetivo
dos cursos é de execução instrumental, diferente da licenciatura que tem o instrumento como recurso no
ensino da educação básica. No entanto, são exemplos importantes para este trabalho.
Podemos destacar o artigo “Eu quero estudar guitarra: Um estudo sobre a formação instrumental
dos licenciados” (MATEIRO, 2007), que nos mostra a preferência musical dos estudantes do primeiro e
segundo semestres nos anos de 2005 e 2006, da disciplina Prática em Conjunto do Curso de Licenciatura em
Música da Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC), e sublinha a expectativa que os mesmos têm
em relação ao curso.
Segundo Alfa (2007), pesquisas semelhantes foram desenvolvidas em mais seis universidades:
Universidad de Granada e Universidad Publica de Navarra (Espanha), Lund University (Suécia), Escola
Superior de Educação de Lisboa (Portugal), Universidad Autónoma de Yucatán (México) e Universidad
Nacional de La Plata (Argentina).
A pesquisa de Mateiro (2007) indica que 22% dos estudantes ao iniciar o curso, desejavam tocar bem
um instrumento, 40% gostariam de tocar vários instrumentos, o que deixa evidente o desejo do estudante
em tocar. O gráfico a seguir mostra o resultado final da pesquisa.

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Graf. 1: Expectativas quanto ao curso.


Fonte: Mateiro (2007, p. 144).

Complementando os dados, 96% dos estudantes declaram desejar aprimorar os conhecimentos


musicais, 48% afirmaram querer ser bons professores de música e as opções “aprender música” e “conhecer
outros profissionais” foram assinalados por 51% dos licenciados.
Outra questão abrangida pela pesquisa foi em relação ao instrumento de preferência de cada aluno.
O violão foi assinalado pela maioria (33%), seguido por outras opções, quais sejam: voz (30%), piano (11%) e
flauta doce e percussão (4%). “O percentual de maior índice foi obtido por alunos que assinalaram outras
opções (37%), lista essa liderada pela guitarra elétrica” (MATEIRO, 2007, p. 145).
Podemos verificar, diante dos dados apresentados por Mateiro (2007), que existe grande interesse
por parte dos graduandos em música de se tocar bem e/ou vários instrumentos, neste sentido pode-se
afirmar que existe uma grande necessidade de aperfeiçoamento e de aprendizagem, onde se destaca a
guitarra elétrica que lidera o item “outras opções”.

Graf. 2: Instrumento principal.


Fonte: Mateiro (2007, p. 145).

Outra pergunta feita na pesquisa foi sobre estilos musicais. O rock’n roll foi o estilo predominante
(67%), após o qual foram mencionados: música erudita (62%), música popular brasileira (59%) Empataram:
música pop e heavy metal (41%), jazz (37%) e sertanejo, reggae, maracatú e gospel (41%).

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Graf. 3: Influências musicais


Fonte: Mateiro (2007, p. 146)

Ainda sobre a pesquisa de Mateiro (2007), a respeito do gênero musical de preferência dos
graduandos, o Rock foi assinalado com maior percentual e o Heavy Metal teve um percentual considerável.
Levando em consideração que a guitarra elétrica é o principal instrumento e símbolo dos referidos gêneros
musicais, podemos refletir a respeito da ligação entre os dados obtidos nestes últimos gráficos.
Segundo GOMES (2005), em seu artigo “Por uma proposta curricular em curso superior em guitarra
elétrica”, com base em análise de material impresso e publicado na internet sobre os currículos de
instituições de ensino superior (IES), pode-se destacar cinco instituições que oferecem o curso de guitarra
elétrica: Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Faculdade
Santa Marcelina (FASM) ambas em São Paulo, Berklee College Of Music (Berklee), Guitar Institute of
Tecnology (GIT) nos EUA.
Na capital paraense, podemos encontrar várias escolas que oferecem o curso de guitarra elétrica,
porém, como curso livre. Destacam-se: Escola G2 Muhsica, Academia de Música e Tecnologia (AM&T), Escola
de Adoradores, entre outras. A existência destas escolas pode ser interpretada como um indicativo de que
existe interesse e demanda específica para o aprendizado inicial para a continuidade da formação em curso
superior.

2. Projeto pedagógico do curso de Licenciatura Plena em Música: uma análise curricular


A Universidade do Estado do Pará oferece o curso de Licenciatura em Música desde o ano de 2003,
através da Resolução nº 078/03 do Conselho Estadual de Educação. Antes disso, na origem, o curso oferecido
era o de Licenciatura em Educação Artística com Habilitação em Música, autorizado pelo Decreto nº 97.570
de 10/03/86 e reconhecido pela Portaria Ministerial do MEC nº 998 de 12/07/93, Resolução nº 437 do CEE.
A implantação do seu primeiro currículo se deu no ano de 1989, desde então, atende aos turnos
matutino e noturno. A duração do curso é de quatro a sete anos e, atualmente, possui um total de 3.300
horas/aula, das quais 1.740 horas são destinadas a disciplinas teóricas e 1.560 a disciplinas práticas (PROJETO
PEDAGÓGICO DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ, 2004). O Gráfico 4 permite visualizar em percentuais
essa distribuição da carga horária do currículo em disciplinas teóricas e práticas.

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Graf. 4: Carga horária do curso de Licenciatura


Fonte: Criado a partir do Projeto Pedagógico do curso de Licenciatura em Música.

As disciplinas que visam ao aprendizado de um instrumento, ditas disciplinas eletivas


(optativas) são2: Oficina de Violão I (40 horas), Oficina de Violão II (40 horas), Oficina de Violão III
(40 horas), Oficina de Teclado I (40 horas), Oficina de Teclado II (40 horas), Oficina de Teclado III (40
horas), Oficina de Flauta Doce I (40 horas) e Oficina de Flauta Doce II (40 horas), totalizando 320
horas/aula de um total de 1.560 das disciplinas ditas práticas, ou seja, a carga horária das disciplinas
destinadas ao aprendizado de instrumentos representa 17% do total da carga horária destinada às
disciplinas ditas práticas.
O gráfico 5 mostra o percentual da carga horária disponível ao ensino de instrumentos em
relação ao total de horas/aula disponibilizadas para as disciplinas consideradas práticas.

Graf. 5: Carga horária disponibilizada para disciplinas práticas.


Fonte: Criado a partir do Projeto Pedagógico do curso de Licenciatura em Música.
Quando comparamos ao total da carga horária prevista pelo curso, esse percentual é ainda menor.
Se a carga horária total do curso é 3.300 horas/aula, tem-se menos de 9% dessas horas/aula destinadas às
disciplinas de ensino de um instrumento. O gráfico 6 demonstra melhor esses dados.

2
Excluindo a Prática de Banda, a Prática de Conjunto e o Canto Coral

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Graf. 6: Carga horária disponibilizada para disciplinas de ensino em um instrumento.


Fonte: Criado a partir do Projeto Pedagógico do curso de Licenciatura em Música.
Estes dados nos mostram uma carga horária muito baixa destinada a disciplinas de ensino de
instrumento, mesmo entendendo que o objetivo do curso é a formação de professores de música que
atuarão no ensino básico, podemos refletir a respeito da formação instrumental deste profissional e
vislumbrar outras ferramentas e estratégias de musicalização.

3. A opção pelo instrumento Guitarra Elétrica


Todos os anos a Universidade do Estado do Pará oferece, em Belém, quarenta (40) vagas para o curso
de Licenciatura Plena em Música, sendo vinte para o turno da manhã e vinte vagas para o turno da noite, o
que resulta em um total de quatrocentos alunos ingressos nos últimos dez anos.
Como já foi descrito na Introdução desta pesquisa, sessenta e uma pessoas que cursam ou cursaram
a Licenciatura Plena em Música da Universidade do Estado do Pará entre os anos de 2003 e 2013
responderam ao questionário sobre demanda da guitarra elétrica nesse curso. Dentre elas, 16 (26,2%)
assinalaram a guitarra elétrica como instrumento de formação (estudo), 7 (11,5%) mencionaram o violino, 7
(11,5%) citaram flauta, 4 (6,6%) registraram o piano, 4 (6,6%) apontaram saxofone, 6 (9,8%) mencionaram
violão, 3 (4,9%) responderam oboé, 3 (4,9%) assinalaram contrabaixo elétrico, 5 (8,2%) citaram teclado. Os
instrumentos clarinete, violoncelo, trompa e bateria empataram com 1 (1,6%) resposta cada um.
O Gráfico 7 mostra com detalhes estes números.

Graf. 7: Instrumento de formação e/ou domínio pessoal.


Fonte: Respostas ao questionário aplicado a estudantes da Licenciatura em Música da Universidade do Estado do Pará dos anos de
2003 a 2013. Belém, 2013.

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De acordo com os dados fica evidente a maioria de guitarristas que ingressam no curso de
licenciatura em música na Universidade do Estado do Pará.

4. Eu gostaria de novas disciplinas em outros instrumentos


Sobre as respostas ao questionário, quanto ao desejo dos alunos em ter disciplinas específicas de seu
instrumento de formação, 37 (60,7%) alunos gostariam que o curso de licenciatura oferecesse tal disciplina.
Dentre estes, dez (16,4%) responderam que tiveram, seis não responderam e quatro não querem a disciplina.
O Gráfico 8 detalha melhor esses números.

Gráf. 8: Alunos que gostariam de disciplinas em seu instrumento de domínio.


Fonte: Respostas ao questionário aplicado a estudantes da Licenciatura em Música da Universidade do Estado do Pará dos anos de
2003 a 2013. Belém, 2013.

Os dados apresentados permitem constatar o interesse de 64% dos alunos respondentes em dar
continuidade ao estudo do instrumento musical específico de sua formação anterior, pois alguns entendem
que não apresentam conhecimento para o desenvolvimento e aprendizagem nos instrumentos ofertados
pelo curso (Teclado, Flauta Doce e Violão).
Assim, pode-se evidenciar a vontade dos alunos de maneira geral, em ter disciplinas específicas em
outros instrumentos, além daquelas já oferecidas pela universidade. Com relação aos guitarristas (16 = 100%
desses respondentes), 12 (75%) responderam que sim, gostariam da disciplina específica para seu
instrumento (guitarra elétrica), 4 (25%) não responderam a pergunta e nenhum respondeu negativamente a
questão. A guitarra elétrica lidera as respostas em relação ao número de alunos praticantes deste
instrumento em comparação aos outros instrumentos, demonstrando assim uma demanda significativa e o
desejo de se estudar ou ter a disciplina específica para o instrumento em questão. Veja o gráfico 9.

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Graf. 9: Guitarristas que gostariam de disciplinas em seu instrumento de domínio.


Fonte: Respostas ao questionário aplicado a estudantes da Licenciatura em Música da Universidade do Estado do Pará dos anos de
2003 a 2013. Belém, 2013.

Os dados acima descritos mostram o percentual de alunos (75%) os quais são praticantes de guitarra
e a vontade desses alunos em estudar academicamente este instrumento.
Diante deste panorama, podemos entender que os gráficos apresentados até aqui, sugerem um
indicativo de evidente relevância quando

O foco é o ensino de guitarra, a pesquisa e o desenvolvimento técnico desse


instrumento, que é um dos mais tocados e pesquisados ao redor do mundo.
O objetivo é apontar caminhos para a criação de um currículo universitário que de
fato profissionalize o músico, preparando-o para atuar nas diversas áreas em que a
guitarra elétrica tem aplicação (CHERNICHARO, 2009, p. 6).

Neste sentido, podemos destacar também, que demandas como esta apresentada nos dados
anteriores podem ser observadas em outras cidades, possibilitando novos objetos de pesquisa para a
produção de diversos trabalhos acadêmicos.

Considerações finais
Neste trabalho pudemos concluir que o interesse em estudar guitarra elétrica é coletivo e muito
comum em outros estados do Brasil em especial entre os alunos do curso de Licenciatura Plena em Música
da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Foi possível verificar através do artigo “Eu quero estudar guitarra:
Um estudo sobre a formação instrumental dos licenciados” (MATEIRO, 2007), que alunos do curso de
licenciatura em música da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), em relação aos seus anseios
perante a grade curricular do curso, gostariam de aprender a tocar instrumentos musicais variados. A
pesquisa de Mateiro (2007) também sinaliza um percentual significativo de alunos que preferem a guitarra
elétrica.
Estes dados nos fazem refletir sobre o praticante de guitarra elétrica e seu anseio por uma formação
acadêmica, de aperfeiçoar-se como instrumentista e das opções que encontra sua cidade, que na maioria

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das vezes, mesmo sabendo do campo de atuação profissional, encontra no curso de licenciatura em música
a única forma de alcançar a graduação.
Os dados expostos através dos gráficos nos mostram a vontade de 64% dos acadêmicos de música
em estudar instrumento, onde a guitarra elétrica ganha grande notoriedade, no sentido que a maioria dos
ingressantes no curso de licenciatura entre os anos de 2003 e 2013 é guitarrista, elucidando desta forma uma
demanda significativa de seus praticantes na qual a grande maioria anseia por aprofundar o estudo.
Corroborando com estes dados posso expor, levando em consideração minha experiência como músico e
egresso do curso de Licenciatura Plena em Música da Universidade do Estado do Pará e com apoio na
relevância dos dados obtidos através do questionário, que apesar da reforma ocorrida em 2003, através da
Resolução nº 078/03 do Conselho Estadual de Educação, ainda é possível observar certa inadequação no que
se refere ao programa pedagógico da referida instituição de ensino.
Uma vez feita a análise do projeto pedagógico do curso de Licenciatura Plena em Música da
Universidade do Estado do Pará, onde de um total de 3.300 horas/aula, apenas 9% delas são destinadas a
disciplinas de ensino de instrumento, podemos refletir também que, mesmo tento em vista que o curso prevê
a atuação deste profissional em instituições de ensino básico, para um curso de formação de professores de
música, onde parte desta atuação também se dá por meio de prática de instrumento, podemos considerar
baixa tal disponibilidade, no sentido de que muitos desses alunos almejam tal aperfeiçoamento.
Neste sentido, com base na pesquisa desenvolvida para este trabalho, é muito importante que
reflitamos a respeito da disposição da carga horária destinadas ao ensino de instrumento do projeto
pedagógico da UEPA, bem como a respeito da formação prática instrumentista do professor de música da
referida instituição. É importante também nos atentar ao interesse por guitarra elétrica de maneira geral no
Brasil, em especial no Estado do Pará onde a demanda é significativa.

Referências

ALFA, EVEDMUS. Relatório do Grupo de Pesquisa. Material Impresso. UDESC, 2007.

ANDRADE, Maria Margarida. Introdução à Metodologia do Trabalho Científico, 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

CHERNICHARO, F. Melo. O ensino da guitarra elétrica na instituição de ensino superior: uma proposta
curricular. Instituto Vila-Lobos, Centro de Letras e Artes, Universidade do Rio de Janeiro, 2009.

GOMES, G. Rogério. Por uma proposta curricular de curso superior em Guitarra Elétrica. [s.n]: [s.n.], 2005.

KLASSEN, André F. Introdução da guitarra na música popular brasileira. [s.n]: [s.n.], 2004.

LOPES, Rogério. Guitarra Elétrica: Uma discussão sobre sua aceitação na academia e sua relação com a
identidade brasileira, [s.n]: [s.n.], 2007.

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MATEIRO, Teresa. “Eu quero estudar guitarra”: um estudo sobre a formação instrumental dos licenciandos.
[s.n]: [s.n.], 2007.

MIRANDA NETO, Affonso Celso de. Em busca de um método de guitarra brasileiro. Rio de janeiro, 2003.

MÓDOLO, Thiago Grando. A formação musical e pedagógica em quatro cursos superiores de guitarra elétrica
no Brasil. Dissertação (mestrado) – Universidade de Santa Catarina, Centro de Artes, Programa de Pós –
Graduação em Música, Florianópolis, 2015.

VISCONTI, Eduardo de Lima. A Guitarra Brasileira de Heraldo do Monte. Campinas, Unicamp, 2005.
(Dissertação de Mestrado). Disponível em <http://www.uepa.br/pt-br/pagina/ccse-0>. Acessado em 25 de
set. de 2014 às 15:23.

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Colocando a Banda na Rua: relato de experiência no PIBID-Música

Tainá Maria Magalhães Façanha


tainafacanha@ufpa.br
PPGArtes UFPA

Silene Trópico e Silva


silenetropico@hotmail.com
PPGArtes UFPA

Resumo: O presente relato descreve a atuação de professora e bolsistas PIBID e a


prática instrumental de alunos da rede estadual da educação básica, participantes
da oficina realizada para comemoração da semana da Pátria. Nossa mini-oficina se
inspira nos teóricos da segunda geração de educadores musicais. Sobre as
atividades ministradas, nosso propósito foi interconectar habilidades de escuta
ativa, criação e organização sonora aos ritmos marciais e regionais da banda
marcial. Os resultados das ações demonstraram que as novas maneiras de
organizar os ritmos marciais e regionais tornaram os alunos mais aptos a ouvir e
fazer música. Desta forma, esperamos que as contribuições do presente relato
venham apoiar o trabalho futuro de educadores e fortalecer o ensino musical.
Palavras-chave: 1. PIBID 2 Educação musical. 3. Banda Marcial.
Abstract: This report describes the teacher of acting and trainees PIBID and
instrumental practice of students of the state of basic education and participants
of the workshop held for the Fatherland Week celebration. Our mini-workshop is
inspired by the theoreticians of the second generation of music educators. On the
given activities, our purpose was to interconnect active listening skills, creation and
sound organization to martial and regional rhythms of the marching band. The
results of the actions demonstrated that new ways of organizing and regional
martial rhythms become the most able students to listen and make music. In this
way, we hope that the contributions of this report will support the future work of
educators and strengthen music education.
Keywords: 1. PIBID 2. Music education. 3. Marching band.

Introdução
O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação á Docência PIBID, tem como metas a promoção de
práticas inovadoras na sala de aula e a formação de professores da educação básica. Dentre as finalidades
de sua atuação citamos: a elevação da qualidade de ensino, experiência prática e atuação ativa no contexto
escolar e incentivo aos bolsistas de atuar futuramente na educação básica. (CAPES, 2016). O grupo de
trabalho desta intervenção é oriundo da universidade estadual de música e se constituí de: coordenador
geral, coordenador de área, professor supervisor e cinco bolsistas (CAPES, 2015).
A escola pública está localizada em bairro periférico da cidade, o espaço para desenvolver as
atividades musicais é a quadra de esportes, o auditório e a sala de aula. Nas salas de aula a parede que se
comunica com o corredor não é completa, havendo interferências sonoras externas no interior da sala, de

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onde saem sons que por sua vez invadem os corredores e interferem nas demais salas. O auditório de paredes
fechadas e climatizado atende também os interesses da comunidade escolar em geral, não podendo ser de
uso exclusivo de todas as aulas de música e a quadra é descoberta.
Nestes espaços que desenvolvemos aulas de música, contamos também com recursos instrumentais
e tecnológicos: um kit de banda fanfarra, um teclado e data show para o desenvolvimento das aulas e para
o funcionamento desta mini oficina instrumentos de percussão foram emprestados, estes instrumentos são
tambores regionais confeccionados por um grupo folclórico da cidade.
A prática docente em sala de aula é um desafio a ser vencido por professor e bolsistas. O professor
geralmente sobrecarregado de turmas, no caso do estado no qual ministro aulas, não houve durante 10 anos
qualquer formação na área promovida pela secretaria de ensino, recebemos tablets para melhorar nossas
aulas, mas não recebemos informação sobre sua real utilidade. A situação de insegurança da escola preocupa
também os bolsistas pela ocorrência de assaltos no bairro e mediações da escola. Contudo, as condições
insuficientes para trabalhar, não se tornaram maiores que o propósito de ensinar música.
Bolsistas de iniciação a docência, mesmo estando presente em todo o processo de planejamento,
relatam dificuldades iniciais para assumir a turma, adequar atividades, administrar o tempo e adequar o
conteúdo a atividade. Todavia, a oportunidade da experiência prática da docência em eventos musicais
significativos como é o caso da banda de música contribuiu para torná-los mais confiantes, confortáveis e
desta forma melhorar seu desempenho a cada dia.
Nossas atividades planejadas para a oficina com os instrumentos de percussão se inspirou nos
trabalhos desenvolvidos pelos músicos eruditos modernos do séc.XX, Paynter , Auston e Schafer. Das
metodologias de ensino emergiram várias possibilidades para explorar o material sonoro segundo as
propostas da “oficina de música”. Pena, (2008) define que neste modelo, o foco do ensino não obedece aos
padrões tradicionais de compreensão musical, sendo as atividades construídas na ação do estudante sobre
o material básico da música, no caso o som.
Desta forma, ao organizar nossa proposta de atuação, consideramos incluir os saberes dos
estudantes – seu repertório de escuta e habilidades musicais pré-existentes, desenvolvidas em contextos de
ensino informal com a música. Centralizando nossas ações na adoção de posturas de ensino não linear,
incluímos ainda os conhecimentos adquiridos na disciplina música em acordo com os eixos norteadores de
ensino. De acordo com as determinações das diretrizes curriculares, o ensino deve ampliar experiências
socializadoras entre os alunos e seus contextos socioculturais como formas de construir a identidade dos
alunos, sobre isso afirmam que:

Uma da maneiras de conceber o currículo é entende-lo como constituído de


experiências escolares que se desdobraram em torno do conhecimento,
permeadas pelas relações sociais, buscando articular vivências e saberes dos alunos

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com os conhecimentos historicamente acumulados e contribuindo para construir


identidades dos alunos. O foco nas experiências escolares significa que as
orientações e propostas curriculares que provém das diversas instâncias só terão
concretude por meio de ações educativas que envolvam os alunos
(BRASIL:2013,p.112).

Para Fonterrada, (2008) a adoção de procedimentos que tornem o adolescente um ser musical apto
á ouvir ou fazer música contribui para com a assimilação rápida de conceitos assim como, o introduz na
prática musical. Neste sentido, privilegiar a criação e a escuta ativa são formas de também desenvolver
habilidades técnicas como: regularidade, pulsação, organização rítmica irregular (FONTERRADA, 2008, p.
179).
Concordando com as afirmações acima citadas, procuramos garantir que o contato inicial do
estudante na sala de aula ocorresse com instrumental alternativo (mobiliário da sala, dos materiais escolares,
dos sons corporais e vocais). Esta preparação contribuiu para desenvolver habilidades rítmicas básicas e para
exercitar o acompanhamento de suas próprias melodias. Quando os estudantes experimentaram repertórios
regionais como o carimbó e o boi nas oficinas de música, ocorreram ampliações destes repertórios que
abrangeram novas relações com instrumentos musicais. Da oportunidade para manusear estes instrumentos
também emergem novas experiências com ritmos e sons que ampliaram seu conhecimento musical,
propostos na oficina de percussão foi permitido ao estudante construir e ampliar seu conhecimento.
Para valorizar as experiências do estudante se faz necessário articular conhecimentos empegados
em sala com os saberes do aprendiz, segundo Penna, destas articulações emergem experiências significas:

Musicalizar é desenvolver os instrumentos de percepção necessários para que o


indivíduo possa ser sensível á música, apreendê-la, recebendo o material
sonoro/musical como significativo. Pois nada é significativo no vazio, mas apenas
quando relacionado e articulado ao quadro de experiências acumuladas, quando
compatível com os esquemas de percepção desenvolvidos (PENNA, 2008, p.31).

Nossa atividade, desenvolvida no formato de oficina se constituiu de 4 ensaios preparatórios e


apresentação pública da banda escolar na rua da própria escola no último dia. A escolha pelo instrumento
foi determinada pelo próprio estudante e os critérios aplicados foram: habilidade prévia adquirida no
contexto informal de ensino, gosto pessoal pelo instrumento e facilidade percebida por ele para executar o
instrumento. Os alunos participantes foram em número de 100, participaram da oficina os estudantes do
ensino fundamental maior e médio com idades entre 12 á 18 anos. Não houve qualquer teste para verificar
a existência de habilidades musicais pré-existentes durante o desenvolvimento da oficina.
Nossa pretensão ao desenvolver uma oficina instrumental foi musicalizar o estudante e tornar o
conhecimento musical uma forma significativa de aprendizado para o aluno. Nestes termos, as atividades

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que desenvolvemos através da oficina de música foram pensadas por nós como maneiras de oportunizar ao
aluno a vivencia de novas experiências musicais. Como resultado deste planejamento, concluímos que nossas
ações com a oficina de música foram positivas por potencializar a aprendizagem de conceitos básicos da
disciplina música pelo aluno.

1. Colocando a Banda na Rua


A “oficina” de música, ocorrida durante a semana da pátria, foi realizada durante uma semana, foram
utilizados quatro dias para o desenvolvimento de ensaios e construção de instrumentos e um para a
culminância destas atividades. Dispondo de alguns materiais e instrumentos, foi para nós, desafiador ensaiar
um grupo de alunos para realizarem uma atividade musical que, além de entrelaçar os conteúdos estudados
com suas vivências, foi eficaz para o fortalecimento da autoestima e da relação interpessoal dos alunos. Desta
forma, consideramos que a prática instrumental desenvolvida na forma de oficina foi significativa para
incrementar a formação de professores e alunos.
O primeiro dia, segunda-feira 1 de setembro de 2014, foi realizada a confecção dos chocalhos que
seriam utilizados pelos alunos do 6º ano. Para realização desta atividade foram utilizados materiais
alternativos; garrafa pet pequena, macarrão, tinta colorida e fita.
A primeira etapa consistiu na divisão da garrafa ao meio e, posteriormente, a pintura das duas partes
das garrafas. Os alunos foram auxiliados pela professora supervisora da escola e por 5 bolsistas que eram
responsáveis pela atividade do dia. Após a pintura das garrafas, as mesmas foram organizadas numa mesa
do auditório da escola.

Fotografia 01 – Confecção dos Chocalhos


Fonte: Acervo das autoras

Neste dia, além da oficina, foram organizados os instrumentos regionais (Barricas, maraca, xequerê
de tubo pvc e alfaias) que resultaram da oficina realizada na escola durante o primeiro semestre.

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Fotografia 03 – Exemplo de Xequerê de Fotografia 04 – Exemplo de Maracá


Fotografia 02 -Exemplo de Barrica
PVC Fonte:http://previewcf.turbosquid.
Fonte:https://www.facebook.com/photo
Fonte:https://www.facebook.com/pho com/Preview/2014/05/23__22_16
.php?fbid=732731783505104&set=a.630
to.php?fbid=504747882954811&set= _24/MaracasRender00.jpg6a5adbe
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No segundo dia, terça-feira 2 de setembro de 2014, foi realizada a finalização dos chocalhos. Os
alunos colocaram dentro das garrafas os macarrões e depois uniram as duas partes, fixando uma na outra
com uma fita durex. Logo em seguida os alunos do 6 º ano, 7º ano, 8º ano e 9º ano foram organizados
conforme os instrumentos que iriam tocar. Ficando a distribuição da seguinte maneira:
6º ano – nas fileiras da frente tocando chocalhos, confeccionados por eles;
7º ano – na segunda fileira tocando os xequerês;
8º ano – na terceira fileira tocando as barricas;
9º ano – Os alunos do nono ficaram divididos entre os que iriam realizar a coreografia durante a
marcha e os que iriam tocar os instrumentos de banda marcial.
Neste dia houve um ensaio breve de como seriam os ritmos tocados e qual coreografia iram fazer.

Fotografia 05 – Ensaio da Banda e exemplo de Alfaia, na segunda fileira


Fonte: Acervo pessoal das autoras

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No dia seguinte, dia 03 de setembro de 2013, os ensaios efetivamente começaram, conduzidos pelos
bolsistas e supervisão da professora da escola. Houve um conflito quanto a organização dos ritmos que iriam
ser tocados, então, conversamos com os alunos e também com os bolsistas sobre como deveriam ser
organizados os ritmos. Tendo em vista que, a proposta seria mesclar instrumentos com timbres distintos
(instrumentos da banda marcial com instrumentos de percussão regional), aos gêneros musicais regionais
como o carimbó, lundu e boi e o gênero marcial.
Foram propostas as seguintes soluções: determinamos que os ritmos da banda marcial seriam
mantidos, assim como, também o seriam os ritmos regionais (carimbo, lundu e boi). Contudo a execução dos
dois lados da banda, a que executou o ritmo marcial e a que executou o ritmo regional, foram intercalados
pelo comando dos regentes de cada uma. Enquanto o lado regional estiver tocando, o lado marcial
permanecerá em silencio e vice-versa.

Fotografia 06 – Aluno regente do grupo de instrumentos de banda marcial


Fonte: Acervo pessoal das autoras

Tendo em vista os problemas vivenciados durante o primeiro ensaio, os bolsistas dividiram os alunos
em dois grupos, um grupo de instrumentos de banda marcial e um grupo de instrumentos regionais. Dessa
forma, o ensaio ocorreu separadamente, o grupo que estava tocando instrumentos regionais executou o
ritmo de carimbó e o grupo que tocava instrumentos de banda marcial tocou o ritmo simples de marcha.
No último dia de ensaio, os bolsistas reuniram os dois grupos, ficando na “comissão de frente” o
grupo de instrumentos de banda marcial (grupo 01), conduzidos por um dos alunos da escola e, logo em
seguida, o grupo de instrumentos regionais (grupo 02), conduzido por uma bolsista do PIBID. Como o desfile
seria curto, uma quadra e meia, não houve necessidade de várias músicas. Então foi escolhido mesclar o
ritmo de carimbó e um ritmo básico de marcha, sendo tocados na seguinte organização: grupo 01 tocando
ritmo de marcha e grupo 01 e 02 tocando o ritmo base do carimbó, ficando se repetindo esta ordem.

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Fotografia 07 – Ensaio da Banda 02


Fotografia 08 – Ensaio da banda 03
Fonte: Acervo pessoal das autoras
Fonte: Acervo pessoal das autoras

Por fim, no último dia de oficina “colocaram a banda na rua”, os alunos estavam dispostos e
empolgados, durante o desfile se mostraram entusiasmados com a experiência. Além de apresentarem um
resultado muito bom para poucos dias de ensaio e oficina.

Fotografia 09 – Apresentação da Fotografia 10 – Apresentação da Fotografia 11 – Apresentação da Banda


Banda 1 Banda 2 3
Fonte: Acervo pessoal das autoras Fonte: Acervo pessoal das autoras Fonte: Acervo pessoal das autoras

Pode-se perceber que logo no início das atividades da oficina os alunos não estavam demonstrando
entusiasmo, apesar de muitos estrarem empenhados e preocupados com o desfile, afinal estariam desfilando
com outras escolas do grupo de escolas da unidade SEDUC na escola 02 (USE-2). Com o decorrer dos dias e
com o envolvimento nas atividades, desde a construção dos chocalhos aos ensaios da banda, ainda nesse
sentido foi notório que os alunos começaram a se apresentar mais interessados e motivados a se envolverem
nas atividades, tendo iniciativa e empenho durante as mesmas.
As atividades da oficina proporcionaram integração entre alunos, professores e demais atores da
comunidade escolar, evidenciando a culminância não só da oficina, mas de um trabalho consistente que já

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estava acontecendo na escola. Por meio do trabalho do PIBID, o planejamento e desenvolvimentos das aulas
de música foram fundamentais para a inserção da música no ambiente escolar, contribuindo para a formação
dos alunos e bolsistas. Assim como, promoveu a troca de experiências entre a professora e os bolsistas, e
destes com alunos e comunidade escolar.

3. As marcas do PIBID
Como se observa os saberes docentes são, de maneira geral, saberes de experiência, curriculares,
institucionais como pode-se perceber mais detalhadamente nos estudos de Guattier (1998), Tardif e
colaboradores (2002), Lee Schumman (1986 e 2004) e Pimenta (2002). Esses saberes constituem a formação
dos professores, evidenciando as competências em vários âmbitos do processo formativo.
Pode-se entender que esses saberes são desenvolvidos, nas teorias e nas práticas profissionais,
sendo construídos durante o curso de licenciatura e estágios que realizam. Dessa forma, uma das
problemáticas que emergem desta formação diz respeito a relação estabelecida entre a prática e a teoria e,
de que forma este futuro professor pode articula-las para formação e desenvolvimento de saberes. Como
evidencia Mateiro (2009, p. 22):

O debate sobre a articulação entre teoria e prática está muito presente em todos
os documentos oficiais. Sabe-se que o modelo de formação docente apresenta uma
concepção predominante caracterizada por dois pólos: a visão aplicacionista das
teorias e a visão ativista da prática. A primeira valoriza os conhecimentos
acadêmicos enquanto a segunda valoriza o fazer pedagógico, distanciando a
dimensão teórica de conhecimentos.

Neste sentido, a legislação vigente, a Resolução CNE/CP 1, de 18 de Fevereiro de 2002 o Parecer


CNE/CP 009/2001, a LDB 9.394/96, a Resolução CNE/CP 2/2002 e, especificamente na área de música a
Resolução CNE/CES 2/2004; são importantes para verificar as reformulações quanto a questão dos currículos
das graduações e a questão do estágio docente. (MATEIRO, 2009)
Assim, o estágio é “considerado como um espaço que possibilita ao estudante, futuro professor,
observar, analisar, atuar e refletir sobre as tarefas características de sua profissão”. Podendo nesse espaço
articular os conhecimentos aprendidos nos cursos com as práticas docentes em diversos espaços educativos.
Os estágios supervisionados são organizados de maneiras diferentes em cada Instituição de Ensino Superior
e constituem momento fundamental na formação do licenciando.
Como já mencionado, o PIBID é um projeto fundamental nesse sentido, especificamente no ano de
nossa participação foi notório perceber a importância dessa articulação entre prática e teoria. Possibilitando-
nos a vivencia contínua dos conhecimentos aprendidos na universidade no cotidiano escolar. Transcendendo

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apenas as práticas escolares, pois, além disso, eram formados grupos de estudos entre a coordenadora do
programa, as professoras orientadoras do campo e os bolsistas, um espaço de formação mútua.

4. Considerações Finais
Mesmo diante de condições insuficientes de trabalho que contribuiriam fatalmente ao insucesso das
aulas, o apoio de bolsistas, professora e coordenadores nos conduziu a contemplar novos horizontes. Neste
sentido as contribuições do programa PIBID foram importantes para a melhorar a atuação do professor e
bolsistas, pois, o trabalho pensado de forma conjunta nos permitiu resistir frente aos desafios.
Nos planejamentos e ações desenvolvidas na escola constatamos que foi positivo agregar os
conteúdos de música á oficina de percussão, descobrimos durante este processo ser possível desenvolver no
estudante novas formas de manipular o som e o ritmo e ainda fomentar neste o interesse e envolvimento
com o aprendizado musical.
Foram observados pelos bolsistas e professora um aumento no interesse pelas aulas de música e o
desejo futuro de continuar desenvolvendo atividades práticas. Este interesse entendemos ser decorrente do
planejamento do curso e das atividades desenvolvidas em sala e pela oficina. Acreditamos que as relações
estabelecidas entre as qualidades sonoras presentes nos parâmetros do som e a prática instrumental tenham
tornado os estudantes mais perceptivos ritmicamente.
Desta forma acreditamos contribuir com a formação do futuro profissional, com a capacitação do
professor e do aluno, pois, em todas as situações foram possíveis o contato com novos conhecimentos
musicais de modo significativo para todos os envolvidos. Pretendemos também colaborar com a área do
ensino musical incentivando outros profissionais á descoberta de novos caminhos para práticas educativas,
concepções ampliadas de ensino da musical e a exploração de novas possibilidades no ensino básico.

Referências bibliográficas

BRASIL, Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica/Ministério da Educação. Brasília: MEC,
SEB,DICEI,2013.

CAPES, PIBID Disponível em <http://www.capes.gov.br/educacaobasica/capespibid> acesso em set. 2016.

FONTERRADA, Marisa; Trench de Oliveira. De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação. 2.ed. São
Paulo: Editora UNESP; Rio de Janeiro: Funarte, 2008.

GAUTHIER, Clermont et al. Por uma Teoria da Pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre o saber docente.
Ijuí, RS: UNIJUÍ, 1998.

MATEIRO, Tereza e SOUZA, Jussamara (orgs). Práticas de ensinar música: legislação, planejamento,
observação, registro, orientação, espaços, formação / 2ª ed., – Porto Alegre, Sulina, 2009.

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PIMENTA, Selma Garrido, (org.). Formação de Professores: identidade e saberes da docência. In. Saberes
Pedagógicos e Atividade Docente. São Paulo: Cortez, 2002, pp. 15-34.

SANTEIRO, T. V. Criatividade em psicanálise: produção científica internacional (1996-1998). Psicologia: Teoria


e Prática, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 43-59, jul./dez. 2000.

SHULMAN, Lees. Those who Understand: Knowldege Growth in Teaching. Educational research, v. 17, n. 1,
p. 4-14, 1986.

ROSEN. C. Sonata Forms. Ed. rev. New York: W. W. Norton & Company, Inc. 1988. 415 p.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Tradução de Francisco Pereira. Petrópolis: Vozes,
2002.

UEPA,PIBIDDisponívelem:<http://www.uepa.br/portal/downloads/AnexoI_PIBID_PROJ_INSTITUCIONAL
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Música e desenvolvimento: crenças de pais participantes de um projeto de


educação musical para bebês

Iani Dias Lauer-Leite


ianilauer@gmail.com
Universidade Federal do Oeste do Pará

Resumo: A pesquisa teve como objetivo averiguar as concepções sobre o termo


Desenvolvimento Infantil, de pais de filhos na faixa etária de 3 meses a 3 anos,
participantes de um projeto de Educação Musical em uma universidade federal na
região oeste do estado do Pará. Participaram da pesquisa 24 pais. Os dados foram
coletados mediante roteiro de entrevistas individuais e analisados utilizando-se o
software livre Iramuteq, realizando-se Análise de Similitude e Análise Hierárquica
Descendente. A Análise Hierárquica Descendente mostrou uma estrutura de seis
classes de palavras, que indicam, sinteticamente, que os participantes possuem
uma percepção multifatorial do desenvolvimento, agregando aspectos motores,
cognitivos e sociais a esse conceito, destacando em suas falas a importância de
espaços alternativos, como o projeto em questão, como contribuidores ao
desenvolvimento.
Palavras-chave: Musicalização. Ensino informal. Desenvolvimento.

Abstract: The research aimed to investigate the conceptions of child development


term, parents of children aged 3 months to 3 years, participants of a music
education project in a federal university in the western region of Para state. The
participants were 24 parents. Data were collected through individual interviews
and script analyzed using free software Iramuteq, performing analysis and
Similitude Analysis Hierarchical Descending. Hierarchical Analysis Descending
showed a structure of six classes of words that indicate synthetically that
participants have a multifactorial perception of development, adding motor,
cognitive and social to this concept, highlighting in his speech the importance of
alternative spaces such as the project in question, as contributors to development.
Keywords: Musicalization. Informal education. Development.

1. Pressupostos teóricos
Crenças foram definidas por Rokeach (1981), considerado autor de referência no estudo das crenças,
como proposições simples acerca da relação entre duas coisas ou entre uma coisa e suas características,
sendo endossadas ou não pelas pessoas. Para ele o termo engloba fenômenos como esquemas, atribuições,
idéias, julgamentos, concepções e cognições. Ainda, as crenças se organizam em sistemas. Tais sistemas de
crenças tem sido estudados em diferentes grupos humanos, buscando-se averiguar a natureza de sua
estrutura assim como sua influência sobre diversos tipos de comportamentos.

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O interesse em estudar crenças parentais tem crescido ao longo dos anos, provavelmente devido à
compreensão de que as crenças dos pais interferem no desenvolvimento infantil, na medida em que se
estabelece uma relação entre crenças e práticas parentais.
Autores como Goodnow (1992) e Bastos, (1991) verificaram a possível influência dessas crenças
sobre comportamentos e práticas em relação à criança. Goodnow (1988), por exemplo, reconheceu a
existência da relação entre crenças e práticas ao afirmar que, em parte a forma como os pais cuidam dos
filhos, seria conseqüência de como os pais concebem esses filhos, o seu desenvolvimento e a tarefa de criá-
los. Caso se considere apenas o comportamento exterior dos pais, despreza-se o fato de que os pais são
criaturas pensantes, dado que isso seria ignorar a interpretação ativa desses pais sobre a realidade.
No Brasil, tem sido realizados estudos recentes voltados para as concepções de pais sobre o
desenvolvimento infantil. Melchiori e colaboradores (2007) investigaram as crenças de mães e educadoras
de creche sobre temperamento e desempenho de bebês de 4 a 24 meses de uma creche em São Paulo.
Foram encontrados três tipos de crenças: inatista, ambientalista e interacionista. Houve predominância de
crenças ambientalistas sobre o desempenho e desenvolvimento dos bebês, tanto por parte das mães quanto
pelas educadoras.
Matos (2010) averiguou as crenças sobre desenvolvimento infantil de mães e educadoras de três
berçários de escolas particulares em João Pessoa. Os dados foram analisados mediante análise de conteúdo
de Bardim (2002). Os resultados mostraram cinco classes temáticas provenientes dos discursos das mães:
ambiente de aprendizagem, cumprimento de rotinas educativas, cuidado e proteção e aquisição de
linguagem. A classe que se destacou foi ambiente de aprendizagem, sendo o berçário compreendido como
espaço para promoção de desenvolvimento saudável, em detrimento da visão da criança como ser ativo em
seu próprio processo desenvolvimental.
Em estudo mais recente, Souza e colaboradores (2014) averiguaram as crenças sobre
desenvolvimento sociocomunicativo de bebês em seus primeiros três meses de vida. Participaram mães
residentes em Campina Grande, Paraíba. Os dados foram analisados mediante análise de conteúdo de
Bardim (2002). Foram encontradas as classes: crenças sobre a influência dos cuidados maternos para o
desenvolvimento infantil; crenças maternas sobre as habilidades dos bebês para comunicarem suas
necessidades às mães; e crenças maternas sobre as habilidades do bebê para compreender o meio no qual
vive. Sintetizando, a maioria das mães participantes acreditaram que o modo de cuidar do filho influenciaria
o desenvolvimento infantil. Além disso, desde os primeiros meses de vida o bebê é capaz de compreender o
que ocorre em seu ambiente e de se comunicar.
A presente pesquisa objetivou averiguar as crenças de pais participantes de um projeto de Educação
Musical para bebês sobre Desenvolvimento Infantil. O caminho para cumprir esse objetivo é descrito na
sequência.

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2. Procedimentos metodológicos
Locus da pesquisa: O Musicaliza Bebê é um projeto integrado que agrega pesquisa e extensão,
constituindo-se em espaço alternativo de ensino que objetiva auxiliar o processo desenvolvimental de bebês
na faixa etária de 0 a 3 anos de idade. Funciona desde 2012 em uma universidade pública no interior do Pará
e atende famílias com bebês na faixa etária mencionada. Priorizam-se ações interdisciplinares que focam o
desenvolvimento cognitivo, motor, afetivo e musical dos envolvidos, assim como a interação entre bebê e
família. A equipe técnica é composta por coordenadora, psicóloga, alunos bolsistas e voluntários. As oficinas
acontecem uma vez por semana e duram cerca de 45 minutos. São privilegiadas atividades que trabalhem
conjuntamente aspectos psicomotricistas (como freio inibitório, esquema corporal e lateralidade), afetivos
(contato corporal, contato visual, trocas afetivas), musicais (ritmo, harmonia, melodia) e de interação social
(reconhecimento do outro, regras sociais). Os cuidadores participam com os filhos das atividades. Todas as
sessões são fotografadas e filmadas, com autorização por escrito dos cuidadores.
Participantes: Participaram da pesquisa 24 pais com filhos na faixa etária de 3 meses a 3 anos, que
se inscreveram e participaram das atividades do projeto Musicaliza Bebê durante o 2o semestre de 2015.
Instrumentos: Os instrumentos utilizados para coleta de dados foram um questionário de dados
sociodemográficos e um roteiro de entrevista semiestruturado com questões relativas a concepções sobre o
desenvolvimento.
Coleta de dados: Os dados foram coletados mediante entrevistas individuais realizadas durante o
semestre letivo. Os participantes foram informados do objetivo do projeto, que integra pesquisa e extensão
e os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Análise dos dados: Os dados oriundos das entrevistas foram analisados mediante o uso do software
IRAMUTEQ, um software livre que analisa quantitativamente dados de natureza qualitativa. Em se tratando
do IRAMUTEQ, é possível realizar vários tipos de análises diferentes. Para essa pesquisa foram realizadas:
a) Análise de similitude: A análise de similitude demonstra graficamente as relações existentes entre
as palavras mais citadas pela amostra.
b) Análise hierárquica descendente (CHD). A análise hierarquica descendente objetiva, mediante a
repetição de palavras, agrupar os dados textuais em classes de palavras que façam sentido entre si. A partir
dessas classes, as frases que fazem parte do corpus são agrupadas e o pesquisador busca a interpretação do
sentido que as mesmas trazem.
Para as análises realizadas foram adotados os seguintes procedimentos prévios de preparação do
corpus: Todas as gravações foram transcritas e adequadas às especificações exigidas pelo programa. Em se
tratando da Análise de Similitude e Análise Hierárquica Descendente, na escolha da formatação entraram as
classes de palavras: adjetivos, substantivos, verbos, formas não conhecidas (exemplo:

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desenvolvimento_infantil), pronomes. Advérbios, onomatopéias, conjunções e preposições não foram


levadas em consideração para as análises.

3. Resultados e discussão
Na Análise Descritiva foram considerados 24 textos, 590 formas, sendo 306 formas ativas e 44 formas
complementares. As formas ativas mais citadas foram desenvolvimento (freq=51), achar (freq=39) e
influenciar (freq=29). A Análise de Similitude mostrou três formas ativas: Música, Achar e Influenciar, em
três pólos distintos, que agregaram outras palavras relacionadas a elas.

Figura 1: Resultado da análise de similitude. Fonte: Iramuteq

Ao redor de Desenvolvimento, gravitaram os termos aprendizado, pensar, socialização,


manifestação, familiar, pensar. Em torno da palavra Achar encontraram-se os termos exemplo, pai, dormir,

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habilidade, crescimento e um pouco mais distante, música. Por fim, próximos à palavra Influenciar estavam
as palavras aprender, ambiente, filho, brinquedo, processo.
Para averiguar as concepções sobre Desenvolvimento desses pais, realizou-se Análise Hierárquica
Descendente. Foram encontradas 6 classes divididas em cores, que agruparam idéias sobre
desenvolvimento.

Crenças sobre Desenvolvimento

Eixo 1: O Eixo 2: Fatores externos


desenvolvimento influenciam o
acontece na interação desenvolvimento
social

Classe 5 Classe 4 Classe 3 Classe 6 Classe 2 Classe 1

Saber Gente Conseguir Ficar Influenciar Desenvolvimento_


motor
Projeto Falar Questão Aula Filho
Socialização
Musica Mesmo Desenvolver Pessoa Desenvolvimento
Familiar
Interagir Relação Palavra Desenvolvimento Inserir
Achar
Pessoa Aula Achar Coisa Físico
Desenvolver
Pensar Socialização Brincar Motor Espaço
Influenciar
Aprender Familiar Dia Estimular
Parte
Aprender

Figura 2: Resultados da Análise Hierárquica Descendente. Fonte: Iramuteq.

As análises mostraram uma estrutura com dois eixos com três classes cada. O eixo 1 e 2 são
comentados na sequência, assim como as classes que os compõem.
O primeiro eixo, denominado de “O desenvolvimento acontece na interação social”, agrega classes
que trazem a crença dos pais de que a interação social é um fator importante que impulsiona o
desenvolvimento. As classes 5, 4, e 3 formam esse eixo e somam 54,3%. Na sequência comenta-se sobre cada
uma das classes.
Na classe 5 os pais reportaram suas percepções sobre os ganhos desenvolvimentais dos filhos a partir
da frequência às oficinas de Educação Musical, notando ganhos na interação social. Nesse sentido, sobressai
a crença de que o desenvolvimento infantil é o amadurecimento da criança e esse desenvolvimento significa
aprender a conviver com pessoas. Destaca-se o papel da música como agente facilitador do aprendizado da
convivência social.

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O termo desenvolvimento infantil, bom, desenvolvimento infantil significa um amadurecimento da


criança, ne, aprende a conviver mais no meio das pessoas, a música, o Musicaliza...(p-01)

Eu até vejo assim, que eu fico pensando: ah, o dia que eu colocar ela numa escolinha eu não vou ter
dificuldades porque a aulinha, as músicas, a música proporcionou isso também nela sabe... (p-17)

Na classe 4 observou-se diferentes nuances para o desenvolvimento, sendo destacados pelos pais o
desenvolvimento cognitivo, emocional e social dos filhos. Aqui observa-se aspectos intrínsecos como a fala,
o desenvolvimento cognitivo, mas sempre relacionado ao contato social.

Desenvolvimento infantil é o crescimento da criança levando em conta aspectos emocionais né, é


crescimento saudável e de fala, de manifestação de emoções. (P-05)

Em termos da fala, em termos da socialização mesmo, com relação a outras crianças, a outras
pessoas que ele não ia, ele era muito fechado um tempo; agora ele esta indo com outras pessoas. (P-23)

A classe 3 trouxe a crença de que o desenvolvimento acontece em fases, etapas, como nas falas a
seguir:
E espera se que ela se desenvolva dentro dos padrões de uma qualidade esperada para sua faixa
etária o que mais que eu posso falar né, e essa questão do desenvolvimento também(P-05)

É o desenvolvimento, acho, das etapas da criança, as etapas necessárias para a criança ir se


desenvolvendo. Seria, acho, que a forma dele interagir com a gente né, interagir com as coisas com os objetos
com as pessoas (P-03)

O segundo eixo, “Fatores externos influenciam o desenvolvimento”, agrupou as classes 6, 2, e 1,


somando 45,5%. Esse resultado assemelha-se ao encontrado por Matos (2010), no sentido de que fatores
presentes no ambiente promovem desenvolvimento. No entanto, percebe-se na fala dos pais a visão de que
os filhos são seres ativos no processo, reagindo aos estímulos ambientais, diferente do que Matos (2010)
obteve em seu estudo.
Na classe 6 os pais retornam ao assunto dos ganhos advindos do projeto de Musicalização e focam
tanto na comunicação quanto na interação social, trazendo a crença de que a música auxilia no
desenvolvimento da comunicação social.

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Eu tenho notado que a música tem influenciado no desenvolvimento, a música tem influenciado
porque ele tem ficado mais comunicativo, tem facilitado a comunicação dele (P-11).
A classe 2 agrupou falas que destacam crenças de que fatores externos influenciam o
desenvolvimento.

Estimulação, né, a estimulação externa influencia muito, que eu acho assim, uma criança, ela tem
normal seu desenvolvimento infantil mesmo que a pessoa não estimule, mais ela vai ser uma criança mais
parada do que uma mãe que estimula.(P-13)

Então eu acho que um fator predominante para o desenvolvimento ser com mais sucesso eu acho que
e a estimulação da mãe e do pai eu acho que e isso estimulação externa, fator externo (P-11)

Por fim, a classe 1 abordou o desenvolvimento motor e as atividades lúdicas como propiciadoras de
desenvolvimento em vários aspectos.
Desenvolvimento infantil é desenvolver a criança tanto a parte motora tanto acho que o meio
influencia no desenvolvimento, tudo, o relacionamento, tudo ele vai aprendendo. (P-17)
Desenvolvimento infantil, eu penso sobre o crescimento e o desenvolvimento motor dele, como é que
ele está adquirindo habilidades motoras, habilidades físicas .(P-11)
Em síntese, observou-se que os participantes têm uma percepção multifatorial do desenvolvimento,
agregando aspectos motores, cognitivos e sociais a esse conceito, destacando em suas falas a importância
de espaços alternativos, como o projeto de musicalização, como contribuidores ao desenvolvimento
saudável dos bebês.

4. Conclusão
Crenças parentais tem sido estudadas partindo da perspectiva de que as crenças interferem nas
práticas parentais, que por sua vez, estão relacionadas ao desenvolvimento infantil. O estudo em questão
objetivou averiguar as crenças de pais participantes de um projeto de musicalização sobre o termo
Desenvolvimento. Os resultados mostraram dois grandes eixos, que agruparam várias crenças sobre o
desenvolvimento: 1) o desenvolvimento acontece na interação social. Nesse sentido, os pais relacionaram o
projeto de educação musical ao aumento da interação social e comunicação dos filhos; 2) fatores externos
interferem positivamente no desenvolvimento: nesse eixo os pais evidenciaram a crença de que fatores
externos como a música, a interação social e outros fatores estão relacionados ao desenvolvimento. Também
afirmaram que desenvolvimento implica em ganhos motores e cognitivos. Tais resultados corroboraram em
parte com os estudos citados no referencial teórico, no sentido de exteriorizarem a crença de que fatores

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externos são responsáveis pelo desenvolvimento. Como resultado específico desse estudo, surge a idéia de
que as crianças são seres ativas em seus processos de desenvolvimento e as experiencias advindas do projeto
de Educação Musical proporcionam ganhos desenvolvimentais, especialmente quanto à socialização e
integração social.

Referências bibliográficas

BASTOS, A. C. B. Idéias sobre a criação de filhos: uma invenção cultural. Psico, v.2, n.22, p.63-87, 1991.

GOODNOW, J. J. Parents’ ideas, actions, and feedings: models and methods from developmental and social
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SIGEL, I.; McGILLICUDDY-DELISI; GOODNOW, J.J.(Orgs.), Parental belief systems:the psychological


consequences for children (2nd ed.). Hillsdale, NJ, US: Lawrence Erlbaum Associates, 1992, 317 p.

MATOS, M.R.A. Concepções de mães e educadores sobre desenvolvimento infantil. Dissertação de mestrado
não publicada, CCHLA, Universidade Federal da Paraíba, 2010.

MELCHIORI, L. BIASOLI, A., SOUZA, D., BUGLIANI, M. Famílias e creches: Crenças a respeito de temperamento
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SOUZA, C.G. et al . Crenças maternas sobre o desenvolvimento sociocomunicativo de bebês. Temas


psicologia, v. 22, n. 2, p. 497-508, 2014 .

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Ensino de música na educação básica para pessoas com deficiência: estudo de caso
com uma professora do ensino regular da rede municipal de Belém

Sara Carolinne Costa Pantoja


saracarolinnepantoja@gmail.com
UEPA

Jucélia Estumano Henderson


henderson1405@gmail.com
UFPA

Resumo: O presente trabalho é o recorte de uma pesquisa concluída, desenvolvida


no âmbito da graduação, realizada numa escola municipal em Belém/Pa. Teve
como objetivo analisar como são as aulas de música de uma professora do ensino
básico da rede municipal de Belém, que tem em sala de aula pessoas com
deficiência. Os autores que dialogaram com a pesquisa foram Carvalho (2013) e
Louro (2012). Foram utilizados como procedimentos metodológicos a pesquisa
bibliográfica e o estudo de caso. De acordo com os resultados, veremos que os
estudantes com deficiência, possuem uma grande capacidade para aprender
música, necessitando apenas de adaptações e estratégias diferenciadas.
Palavras chave: Educação Musical Inclusiva, Práticas Pedagógicas Musicais, Música
no ensino básico.

Abstract: Work This is the cut of a completed research conducted within the
undergraduate, held in a municipal school in Belém / Pa. We aimed to analyze how
are music lessons from a teacher of basic education in the municipal Bethlehem,
which is in the classroom disabled. Authors who dialogued with the research were
Carvalho (2013) and Blonde (2012). They were used as instruments to literature
and the case study. According to the results, we see that students with disabilities
have a great capacity to learn music, requiring only adjustments and different
strategies.
Keywords: Musical Inclusive Education, Pedagogical Practices Music, Music in basic
education.

1. Introdução
A motivação para pesquisar sobre o assunto deficiência, surgiu a partir da experiência que tive como
voluntária no Projeto Cordas da Amazônia (PCA), da Escola de Música da Universidade Federal do Pará
(EMUFPA), onde são pesquisadas oficinas de música para alunos com deficiências e também por meio da
experiência vivenciada durante o PIBID1 na Universidade do Estadual do Pará (UEPA).

1 Programa institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, financiado pela CAPES, que proporciona aos graduandos de
licenciatura a iniciação à docência tornando possível a experiência dentro da escola de ensino regular.

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A oportunidade do convívio com a escola e a sala de aula, por meio do PIBID, abriram-me os olhos
especificamente para a questão da inclusão no ambiente da escola pública, vale ressaltar que na escola onde
o projeto se desenvolveu, auxiliamos a professora de música em suas aulas e elaboramos projetos musicais
para a escola.
Foi principalmente a partir dessa experiência no PIBID, que comecei a observar algumas turmas em
que existiam pessoas com deficiências, então passei a perguntar: Como são as aulas de música de um
professor do ensino básico da rede municipal de Belém, que tem em sala de aula pessoas com deficiência?
Desdobrando-se nas questões: Quais os conceitos teóricos sobre aulas de música para pessoas com
deficiência? Qual o perfil do professor pesquisado e do campo observado? Quais as práticas de ensino
utilizadas pelo professor voltadas para o aprendizado do estudante com deficiência?
Tendo em vista as questões apresentadas anteriormente, chegou-se ao objetivo geral de analisar
como são as aulas de música de uma professora do ensino básico da rede municipal de Belém, que tem em
sala de aula pessoas com deficiência. Desdobrando-se nos específicos: Fundamentar teórica e historicamente
conceitos sobre inclusão de pessoas com deficiência no ensino básico e aulas de música neste contexto;
Descrever o Núcleo de Atendimento Educacional Especializado do campo pesquisado observando-o como
ponto de apoio e ligação da Secretaria Municipal de Educação/Belém e Escola; Investigar o perfil e as
estratégias utilizadas pelo professor pesquisado em sala de aula voltadas para o aprendizado do estudante
com deficiência.
Como referencial teórico, a presente pesquisa aborda os temas: Educação Inclusiva, trabalhando com
os autores: Carvalho (2013), Brasil (2008) e Louro (2012).
Foram utilizados como procedimentos metodológicos a pesquisa bibliográfica, o estudo de caso e
abordagem qualitativa. Participaram desta pesquisa uma professora de artes/música do Ensino básico da
rede municipal de Belém e profissionais do Atendimento Educacional Especializado (AEE) em vigor na escola;
para a coleta de dados, foram utilizados a observação e a entrevista; a análise dos dados obtidos com os
instrumentos de coleta foi realizada de forma descritiva.

2. Contextualização sobre inclusão de pessoas com deficiência no ensino básico


A Constituição da República Federativa do Brasil institui: que para a realização dos direitos
educacionais das pessoas com deficiência seja assegurada, é necessário que:

a) As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob
alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do
ensino primário gratuito e compulsório ou do ensino secundário, sob alegação de
deficiência;

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b) As pessoas com deficiência passam a ter acesso ao ensino primário inclusivo, de


qualidade e gratuito, e ao ensino secundário, em igualdade de condições com as
demais pessoas na comunidade em que vivem;
c) Adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais sejam
providenciadas;
d) As pessoas com deficiência recebam o apoio necessário, no âmbito do sistema
educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação;
e) Medidas de apoio individualizadas e efetivas sejam adotadas em ambientes que
maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de
inclusão plena (BRASIL, 2008).

Podemos observar que existem leis para assegurar os direitos das pessoas com deficiência dentro
das escolas. Dentre tantas, ressalto aquela que indica que seja feito adaptações, dando o apoio necessário
para facilitar o aprendizado, não esquecendo que medidas individualizadas também são indicadas; mas não
é isso que vemos em muitas realidades escolares. Na medida em que esse aluno não consegue aprender e o
professor não soluciona o problema, o aluno deixa de ser incluído e passa a ser excluído. Como diz Carvalho
(2013):

[...] a escola precisa ressignificar suas funções políticas, sociais e pedagógicas,


adequando seus espaços físicos, melhorando as condições materiais de trabalho de
todos os que nela atuam, estimulando neles a motivação, a atualização dos
conhecimentos a capacidade crítica e reflexiva, enfim, aprimorando suas ações
para garantir a aprendizagem e a participação de todos, em busca de atender às
necessidades de qualquer aprendiz, sem discriminações (p. 68).

Outro importante ponto que é preciso ressaltar, trata sobre a necessidade de garantir um espaço
adequado para atender este público, a partir do novo paradigma da inclusão escolar, a política de educação
especial no Brasil, adotou a Sala de Recursos Multifuncionais (SRM), para o Atendimento Educacional
Especializado (AEE). A seguir apresento informações mais especificas sobre o assunto dentro da escola
pesquisada.

3. O Núcleo de Atendimento Educacional Especializado como ponto de apoio e ligação da


Secretaria Municipal de Educação/Belém e escola.
Para assegurar o direito a educação dos estudantes com deficiência em escolas regulares,
melhorando também o aprendizado dos mesmos, o funcionamento do Núcleo de Atendimento Educacional
Especializado (AEE) foi estipulado por lei em 17 de novembro de 2011 pelo decreto nº 7.611, que determina:

Art. 2 A educação especial deve garantir os serviços de apoio especializado voltado


a eliminar as barreiras que possam obstruir o processo de escolarização de

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estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas


habilidades ou superdotação.
§ 1º Para fins deste Decreto, os serviços de que trata o caput serão denominados
atendimento educacional especializado, compreendido como o conjunto de
atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucional e
continuamente, prestado das seguintes formas:
I - complementar à formação dos estudantes com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento, como apoio permanente e limitado no tempo e na frequência
dos estudantes às salas de recursos multifuncionais; ou
II - suplementar à formação de estudantes com altas habilidades ou superdotação.
(BRASIL, 2011).

Fez-se necessário coletar dados em entrevista com um profissional do AEE (Atendimento Educacional
Especializado), pois eles influenciam no desenvolvimento do aprendizado do aluno, trabalhando também em
parceria com os professores. Ele auxilia o estudante em todo o seu processo dentro da escola regular, com
atendimentos individuais na sala de recurso, acompanhamento em sala de aula, dando continuidade ao
ensino do professor de sala e com isso promovendo uma melhora no processo de ensino e aprendizagem do
estudante com deficiência.
De acordo com a professora do AEE as deficiências encontradas no turno da tarde na escola, são:
Deficiência Intelectual (DI), surdez e Deficiências Múltiplas (DMU). Na escola, estes alunos estão distribuídos
da seguinte maneira: Uma menina do terceiro ano possui DI, um menino que têm DMU e DI, uma menina
que tem Síndrome de Turner e DI, ambos do quinto ano, um menino no oitavo ano têm surdez e uma menina
do nono possui DMU e DI.
Os profissionais que atuam na sala multifuncional, trabalham com estratégias diferenciadas para
cada pessoa atendida, utilizando-se de diversas formas para facilitar o aprendizado, proporcionando uma
progressão do estudante com deficiência. A professora afirma:

[...] Tem que se pensar de forma diferenciada e depende também do interesse, as


vezes eles não gostam de determinadas coisas, então eu tenho que pensar focado
no interesse dele pra chamar a atenção pra que ele goste de fazer a tarefa, pra que
ele consiga desenvolver melhor porque se ele vem pra cá e faz uma atividade que
geralmente ele não tem muita afinidade ele acaba não rendendo tanto, mas se for
algo que está envolvendo algo que ele gosta, aí ele vai desenvolver muito mais, ele
vai fazer com mais prazer, ele vai ter melhor aproveitamento dentro da sala de
recurso (Prof AEE, 2015).

Além desse atendimento dentro da sala de recurso, é disponibilizado também um estagiário, de


qualquer área dentro da educação, para acompanhar os estudantes na sala de aula regular, colaborando
também em todo o processo da pessoa com deficiência dentro da escola. Esses estagiários precisam estar
cursando qualquer licenciatura, não podem ser formados e devem ter o interesse de seguir carreira na

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inclusão de pessoas com deficiência. E como a professora disse: “a pessoa precisa ter, algo fundamental na
sala de recurso, que também é considerado essencial para se trabalhar com estudantes com deficiência: a
afinidade”, que foi considerado por ela um dos itens essenciais para o trabalho com estudantes com
deficiência.
Tudo o que eles produzem na sala de recurso, tudo o que há de disponível para o estudante, também
pode ser utilizado pelo professor das salas regulares. A profissional do AEE (Atendimento Educacional
Especializado), trabalha em parceria com os professores regulares, proporcionando materiais adaptáveis a
cada deficiência, mas essa parceria depende da necessidade do professor. Como informa a professora:

A sala de recurso ela tem essa função não só de atender o estudante, mas a gente
tenta buscar essas parcerias com os professores, procurar saber a necessidade,
tentar ajudar nesse processo de construção de material ou de aulas que eles
gostariam de ter ou fazer, juntar as ideias, na verdade a palavra é parceria mesmo.
Aí depende de cada professor, varia de cada professor, tem professor que procura
mais, tem professor que procura menos, às vezes a gente vai mais lá pra falar,
quando a gente vê que há necessidade maior e vai atrás do professor, aí varia
muito, tem professores que a gente costuma ter uma parceria bem mais
frequentes, outros nem tanto, aí vai da necessidade que o professor tem, se ele
consegue ter essa dinâmica melhor em sala e trabalhar sem tanta interferência ou
pedir tanta ajuda pra sala de recurso bem, se ele precisa dessa ajuda com mais
frequência [...] (Prof AEE, 2015).

A sala de recurso disponibiliza o material necessário para ajudar o professor de turma, e se não
houver, constroem-se junto com os demais professores. Esse Atendimento Educacional Especializado, que
está sendo descrito neste capítulo, possui um centro que é o chamado Centro de Referência e Inclusão
Educacional (CRIE), onde dispõem de psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeuta ocupacional,
contratados pela SEMEC, mas não há convênios com clínicas ou hospitais. Dependendo da necessidade, os
estudantes são encaminhados para receberem atendimento semanal, mas a demanda do município é muito
grande, então para colaborar com os mesmos, os profissionais desse atendimento buscam as parcerias mais
próximas, enviando ofícios para algumas instituições, como por exemplo a UEPA. Geralmente os estudantes
primeiramente são encaminhados para o CRIE, e de lá eles são encaminhados para outros locais.
De acordo com a entrevista feita com a professora, os resultados encontrados nos estudantes com
deficiência, dependem de aluno para aluno, pois eles desenvolvem um trabalho a longo prazo, ou seja, os
resultados podem demorar um pouco. Eles abrangem melhoras no comportamento até o aprendizado de
determinado conteúdo proposto.
Ela considera que as aulas de música incluem as pessoas com deficiências, pois é isso que o AEE
(Atendimento Educacional Especializado), busca na escola: incluir esses estudantes e estimular os
professores a utilizarem estratégias para alcançá-los, mostrando que isso é possível, como a professora de

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música consegue fazer em suas aulas. Como ela descreve em um momento que esteve presente na realização
de uma apresentação dos estudantes de música:

Olha, eu já participei em um momento assim mais diretamente de um projeto que


a professora fez lá na quadra, que foi: produziu vários instrumentos e depois ela foi
lá na quadra e apresentou com todos assim. O que eu achei fascinante nessa
situação, em particular que eu vi, é que não havia diferença, ninguém se percebia
diferente, o que eu achei muito bom, porque para nós o quê que nós queremos
aqui na sala de recurso? É que eu não pense no aluno com deficiência, eu quero
que ele já seja parte do processo, ele já esteja lá e foi o que aconteceu naquele dia,
quando eu estive na quadra para ver a apresentação estavam os estudantes com
deficiência com todos eles e ninguém ficou pensando: olha alí é o “fulano”, ele vai
ser diferente, vou colocar ele aqui em destaque’, não! Ele estava lá no lugar dele,
na sala dele tocando o instrumento dele, a mesma coisa as meninas também. Então
o que eu achei? Achei legal porque ali havia inclusão, não tinha diferença, eles
faziam a mesma coisa junto com todo mundo no seu momento, no momento que
ela dizia pra um tocar, ele tocava e eles faziam de forma bem sincronizada (Prof
AEE, 2015).

Com isso ela associa que as aulas de música contribuíram de maneira significativa para uma maior
inclusão dos estudantes com deficiência no ambiente escolar. Pois através do trabalho desenvolvido pela
professora de música eles ficam totalmente integrados, sem “destacar” quem possui ou não alguma
deficiência, são tratados como os demais, sem privilégios ou tratamentos diferenciados em suas aulas,
mostrando que todos são capazes.
O AEE (Atendimento Educacional Especializado), mostra-se como um ponto de apoio aos professores
de sala de aula em relação ao estudante com deficiência. Acredita-se que ainda há muito a ser melhorado
tanto no que tange a materiais pedagógicos desse espaço físico, quanto na comunicação e disponibilidade
dos pares.

4. Estratégias de uma professora de música em sala de aula


A professora pesquisada já havia passado por experiências no ensino para pessoas com deficiência,
entretanto, foi a sala de aula da escola municipal de educação básica que a fez viver novas experiências
deparando-se também com novos obstáculos.
E foi não somente pesquisando, mas na prática, que a professora percebeu a importância de utilizar
estratégias para tornar o aprendizado de todos os estudantes, incluindo os com deficiência, sempre em
progresso. Algumas destas estratégias estão descritas a seguir.
As aulas de música desta professora aconteceram no turno da tarde das 14:00 as 18:00, totalizando
5 horas de aula diárias, cada uma com 45 minutos. São nove turmas, do primeiro ao nono ano ao todo nessa
escola, são cinco estudantes com deficiência distribuídos nas turmas: uma no terceiro ano, dois no quinto,

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um no oitavo e uma no nono ano. É importante dizer que nem todas as deficiências existentes nas turmas
são evidentes.
As metodologias mais utilizadas para trabalhar com educação para pessoas com deficiência, vem da
musicoterapia, entretanto as adaptações das atividades são feitas de acordo com cada deficiência. De acordo
com Louro (2012): “É de fundamental importância que os professores se apropriem de conhecimentos a
respeito das deficiências dos seus alunos” (p. 50), e é isso que descreverei a seguir como são desenvolvidas
as estratégias para cada deficiência por esta professora.
Os dois estudantes com deficiência do quinto ano são um menino e uma menina, a menina tem uma
síndrome que está associada a DI (Deficiência Intelectual) e o menino tem DMU (Deficiências Múltiplas),
nesse caso ele possui a deficiência física resultado de uma paralisia cerebral mais a deficiência intelectual.
Com o estudante do quinto ano, que possui DMU, a professora desenvolveu atividades rítmicas para
estimular a motricidade contribuindo para o desenvolvimento motor do menino e quando a professora
ensina letra de canções, reforça a pronúncia correta das palavras repetindo sempre trechos das músicas, que
induz o menino a melhorar sua dicção, pois ele tem dificuldade na fala. Em todas as estratégias a professora
procura incluir todos os estudantes, ou seja, não apenas os que têm deficiência são trabalhados
separadamente, todos acabam por realizar a tarefa. Outro exemplo de adaptação com este mesmo aluno do
quinto ano que apresenta dificuldade na fala, acontece na atividade de canto, quando a professora pede para
todos os estudantes abrirem mais a boca para cantar, não é porque todos estão errando, é justamente
porque o menino com deficiência está apresentando dificuldade, mas ela inclui para todos fazerem, como
exemplifica a professora:

Então ele (o menino do 5º ano) começou a entender que quando ele abre a boca
sai o que ele quer, então até o ‘aleluia’ ele conseguiu falar, e aí tanto que disseram
‘amanhã não vai ter aula’ e ele falou: aleluia! E todo mundo ‘o quê?’, entendeu?
Então algumas coisas que a gente pede pra todo mundo fazer, é porque eles têm
dificuldade também, às vezes eu nem aponto mais, às vezes eu digo ‘vamos lá,
repete’ (Prof Música, 2015).

A professora considera que foi através de suas aulas que este estudante conseguiu melhorar a sua
fala, pois até o “aleluia”, dito por ele de maneira espontânea no meio de uma aula, foi entendido por todos.
Já a menina com DI do quinto ano: “Consegue acompanhar a turma, ela entende o que está
acontecendo, ela participa e além de tudo ela é feliz, ela gosta, então quando ela começa a gostar quer dizer
que ela está entendendo” (Prof Música, 2015).
No oitavo ano, o menino com surdez, a professora considera que foi seu maior desafio, por não saber
a Linguagem Brasileira de Sinais (LIBRAS), a professora relata que o próprio aluno estava aprendendo a
LIBRAS. No início a comunicação entre eles foi razoavelmente difícil, pois este estudante não olhava para a

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professora, detectaram então que ele apresentava sérios problemas de comunicação e interpretação,
quando escrevia informações do quadro, apenas copiava, mas não interpretava.
Entretanto a professora, na entrevista, descreveu o que ocorreu na última atividade feita em turma:

A última atividade que a gente fez com ele, que eu entrei em acordo com a turma
e disse o seguinte: olha música de vocês é essa, vocês escreveram a letra, ele fez
parte também da letra, vocês precisam cantar, como o Vinícius não pode cantar,
mas ele pode fazer os gestos, ele faz em libras. Eu entrei com a sala de recursos e
eles traduziram pra mim, fizeram uma filmagem e aí eu trouxe pra sala de aula. O
Vinícius olha o vídeo, faz pra gente os gestos e a gente faz em sala de aula. Então
todos estão cantando em libras na sala de aula, só a turma deles a música em libras,
por causa do Vinícius. Então essa foi a forma como a gente conseguiu alcançar o
Vinícius, um estudante surdo (Prof Música, 2015).

Por fim, este menino com surdez, que antes faltava as aulas ou quando ia ficava nos corredores sem
fazer nada e sentia-se totalmente excluído começou a participar das aulas, chegava antes do horário e
quando a aula estava prestes a começar ia atrás dos professores; também começou a prestar mais atenção,
passou a trazer os trabalhos todos prontos, pois o processo de comunicação com os demais estudantes e
com a professora havia melhorado.
A estratégia de trabalhar usando imagens, fazendo-o sentir a vibração das músicas com a caixa de
som posicionada próxima dele e a estratégia de trabalhar em conjunto com a sala multifuncional atuante na
escola, foi fundamental para o progresso deste estudante.
Tornar o conteúdo acessível para o aluno com deficiência, significa incluí-lo no processo de ensino e
aprendizado junto com os demais da turma, sem precisar diferenciar as abordagens: “Eu não faço nenhuma
metodologia diferente para eles, não diferencio nada, ainda não precisei diferenciar, até agora eles
conseguem fazer da mesma forma” (Prof Música, 2015).
A metodologia desta professora é trabalhar mais na prática. Ela não cria nenhuma: “Eu faço mais
adaptações das aulas, porque o objetivo é o mesmo pra turma toda” (Prof Música, 2015) e é a partir dos
objetivos que ela cria as estratégias. Adaptar metodologia é uma estratégia utilizada pela professora, ela
segue descrevendo em sua entrevista:

O menino surdo, a gente está fazendo em libras então ele tem que prestar atenção.
Chamo ele, as vezes ele vem pro meu lado, as vezes ele faz com a turma, ele mesmo
corrige a turma. Então não são metodologias criadas, é mais uma questão de
adaptação a conteúdo pra que ele possa alcançar, é eliminar essa barreira que
existe entre ele e o conhecimento (Prof Música, 2015).

Nesta fala ela explica sobre o processo de composição, já citado, que a turma estava desenvolvendo.
Depois que a música ficou pronta, com letra e melodia, os estudantes precisaram aprender para cantá-la,

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mas como o menino com surdez não poderia cantar como os demais a turma teve que acompanha-lo
também cantando em LIBRAS. E foi assim que a professora adaptou o aprendizado da música para o
estudante com deficiência, incluindo todos os demais.
O que chama atenção é que a professora poderia ter destacado o menino para que somente ele
fizesse os sinais enquanto os outros cantavam, mas ela desenvolveu juntamente a inclusão, fez todos
participarem do processo, aumentando os conhecimentos dos estudantes com e sem deficiência. Assim
como um exemplo citado pela mesma:

Então a sala de recursos foi e entrou, e disse ‘olha dá a aula e só coloca mais
imagens, pensa no que um menino com muita dificuldade de aprendizagem pode
aprender’, assim vai melhorar o conhecimento pra todos os outros, vai ser mais
acessível o conhecimento. Então a gente sempre pensa em imagens, colocar
imagem porque a criança aprende por imagens, repetição, imitação, faz ele e o
outro imita, reforça e fala (Prof Música, 2015).

Sobre o menino surdo, com quem ela teve maior dificuldade para trabalhar por não conseguir, a
priori, comunicar-se com ele. De acordo com o relato dela:

A gente fez uma atividade de leitura de partitura que era num tablet que eles
tinham que apertar a nota que estava pedindo lá, e aí o pessoal fazia, estava escrito
o nome da nota lá e era só nota na partitura que ficava passando e ele tinha que
apertar, ele participou das aulas e tudo, ele escrevia, só que eu não sabia até que
ponto ele sabia porque ele não ouvia. Então quando chegou a vez dele ele pediu
pra ir, aí eu fiquei ‘nossa e agora?’, aí ta vamos sentar faz e tudo, quando foi, ele
olhou lá passou a nota dó, clicou em cima da nota do e assim das demais notas e
não errou nada, e quando terminou eu olhei aí tirou 100%, então ele entendeu.
Acaba que foi uma forma de avaliar que ele entendeu, então foi muito produtivo,
acaba que ele participou das aulas, a gente percebe que ele aprendeu (Prof Música,
2015).

Nessa atividade de leitura de partitura, cada estudante fez individualmente, onde através do tablet
os estudantes tinham que clicar em cima do nome da nota que pedia, mas também este jogo emitia som. E
segundo o relato da professora o menino com deficiência auditiva, desta turma, tirou nota máxima neste
jogo, tornando evidente que conseguiu aprender o conteúdo proposto assim como os demais.
No nono ano a estudante com deficiência é cadeirante e possui DI, ela tem o que chamamos de DMU
(Deficiências Múltiplas), mas a professora relata que o problema principal que dificulta o aprendizado dela é
o complexo de inferioridade que ela tem de si, como a professora cita: “Eu acho que ela passa por uma fase
na vida dela um pouco complicada de aceitação mesmo. Ela sempre acha que ela não é capaz, que não pode
fazer as coisas, ela é muito nervosa, ela tem medo de fazer” (Prof Música, 2015). Então, se fez necessário

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trabalhar com toda a turma o respeito com as necessidades e diferenças de cada um, mas com ela trabalhou-
se a atitude.
A professora procurava encorajá-la para participar das atividades em classe. Umas últimas aulas os
estudantes estavam compondo uma música alusivo ao aniversário de Belém, que a entrevistada descreve:

[...] durante esse processo de composição eles tinham que também falar algumas
frases que rimam no ritmo, então em algumas atividades ela teve dificuldade por
causa do nervosismo, ela que teve que se adaptar, ela que teve que respirar fundo
e aprender a fazer tudo, chegou no final e ela está fazendo. Hoje ela vai pra frente
e fala, vai cantar junto com eles, ela quis fazer isso, ela pediu pra ir, da última vez a
gente fez uma atividade e aí ela disse: professora desculpa, eu vou me esforçar pra
fazer melhor (Prof. Música, 2015).

A estratégia de fazer a menina aceitar a sua realidade e também de ter o respeito dos colegas da
turma contribuiu significativamente para a inclusão e melhora no aprendizado.
Deixo para citar por último a estratégia utilizada no terceiro ano com a menina com DI, pois a
professora de música relata que no início do processo não sabia que tinha uma pessoa com deficiência nesta
turma. Como afirma a professora: “A pessoa não aparenta nada, ela tem toda uma interação social, mesmo
que a gente tenha pesquisas eu não posso dizer que ela tem alguma deficiência ou não. Eu imaginava que
ela tinha uma dificuldade de atenção, só isso” (Prof Música, 2015).
Ela apenas havia observado que esta menina tinha um déficit de atenção, mas relata que ficou
sabendo recentemente sobre sua deficiência, pois neste ano não houve reunião para falar das deficiências
existentes nesta instituição, como houve no ano anterior, ela diz: “Eu nem sabia que a menina tinha
deficiência intelectual, vim descobrir há pouco tempo, e depois que eu descobri, eu fui na sala de recursos e
ela estava lá, mas ninguém avisou a gente” (Prof. Música, 2015).
Entretanto a partir do momento que ela soube da estudante com DI, desta turma, passou a incluí-la
mais no processo de ensino e aprendizado nas aulas, começou a pedir para a estudante ficar próxima dela,
para concentrar-se mais.
Esta professora afirma que não existe uma metodologia própria para trabalhar música com esse
público, o que ela diz é se apropriar de adaptações de algumas atividades. Como diz Louro: “Não existe, no
campo da realidade, um guia de procedimentos padronizados para se lidar com desafios pedagógicos”
(LOURO, 2012, p. 43). Ela não faz diferentes atividades dentro de uma turma por haver mais de uma
deficiência, ela utiliza adaptações para que alcance a todos. E as abordagens são diferentes por turmas
quando necessário.

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Além das adaptações feitas por causa das pessoas com deficiência, que nós já vimos que beneficia
todos que compõem a turma, há também as adaptações para as faixas etárias que acarretam por modificar
a abordagem.
Foi citado por ela quando trabalhou ritmo em um projeto com os estudantes de primeiro ao quinto
ano, ela trabalhava apenas falando como deveriam executar o ritmo proposto, mas percebeu que as pessoas
com deficiência não acompanhavam como as demais, então resolveu fazer uma adaptação de dois materiais,
um de Cecília Cavalieri e outro de Kodály transformando-os em uma partitura alternativa para que todos
acompanhassem como ela explana:

[...] As imagens que eu faço em ritmo, coloco a imagem no quadro porque eles
precisavam acompanhar, então não foi por causa da turma, foi por causa deles, eles
não estavam conseguindo me acompanhar, só me olhando, mas todos participaram
e aí acaba que todo mundo aproveitou (Prof. Música, 2015).

Ela traça um plano de ensino para as turmas, alguns conteúdos e objetivos são os mesmos, a prática
dentro da sala de aula que são diferentes, de acordo com tudo o que já explanamos.
A avaliação feita pela professora é de observação durante todo o processo de ensino e aprendizagem
nas aulas: “Eu não faço prova escrita, é muito raro eu fazer uma prova escrita, uma prova mesmo. Então é
durante os exercícios, o processo, o quê que a gente vai fazendo, o quê que eles conseguiram construir até
lá” (Prof. Música, 2015).
Pela disciplina artes-música não ter um currículo determinado, esta professora considera como
conteúdos básicos: pulso, parâmetros do som, ritmo, de onde partirão para conteúdos mais complexos, à
medida que assimilarem esses. Ela especificou como ocorre o processo de observação:

Então, às vezes eu anoto assim: não conseguiram fazer tal atividade, como que eu
posso fazer pra que ele consiga assim como os outros que não conseguiram? Então
eu penso: eu vou colocar no quadro - é o visual. [...] Então a gente começou a ver
como é que aprendia, e acaba que quando a gente adapta para eles, quando a
gente percebe ‘ah não conseguiu dessa forma, preciso ir para o visual’ acaba
ajudando os outros e acaba melhorando a nossa metodologia. Então a avaliação é
feita da mesma forma que eu faço para os outros, eu faço avaliação de observação,
apenas observação, vejo como é que eles estão no início, meio e fim, as vezes eu
anoto, as vezes eu não anoto, as vezes eu só comento (Prof. Música, 2015).

A avaliação é semelhante para todos, assim como os objetivos das avaliações são os mesmos para
cada conteúdo. Os estudantes são observados pela professora, e de acordo com os resultados ela muda sua
abordagem, apropria-se também de adaptações que ajudam os estudantes em geral em cada turma
trabalhada. Ela analisa todo o processo de início, meio e fim, que pode ser escrito ou não.

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5. Conclusão:
A música engloba um vasto campo de conhecimento, atuações e possibilidades. E a realização deste
trabalho, nos mostra que é possível ensinar música para pessoas com deficiência na escola de ensino básico
e que por meio das aulas de música, notórios benefícios foram revelados na formação desses indivíduos
atingidos por esta arte.
Com as estratégias diferenciadas, a inclusão pode acontecer e envolver os estudantes com e sem
deficiência, beneficiando a todos.
É importante enfatizar a importância que a formação dos professores de ensino, de maneira geral,
não se esgote na fase inicial, por melhor que essa tenha se processado. Para aprimorar a qualidade do ensino
ministrado em geral, nas escolas regulares, atenção especial deve ser atribuída também à sua formação
continuada, podemos perceber que a professora investigada, demonstrou flexibilidade e interesse de buscar
estratégias e parcerias que pudessem aprimorar sua prática pedagógica.
O tema desta pesquisa é crescente e ainda faz-se necessário aprofundamentos maiores sobre o
assunto, espero que este recorte da pesquisa contribua para a formação de outros colegas professores de
música, que vivem ou viverão os desafios da docência nas escolas públicas, na tentava de incluir efetivamente
os alunos com deficiência.
Segundo Freire (1996) “[...] nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se
transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador,
igualmente sujeito do processo” (p.13), portanto, educador e educando estão juntos e igualmente
aprendendo nesse processo de ensino e aprendizado, e dar condições para o aluno construir e reconstruir o
saber, é de uma riqueza imensurável.

6. Referências bibliográficas:

BRASIL, Decreto Legislativo nº186, de 9 de Julho de 2008. Encontrado em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/congresso/DLG/DLG-186-2008.htm. Acessado em: 23
set.2016.

BRASIL, Decreto n. 7.611, de 17 de novembro de 2011. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7611.htm. Acessado em: 23 set.2016.

CARVALHO, Rosita Edler. Educação inclusiva: com os pingos nos “is” – 9. ed. – Porto Alegre: Mediação, 2013.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: paz e terra, 1996.

LOURO, Viviane. Fundamentos da aprendizagem musical da pessoa com deficiência. – 1 ed. – São Paulo:
Editora Som, 2012.

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Caminhos alternativos do PIBID/UEPA para o ensino de música na educação básica

Társilla Castro Rodrigues


tarsillarodrigues@uol.com.br
Universidade do Estado do Pará

Cláudia Maria Souza Mesquita


cmsmesquita@yahoo.com.br
Secretaria de Estado de Educação do Pará

Jessika Castro Rodrigues


jessikarodrigues@uol.com.br
Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Belém

Ewando Müller Barbosa da Silva


ewando22@gmail.com
Universidade do Estado do Pará

Hezrom Glauber Mendes Amorim


glauberuepa@gmail.com
Universidade do Estado do Pará

Josineia de Souza Araújo


josi_neia67music@hotmail.com
Universidade do Estado do Pará

Kalindi Carvalho Castelo Branco Ferry


kalindiferry@hotmail.com
Universidade do Estado do Pará

Paula Thaís Lima Cardoso


cardosopaula103@gmail.com
Universidade do Estado do Pará

Rosenildo Santos Junior


rosenildojunior@gmail.com
Universidade do Estado do Pará

Resumo: O presente artigo é o resultado de experiências pedagógicas vivenciadas


no âmbito do PIBID em uma Escola Estadual, localizada em um bairro periférico na
cidade de Belém do Pará. Tem como objetivo apresentar caminhos alternativos de
musicalização no contexto escolar com atividades utilizando sons do cotidiano. No
planejamento de ensino como fundamentação teórica de método de ensino
musical foi adotado SCHAFER (1991). Como técnica de coleta de dados foi aplicado
um questionário individual com seis perguntas fechadas. Os dados teóricos e
empíricos mostraram que houve estímulo à interação, interpretação e execução
musical dos estudantes, bem como a demonstração da necessidade de haver
adaptações do planejamento às realidades encontradas traçando caminhos para
aulas significativas.
Palavras-chave: Educação Musical 1. PIBID/Música 2. Música no Ensino Básico 3.

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Abstract: This article is the result of experienced teaching experience within the
PIBID in a State School, located in a suburb in the city of Belém of Pará. It aims to
present alternative ways of musicalization in the school context with activities using
everyday sounds. In educational planning as theoretical foundation of musical
teaching method was adopted SCHAFER (1991). Data collection technique was
applied to an individual questionnaire with six closed questions. The theoretical and
empirical data showed that there was stimulus to the interaction, interpretation
and musical performance of students as well as the demonstration of the need for
planning adaptation to the realities found by drawing paths for significant classes.
Keywords: Music Education 1. PIBID/Music 2. Music in Basic Education 3.

1. O PIBID integrado ao Contexto Escolar


O PIBID - Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência / UEPA - Universidade do Estado
do Pará tem por finalidade promover a iniciação à docência e ao aperfeiçoamento da formação em nível
superior contribuindo para a melhoria da formação do professor para a educação básica. Libâneo (1998)
afirma que:

Desde o ingresso dos estudantes no curso, é preciso integrar os conteúdos das


disciplinas em situações da prática que coloque problemas aos futuros professores
e lhes possibilite experimentar soluções, com a ajuda da teoria. Isso significa ter a
prática ao longo do curso, como referente direto para contrastar seus estudos e
formar seus próprios conhecimentos e convicções. Isso quer dizer que os
estudantes precisam conhecer o mais cedo possível os sujeitos e as situações com
que irão trabalhar. Significa tomar a prática profissional como instância
permanente e sistemática na aprendizagem do futuro professor e como referência
para a organização curricular. (LIBÂNEO, 1998, p.95).

O presente artigo é o resultado de experiências pedagógicas vivenciadas no âmbito do PIBID na E. E.


E. F. M. Temístocles Araújo localizada no bairro da Marambaia na cidade de Belém do Pará.
A problemática de pesquisa surgiu quando os bolsistas iniciaram as atividades nesta escola. A escola
funciona nos três turnos (manhã, tarde, noite) e recebe estudantes do ensino fundamental séries finais e
estudantes do ensino médio EJA. Porém o público alvo para as aulas de Arte-música são seis (n=6) turmas do
turno da tarde, sendo uma (n=1) do 6º ano, uma (n=1) do 7º ano, uma (n=1) do 8º ano, uma (n=1) do 9º ano
e duas (n=2) turmas do EJA/médio, totalizando uma média de cem (n=100) estudantes atendidos, na faixa
etária entre 12 e 30 anos.
Possui um prédio espaçoso, está construída em ampla área arborizada, com salas de aula, sala de
artes, sala da cultura, biblioteca, sala de informática, quadra de esportes, ambiente para apresentações
públicas, entre outros, entretanto, apesar do potencial que o espaço possui para um trabalho com qualidade,
o prédio está deteriorado, sem manutenção e com recursos pedagógicos (datashow, caixa de som,

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computadores) insuficientes para a demanda de procura pelos professores, como também, estão obsoletos
ou com alguma avaria.
As atividades do PIBID nesta escola iniciaram em março de 2015, porém paralisações dos professores
se tornaram frequentes neste período, o que acarretou no final de março numa greve estadual da categoria.
Após setenta e três (n=73) dias de paralisação, a categoria decidiu suspender a greve no dia 05 de junho de
2015 e no dia 08 de junho de 2015 as aulas retornaram.
Com o retorno, os bolsistas se depararam com desafios a serem superados frente a falta de recursos
instrumentais, didáticos e de infraestrutura. E em virtude de uma reforma iniciada em agosto de 2015 os
problemas se agravaram. Por consequência, frequentemente as aulas de artes foram ministradas em espaços
improvisados, como área do refeitório, biblioteca, sala de informática e em alguns momentos não havia
nenhum espaço para as aulas de Artes.
Grande parte das salas existentes na escola foram interditadas, e as que restaram apresentam uma
precariedade muito grande como: quadros brancos inadequados ou muito gastos e manchados, o que torna
a escrita em certas salas impossível; salas sem luz adequada; ventiladores quebrados ocasionando a falta de
ventilação, o que torna as aulas no turno da tarde insuportável em virtude do calor. Outro fator importante
a ser ressaltado foi o barulho constante na escola fruto da reforma, esta é uma das principais dificuldades
encontradas para que os conteúdos sejam assimilados pelos estudantes.
A evasão dos estudantes se tornou mais um problema enfrentado na escola, fato observado pelos
números inscritos de estudantes, e poucos estudantes frequentes por turma. A hipótese para esta evasão é
que também seja decorrente da greve e reforma.
Diante deste cenário surgiram vários questionamentos: qual o ideário de qualidade para educação
musical na educação básica diante dessas condições? O que fazer? Como fazer?
Nos meses março e abril foram realizadas reuniões regulares com o grupo de estudo formado por
bolsistas, supervisor (professora das turmas) e Coordenadora de área (professora da Universidade) para a
elaboração de estratégias didático-pedagógicas para o desenvolvimento de atividades com base em teorias
eficazes ao ensino de música na educação básica. Nestas reuniões foram elaborados em conjunto o
planejamento de ensino, das aulas e dos recursos didáticos na intenção de buscar alternativas metodológicas
para o ensino de arte-música neste contexto. A escolha da abordagem nesta pesquisa surgiu do interesse de
encontrar caminhos metodológicos para o ensino da música diante de obstáculos que muitas vezes tentam
paralisar o processo de ensino aprendizagem. Por esse motivo buscamos desenvolver atividades diversas
para criar condições de aprendizagem musical favorável que permita ao educando re/construir
conhecimentos essenciais de estímulos para tornarem-se agentes de transformação social. Como objetivo
buscou-se apresentar caminhos alternativos de musicalização no contexto escolar por meio de atividades
que utilizem sons do cotidiano.

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2. Caminhos Alternativos de Musicalização


2.1 Pressupostos Teóricos e Metodológicos
Em virtude de toda a problemática no cenário escolar foi pensado para a disciplina Arte, uma
proposta de ensino que contemplasse os estudantes de forma a motivá-los a participar das aulas de
arte/música. Para isso, os conteúdos ministrados em sala foram adaptados a partir de atividades práticas que
incluíssem o som e foram aplicadas de maneira que todos os estudantes fossem envolvidos e até mesmo os
mais tímidos aos poucos iam se integrando. O importante a ser lembrado é que durante as aulas nenhuma
atividade teve caráter obrigatório. Os estudantes deveriam sentir-se confortáveis para participar e assim
desenvolver sua capacidade de aprender a aprender.
Kebach, Duarte e Leonini (2010, p. 66) afirmam que

É através de atividades prazerosas e significativas que um sujeito descobrirá, de


forma intuitiva num primeiro momento, as características da linguagem musical.
Por exemplo, as diferenças entre os parâmetros do som (timbre, altura, intensidade
e duração), para chegar, mais tarde a um possível aprendizado da terminologia
musical convencional. Dessa forma, destacamos a importância de
compreendermos a música como relações do ser humano com os mais variados
tipos de sons, sendo que a musicalização poderá ser experimentada inclusive
através do contato com elementos sonoros por meio do cotidiano, e isso, muitas
vezes, acontecerá de forma inconsciente.

No planejamento de ensino como fundamentação teórica de método de ensino musical foi adotado
Schafer (1991) a partir do princípio deste autor de que “[...] Música é algo que soa. Se não há som, não é
música” (idem, 1991, p. 307). Foram propostas atividades de criação em grupo a partir dos sons disponíveis
no meio ambiente onde o educando pudesse vivenciar no processo de ensino aprendizagem musical ao ouvir,
analisar e fazer, por meio do som para posteriormente ser trabalhada a notação musical. PENNA (1990, p.70),
classifica esta maneira de atuação em sala de aula como “laboratório de som” e destaca que

é uma proposta baseada na ação direta do Estudante – exploratória e criativa –


sobre o material sonoro, compreendido de uma forma bastante ampla. Antes de
música, trata-se de som, matéria-bruta que inclui o ruído. Resulta, sem dúvida, da
procura de uma pedagogia compatível com a estética da música contemporânea,
diretamente oposta aos padrões tonais, que servem correntemente de referencial
para a formação musical.

Como técnica de coleta de dados, ao final do período de atividades, foi aplicado nas turmas
trabalhadas um questionário individual (ANEXO I) com seis perguntas fechadas com a finalidade de investigar
esse processo de prática das atividades desenvolvidas em sala para a assimilação do conhecimento musical

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integrado. Foi aplicado especificamente para os estudantes das aulas de Arte/Música nas turmas do 6°, 8º e
9° ano do ensino fundamental nos seus respectivos horários de aulas.
A escolha deste instrumento de coleta se deu pela necessidade de se obter respostas mais precisas
e por ter perguntas fechadas, padronizadas, de fácil aplicação, simples de codificar e analisar. As perguntas
buscavam conhecer opiniões dos estudantes sobre as aulas de música ministradas naquele período. Para
análise levamos em consideração o uso da abordagem qualitativa.

2.2 Descrição das atividades


Nas aulas iniciais, os bolsistas PIBID observaram o desenvolvimento das atividades para
conhecimento do campo, reflexão diagnóstica e organização metodológica de acordo com a realidade na
qual estavam inseridos. As atividades observadas foram:
RÍTMICA - COORDENAÇÃO MOTORA: Todos de pé e em círculo marchando, marcando um pulso;
ainda marchando, foi pedido que batessem a mão esquerda na perna quando estivesse no tempo fraco; e
com a mão direita fizesse um círculo no espaço; cumprimentaram o colega com a mão esquerda, ainda
fazendo o círculo com a mão direita, e marchando (A dinâmica segue-se primeiro em sentido anti-horário e
depois volta em sentido horário, ou vice-versa).
MEMORIZAÇÃO: Em círculo, um estudante dizia seu nome e um gesto, o próximo dizia o nome e o
gesto do(s) colega(s) anterior(es), assim sucessivamente, até que todos tivessem participado.
ORQUESTRA DE PAPEL: Foi pedido que cada estudante pegasse uma folha de papel qualquer e
extraísse qualquer som do papel; a professora organizou os sons escolhidos pelos estudantes em grupos. Ela
utilizou-se da regência para organizar os sons dos grupos, formando assim uma orquestra de papel (FIGURA
1).

Figura 1: aula inicial sobre timbre (orquestra de papel) no mês de junho/2015.

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A partir das observações os bolsistas deram continuidade na ministração das aulas com o conteúdo
Parâmetros do som, trabalhando o fazer musical, técnica, coordenação e memorização. As atividades
realizadas foram:
RÍTMO BAIÃO COM PERCUSSÃO CORPORAL: Foi falado sobre a propriedade do som timbre, e
demonstrado a utilização do corpo para produzir diversos timbres. Foi feito o ritmo de baião com ostinatos
de percussão corporal (FIGURA 2). Após assimilação dos estudantes quanto a percussão corporal, foi escrito
no quadro a música Eu só quero um xodó de Dominguinhos. Todos cantaram a música, executando a
percussão corporal como acompanhamento rítmico.

m= bater com a mão na mesa;


p= bater palma
Figura 2: célula rítmica do baião com percussão corporal

FORTE E FRACO: Foi explicado sobre o parâmetro Intensidade e em seguida, como na brincadeira
popular “quente e frio”, foi pedido a um estudante que escondesse um objeto na sala, enquanto outro estava
do lado de fora da sala. Enquanto os demais cantavam a música Eu só quero um xodó de Dominguinhos, o
estudante que estava fora caminhava pela sala procurando o objeto escondido e quando ele se aproximava
das imediações tendo a possibilidade de encontrar o objeto, os estudantes cantavam mais forte e quando se
distanciava, os estudantes cantavam fraco.
AGUDO, GRAVE, CURTO E LONGO: Foi explicado e exemplificado através da flauta doce os sons
agudos e graves. Em um exercício de percepção auditiva foram tocadas na flauta doce notas em extensões
diferentes e os estudantes escreviam em seus cadernos a letra “A” para representar quando o som tocado
era agudo e a letra “G” representando quando o som era grave. O exercício começou com um som médio
dando referência aos demais. Ao final desta parte da atividade, os estudantes puderam dialogar sobre suas
concepções do parâmetro Altura na correção conjunta. Após a correção, ainda utilizando a flauta doce foi
tocado sons em diversas durações e em outro exercício de percepção auditiva os estudantes agora escreviam
se os sons eram grave ou agudo (com as letras A e G), longo ou curto (com linha contínua ou pontos).
Após executar atividades abordando os quatro parâmetros do som, os estudantes, juntamente com
a professora construíram e elaboraram os conceitos de altura, duração, intensidade e timbre.
Outro tema abordado foi Elementos musicais, que partindo dos parâmetros do som se relacionava
altura e melodia, intensidade e dinâmica, duração e ritmo, timbre e conjunto harmônico. Através das
seguintes atividades:

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MARCHA SOLDADO: Os estudantes cantavam junto com a flauta doce a música Marcha Soldado
(repertório popular infantil) batendo palmas e juntamente com a professora analisavam a música executada
relacionando a melodia da flauta à altura; dinâmica à intensidade; e o ritmo feito com as palmas à duração.
GRUPO MUSICAL: A turma foi dividida em 3 grupos, um fazia a percussão corporal do ritmo de
baião/zabumba (ver FIGURA 2); outro fazia o checo-checo com folha de papel; e o último cantava a música
Eu só quero um Xodó (Autor: Dominguinhos). Os estudantes participaram da atividade como músicos,
explorando os diversos timbres utilizados na atividade. Foram usados o violão e a flauta doce como
acompanhamento. Ao final da atividade foi feita uma análise da música executada, percebendo os
parâmetros do som e os elementos musicais presentes nas mesmas.
ELEMENTOS FORMADORES DA MÚSICA I: esta atividade buscou aplicar os elementos formadores da
música com notação musical alternativa. Foi utilizado o estilo musical Rock para trabalhar ritmo; Percussão
Corporal (FIGURA 3) e Flauta Doce para tratar sobre timbre e altura; A música de Freddie Mercury foi utilizada
como base melódica, executando-a com mudanças de dinâmica e explicando os símbolos musicais:
semínima, colcheia e sinais de repetição na partitura alternativa.

Figura 3: Partitura de Percussão Corporal

ELEMENTOS FORMADORES DA MÚSICA II: Esta atividade está totalmente vinculada à partitura
alternativa (FIGURA 4). Inicialmente toda a turma executou todas as partes da partitura. Depois, a turma foi
dividida em dois grupos onde um grupo ficava com a parte A e o outro com a Parte B; Os grupos A e B
executaram simultaneamente o ritmo; O acento era marcado com palmas pela professora.

Figura 4: Partitura de atividades com percussão corporal

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A princípio, em todas as atividades houve resistência dos estudantes, mas com o passar das aulas
houve maior aceitação, pois, em alguns casos os bolsistas PIBID executaram as atividades antes
exemplificando e incentivando-os a executá-las (Figura 5).

Figura 5: atividades desenvolvidas em sala no mês de junho/2015

Foi desenvolvido também atividades de apreciação musical. Os estudantes assistiram vídeos de


grupos musicais com instrumentos alternativos, como também, um desenho animado que mostra o papel
do regente diante de um conjunto musical. Deste modo, procuramos diversificar as atividades práticas para
criar condições de aprendizagem que permitam a construção de diferentes níveis de conceitos musicais.
Como exemplo, destacamos a peça de Murray Schafer (FIGURA 6) de escrita não convencional que
foi apresentada aos estudantes. Esta partitura é composta por figuras geométricas e símbolos “aleatórios”
que deverão ser associados a sons.

Figura 6: Peça atribuída a R. M. Schafer. Sem indicação de fonte ou data.

Explicamos para os estudantes como seria possível executá-la sem o uso de instrumentos
reconhecidos como musicais, mas utilizando objetos da sala, seus corpos e suas vozes como fontes sonoras.
Para esclarecer algumas dúvidas e incentivá-los a romper a barreira da timidez e do receio de ser motivo de
gracinhas por parte dos colegas de sala, resolvemos primeiramente executar a peça.

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Os bolsistas formaram um grupo e sob regência apresentaram uma possibilidade de execução da


peça à turma. Dessa forma, os estudantes demonstraram mais interesse para explorar os sons de objetos do
seu material escolar e da sala de aula. De forma imitativa, e em grupo, expressaram sua capacidade de
interpretar e de improvisar, atribuindo, assim, sons às figuras da peça de escrita não convencional.
Nos meses subsequentes ministramos outras atividades práticas para ampliar o conhecimento sobre
os elementos formadores da música e aos poucos introduzíamos uma notação não convencional ou sinais
que propõem diferentes texturas, alturas, durações e etc.
O fio condutor desta proposta foi trabalhar os elementos formais da música com música. No meio
do desenvolvimento deste trabalho foi escrito um resumo expandido com o título “Fontes sonoras do
cotidiano como meio de musicalização” para exposição em forma de Pôster no I Encontro de Iniciação à
Docência – PIBID – UEPA, que teve como o tema: “Desafios e caminhos para a formação de professores no
contexto amazônico” realizado na cidade de Belém Pará (FIGURA 7)

Figura 7: apresentação do banner no Encontro PIBID/UEPA.

2.3. Um olhar sobre a Prática Pedagógica


Como forma de coleta de dados para estudo posterior sobre o olhar dos estudantes da escola em
relação à didática utilizada em sala de aula neste período foi aplicado um questionário (ANEXO 1) com os
estudantes do ensino fundamental do 6º, 8º e 9º ano. Este foi aplicado no período de avaliação. Este
questionário individual buscou identificar opiniões dos estudantes sobre a receptividade das atividades
práticas desenvolvidas em sala de aula, onde continha perguntas sobre a aceitação das aulas de música,
necessidade de aulas práticas, se as aulas com atividades práticas facilitavam a aprendizagem dos conteúdos,
se estavam compreendendo os assuntos abordados e como preferiam as aulas. O questionário apresentava
seis perguntas, com respostas fechadas nas opções “Sim”, “Não sei” e “Não” tendo outras com opções
múltiplas em frases.
Quanto ao perfil dos estudantes pesquisados no 6º ano, havia 60% do gênero feminino e 40%
masculino, entre a faixa etária de 11 a 18 anos.

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Os resultados das repostas foram a) 80% dos estudantes estão gostando das aulas de arte/música, e
20% responderam não sei; b) 60% dos estudantes responderam que o ensino de música na escola precisa de
aulas práticas, e 40% não sabem; c) 100% dos estudantes acham que as aulas práticas de música com
atividades diversas, facilitam a aprendizagem dos conceitos musicais; d) 60% estão conseguindo assimilar o
assunto, 20% não conseguiram, e os outros 20% responderam que não sabem; e) 60% dos estudantes
aprendem mais os assuntos musicais quando o professor trabalha primeiramente atividades práticas
musicais diversas em sala mas, 40% não veem nenhuma das alternativas melhores; e f) 20% dos estudantes
preferem aulas práticas com atividades musicais, 20% aulas com o uso de quadro e 60% aulas práticas
juntamente com o uso do quadro.
Quanto ao perfil dos estudantes pesquisados no 8º ano, havia 60% do gênero feminino e 40%
masculino, entre a faixa etária de 13 a 17 anos.
Os resultados das respostas foram a) 100% dos estudantes estão gostando das aulas de arte/música;
b) 100% dos estudantes responderam que o ensino de música na escola precisa de aulas práticas; c) 100%
dos estudantes acham que as aulas práticas de música com atividades diversas facilitam a aprendizagem dos
conceitos musicais; d) 100% estão conseguindo assimilar o assunto; e) 91% dos estudantes aprendem mais
os assuntos musicais quando o professor trabalha primeiramente atividades práticas musicais diversas em
sala e 9% quando o professor usa somente o quadro para ministrar as aulas; f) 36,36% dos estudantes
preferem aulas práticas com atividades musicais e 63,63% aulas práticas juntamente com o uso do quadro.
Quanto ao perfil dos estudantes pesquisados no 9º ano, havia 49% do gênero feminino e 51%
masculino, entre a faixa etária de 15 a 23 anos.
Os resultados das repostas foram a) 100% dos estudantes estão gostando das aulas de arte/música,
b) 99,5% dos estudantes responderam que o ensino de música na escola precisa de aulas práticas, e 0,15%
discordaram; c) 99,5% dos estudantes acham que as aulas práticas de música com atividades diversas
facilitam a aprendizagem dos conceitos musicais, e 0,15% não souberam opinar, d) 99,5% estão conseguindo
assimilar o assunto, 0,15% não souberam opinar; e) 86,6% dos estudantes aprendem mais os assuntos
musicais quando o professor trabalha primeiramente atividades práticas musicais diversas em sala e 13,3%
quando o professor usa somente o quadro para ministrar as aulas; e f) 33,3% dos estudantes preferem aulas
práticas com atividades musicais, 13,3% aulas com o uso de quadro e 53,3% aulas práticas juntamente com
o uso do quadro.
Os dados encontrados, após analisados, esclareceram aos pesquisadores que as turmas nas quais
essas aulas foram aplicadas apresentaram idades bem diversificadas, no entanto, esclareceu-se que em sua
maioria foram alcançadas positivamente quanto ao gosto das aulas de arte/música com novas alternativas
de aulas práticas que facilitam a aprendizagem de conceitos musicais, supomos que com o passar das
atividades, os estudantes se viram na posição de cientistas de sons e puderam experimentar suas próprias

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criações sonoras trazendo-lhes concepções de utilização e reflexão com mais aprofundamento para a
formação de conceitos. Nessa perspectiva, Schafer (1991, p. 295) considera a música como algo que “nos
eleva, transportando-nos de um estado vegetativo para uma vida vibrante”.
Quanto ao ensino de música na escola com aulas práticas para melhorar a compreensão do assunto
estudado, nota-se que na turma de 9º ano houve alguns contrários a estas atividades e percebemos que esta
postura se deu por serem de idade elevada e se sentiram constrangidos em executar as atividades, mas nas
outras turmas o conhecimento proveniente da experiência prática no dia-a-dia do senso comum somado ao
conhecimento científico, tornou positivo, enriquecedor e com envolvimento os momentos iniciais de contato
com a música refletindo em um claro aumento no percentual de frequência e no relacionamento interpessoal
do grupo. Entretanto, como as aulas caminhavam paralelamente com uma reforma, as dificuldades se
intensificavam com o avanço da obra nos ambientes internos da escola e foi preciso fazer rodízio de salas
não tendo, muitas vezes, local para que a aula acontecesse.
No intuito de transpor as barreiras encontradas na escola, as aulas tiveram que explorar outros
caminhos metodológicos como meios facilitadores da aprendizagem à construção de diferentes níveis de
conceitos musicais. Para tanto, diversas atividades práticas foram realizadas, produzindo música a partir do
que tinham em volta. Esta prática trouxe resultado positivo expressado pelos estudantes.
O professor é um condutor de tudo o que acontece na aula, por este motivo, nas atividades
ministradas os estudantes tinham a possibilidade de manipular materiais sonoros, improvisar, discutir e
refletir sobre o que foi trabalhado para ampliar as possibilidades de aquisição de conhecimento musical sem
precisar, neste momento, de notação musical tradicional. Murray Schafer (1991, p.309) relata:

[...] jamais falo de notação no início. Quando eventualmente surge o tema, deixo
que a classe lute um pouco com ele. A essa altura já estão compondo peças, que
podem ser vocais ou concebidas para instrumentos simples de percussão. Como
em geral os estudantes trabalham em grupos menores, podem conduzir esses
pequenos exercícios discutindo antes o que pretendem fazer.

Quanto a metodologia do professor, os resultados revelaram que os estudantes aprendem mais os


assuntos musicais quando o professor trabalha primeiramente atividades práticas musicais diversas em sala.

3. Considerações Finais
Com base na perspectiva de trabalhar a música a partir do som, os estudantes passaram a ouvir os
sons do meio de forma ativa com reconhecimento sobre o ambiente sonoro que os cercam acrescentando a
isto uma construção de conceitos musicais.

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Consideramos que aulas de música no ensino básico vivenciadas de forma prática proporciona aos
estudantes, o acesso a música de forma democrática, onde todos participem, estimulando a interação,
interpretação e execução musical, onde ao término resultava em risos e descontração demonstrando prazer
na descoberta do fazer musical. Com isso, mesmo diante de estudantes com quase nada ou pouco
conhecimento sobre teoria musical, foi possível perceber que a musicalidade advinda do senso comum é
presente na vida de cada um dos estudantes, o que facilitou a compreensão dos assuntos estudados.
A compreensão a respeito das escolhas metodológicas de ensino utilizadas forneceu material
investigativo fomentando discussões e melhoramentos da educação musical no ensino básico. Porém, uma
vez que a metodologia, de certo modo, foi encaminhada também a partir das indicações fornecidas pelos
estudantes durante as aulas, foi diagnosticado que o planejamento cumpre o seu papel, é flexível para
adaptar-se as diferentes realidades encontradas no decorrer do processo de ensino-aprendizagem e finda
traçando novos caminhos para aulas mais significativas.

Anexo I: Questionário

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ


PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSA DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA / PIBID / 2015

Este questionário individual busca identificar opiniões dos estudantes do ensino fundamental da E.
E. E. F. M. Temístocles Araújo sobre a receptividade das atividades práticas desenvolvidas em sala de aula.
Trata-se de criar condições de aprendizagem que permitam a construção de diferentes níveis de elaboração
de conceitos musicais, em virtude da falta de recurso material instrumental.

I – Dados de identificação
1. Turma a que pertence:
( ) 6º ano; ( ) 7º ano; ( ) 8º ano; ( ) 9º ano.
2. Gênero:
( ) Masculino; ( ) Feminino
3. Idade:

ll – Sobre as aulas ministradas


1. Você tem gostado das aulas de Arte/música?
( ) Sim ( ) Não ( ) Não sei

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2. O ensino de música na escola precisa de aulas práticas para melhorar a compreensão do assunto estudado?
( ) Sim ( ) Não ( ) Não sei

3. Em sua opinião as aulas práticas de música com atividades diversas e materiais alternativos, facilitam a
aprendizagem dos conceitos musicais?
( ) Sim ( ) Não ( ) Não sei

4. Você tem conseguido assimilar ou entender o conteúdo ministrado nas aulas de Arte/música?
( ) Sim ( ) Não ( ) Não sei

5. Você aprende mais os assuntos de música quando o professor:


( ) Usa somente o quadro para ministrar as aulas;
( ) Trabalha primeiramente atividades práticas musicais diversas em sala;
( ) Nenhuma das alternativas.

6. Você prefere nas aulas de música:


( ) Aulas práticas com atividades musicais;
( ) Aulas tradicionais com o uso do quadro;
( ) Aulas práticas que visam a construção dos conceitos em música, juntamente com o uso do quadro, porque
as duas juntas facilitam o aprendizado tornado mais satisfatório ou prazeroso.

Referências

KEBACH, Patrícia; DUARTE, Rosangela; LEONINI, Márcio. Ampliação das concepções musicais nas recriações
em grupo. Revista da ABEM, Porto Alegre, V.24, 64-72, Set. 2010.

LIBÂNEO, J. C. Adeus professor, adeus professora?: novas exigências educacionais e profissão docente. São
Paulo: Cortez, 1998.

PENNA, Maura. Reavaliações e buscas em musicalização. São Paulo: Loyola, 1990.

SCHAFER, R. Murray. O Ouvido Pensante. Tradução Marisa T. de O. Fonterrada, Magda R. Gomes da Silva,
Maria Lúcia Pascoal. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1991.

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Uma aula de música fundamentada nos princípios de George Self

Nathália Lobato da Silva


nathalialobato@yahoo.com.br
Universidade Federal do Pará

Lana Luisa da Silva Aragão


aragaolana715@gmail.com
Universidade Federal do Pará

Ediel Rocha de Sousa


edielsousa@gmail.com
Universidade Federal do Pará

Resumo: Educador musical da segunda geração, George Self propõe que as aulas
de música devem estimular ao máximo o senso de criação, exploração e percepção
musical. Utilizando materiais simples e tendo como base os princípios de George
Self, algumas atividades foram desenvolvidas pelos alunos de Licenciatura Plena em
Música da UFPA tendo como público o Jovens e Adultos, e este trabalho vêm com
o intuito de colaborar com a pesquisa em educação musical.
Palavras-chave: George Self. Educação musical. Criatividade

Abstract: The second generation music educator, George Self proposes that music
classes should encourage the fullest sense of the creation, operation and musical
perception. Using simple materials and based on the principles of George Self, some
activities were developed by students of Full Degree in Music UFPA having as public
the Youth and Adults, and this work come with the intention of collaborating with
the research in music education .
Keywords: George Self. Music education. Creativity.

1. Fundamentação teórica
É comum encontrarmos em nossa sociedade, crianças, jovens e adultos que se interessam pela
música e em algum momento de sua vida são estimulados ou procuram por conta própria atividades que
possam contribuir para o conhecimento musical seja com objetivo profissional ou para desenvolver um
hobbie. O que era para ser uma experiência agradável de troca, entre o educador e o aluno acaba por muitas
vezes não passando de mais uma atividade monótona, rígida onde o professor não se preocupa com o
processo de construção do conhecimento e o próprio fazer musical, muitas vezes falando bastante,
“mandando”, cobrando, avaliando e poucas vezes procurando entender como o aluno recebe essas
informações, como ele assimila questões subjetivas da música e até mesmo não levando em conta qual o
objetivo do aluno em relação a música. Além dessas questões citadas, existem algumas barreiras para que
esta experiência não seja frustrante, a idade, por exemplo é uma prerrogativa para que uma pessoa possa
ter aula nos conservatórios, algumas vezes o grau de conhecimento é pré-requisito e segundo Dias (2014),

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não existe idade para o conhecimento musical e o professor deve estar pronto para atender todas faixas
etárias, assim também como levar em consideração toda bagagem cultural que cada indivíduo carrega
consigo.
As escolas de ensino de música denominadas técnico-profissionalizantes, mantém sem grandes
alterações o padrão tradicional de educação e são consideradas o modelo de ensino, porém sua realidade
não condiz com a de escolas regulares, principalmente quando levamos em consideração o objetivo que cada
instituição tem para com a música, tornando o desafio de levar uma boa educação musical para as escolas
públicas de educação básica, muito presente na vida dos atuais educadores (PENNA, 2004). Além do mais a
educação musical no Brasil se encontra em uma situação delicada, pois de acordo com Penna (2004) nos
documentos como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), elaborados pelo Ministério da Educação
(MEC), não há indicações objetivas de como deve ser abordado o conteúdo musical nas escolas, sendo assim,
encontram-se dificuldades para que os professores disponham do material necessário, forçando o
profissional a se adaptar e elaborar mecanismos para que o aprendizado musical seja eficaz.
Diante deste cenário, é imprescindível que o professor de música tenha conhecimento sobre os
educadores musicais das três gerações de métodos ativos, pois cada um foca e defende sobre quais aspectos
o ensino musical deve ser fundamentado. Da segunda geração (a partir de 1960) estão os educadores que
contribuíram com novas estratégias de ensino, os quais são Murray Schafer, Keith Swanwick, John Paynter e
George Self. Segundo Ramos (2013), George Self foi o pioneiro da segunda geração e com sua experiência
como professor em escolas, se motivou a pensar em diversas formas de atuar na educação musical. Boa parte
desse incentivo foi dado por ele perceber que nas escolas quando se tratava de ciência, os alunos baseavam-
se em descobertas recentes, quando se abordavam outras artes, a linguagem era contemporânea de sua
época ligada à produções também de sua época. Porém quando o estudo era voltado para música, os alunos
baseavam-se em músicas de outro século, algo bem tradicional e rígido como vemos até hoje em boa parte
da nossa realidade no Brasil.
Self propôs um novo método de ensino musical, estimulando os alunos a “abrirem os ouvidos”,
incluindo “o ruído em sua atividade ou fazer musical” (ROBERTY, 2006), a explorarem os sons e
desenvolverem a criatividade e criação de partituras pois “não enfatiza a pulsação, mas o emprego de
organizações rítmicas irregulares; quanto à altura, privilegia os sons da escala cromática e os de altura
indefinida” (ÁVILA, 2007). Para desenvolver essas habilidades, ele utilizou muitos instrumentos musicais e os
classificou de acordo com os sons que produzem: sons curtos, sons que se extinguem gradualmente, e sons
sustentados. Outra ferramenta aliada a este processo é a notação musical simplificada que é adequada à
exploração sonora e à criação dos alunos. Quanto a escolha de instrumentos, Self dava preferência para os
instrumentos artesanais criados pelos próprios alunos estimulando-os a explorarem esses instrumentos não

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apenas para descobrir novos sons, mas para inserir e organizar de forma musical. Esta forma de organizar os
novos sons não segue um padrão pré-estabelecido, deixando aí a possibilidade de criação e improviso.
A forma de pensar do Self vem ao encontro da realidade encontrada em certas cidades do Brasil,
onde além da mentalidade retrógrada quanto a educação musical no ensino básico regular não se conta com
investimento em recursos para que as aulas de música possam atender mais efetivamente seus objetivos,
então na falta de instrumentos, o professor pode estimular seus alunos a confeccionarem seus próprios
instrumentos ou até mesmo objetos do dia-a-dia na sala de aula descobrindo sons, compondo, fazendo
música efetivamente.

2. Metodologia
Como as atividades foram planejadas para o público alvo de Jovens e Adultos, os três discentes
obtiveram a participação da própria turma de 2014 do curso de Licenciatura Plena em Música da UFPA para
a realização das atividades.
1ª atividade (10 minutos) – Para iniciar a aula, foi distribuído o material que serviria de instrumento
que foi uma caixinha de fósforo. Pediu-se para que os alunos explorassem ao máximo para descobrir quais
sons eram possíveis produzir com este instrumento. Após o momento de exploração, foi pedido para que os
alunos produzissem um som curto com a caixa de fósforo, e a cada vez que alguém sugeria uma forma de
executar, todos reproduziam coletivamente e assim se seguiu pedindo para produzir um som trêmulo e
sustentado (longa duração) definindo-se então apenas uma maneira de tocar para cada som.
2ª atividade (15 minutos) – Com o objetivo explorar a percepção auditiva dos alunos, então dividimos
a turma e três grupos, onde cada grupo tinha seu som correspondente (curto, tremulo e sustentado) que foi
descoberto por eles na atividade anterior, explorando os diversos sons que a caixinha poderia reproduzir.
Com os sons definidos para cada grupo, pedimos para que os alunos se juntassem ao centro da sala e nós
(professores) ficamos cada um em um canto da sala, pedimos o som ambiente, pois eles precisariam estar
concentrados e focados para ir de encontro ao som que lhe representava.
Os sons eram feitos ora de forma insolada, ora simultânea, e em lugares alternados, ou seja, a cada
rodada a fonte sonora vinha de um lugar diferente, então exigia extrema concentração dos alunos que
tinham de ficar com os olhos fechados para não usarem a visão na identificação e sim a audição e ir de
encontro ao som. Os alunos conseguiram realizar a atividade que foi bem interessante, até porque a caixinha
de fósforo não reproduz um som tão alto, ainda mais quando o som sustentado era executado, o que exigiu
extrema atenção e percepção.
Foram feitas 15 rodadas dessa atividade, quando começamos víamos interesse dos alunos em ir de
fato ao “seu som”, de fazer a maneira correta, quando todos chegavam ao lugar que certo, prosseguíamos a

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atividade. No mais, a atividade fluiu da maneira que havia sido planejada e turma alcançou as expectativas
criadas e demonstravam prazer em executa-la.
3ª atividade (25 minutos) – Com a turma já dividida em três, foi atribuído a cada grupo um
determinado som, e de acordo com comando do professor, cada grupo executava quando era pedido,
levando em consideração a dinâmica (forte e piano). A turma executou uma sequencia elaborada pelo
professor três vezes, e logo após perguntou-se os alunos se eles haviam identificado qual era sequência,
então se executou mais uma vez e com a atenção redobrada, os alunos puderam discorrer a ordem
executada.
Em conjunto, a turma definiu os símbolos que iriam ser utilizados para a elaboração de uma partitura.
Os símbolos escolhidos foram:
- Som curto (ponto)
- Som sustentado (espiral)
- Som trêmulo (zigue-zague)
Logo após, os mesmos grupos receberam o comando de que deveriam compor uma peça, transcrevê-
la em um papel e escolher um regente para conduzir a execução. Dado o tempo para a atividade, os regentes
com as partituras foram colocados para ensaiar e executar a peça com outro grupo, o que causou uma reação
de surpresa nos alunos que esperavam eles próprios executarem as suas composições. Houve um tempo
para e ensaio, e então cada grupo executou a peça criada por um grupo diferente. Após esta primeira
execução, cada regente iniciava a peça e no momento desejado passava a direção para o outro grupo que
iniciava sua peça, exigindo concentração tanto do regente quanto dos instrumentistas que estavam à espera
do comando para iniciar, e para finalizar a aula, cada professor ficou atrás de um regente, e o comando foi,
que o regente deveria conduzir o grupo quando sentisse a mão do professor nas costas e assim que não
sentisse mais o contato, deveria estagnar até que o professor recolocasse a mão nas costas

3. Considerações Finais
Os resultados obtidos em sala de aula foram os esperados ao se planejar as atividades com os
princípios de George Self, pois a exploração e criatividade foram estimuladas usando a caixinha de fósforo
que é um material comum, os alunos conseguiram obter diversos sons podendo assim aprender sobre os
diversos timbres, ao compor em grupo e precisar elaborar um sistema de registro (partitura) os alunos
tiveram a oportunidade de criar um sistema para que a sua composição pudesse ser executada por outro
grupo. As atividades se abstiveram dos conceitos de pulsação e ritmo pois assim, como defende Self, há maior
liberdade para criação e improvisação.
Recomenda-se ao profissional que se propõe a ministrar aulas de música que antes de tudo entenda
que nem sempre o caminho para um ensino eficaz é o caminho mais prático, na maioria das vezes requer

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uma dedicação maior, pois lidar com o outro demanda dedicação, tempo de convívio e respeito. Se inteirar
do universo do público-alvo (cultura, princípios, contexto) ajuda a criar propostas que venham ao encontro
das necessidades do mesmo. Conhecer seus próprios limites como profissional e se propor a vencê-los,
também contribuirá de forma positiva para este processo de troca aluno-professor. Pensar musicalmente
antes de pensar nas estratégias, trará mais sentido ao papel do educador musical; o educador deve pensar
também que as limitações de recursos de algumas instituições de ensino não podem interferir na qualidade
de suas aulas. E por ultimo, assim como Self não se contentava com o modo que o ensino musical era levado,
os futuros educadores também não podem se conformar com conhecimentos até aqui passados pelos
famosos educadores musicais, a busca é constante pelo conhecimento e aperfeiçoamento para que os alunos
não saiam mais frustrados das salas por tocarem música “do passado” e não entenderem que música se vive,
sente, cria.

Referências bibliográficas:

ÁVILA, M. Disponível em <http://www2.anhembi.br/html/ead01/pedag_musical/aula7.pdf> Métodos ativos


– Novos conteúdos. Acesso em 12 de Fev. 2016.

DIAS, R. C. As propostas dos educadores Musicais da primeira e segunda Gerações e suas aplicações nas Salas
de aula do ensino regular. Disponível em <http://docslide.com.br/documents/as-propostas-dos-educadores-
musicais-da-primeira-e-segunda-geracoes-e-suas.html>. Acesso em: 12 de Mar. 2017.

PENNA, M. A dupla dimensão da política educacional e a música na escola: II – da legislação à prática escolar.
Revista da abem. n.11, p.7-16, 2004.

RAMOS, J. A música corporal como ferramenta pedagógica para a musicalização. Matinhos, 2013. 34 f.
Graduação em Licenciatura em Artes. Universidade Federal do Paraná, Matinhos, 2013.

ROBERTY, B. B. O desenvolvimento da gráfica a partir do trabalho da Oficina de Musicalização. 2006.


Monografia (Licenciatura Plena em Educação Artística – Habilitação em Música). Instituto Villa-Lobos, Centro
de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

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Experiências pedagógicas que influenciaram na motivação do aluno da EJA para


aprender música: considerações sobre o cotidiano

Silene Trópico e Silva


silenetropico@hotmail.com
UFPA; SEDUC

Jucélia Estumano Henderson


henderson1405@gmail.com
UFPA

Resumo: O presente artigo trata do relato de experiência docente com alunos da


EJA médio. Nosso objetivo compartilhar experiências docentes pautadas na teoria
do cotidiano que aumentaram a motivação dos alunos para se envolverem em
atividades musicais. Durante o texto dialogamos com a teoria do cotidiano de Heller
(2004) e com a teoria da motivação de Burochovitch et.al (2009). Como resultado
das práticas pedagógicas desenvolvidas em sala de aula conseguimos aproximar
saberes cotidianos dos não-cotidianos e aumentar a motivação dos estudantes á
participarem e se envolverem com os conceitos musicais. As experiências relatadas
neste artigo poderão apoiar o trabalho de professores de música e contribuir para
que na educação básica sejam implementadas práticas de ensino mais
democráticas.
Palavras-chave:1. Motivação 2. Cotidiano 3. Educação Musical

Abstract: This article deals with the teaching experience of account with the
average EJA students. We aim to share teaching experiences guided by the
everyday theory that increased student motivation to engage in musical activities.
During the text dialogued with the theory of everyday Heller (2004) and the theory
of motivation Burochovitch et.al (2009). As a result of the practices developed in
the classroom could approach daily knowledge of non-daily and increase the
motivation of students will participate and get involved with the musical concepts.
The experiments reported in this article may support the work of music teachers
and contribute to basic education more democratic teaching practices are
implemented.
Keywords: 1. Motivation 2. Daily 3. Music Education

1. Introdução
O presente artigo relata a experiência docente com atividades realizadas na escola pública, com
alunos da EJA1 ensino médio. A escola pública descrita neste artigo está localizada em bairro periférico da

1
A Resolução CNE/CEB nº 4, de 13 de julho de 2010, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Básica, estabelece que a mesma está organizada em etapas e modalidades. As Etapas referem-se à Educação Infantil,
ao Ensino Fundamental e ao Ensino Médio e as Modalidades referem-se à Educação de Jovens e Adultos, à Educação

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cidade, que possui salas de aula climatizadas e bem iluminadas com quadro branco, carteiras e cadeiras para
professor e alunos.
Neste ambiente desenvolvemos as atividades musicais e eventualmente utilizamos a sala de vídeo.
Para desenvolver nossas aulas contamos com uma boa infraestrutura de materiais que a escola possui e
oferece como por exemplo: pincéis para quadro branco, equipamento para projeção de data show, caixa de
som, aparelho de som, DVD, e televisão.
Para o EJA médio não foi disponibilizado o livro didático, desta forma, o planejamento das turmas foi
elaborado para atender os objetivos do ensino médio. Nossas ações pedagógicas foram extraídas dos
Parâmetros Curriculares Nacionais de Artes para o ensino médio no conteúdo música, para o qual, buscamos
lançar mão de estratégias de ensino pautas em aumentar a motivação dos alunos para aprender. Neste
sentido, buscamos aproximar os conceitos do conteúdo parâmetros do som aos conceitos extraídos da teoria
do cotidiano como meio para ativar o comportamento dos alunos á participar das aulas apoiados nas
perspectivas da teoria da motivação.
Portanto o objetivo deste artigo será traçar relação entre teorias do cotidiano e da motivação do
aluno para aprender música, revelando experiências que se atrelaram á prática da docência. Desta forma
nossa proposta descreve a experiência realizada dentro e fora da sala de aula como meio de ativar a
motivação do estudante da EJA através da valorização do cotidiano musical dos mesmos.
Mas, o que seria o cotidiano? o cotidiano é marcado pelo conhecimento espontâneo do sujeito,
portanto, é um conhecimento não teórico, que se torna conhecido pela verbalização superficial das coisas.
A motivação é um fenômeno observável no comportamento intencional dos sujeitos, cujas ações,
são comandadas por escolhas pessoais que se dirigem á obtenção de bem-estar e satisfação pessoal.

2. Considerações acerca do fenômeno Motivação


Nosso referencial teórico para aproximar os conceitos musicais dos conteúdos do cotidiano para
motivar a participação do estudante na aula de música se inspiraram na perspectiva do fenômeno motivação
(Burochovitch e Bzuneck, 2009) e na teoria cotidiano (Heller, 2004).
Quando as pessoas são vistas em jogos e brincadeiras assim como em outras atividades cotidianas
desenvolvidas por elas de forma grupal ou individual, se tornam observáveis comportamentos lúdicos,
espontâneos e carregados de excitação, atenção e interesse que sempre intencionam obter satisfação e bem
estar pessoal. Estas atividades cotidianas que geram sentimentos positivos podem ser desenvolvidas em

Especial, à Educação Profissional e Tecnológica, à Educação do Campo, à Educação Escolar Indígena e à Educação à
Distância.

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qualquer idade da vida tendo em comum em todas as fases o fato de possuírem regras extraídas das
experiências passadas, assim como também, obedecerem ás normas de convívio social, partindo sempre de
escolhas pessoais.
Na situação descrita acima temos um comportamento motivado. A motivação segundo Burochovitch
e Bzuneck (2009) é um fenômeno observável no comportamento intencional dos sujeitos, cujas ações, são
comandadas por escolhas pessoais dirigidas pela vontade e desejo de obter bem-estar e satisfação pessoal.
Trazendo a experiência da motivação para o contexto educativo são percebidas mudanças na
vontade e no desejo para aprender na escola. Na sala de aula observamos que os alunos chegam excitados
e interessados para atuar neste novo ambiente, procuram estabelecer contatos e fortalecer vínculos afetivos
com colegas e professores, contudo, algo acontece que os tornam desinteressados e desmotivados com as
atividades ao longo dos anos.
Não é difícil identificar na sala de aula um comportamento desmotivado dos alunos. São os
professores que identificam as primeiras manifestações desse fenômeno por meio da observação direta das
expressões dos seus alunos como aborrecidas, distraídas e entediadas durante o tempo que passam em sala,
também escutam as verbalizações dos alunos em perguntas do tipo: “Professora, falta muito pra acabar a
aula?” ou “ Essa aula tá chata”.
Nós também percebemos que muitos alunos terminavam a atividade de música rapidamente ou de
qualquer jeito para se livrarem delas rapidamente. Diante da baixa curiosidade e da dificuldade dos alunos
para aplicar estratégias com as atividades, decidimos tentar reverter estas situações propondo outras tarefas
na sala de aula que amenizassem as dificuldades que apresentavam para resolver os exercícios musicais
propostos em sala de aula.
Sobre esta mudança de interesse que afeta a motivação do aluno para aprender, muitos educadores
voltam seu interesse de estudo para localizar e sanar estes problemas. Burochovitch e Bzuneck (2009),
revelam no livro “A motivação do aluno: contribuições da psicologia contemporânea” relatos de
pesquisadores que realizaram pesquisas em ambientes de ensino e que constataram que o decréscimo da
motivação se inicia no terceiro ano do ensino fundamental e que nas séries finais estes problemas se
agravam. Eles discutem também sobre como os professores trabalham estas questões e relatam que muitos
professores são levados á emitir julgamentos que enquadram de modo errôneo o aluno como um portador
de déficit de atenção ou como uma causa perdida; descrevem que o professor não sabendo que atitudes
tomar diante destes percalços não emprega nestes ambientes qualquer estratégia para motivar a
participação do aluno como um produtor do seu próprio conhecimento.
Sobre a capacidade do aluno para dirigir e orientar suas escolhas Burochovitch e Bzuneck (2009)
afirmam que o conhecimento é construído pelo aluno quando este emprega suas próprias experiências no

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que aprende e desenvolvendo habilidades na escola se torna capaz de escolher e decidir qual a importância
e o valor sobre o que aprende. Sobre os efeitos da motivação no aprendizado os autores explicam:

Mas a motivação, mediante seus efeitos imediatos de escolha, investimento de


esforço com perseverança e de envolvimento de qualidade, conduz igualmente a
um resultado final que são os conhecimentos construídos e habilidades adquiridas,
ou seja, em última instância, ela assegura a ocorrência de produtos de
aprendizagem ou tipos de desempenho socialmente valorizados. (BUROCHOVITCH;
BZUNECK, 2009 p.12)

Logo, a motivação do aluno depende do modo como ele escolhe participar de uma atividade e quais
são os objetivos que pretende alcançar com elas, sendo indispensável considerar que o conhecimento será
construído no próprio ambiente de sala de aula.
A realidade dos alunos da Educação de jovens e adultos (EJA), é desafiadora para professores de
música, pois, o comportamento do estudante reflete muitos pontos negativos. Os alunos geralmente são
descritos pela coordenação pedagógica como turmas originárias de diversos fracassos escolares, evasões,
reprovações, começos e recomeços.
Manter a chama da motivação é uma tarefa difícil porque estes alunos são taxados como pessoas
que possuem pouco controle sobre suas ações, sendo facilmente manipulados por demandas externas que
determinam ser uma obrigação terminar o ensino médio para arranjar uma colocação no mercado de
trabalho, ou pela opinião preconceituosa da sociedade que os julga sem capacidade para continuar
estudando porque estão velhos. Estas situações afetam a saúde psicológicas dos estudantes da EJA porque
enfatiza nestes alunos crenças pessoais negativas.

A educação de jovens e adultos, então, tem o olhar voltado para pessoas das classes
populares, que não tiveram acesso à escola, na faixa etária da chamada
escolarização [...] ou foram “evadidos” da escola. Jovens e adultos excluídos pelo
sistema econômico-social e marginalizados, ao serem rotulados como
“analfabetos”, demarcando uma especificidade etária e sociocultural (OLIVEIRA,
2009, p.8).

Dantas e Braga (2009), discutiram como conseguiram estabelecer estratégias pedagógicas com o
ensino da música para valorizar a identidade social de 26 alunos, matriculados na disciplina canto coral dos
cursos de graduação, sem prévia experiência com o canto coral.
As pesquisadoras descreveram que os participantes escolheram a atividade para não se
sobrecarregarem de disciplinas nos seus cursos, logo para eles cantar era uma obrigação e por conta disso
apresentavam um comportamento desinteressado e faltavam bastante a atividade de canto coral. Com a
percepção de que os alunos não estavam motivados com as aulas, as professores resolveram enfrentar esta

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situação e aplicaram á atividade mudanças metodológicas, para empregar o repertório de interesse dos
estudantes como meio de fomentar interações sociais entre os cantores e aumentar a motivação destes.
Com estas tomadas de atitude os alunos passaram a frequentar as aulas motivados pela satisfação pessoal
com o repertório. Segundo as autoras este foi o elemento motivador para que os alunos formassem sua
identidade social e musical pois as intervenções mostraram que a motivação para cantar não se limitou
apenas as aulas mas se ampliou pela vontade de se apresentarem em público.
Diante das constatações de que o professor é o principal agenciador da motivação dos alunos
consideramos adequar as aulas para atender os interesses e gostos musicais dos alunos da EJA, entendendo
que aproximar os repertórios de escuta dos conceitos musicais desenvolvidos em sala pudessem aumentar
a autoestima á identificar valorizar sua própria identidade sonora. Razão pela qual buscamos incorporar os
elementos de escuta cotidiana dos estudantes ao nosso planejamento de ensino.

3. Considerações acerca do cotidiano


O Conceito de esferas sociais da vida cotidiana e as esferas da vida não-cotidiana, criado pela filósofa
Agnes Heller (2004) e Guimarães (2002), revelam que a Esfera social da vida cotidiana, é o processo de
aprendizado espontâneo que ocorre pela inserção do ser humano a partir de seu nascimento na vida
cotidiana de sua sociedade. É um aprendizado partilhada por todos. A autora afirma que não existe sociedade
nem ser humano particular sem vida cotidiana, pois ela é o espaço social básico e primeiro, no qual o homem
se constitui enquanto ser social, é fundamental na definição das orientações de gostos, hábitos e atitudes da
pessoa. Ocorre mediada pelas figuras mais próximas da criança, como pais e familiares. É marcado pelo
conhecimento espontâneo das coisas, carregado de superficialidade, é um conhecimento não- teórico.
(Heller 2004).
Relacionando com a música a esfera cotidiana seria a música tratada como uma prática funcional,
cuja natureza e objetivos seriam: emocionar, dar prazer, acalmar, acompanhar, estimular a religiosidade, dar
vazão aos afetos, entre outras. (Benedetti e Kerr, 2008).
O Conceito de esferas sociais da vida não-cotidiana, caracteriza-se pelas atividades e práticas
humanas de caráter universal, são por exemplo, as ciências, as artes, a filosofia, a ética, a moral, a política. É
uma esfera de natureza conscientizadora. É todo pensamento ou ação que ultrapassa a espontaneidade da
vida cotidiana. Essas esferas não estão acessíveis a todos os indivíduos.
Relacionando com a música, a esfera não-cotidiana seria a música tratada como forma de
conhecimento, como possibilidade de levar o homem a transformar-se, a transcender suas motivações
imediatas. Nesse sentido, atribui-se à instituição escola, o papel que deveria dar acesso, ao saber não-
cotidiano acumulado historicamente pela humanidade, deveria ser o espaço mediador entre a esfera
cotidiana e não-cotidiana. (Benedetti e Kerr, 2008).

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Na contemporaneidade, as discussões sobre a valorização da esfera cotidiana dos alunos na


educação musical, têm conquistado um espaço significativo e importante nas pesquisas acadêmicas2, as
práticas dos professores em conhecer e mapear os cenários musicais exteriores dos alunos, têm ampliado as
reflexões sobre as dimensões do ensino-aprendizagem oferecido aos mesmo, assim como, têm estabelecido
diálogos multos entre educador e educando.
Segundo Ramos (2002), falar sobre a prática musical cotidiana:

Se baseia em suas próprias vivências musicais. Assim sendo, falar sobre música
significa dizer ao colega as músicas que sabe cantar inteiras; as de que não
aprenderam; as que não gostam; as que têm letras comprometedoras; as que têm
letras que não entendem e, por último, letras que falam de temas próximos de sua
realidade social. Assim, escutar música significa aprender música com os cantores
e grupos preferidos, aprender as músicas de que gostam e que, de alguma forma,
falam de sua realidade (RAMOS, 2002, p. 89).

Pesquisas apontam que geralmente o gosto musical dos alunos está atrelado a música midiática, que
os acompanha nas atividades de seus cotidianos em diferentes espaços e meios de socialização, essas
músicas estão presentes na rua, no ônibus, no shopping, nas festas, nas igrejas, nos bairros, em vários lugares
de entretenimento, na casa, no recreio escolar, nos estádios, nos tempos livres e em diversos outros espaços
de socialização.
As práticas musicais e a música midiática estão muito presentes na vida dos nossos alunos e não
podemos negá-la ou fingir que não existem, não podemos polarizar que tudo o que a indústria cultural faz é
uma arte inferior e ruim, pois acabamos por ser reducionistas e, dessa forma, nunca perceberemos quão
musical é o homem, o educando que frequenta nossas salas de aula. Afinal, como revela Faraco (2001),

[...] Nunca é demais lembrar que Shakespeare escrevia suas peças para serem
apresentadas como entretenimento num teatro popular; ou que Memórias de um
Sargento de Milícias, hoje um clássico da literatura brasileira, foi escrito na forma
de folhetim (isto é, capítulos semanalmente no jornal para consumo imediato),
muito semelhante, nesse sentido, às novelas de televisão de hoje; ou que
compositores como Bach ou Mozart (para citar só dois) escreveram muitas de suas
peças sob encomenda direta de seus mecenas para ornamentar festas, eventos do
cotidiano ou preencher horas de ócio (p. 128).

2
Arroyo (2009); Bozzetto (2008); Benedetti e Kerr (2008 e 2010); Constantino (2012); Dantas (2001); Mota (2003); Green
(1997); Penna (1999, 2003, 2010); Prazeres (2011); Quadros Júnior e Lorenzo (2013); Quiles (2009); Queiroz (2005);
Ribas (2006); Souza (2004, 2008 e 2013); Souza e Louro (2013); Seren (2011); Silva (2008); Silva (2012); Setton (2012);
Santos (2012).

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4. Relato de experiências pedagógicas


Consideramos ser importante alimentar a motivação dos alunos para se envolverem com as
atividades musicais pensadas no planejamento e para que fossem empregadas atividades interessantes e
desafiadoras da curiosidade dos estudantes buscamos incorporar elementos que fizessem parte da vida dos
alunos.
Levando em consideração as pesquisas que apontam que a valorização do cotidiano na sala de aula
têm elevado o nível motivacional dos alunos, passou-se a considerar e a incluir o repertório musical e
relacioná-los aos conteúdos do plano de aula, pensados para a EJA.
Inicialmente observamos o comportamento dos alunos na entrada da escola e na sala de aula,
percebemos que os alunos sempre estavam escutando música, porque sempre estavam com fones de ouvido
conectados em celulares. Em sala de aula abordamos esta prática de escuta e conversamos sobre a
importância da escuta na profissão do músico, explicamos que os músicos passam muitas horas ouvindo
música.
A partir desta conversa informal, dialogamos sobre as músicas empregadas por povos de diferentes
lugares e conversamos sobre os gostos musicais de cada estado evidenciando que algumas músicas revelam
características de determinadas regiões, então discutimos o gosto pessoal de escuta e conseguimos descobrir
quais músicas revelavam interesses identitários comuns entre os alunos.
Por isso, mapeou-se o gosto musical dos alunos e das respostas emergiram os gêneros: brega,
melody, funck, samba, rock, reggae, MPB regional (Nilson Chaves), carimbó, MPB (Dalto/ Guilherme Arantes
e Zizi-Possi).
Ao delimitar pontos comuns sobre o gosto musical dos alunos passamos a empregar os estilos ás
atividades musicais do conteúdo parâmetros do som – altura, intensidade, duração, timbre, sons regulares e
irregulares. Inicialmente trabalhamos com a escuta das qualidades sonoras de forma separada, um exemplo
musical era extraído do celular dos alunos para ser escutado de forma coletiva para identificar qualidades
sonoras. Por exemplo: nas atividades com timbre escutamos uma música do celular de um aluno, em seguida
foi perguntado aos alunos que instrumentos eles haviam escutado, as respostas eram anotadas no quadro e
ouvíamos novamente para que todos pudessem ter a experiência da escuta ativa.
Para potencializar a participação dos alunos nas aulas expositivas foram mostradas ilustrações de
instrumentos e vídeos de orquestras, grupos de música e grupos de percussão corporal, extra-cotidianos,
com objetivo de ampliar as possibilidades sonoras dos mesmos.
Durante a avaliação, foi proposta atividade escrita constituída por 5 questões retiradas do assunto
visto nas aulas, portanto questões consideradas objetivas e uma questão mais subjetiva voltada á sonorizar
um quadrinho com ruídos e músicas cotidianas que tivesse coerência com a imagem e a história narrada.

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Figura 1: Imagem do quadrinho completo passado como atividade para os alunos


Fonte: Elaborado pelos autores

A atividade de composição e sonorização de imagens aconteceu depois que os alunos vivenciaram a


escuta de todos os parâmetros do som. Procuramos oferecer uma sequencia lógica para que produzissem
uma história sonora a partir das imagens. Os alunos deveriam em grupo sonorizar cada cena empregando
sonoplastia e repertório que melhor evidenciassem os sentimentos das cenas.
A atividade foi considerada pelos alunos muito interessante e gastaram bastante tempo para resolver
como seriam executados os ruídos e que músicas seriam executadas. Como este tipo de atividade não tinha
uma resposta correta os alunos se sentiram competentes para produzir a sonorização a partir de suas
próprias experiências de escuta. Verificamos que os alunos apresentaram limitações de escrita mas
conseguiram executar as atividades, também observamos que alguns alunos tiveram receio de compartilhar
seus repertórios entregando a atividade em branco ou parcialmente respondida. Ainda assim, pude perceber
que as músicas foram identificadas com mais facilidade do que a sonoplastia de ruídos.
A seguir apresento as respostas da sonorização dos alunos com ruídos e músicas durante atividade:

Figura 2: Imagem do 1º quadro do quadrinho


Fonte: Elaborado pelos autores

As respostas do quadro 1- sobre identificar e atribuir um ruído á cena, um aluno respondeu:


“arranhar o caderno para simbolizar o som do coelho girando” os outros alunos não conseguiram descrever
um som irregular que pudesse corresponder a imagem. Sobre a escolha da música que poderia ser a trilha

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da cena do primeiro quadro, as músicas escolhidas pelos alunos foram: “Nossa , nossa, assim você me mata”
(Michel Teló), “Eu quero ver você correr atrás de mim” (Aviões do Forró)

Figura 3: Imagem do 2º quadro do quadrinho


Fonte: Elaborado pelos autores

As respostas do quadro 2, sobre identificar e atribuir um ruído a cena, um aluno respondeu: “Uma
batida devagar”, os outros alunos não conseguiram descrever um som irregular que pudesse corresponder a
imagem. Sobre a escolha da música que poderia ser a trilha da cena do segundo quadro, apenas um aluno
respondeu com a: Música “Florentina” (Tiririca)

Figura 4: Imagem do 3º quadro do quadrinho


Fonte: Elaborado pelos autores

As respostas do quadro 3 – sobre identificar e atribuir um ruído a cena, nenhum aluno respondeu.
Sobre a escolha da música que poderia ser a trilha da cena do quarto quadro, a música escolhida por um
aluno foi: “Malandro é malandro” (Diogo Nogueira) e “Eu sei que você estava... (autor desconhecido)

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Figura 5: Imagem do 4º quadro do quadrinho


Fonte: Elaborado pelos autores

As respostas do quadro 4 – sobre identificar e atribuir um ruído a cena, um aluno respondeu: Uma
“batida na mesa para simbolizar o som da pancada com o tabuleiro de xadrez”. Os outros alunos não
conseguiram descrever um som irregular que pudesse corresponder a imagem. Sobre a escolha da música
que poderia ser a trilha da cena do quarto quadro, as músicas escolhidas pelos alunos foram: “Entre tapas e
beijos”(Zezé Dicamargo e Luciano) “Aquela paz” (Charlie Brown).
Fazendo um balanço sobre atividade, observamos que a minoria dos alunos respondeu todos os
quadros do quadrinho, os demais ou não fizeram ou deixaram atividade pela metade, o que foi uma surpresa,
pois acreditamos que das atividades, esta seria a questão mais respondida e prazerosa, mas não foi.
Presumimos que os alunos sentiram dificuldades para expor suas sugestões pessoais, por acharem que elas
seriam desconsideradas por nós no processo avaliativo. Ao final da atividade um aluno perguntou: -
Professora qual era a resposta certa? Qual seria a resposta adequada para responder na escola? Que música
a senhora queria que a gente colocasse lá?
Como o balanço dessa atividade, não foi o esperando, continuamos tentando outras possibilidades
de atividades , afim de trabalhar o cotidiano, o extra-cotidiano e a motivação. Pensamos aplicar outro
formato de atividade com a proposta de reunir grupos. A atividade de composição foi proposta para os alunos
que deveriam construir vídeos para sonorizar imagens de histórias criadas por eles e que deveriam ser lidas
pelos sons.
Os trabalhos foram produzidos por eles sem qualquer interferência da professora, no sentido da
escolha do repertório musical ou do roteiro que a história seguiria, posteriormente os trabalhos foram
apresentados na aula seguinte pelos respectivos grupos. As histórias construídas pelos alunos, reuniu
imagens e sons previamente escolhidos para integrar a produção, as temáticas descreveram situações do
cotidiano sociocultural dos mesmos como, assalto e estupro, encontros de torcidas (Remo e Paysandu) e
violência, assuntos que mereceram ser discutidos na sala de aula, por evidenciarem questões sociais
relevantes. O trabalho resultou no maior envolvimento dos estudantes com a atividade, no interesse coletivo

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das equipes de reunirem e discutirem sobre o que entraria na montagem do vídeo, criando um
relacionamento vultoso na maneira de relacionar o conteúdo das aulas com a vida.
A movimentação positiva dos alunos em torno da disciplina artes, chegou até os ouvidos da direção
e dos coordenadores da escola, resultando num convite feito pela equipe técnica da escola para a EJA
participar de um evento chamado “Festival do Rock”.
O festival do rock na escola foi uma atividade que envolveu os três turnos da escola estadual de
ensino médio, em cada turno se fariam apresentações sobre uma década do rock. Nosso turno segundo o
relato da coordenadora pedagógica nunca havia participado de atividades neste perfil.
Antes de aceitar o convite, conversamos com os estudantes sobre este festival e perguntamos quem
teria interesse em participar. Explicamos que se tratava de um evento com todos os turnos á ser realizado
na quadra coberta da escola e nós deveríamos estar caracterizados com a década do Rock que iriamos
representar, que no caso, foi o rock dos anos 70.
Os alunos receberam o convite para participar do Festival do Rock de forma muito positiva e
sugeriram que cantássemos alguma música. Dentre os debates surgiu a música do Tim Maia com maioria dos
votos.
Nosso tempo de ensaio foram de 4 aulas e toda semana nos reuníamos para cantar. A letra da música
foi digitada e distribuída e também utilizamos uma caixa de som dentro da sala com o playback da música
“Não quero dinheiro, eu só quero amar”.
Durante os ensaios e para motivar os alunos foram explicadas algumas técnicas respiração e
relaxamento e foram aplicados alguns exercícios vocais para projetar o som, que foram empregadas na
informalidade. Para os alunos as informações de como cantar melhor os deixavam á cada ensaio mais
animados com a apresentação, de forma que, ao final da aula ouvíamos muitas reclamações sobre o tempo
de ensaio tão curto. Disponibilizamos o playback da música para os celulares dos alunos através do
computador e do bluetooth entre os próprios aparelhos celulares deles, para que treinassem em casa.
No dia da apresentação os alunos contaram com a regência da música para que se sentissem seguros
com as voltas da estrofe para o refrão e com a sinalização da dinâmica da música. E diante da plateia formada
por alunos dos três turnos executaram o canto, foram bastante aplaudidos e se sentiram bastante satisfeitos
com a apresentação a ponto de organizarem um pequeno coquetel na sala para comemorar.
Percebemos que as aulas de música alcançaram bem mais do que planejamos inicialmente e que os
benefícios se tornaram evidentes a partir do momento em que o aluno se tornou o principal agenciador de
seu aprendizado. Durante o processo de aprendizagem musical, os alunos vivenciaram com seu repertório e
a disciplina muitas alegrias que os levaram á festejar os sucessos percebidos. Na festa de confraternização a
sala foi enfeitada por eles com desenhos musicais de claves, notas musicais discos e foi realizada logo após a
apresentação no festival do Rock.

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Muitos testemunhos dos alunos foram ouvidos por nós e pela coordenação pedagógica presente
sobre como o ensino naquele ano motivou os estudantes a prestarem a prova ENEM. Segundo seus
depoimentos eles descreveram que o aprendizado de música, assim como outras disciplinas contribuíram
para que seguissem estudando e aprendendo de forma permanente.

Considerações finais
A proposta de aula para os educandos da EJA, pretendeu valorizar a vivência do aluno, partindo das
relações que eles estabeleceram com a música popular e indústria cultural. Ampliamos sua escuta
adicionando as qualidades sonoras e conhecimento sobre a produção sonora e cultural das músicas em todas
as regiões do Brasil, permitindo ao aluno aumentar o alcance e a qualidade de sua experiência estético-
musical e conhecer mais sobre a diversidade musical existente e não somente sobre uma música específica
á ser exposta como protótipo da totalidade. De forma igual o ambiente de ensino mais democrático
promoveu condições para que o aluno desenvolvesse autonomia sobre o conhecimento direcionando suas
ações musicais á aspectos pessoalmente valorizados e importantes para ele, como ocorreu com a
apresentação no festival do Rock. Desta forma, percebemos que o repertório empregado nas aulas foi o
elemento motivador do aprendizado dos estudantes porque aumentou a autoestima para aprender e
continuar aprendendo.
É importante lembrar que:

(...) falar sobre o cotidiano e suas relações com a educação musical não implica
apenas o aspecto de que a aula de música deveria se orientar naquilo que os alunos
ouvem diariamente em seus contextos sociais, naquilo que eles trazem como
hábitos e preferências musicais. Estudar o cotidiano é considerá-lo em sua
complexidade, não dissociando teoria e prática, saberes formais e cotidianos,
dados relevantes e irrelevantes cientificamente, observadores e observados,
conteúdo e forma (SOUZA, 2013, p. 20 e 21).

Dentre as disciplinas do currículo Artes, o conteúdo música se enquadra como um dos


conhecimentos mais aproximados da vida cotidiana do estudante, pois, estimula a curiosidade, a percepção,
e favorece para que exerça a autonomia na construção do conhecimento.
O artigo buscou descrever essas atividades, afim de mostrar que é importante considerar o
cotidiano do aluno, assim como, pensar ações educativas mais aproximadas do saber cotidiano com o extra-
cotidiano como forma de aumentar o envolvimento e a satisfação para ambos envolvidos no processo de
ensino e aprendizagem. Neste sentido pretendemos colaborar para fomentar práticas de ensino mais
aproximadas dos saberes cotidianos dos estudantes e apoiar o exercício docente mais democrático e menos
controlador nas escolas da educação básica.

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A influência do aparelho ortodôntico para o trompetista: uma investigação na


classe de trompetes da Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte-UFRN

Thiago Sousa Silveira


Ranilson Bezerra de Farias
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
thiago _sousa1991@hotmail.com

Resumo: O presente artigo busca levantar questões sobre a interferência do


aparelho ortodôntico na prática do trompetista, seja em seu âmbito estudantil ou
profissional. O processo investigativo ocorreu na classe de trompetes da Escola de
Música da UFRN, por meio de entrevistas aos professores e questionários aos
alunos inseridos na referida conjuntura, tendo como objetivo encontrar os
possíveis aspectos prejudicados na aprendizagem e no desenvolvimento
instrumental.
Palavras-chave: Aparelho-Ortodôntico- interferência-aprendizagem-Trompete.

Abstract: This article search raise questions about the interference of the
orthodontic appliances in practice of the trumpet player be on your student scope
or professional. The investigative process occurred in the trumpet class at the Music
School of UFRN, through interviews with teachers and questionnaires with students
entered in that context, in order to find possible aspects harmed in instrumental
learning and development.
Keywords: Appliances -Orthodontic-Interference -Learning-Trumpet.

Introdução
Considerando a diversidade de fatores que podem influenciar negativamente a prática instrumental,
observamos que, direcionamentos relacionados a esse contexto dificilmente atendem as particularidades de
cada indivíduo. Entendo esta prática como os atos que tramitam desde a aprendizagem instrumental1 até o
ato da performance propriamente dita, onde se subentende que o instrumentista deva aplicar aquilo que foi
aprendido. Tocar um instrumento requer a excelência de fatores que perpassam ordens física, cognitiva e
psicológica, no entanto, a indeterminação bem como a imprevisão do mau desempenho desses fatores
podem gerar conturbações à execução instrumental, afirmando assim, importância de estudos
interdisciplinares relacionados ao fazer musical.

1
Aprendizado instrumental – rotina na sala de aula /estudos diários.

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Alguns autores apontam a versatilidade e interdisciplinaridade da Performance Musical bem como


de sua pedagogia por fazer interface com outras subárias da música e com outros campos do conhecimento,
assim como reiteram Borem e Ray (2012, p.34).

“Estudos interdisciplinares entre a Música e as Ciências da Saúde têm sido


especialmente importantes para Performance Musical, pois a colocam em contato
com uma tradição de pesquisa consolidada há mais de um século, com referenciais
teóricos claros e larga experiência em pesquisas experimentais” (BOREM, RAY,
2012, p.34).

Nesse viés, encontrei pesquisas que se voltam para outras áreas em busca de aperfeiçoar o ofício dos
músicos, como por exemplo: no campo de estudos da educação física, no qual encontrei trabalhos que
sugerem um melhor condicionamento para execução instrumental, postura e respiração; na área da
psicologia, no qual podemos observar busca pelo equilíbrio mental e emocional, buscando atingir a
serenidade no momento da performance; na fonoaudiologia, a partir de investigações que contemplem
questões relacionadas a articulação na execução instrumental; no campo de estudos da neurociência que
problematiza doenças ocupacionais em músicos (distonia, distúrbios, espasmos musculares, entre outros); e
a odontologia voltada para os músicos de sopro. Estes são exemplos de áreas que compactuam com a
performance e a aprendizagem de instrumentistas, estudando aspectos físicos e psicológicos que interligam-
se e geram o resultado de uma boa ou má pratica instrumental.
Portanto, este artigo se ateve ao estudo dos aspectos físicos gerados pelo uso do aparelho
ortodôntico (tratamento fixo), buscando entender melhor o que esse mecanismo ocasiona na prática de um
trompetista. Desse modo, considerando a falta de sistematização do processo de desenvolvimento
instrumental direcionado à prática do trompete no contexto exposto neste trabalho, consideramos viável
apresentar a relação entre o referido tratamento e o ato de tocar trompete. Analisaremos em seguida uma
investigação feita na Escola de Musica da UFRN com quatro alunos trompetistas que passaram por essa
circunstância, sondando também a perspectiva de seus professores em relação a essa situação.

1. A relação da aprendizagem do trompete com o uso do aparelho ortodôntico


Inicialmente se torna imprescindível destacar que este trabalho não trata de um estudo
odontológico, limitando-se essencialmente ao escopo instrumental da referida conjuntura. Dessa forma, os
elementos extra-musicais destacados neste artigo, são efetivamente para que se possa melhor entender a
realidade investigada do ponto de vista da prática do trompete.
Tocar trompete com aparelho?

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Há algum tempo observamos no meio musical uma situação que abrange todas as classes de
instrumentistas, mas que, notoriamente tem seu maior impacto na classe dos instrumentistas de sopro. A
utilização do aparelho ortodôntico por esses músicos é um fato que tem sido constatado frequentemente e
alguns estudos reiteram essa premissa comprovando a existência de diversos efeitos negativos da referida
situação. [Colson, J; Stoneback “Braces and Brass” (1998)]. Raney (2006, p.2) assinala que, seu uso pode
causar impactos negativos aos instrumentistas de sopro, provocando desconforto e interferência na
embocadura2. O mesmo autor menciona ainda que, os instrumentos de metais são os que sofrem mais
efeitos nesse tratamento.
Dentre as diversas modalidades de tratamento ortodôntico, o aparelho fixo tem sido muito
frequente entre os instrumentistas de sopro, sendo utilizado de forma mais ampla que no passado. Nesse
contexto, Hickman (2006, p.40) ressalta ainda a considerável expansão dessa situação nos últimos anos,
considerando-a de grande importância para a pedagogia do trompete. Dessa forma, a partir de uma analise,
demonstraremos nos tópicos a seguir tal conjuntura:
Tratamento-Fixo: Constitui-se de braquetes, bandas, tubos, e arcos que geralmente são instalados
na parte frontal dos dentes de cada arcada dentária, estes são permanentes até o fim do tratamento:

Figura 1 Fonte: http://clinicameusorriso.com.br/blog/aparelho-fixo-e-suas-pecas/


AUTOR: Desconhecido, 2016.

Relação bocal, lábios e dentes: Em sua construção o trompete possui características que o diferencia
dos demais instrumentos de metais. As tubulações são mais estreitas que as do trombone ou da tuba. Apesar
de possuírem os mesmos aspectos de produção sonora, realizados pela vibração labial que envolve a
contração e relaxamento dos lábios, a principal parte que pode diferenciar esses instrumentos junto ao
tratamento fixo é o bocal, que varia de tamanho conforme o instrumento. Dessa forma, quando colocado

2Segundo Lacerda (2011, p22) “o termo embocadura refere-se ao método através do qual os lábios se conformam
à volta do bocal de um instrumento musical de sopro”.

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sobre os lábios, cada bocal acaba provocando sensações distintas ao formar suas respectivas embocaduras
para gerar o som. Bulhosa (2012, p. 110) afirma ainda que, “Cada tipo de embocadura requer uma articulação
especifica entre a boquilha (bocal), lábios e o sistema respiratório de forma a permitir a correta execução
musical [...]”.

Figura 2 Fonte: www.facebook.com/musicaeodontologia


AUTOR: Dr. Alexandre de Alcântara ANO: 2015

O fato de o aparelho ser instalado na parte frontal dos dentes faz com que os músculos que envolvem
a embocadura exerçam suas funções diretamente sobre o mesmo, podendo influenciar de maneira negativa
na produção do som. Maestrello (2010, p.69) analisa os principais músculos envolvidos na execução do
trompete, destacando inicialmente o “orbicularis oris3” ou orbiculares da boca, sendo este o único músculo
a entrar em contato com o bocal. (MAESTRELLO, p.69)

“Este músculo apresenta uma característica fundamental para execução ao


trompete, e também nos demais instrumentos de bocal; trata-se da possibilidade
deste contrair-se na região do “canto da boca”, ao mesmo tempo em que sua região
central (aproximando-se do centro da mesma) permanece com menor tensão”.
(MAESTRELLO, 2010, p.69)

Maestrello ressalta ainda a importância de outros músculos faciais dizendo:

“Uma vez que estes outros músculos faciais também entram em questão,
concluímos que não somente por ação do orbicular da boca, realiza-se a contração
muscular desta região”. [...] “Assim entre oito ou nove músculos convergem para o
ângulo da boca formando uma massa muscular denominada modíolo. Esta
estrutura apresenta importância crucial na execução do trompete uma vez que a
ação combinada destes músculos possibilita a maior ou menor tensão na emissão
de diversos registros”. (MAESTRELLO, 2010, p.69)

Com tais afirmações levantamos a questão que indaga quais os músculos da face envolvidos
na formação da embocadura são atingidos pelo aparelho ortodôntico na hora de tocar trompete.

3
Origem: Ângulo da boca, circundando a boca como um esfíncter; Inserção: Componente principal dos lábios; Ação:
Movimentam os lábios, as asas do nariz e a pele do mento.

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Nesse caso, para saber de fato a influência do aparelho mencionado no trabalho desses músculos
seriam necessários estudos mais aprofundados e específicos direcionados a esse aspecto.
O tratamento fixo pode também causar alterações na estrutura orofacial, ocasionando
também desequilíbrio na embocadura devido a sua função de correção ortodôntica.Em uma
Entrevista publicada na International Trumpet Journal-ITJ por Walker, um dos entrevistados expõe
que: “A cada duas semanas, eu mudava os alinhadores (aqui entendido como os arcos), por isso
cada vez que eu mudei levei algum tempo para me adaptar4” (cit in, WALKER, 2014, pg.87).
Ressaltamos tal conjuntura em um estudo feito por Maia e Araújo (2002 p.90), o qual foi observado
que, as modificações anatômicas dos dentes causadas pelo tratamento, poderia ainda interferir no
desempenho do músico.

2. O aparelho ortodôntico na classe de trompetes da emufrn


Segundo a ementa do curso de trompete da EMUFRN5, o mesmo tem o objetivo de formar
profissionais aptos a participarem do desenvolvimento da área e a atuar nos campos musicais instituídos e
emergentes, de maneira criativa e inovadora, participando ativamente do mundo do trabalho e da prática
social, bem como formar músicos de excelência aptos à performance com possibilidades de seguir a carreira
da docência.
Através de orientações de um professor os trompetistas se valem de métodos (livros de estudos) e
metodologias para construir e cumprir com a obrigatoriedade estabelecida pelo curso, consequentemente
sendo avaliados pelo seu desempenho instrumental. No entanto, a referida instituição tem aprovado vários
trompetistas nos seus cursos, técnico e bacharelado, que se sujeitaram ao uso do aparelho ortodôntico.
Dessa forma, podemos evidenciar o seguinte dilema: A obrigatoriedade de cumprir o conteúdo exigido pelos
seus respectivos cursos e a sujeição ao tratamento ortodôntico.
Para investigar os casos acontecidos nesse contexto, utilizamos entrevistas semi-estruturadas
direcionadas aos professores de trompete da referida instituição. Usamos como método investigativo
também um questionário que buscou averiguar especificamente o que acontecera de fato nos casos
encontrados, o mesmo contemplou alunos de trompete que tiveram experiência com o uso do aparelho
ortodôntico. Foram identificados cinco casos, mas, como fui um dos alunos que vivenciou essa experiência,

4 “Every two weeks, I would hand aligners; so every time I changed, it would take some time to adjust.”(Invisalign, A
viable Alternative to Traditional Braces, Part 2, by Brian Walker, 2014).
5
http://www.musica.ufrn.br/cursos/bacharelado; http://www.musica.ufrn.br/cursos/tecnico

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optei por não fazer parte desta fase da pesquisa, portanto apliquei o questionário com os outros quatro
alunos.
Questões e respostas
Você já tocava trompete quando teve que colocar aparelho ortodôntico? Se sim, há quanto tempo?
E que tipo de aparelho você usa ou usou?
Trompetista 1-sim, dez anos, aparelho fixo.
Trompetista 2- sim, tocava há aproximadamente dez anos, aparelho fixo.
Trompetista 3-sim, eu estudava há treze anos, aparelho convencional (fixo).
Trompetista 4- sim, antes de colocar aparelho, dois anos, aparelho convencional (fixo).
A inserção do aparelho influenciou a sua prática instrumental? Se sim, quais aspectos foram
afetados?
Trompetista 1- Influenciou no atrito dos lábios em contato com o aparelho, fez com que o aparelho
vibrasse menos os lábios. SIM, a extensão do instrumento ficou mais difícil, a resistência ficou mínima, as
técnicas de executar falhavam e a perca da resistência.
Trompetista 2- Sim, o aspecto mais afetado foi à emissão do som no instrumento, comprometendo
toda parte técnica, minha extensão foi completamente afetada devido a pressão do instrumento contra os
braquetes, pois machucava os lábios, o staccato não saia com clareza, pois a língua parecia estar distante do
contato do bocal.
Trompetista 3-Sim e muito! Como já estava na graduação, quando coloquei o aparelho, fui afetado
diretamente em todos os aspectos relacionados ao tocar no trompete. Vibração labial, Sonoridade e
Resistência.
Trompetista 4- Sim, atingidos as partes de: flexibilidade, a vibração dos lábios.
Caso você tenha sido prejudicado, quais medidas você tomou para o seu desenvolvimento
instrumental?
Trompetista 1- Prejudicou principalmente a resistência do músculo dos lábios, deixando-os mais
sensíveis e com isso no inicio tive que iniciar do zero para que a embocadura voltasse ao normal.
Trompetista 2-Primeiro passo foi reaprender a tocar, em seguida teve que buscar formas que me
proporcionasse tocar com conforto, respirar bastante e evitar pressionar o instrumento contra os lábios para
facilitar a vibração, e uma serie de exercícios de relaxamento corporal que me fizeram ter consciência das
tensões musculares.
Trompetista 3- Eu optei pela retirada do aparelho após uma semana usando, pois a exigência e o
trabalho profissional foram afetados totalmente. Não descartando a possibilidade de vim a usar novamente!
Trompetista 4- Não pressionava muito o trompete, para os meus lábios vibrarem melhor, para o
desenvolvimento da flexibilidade, notas mais limpas.

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As perguntas referentes ao questionário supracitado tiveram como objetivo constatar: a experiência


instrumental prévia do trompetista no momento da inserção do aparelho; qual tipo de tratamento foi
utilizado em cada caso; no caso de ocorrência de interferência quais os aspectos da técnica do trompete
foram afetados; e quais medidas foram tomadas na tentativa de reverter os prejuízos causados pelo aparelho
ortodôntico.

3. Analise e apresentação dos resultados


Nesta parte da pesquisa iremos tratar do ponto de vista dos docentes entrevistados conectado a
análise do questionário aplicado, evidenciando suas experiências relacionadas à prática do trompete junto
ao uso do aparelho ortodôntico. Foram realizadas entrevistas com os três professores de trompete em
atividade no ano de 2015. Nesse contexto, foram entrevistados os professores Ranilson Bezerra de Farias,
João Maria Simplício Ferreira e Márcio Borges Barbosa.
De acordo com o professor de trompete mais antigo e ativo da instituição em questão, Dr. Ranilson
Bezerra de Farias, pode-se constatar que esta situação não é de tempos recentes, que há décadas o
tratamento com aparelho ortodôntico tem contracenado com o trompetista e causado na maioria das vezes
reflexos desfavoráveis na pratica instrumental. Em um dos casos, Farias (20156) afirma que, um de seus ex-
alunos após uma indicação médica veio a colocar o aparelho ortodôntico e acabou deixando de tocar
trompete, ressaltando ainda que: “temos alunos que não desistiram do instrumento, mas que tiraram o
aparelho para conseguir tocar novamente”.
Simplício (2015)7, professor substituto da UFRN, ao relatar sua experiência defende que: “o principal
problema de um trompetista usar aparelho é a força do instrumento contra o lábio, o atrito causando
machucados”. Dissenha, (2011 p.2) em seu artigo relacionado à embocadura, lábios e dentes, retrata este
fato da seguinte forma:

“Pense da seguinte maneira: bocal = superfície dura, lábios = superfície mole,


dentes = superfície dura. O resultado é um “sanduíche de lábios”, onde a pressão
constante destes lábios contra a face frontal (frente) dos dentes pode ou poderá
vir a causar lesões com o passar do tempo” (DISSENHA, 2011, p.2).

Com base no que demonstrou Dissenha, podemos ainda considerar o aparelho como “superfície
dura” e acrescentá-lo hipotéticamente entre os lábios e os dentes, isso reforça o fato de que a probabilidade

6
Entrevista concedida por FARIAS, Ranilson Bezerra de. Entrevista I. [dez.2015]. Entrevistador: Thiago Sousa Silveira.
Natal, 2015. 1 arquivo .mp3 (00:10:06 min).
7
Entrevista concedida por FERREIRA, João Maria Simplício. Entrevista II. [nov.2015]. Entrevistador: Thiago Sousa
Silveira. Natal, 2015. 1 arquivo .mp3 (00:08:29 min).

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de ocorrer uma lesão se torna ainda maior no caso do trompetista com aparelho ortodôntico mediante a
pressão descrita pelo autor.
Deste modo, através do relato das experiências dos entrevistados, podemos constatar em todos os
casos um impacto negativo considerável na execução do instrumento. Barbosa (2015) descreve alguns
problemas nesse sentido como: Adaptação da musculatura facial, Perda da tessitura do instrumento,
deficiência sonora8. Farias (2015) também destacou alguns aspectos presentes em seus alunos que passaram
por essa situação afirmando: “Se você coloca o aparelho, de cara você terá problemas com: Perda da
extensão, desconforto, resistência, sonoridade, afinação, registros grave e agudo”.
Conseguimos evidenciar essas afirmações a partir dos dados coletados, podendo afirmar
efetivamente que apesar das diferentes experiências instrumentais dos alunos aqui investigados, todos
usaram aparelho após terem iniciado os estudos do trompete, e apesar de diferentes tempos de prática
instrumental, constatamos essencialmente os mesmos efeitos (parcialmente negativos).
Ao observarmos as entrevistas e os questionários percebemos a conexão dos fatos tanto da
perspectiva do docente, como dos próprios alunos, mostrando nestes casos os diversos pontos na prática do
trompete que foram afetados pelo uso do aparelho ortodôntico. Bem como ressaltou Farias (2015),
verificamos que além do desconforto causado nos contextos apresentados, os seguintes aspectos são
comprometidos: vibração labial (emissão do som), resistência, flexibilidade, articulação e tessitura, que por
sua vez são primordiais para uma execução instrumental satisfatória.
A relação feita no inicio do trabalho junto aos resultados aqui apresentados demonstra o quanto o
aparelho fixo interfere no processo de formação da embocadura do trompetista, resultando na deficiência
das técnicas supracitadas. Coelho ressalta que: “A flexibilidade, resistência e fácil produção de som são
fatores imprescindíveis para uma embocadura sólida e consistente”. (Entrevista a Rui Borba Cit in, COELHO,
2013, p.51). Essa circunstância se dá, possivelmente devido à pressão causada pelo contato do referido
aparelho com os principais pontos de formação da embocadura.
Outro caráter a ser apontado é que, nos casos aqui estudados nos deparamos com trompetistas que
precisaram retroceder no processo de aprendizagem e aperfeiçoamento técnico do instrumento devido ao
impacto causado pelo aparelho. Nesse sentido, Barbosa (2015) observa: “Tivemos que quebrar as rotinas de
métodos e peças que vinham sendo trabalhadas e tivemos que baixar o nível, voltando para o inicio”9.

8
Entrevista concedida por BARBOSA, Marcio Borges. Entrevista III. [nov.2015]. Entrevistador: Thiago Sousa Silveira.
Natal, 2015. 1 arquivo .mp3 (00:11:18 min).
9
Entrevista concedidapor BARBOSA, Marcio Borges. Entrevista III. [nov.2015]. Entrevistador: Thiago Sousa Silveira.
Natal, 2015. 1 arquivo .mp3 (00:11:18 min).

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Notoriamente essa não é uma situação comum para o trompetista, e na busca por amenizar os
problemas causados pelo aparelho os alunos orientados pelos professores se apóiam nos métodos e
conceitos já existentes, na tentativa de se conseguir um progresso instrumental que permita ao mesmo, o
cumprimento do programa estabelecido pelo curso. Nesse sentido não obstante os trompetistas 1, 2, 3 e 4
afirmarem anteriormente no questionário, os professores entrevistados ressaltaram unanimemente que o
foco do aperfeiçoamento instrumental desses alunos se deu de maneira progressiva e suave para que não
houvesse lesões, buscando sempre o conforto e o relaxamento no tocar, baseando-se em conceitos e
metodologias convencionais.

Considerações finais
Levando-se em consideração que os efeitos do uso do aparelho ortodôntico podem variar de pessoa
para pessoa, ainda se torna difícil precisar sobre as influências do mesmo, bem como a maneira de abordar
cada caso, para que se tenha o resultado mais satisfatório possível em suas práticas instrumentais. No
entanto, constatamos neste trabalho diversas manifestações em comum aos trompetistas investigados, tais
como: problemas com a vibração labial (emissão do som), resistência, flexibilidade, articulação e tessitura,
que por sua vez, indiferentemente da relação de suas experiências com a prática do trompete geraram
retrocesso técnico-instrumental.
É de grande importância ressaltar ainda, que esse é um tema pouco explorado no Brasil, e ainda que
consigamos destacar alguns efeitos do aparelho ortodôntico mediante os fatos expostos, há a real
necessidade de se investigar outros casos, para uma melhor compreensão desse problema, para que
possamos levar em conta outros aspectos que influenciam uma boa ou má prática instrumental.
No presente artigo buscamos investigar aspectos técnicos do trompete que foram afetados pelo
aparelho ortodôntico, entretanto, sabemos certamente que a inserção deste, poderá provocar também
influencias físicas, no que se diz respeito á estrutura fisiológica do individuo e, sobretudo psicológicas, que
refletem seguramente na prática de qualquer instrumentista. Donaldson (199910) relata em um artigo
publicado online, o medo que percorre o aluno mesmo antes do tratamento pelos “rumores terriveis” já
ouvidos a respeito de tocar trompete com aparelho.
Considerando a observação de Donaldson, podemos ponderar sobre importantes questões, como
por exemplo: como seria para aqueles trompetistas que possuem certo “nivel técnico” já consolidado? Como
se sentiriam tendo que retornar a etapas ja vivenciadas quando iniciavam seus estudos no trompete? Como

10
<http://www.minarsortho.com/blog/index.php/2010/08/back-to-school-with-braces-playing-the-trumpet/.>. Acesso
em: 26/03/ 2015.

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abordar cada método e conceito, para obter resultados na prática instrumental? Por onde começar a
adaptação nos momentos de inserção e remoção do aparelho ortodontico?
Para finalizar, podemos observar que existe uma grande lacuna no que se refere a sistematização de
metodologias para o desenvolvimento instrumental na situação apresentada, para nortear professores e
alunos no sentido de tratar de forma consciente e eficaz os problemas causados pelo aparelho ortodôntico..
Nesse sentido, este trabalho levanta questões que poderão servir de princípio para a prosperidade
pesquisadora, tendo como objetivo incentivar os músicos a buscarem soluções para um problema que
atualmente atinge parte dos instrumentistas de metal.

Referências Bibliográficas:

BORÉM, F; RAY,S. Pesquisa em Performance Musical no Brasil no Século XXI: problemas, tendências e
alternativas. Anais do II SIMPOM 2012 - Simpósio Brasileiro de Pós-graduandos em Música, p.34, 2012.

HICKMAN, D, R. Dental Consideration, Braces, Trumpet Pedagogy A compendium of Modern Teaching


Techniques. Hickman Music Edition, p.40-42, 2006.

BULHOSA, J, F. Impactos oro-faciais associados à utilização de instrumentos musicais, Medicina Dentária


Preventiva e Comunitária, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade Fernando Pessoa. Serviço de
Medicina Dentária, ACES Tâmega II, Vale do Sousa-Sul, Porto, Portugal, p.110, 2012

MAIA, AWC; ARAÚJO, RPC. Influencia de los dientes anteriores en el desempen˜ o del instrumentista de
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RANEY, N. The Effects of Orthodontic Appliances on Wind-Instrument Players, JCO, jun p.2-4, 2006.

COELHO, F, A, S. Uma abordagem pedagógica a questões técnicas e metodológicas do ensino do trompete


no âmbito das escolas profissionais de música em Portugal, Universidade Lusiana de Lisboa, abril, p.51, 2013.

MAESTRELLO, D. Trompete: aspectos físicos e orgânicos da performance musical-proposta de atividade física


para melhor desempenho e manutenção da performance, Escola de Comunicação e Artes da Universidade
de São Paulo, São Paulo, p.69, 2010.

WALKER. B; Trumpet Technology-, Invisalign A viable Alternative to Traditional Braces, O´CONNOR, Rigan, ITJ
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COLSON, J; STONEBACK, R. Braces and Brass. San Antonio, TX: RBC, Publication, 1998.

DISSENHA, F. Embocadura, Lábios e Dentes. Musica e Odontologia, p.2, 2011. Disponível em:
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DONALDSON, J. Back to School with Braces: Playng the trumpet. Minars Orthodontics. August, 04/2010.
Disponível em: <http:// www.minarsortho.com/.>. Acesso em: 26/03/ 2015.

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Mozart: entre o mito e a música educativa

Edna Andrade Soares


musicedna@gmail.com
Universidade Federal do Amazonas

Resumo: Este paper tem como objetivo refletir sobre o papel da música frente a
sua influência e função na sociedade e na educação. Assim, expõe sobre o”Efeito
Mozart, termo usado para audição de música de W. A. Mozart em crianças para
melhora de inteligência, usado também como poder curativo, educativo e de bem-
estar. Comenta sobre a música e seus benefícios e conclui que o“efeito” ocorre na
qualidade de vida, pois a música em si, independente do compositor ou estilo,
melhora o ser como um todo, atentando, ainda, que ela possui significados que
mudam de acordo com o gosto, com o indivíduo e como este a recebe e se envolve
com ela.
Palavras-chave: Mozart. Música. Educação. Efeito.

Abstract: This paper aims to reflect on the role of music forward its influence and
role in society and education. Thus, expounds on the " Mozart Effect , a term used
for music listening W. A. Mozart in children to improve intelligence , also used as
healing power , education and welfare. Comments about the music and its benefits
and concludes that the "effect " occurs in the quality of life, because the music itself
, independent of the composer or style, improves the being as a whole , noting also
that it has meanings that change according to taste , with the individual and how it
receives and engages with it.
Keywords: Mozart. Music. Education. Effect.

1. Introdução
Desde os tempos remotos, a música tem se constituído como uma parte vital da sociedade humana.
No ocidente, a música erudita, chamada “música clássica”, tem evoluído ao longo dos séculos, apesar de seus
registros, através dos primeiros sistemas de notação musical, sinalizarem sua gênese por volta do século IX.
Desde esse período até o século XIX, a igreja e a corte têm dominado este estilo musical, tornando-o, num
certo tempo, a arte e a cultura dessas instituições, haja vista que se encontram maiores registros dessa
música nesses segmentos. Assim como fez parte das atividades na igreja e na corte, esta tem sido utilizada
para diversas funções e finalidades, provocando nos seres variados “efeitos”, dependendo dos compositores
e intérpretes e de seus objetivos.
A escolha por este tema ocorreu pela curiosidade da pesquisadora face aos relatos de cientistas que
realizaram pesquisas as quais apontaram um aumento em 30% de concentração e eficiência na realização de
problemas matemáticos durante a audição de obras de Mozart, e por ser uma música bastante utilizada em
pesquisas com foco no tratamento de doenças e também na educação musical.

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2. O “ efeito Mozart”
O tão conhecido “Efeito Mozart” foi um termo criado pelo cientista, otorrinolaringologista francês
Alfred A. Tomatis em decorrência dos trabalhos realizados na Universidade da Califórnia pelo neurologista
Francis Rauscher e o físico Gordon Shaw para denominar o que eles consideraram um aumento no
desenvolvimento cerebral e melhora de inteligência. As pesquisas desenvolvidas mostraram que “o Efeito
Mozart” ocorre principalmente em crianças com menos de três anos, quando expostos à audição da música
de Wolfgang Amadeus Mozart. Este termo abrange ainda a utilização da música por meio de seu poder
transformador na saúde, educação e bem-estar.
Esses pesquisadores apresentaram, em 1993, o resultado de um estudo onde verificaram a influência
da música na forma de comunicação dos neurônios. Eles argumentaram que as ondas cerebrais se parecem
muito com a música. Ao estudarem os efeitos em alguns estudantes universitários, sob a audição da Sonata
Para Dois Pianos em Ré maior (K.448) de Mozart, durante 10 minutos, descobriram que há padrões de
neurônios ativados, quando submetidos a esta música. (SHAW & PETERSON, 2004; LINTON, 1999).
Perceberam também uma melhora temporária do raciocínio espaço-temporal, aferido pelo teste Stanford-
Binet de QI. Para Shaw citado por Campbell:

A música de Mozart “pode aquecer o cérebro”. [...] Suspeitamos que a música


complexa facilita determinados padrões neurais envolvidos em atividades cerebrais
superiores como matemática e xadrez. Em contrapartida, a música simples e
repetitiva poderá ter o efeito oposto. (CAMPBELL, 2001, p. 25).

Embora sendo alvo de contestação, devido a não obter resultado unânime por parte das experiências
realizadas por alguns colegas e por não produzir nenhum efeito, mesmo tendo quem confirmasse seu
trabalho, tal fato fomentou novas pesquisas, agora com ratos. Isto porque alguns cientistas levantaram a
hipótese de que o efeito positivo da música seria de ordem emocional. Assim, com ratos, diferentemente
dos humanos com relação ao emocional, pôde-se comprovar que a base para o “efeito Mozart” é de origem
neurológica, (GODOY, 1999; ILARI, 2005).
Ainda em 1997, continuando tais pesquisas, alguns estudiosos admitiram ter provas científicas
quanto ao aumento das habilidades de raciocínio abstrato em crianças, quando submetidas à instrução em
piano e canto. Essas experiências mostraram que aulas de piano e canto são superiores à instrução em
computação para o aumento dessas habilidades. O experimento aconteceu com três grupos de pré-
escolares, onde um grupo recebeu aulas particulares de piano/teclado e canto, o segundo recebeu aulas
particulares de computação, enquanto o terceiro grupo não recebeu nenhum treinamento. As crianças que
receberam treinamento em piano e canto tiveram desempenho de 34% melhor em testes medindo
habilidade espaço-temporal em comparação aos outros.

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Em um outro estudo, Costa-Giomi (1999) preocupada com a durabilidade do aumento cognitivo


encontrado em crianças que receberam instruções de piano, descobriu num teste com crianças de 9 anos
que, após instrução, tiveram um melhor resultado na tarefa temporal-espacial em comparação ao grupo
controle; porém, após dois anos, não houve diferença entre os dois grupos.
Alguns estudos neurológicos sobre o termo “efeito Mozart” indicam relação entre a música e o
desenvolvimento cerebral, o pensamento espacial e lógico e o sucesso acadêmico. (ILLES, 2006; RAUSCHER,
2003). Comentando ainda, sobre o assunto, Abramsohn (2005), dá um exemplo de uma violinista alemã,
chamada Anne-Sophie Mutter, uma das principais representantes do meio musical que, em função de ajudar
as crianças consideradas dislexas, crianças que não sabem ler, neste caso, notas musicais, criou um programa
de aprendizagem de música para crianças do jardim-de-infância ao segundo grau. Ela defende a ideia de que
o cérebro para receber informação, utiliza-se do tato, da acústica e da análise, onde todos são desenvolvidos
pela música; logo a música deveria ser a base para todas as outras matérias da escola.
Em 2005, a música de Mozart foi usada na área oftalmológica, onde Niro Kasahara e a médica
musicista Vanessa Macedo Batista Fiorelli, da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, realizaram testes com
alunos de medicina e descobriram que o som de Mozart desperta um estado de maior atenção no paciente.
A audição deu-se antes do exame de perimetria computadorizada, utilizado para o diagnóstico de glaucoma
e problemas neurológicos. Nesse exame, a pessoa precisa estar relaxada, pois, caso contrário, a contração
pode dificultar o exame, cujo aparelho é bastante complexo. No período de testes, metade dos alunos
ficaram antes do exame, numa sala de espera sob a audição de oito minutos de duração da sonata de Mozart.
A outra metade foi submetida ao mesmo processo, porém sem audição de música. Comentando o objetivo
Kasahara esclarece: “O que nós queríamos era observar a relação do desempenho do campo visual através
da melhora na atenção dos pacientes. E sabemos que a falta de atenção, stress, cansaço e ansiedade podem
influenciar no resultado deste exame” (ALMEIDA, 2006).
Dadas as positividades da experiência, a dupla continuou seus estudos em pacientes do hospital com
suspeita de glaucoma. O experimento aconteceu com 60 pacientes, onde 30 deles pertenciam ao grupo A,os
quais foram submetidos ao exame após a audição de 10 minutos da Sonata Para Dois Pianos de Wolfgang
Amadeus Mozart. No grupo B, os outros 30 pacientes foram submetidos a esse mesmo exame sem ouvirem
música, servindo de grupo controle. Após os testes os pesquisadores verificaram que:

O grupo A; tinha uma perda menor de fixação durante o exame e os resultados


foram mais precisos, pois tinham menos falsos positivos e falsos negativos
comparados ao grupo B. Esses dados foram significativos sob o ponto de vista
estatístico (p < 0,05). Falso positivo significa que o exame pelo estado de tensão do
paciente pode dar que tem glaucoma e na realidade não tem. O mesmo raciocínio
vale em relação ao exame negativo. A exatidão do exame de perimetria nos
pacientes com a suspeita de glaucoma inicial, ou aqueles que já estavam fazendo o

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tratamento com um acompanhamento mais adequado por esse exame. Neste caso,
os benefícios advêm do relaxamento, que facilita os reflexos. Porém os
pesquisadores acreditam que há outros processos que colaboram para a melhora
da performance, pois a música interfere no sistema que regula as emoções.
(FIORELLI, KASAHARA et al, 2006).

3. Música e seus benefícios


O poder transformador da música vem de muito tempo atrás. Os relatos mitológicos falam de Orfeu
que se destaca como o músico por excelência. Tinha por companheira a sua lira ou cítara que apaziguava os
elementos da natureza, enfeitiçava as plantas, os animais, os homens e até os Deuses. Don Campbell,
entretanto, superou as expectativas, haja vista que já publicou 12 obras sobre o Efeito Mozart, com bom
índice de vendas. Ele analisa a influência da música sobre as pessoas, propondo ainda que o homem devesse
utilizá-la mais em seu benefício.
Ao corroborar com as posições de Campbell, Vance e Deacon (1999, p.155) afirmam: “a música
deveria ser importante para nossas vidas. Esta é energia para a mente”. (trad. nossa). Para esses autores, as
atividades musicais enriquecem a qualidade de vida. Sugerem ouvir Mozart para expandir a criatividade e o
QI, assim como tocar piano e cantar para um maravilhoso passatempo. Continuando suas proposições acerca
da música, comentam: “Um primeiro propósito da música é estimular nossas emoções, nossas paixões e
nosso espírito, estabelecendo o humor e uma atmosfera” (trad. nossa).
Outro exemplo dos benefícios da música em todas as áreas é o livro de Beatriz Ilari, (2006), “Em busca
da mente musical”, em que reúne textos de especialistas de diversas áreas do Brasil e do exterior. No quadro
dos autores referidos no seu livro encontram-se, entre outros relevantes, Daniel Levitin da Universidade
McGill, que trata do estudo da psicologia cognitiva da música; Carol Krumhansl da Universidade de Cornell,
com o estudo sobre os estímulos musicais tendo o ritmo e a altura, como principais dimensões dos estímulos.
Afora esses, há Rodolfo de Souza da Universidade de São Paulo, o qual defende a ideia que o pensamento
musical não é lógico; Marcelo Wanderley da Universidade de McGill, David Hargreaves da Universidade de
Surrey-Roehampton, Costa-Giomi da Universidade do Texas - Austin, que estuda os efeitos da música no
desenvolvimento humano. Todos esses trabalhos são fontes de pesquisa direcionados para o estudo da
mente musical.
Retomando as experiências de Campbell, os relatos de pessoas que se recuperaram mais
rapidamente de doenças pelo hábito de ouvir música e pela sua própria experiência em curar um coágulo de
mais de quatro centímetros no seu cérebro, fazendo-o desaparecer murmurando, orando e visualizando uma
mão vibrante ao lado direito do seu crânio. “Cantarolando, senti um poder de um som que possuía calor,
brilho e clareza [...]” (CAMPBELL, 2001, p. 17). Don Campbell, em seu livro "Efeito Mozart", descreve vários
estudos feitos por Alfred Tomatis, sobre os problemas de audição e linguagem e relacionou as funções da

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audição ao equilíbrio psicofísico do indivíduo. Nessa obra há relatos de evidências da música clássica de
Mozart no tratamento auxiliar de doenças, estímulos ao aprendizado, integração social e outros. Sobre a
importância da música, Campbell comenta:

A música está se tornando rapidamente o idioma comum do mundo moderno [...].


Os ícones culturais populares de nossa era não são estadistas ou santos, mas
cantores e vocalistas. Além de nossa predileção por concertos de rock e CDs,
equipamentos de som e MTV, nossa comunicação e nosso comércio diário baseiam-
se em grande parte num modelo musical. (CAMPBELL, 2001, p.20-21).

São inúmeros os relatos feitos por Campbell sobre o uso da música de Mozart. Um exemplo foi o
caso Krissy, uma pequena menina prematura, desenganada pelos médicos que nasceu pesando menos de 1
kg num hospital de Chicago, a qual foi curada ao receber infusões constantes de música de Mozart. Outro
fato interessante foi no Mosteiro de Bretanha aonde foi constatado que as vacas davam mais leite quando
ouviam as músicas tocadas pelos monges. Em Washington, as músicas de Mozart, assim como as barrocas,
são tocadas nas aulas de inglês para os recém-chegados de Camboja e países asiáticos, pelos funcionários do
departamento de Imigração para acelerar o aprendizado.
Os “poderes” da música de Mozart relatados, não ficam por aqui. Entretanto, surgem indagações
como: Por que Mozart? Só funciona a música de Mozart? Por que não “Efeito Beethoven”, “Efeito Bach”,
“Efeito Beatles”, ”Efeito Rolling Stones”...? Este termo não se designa somente às músicas de Alfegang
Amadeus Mozart, mas a qualquer impacto que a música exerça na pessoa a partir do seu uso. A título de
exemplo, o efeito da música rock é mais físico, age no corpo, principalmente para lhe energizar e movimentar.
As músicas de Bach e Beethoven tendem ao enlevo espiritual, a exemplo da “Missa Solemnis” de Beethoven,
o qual propõe: “Vinda do coração, possa ela alcançar outros corações”. (TAME, 1984, p.167).
Dentro desta perspectiva foram feitas algumas relações entre as nove sinfonias de Beethoven com
as nove Esferas da Árvore da Cabala Hebraica, em que cada sinfonia teria uma ação diferente nas estruturas
psicológicas do homem. Assim sendo, na 4ª sinfonia se indica o uso dos timbales, que ativam os impulsos do
coração. A 5ª sinfonia, indicava o rigorismo e a rigidez de Geburah (a quinta Esfera da Cabala), notificando o
destino batendo à nossa porta.
Nesse aspecto, as particularidades e variadas funções da música devem ser observadas na sua
utilização em sintonia com a sua função, seu caráter e de quem a elege para ouvir, o que significa dizer que
o ouvinte deve escolher a música que esteja de acordo com ele próprio. Há música de caráter rítmico,

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harmônico, melódico, para diversas funções. "Consiga música que você possa escutar de acordo com você,
seu próprio modo, seu gênio" recomenda Steven Halpern1.
Halpern, cujas composições são qualificadas como o “som da saúde”, é um renomado médico e
músico que compõe em prol da saúde humana. Os temas de suas canções são indicados para controlar o
estresse, a superaprendizagem e o relaxamento holístico. Sobre a musicoterapia, Steven Halpern refere que
"O nosso objetivo máximo é trazer saúde, paz e harmonia para a sua vida e para o mundo, queremos
compartilhar com vocês os meios que descobrimos para usar o som e a música como auxiliares da boa saúde
dos seres humanos... O som é uma força poderosa que pode ser usada para nos dar saúde, paz e harmonia".
(HALPERN & SAVARY [s/d]).
Mediante os benefícios que a música proporciona, desde os primórdios da civilização, a
musicoterapia tem gozado de certo prestígio. Em função da necessidade do homem, esta tem sido utilizada
com seus elementos constituintes, numa relação terapêutica. Segundo a Federação Mundial de
Musicoterapia, a definição do termo musicoterapia é a seguinte:

Musicoterapia é a utilização da música e/ou de seus elementos (som, ritmo,


melodia e harmonia), por um musicoterapeuta qualificado, com um cliente ou
grupo, em um processo destinado a facilitar e promover comunicação,
relacionamento, aprendizado, mobilização, expressão, organização e outros
objetivos terapêuticos relevantes, a fim de atender às necessidades físicas,
mentais, sociais e cognitivas. A Musicoterapia busca desenvolver potenciais e/ou
restaurar funções do indivíduo para que ele ou ela alcance uma melhor organização
intra e/ou interpessoal e, consequentemente, uma melhor qualidade de vida,
através de prevenção, reabilitação ou tratamento. (Federação Mundial de
Musicoterapia apud UBAM, 2007).

Dentro desta perspectiva, pode-se confirmar isto com um estudo realizado nas Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo e Faculdades Integradas Fafibe –
Bebedouro – SP. Percebeu-se que a atividade motora de um bebê de quatro meses foi modificada durante a
audição da Sinfonia nº. 40 de Mozart, provocando uma redução acentuada da atividade motora e quando foi
executada a música Dancing Happy Nation do grupo Ace of the Base, observou-se uma redução menos
acentuada. Costa e Figueiredo (2006) citando Kaminski e Hall (1996) colocam o seguinte:

1
O médico Dr. Steven Halpern Ph.D, tem um Ph.D em música e outro em medicina. É internacionalmente conhecido
músico e compositor. Unindo a ARTE da medicina com a ARTE da música, Halpern fez uma descoberta importante para
a saúde de todos nós: SOM e SAÚDE estão intimamente interligados. Juntamente com outro médico e companheiro de
pesquisas, Dr. Louis Savary, PhD escreveu um livro, sobre as suas descobertas e o que é mais importante, nos fornecendo
a "dieta do som" e pequenas práticas, muito simples, de como nos reequilibrarmos e nos mantermos saudáveis.
(JORNAL INFINITO – Ordem implicada).

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Sugerem que o efeito relaxante (diminuição da atividade geral) produzido por


músicas (sons) de baixa freqüência, andamento lento, melodia lírica, harmonia
simples etc. poderia estar relacionado à estimulação do sistema límbico e/ou
estimulação do sistema parassimpático, contudo mais estudos são necessários para
determinar em quais porções do sistema nervoso tais sons estariam atuando. Mais
do que isso, se faz necessária a pesquisa de quais seriam os processos cognitivos
e/ou afetivos subjacentes aos efeitos produzidos pelos diversos tipos de músicas,
cada qual com sua estrutura (freqüência, andamento, harmonia etc.) que estaria
atuando em um ou outro processo. (COSTA & FIGUEIREDO, 2006, p.155).

Muitos músicos utilizam música para diversos fins, determinando-a conforme o exposto acima, por
meio de seu caráter e sua finalidade. Dessa forma, a música de caráter rítmico é recomendável para estimular
a atividade elétrica dos músculos e ativar a produção hormonal nas glândulas suprarrenais. Música de caráter
melódico é recomendada para pessoas nervosas, depressivas e ansiosas, ela ajuda a sincronizar o ritmo
respiratório. Entre as mais recomendadas estão: A Melodia para a 4ª Corda de Bach e Canção Sem Palavras
de Tchaikovsky. As músicas de caráter harmônico, a exemplo de Clair de Lune, Beethoven e Canção Noturna
de Schumann são indicadas para pessoas com estado de incompreensão, dificuldades de raciocinar e
insensibilidade, fazendo aflorar os valores psicológicos positivos, através do tálamo, a parte emotiva que
controla o cérebro. (GNOSISONLINE.ORG, 2007).
Retomando ainda os estudos de Costa e Figueiredo, é interessante observar suas reflexões a respeito
das frequências da música sobre o efeito psicobiológico em seres humanos, fundamentadas em diversos
autores:

De maneira geral, uma música na qual predominem altas freqüências e possua um


andamento acelerado produzirão tensão, aumento das freqüências cardíaca e
respiratória e aumento da atividade muscular e movimento do corpo, enquanto
músicas na qual predominem baixas freqüências e andamento lento produzirão
relaxamento. Esse efeito relaxante, com diminuição da atividade, diminuição do
estresse produzido por músicas com predominância de baixas freqüências,
andamento lento ocorre não apenas em recém-nascidos, mas também com bebês
mais velhos e, inclusive, com adultos (HICKS, 1995; OLSON, 1998; LIVINGSTON,
1979; KAMINSKI & HALL, 1996; KLEIN & WINKELSTEIN, 1996 apud COSTA
&FIGUEIREDO, 2006, p. 152).

Mediante tantos compositores renomados, e tendo grande apreço por eles, a exemplo de Hyden e
outros contemporâneos de Mozart, para Tomatis, o motivo da escolha do termo “Efeito Mozart” estava no
fato de que “ele tem um efeito, um impacto, que os outros não tem. Exceção entre exceções, ele tem um
poder libertador, curativo, eu diria mesmo saudável. Sua eficácia excede de longe aquela que observamos
em seus antecessores...seus contemporâneos ou seus sucessores” (CAMPBELL, 2001, p.38). Segundo

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Tomatis, os elementos da música de Mozart como: os ritmos, melodias e as altas frequências, estimulam as
áreas criativas e motivacionais do cérebro, razão pela qual relaciona a música de Mozart ao cérebro e criança.
Porém, considera ainda a razão de tal “magnitude”, a simplicidade e pureza com que Mozart
compunha as suas músicas. Para ele a música de Mozart “acalmava, melhorava a percepção espacial e
permitia que o ouvinte se expressasse com maior clareza, comunicando com o coração e a mente”
(CAMPBELL, 2001, p.38.). Contudo, tudo isso está associado à própria vida do autor, seu nascimento,
crescimento sempre cercado de música, talento precoce, manifestado em tão tenra idade que perdurou na
fase adulta, fazendo com que permanecesse uma eterna criança. “Ele é, ao mesmo tempo, profundamente
misterioso e, acessível e, acima de tudo, destituído de malícia” (op.cit., p.38).
É interessante mencionar que ele tinha a capacidade de compor as mais sublimes, suaves, alegres e
amorosas melodias em meio às condições mais adversas possíveis. No final de seus dias, com problemas
conjugais e na corte, compôs a ópera “A flauta Mágica”, alegre, evocativa da vida e esotérica. Na mesma
situação compôs o poético e inspirador Requiem Porém, sua maior contribuição, segundo os estudiosos da
música, foram os vinte minutos de música para The Filosopher’s Stones, uma ópera vienense composta no
final de sua vida. “Mal sabia Mozart que sua própria obra iria tornar-se a pedra filosofal – para os poderes
curativos da música e do som” (op. cit, p.40).
Retomando a discussão do efeito da música, cabe ressaltar que a escolha da música está relacionada
com o gosto; não é qualquer música Mozartiana que funciona bem. Necessita-se de identificação com as
composições, seja com violino ou piano; o importante é que ela toque o coração e a alma do ouvinte.

[...] a música permite ao adolescente investir um capital de afetividade disponível


e identificar-se com os compositores que puseram na sua obra certo potencial
emotivo, mas controlado, dominado. Assim aprende, por sua vez, a dominar essa
afetividade sem, no entanto, a enfraquecer. (GAGNARD, 1974, p.111).

Frente ao exposto, dentre as categorias da música descritas por Gagnard (1974), a música em
qualquer forma de expressão assume um papel múltiplo, dentre as quais destacam-se: o de catalisador, que
provoca reações, emoções esparsas que a seguir se agrupam, concretizando-se sob a forma de palavras ou
de grafismo. O de excitante, estimulando a imaginação das crianças, ativando os conteúdos inconscientes,
ao ponto de sentirem a necessidade de exteriorizá-los. O de espelho deformante, em que os jovens se sentem
transportados pela manifestação de uma personalidade diferente da sua, e nitidamente mais afirmada;
procuram ir até à origem e reencontrar a emoção criadora do autor, num processo quase paralelo,
identificando-se com as flutuações da sensibilidade do compositor. Por fim, a autora considera que a música
tem função catártica, por liberar uma agressividade e uma série de conflitos que se exacerbam se não
puderem ser exteriorizados.

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O universo dos sentimentos, ou mesmo das imagens mental–emocionais, inerentes à interioridade


humana, é bastante complexo perante a variedade de emoções e evocações que a música desperta em cada
ser. Isto é fato inquestionável, pois cada um sente e se identifica com algum tipo de música de maneira muito
particular. É evidente que o conteúdo presente na música erudita, bem como a personalidade do compositor
e sua intencionalidade trazem, de alguma maneira, resíduos dos sentimentos arquetípicos do ser humano;
talvez por isso mesmo o indivíduo seja tão suscetível a ela.

4. A música, a criança e a educação


A educação é geralmente pautada no conhecimento, mas este novo conhecimento deve ter foco no
que é essencial ao ser humano como um todo, o bem-estar, a felicidade do indivíduo. E com a proposta do
ensino voltado ao aluno, onde ele é o autor do seu conhecimento e o professor o facilitador, acreditamos
que, à parte, a preferência do aluno, o professor deve expor diversos repertórios, bem como compositores
para colaborar com a formação do aluno. Desta forma, tanto o compositor Mozart, Bach, Beethoven, bem
como compositor da linha popular pode aumentar o leque de possibilidades, aumentando o conhecimento
e direcionando o gosto.
Apesar da grande conotação que teve os estudos do efeito Mozart interpretado pelo público como
eficiente para melhorar a inteligência das crianças, o qual tornou-se moda a audição de música mozartiana,
mesmo em meio a contestação, chegando a ser uma marca comercial, chegou a escola na Florida - EUA,
através dos programas educacionais da rede pública, onde as crianças com menos de cinco anos de idade,
deveriam ouvir música clássica todos os dias por trinta minutos. Embora tal fato tenha provocado o interesse
do público pelo compositor e pela música clássica, não tornou o público um ouvinte consciente ou um adepto
deste estilo musical. O ponto positivo é que promoveu o acesso ao clássico.
Mozart se criou e obteve educação musical no contexto familiar de maneira não formal, pois recebeu
toda educação musical e não musical de seu pai. O contexto e o acesso fizeram o músico que ele se tornou.
Na introdução do livro A Música e a Criança de Walter Howard, o autor preocupado com a educação musical
do século XXI, expos sua ideia com relação a educação na preparação do indivíduo para a vida e não na
capitalização de informações, logo comenta:

E existe terreno de observação mais favorável ao estudo das relações entre a


música e o homem do que o das reações da criança ante a música? Com efeito,
observar e estudar essas reações resulta em se perguntar de que maneira é abrir
ao homem o domínio da música, como ele reage ao primeiro contato com a música,
como ela pode chegar a fazer parte integrante de seu ser íntimo, o que ela pode
significar para a sua vida (HOWARD, 1984, p.11).
Abrir a vida para música é abri-la para o mundo e tudo que nele há; as diversas culturas e sociedades,
as histórias e suas heranças. Mas o principal é vivê-la nas mais diferentes formas, é senti-la é experimentá-la

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para depois ensiná-la com responsabilidade e alegria em saber que estamos contribuindo para a melhoria do
ser humano.

5. Considerações e conclusão
Independente do estilo e compositores, o estímulo musical é muito positivo em qualquer matéria,
seja música ou matemática, história. Não se pode atribuir ao aprendizado de música um meio ou um caminho
mais rápido e fácil para o aumento da capacidade intelectual, a exemplo da febre do “efeito Mozart” ocorrido
nos anos 90, onde todas as mães queriam adquirir um CD de Mozart com objetivo dos seus filhos se tornarem
mais inteligentes. Qualquer aula pode atuar positivamente sobre o desenvolvimento cognitivo. Porém a
música, mais do que outra matéria, por seus atributos já mencionados neste trabalho, não somente como
estímulo, pode melhorar a capacidade intelectiva, emocional, psicomotora e, principalmente, o ser humano.
É interessante salientar que o “efeito” é na qualidade de vida, pois a música em si, independente do
compositor ou estilo, melhora o ser como um todo, atentando, ainda, que ela possui significados que mudam
de acordo com o gosto, com o indivíduo, e como este a recebe e se envolve com ela.

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Criação de vocalizes para vozes infantis: atividade de composição na formação de


professores de música

Ediel Rocha de Sousa


edielsousa@gmail.com
Universidade Federal do Pará

Cristina Mami Owtake


critinaowtake@yahoo.com.br
Universidade Federal do Pará

Resumo: O artigo relata resultados da atividade curricular Canto Coral realizada no


segundo semestre de 2015 do Curso de Licenciatura em Música da UFPA em
especial nos aspectos relativos ao estímulo da reflexão e o incentivo à criação,
levando o aluno para além da performance musical, o que é comum nesse tipo de
disciplina. Os alunos de 2014 foram incentivados a criarem vocalizes específicos
para o público infantil buscando explorar os diversos tipos de vozes como a voz
falada, voz sussurrada, voz cantada, entre outros, desenvolvendo a percepção e a
afinação. Os alunos criaram 28 vocalizes tendo em mente alguns conceitos musicais
como escalas, intervalos, articulações, dentre outros. As letras buscaram abordar
de forma lúdica e criativa o cotidiano das crianças. Nesse artigo, faremos uma
reflexão sobre o contexto educacional no qual essa tarefa se inseriu e serão
analisados sete vocalizes.
Palavras-chaves: Educação musical. Canto coral. Vocalizes infantis. Criação musical.
Formação de professor de música.

Abstract: The article reports the results of curricular activity Choir performed in the
second half of 2015 Degree in Music of UFPA, especially in aspects related to
stimulating reflection and encouraging the creation, leading the student in addition
to the musical performance, which is common in this type of discipline. Students
2014 were encouraged to create specific vocal warm-ups for children looking to
explore the different types of voices as spoken voice, breathy voice, singing voice,
among others, developing perception and tuning. The students created 28 vocal
warm-ups in mind some musical concepts such as scales, intervals, joints, among
others. The letters sought to address in a playful and creative way the daily life of
children. In this article, we reflect on the educational context in which this task was
inserted seven vocal warm-ups will be analyzed
Keywords: Musical education. Choral singing. child vocal warm-ups. musical
creation. music teacher training.

1. Curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal do Pará


O Curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal do Pará completa em 2016, 25 anos de
criação. Ao longo desses anos, o curso tem formado professores para atuarem no ensino da música na
educação básica e outros profissionais que atuam em outros meios acadêmicos, artísticos e culturais, como
no ensino superior, na produção de eventos, em crítica de arte, em rádios, músicos de bandas musicais,

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dentre outros. O curso apresenta versatilidade no seu desenho curricular, ampliando a visão do aluno e
preparando para atuar em outros ambientes musicais como produtores culturais, músicos profissionais,
compositores e pesquisadores dentro de seis campos de conhecimento: formação humanística,
fundamentos teóricos e composicionais, instrumental e composicional, pedagógico, integração e pesquisa
(PPC, 2010).
O desenho curricular do Curso de Música da UFPA é fundamentado por um Projeto Pedagógico que
acredita na formação através do desenvolvimento das competências e habilidades. Sobre isso, a Resolução
n. 2/2004 CNE/CES estabelece as seguintes competências e habilidades para a graduação em Música:

Art. 4º O curso de graduação em Música deve possibilitar a formação profissional


que revele, pelo menos, as seguintes competências e habilidades para:
I - intervir na sociedade de acordo com suas manifestações culturais, demonstrando
sensibilidade e criação artísticas e excelência prática;
II - viabilizar pesquisa científica e tecnológica em Música, visando à criação,
compreensão e difusão da cultura e seu desenvolvimento;
III - atuar, de forma significativa, nas manifestações musicais, instituídas ou
emergentes;
IV - atuar nos diferenciados espaços culturais e, especialmente, em articulação com
instituição de ensino específico de Música;
V - estimular criações musicais e sua divulgação como manifestação do potencial
artístico

Baseado na Resolução acima, o Curso de Licenciatura em Música adota como princípio, quatro eixos
norteadores.
O Eixo 1 chamado de “Falar Música” é a capacidade do aluno de tocar um instrumento, cantar ou
compor. Ele deve ser capaz de se comunicar através da performance e/ou da criação musical, interpretando
obras de outros compositores ou a sua própria. É uma competência básica e necessária para os futuros
educadores musicais. A partir dessa competência, todas as outras são desenvolvidas.
Nessa perspectiva, o Eixo 2 é uma metalinguagem1. Chamado de “Falar sobre Música”, esse Eixo
volta-se à capacidade de saber falar sobre determinado fenômeno sonoro, analisando, refletindo e
estabelecendo relações significativas entre a prática musical e a teoria que abrange o discurso musical. Isso
envolve conhecimento musical específico sobre estrutura, história e estética musicais. Entende-se que “falar
música” e “falar sobre música” são condições necessárias para que se possa ensinar música.

1
Tipo de linguagem cujo propósito é descrever ou falar da própria ou de qualquer outra linguagem; metalíngua: o
dicionário é um exemplo de metalinguagem. Dicionário online de português. Disponível em
https://www.dicio.com.br/metalinguagem/. Acessado em 14/09/2016.

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O Eixo 3 é chamado de “Ensinar Música”, ou seja é a preparação para a atuação em processos de


educação musical que ocorrem em ambientes formais, não formais ou informais (GADOTTI, 2005). É a
capacidade de compartilhar conhecimentos musicais com os outros, de forma sistematizada e organizada,
metodologicamente associados e articulados para promover desenvolvimento musical de outras pessoas.
O Eixo 4, último eixo norteador, é “Construir Conhecimento sobre Música”. Refere-se ao
desenvolvimento da capacidade do aluno de empregar o conhecimento em nível crescente de complexidade
de forma a garantir que, a partir de sucessivas aproximações, ele possa aprender, ressignificar, construir e
criar, ganhando autonomia e caminhando para além do modelo que marcou seu aprendizado colaborando
para o progresso da área do conhecimento musical através de iniciativas criativas e empreendedora através
de investigação, análise, pesquisa e elaborações. “Os alunos devem também se sentir criadores de obras,
participantes do processo de construção e não só de reconstituição de uma história da música” (PPC, 2010,
p.25).
Baseado nisso, o PPC (UFPA,, 2010, p.25) aponta um dos objetivos do curso:

Formar profissionais com domínio e conhecimento da música como linguagem


artística em seus aspectos histórico, estético, de sistemas composicionais e
estruturais; de elementos, materiais, meios, técnicas e repertórios; que sejam
capazes de ler, interpretar, executar, analisar, criticar, criar e recriar a linguagem
musical.

Pensando no perfil desse futuro educador musical, a atividade curricular Canto Coral 2 propôs no
segundo semestre de 2015, quatro unidades de aprendizagem: 1) Conhecimento do aparelho fonador e as
diversas funções das suas partes no canto e técnica vocal; 2) Vivência musical com o canto em coro
trabalhando a escuta, afinação e interpretação; 3) Abordagem técnica e artística em distintas possibilidades
de aplicação na educação básica com repertório monofônico, homofônico e polifônico; 4) Criação musical
para Coro.
Este artigo relata o resultado da criação musical de vocalizes desenvolvida na como estratégia de
integração dos conhecimentos objetivados na atividade curricular. Para essa tarefa foram considerados os
seguintes aspectos: a) a importância dos vocalizes para uma boa qualidade do conjunto e para a saúde vocal
dos cantores; b) a compreensão de que as escolhas dos vocalizes estão diretamente relacionadas com o
repertório e à faixa etária dos cantores; c) a importância de diversos tipos de vocalizes para exercitar a voz;
d) características vocais de crianças até 12 anos.

2. A criação de vocalizes para vozes infantis


2.a Prática Coral Infantil

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O Canto Coral é uma atividade musical vocal muito antiga e habitualmente praticada por grupos de
diversas faixas etárias em escolas, igrejas, empresas e comunidades com o intuito de potencializar e
incentivar os talentos individuais, promovendo interação social e prática musical coletiva. Como mostra Lass
(2015), ao participar de um coral, a criança vive experiências que favorecerão o seu desenvolvimento em
qualquer outro instrumento musical além de oferecer vivências que irão ampliar seu conhecimento e
percepção musical. O profissional responsável pelo coro, precisa ter consciência de que “por trás do canto
de uma criança há uma combinação de habilidades” (ILARI, 2009, p.15) e se for uma “prática prazerosa e bem
fundamentada incitará posturas de busca constante pela atividade e de necessidade de aperfeiçoamento
que, mais tarde, poderão servir, até mesmo, para a definição do campo profissional dessas crianças”
(SCHIMITI, 2003)
Oliveira e Oliveira (2005) em seu livro O regente regendo o que?, no Capítulo 8 intitulado “Nenhum
coral de crianças é um coral de adultos” aborda tópicos essenciais para que o educador musical tenha
melhores resultados ao trabalhar com um coro infantil, que é “mais receptivo, confiante, facilmente
entusiasmável com tudo o que com ele se faça.” (OLIVEIRA e OLIVEIRA, 2005, p.103). Por diversas razões,
dentre elas o limiar de concentração é menor nas crianças do que em adultos, força o educador a criar
estratégias específicas para que seja possível obter bons resultados com o seu grupo. Registre-se que,
conforme Moreira (2015) “há poucos estudos que apresentam uma metodologia de trabalho para o coro
infanto-juvenil adaptada à realidade brasileira, levando em conta as possibilidades vocais desse público”
(MOREIRA, 2015, p. 07).
Ao trabalhar com um coro infantil a escolha do repertório é um aspecto importante, porém o
momento que antecede o ensaio das músicas o qual ocorre o alongamento e o aquecimento vocal é tão
importante quanto, pois consiste em uma série de exercícios de relaxamento de algumas musculaturas e
ativação de outras, respiração e técnicas vocais. Para esta educação vocal e aquecimento vocal se utilizam
uma série de exercícios melódicos chamados vocalizes que são fundamentais numa atividade musical como
coral pelo motivos citados acima. Carnassale (1995) orienta como deve ser o aquecimento vocal:

Devem estar de acordo com a tessitura dos seus alunos. Durante o ensaio, os
primeiros exercícios cantados, que servem como aquecimento, devem ser iniciados
em tonalidade media (nem muito agudo, nem muito grave) e depois cantados em
tonalidades cada vez mais agudas, subindo de maio em meio tom. Em seguida deve-
se descer progressivamente (não necessariamente de meio em meio tom) para
exercitar o registro grave (CARNASSALE, 1995, p.77).

O processo de aquecimento vocal muitas vezes é monótono, o que causa dispersão e


improdutividade no coro. Todavia, se não for realizado de maneira correta causará danos à saúde vocal das
crianças. No entanto, muitos desses vocalizes são enfadonhos e sem nenhum significado para as crianças.

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Muitas vezes, tornam-se uma mera repetição de vogais e sílabas que muitas vezes são cantadas como uma
mera rotina do ensaio. Oliveira e Oliveira (2005), criticam os regentes que explicam cada vocalize aplicado
ao coro, por que esse processo não precisa de justificativas teóricas, pois as crianças não têm interesse e
nem precisam sabê-las. Zander (1979) ratifica essa crítica atestando que tais explicações causarão confusão
e saturação do grupo, pois a sobrecarga de conceitos, regras e métodos durante a atividade causa total perda
de atenção em relação ao objetivo central. O vocalize costuma ser um exercício de repetição e sobre isso a
docente Lucy Mauricio Schimiti (2003) afirma que:

É comum a necessidade da repetição de fragmentos melódicos para a sua fixação,


ou para a correção de procedimentos. A repetição por si, sem justificativa aparente,
ou expressa, é enfadonha e desinteressante. Façamos, então, desses momentos –
da repetição de linhas melódicas – momentos de prazer, em que as crianças
repetem as linhas, ou ouvem o professor cantá-las inúmeras vezes, com intenções
diferenciadas. (SCHIMITI, 2003, p. 07)

Jusamara Souza (2008) alerta para a necessidade de ter uma atenção redobrada na elaboração de
vocalizes para o público infantil, pois além da ludicidade das letras, as crianças precisam ter familiaridade
com o estilo que lhes está sendo apresentado para melhor compreensão das linhas melódicas.
Assim, cabe ao educador musical “explorar vários tipos de vozes (falar, cantar, sussurrar, gritar,
zumbir, cantarolar); desenvolver o controle da voz (cantar as diferentes alturas de maneira afinada);
desenvolver um repertório de canções” (SESC, 1997, p. 17) próprias para as crianças: cheias de fantasia,
humor e brincadeira.

2.b Processo de criação de vocalizes e resultados


O momento do vocalize nem sempre é considerado um momento importante do ensaio pelos
cantores, pois em muitas situações os exercícios vocais são conduzidos apenas “para constar”, sem um
direcionamento e orientação consciente dos exercícios e de suas finalidades. Isso, por vezes, pode levar ao
mau uso da voz, provocando doenças ou um desgaste precoce da voz. Quando se trata de crianças, essa
preocupação deve ser redobrada.
Pensando em amenizar a tradicional aridez musical das técnicas vocais para crianças, a Professora
Cristina Mami Owtake propôs à Turma de 2014 do Curso Licenciatura em Música a criação de uma série de
exercícios melódicos voltados para as crianças de 5 a 11 anos com temas do dia-a-dia infantil, explorando a
voz falada, cantada, sussurrada, gritada, zumbida, cantarolada, desenvolvendo, simultaneamente, o controle
da voz cantando as diferenças de altura de maneira afinada. Os vocalizes também visavam desenvolver
diversos elementos musicais, que podem ser introduzidos às crianças no momento do aquecimento vocal de

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forma lúdica. Então, os exercícios vocais, além trabalhar as técnicas de emissão e sonoridade deveriam
oferecer um produto musical significativo e pedagogicamente orientado
A metodologia do trabalho ocorreu a partir da formação de grupos que elaboraram pequenas
melodias, de até duas frases, utilizando pelo menos dois conceitos musicais previamente estabelecidos como
escalas ascendente e descendente, articulações staccato e legatto, saltos, oitava, tonalidade maior e menor,
intervalos de terça e quinta, cromatismo e figuras rítmicas específicas. Os grupos criaram seus vocalizes e
apresentaram ao restante da turma que os executava. Posteriormente, todos os alunos analisavam as
composições sugerindo, também, por exemplo, ritmos e onomatopeias que poderiam ser incorporadas aos
exercícios de aquecimento vocal apresentados.
Eis alguns vocalizes elaborados por estes discentes com suas respectivas análises:

Vocalize 1: O Monge

Pode-se criar uma contextualização com as crianças, remetendo a um monastério onde monges
realizam momentos de meditação produzindo o som com a boca fechada (Bocca chiusa), recurso utilizado
ao final do vocalize sendo este um exercício de ressonância com a consoante “m”, mantendo a abertura da
boca internamente no intervalo de quinta. Outra característica desta canção é o intervalo de terça menor.

Vocalize 2: Dias da Semana

Com extensão de uma oitava, este vocalize relaciona os dias da semana com os intervalos melódicos.
Não é necessária uma explicação teórica, porém inconscientemente as crianças através da percepção irão

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relacionar os saltos intervalares com os dias da semana. O padrão se altera apenas no final, ao cantar
“sábado, domingo” onde o sétimo grau resolve no oitavo grau (I grau).

Vocalize 3: Nham Nham

Trabalha com a tríade maior (arpejo) e pentacorde (graus conjuntos), ressonância e articulação, pois
a frase “É o preferido da mamãe” solicita uma atenção especial para que a pronúncia seja bem articulada e
clara.

Vocalize 4: Sobe o Balão

Em compasso ternário, o inciso rítmico-melódico é repetido de grau em grau no sentido ascendente


baseado no campo harmônico. Para contrastar com a melodia ascendente e pela letra da música, pode-se
acrescentar uma dinâmica que vai do forte ao piano. Essa é uma técnicas mais difíceis de se executar, cantar
suave em notas agudas, pois precisa do apoio diafragmático para conseguir cantar a frase ascendente
iniciando com dinâmica forte e terminando em piano. A criança precisa se concentrar para sincronizar o
corpo e a mente (capacidade física e cognitiva). O vocalize trabalha a extensão de uma oitava e ainda é
possível executar a melodia numa única frase, em uma única respiração.

Vocalize 5: Barata

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Sendo mais ritmado, este vocalize apresenta um compasso anacrúsico, figuras pontuadas, e síncopa
que é característica do samba. Pode-se usar o pandeiro para acompanhar o vocalize. Por ter duas frases
melódicas iguais, pode trabalhar com diferentes articulações, uma em stacatto e a outra em legato e vice-
versa.

Vocalize 6: Boom

Em compasso binário, pode ser executado com um ostinato em ritmo de brega:

A palavra “boom” trabalha a ressonância e os intervalos cromáticos são explorados. O último salto
(intervalo de quinta) deve manter a voz de cabeça.

Vocalize 7: A Chuva

“A Chuva” trabalha graus conjuntos ascendentes e repetições de notas seguidos de saltos de


quartas e de oitava. Ao cantar o último intervalo, a criança deve manter a voz de cabeça, conservando o
mesmo timbre. Esse vocalize pode ser executado com um segundo grupo reproduzindo o som da chuva,
estalando a língua no pulso ou em ritmo aleatório e com um terceiro grupo falando ou sussurrando “chove
chuva” dando ênfase no som do “ch”.

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3. Conclusão
Para os discentes, a experiência de elaborar exercícios de aquecimento vocal em grupo contribuiu
para a percepção de que uma ideia simples pode ser transformada em algo maior, que vai além das rotinas
tradicionais das aulas de canto, podendo se integrar às outras perspectivas metodológicas, enriquecendo a
experiência musical dos alunos. A partir do estímulo à criação de um material pedagógico-musical que se
adeque à real necessidade do processo educacional de crianças, os discentes do Curso de Licenciatura em
Música puderam viver uma experiência de formação capaz de mostrar um caminho de preparação de um
profissional versátil e melhor preparado para o mercado que o espera.
Motivados pela carência desse tipo de material para este público especificamente, os 28 novos
vocalizes criados para coro infantil por alunos da atividade curricular Canto Coral do Curso de Licenciatura
em Música revelam a oportunidade de ressignificar um exercício considerado estritamente técnico e árido
para uma atividade musical lúdica. Antes de tudo, permite os alunos se colocarem no lugar dessas crianças
através da experimentação, resultando em reflexões didáticas e metodológicas através da produção coletiva
de materiais musicais novos.
Ao final dessa atividade, os alunos compreenderam a necessidade de escolher/criar um repertório
específico, explorando conceitos musicais através de vocalizes, elaborando exercícios que além de
proporcionar o aquecimento vocal criativo e lúdico, pode, ainda, fazer parte do repertório do coro infantil,
proporcionando um produto musical que pode ser incorporado a uma apresentação musical. Para prender a
atenção das crianças, os vocalizes podem ser contextualizados através de pequenos contos, coreografias e
onomatopeias, transformando assim, o aquecimento vocal, costumeiramente considerado árido e cansativo,
em um momento musical significativo, de apreciação e percepção musical de forma descontraída e criativa.
A tarefa de criação foi uma atividade integradora de todos os conteúdos propostos que articulou as
unidades de aprendizagem na atividade curricular Canto Coral, revelando, através da criação dos vocalizes,
a compreensão conceitual de forma consciente, organizada, criativa e expressiva do aluno. Portanto, do
ponto de vista do ensino, o processo de criação implica no processo de aprendizagem, fechando o ciclo de
aprendizado integrando os Eixos de competências “Falar Música”, “Falar sobre Música”, “Ensinar Música”
com o último eixo “Construir Conhecimento sobre Música”, o que contempla as quatro competências
norteadoras da formação de um professor de música, conforme entendemos.

Referências:

BATISTA, Bárbara; CRISTO, Odilson. Nham Nham. Belém, 2015. Partitura. 1p. Não publicado.

BATISTA, Bárbara; CRISTO, Odilson. Sobe o Balão. Belém, 2015. Partitura. 1p. Não publicado.

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CARNASSALE, Gabriela Josias. O Ensino de canto para crianças e adolescente. Campinas, 1995. 183f.
Mestrado em Artes. Instituto de Artes, UNICAMP, Campinas, 1995.

COSTA, Allison; SANTOS, Alex.; JUNIOR, Pedro. Boom. Belém, 2015. Partitura. 1p. Não publicado.

GADOTTI, Moacir. A questão da Educação Formal/Não-Formal. Intitut International des Droits de L’enfant
(IDE) Droit à l’éducation: solution à tous les problèmes ou problème sans solution? Sion (Suisse), 18 au 22
octobre 2005. 11 páginas.

ILARI, Beatriz. Música na infância e na adolescência: um livro para pais, professores e aficionados. Curitiba:
Ipbex, 2009.

LASS, Letícia Kruger. Motivação para a Prática Coral. In: SIMCAM, XI (11), 2015, Goiânia.

MOREIRA, Ana Lúcia Iara Gaborim Moreira. RAMOS, Marco Antonio da Silva. Preparação vocal no coro
infanto-juvenil: desafios e possibilidades. In: ANPPOM, XXIV (24), 2014, São Paulo.

OLIVEIRA, Marilena de; OLIVEIRA, J. Zula de. O regente regendo o que? São Paulo: Lábaron Gráfica e Editora,
2005.

SCHIMITI, Lucy Maurício. Regendo um coro infantil... reflexões, diretrizes e atividades. Revista Canto Coral,
v. II n.1, 2003.

SESC. Canto, canção, cantoria: Como montar um coral infantil. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: SESC, 1997.

SILVA, Maria Elizete.; CAVALCANTE, Ana Gabriela; SILVA, Nathália. Vocalize O Monge, XXXX, 2015.

SILVA, Erica; FERREIRA, Thays e NASCIMENTO, Yasmim. Barata. Belém, 2015. Partitura. 1p. Não publicado.

SILVA, Erica; FERREIRA, Thays e NASCIMENTO, Yasmim. A chuva. Belém, 2015. Partitura. 1p. Não publicado.

SOUZA, Jusamara. Aprender e Ensinar Música no Cotidiano. Porto Alegre: Sulina, 2008.

SOUSA, Ediel; PANTOJA, Jean; SARAIVA, Gustavo. Dias da Semana. Belém, 2015. Partitura. 1p. Não publicado.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. Instituto de Ciência das Artes. Escola de Música. Projeto pedagógico de
curso e graduação: Licenciatura Plena em Música. Belém: UFPA, 2010.

ZANDER, Oscar. Regência Coral. Porto Alegre: Movimento, 1979.

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O sentido da profissão professor para os jovens licenciados em música: descrição


do processo de construção do estado de conhecimento da pesquisa em
andamento

Karina Firmino Vieira


karinamusics@gmail.com
PPG-Música em Contexto/ UnB- Universidade de Brasília

Tainá Maria Magalhães Façanha


tainafacanha@ufpa.br
PPGArtes/UFPA- Universidade Federal do Pará

Resumo: Este trabalho consiste na descrição do processo de construção do estado


de conhecimento da temática da pesquisa de mestrado em andamento, cujo
objetivo consiste em compreender o sentido da profissão professor de música para
jovens licenciados em música, por isso procura identificar o sentido da profissão
professor para os jovens licenciados na área supracitada. Dessa forma, pretende-
se dialogar com teóricos contemporâneos, que ajudam afilar a temática desta
pesquisa. A metodologia empregada foi a pesquisa (auto)bibliográfica e, como
técnica, o levantamento do estado do conhecimento na área. Assim, o trabalho em
questão resultou na reflexão sobre a possível contribuição da pesquisa à área de
Educação Musical e na possibilidade de seu desenvolvimento de maneira
inovadora, sem utilizar meios já realizados anteriormente, assim colocando em
risco a originalidade e necessidade da mesma.
Palavras-chave: Estado de conhecimento. Jovens licenciados em música. Sentido
da profissão professor.

Abstract: This work consists in describing the process of building the theme of the
state of knowledge of the master's ongoing research that deals with the meaning
of the teacher profession for young graduates in music. The objective of the
research is to understand the meaning of music teacher profession for young
graduates in the area. It is intended to dialogue with contemporary theorists, that
help taper the subject of research. The methodology used was the search (auto)
biographical and technical as the lifting of the state of knowledge in the area. This
work resulted in the reflection on the possible contribution of research to the area
of music education and the possibility of its development without using means
previously performed, jeopardizing the originality and need of it.
Keywords: State of knowledge. Young graduates in music. Sense of the teacher
profession.

1. Introdução
Neste trabalho, é apresentada a temática da pesquisa em andamento “O sentido da profissão
professor na perspectiva do jovem licenciado em música na contemporaneidade” a qual foi desenvolvida no
Programa de Pós-Graduação Música em Contexto da Universidade de Brasília, e aborda sobre o sentido da

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profissão de professor para os jovens licenciados em música. Nesse sentido, vale ressaltar que a literatura da
área da Educação Musical tem problematizado o assunto de forma tangencial, como encontrado em
trabalhos que serão apresentados no decorrer deste texto. Entretanto, destaca-se que – apesar de algumas
pesquisas tratarem deste assunto, visando às competências e habilidades para prática da profissão – não foi
encontrado, nos estudos que discutem a profissão professor de música, pesquisas que abordam o assunto,
especificamente, na perspectiva de jovens licenciados em música como empreendedores de si, foco dessa
pesquisa.
O interesse por esse tema visa problematizar a condição biográfica de jovens, considerados geração
Y, os quais buscam ser empreendedores de si, ao assumir a profissão professor de música nos mais diferentes
contextos educacionais no mundo contemporâneo. Dessa forma, para alçar o objetivo da pesquisa,
compreender o sentido da profissão professor de música para jovens licenciados na área, é estabelecido
diálogo com teóricos contemporâneos, que ajudam afilar a temática Bauman (2012), Delory-Momberger
(2012), Latour (2012) e Nóvoa (2009). Para tanto, a abordagem metodológica será a Pesquisa (auto)biográfica
(DELORY-MOMBERGER, 2012), na perspectiva das histórias de vida de professores, utilizando-se da técnica
em entrevista de narrativa (auto)biográficas.
Nesse sentido, surgirão, ainda, muitos questionamentos – no decorrer da elaboração do projeto de
pesquisa – que contribuirão na compreensão do conceito da profissão professor de música, para assim
planejar ações que levarão aos caminhos de análise para possíveis respostas acerca do tema escolhido. Ainda
assim, este artigo apresenta mapeamento do campo de estudo relacionado às temáticas já apresentadas

2. Estado de conhecimento: alguns pressupostos teóricos


Para inferir sobre o tema da pesquisa, realizou-se levantamento bibliográfico definido por Pereira
(2013, p. 223), como “uma pesquisa bibliográfica, de caráter exploratório, que se organiza como parte do
processo de investigação empreendido por um pesquisador”. O autor denomina esse tipo de pesquisa como
estado do conhecimento, e por meio da “compreensão do estado do conhecimento produzido sobre o
assunto em pauta, é que o pesquisador poderá identificar lacunas, aspectos ainda por explorar ou modos
diferentes de abordá-lo. Pereira (2013, p. 222).
Para a realização do estado do conhecimento, o pesquisador “deverá mapear, discutir e analisar a
produção acadêmica sobre o tema que busca investigar” (ibdem). Pereira (2013) ressalta alguns
questionamentos que devem ser feitos pelo pesquisador no inicio e desenvolvimento do processo de
construção do estado de conhecimento como:

a) Que aspectos e dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em diferentes


épocas e lugares? b) De que formas e em que condições têm sido produzidas certas

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dissertações, teses, publicações e comunicações? c) Quais são os temas mais


focalizados? Como eles têm sido abordados? d)Quais as abordagens metodológicas
empregadas? Quais as contribuições e a pertinência dessas publicações para a
área? e) Onde foram produzidas? Em que dialogam com a sua proposta?. (PEREIRA,
2013. p. 223)

Além de Pereira (2013), encontram-se outros autores da área da educação musical que têm se
preocupado com estado do conhecimento, como HADDAD (2005), a qual reconhece a equidade dos termos
estado da arte e do conhecimento. Para a autora, esse termo consiste em “[...] sistematizar um determinado
campo de conhecimento, reconhecer os principais resultados da investigação, identificar temáticas e
abordagens dominantes e emergentes, bem como lacunas e campos inexplorados abertos a pesquisas
futuras”. (HADDAD, 2002, p. 09).
Teixeira (2006) não verifica diferença entre os termos estado do conhecimento e da arte, mas
compreende-os, como "o conhecimento elaborado, acumulado e sistematizado sobre determinado tema,
num período temporal que, além de resgatar, condensa a produção acadêmica numa área de conhecimento
específica" (TEIXEIRA, 2006, p. 77)
Com base nos referidos conceitos, entende-se que estado do conhecimento, de acordo com o
conceito de Ferreira (2002), também citado por PEREIRA (2013), afirma que o estado do conhecimento:

[...] é aquele em que o pesquisador se pergunta sobre a possibilidade de inventariar


essa produção, imaginando tendências, ênfases, escolhas metodológicas e teóricas,
aproximando ou diferenciando trabalhos entre si, na escrita de uma história de uma
determinada área do conhecimento. Aqui, ele deve buscar responder, além das
perguntas ‘quando’, ‘onde’ e ‘quem’ produz pesquisas num determinado período e
lugar, àquelas questões que se referem a ‘o quê’ e ‘o como’ dos trabalhos.
(FERREIRA, 2002, p. 265)

Com base nos autores supramencionados, tornou-se pertinente pensar o estado de conhecimento
descrito neste trabalho e apesar de SOUSA (2014, p. 5) ressaltar que há dificuldade nesse tipo de pesquisa
tendo em vista que “a produção do conhecimento sobre determinado assunto e o volume de informações é
cada vez maior”, entende-se que há dificuldades na construção do estado de conhecimento para uma
pesquisa em andamento, pela quantidade de produção acadêmica, mas que, por outro lado, contribui para
uma possível pesquisa inovadora e atualizada.

3. Estado de conhecimento: Alguns pressupostos teóricos


Uma vez definido “Estado do Conhecimento”, iniciou-se levantamento de trabalhos relacionados à
temática da pesquisa. Para tanto, Foram utilizados os termos de busca, com e sem aspas, "profissionalização
do jovem licenciado"; "profissionalização do jovem licenciado em música”; "profissionalização licenciado em

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música"; profissionalização do licenciado em música, profissionalização do jovem licenciado em música;


profissionalização do jovem licenciado em música e mercado de trabalho; “profissionalização do jovem
licenciado em música e mercado de trabalho”, em periódicos da CAPES, bibliotecas digitais da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Bancos de dissertações de mestrado e teses de doutorado como BDTD-IBICT,
artigos em revistas acadêmicas, como da Associação Brasileira de Educação Musical, e no Google acadêmico.
Depois de analisar os textos encontrados, percebeu-se que, ao utilizar o termo profissionalização do
licenciado em música, sem aspas, foram encontrados assuntos mais próximos da temática, como os
resultados contidos na tabela abaixo:

Tabela 01: Resultados de busca

No Google acadêmico foram encontrados 7.120 resultados; no Banco de teses/ BDTD-IBICT apenas
1, no Repositório da Universidade Federal do Rio Grande do Sul 194 e na ABEM 25. Muitos destes se repetem
nas distintas plataformas de busca de teses, dissertações e artigos acadêmicos. Dessa forma, dentre estes,
vinte foram selecionados, utilizando o critério de proximidade com a temática da pesquisa.
Assim, foram organizados em uma tabela, para facilitar a organização do levantamento bibliográfico,
além disso, buscou-se identificar os subtemas relacionados ao tema da pesquisa; analisar as tendências de
pesquisa e estudo, para examinar se esta temática está ou não em crescimento; ainda nesse sentido,
procurou-se identificar os objetivos e metodologias abordados pelos autores dos trabalhos vistos, verificando
quais aportes teóricos estão sendo utilizados pelos trabalhos e qual a relevância dessa fundamentação.
Depois de analisar os resultados alcançados pelos vinte trabalhos, como organizado nas tabelas,
objetivos e resultados dos trabalhos, selecionou-se oito trabalhos, encontrados no Repositório da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS, utilizando somente o termo profissionalização do
licenciado em música, sem aspas, a qual se concentrou em dois temas: a formação de professores e ensino
e aprendizagem da docência em música. Isto pode ser identificado nos objetivos e resultados destes
respectivos trabalhos, como exemplifica-se na tabela abaixo:

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Tabela 02: Recorte dos textos contendo autor, título, objetivo e resultados.

Esses autores, citados na figura acima, abordam a profissão professor de música, porém com a
perspectiva da profissionalização do licenciado ou licenciando, verificando a formação com enfoque nas
práticas de ensino e aprendizagem. Os sujeitos identificados na pesquisa dos autores, em sua maioria, são
professores licenciados em música. Os trabalhos abrangem, em seus objetivos, verificar trajetória da vida
profissional e suas respectivas escolhas; compreender o sentido e a imagem da profissão para esses sujeitos,
suas identidades profissionais em diversos espaços de atuação profissional da docência em música. Os

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resultados, de acordo com as pesquisas, mostram que há uma lacuna entre as dimensões da
profissionalização docente em música do jovem licenciado, no que se refere à profissionalidade.
Cereser (2003) aponta em sua pesquisa que há pouca relação entre conteúdos didático-pedagógicos
e musicais. Ao passo que Morato (2009) identifica uma retroalimentação no ciclo profissional dos
licenciados. E Abreu (2011) apresenta que é no contexto escolar que ocorre a profissionalização docente em
música, por meio de uma relação singular-plural e que a profissionalização é uma narrativa de si. A autora
aborda em sua pesquisa aspectos do profissionismo.
Destro dessa perspectiva, possivelmente, parece persistir uma divergência para o campo de atuação
para esse jovem licenciado empreendedor de si, pois este cria mecanismos para se inserir e se profissionalizar
na música. Assim, pode-se refletir, a partir dos resultados apontados acima, sobre qual o sentido do ser
professor de música que está emergindo nessa contemporaneidade, ou seja, qual a visão de ser professor
para esse jovem licenciando. Nessa perspectiva, para melhor análise destas pesquisas, observou-se o recorte
teórico e a metodologia de cada texto como mostra a tabela abaixo:

Tabela 03: Recorte do textos contendo nome do autor, recorte teórico e metodologia.

Estes autores abordam, em suas referências, a temática profissão professor de música, licenciados e
atuação profissional, como: Bellochio, Del-Ben, Beineke, dentre outros, citados direta ou indiretamente. Os
sujeitos são licenciandos em música e, em sua metodologia, verifica-se coleta e análise de dados,
levantamento bibliográfico, estudo de caso e entrevistas.
Dessa forma, compreende-se que essas são possibilidades para o desenvolvimento da referida
pesquisa em andamento, pois por meio da construção dos trabalhos verificados, ajuda na problematização

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da pesquisa em andamento e na compreensão do caminho a ser percorrido, para alcançar o objetivo geral
da pesquisa em andamento.
Nessa perspectiva, torna-se pertinente apresentar, no tópico que segue, breve introdução dos
aspectos teórico-metodológicos que envolvem a Pesquisa (auto)biográfica para tornar mais claro os
caminhos escolhidos para responder aos objetivos da pesquisa em andamento.

4. Caminhos metodológicos
O que constitui o projeto epistemológico da pesquisa (auto)biográfica é a “constituição individual”
do sujeito (DELORY-MOMBERGER, 2012. 523), de acordo com a autora, o objeto de estudo da pesquisa
(auto)biográfica se inscreve em uma das questões centrais da antropologia social, buscando compreender
“como os indivíduos se tornam indivíduos” (p. 523).
Essa temática convida outras áreas do conhecimento a desdobrar diferentes questões que tratam da
complexidade das relações dos indivíduos e suas inscrições nos contextos históricos, sociais, culturais,
linguísticos, econômicos e políticos. Os desenvolvimentos teóricos mais recentes da pesquisa
(auto)biográfica, propostos por Delory-Momberger (2006; 2008; 2011; 2012), têm se baseado em histórias
de vida, narrativas (auto)biográficas.
Assim, a pesquisa (auto)biográfica é relevante para se compreender as posições e papéis ocupados
pelos indivíduos na estrutura social, ou seja, reconstruímos o sentido de nossas as vidas narradas no
momento em que relacionamos o mundo com os nossas construções biográficas e os compreendemos nas
relações de ressonância com a nossa própria experiência biográfica. (DELORY-MOMBERGER, 2008. p. 40-59).
Para a autora, a forma de expressão mais imediata para demonstrar a representação mental, pré-escritural
de uma biografia são as narrativas.
A autora esclarece que os princípios do discurso narrativo consistem em organizar a sucessão dos
fatos, as sintaxes das ações e das funções, a dinâmica transformadora entre sequências de aberturas e de
fechamento dos acontecimentos, além de orientar quanto aos objetivos do sujeito em narrar determinados
fatos. Nesse sentido, a narrativa apresenta-se como a linguagem do fato biográfico, como o discurso no qual
escrevemos nossa vida. Assim, ao narrar a sua própria história, o indivíduo age e produz ação. E essa ação
deixa rastros de conhecimentos produzidos e de experiências adquiridas.
Portanto, no ato de contar a sua história é possível produzir narrativas formativas refletidas no texto.
Contudo, o relato não é somente o produto do ato de contar, ele tem também o poder de produzir efeitos
sobre aquilo que relata. A identificação e o tratamento cruzado desses relatos permitem tornar legíveis os
princípios estruturais que organizam o percurso de autoformação de quem narra, ao mesmo tempo em que
dão conta de sua singularidade.

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A história de vida que se desenvolve pela narrativa (auto)biográfica no ato de narrar é o momento
em que o sujeito forma-se, elaborando e experimentando a sua história de vida, por meio da inteligibilidade
biográfica, refletindo sobre como esse sujeito apreende e compreende sua vida ao recontá-la. (DELORY -
MOMBERGER, 2008. p. 57 - 138). Ao aproximar essa epistemologia da área de Educação Musical com a da
Pesquisa (auto) biográfica, estabelece-se que as teorias explicativas que possam emergir das narrativas (auto)
biográficas dos colaboradores da pesquisa, ajudam na ampliação desse diálogo com o autor, uma vez que
ainda não encontramos na revisão de literatura da nossa área respostas para as questões da pesquisa em
andamento, nessa perspectiva.

5. Algumas considerações
Em síntese, esse trabalho propôs-se apresentar as primeiras aproximações com a literatura da
Educação Musical, que discute o sentido da profissão professor de música para jovens licenciandos, dando
destaque, principalmente, a uma Educação Musical na perspectiva humana. Acredita-se que ao apresentar
o processo de construção da temática da pesquisa em diálogo com a literatura, poderá apontar caminhos
para a pesquisa, na perspectiva (auto)biográfica, a qual, possivelmente, auxiliará na elucidação das narrativas
de professores, o modo como o docente de música de projetos sociais compreende, àquilo que Kater (2004)
discute sobre a necessidade de “qualificação, formação pessoal do próprio educador, com enfoque
humanizador da Educação Musical” [em seus projetos de si]. (KATER, 2004, p. 44)
Com isso, a área de Educação Musical tem um papel significativo na sociedade, especialmente nos
contextos educacionais. Essa responsabilidade possibilita refletir sobre figura do professor de música que
atua nesses contextos como um profissional que se constrói com o lugar, comprometido com ações
pedagógico-musicais implicadas com a vida.
Por fim, a revisão de literatura da área evidenciou também que são escassos os trabalhos que tratam
dessa temática na perspectiva da pesquisa (auto)biográfica, levando-se a pensar que tornar-se professor de
música também é lançar questões a partir daquilo que são e o que se tornaram, fazendo emergir teorias
explicativas de sua condição biográfica como professor de música em contextos educacionais.
Depois de entender, por meio do diálogo entre os autores que há diferenças e similaridades na
compreensão do que é, ou do que se trata, estado do conhecimento e da arte, percebe-se a importância para
o desenvolvimento dessa pesquisa, pois assim, por meio do estado de conhecimento, pode-se verificar o que
está sendo produzido por autores de universidades distintas sobre a temática em questão em seus diversos
enfoques, metodologias, objetivos, resultados, etc.
Assim, auxiliando a reflexão sobre a possível contribuição dessa pesquisa para a área da Educação
Musical, sem correr o risco de reproduzir assuntos já discutidos, colocando em risco a originalidade da
mesma. Por outro lado, este estado do conhecimento possibilita a problematização, questões e objetivos da

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pesquisa, bem como na fundamentação teórica, condução da coleta e analise de dados do campo empírico,
lócus, e entres tópicos importantes que serão verificados de acordo com a carência da pesquisa em
andamento.
Acredita-se, portanto, que o assunto sobre o estado do conhecimento para empreender a pesquisa
em andamento não se esgota aqui, pois há ciência da necessidade de outros levantamentos, “sentido da
profissão”; “jovens e música”; “mercado de trabalho” ou “espaços de atuação profissional para licenciados”.
Considerando-se, o não esgotamento dessa pesquisa e sim afirmando como ponto de partida para justificar
a temática escolhida, ampliando o olhar sobre a questão e possibilidades para futuras pesquisas na mesma.

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ETNOMUSICOLOGIA - COMUNICAÇÕES

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A produção musical independente do rock em Belém do Pará

Bárbara Lobato Batista


barbaralobato9@gmail.com
Universidade Federal do Pará

Sonia Chada
sonchada@gmail.com
Universidade Federal do Pará

Resumo: A produção musical independente do rock em Belém do Pará é um


subprojeto de Práticas Musicais no Pará, executado através do PIBIC/UFPA. Está
vinculado ao Grupo de Estudos sobre a Música no Pará e ao Laboratório de
Etnomusicologia da UFPA. Investigar as bandas de rock atuantes em Belém do Pará,
considerando a produção musical independente nesse contexto, é o principal
objetivo desta pesquisa, em andamento. Está sendo realizada a seleção e coleta
dos dados para análise, classificação, interpretação e organização. Espera-se com
essa pesquisa fornecer informações sobre essa prática musical, as bandas atuantes
neste cenário, os subgêneros do rock em Belém, os músicos, considerando o
contexto onde esses se inserem e a importância desta prática musical na
movimentação cultural da cidade.
Palavras-chave: Rock em Belém-Pará. Prática Musical no Pará. Produção Musical
Independente.

Abstract: The independent rock music production in Belem is a subproject of


Musical Practices in Pará, run through the PIBIC / UFPA. It is linked to the Study
Group on Music in Pará and Ethnomusicology Laboratory of UFPA. Investigate rock
bands active in Belem, considering the independent music production in this
context it is the main objective of this research in progress. Is being carried out the
selection and collection of data for further analysis, classification, interpretation
and organization. It is hoped that this research provide information about the
musical practice, bands active in this scenario, the rock subgenres in Belém,
musicians, considering the context in which these are inserted and the importance
of musical practice in the cultural movement of the city.
Keywords: Rock in Belem-Para. Musical Practice in Pará. Independent Musical
Production.

1. O Rock
O rock, como gênero musical1, surge nos Estados Unidos da América, no final da década de 1950, a
partir da mistura do jazz, do blues e do country. Nos seus primórdios os instrumentos mais utilizados eram a
guitarra, o contrabaixo, o teclado e a bateria, mas, atualmente, vários outros instrumentos são incorporados

1
Segundo a Enciclopédia Larousse Cultural, gênero musical é o conjunto de formas de mesmo caráter, reunidas por sua finalidade ou por sua função
[...]. (SILVA, [s/d]).

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às bandas desse gênero. Essa é a definição mais encontrada em vários sites e dicionários disponíveis que
tratam sobre o tema. Mas, definir o que é rock não é uma tarefa fácil, pois ele vai muito além de padrões
sonoros:

[...] ele se tornou uma maneira de ser, uma ótica da realidade, uma forma de
comportamento. O rock é e se define pelo seu público. Que, por não ser uniforme,
por variar individual e coletivamente, exige do rock a mesma polimorfia, para que
se adapte no tempo e no espaço em função do processo de fusão (ou choque) com
a cultura local e com as mudanças que provocam de geração em geração. [...]
(CHACON, 1989, p. 11-12).

Há um consenso que o rock surgiu nos EUA e que esse país é um polo de formação de bandas
precursoras deste gênero até hoje, mas o rock não é genuinamente americano. Ele ultrapassa fronteiras e se
estabelece em várias culturas à medida que a população o aceita e o molda de acordo com os seus costumes.
Segundo Chacon, o rock sofreu influência da música americana, como o country e a pop music e essas
duas vertentes musicais “forneceram elementos que impediram que o rock se transformasse apenas na
‘versão branca do rhythm and blues’ e criasse sua própria proposta” (1989, p. 15-16). Apesar disso foi da
música negra que o rock herdou seu âmago, o caráter explosivo, tanto sonoro quanto físico, e tem suas
origens na forma que os africanos se expressavam:

Reprimidos pela sociedade wasp (white, anglo-saxon and protestant), a mão-de-


obra negra, desde os tempos da escravidão, se refugiava na música (os blues) e na
dança para dar vazão, pelo corpo, ao protesto que as vias convencionais não
permitiam (idem, p. 14).

O rock foi se consolidando como gênero musical a partir da década de 50. Foi se desenvolvendo e
transformando, de forma que cada década tem suas tendências musicais e comportamentais. Nos anos 60,
o mundo conheceu os The Beatles, e o rock foi se tornando progressivo, com músicas longas, psicodélicas,
cheias de efeitos e distorção (Ver, entre outros, Yes, Pink Floyd, e Jimmy Hendrix). Nos anos 70 surgiram as
bandas de hard rock (Deep Purple, Led Zepellin e outras). No Brasil houve bandas representantes dessa
vertente como os Mutantes, Secos e Molhados e O Terço. Nos anos 80 surgem várias correntes como a new
wave (The Police e outras) e a hair metal (Guns ‘in’ Roses e outras). E no Brasil, bandas como Legião Urbana,
Ultraje a Rigor e Titãs. Atualmente existe uma infinidade de vertentes musicais do rock. Ele sempre está se
reciclando e sofrendo mudanças, culminando com o nascimento de novos subgêneros.

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2. O Rock em Belém
Belém, com a chegada de alguns recursos tecnológicos como o rádio, a televisão, o cinema e, em se
falando de fatos mais recentes, com o advento da internet, entre outros, passou a experimentar novas
influências, novas informações, numa velocidade ainda maior do que antes. A maioria dessas influências
trouxe experiências e vivências distintas e, a cidade, por sua vez, passou a desenvolver novas práticas
culturais ligadas a esses aspectos. Com novas concepções, novas práticas musicais acabam por achar terreno
e é justamente nesse fervilhar de novas informações, nesse desenvolvimento de novas compreensões
culturais e, por conseguinte, musicais, que surge o rock na cidade belenense. Rock, então, passa a ser um
discurso musical presente na cidade, professado por belenenses. Apesar de ter sido hostilizado a princípio,
aos poucos foi conquistando seu espaço, fazendo parte do escopo musical/cultural da cidade. Mas ele não
surgiu do nada. Rock em Belém é fruto de processos que se deram em todo o mundo. O rock, como gênero
musical, portanto, acaba se mostrando detentor de uma série de discursos musicais que se agregam
enquanto rock, mas são bastante diferentes entre si, um gênero musical dotado de códigos e elementos
distintos.
As primeiras notícias que encontramos sobre o rock em Belém são referentes à década de 1960,
quando na capital paraense existia um número reduzido de bandas, as quais eram “cópias” das bandas do
Rio de Janeiro e de São Paulo. Essas reproduziam o formato das bandas norte-americanas.
No final de 1974 surge a banda Sol do Meio Dia, influência do rock progressivo, uma combinação de
rock, jazz, blues e da música erudita.
No início de 1980 o heavy metal e o punk se tornam as vertentes dominantes no cenário do rock em
Belém. Festivais como o 1º Rock in Rio (1985) e Hollywood Rock (1988) divulgaram o rock, principalmente o
heavy metal, no Brasil e, segundo Monteiro (2013), esses festivais contribuíram, de alguma forma, como
incentivo para o movimento rock em Belém.
A partir dos anos 90 o movimento começou a ganhar força na capital do Estado paraense e surgiram
vários eventos e festivais como o Rock in Rio Guamá, Projeto Variasons, Fest Rock e o Baíto in Rock. Ainda
nesse período foram criados programas de rádio voltados para o rock nas rádios Cidade FM, Belém FM e
Cultura FM, que abriam espaço para a divulgação da produção autoral do rock de Belém. Até hoje a rádio
Cultura mantém o programa “Balanço do Rock” (Cf. MONTEIRO, 2013).
Um evento que merece destaque foi o “Rock 24 horas no Ar”, que contou com três edições, a 1ª e a
2ª em 1992, e a 3ª em 1993. Esta ultima terminou com atos de violência por parte de “gangs” infiltradas na
plateia, culminando com o enfraquecimento dos festivais e fechando várias portas para as bandas de rock na
capital. Após esse episódio várias bandas não conseguiram continuar com a sua produção. Atualmente a
maioria das bandas prega a não violência e o não uso de drogas (idem).

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É importante frisar que apesar do heavy metal e o punk dominarem o cenário do rock em Belém
durante os anos 80, na passagem para os anos 90 algumas bandas já faziam experimentações, mesclando o
rock com a música paraense e outros estilos. Atualmente, na cidade belenense, existem bandas precursoras
dos mais variados tipos de rock. Festivais como o Se Rasgum, CCAA Fest, Woodstock, Mongoloid, entre
outros, mobilizam a cena do rock na capital.
Neste cenário, as iconografias, a linguagem, bem como os códigos de valoração inerentes ao rock
passaram a permear a vivência cultural e musical de uma parcela da população belenense. A prática musical,
assim, diretamente ligada a uma experiência mais ampla do que a mera execução de sons musicais.
A utilização de Homestudios, também conhecidos como estúdios caseiros, como forma de produção
musical independente, inclusive nessa prática musical, tem crescido bastante nos últimos anos no Brasil, e
não é diferente em Belém do Pará. A divulgação de artistas e suas músicas por meio da internet também tem
se tornado algo bastante comum. Esses fenômenos têm ocorrido no atual cenário mundial devido o acesso
facilitado às tecnologias e às informações. O barateamento de equipamentos tecnológicos, as redes sociais
como o principal meio de comunicação da atualidade, artistas independentes que veem nas redes sociais
uma grande oportunidade para compartilhar suas produções, são comuns nos dias atuais. Esses e vários
outros fatores têm contribuído para mudanças ocorridas no panorama artístico e independente da cidade
(Cf. SILVA, 2015).
Redes sociais, como Facebook, Soundcloud e Youtube, cada vez mais utilizadas, surgiram como
ferramentas que possibilitam a aproximação entre diversas pessoas no mundo todo e, neste contexto,
passaram a ser também utilizadas por artistas independentes, pois permitem que os usuários possam
compartilhar opiniões, ideias e gostos, sendo uma ferramenta que permite ao público produzir e colaborar
com as informações disponibilizadas. Com isso, bandas e artistas independentes viram nessas ferramentas
uma possibilidade de visibilidade do seu produto e uma proximidade com o público através das interações
nessas redes sociais.
Vale mencionar, contudo, que música independente não significa “liberdade” total de alguma coisa,
ou do que quer que seja. Significa estar atrelado a meios específicos de produção musical e dependência de
seus processos para o alcance do mercado, mesmo que numa proposta diferenciada. Sendo assim, a lógica
do que seja música independente se aplica muito mais a uma suposta liberdade estética, geralmente livre
para criar fora das amarras do que seria o pop, considerado como receitas de produção musical que dão
certo, que são vendáveis e que melhor se enquadram para o consumo. A acentuação desta forma de
produção na cidade de Belém do Pará começou nas duas últimas décadas do século XX, principalmente, nos
anos 90 (Cf. SILVA, 2015).

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3. A pesquisa
No primeiro semestre de 2016, eu e mais três amigos formamos uma banda de rock. Porém, como
os quatro integrantes haviam se transferido recentemente para Belém, nenhum ainda tinha experiência com
a prática musical na capital. Não sabíamos exatamente qual era o cenário atual do rock em Belém, quais são
as bandas que se destacam nesse cenário e por que se destacam, quais os festivais existentes na capital e
como se dá a produção musical nesse contexto. Assim, nos propusemos a investigar essas questões para
adentrar nesse cenário. Pensamos, “Por que não reunir as informações adquiridas nessa busca e sistematizá-
las de forma que gerassem dados para uma pesquisa científica?”. Então o plano de trabalho foi submetido
ao Programa Integrado de Bolsas de Iniciação Cientifica da UFPA – PIBIC, e aceito.
“A produção musical independente do rock em Belém do Pará” é um subprojeto do Projeto Práticas
Musicais no Pará, projeto principal do Grupo de Estudos sobre a Música no Pará – GEMPA, vinculado ao
Laboratório de Etnomusicologia da UFPA – LabEtno. O projeto principal é uma proposta contínua que abriga
vários subprojetos e ações, realizados no âmbito da Licenciatura em Música e do Programa de Pós-Graduação
em Artes.
Lançando mão do instrumental teórico oferecido pela etnomusicologia, seguindo, especialmente, os
caminhos propostos por Blacking (2000), Nettl (2005 e 2006) e Seeger (2004) para o estudo de música, e
pelos estudos culturais, são investigadas as diversas práticas musicais existentes no Estado do Pará. Com o
avanço das pesquisas dos subprojetos que compõem essa proposta o grupo tem contribuído para o estudo
sobre a música no Pará, ampliando e produzindo conhecimento sobre música, considerando as relações
existentes entre as diversas práticas musicais e sobre aspectos importantes da cultura paraense. Tem
realizado, também, levantamento documental e bibliográfico sobre essas práticas musicais, contribuindo
para uma cartografia musical paraense que contempla práticas, grupos e mestres atuantes no Estado.
Na proposta do projeto, prática musical é definida como:

um processo de significado social, capaz de gerar estruturas que vão além de seus
aspectos meramente sonoros, embora estes também tenham um papel importante
na sua constituição (...). A execução, com seus diferentes elementos (participantes,
interpretação, comunicação corporal, elementos acústicos, texto e significados
diversos) seria uma maneira de viver experiências no grupo. Assim, suas origens
principais têm uma raiz social dada dentro das forças em ação dentro do grupo,
mais do que criadas no próprio âmago da atividade musical. Isto é, a sociedade
como um todo é que definirá o que é música. A definição do que é música toma um
caráter especialmente ideológico. A música será então um equilíbrio entre um
"campo" de possibilidades dadas socialmente e uma ação individual, ou subjetiva
(CHADA, 2007, p. 13).

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Investigar as bandas de rock atuantes em Belém do Pará, considerando a produção musical


independente nesse contexto, é o objetivo geral do subprojeto em tela, em andamento. Os específicos são:
Fornecer informações contextualizadas sobre o Rock em Belém do Pará; Relacionar músicos e bandas
atuantes neste contexto, considerando as características específicas de suas práticas; Captar e registrar
aspectos do saber musical contido nessas práticas musicais; Cadastrar as informações coletadas contribuindo
com o banco de dados sobre Práticas Musicais Paraenses do LabEtno; Contribuir para o desenvolvimento de
estudos sobre a cultura musical paraense.
A coleta de dados inicial, nesta proposta, acontece principalmente a partir de pesquisa na internet,
com o intuito de relacionar bandas atuantes em Belém. Assim, formulários estão sendo enviados através de
redes sociais, aplicativos de comunicação ou e-mail aos integrantes das bandas relacionadas, para primeiros
contatos, considerando que, atualmente, muitas bandas e artistas usam a internet como meio de divulgação
dos seus trabalhos musicais. Deduz-se que na cidade de Belém isto também aconteça.
A partir dos dados coletados, serão fornecidas informações sobre os integrantes dessas bandas,
como se autodenominam, como participam da cultura local e como se articulam, para garantir seu espaço
em uma cidade onde as festas de aparelhagens são os movimentos musicais dominantes e polos de público.
Até o momento, estamos analisando dados obtidos sobre os seguintes festivais e bandas atuantes
no cenário belenense:

• I Mongoloid Festival: ocorrido nos meses de Agosto e Setembro de 2016.


Bandas participantes: Dead Level, Lobonato, Sokera, Dislexia, 100 Dias de
Agonia, The Lay, Blind For Giant, Morse Duo, TQSS, Dois na Janela, Enfim Nós,
Loc Di Plastik, Turbo.
• I Woodstock Jungle Festival: ocorrido em 22 de Outubro de 2016. Bandas de
rock participantes: Bandoleiros e a Cigana, Zeit, Gramofolk. Alibi de Orfeu,
Sokera, Vinyl, Mitra, DNA. Stress.
• CCAA Fest 2016 – ocorrido em 26 de Outubro de 2016. Bandas de rock
participantes: 3*17, Dead Level, Junior Saldanha, Divine Sign, Caminho Estreito.
• 11º Se Rasgum – a ocorrer de 01 a 05 de Novembro de 2016.
• Manga Noise Festival – a ocorrer no dia 4 de Dezembro de 2016.

Estão sendo realizadas entrevistas com as bandas relacionadas. O primeiro aspecto considerado tem
a ver com a descrição da banda. Fatos que marcam o seu surgimento, desenvolvimento e trajetória ao longo
do tempo. Não apenas isso, mas nessa trajetória estão sendo registradas as mudanças de concepção musical
e cultural que se estabeleceram. O segundo aspecto visa entender como a banda concebe música, numa
perspectiva cultural. O terceiro aspecto compreende as relações contextuais. Suas práticas musicais serão
verificadas considerando o conceito de Chada (2007, p. 139), já mencionado.

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4. Resultados esperados
Com essa pesquisa pretende-se relacionar um número considerável de bandas representantes de
vários subgêneros do rock atuantes em Belém, apontando quanto o cenário do rock é importante para a
movimentação cultural da cidade.
Através de uma perspectiva etnomusicológica, espera-se fornecer interpretações, explicações e
problematizar questões sobre o estudo da música e do homem em uma prática musical específica, sobre as
idéias que os músicos têm sobre o fazer musical, sobre criação musical e a música propriamente dita,
contribuindo para o projeto Práticas Musicais no Pará e para a historiografia da música no Pará, através da
investigação pontual sobre uma prática musical urbana existente no Estado.

Referências

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A Viola de Buriti e a musicalidade do Mumbuca: um caso de mudança


cultural/musical em uma comunidade quilombola no Jalapão, TO

Marcus Facchin Bonilla


marcusbonilla@uft.edu.br
Universidade Federal do Tocantins

Sonia Maria Moraes Chada


sonchada@gmail.com
Universidade Federal do Pará

Resumo: A comunidade quilombola do povoado Mumbuca, região do Jalapão - TO,


possui uma estreita relação com a arte, manifestada de diferentes formas, entre
elas, a utilização da viola de buriti, construída por artesãos e músicos locais. A
pesquisa proposta pretende investigar, além da musicalidade, qual o espaço e o
papel que a viola de buriti, ocupam/representam para a comunidade Mumbuca,
considerando os aspectos de resistência e mudança musical, assim como suas
escolhas estéticas. O conceito de bricolagem (LÉVI-STRAUSS, 2008), da concepção
de “ritornelo” (DELEUZE e GUATTARI (2005), do conceito de “biologia do fazer
musical” e de mudança musical proposto por Blacking (1974, 1995) e Nettl (2006),
assim como o entendimento de “dobra” apontado por Deleuze (1991), fornecerão
o suporte teórico da pesquisa, sendo observados ainda os aspectos sociais e de
resistência que a comunidade utiliza para perpetuar sua cultura e seu fazer musical.
Palavras-chave: Viola de buriti. Práticas musicais no Jalapão. Mudança musical.

Abstract: The quilombo of the village Mumbuca, the Jalapão - TO region, has a close
relationship with art, manifested in different ways, including the use of the viola of
buriti, built by local craftsmen and musicians. The proposed research aims to
investigate, as well as musicality, which space and the role that viola of buriti, take
/ pose to Mumbuca community, considering the aspects of resistance and musical
change, as well as their aesthetic choices. The concept of bricolage (LEVI-STRAUSS,
2008), the concept of "ritornello" (Deleuze and Guattari (2005), the concept of
"biology of music making" and musical change proposed by Blacking (1974, 1995)
and Nettl ( 2006), as well as the understanding of "fold" pointed out by Deleuze
(1991), will provide theoretical support for the research, and also consider the
social aspects and resistance that the community uses to perpetuate their culture
and their music making.
Keywords: Viola of Buriti. Musical practices in Jalapão. Music Change.

O artigo aqui apresentado foi baseado no projeto de pesquisa submetido ao curso de doutorado do
Programa de Pós-Graduação em Artes da UFPA, cuja pesquisa se encontra na sua fase inicial de
desenvolvimento. Trago aqui as primeiras proposições metodológicas e teóricas de aproximação com o
objeto da pesquisa, consciente de que as reflexões sobre o tema poderão levar a outros rumos investigativos.
Vale comentar que o interesse por esse tema foi despertado quando eu acompanhava, via internet,
a transmissão dos selecionados do Festival Nacional da Viola, o Voa Viola, edição de 2010, realizada no

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Palácio das Artes, em Belo Horizonte, ocorrida em 1º de dezembro. Na ocasião, fui surpreendido com a
apresentação da dupla Tradição do Jalapão, formada por dois músicos de rara inventividade - Maurício
Ribeiro e Arnon Tavares, que com seus chapéus de capim dourado interpretavam Violinha de Vereda, de
Josino Medina, acompanhados de suas “violas de buriti” - instrumentos fabricados pelos próprios violeiros.
Diante de uma plateia que incluía os mais renomados violeiros (as) e luthiers do Brasil, a dupla não se
intimidou e apresentou-se com personalidade, representando sua comunidade1.
Em outro momento, no ano de 2014, já na condição de professor do curso de Licenciatura em
Educação do Campo, habilitação em Artes e Música da Universidade Federal do Tocantins – UFT, curso esse
que atende alunos oriundos de comunidades tradicionais do campo, e também indígenas e quilombolas,
recebo de presente de uma aluna uma viola de buriti confeccionada pelo Arnon, como uma lembrança
simbólica da sua comunidade, o povoado Mumbuca, localizado na região do Jalapão. Foi a motivação que
faltava para meu desejo de estabelecer uma aproximação etnográfica com aquela musicalidade.
O presente texto trata-se de um pré-projeto de pesquisa que pretende investigar, além da
musicalidade, qual o espaço e o papel que a viola de buriti, produzida pelos músicos e artesãos Maurício e
Arnon, ocupam/representam para a comunidade Mumbuca, considerando os aspectos de resistência e
mudança musical. Pretendo, ainda, compreender as escolhas estéticas desses músicos e da comunidade,
baseado na curiosa informação de Maurício, em uma entrevista para o Sala de Notícia (2013), em que afirma
que a viola de buriti surgiu a partir de algumas alterações feita por “eles” de outro instrumento, a “Rabeca
de Buriti”, que era tocada com arco e produzida por seus antepassados e por outros artesãos na região, como
no caso do Seu Miúdo, de Ponte Alta do Tocantins- TO, cidade relativamente próxima ao Jalapão, que produz
a rabeca de buriti com os mesmos princípios de construção dessa viola, ambas produzidas a partir do talo
maduro do pé de buriti. Essa alteração afeta a sonoridade e o modo de tocar o instrumento, gerando outros
ambientes sonoros, assim como outras maneiras de se relacionar corporalmente com a viola. Segundo o
release publicado sobre a dupla para divulgação do evento do Voa Viola, e disponível na página do
soundcloud,

Para dar vazão à sua musicalidade, e sem acesso a instrumentos industrializados,


os antigos músicos da região pegavam talos maduros de buriti, tão comum nas
veredas do Cerrado, e usando apenas materiais locais construíam as suas violas.
Para unir as 3 partes do talo são usados grampos feitos de taboca. O rastilho e o
cavalete, onde as cordas são presas, e as tarrachas, responsáveis pela afinação, são
esculpidos em vinhático. As cordas são feitas de linhas de pescar de diversas
espessuras, sendo os únicos materiais industrializados utilizados. (MUTUM, 2015)

1
Essa apresentação pode se conferida na internet no seguinte endereço < https://www.youtube.com/watch?v=vzqwfqnLVvA> . Acesso em 24 abril
de 2016.

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A viola de buriti é um dos principais elementos da musicalidade da comunidade de onde vivem esses
músicos, porém existem outras formas de expressão musical nesse povoado, de interesse da pesquisa, e que
devem ser observados, para o entendimento dessa prática, como as canções e os corais formados por alguns
moradores para a recepção de turistas na região que, além do artesanato com o capim dourado, é uma das
principais atividades de renda para os moradores dessa comunidade. O teatro com cenas e canções contando
as histórias da comunidade também é uma das manifestações praticadas em eventos locais e bastante
apreciadas pelos moradores do povoado e suas cercanias.
A comunidade do Mumbuca lida com uma série de conflitos internos e externos e enfrenta
resistência sobre sua condição de remanescentes quilombolas e de suas crenças, assim como por sua
localização geográfica. Em 18 de julho de 2000 foi criada a lei 9.985 que tornou a área onde a comunidade
vive em Área de Preservação Permanente (Parque Estadual do Jalapão), o que impactou diretamente nos
seus costumes e modos de produção.
Já em 2006, a Fundação Palmares reconheceu a comunidade como remanescente quilombola, o que
trouxe alguns benefícios para os moradores da região, principalmente para compensar as restrições impostas
a eles por conta da criação do parque.
Esse conjunto de fatores vem chamando à atenção de muitos pesquisadores para a realização de
pesquisas com essa comunidade, que conta com cerca de 200 habitantes, principalmente na área do turismo
e de modos de produtividade, assim como segurança alimentar, proporcionando uma produção científica e
de dados bastante rica. No que se refere à sua musicalidade, é farto o material de suas manifestações
artísticas em vídeos na rede mundial de computadores, porém, até o momento, não encontrei trabalhos
acadêmicos e de reflexão teórica ou etnográfica de mais fôlego específica sobre esse aspecto do grupo.
Diante desse quadro, é interessante investigar de que modo a música tem atuado e mediado esses
conflitos, e o que ela carrega de resistência e mudança, seja da condição de remanescentes quilombolas, das
disputas por terra e de reconhecimento de suas identidades. De forma resumida, vou de encontro com os
estudos de Luciana Prass, que desenvolveu pesquisa etnomusicológica com outro grupo quilombola no sul
do país, no qual ela questiona qual é “o lugar da música na agenda identitária desses grupos que lutam por
terem seus direitos reconhecidos” (PRASS, 2013, p. 16).
Uma das justificativas para a realização desse projeto está ligada a minha atividade como docente no
curso de Educação do Campo com habilitação em Artes e Música, um curso baseado em um conceito recente
de políticas afirmativas, direcionadas para os povos do campo, como as comunidades tradicionais,
ribeirinhos, agricultores, indígenas, pescadores e quilombolas. A proposta pedagógica desse curso baseia-se
na busca de uma educação contra-hegemônica, ou seja, que se opõe a atual educação hegemônica que
atende apenas aos interesses das classes que sempre foram privilegiadas nos modelos de educação. Nesse
curso, tem-se o entendimento de que a cultura e os conhecimentos populares dos educandos sejam

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valorizados e respeitados, uma educação que parte da realidade do campo, e não do contrário - como têm
sido dirigidas as políticas de estado, baseadas naquelas em que os interesses urbanos, do capitalismo e da
indústria são a medida do que deve ou não ser ensinado nas escolas rurais2.
Nesse sentido, é necessário uma aproximação e um entendimento maior sobre a realidade e as
formas de pensamento dos sujeitos que fazem parte desse campo, aqui nesse caso específico sobre essa
comunidade quilombola, que possuem alguns de seus membros como discentes do curso de Educação do
Campo em que atuo.
A música é uma das expressões que acompanham a humanidade em seus diferentes povos e traduz
aspectos da linguagem, carregam elementos da comunicação e simbologias, sentimentos e transportam
células de resistência de grupos humanos. A compreensão de como esses elementos são articulados pelas
comunidades tradicionais que, de certa forma, estão isoladas geograficamente, mas que também estão
inseridas nos conflitos e contradições da sociedade contemporânea, é uma chave importante para o
entendimento do modo de vida, de lutas e de conflitos desses povos.
Dentro de uma visão inter e transdisciplinar envolvendo música, antropologia, etnomusicologia e
educação, o tema proposto está inserido em uma corrente de pesquisas atuais, que tem enfocado diversas
manifestações musicais, tais como: pesquisas sobre instrumentos musicais tradicionais, contextos históricos,
repertórios, técnicas de realização musical, análises e bi-musicalidades. Nesse sentido, esta pesquisa
contribui para esses debates enfocando os modos de se expressar e as relações de identidade ligadas às
práticas musicais, seus instrumentos e seus tocadores.
Desse modo, o objetivo desse trabalho é fazer uma etnografia das práticas musicais da comunidade
quilombola do Mumbuca, focando nas possíveis mudanças ocorridas no modo de tocar, cantar e/ou no
repertório em função de uma série de acontecimentos de forte impacto na comunidade como da criação do
Parque Estadual do Jalapão, restrições de produção, reconhecimento como remanescentes de quilombolas,
cursos de qualificação pelo SEBRAE, religiosidade, entre outros. Pretende-se também mapear as atividades
artísticas e os contextos histórico/sociais dessa comunidade, compreender as concepções teóricas e as
nomenclaturas adotadas sobre as suas práticas musicais, assim como observar o lugar que a viola de buriti
ocupa como mediadora cultural desse povoado.
A pesquisa deverá iniciar por um trabalho etnográfico de campo, com entrevistas, convivência e
participação ativa nas atividades artísticas e culturais da comunidade do Mumbuca, e em especial com os
músicos e construtores das violas de buriti. É importante destacar que deverá haver um interesse da
comunidade para com essa pesquisa, e juntamente com as lideranças locais vamos pensar de que forma o

2
Para mais aprofundamento em Educação do Campo ver: Molina e Freitas (2011), Bonilla (2015a; 2015b), Molina
(2015), Antunes-Rocha (2011), Caldart (2000), Munarim (2011), entre outros.
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povoado possa ser beneficiado e também que minha intervenção seja benéfica. Ou seja, será um trabalho
colaborativo e o rumo que iremos tomar será acordado entre todos, não podendo agora eu estabelecer de
forma unilateral todos os aspectos da pesquisa. Após esse acordo inicial, novos rumos poderão ser
direcionados.
É importante ressaltar que já houve uma sinalização positiva por parte de alguns membros da
comunidade para com essa pesquisa, pois já existe um canal de comunicação que nasceu entres os discentes
do curso que atuo como docente, e que podem contribuir como mediadores, coautores ou colaboradores
para a realização desse trabalho.
Pelas informações preliminares sobre esse grupo que pretendo investigar, me parece adequado o
uso do conceito de “bricoleur” de Lévi-Strauss como principal ferramenta de trabalho, sem excluir outros
referenciais teóricos. O bricoleur ou bricolage está relacionado ao mundo mágico/mítico, uma forma de
articulação de ideias estéticas e ideias funcionais imbricadas entre si. Uma forma de entender as
transformações e a ressignificação apropriada pela arte, um ponto convergente que explica expressões
artísticas tanto ocidentais como não-ocidentais:

Por várias vezes, as considerações anteriores fizeram aflorar o problema da arte, e


talvez se pudesse, rapidamente, indicar como, nesta perspectiva, a arte se insere a
meio caminho entre o conhecimento científico e o pensamento mítico ou mágico,
pois todo mundo sabe que o artista tem, ao mesmo tempo, algo do cientista e do
bricoleur (LÉVI-STRAUSS, 2008, p. 38).

Mais especificamente, esse autor define que, no caso do bricolage, os objetos sofrem alteração
daquilo para o qual foram criados originalmente, ou seja: “suas criações se reduzam sempre a um arranjo
novo de elementos cuja natureza só é modificada à medida que figurem no conjunto instrumental ou na
disposição final” (idem, p. 36). Isso parece fazer sentido quando observamos a adaptação ou a transformação
da rabeca de buriti para a viola de buriti. Esse novo formato busca no passado elementos que fazem novo
sentido no atual contexto sócio econômico e de afirmação de identidades do povoado Mumbuca.
Sob a ótica da música produzida na comunidade, a concepção de ritornelo proposta por Deleuze e
Guattari (2005) também parece adequada para refletir sobre o espaço sonoro que se transforma em espaço
de ritornelo (de retorno), tornando-se uma identidade auditiva no espaço e no tempo, aquilo que dá ordem
ao caos, o que traz para casa, proporciona o conforto do reconhecimento.
Um olhar especial voltado para a viola de buriti é importante no sentido também entendido por
Janaina Lobo (2013) ao analisar o papel dos instrumentos musicais no ritual de ensaio de promessa de
Quicumbi, uma comunidade quilombola no sul do País. Essa autora identificou o impacto e o papel que os
instrumentos musicais ocupam como condutores mágicos em rituais no imaginário local: “Os instrumentos
musicais, por sua vez, são descritos localmente como constituintes ativos da discursividade sonoro-musical,
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agindo como comunicadores/mediadores durante a performance” (2013, p. 68). Lobo também percebeu que
os instrumentos são vozes que fazem parte da paisagem sonora e dialogam com o ensaio, uma vez que
“auxiliam na modulação do discurso ritual e acionam um repertório” (idem, p. 69), sendo decisivos para a
interação social.
Outro aspecto que deve guiar essa pesquisa se refere ao modo de tocar a viola, como acontece sua
corporalidade, o que é diferente da rabeca na qual teve sua origem. Isso nos conduz a fazer uma aproximação
entre música, instrumento e corpo, como já começa a ser abordado em alguns trabalhos de etnomusicologia.
Schroeder (2006; 2008; 2010) faz um estudo analítico sobre a performance de alguns violonistas em que
identifica um equilíbrio entre a flexibilidade de adaptação entre três vértices do que ele entende como um
triângulo imaginário, formado pelo músico, pela música e pelo instrumento, ou sob a ótica do que ele chama
de “corporalidade musical na música popular” (2010, p. 167). Baseado principalmente em conceitos teóricos
de Maurice Merleau-Ponty, Pierre Bourdieu e Mikhail Bakhtin, Schroeder (idem, p. 179) entende que a
observação de aspectos corporais “aponta um caminho na direção de se levar em conta a inseparabilidade
entre ideia ou ideal musical e as possibilidades concretas corporais de realizá-las”.
Em pesquisa sobre a relação do violão com o choro, o jongo e o baião (BONILLA, 2013) e, mais
especificamente em artigo posterior (BONILLA e PIEDADE, 2013) foi demonstrado que a sonoridade gerada
pelo movimento usado para tocar o pandeiro no choro foi traduzida para a linguagem do violão pelo uso de
um movimento de mão bastante similar. Com as análises dessa pesquisa também foi possível identificar a
sonoridade da sanfona e da zabumba, usadas no baião, representadas por movimentos traduzidos de um
instrumento para outro. Em investigação sobre o jongo nessa mesma pesquisa, foram identificadas
representações simbólicas do movimento dos tambores dessa manifestação transpostos para o violão.
A ferramenta de análise usada no referido trabalho é o que Baily (1985; 2006; 2009) chamou de
“spatio-motor thinking”, traduzido por Oliveira Pinto (2001) como “pensamento acústico mocional”. Esse
conceito está baseado em pesquisas preliminares de Blacking (1974) realizadas na África, que identificou a
importância das relações existentes entre o formato de certos instrumentos e o modo de se tocar, para a
reflexão de uma “biologia do fazer musical” conforme colocado por Baily (2009), que se apropriou desse
mesmo raciocínio para estudar os modos de tocar do rubab e o dutar, dois tipos de alaúdes do Afeganistão.
Em sua pesquisa, Baily identifica que padrões de movimento usados na prática de música folclórica rural no
dutar são transpostos para o rubab, um instrumento desenvolvido no século XX para uso urbano.
No Brasil, Oliveira Pinto (2001) apropria-se dessa mesma ferramenta para estudar a viola de machete
em contexto do samba-de-viola no Recôncavo Baiano, identificando padrões de movimento entre indicador
e polegar que remetem nitidamente às concepções africanas resignificadas no referido contexto. Estudada
por outros autores como Waddey (1980) e Nobre (2008), essa manifestação foi inscrita no Livro de Registros

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das Formas e Expressão em 2004, também reconhecida pela UNESCO e tem sua descrição detalhada no
Dossiê do IPHAN (2006) em pesquisa liderada por Carlos Sandroni.
É possível identificar de antemão uma equivalência ou semelhanças entre esses trabalhos citados e
o caso da viola de buriti, porém, o princípio corporal é o inverso, ou seja, um mesmo instrumento foi
transformado implicando em outro modo de tocar do mesmo objeto. Que aspectos culturais, identitários e
musicais são afetados ou não por essa mudança? Não se trata exatamente de uma ruptura de um
instrumento e criação de outro, mas provavelmente uma apropriação. Podemos relacionar com o que
Deleuze (1991) vai chamar de “dobra”, na passagem de um instrumento para outro, a matéria e as estruturas
se mantém, apenas são “dobradas”, não se rompem totalmente, ainda se comunicam. Esse autor adota esse
conceito ao estabelecer relações entre os fenômenos físicos com os fenômenos da alma, em sua análise da
casa barroca ele estabelece “uma correspondência e mesmo uma comunicação entre os dois andares, entre
os dois labirintos, entre as redobras da matéria e as dobras na alma” (DELEUZE, 1991, p. 14).
Levando-se em conta todo o processo sofrido pela comunidade do Mumbuca, já relatado, em relação
à criação do Parque Estadual do Jalapão, do seu reconhecimento pela Fundação Palmares como
remanescentes de quilombolas, e também por outras questões tais como sua religiosidade, considerando
também que a comunidade se reconhece como evangélica, um processo relativamente recente, mas,
sobretudo, pelo impacto de projetos como o do SEBRAE, que qualificou a mão de obra da comunidade para
a confecção do artesanato com o capim dourado, percebo que uma chave importante para entendimento da
música nesse contexto é buscar observar como essas mudanças se relacionam com as mudanças musicais
ocorrida nesse povoado.
A mudança sempre foi um aspecto de forte interesse na área da etnomusicologia, mesmo que exista
hoje um consenso entre os pesquisadores de que a cultura e a música não são estanques, e que vão se
transformando ao longo do tempo, é importante trazer aqui esses processos e o significado dessas
mudanças, como bem pontuado por Bruno Nettl (2006, p.14) “o que muda (ou é mudado)? Como abordar
os vários tipos de mudança? O que faz com que as pessoas mudem (ou não) sua música? Como a mudança
musical se relaciona com a mudança cultural?”, questões essas que pode trazer à luz muitos aspectos da
musicalidade da comunidade do Mumbuca.
Ao analisar os processos de mudança musical em quatro culturas diferentes, Nettl (2006) destaca a
importância de se ouvir e valorizar a concepção dos próprios informantes para o entendimento das mudanças
em uma determinada sociedade. São inúmeros os aspectos da música que são mantidos e outros que são
alterados. Em geral, estruturas maiores são mantidas, e isso tem uma importância simbólica para muitos
grupos, assim como o contrário, outros aspectos que podem nos passar despercebidos, como o caso de
determinados repertórios, podem representar mudanças.

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No trabalho desse autor, chama atenção a semelhança no seu estudo sobre as sociedades nativas
norte-americanas com o possível caso da comunidade do Mumbuca, em que ele conclui que a música fazia
parte de todos os aspectos da vida dessa sociedade, mas que depois passou a ser concebida “como
componente de uma ressurreição da cultura tradicional, como dispositivo para a integração da sociedade
indígena, e como forma de confrontar outras sociedades na sociedade americana moderna” (Nettl, 2006, p.
30). Percebo um processo semelhante no uso da viola de buriti e do coral de crianças ao recepcionar os
turistas que chegam ao Mumbuca, como uma forma de afirmação de sua cultura e identidade, como uma
preciosidade que os diferencia das pessoas que não pertencem a essa comunidade.
Ao relacionar com a literatura da área, também é possível estabelecer uma relação de semelhança
com a mudança cultural dos índios Kwakiuttl, apresentada por Spradley e MacCurdy (1989), a partir de uma
lei imposta pelo governo do Canadá, que proibia a cerimônia cultural chamada potlatch, praticada por essa
comunidade, ou seja, um fator externo que afetou diretamente um modo de vida da comunidade. Os autores
relatam como essa cerimônia precisou ser ressignificada e resistiu, sendo apresentada em outro formato.
Para tanto, os autores argumentam que foi preciso passar por um processo que envolveu quatro etapas: 1)
Inovação, a proposta em si da nova concepção; 2) Aceitação social; que depende principalmente do empenho
das lideranças comunitárias; 3) Performance, que trata da realização da atividade já no formato inovado e 4)
Integração, ou seja, a comunhão da comunidade já integrada no novo formato.
Podemos assim entender que a criação do Parque Estadual do Jalapão também foi uma imposição
externa, do Estado, que afetou diretamente os costumes da comunidade Mumbuca. Suas atividades tiveram
que ser reestruturadas, inovadas, gerando novos formatos culturais que, por sua vez, tiveram que ser aceitos
pela comunidade, mesmo que de forma impositiva. Desse modo criam-se outras performances, outros rituais
que são compartilhados e reintegrados entre os membros desse povoado, seja pela integração da viola de
buriti que trás consigo novos repertórios e uma nova biologia do fazer musical, como por novas canções que
contam suas histórias e não deixam que suas identidades sejam esquecidas.
Como nos coloca Blacking (1995, p. 153, tradução minha), “a música é o melhor equipamento
artístico para expressar, tanto as realidades de mudanças biológicas e de vida social, como permite a
continuidade dos conceitos nos quais as sociedades humanas dependem para suas existências3”
Não tenho dúvidas que a alma do povoado Mumbuca é expressa de forma poética pela música e pela
viola de buriti, e esses referenciais teóricos e experiências aqui apresentados serão importantes para
organizar as reflexões sobre os processos identificados durante a pesquisa de campo, e a partir disso, chegar-
se-á a algumas conclusões ou mesmo outros questionamentos.

3
Music is the best equipped of the performing arts to Express both the ever-changing realities of biological and social
life and the continuity of the concepts on which human societies depend for their existence.
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Mudança e continuidade na música instrumental brasileira: uma análise a partir


de gravações de Jacob do Bandolim e Armandinho Macedo da música Noites
Cariocas

Gabriel de Campos Carneiro


Victor Moreira Angeleas

Resumo: Jacob do Bandolim gravou sua composição Noites Cariocas pela primeira
vez em 1957. Este choro se popularizou e ficou famoso no universo dos chorões.
Através de uma análise comparativa entre esta gravação e a de Armandinho
Macedo com Raphael Rabello (1994), este artigo pretende mostrar a mudança que
este gênero musical passou durante todos esses anos, e como elas influenciaram
na linguagem do choro da atualidade.
Palavras-chaves: Noites Cariocas. Jacob do Bandolim. Armandinho Macedo.
Mudança e Continuidade. Choro.

Abstract: Jacob do Bandolim recorded his composition Noites Cariocas for the first
time in 1957. This music became popular and famous for the musician who played
choro. Doing a comparative analysis, this article intends to show the changes that
this musical gender got through these years, and how they influenced in today’s
language of choro.
Keywords: Noites Cariocas. Jacob do Bandolim. Armandinho Macedo. Musical
change. Choro.

Introdução
A música brasileira encontra-se em contínuo processo de transformação e traz consigo novas
abordagens estilísticas desenvolvidas por diversos músicos expoentes do país. Porém, essa dinâmica
constante que movimenta a música brasileira não é exclusiva dessa cultura. Nettl (1983) discorre sobre como
a continuidade da música como um todo se dá através dessas mudanças e como essa é realmente a sua única
característica estável. Coloca ainda, que historiadores já estão atentos sobre como a música muda, seja em
sua forma, suas modulações ou apenas na maneira como uma performance de determinada obra se
diferencia com o tempo. Sendo o papel do pesquisador buscar compreender esse contínuo processo de
transformação, este artigo pretende mostrar um pouco da constante movimentação presente no universo
do choro brasileiro.
Apesar da tendência ao tradicionalismo ser uma das características mais marcantes dos que se
dedicam ao choro, a inevitabilidade do dinamismo apontado por Nettl também se faz presente em meio ao
gênero. Nesse ponto, apesar da aversão de muitos, o choro também passa por modificações que
transformam sua identidade e suas principais características. Em seus mais de 100 anos, várias foram as

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vertentes e concepções musicais que introduziram novos elementos ao gênero e com isso contribuíram para
a abertura de novas facetas composicionais ou interpretativas.
Músicos como Villa Lobos e Radamés Gnatalli, ainda na primeira metade do século XX, já utilizavam
elementos externos ao universo do choro em suas composições, propondo diálogos especialmente com a
música de concerto européia. Garoto é até hoje apontado como um dos principais modificadores do gênero,
trazendo também para as suas composições o maior uso de dissonâncias harmônicas e estabelecendo
também forte diálogo com o universo do Jazz. Até mesmo Pixinguinha, provavelmente o nome mais
identificado com o choro, modificou durante a sua carreira a estrutura de suas composições, substituindo a
tradicional forma rondó A – A – B – B – A – C – C – A por composições de duas partes.
Ainda assim, o instinto de preservação oriundo do chorão é uma característica facilmente
encontrável. Jacob do Bandolim, que ironicamente em sua carreira estabeleceu forte diálogo com Radamés
Gnatalli e simultaneamente declarava-se um grande admirador de Garoto, foi um dos que defenderam de
forma mais ferrenha o repúdio aos estrangeirismos no gênero: “O choro é uma coisa tão típica que uma das
coisas que eu temo é que hoje os chamados modernos se metam em choro”1. Demonstra assim, o repúdio
pela maneira como se transformava o choro durante o final da década de 1960 e ainda declarava que seus
contemporâneos “dão inflexões inadmissíveis que descambam para a jazzificação”, processo obviamente
não desejado por ele.
Ainda que a citada resistência típica de Jacob ainda possa ser notada em muitos músicos, a atual
geração do choro apresenta novas ideias e concepções estilísticas que se projetam em toda a música
brasileira e no mundo. Músicos inovadores, caracterizados pela irreverência, o virtuosismo e por uma ginga
tipicamente associada à música brasileira, levam suas próprias concepções musicais para as mais diversas
culturas. Segundo Pessoa (2012, p.4), “em grupos de choro da atualidade, observam-se inovações de
sonoridade e arranjos que misturam o choro com outros estilos contemporâneos”. Hamilton de Holanda,
Rogério Caetano, Gabriel Grossi, Proveta e Eduardo Neves são exemplos de músicos, chorões, que não
demonstram preocupação em ultrapassar o limite de enquadramento deste gênero musical sem deixar
totalmente de lado as concepções do choro dito tradicional.
Analisando essa abordagem recente da música instrumental brasileira contemporânea e coletando
depoimentos desses músicos, percebe-se a gama de informações e influências presentes em suas
concepções musicais anteriores. Observando ainda fatores históricos e gravações de outras referências
musicais, pode-se notar que essas transformações se deram gradativamente, a partir de contínuas
influências de outros músicos consagrados que, ao incorporarem suas novas idéias e bagagens particulares

1
Em entrevista realizada ao Museu da Imagem do Som – MIS-RJ no dia 14/02/1967.
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para as interpretações, exerceram, desde o século passado, o papel de vetores de mudanças maiores, que
se tornaram referências para a posterioridade e assim transpuseram as suas próprias obras.
Seguramente, Armandinho Macedo foi um deles. Como dito em depoimento ao autor, Armandinho,
não cerceou sua musicalidade pelas fronteiras estabelecidas pelos chorões ditos tradicionais, “Eu nunca me
considerei um chorão, mesmo tocando com o Época de Ouro e gravando disco com eles, eu nunca fui aquele
chorão do jeito que eles são“ e ainda complementa dizendo “no meu bandolim já entra Beatles, Jimi Hendrix
e o trio elétrico”2. Como se pode notar pelo próprio depoimento de Armandinho, sua maneira de tocar
encontra-se repleta de influências externas, não antes presentes no espectro do choro tradicional, e
aplicadas sem filtros ou restrições. Como um dos principais protagonistas do choro em sua geração, não é de
se estranhar que elementos presentes em suas interpretações possam ser notados em gerações futuras e
que ele tenha assim ajudado a transformar os próprios parâmetros do gênero. A obra de Armandinho assim
se estende para além de suas próprias interpretações.
A compreensão de tal fenômeno permite perceber novamente a já citada dinamicidade própria da
musica, que, sendo um elemento essencialmente cultural, não se pode colocar em uma redoma ou conter
com supostas barreiras que o isolem da interação com culturas provenientes de origens diversas (LARAIA,
2002, p.69). Notar a existência de tal processo é o primeiro passo para compreendê-lo. Todavia, a
intangibilidade, também própria dos elementos culturais, torna um desafio o estudo e o entendimento exato
da maneira como uma cultura se transforma e o quanto de tal transformação se deve a algum fator
específico. Uma boa saída para tal dilema é recorrer à uma análise mais particularizada e que possibilite uma
apreciação mais clara de elementos pontuais que remetam a contextos mais amplos.
Sendo assim, recorre-se a um estudo restrito em busca de uma compreensão mais geral com o
objetivo de, a partir de questões levantadas em um âmbito particular, elucidar dilemas de um espectro maior
(GINZBURG, 1989, cap.1). A partir desse jogo de escalas, característica da chamada descrição densa (GEERTZ,
2012, cap.1) tão influente nos estudos historiográficos e antropológicos da contemporaneidade, pode-se
buscar elucidações a respeito de mudanças vividas pelo choro e pela música instrumental brasileira e
compreendê-la como fenômeno analisável a partir de suas muitas influências.
Portanto, remetendo sempre às transformações vividas pelo choro, realizar-se-á nesse artigo um
estudo de obras específicas. Deste modo, propõe-se aqui uma análise comparativa de duas diferentes
gravações do mesmo choro, Noites Cariocas, escolhidas justamente por remeterem a artistas de diferentes
épocas, origens e concepções, e que tem sobre si um antagonismo próprio do tão presente binômio
moderno/tradicional; Jacob do Bandolim e Armandinho Macedo. A escolha de Noites Cariocas, choro

2
Em depoimento ao autor no dia 18/08/2016.
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composto pelo bandolinista e compositor Jacob do Bandolim, se deu pelo fato de ser uma música gravada e
regravada pelo próprio autor e por inúmeros intérpretes do choro brasileiro pelo mundo através dos tempos.
Faz parte do repertório mais tradicional do choro e por conta disso, já tem sua melodia internalizada pelos
instrumentistas e apreciadores do gênero e da música instrumental brasileira de modo geral.
Recorre-se, portanto, à uma análise estilística da interpretação da primeira gravação de Jacob do
Bandolim, em 1957, do álbum “Os Choros dos Chorões”, pela gravadora RCA Victor, colocada em comparação
à gravação de Armandinho Macedo, pelo CD Raphael Rabello e Armandinho em concerto, do ano de 1997
(gravado ao vivo no Jazzmania – RJ em março de 1994), pela gravadora Spotlight Records.

Jacob e Armandinho
Apenas levando em conta o contexto que cerca o indivíduo se é capaz de também compreender suas
escolhas e atitudes. O lugar social que envolve e perpassa a pessoa é fundamental para o modo como esse
representa e age perante a sua realidade (CERTEAU, 1994, p.34). Sendo assim, é de extrema importância
saber um pouco da vivência de cada músico para o entendimento da análise a ser realizada neste artigo. O
contexto em que cada um foi criado e em que se desenvolveram musicalmente, aliado às suas
personalidades, influem diretamente em suas maneiras de tocar o bandolim. Segundo SALEK (1999, p. 71),
“como qualquer manifestação artística, o choro deve ser entendido em relação ao seu contexto social e
histórico”. Obviamente, isso também se aplica à abordagem musical de qualquer instrumentista.
Jacob, carioca nascido em 1918, tem um papel importantíssimo e incontestável na história do choro.
Por suas composições e estilo de interpretação, Jacob ganhou grande reconhecimento, tanto na música
brasileira em geral como na história de seu instrumento, maior que qualquer outro bandolinista atuante no
século passado. Suas composições são gravadas corriqueiramente por diversos intérpretes até os dias de
hoje e são tocadas nas rodas de choro pelo Brasil e mundo afora. Diversos álbuns com suas músicas foram
produzidos enquanto vivo e em sua memória, depois de falecido.
O repertório de Jacob era imenso. Além de possuir mais de uma centena de composições, gravou
diversos clássicos que se consagraram em sua interpretação. Foi responsável pela retomada da obra de
compositores como Ernesto Nazareth e gravou clássicos de Pixinguinha, Radamés Gnattali, Joaquim Callado,
Noel Rosa, Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Chico Buarque e Luís Americano, entre outros compositores. Sua
obra é objeto de estudo da grande maioria dos bandolinistas e de diversos chorões.
Uma marca registrada de Jacob era sua meticulosidade. A interpretação impecável, a sonoridade
limpa, a ornamentação riquíssima e a complexidade e exatidão do Conjunto que o acompanhava, sempre
guiado por ele, com todo seu perfeccionismo, formaram sua identidade. Essas suas características se
expressavam em suas composições, consideradas parte do repertório mais bonito do choro. Para Moura
(2011, p. 16), “o estilo de tocar Jacob seria decisivo para a consolidação da prática do bandolim brasileiro.”

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Henrique Cazes (1998, p.103), assim se referiu: “Jacob deu personalidade própria ao bandolim no que se
refere à forma de tocar”.
Para compreender sua concepção musical, é pertinente considerar o seguinte trecho do depoimento
de Jacob do Bandolim ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em fevereiro de 1967:

Bom, eu improviso quando interpreto, mas improviso não com o desejo de


improvisar, mas sim, de aumentar a gama, aumentar a faixa do sentimento daquilo
que ele compôs, porque eu não estou absolutamente vinculado àquilo que o
compositor fez e eu não sou obrigado a reproduzir exatamente igual. Posso
reproduzir da maneira que me apraz, como um pintor que reproduz um quadro da
natureza que se apresenta a todos de uma forma e ele interpreta de outra. Então
não é o desejo de improvisar, de ser original, é de encontrar dentro dessas frases
uma riqueza tal que me dá capacidade, ela que me dá capacidade, essa capacidade
não é minha, é que a composição é tão bem feita, é tão sutil, é tão requintada em
todos seus detalhes, que me dá possibilidades inúmeras, como o caso do Lamentos,
quantos arranjos diferentes você ouviu do Lamentos? hã? Você já ouviu “N”
arranjos e ainda ouvirá muito mais, porque a riqueza do Lamentos permite isso.
Então você tem de onde extrair, você tem essência, você tem gabarito, você tem
alicerce de onde, onde se agarrar, onde fazer alguma coisa, agora quando a coisa é
vazia você não faz nada.

Pelo seu depoimento nota-se que a concepção de improvisação de Jacob consiste mais em uma
variação melódica ao redor da composição original do que na criação de novos elementos. Jacob usava o
recurso da improvisação com o intuito de acrescentar novas texturas à composição e assim passar sua
sensação e visão em relação a determinada obra. O conceito de permissividade aparece também várias vezes
durante o seu depoimento. Improvisa-se em tal música porque ela permite que assim se faça, havendo um
limite entre o que se pode ou não fazer conforme as possibilidades apresentadas. Assim, ainda ressalta que
os improvisos são recursos que, apesar de concebidos pelo intérprete, existem apenas mediante as
possibilidades apresentadas pelas composições.
É curioso notar então, no contexto do depoimento de Jacob, que Noites Cariocas é justamente uma
das músicas mais interpretadas pelos chorões atuais. Um choro no qual os músicos gostam de improvisar,
nas rodas e, nas inúmeras gravações que se têm registro, implementarem suas diferentes leituras. Utilizando
as palavras do próprio Jacob, é sem dúvida uma composição tão requintada que permite a criação de novos
arranjos e interpretação. Não a toa, Jacob a gravou em quatro oportunidades, cada qual com detalhes e
arranjos diferentes. É de se esperar portanto, segundo o já aqui apresentado, que a releitura de Armandinho
Macedo seja completamente distinta das releituras feitas por Jacob. Sua proposta, mediante suas influências
e concepção musical, resultaria realmente em trazer algo diferente para o gênero.
Oriundo de Salvador-BA, nascido em 1953, Armandinho teve outros estilos musicais como influências
antes do choro. O rock, o frevo e a música baiana carnavalesca acompanharam sua trajetória na música.

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Tocou a vida inteira em trios elétricos (invenção de seu pai Osmar, do duo Dodô e Osmar), integrou grupos
de rock e o grupo “A Cor do Som”, que mesclava influências diversas, inclusive a do jazz. Todos esses fatores
afetaram diretamente sua interpretação no instrumento. A forma jovial e irreverente que Armandinho tem
ao tocar o bandolim, inspira, desde sempre, jovens instrumentistas que se deslumbram com essa concepção
moderna e diferente de se tocar o choro. Ele representa um marco, pois trouxe referências de outros estilos
ao gênero, abordou a improvisação de forma diferente, aplicava sua virtuosística interpretação como uma
brincadeira.
Comparado a Jacob do Bandolim, Armandinho Macedo representa uma geração mais jovem do
bandolim brasileiro. Começou sua carreira musical durante a década de 1980 e, como se viu, sob a influência
de outros gêneros musicais. É interessante notar ainda que – enquanto Jacob viveu o apogeu do choro, com
a presença dos regionais atuando a serviço das emissoras de rádio, produzindo suas obras e acompanhando
os principais cantores do país – Armandinho encontrou um choro em ostracismo, desprestigiado perante a
indústria fonográfica, a mídia de um modo geral e sem qualquer representatividade em meio à produção
artística nacional.
O Rio de Janeiro da primeira metade do século XX, onde viveu Jacob, era um ambiente extremamente
prolífico para o choro, com uma atmosfera efervescente, repleto de compositores e interpretes. Entretanto,
a decadência vivida a partir do final da década de 1960 é vertiginosa. Na década de 1970, o choro perde
espaço especialmente durante os primeiros anos, para a música cantada, e, ainda no final da década, para a
ostensiva entrada da música estrangeira, com a discoteca e o rock’n’roll (CARNEIRO, 2015). A década de 1980
é então, para o choro, uma terra arrasada, na qual o qual o gênero se encontra confinado em guetos (a notar
pela criação de Clubes do Choro pelo país) e praticamente não se encontra interesse do público nem
demanda pelo gênero.
Armandinho é então protagonista de uma retomada do interesse do público em relação ao choro.
Em diálogo com a música estrangeira e com as sonoridades contemporâneas, dá sobrevida ao gênero e
consegue situá-lo nos novos tempos. Sua presença de palco mais imponente, a interação com os Novos
Baianos, os trios elétricos e o grupo Cor do Som, atraem interesse das pessoas e aumenta o conhecimento a
respeito do choro. Com uma linguagem completamente distinta de qualquer outro bandolinista anterior a
ele, Armandinho criou uma nova abordagem do instrumento; melódica, harmônica e timbrística, da qual ele
ainda hoje é o maior represente.
É compreensível perante esse contexto que Jacob tenha atuado para preservar o choro que via
minguar durante o final da década de 1960 e que relutava em aceitar sua transformação. Já Armandinho
atuou em uma função de resgate de algo que praticamente já não mais existia. É como se o interesse
relacionado à tradição e à inovação servissem como mecanismos para propostas musicais distintas. A ideia
de preservação era aquilo que motivava Jacob, enquanto Armandinho trabalhava por algo novo.

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Tudo isso influenciou o surgimento de novas abordagens do choro e abriu portas para a
experimentação e inovação de novos bandolinistas. Um exemplo é Hamilton de Holanda, que também utiliza-
se de elementos da música universal em sua obra (cunhando inclusive o slogan “moderno é tradição” para
seu selo Brasilianos). Armandinho gravou o repertório tradicional de choro e música popular brasileira, mas
de forma ousada, colocando efeitos no bandolim e na guitarra baiana (instrumento criado por ele), usando
pedaleiras e melodias antes não utilizadas dessa forma nesse gênero musical. Seus fraseados jazzísticos e do
blues mostram o quanto teve influências de estilos que adotam a improvisação como parte inerente de suas
linguagens, trazendo-as para a música brasileira.

Análise
A análise aqui realizada é das gravações de Noites Cariocas de Jacob do Bandolim (1957) e
Armandinho Macedo (gravada em 1994 e lançada em 1997)3. Esta música é considerada um dos clássicos
mais representativos do choro e é interpretada constantemente em rodas e regionais de choro do mundo
inteiro. Sua harmonia, melodia, forma (apresenta duas partes e o Coda) e seu alcance aos músicos e ao
público induzem à improvisação e permitem que diversos músicos a interpretem de maneiras distintas e
realcem as características marcantes de cada intérprete. O próprio Jacob do Bandolim tem uma gravação
informal ao vivo desta música (1969), na casa de sua amiga Neuza França, onde improvisa diversas vezes em
cima da forma da música, o que é claramente incomum para a estética que o compositor costumava seguir
em suas interpretações.
Trazendo consigo características que despertam a inovação e diferentes interpretações, além de ser
uma grande referência no universo musical do choro, Noites Cariocas é uma música que aflora nos músicos
seus espíritos criativos, tornando-se propícia para servir de base a este estudo comparativo e alcançar os
objetivos esperados deste artigo. Para isso, serão feitos comentários e comparações (com indicação da
minutagem ou compasso) sobre aspectos da interpretação, da improvisação, da linguagem e sobre a forma
da música e a instrumentação de cada gravação. Não serão realizadas transcrições neste trabalho. “Nenhum
sistema de notação pode descrever todos os detalhes de um exemplo sonoro. Sabe-se que toda notação
carrega dentro de si uma necessária tradição oral, contendo informações que são por demais subjetivas para
serem grafadas” (RIBEIRO, 2006, p. 2). Armandinho Macedo coloca em sua entrevista: “Os clássicos que meu
pai aprendeu de ouvido, eu peguei com ele. Eu não sei música até hoje. Não sei ler nada, nem uma nota na
pauta. Não sei porquê, mas Deus não me deu essa vontade de querer aprender.” Percebe-se então que, para
se ter conhecimentos musicais, não é necessário que, impreterivelmente, tenha-se o domínio completo do

3
Para detalhes, vide tabela em Anexo.
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que acontece em uma partitura. Portanto, não se viu necessária a transcrição de partituras para esta análise.
É essencial então a leitura das colocações aqui postas sobre cada gravação, em seus variados aspectos, aliada,
indispensavelmente, à audição das gravações.
Em 1957, Jacob do Bandolim lançou a música Noites Cariocas, no álbum o Choro dos Chorões,
acompanhando pelo Regional do Canhoto. Este foi o grupo que mais acompanhou Jacob, sendo
posteriormente substituído por um regional formado por ele, intitulado Época de Ouro, no início dos anos
60. Nesta gravação de Noites Cariocas, Jacob, com seu bandolim, foi acompanhado por Orlando Silveira no
acordeom, Dino 7 Cordas no violão de 7 cordas, Meira no violão de 6 cordas, Canhoto no cavaquinho, Jorge
Silva, o “Jorginho”, no pandeiro e um tamborim, cujo intérprete não foi encontrado. Armandinho Macedo
gravou ao vivo em 1994 (lançado em 1997) com um bandolim elétrico ao lado de Raphael Rabello no violão
de 7 cordas, em formato de duo. Raphael Rabello foi também um instrumentista que rompeu barreiras e
apresentou um novo universo à música instrumental brasileira ao trazer influências do violão erudito, do
violão flamenco e da improvisação em suas performances.
Neste aspecto, já se registra a primeira diferença das duas gravações

Quando se pensa em choro, logo vem à cabeça violões, cavaquinho, pandeiro e um


solista na flauta, bandolim ou saxofone: ou seja, lembra-se logo da sonoridade do
chamado “regional”, que tem uma presença muito forte na música brasileira desde
o início do século XX (RÉA e PIEDADE, 2006, pág.1).

Entretanto, o choro não se caracteriza apenas pela instrumentação. Apesar de Armandinho


não ter gravado com um bandolim tradicional acompanhado por um regional, a composição não
deixou de ser um choro em sua essência. Além disso, ele estava ao lado de um dos maiores
instrumentistas da história da música brasileira, Raphael Rabello. RÉA e PIEDADE (2006, p. 3)
afirmam então que “na sua trajetória rumo à constituição como gênero musical, o choro como
formação instrumental se transformou em modo de tocar”. SÉVE (1999, p. 3) coloca:

De um estilo de tocar polcas, no princípio, a um gênero musical, posteriormente, o


choro teve sua execução sempre associada a desafios técnicos e mudanças
interpretativas – na melodia e no acompanhamento. Estimulou compositores e
intérpretes – de Joaquim Callado, Chiquinha Gonzaga, Viriato Figueira, Anacleto de
Medeiros, Ernesto Nazareth a Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Garoto e Waldyr
Azevedo – na busca de uma linguagem sofisticada e perpetuou-se como base
estrutural para a música brasileira.

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Isso mostra a força da mudança como aspecto configurativo de qualquer estilo musical e
afirma também a interpretação de Armandinho como característica do gênero, ao trazer desafios
técnicos e mudanças interpretativas a todo o momento.
A gravação de Jacob é tradicional e apresenta, pela primeira vez, a música aos ouvintes. A
forma dela é simples, A – B – B – A – Coda. O bandolim faz a melodia (sempre com muitos
ornamentos) durante toda a música, o acordeom apresenta respostas à melodia e o violão de 7
cordas faz contrapontos simultaneamente à harmonia, enquanto o violão de 6 cordas e o
cavaquinho fazem, também, a harmonia e o pandeiro e o tamborim a parte rítmica. A melodia da
música é sempre respeitada, sofrendo pouquíssimas alterações rítmicas e em sua interpretação. A
reapresentação da parte B traz essas mudanças, que são sempre muito singelas. Em 1’28’’, Jacob
opta por usar uma corda (lá) solta, em cima do acorde de C maior, ao invés de utilizá-la presa (sétima
casa da corda ré) como fez no primeiro B (50’), trazendo uma mudança timbrística, que apesar de
ser quase imperceptível, dá um brilho diferente à essa parte. Também na segunda apresentação do
B, logo à frente, Jacob interpreta a melodia com um ritmo diferente (em cima da harmonia E – C#7
– F#m – B7), entre 1’29’’ e 1’34’’, alterando o que foi apresentado no primeiro B (entre 52’’ e 56’’).
Na sequência, em cima do acorde G7, ele mais uma vez traz modificações rítmicas, adiantando a
melodia, diferentemente da primeira apresentação da parte B.
Quando Jacob retoma a parte A, altera um pouco a segunda frase ao atrasar de forma singela
a melodia. Logo em seguida, na frase que antecipa a chegada do Am, Jacob adiciona uma nota Fá
(natural), resultando em um cromatismo até a nota F sustenido, diferente de sua interpretação na
primeira apresentação do tema.
No final da música (Coda), Jacob também toca as duas partes de formas diferentes. Em 2’35’’,
enquanto a harmonia executa um acorde A7, ele utiliza um glissando na melodia, ornamento não
usado posteriormente, quando tocada esta parte pela segunda vez. Na reapresentação do Coda, ele
monta acordes junto a melodia, no C#º (2’40’’) e no G (2’42’’), quando na apresentação, ela toca
apenas as notas da melodia.
Essa interpretação afirma o caráter tradicional de Jacob do Bandolim. Ele praticamente não
improvisou sobre a música, mas mostrou sua composição com elegância, com um som de bandolim
que apenas ele sabia tirar.

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Jacob tinha uma preocupação maior com elementos que contribuíssem para
ressaltar a expressão de cada frase, era mais minucioso, possuía uma preocupação
maior com valores estéticos, [...], e conseguiu melhor timbre em suas gravações
(BARRETO, 2006, p.31).

Em contraste à abordagem tradicional de Jacob do Bandolim, aparece a gravação de


Armandinho Macedo e Raphael Rabello, realizada em 1994 e lançada em 1997. Para esta análise,
deve-se levar em conta que em uma apresentação ao vivo a performance e o arranjo costumam ser
diferentes daqueles em estúdio, em diversos aspectos. Enquanto a gravação de Jacob apresenta
poucas variações, todas criadas em cima da melodia, a de Armandinho traz um turbilhão de
informações que se distanciam da interpretação original da música. Por se tratar de um choro
consagrado, Armandinho não se preocupa em expor o tema exatamente como ele é, pois boa parte
do público já tem familiaridade com ele. Portanto, desde o começo ele varia em cima das
concepções originais da música.
A primeira diferença a ser notada é a velocidade da gravação. Esta é mais rápida do que a de
Jacob, o que é uma característica marcante do choro moderno. A semicolcheia beirando 120,
enquanto na gravação de Jacob a semicolcheia era igual a 103. A forma dela já é pensada de maneira
a favorecer a criação, a improvisação. A – A – B – B – A – B – B – A – Coda. De início, o arranjo da
música já é alterado. No primeiro e segundo compassos (desconsiderando o compasso da anacruse),
o violão faz a seguinte harmonia: G – Am – Bbº - G/B, enquanto na gravação de Jacob, a harmonia
se mantém no acorde de G maior. Armandinho já acrescenta uma nota (si bemol mais grave do
bandolim) à melodia do terceiro compasso, enquanto Raphael faz o acorde C#º, seguindo com D/C
no próximo compasso antes de voltar para G. Armandinho continua modificando a melodia nos
compassos quinto e sexto ao fazer uma escala de lá menor melódica ascendente, começando da
nota mi até chegar a nota dó seguinte. Este é apenas o começo, que mostra qual será o padrão da
interpretação. A música inteira intercala a melodia/harmonia original do choro com arranjos,
melódicos e harmônicos (muitas vezes dissonantes), diferentes, sempre aliados à improvisação.
Essa proposta caracteriza a modernidade do som do duo. Armandinho e Raphael são
instrumentistas virtuoses e valorizam isso durante toda a performance, com frases de efeito (como
na primeira volta da parte A), ritmos quebrados e a utilização de diferentes linguagens em cima do
choro, sejam jazzísticas, do blues ou do rock. Armandinho utiliza frequentemente a blue note (terça
menor do acorde em cima de um acorde maior), como em 18’’, que ele aplica um si bemol em cima

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de um acorde de G maior4. Ele aplica também acordes em cima da melodia durante toda a gravação,
artifício que Jacob utilizou apenas em um momento (em dois acordes), no Coda da música.
Na parte B, a melodia já entra diferente da original (1’08’’), com o violão sempre
respondendo a frase do bandolim. Armandinho e Raphael criaram outra melodia para esta parte,
sem ser improvisada, pois ela se repete na reapresentação do B, com pequenas variações. Na
metade da parte B (B’), Armandinho já começa a improvisar, como ele faz em todas os B’, retomando
a melodia na frente também alternada com improvisos. Volta-se à parte A e segue-se mais uma vez
para a parte B, sempre seguindo o mesmo padrão, e quando se repete a parte B novamente, entra
um solo de improviso do violão enquanto o bandolim toca a harmonia, algo totalmente contra os
padrões estéticos da época de Jacob do Bandolim, onde o bandolim era utilizado
preponderantemente como solista, e raramente se abria espaço para a improvisação apenas em
cima de uma base harmônica para o violão, ainda mais sendo esta harmonia realizada apenas por
um bandolim. Na última apresentação da parte A, Armandinho usa um arpejo diminuto (3’58’’) em
cima do acorde de G maior, antecipando o acorde (Gº) que está por vir. Nada disso era presente
anteriormente na linguagem do choro. Os dois ainda acrescentam um compasso com um acorde de
C (entre 4’18’’ e 4’20’’, depois de Am – E7/B), arranjo criado por eles, já caindo, em sequência, no
acorde de C#º, que apareceria originalmente só no compasso posterior, antes de seguir para a parte
final da música.
Logo na entrada do Coda, em cima do acorde diminuto (4’29’’), Armandinho já interpreta a
melodia de forma diferente, baseado também no arpejo do acorde, e faz os próximos acordes (G7
– F7 – E7) junto com o violão (4’31’’), diferentemente de Jacob. Quando esta mesma parte é
retomada (4’37’’), ele faz uma melodia baseada na escala cromática, em contraste com a primeira
melodia apresentada. Na última frase, para finalizar, ambos terminam em um si bemol (blue note),
para então dar o acorde final de G maior com sexta e nona.
Essa gravação é uma conversa entre os dois instrumentistas. O bandolim não se sobrepõe
ao violão de 7 cordas, apesar de tocar a melodia a maior parte do tempo. Os dois intercalam papéis
de solista e acompanhante no decorrer de toda a execução. Brincadeiras de pergunta e resposta,
frases coladas, de efeito e dissonâncias conjuntas são apresentadas durante toda a música. Essa

4
A blue note é uma nota característica da improvisação do jazz e do blues, abrangida pela linguagem dos grandes
improvisadores desses gêneros musicais. É raramente utilizada com essa abordagem no choro, mas o próprio Jacob tem
uma composição (Remeleixo) onde ela é utilizada na introdução (também a nota si bemol em cima do acorde de G).
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característica, tão marcante nessa gravação, virou padrão de referência e tem, nos dias de hoje,
forte presença nas interpretações mais recentes e no chamado choro moderno.
Com tudo isso posto, é importante ressaltar, apesar das consideráveis diferenças, a
contribuição que ambas gravações deram para a música instrumental brasileira da atualidade.
Embora cada qual possua suas características peculiares, as concepções musicais presentes em
ambas não se anulam nem se sobrepõem. Assim, ao se analisar o choro da atualidade pode-se
perceber que a presença de novos elementos nas interpretações, não implicando necessariamente
em um abandono daquilo que foi feito anteriormente. As linguagens distintas se somam no leque
de possibilidades interpretativas formado ao redor do choro enquanto gênero.
Percebe-se que as duas gravações da mesma música mostram universos musicais muito
distintos, devido a diversos fatores: influências, realidades, intenções e momentos diferentes (37
anos as separam). Jacob representa a tradição do bandolim brasileiro, a tradição do choro, e mostra
isso na maneira de tocar seu instrumento em quaisquer gravações que já tenha feito. Armandinho
representa o início da modernidade, tocando um bandolim arrojado, virtuose e diferente daquele
que se costumava ouvir, cuja gravação de Noites Cariocas é apenas um exemplo dentre muitos dessa
linguagem. Ainda assim, ambos se encontram próximos por hoje fazerem parte do idiomatismo de
um gênero e apresentarem suas contribuições específicas para aquilo que é produzido na
atualidade.

Conclusão
Nesse contexto, e tomando por base o pressuposto de não se ignorarem as mudanças apenas com o
intuito de manterem-se as tradições NETTL (1983), é necessário entender a transformação como algo
intrínseco à música, pois ela sempre esteve e estará presente. As composições de Jacob do Bandolim
mudaram a trajetória do choro e da música instrumental brasileira, assim como sua criação de uma nova
concepção de funcionamento de um regional de choro e sua maneira de tocar bandolim. Armandinho
Macedo também mudou o curso da música brasileira com todas as suas contribuições, e outros que estão
por vir continuarão a alterá-lo. A transformação faz parte da música e não se pode interromper essa sua
característica.
Armandinho Macedo e Jacob deixaram legados distintos para o choro e para a música brasileira.
Ainda assim, não se pode criar uma divisão entre ambos, seja como influência para música produzida
atualmente ou como compositores e interpretes separados dos contextos que os cercam. Nomes da
atualidade muito absorveram dos estudos e concepções de ambos os artistas. Sendo assim, a presença de

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palco de Armandinho, a meticulosidade de Jacob, e outras características específicas dos dois podem ser
encontradas constantemente ao se realizar qualquer analise mais atenta sobre os principais nomes do choro
da atualidade. O choro, enquanto gênero incorporou as concepções de Armandinho sem prescindir das de
Jacob. Cada qual com a sua contribuição, permanecerão vivos nas interpretações posteriores e nas
concepções dos artistas da música brasileira.

Referências

ARMANDINHO MACÊDO, entrevista ao autor, 18/08/2016

BARRETO, Almir Côrtes. O estilo interpretativo de Jacob do Bandolim. Dissertação de Mestrado. Campinas
– UNICAMP. 2006

CARNEIRO, Gabriel de Campos. O Choro de uma Cítara – biografia microhistórica do músico (Heitor) Avena
de Castro. Dissertação de Mestrado. Brasília. UnB, 2015.

CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis, RJ, Ed. Vozes, 1994

GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2012.

GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas e Sinais – morfologia e História. São Paulo, SP: Cia. das letras, 1989.

JACOB DO BANDOLIM, [Jacob Pick Bittencourt]. Rio de Janeiro, Brasil, 24 fev. 1967. Depoimento prestado ao
Museu da Imagem e do Som (MIS) do Rio de Janeiro.

LARAIA, Roque, Cultura: Um conceito antropológico. Rio de Janeiro – RJ: Jorge Zahar Ed., 2002.

MOURA, Jorge Antonio Cardoso. Tradição e inovação na prática do bandolim brasileiro. Brasília:
Universidade de Brasília, 2011.

NETTL, Bruno. The Continuity of Change: On People Changing Their Music. In Bruno Nettl. The Study of
Ethnomusicology: thirty-one issues and concepts, Chicago: University Press 1983, chapter 10.

PESSOA, Felipe Ferreira de Paula. Cuidado violão! As transformações no acompanhamento dos violões nos
conjuntos de choro. Dissertação de Mestrado. Brasília. Universidade de Brasília. 2012

RÉA e PIEDADE. Comentários sobre o choro atual. Anais do III Simpósio de Pesquisa em Música. Curitiba: De
ARTES-UFPR, 2006, pp. 239-244.

RIBEIRO, Hugo L. A Transcrição Musical: qual sua importância, qual o seu futuro? In: III Encontro Nacional da
ABET, 2006, São Paulo. Anais do III Encontro Nacional da ABET, 2006.

SALEK, Eliane. 1999. A flexibilidade rítmico-melódica na interpretação do choro.

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THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São Paulo, SP: Cia. das letras 2000.

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Links

Gravação Jacob do Bandolim: https://www.youtube.com/watch?v=c0TvPO7yrmA

Gravação Armandinho Macedo e Raphael Rabello: https://www.youtube.com/watch?v=l5pFRNoKu1U

Tabela comparativa das duas gravações de Noites Cariocas


Jacob do Bandolim Armandinho Macedo
1. Acompanhado por um regional de choro 1. Acompanhado apenas pelo violonista
Raphael Rabello
2. Forma: A – B – B – A – Coda 2. Forma: A – A – B – B – A – B – B – A –
Coda
3. Semicolcheia = 103 3. Semicolcheia = 120

4. Harmonia original tradicional 4. Reharmonização – acréscimo, também,


de acordes dissonantes
5. Linguagem tradicional do choro 5. Linguagem do choro moderno, com
influências do rock, do jazz e do blues
6. Mudanças singelas na melodia original, 6. Improvisação como parte predominante
mantendo sempre a ideia inicial da da estética musical
composição
7. Apresentação da composição e 7. Frases arrojadas, modernas, e
sonoridade virtuosismo

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O Samba de Cacete em Cametá-PA

André Wilkes Louzada D’Albuquerque


andredalbuquerque@hotmail.com
Universidade Federal do Pará

Resumo: O Samba de Cacete é uma prática musical e cultural comum entre os


povos remanescentes quilombolas, se fazendo presente em toda a Amazônia
Tocantina. Reúne um conjunto de saberes e se relaciona com diversas expressões
artísticas. Pauta-se em questões religiosas, econômicas, políticas e sociais de um
contexto cultural específico. Investigar a prática musical do Samba de Cacete em
Cametá-Pará, à luz da etnomusicologia, foi o objetivo principal deste trabalho. A
etnografia realizada descreve significados e/ou saberes, interpretando sentimentos
e compreendendo percepções em que o sujeito é o foco principal da pesquisa. A
análise dos dados aponta que essa prática musical apresenta características e
singularidades próprias, relacionadas ao contexto onde se insere.
Palavras-chave: Samba de Cacete. Prática musical em Cametá. Música no Pará.

Abstract: The Samba de Cacete is a common musical and cultural practice among
quilombo remaining people, and is present throughout the Amazon Tocantina. It
brings together a set of knowledge and relates to different artistic expressions.
Tariff on religious issues, economic, political and social structures of a specific
cultural context. Investigate the Samba de Cacete musical practice in Cametá, Pará,
in the light of ethnomusicology, was the main objective of this work. The
ethnography describes meanings and/or knowledge, interpreting feelings and
understanding perceptions in which the subject is the main focus of the research.
The data analysis shows that this musical practice has its own characteristics and
peculiarities related to the context in which it operates.
Keywords: Samba de Cacete. Musical practice in Cametá. Music in Pará.

1. Considerações iniciais
No município de Cametá as manifestações culturais acontecem durante todo o ano, o povo é festivo
por excelência. Com o término de um evento o povo logo se prepara para o próximo. O Samba de Cacete
está presente em várias dessas manifestações, contudo, pouco se sabe a respeito de suas origens e sobre os
grupos.
Ao interessar-me sobre o assunto percebi que as informações bibliográficas sobre o samba de Cacete
eram bastante visuais e seguiam uma mesma linha de informações, onde se registrava aquilo que se via
durante as exibições, e que as referências posteriores seguiam a mesma ideia, sem contestação. A partir da
disciplina Introdução à Etnomusicologia, ministrada durante o curso de Licenciatura Plena em Música,
comecei a traçar hipóteses a respeito dessa prática, e a seguir a linha de raciocínio da etnomusicologia:

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Deve estar ligada à transcrição analítica dos eventos, mais do que simplesmente à
transcrição dos sons. Geralmente inclui tanto descrições detalhadas quanto
declarações gerais sobre a música, baseada em uma experiência pessoal ou em um
trabalho de campo (SEEGER, 2004, p. 234).

O interesse aumentou quando fui selecionado para ser bolsista PIBIC do projeto Práticas Musicais no
Pará. O projeto me instigou a pesquisar o Samba de Cacete. Dessa forma, pude notar o quão enriquecedor e
determinante foi meu contato com a etnomusicologia:

A ciência que objetiva o estudo da música em seu contexto cultural. Assim, os dados
são coletados considerando-se os possíveis aspectos relacionados ao
comportamento humano, essa evidência é usada então para tentar explicar por que
uma música é como é, e de que forma é usada. A ênfase é no papel da música como
comportamento social humano. A Música ocorre num contexto cultural e pode, por
isso, ser influenciada não só por considerações artísticas, mas também por
considerações sociais, religiosas, econômicas, políticas ou pelo próprio confronto
com outras formas de expressão artística (CHADA, 2011, p. 5-6).

Assim, o objetivo principal proposto para essa pesquisa foi o de investigar a prática musical do Samba
de Cacete em Cametá-Pará, à luz da etnomusicologia. Para responder aos objetivos da pesquisa foi realizado
o levantamento de fontes bibliográficas que versavam sobre o município de Cametá, sobre a cultura
cametaense e o Samba de Cacete, assim como fontes etnomusicológicas que serviram de fundamentação
teórica para a pesquisa. Foram realizadas observações da manifestação e entrevistas semiestruturadas com
os participantes, historiadores e a comunidade que faz parte desse contexto, assim como registros
audiovisuais. Os relatos foram transcritos e todo o material coletado foi sistematizado para análise.
A pesquisa teve caráter qualitativo, pois os dados coletados foram predominantemente descritivos,
descrevendo pessoas, situações e acontecimentos, procurando relatar a perspectiva dos participantes
(LUDKE, 1986). A etnografia realizada pretendeu descrever significados e/ou saberes, interpretando
sentimentos e compreendendo percepções em que o sujeito é o foco principal da pesquisa, levando em
consideração o proposto por Geertz:

Fazer a etnografia é como tentar ler (no sentido de construir uma leitura de) um
manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas
e comentários tendenciosos, escrito não com os sinais convencionais do som, mas
com exemplo transitório de comportamento modelado (1989, p. 13).

2. A pérola do Tocantins
O município de Cametá é um dos mais antigos e tradicionais do Estado do Pará.

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Figura 1 – Mapa da localização do município de Cametá.

Fonte: Disponível em: <pt.wikipedia.org>.

Cametá possui aproximadamente 127.401 habitantes, segundo o IBGE (2013). Localiza-se na


mesorregião do Nordeste Paraense e na microrregião de Cametá. Limita-se ao Norte com o município de
Limoeiro do Ajuru, ao Sul com Mocajuba, ao Leste com Igarapé-Miri e a Oeste com Oeiras do Pará. Por sua
notável tradição histórica, passou a categoria de Patrimônio Histórico Nacional pela lei nº 7537, de 16 de
setembro de 1986 (LAREDO, 2013). Pela sua importância e reconhecimento, empresta seu nome à antiga
microrregião homogênea do baixo Tocantins, que passou a chamar-se microrregião de Cametá.
Cametá possui um dos mais importantes focos da resistência negra da região tocantina, a povoação
do Mola, localizada nas cabeceiras do Igarapé Itapocu. Esta comunidade formou-se a partir das fugas dos
quilombolas ameaçados tanto pela escravidão quanto pela sobrevivência (PINTO, 2010, p. 58).
Segundo Salles (1971, p. 230):

Alguns mocambos se formaram nas proximidades da região da lavoura canavieira,


bacias do Capim, Moju, Igarapé-Miri e Tocantins. [...] Um desses, situou-se nas
cabeceiras do rio Itapocu, que nasce nos campos da margem esquerda do
Tocantins, depois engrossa suas águas com os vazadouros de igapós e igarapés,
desembocando no Tocantins acima da povoação de Juaba (município de Cametá).
Esse mocambo já era conhecido no século XVIII e foi localizado quando as
autoridades coloniais tentaram construir, na região de Alcobaça, um fortim.
Contava então com mais de 300 indivíduos e era dirigido por uma mulher: Maria
Felipa Aranha.

A povoação do Mola serviu de referencial para a formação de outros povoados denominados de mini
quilombos. Foi o caso dos povoados de Tomásia, Laguinho, Boa Esperança, Porto Alegre, Bom Fim, Matias e
Porto Seguro e, a partir desses, foram surgindo outras comunidades espalhadas pela região tocantina (PINTO,
2007, p. 43). Nos dias atuais, os quilombos se concentram na região tocantina. Passam por um processo de
decréscimo populacional, possuindo poucas famílias residindo nestes locais, alguns até já extintos: “estudos
da historiografia paraense têm encontrado indícios da formação de vários quilombos no Tocantins. Alguns

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foram destruídos, outros jamais foram descobertos” (PINTO, 2004, p. 44). Parte dos moradores procurou se
estabelecer na cidade de Cametá ou em outras cidades da região, em busca de estudo ou de melhorias de
condições de vida, uma vez que os moradores dessas localidades se viam pressionados por questões de
educação, saúde e de qualidade de vida, optando por migrar para os grandes centros urbanos.

3. O Samba de Cacete em Cametá


O Samba de Cacete é uma prática comum presente em toda Amazônia Tocantina, genuinamente da
microrregião de Cametá, presente em todos os municípios pertencentes a essa região. Envolve música,
dança, vestimenta, e saberes tradicionais. É encontrado principalmente na zona rural desses municípios, em
comunidades quilombolas, remanescentes e negras rurais.
Segundo Dmitryus Braga1 (Entrevista realizada em 21.05.2016):

O Samba de Cacete é uma coisa própria dessa região do Baixo Tocantins, mas a raiz
é em Cametá, isso não quer dizer que seja só de Cametá, tem em outros
municípios? Tem! Mas o geotropismo positivo, falando geograficamente do Samba
de Cacete é em Cametá. Você tem aqui não um grupo de Samba de Cacete, em
Baião tu vê só lá no Marisal, em outro lugar não tem, não é nem na cidade, né?! É
num quilombo, e em Cametá tu vê em todos os quilombos, em todas comunidades
negras tem Samba de Cacete, a mesma coisa acontece nos outros municípios, eu
fui em Oeiras é um grupo, tu vai em Igarapé Miri é um grupo, em Cametá não, são
“grupos”, então por isso que eu disse que esse geotropismo positivo do Samba de
Cacete se enraíza aqui, por que aqui é o berço, aqui é a fonte e se tu fores observar
as músicas que eles cantam lá, são as músicas que nós cantamos aqui, não que
sejam só essas, eles tem as músicas próprias deles, mas a base são as nossas que
foram criadas aqui em Cametá.

Muitos estudiosos descrevem que o Samba de Cacete surgiu nos antigos quilombos da região
tocantina, alguns afirmam ter surgido nos povoados de Mola e Tomásia, contudo para o historiador Haroldo
Barros2, essa informação é prematura, o mesmo justifica:

Os ritos do Samba de Cacete estão sendo estudados em mais intensidade pela


academia nas ultimas décadas, e seu atual perfil é fonte da transmissão oral de seus
fundadores e ou 2° ou 3° geração de integrantes que estão na esfera comunitária e
familiar. Não se pode esquecer que possuem poucas diferenças de comunidade pra
comunidade, perceptível por aqueles dedicados na compreensão das danças,
batuques e cantorias de homens e mulheres (Entrevista realizada em 29.01.2016).

1
Professor, Historiador, secretário de cultura do município de Cametá durante os anos de 2005 a 2012.
2
Historiador, cineasta e comendador da cultura do estado do Pará – Medalha Mestre Verequete (ALEPA).
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Geralmente, o Samba de Cacete está relacionado à agricultura, ao rito da cultura da mandioca, sendo
comum em festejos de santos católicos e em comemorações de qualquer natureza como aniversário,
casamento, batizado, ou mesmo oferecido para estreitar os laços de parentescos ou como um ato de
solidariedade ao próximo, nessa região:

O Samba de Cacete acontece em comunidades rurais da Amazônia Tocantina –


diversas delas originárias de negros fugidos e ou alforriados entre os séculos XIX e
XX – que desenvolvem gestuais próprios agregados às festividades de seus santos
de devoção, datas comemorativas e precedentes de atividades econômicas como
o roçado e plantios da cultura da mandioca, denominados de convidados
(Entrevista realizada com Haroldo Barros em 29.06.2016).

Cunvidado é um ritual comum na microrregião de Cametá. Reúne, sem conflitos, música, dança,
trabalho, lazer, espiritualidade e comunidade. Neste ritual, é comum a prática musical do Samba de Cacete,
“na ótica do grupo o cunvidado serve para minimizar o tempo de se conseguir plantar uma roça de mandioca,
mas é também uma maneira de reunir, conversar e integrar o grupo na vida social” (AMORIM, 2000, p. 36):

A prática cultural do cunvidado formaliza-se como um ritual simbólico, tanto pela


criação de valores e significado para o grupo que a constituiu utilizando recursos
dos ancestrais e revestido com Samba de Cacete como pela própria teatralização
como base de organização do trabalho da roça (idem, p. 45-46).

Nesse contexto, o Samba de Cacete acontece sempre nas vésperas e ao término de uma plantação,
como se estivessem festejando a expectativa de um bom plantio, ou comemorando o cumprimento de uma
missão, além de ser um momento festivo de sociabilidade e companheirismo:

O Samba parece ser, acima de tudo, uma saudação ao trabalho, uma vez que o
momento que antecede cada pausa no samba é denominado de fornada, uma
alusão a um dos atos da feitura da farinha de mandioca, quando a massa a secar no
forno é denominada pelos roceiros e roceiras de fornada. É também uma forma de
saudação à alegria e à vida dos homens e mulheres cujo cotidiano tem sido uma
eterna luta por sobrevivência (PINTO, 2004. p. 99).

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São comuns as apresentações de Samba de Cacete nas programações de Nossa Senhora, em festejos
de santas e santos católicos, em práticas como a Lavadeira ou o Mastro, no Bambaê 3 e no Marierrê Arrá4,
todas essas de cunho religioso.
O Samba de Cacete acontece ao final dos rituais religiosos do Bambaê e do Marierrê Arrá, “depois
que se coroa o rei e a rainha, tanto do Marierrê Arrá quanto do Bambaê a gente convencionou falar que
passou para a parte profana, aí o Samba de Cacete marca, porque o povo passa a bater e a dançar o Samba
de Cacete, já com presença de bebida e comida” (Entrevista realizada com Manoel Valente em 20.06.2016):

A prática do Marierrê conserva alguns de seus traços culturais, pois o ritual


permanece o mesmo, pois esta prática sempre foi constituída por dois momentos
principais a parte religiosa com a coroação do rei e da rainha na igreja e a parte
festiva com o Samba de Cacete ocorrendo algumas modificações ao longo do
tempo, pois houveram algumas alterações na questão do cardápio que é oferecido
durante a festa, além da dança do Samba de Cacete, o que antes era um ritmo mais
cadenciado, atualmente possui um ritmo mais acelerado” (SANTOS, 2015, p.15).

Apesar do Samba de Cacete, na grande maioria das vezes estar presente em festejos católicos, isso
não é uma regra. O Samba de Cacete está para alegrar, divertir e descontrair a todos, independente de
religião. Assim menciona Barbosa:

Foi na cozinha de casa, quando criança brincando, que via minha mãe, Dona Joana,
cabocla linda lá de Cametá, em mais uma das muitas rodas de macumba5. Assim
eram chamadas as rodas íntimas, na qual geralmente participavam mulheres,
vizinhas e/ou parentes mais próximos. Onde se tocavam tambores, para marcar os
“pontos” que uma pessoa entoava, enquanto minha mãe recebia “a cabocla
Mariana, ou o índio Pena Verde, por vezes, pretos velhos ou crianças”. Eu assistia a
tudo quietinha em algum cantinho da cozinha, embaixo da mesa [...], o terreiro de
casa e, por vezes, a cozinha também eram cenários para as rodas de samba e
serestas que chegavam a reunir de quinze a vinte pessoas tocando tambores,
violão, agogô, reco-reco, afoxé, pandeiro, cantando em variados ritmos, entre eles,
o Samba de Cacete, o Carimbó, Chorinhos e Sambas de Roda, ninguém resistia a
uma rodada de saia, fazia gosto a alegria e os remexidos e dança no terreiro (2015,
p. 11 e 13).

3
O Bambaê é uma espécie de Congado que acontece todos os anos na Vila de Juaba (Cametá-PA), tradição afro-brasileira
realizada em homenagem a Nossa Senhora do Rosário.
4
Ritual de cunho religioso que acontece na Vila de Carapajó(Cametá-PA, giram em torno dos louvores à Santíssima
Trindade e São Benedito, além da coroação do Rei, da Rainha, do Príncipe e da Princesa, uma espécie de Congado de
origem negra.
5
Nome usado na região que se refere à Umbanda, Candomblé ou rituais com tambores e reza. Também uma espécie de
árvore africana e instrumento musical utilizado em cerimônias de religiões afro-brasileiras.
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Contudo, o Samba de Cacete se faz presente principalmente nos festejos católicos, o que coloca os
frequentadores desses espaços testemunhas diretas e apreciadoras dessa cultura. Por outro lado, a prática
fica oculta dos que não frequentam esses espaços, como informa Jailson Nunes6 - Jamaru:

Olha o Samba de Cacete eu já vi digamos assim, ouvia falar nele, né? Com uma
idade muito avançada, que foi quando eu fui participar lá com o grupo do professor
Dmitryus. Eu sou cametaense, nascido em Cametá, enraizado em Cametá. Ah! Não
sei também se pelo fato de eu ter nascido em uma família evangélica, a gente nunca
ter participado dessas festividades, disso tudo, se isso contribuiu também pra me
ausentar dessas músicas, né? No mundo evangélico a gente não usa, eu até tive
uma ideia outro dia, de fazer um grupo de musica gospel nesse sentido do Samba
de Cacete, trabalhar nessa pegada, nessa forma de tocar o Samba de Cacete, eu
acho interessante, mas que talvez não fosse aceito, né? (Entrevista realizada em
13.06.2016).

Foi através do sincretismo que o Samba de Cacete foi se firmando nos festejos católicos. Hoje a
grande maioria dos praticantes e apreciadores dessa prática são adeptos dessa religião, fazendo com que
nos dias atuais o Samba de Cacete esteja relacionado diretamente à religião católica apostólica romana: “As
manifestações culturais com viés sincréticos surgem e vai lentamente sendo assimilados quer no contexto
urbano, quer no contexto rural” (Entrevista realizada com Haroldo Barros em 29.06.2016).
Na zona urbana do município de Cametá é comum presenciarmos o Samba de Cacete nos seguintes
festejos: no carnaval, no arraial de São João Batista, no aniversario da cidade, nas permutações ocorrentes
no comércio e nas residências, além dos demais festejos e comemorações que ocorrem em diversos cantos
da cidade.
Os grupos de Samba de Cacete por muitas das vezes eram contratados para se apresentar na cidade
a convite dos ditos “patrões”, ou vinham fazer as permutações que aconteciam geralmente nos comércios,
portos e feiras da cidade. Muitos convidavam os grupos de Samba de Cacete para se apresentarem em seus
salões e terreiros, não era só entre os comerciantes, mas em geral, a relação com o comércio era frequente
e comum. Dona Iolanda Marina Pompeu Braga7 - Tia Dadá, (Entrevista realizada em 19.06.2016), informa que
seu Marido Raimundo Braga utilizava muito essa prática:

Ele queria mostrar tudo, não era eu, era ele, queria mostrar tudo pros filhos, tudo
que tinha na terra, tanto que a nossa casa lá no São João Batista, tinha um salão lá
atrás, tanto que ele arrumava lá, por exemplo, saco de açúcar, do lado do comércio,
atrás do comércio, mas naquele salão. E o papai também gostava dessas coisas,

6
Músico, Professor e regente de varias bandas no município de Cametá, entre elas, Banda Sátiro de Melo, Banda
Clementino Martins, Banda Som de Bom Jardim, Banda da Assembleia de Deus.
7
Moradora da cidade de Cametá possui 95 anos, foi esposa de Raimundo Moreira Braga comerciante cametaense.
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todo cametaense gosta, e ele levava Marujo, Samba de Cacete, tudo que tinha na
cidade, principalmente na festa do São João ele levava lá, em vez de trazer a família
pro arraiá, ele levava as coisas lá, de lá a gente apreciava melhor.

Várias famílias que traziam o Samba de Cacete para se apresentar na cidade eram parentes ou amigos
próximos dos residentes das comunidades rurais - quilombolas, pois “muitas famílias negras moravam na
cidade e traziam o Samba de Cacete para suas residências ou para festa de Santos” (Entrevista realizada com
Manoel Valente em 20.06.2016). Essa relação de trazer os grupos da zona rural para as residências da zona
urbana se faz presente até hoje, embora venha acontecendo com menor frequência.
Outra ocasião em que o Samba de Cacete se fazia e se faz presente na sede do município de Cametá
é durante o período carnavalesco. Dmitryus (Entrevista realizada em 19.06.2016) relembra do Samba de
Cacete nos antigos carnavais:

Antigamente, todo domingo tinha Samba de Cacete, quando o desfile era na Rua
São João Batista, a base do carnaval era em cima do Galpão, e todo domingo tinha
Samba na Praça dos Notáveis, e vinham vários grupos, era o encontro dos grupos,
e havia uma disputa entre eles, era muito mais forte, claro, até porque, não tinha
outras mídias, não tinha outras distrações, então o povo se concentrava mais no
que era seu, na sua cultura.

Outro momento do Samba de Cacete durante os festejos carnavalescos é historiado por Mocbel 8
(Entrevista realizada em 28.06.2016), onde existia uma separação de classes nos antigos bailes em Cametá.
Havia festa da sociedade mais influente, ou seja, da elite cametaense, as dos menos favorecidos, as que
aconteciam nos prostíbulos e as do Samba de Cacete:

Ele era considerado aqui até fora da sociedade, o pessoal da sociedade era até
proibido de ir lá, quando ia, que eles tomavam conhecimento, eles não convidavam
pras festas sociais. Naquele velho tempo, o Samba de Cacete não era
especificamente aqui da cidade, mas havia, eles faziam exibições sempre lá no
subúrbio, bem subúrbio mata, e nós que frequentávamos as outras festas íamos às
escondidas, a gente ia pra lá dançava o Samba de Cacete à noite e tal, todo interior
tinha seu conjunto de Samba de Cacete, aqui na cidade apareceu um funcionário
público da receita federal, Manoel Joaquim dos Santos (Manduca) ele foi o primeiro
a ter essa ideia e nós acatamos essa ideia dele, porque o Clube dos Funcionários
Públicos na sede social deles aqui na segunda rua, era sociedade de primeira, então
ele quis fazer uma exibição do Samba de Cacete lá, e a diretoria não concordou,
não concordava, com muito empenho eles conseguiram fazer uma apresentação
da meia noite em diante, lá as festas começavam nove horas da noite, quando meia
noite o conjunto de Samba de Cacete chegou, chegou e tocou lá aquele ritmo deles,

8
Escritor e poeta cametaense.
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ritmo africano, e agradou, porque o pessoal que estava dançando, por exemplo, no
tempo do Carnaval, essas festas, pessoal que estava dançando as marchinhas
nossas mesmos gostaram do Samba de Cacete, então pegou, sempre que havia
uma festa o Samba de Cacete era convidado pra fazer uma exibição, aquela hora
da noite, daí ele foi se socializando, foi ficando dentro do contexto, e hoje o Samba
de Cacete é chamado em qualquer apresentação, já fez sucesso fora de Cametá,
parece que já foram até pro Sul, então o Samba de Cacete era isso, e o Samba de
Cacete foi criando cartaz, hoje ele é reclamado em qualquer festa, fala até de seus
desfiles, e hoje é aceito por todos, eu só sei que o Samba de Cacete passou a ser
um dos instrumentais que alegram os carnavais de Cametá.

Após verificarmos o Samba de Cacete nos contextos citados acima, podemos dizer que “restrição” e
“preconceito”, no que diz respeito ao Samba de Cacete, referem-se à questão da assimilação do novo no
contexto das tradições já em evidência. O historiador Haroldo Barros, no final da década de 1970,
acompanhava sua avó nas rodas de Samba de Cacete de dona Isabel, na travessa do Pilão, em Cametá, e o
mesmo diz: “na época era o final do perímetro urbano na cidade. Não havia restrição, apenas não
frequentava quem não estava naquele contexto” (Entrevista realizada em 29.06.2016).
Nos últimos anos, durante o período do carnaval, o Samba de Cacete vem disputando espaço com
atrações nacionais, além dos blocos, cordões e fofós do município, tudo depende da programação
carnavalesca que fica a cargo da Prefeitura da cidade, contudo, o Samba de Cacete ainda continua sendo
uma das principais atrações do carnaval de Cametá, presente em vários contextos, desde os terminais
hidroviários, praças e ruas, até a Avenida do Samba, onde ocorrem os principais desfiles carnavalescos:

O Samba de Cacete dentro do período do carnaval, ele é assim utilizado de uma


maneira muito mais efetiva, a gente vê mais, porque geralmente o Samba é
contratado, o grupo de Samba de Cacete é contratado pela prefeitura para receber
o turista, então ele vai pro porto da balsa, vai pro cais pra receber quem está
chegando pro carnaval, de uma forma bem típica nossa, também se apresenta nas
praças, e em especial na Avenida do Samba (Entrevista realizada com Dmitryus
Braga em 19.06.2016).

Os batedores do Samba de Cacete carregam os tambouros ao ombro, enquanto os cacetes fazem a


marcação e as dançarinas entoam o coro, e vão se deslocando pelas ruas da cidade e/ou pela Avenida do
Samba. Em alguns momentos baixam os tambouros e mandam uma ou mais “fornadas” de Samba de Cacete.
A dança no Samba de Cacete não é em casal, não existe o compromisso de dançar com uma só
pessoa, é algo mais espontâneo, que nasce da criatividade dos participantes, embora por vezes aconteça de
algum casal preferir dançar próximo ao outro, no geral todos dançam com todos. A dança acompanha a
música. Homens e mulheres dançam livremente. As damas giram em torno de si mesmas, “gestualizando
conforme a letra da música, se esquivando para que os cavalheiros não consigam tocá-las. Estes, por sua vez,
gingando ao ritmo da música, tentam, sem sucesso, tocar os pés das damas” (PINTO, 2004, p. 98). No Samba
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de Cacete a dança não possui uma coreografia pré-estabelecida, alguns passos são criados no momento, em
forma de improviso. Generalizando, ou se dança agachado e girando, ou se dança fazendo gestos de acordo
com o que se canta.
Apesar da expressão adotada por muitos para nomear “roda de Samba de Cacete”, esta não faz
relação direta ao modo de dançar, e sim ao lugar de encontro dessa prática musical, o que talvez contribua
para algumas especulações a respeito da forma de se dançar. Embora, por vezes, tenha presenciado alguns
grupos parafolclóricos, ou até mesmo grupos de Samba de Cacete dançando em roda, essa maneira não é
comum, e quase não é vista. Como afirma Dmitryus Braga (Entrevista realizada em 19.06.2016):

Geralmente a gente vê por aí, pessoal dizer que é dançado em circulo, e que esse
gira no sentido horário, eu nunca vi isso, a não ser no grupo Caa-mutá, mas era uma
coisa pra se apresentar, não era uma coisa natural, então sendo assim, o Samba é
uma mistura, homens e mulheres dançam juntos no salão, pro lado que quiserem
ir.

Embora não seja dançado em par, há um fato curioso que ocorre na da roda de Samba de Cacete,
existe um momento para dançar a dois, que muita das vezes se torna imperceptível para alguns, pois não
ocorre contato físico, e sim troca de gestos. O convite para dançar desta forma ocorre da seguinte maneira,
como relata Dmitryus Braga (Entrevista realizada em 19.06.2016):

Quando eu era pré-adolescente, eu ia pro Samba também por causa disso, pra
pegar bumdada da mulherada, a gente dança o Samba agachado, né? Então a
mulherada vinha dava aquele giro e te dava uma bumdada, aquela bumdada era
um convite pra dançar, aí tu ia dançar com ela aquela fornada, era com ela que tu
ia dançar, daí ela já ia dar uma outra bumdada pra dançar com outro, não é uma
bumdada sexual, não tem essa conotação libidinosa, mas é uma forma de convidar
“vamos dançar”, e não há compromisso depois da dança, pode até haver, mas não
é essa a intenção, não é esse o objetivo.

A indumentária no Samba de Cacete é algo muito subjetivo de cada grupo. Pode-se dizer que não há
uma padronização, mas entre as mulheres é comum trajar-se com saia, blusa e adereços como colares e flor
no cabelo. Os homens trajam calça e camisa e, em algumas ocasiões, portam o chapéu. Para Amorim (2000,
p. 91), as pessoas que participam do Samba de Cacete trajam-se de acordo com sua condição financeira, não
há padronização de suas vestes. Na povoação de Tomásia, a autora percebeu que “as mulheres mais idosas
ainda seguem os padrões tradicionais do vestuário usual, ou seja, usam saias largas, compridas com cores
quentes e alegres. Muitos ainda preferem sambar descalços”.
É bastante comum se dançar o Samba de Cacete ingerindo bebida alcoólica, que é compartilhada por
todos como parte da tradição, “que avança pela madrugada, em forma de animação, risos e cantorias, uma

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espécie de transe coletivo, fazendo extravasar dores, tristezas, preocupações, cansaço físico e espiritual”
(PINTO, 2007. p. 42). De acordo com os praticantes do Samba de Cacete, esse consumo não tem o objetivo
de embriagar, e sim alegrar, tanto é que há um controle ao qual fica a cargo de um dos participantes, “é
distribuída uma dose pra cada, o primeiro, só volta a tomar a segunda dose depois do ultimo tomar a
primeira, geralmente quem convida o Samba é quem oferece a bebida” (Entrevista realizada com Dmitryus
Braga em 21.05.2016). Manoel Valente9 (Entrevista realizada em 20.06.2016) afirma que:

Em algumas localidades, a cachaça é de todo mundo, mas ela não fica em um lugar
onde todo mundo vá beber a hora que quiser, não, tem uma pessoa responsável
em servir a cachaça. Nos quilombos essa função era da pessoa mais velha, da
mulher mais velha, então ela já dançava com a garrafa da cachaça no colo, então
era ela a responsável de distribuir essa cachaça, numa cuia, ou num copo, e se dava
a cachaça primeiro pro batedor, bebiam primeiro os batedores e depois os outros.

A ingestão de bebida alcoólica no Samba de Cacete, aos poucos, está sendo deixado de lado, e por
vezes é visto como algo ruim por quem desconhece o seu real significado, ou mesmo não se admite nos locais
ou eventos onde o Samba de Cacete acontece.
A música no Samba de Cacete é algo que vai além de aspectos meramente sonoros. Engloba diversos
saberes, faz relação com outras linguagens artísticas e, ao mesmo tempo, é algo contagiante. Surge
livremente, em forma de improviso, criada no momento de uma fornada, ou são executadas as já
tradicionais, repassadas de geração a geração (PINTO, 2004, p. 97). As canções funcionam como crônicas
aparentes do cotidiano desses povos, que vai desde um estado melancólico até períodos de euforia,
“momentos que revelam tristeza quando o baque do tambor parece chorar e as pessoas também. Há,
também, momentos eufóricos onde o samba é incrementado por um estilo carnavalesco delirante”
(AMORIM, 2000, p. 92).
A melodia possui vários andamentos rítmicos. Inicia em ritmo lento e vai acelerando até tornar-se
contagiante, assim como a dança, que sempre acompanha a música tanto no andamento quanto nos gestos,
que relembram os fatos introduzidos nas canções. As mudanças de andamento ocorrem em dois sentidos –
ralentando e acelerando, podendo ocorrer dentro de uma mesma canção. Para Matos, “apesar da formação
instrumental simples, a sonoridade produzida é muito interessante, assemelha-se um pouco ao samba
canção nos andamentos mais lentos, e ao sambinha nas execuções em andamentos mais rápidos” (2004, p.
23).

9
Folclorista, Teólogo, Historiador e fundador do grupo de dança Cametaoara.
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Os instrumentos utilizados na prática do Samba de Cacete limitam-se apenas a voz, o tambouro e o


cacete, este confeccionado artesanalmente pelos próprios mestres, ofício que é passado de pai para filho.

Figura 2 – Instrumentos usados no Samba de Cacete.

Fonte: André D’Albuquerque

O tambouro é um instrumento percussivo feito em madeira de lei oca. Alguns feitos de cupiúba.
Assume um formato cilíndrico de aproximadamente 25 centímetros de diâmetro por 80 de altura. Uma de
suas extremidades é revestida com couro de animal, geralmente couro de veado vermelho, que é fixado ao
corpo do instrumento por pinos feitos em madeira. Para a confecção dos tambouros, é necessário encontrar
a madeira apropriada, geralmente troncos escavados, que precisam ser resistente. Em seguida é feito a
limpeza do tronco, após são feitos os furos próximos de uma de suas extremidades e colocados os pinos de
madeira para fixar o couro ao corpo do instrumento, chamado pelos mestres de enrostar.
O couro utilizado na confecção dos tambouros é obtido através da caça, preferencialmente é
utilizado o couro de veado vermelho, mas, na ausência deste, se usa o couro de outros animais, os quais, no
tambouro, não possuem a mesma resistência do couro do veado vermelho. Dmitryus Braga explica o porquê
da preferencia, fazendo comparação com o couro utilizado em outro instrumento amazônico:

No curimbó , o revestimento geralmente é com couro de bezerro, mas no


tambouro, tem que ser couro de veado vermelho, por quê? Porque o couro do
bezerro não resiste, para o Samba de Cacete ele é frágil, mas pro curimbó ele é
perfeito, é que no curimbó não se usa o calcanhar, e no tambouro o calcanhar
aperta e bate o couro, então nesse apertar e bater o couro com o calcanhar, se não
for um couro resistente, ele vai rasgar, ele vai furar (Entrevista realizada em
19.06.2016).

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No Samba de Cacete se usa dois tambouros de diâmetros diferentes, mas de comprimento iguais. O
que tem a maior circunferência é o responsável pelas primeiras viradas que ocorrem frequentemente
durante a batida, e o que tem a circunferência menor contrapõe ao comando do primeiro, “é como se o maior
falasse e o menor respondesse” (Entrevista realizada com Manoel Valente em 20.06.2016). O primeiro
tambouro é o responsável pela base rítmica, executa poucas variações durante a música, mas em alguns
momentos realiza viradas, chamadas pelos mestres de “repinicadas” que são respondidas pelo segundo
tambouro.

Figura 3 – Toque executado pelo primeiro tambouro.

Fonte: Matos, 2004, p. 23.

O segundo tambouro é o responsável pela levada, de maneira mais livre, além de responder ao
primeiro com as repinicadas, tendo total liberdade para executá-las em vários momentos. Para Matos (2004,
p. 23) “esses efeitos são criados em apojaturas e pequenos deslizamentos do calcanhar sobre a pele do
instrumento e pode ser feito em fusas, semicolcheias ou sextinas”.

Figura 4 – Toque executado pelo segundo tambouro.

Fonte: Matos, 2004, p. 23.

Com relação ao segundo tambouro, o exemplo acima demostra, de uma forma geral, os efeitos
produzidos pelo instrumento, porém, durante a execução real, as repinicadas e o uso do calcanhar são
distribuídos de acordo com as nuances das letras e de acordo com o batedor que executa a canção. Para
Manuel Valente:

Em algumas comunidades se usa o calcanhar na hora do refrão da cantiga, mas em


outras o batedor do tambouro maior também usa o calcanhar na primeira parte da
música. Essa utilização do calcanhar vai depender muito de cada batedor, de como
ele quer enfeitar ali a cantiga, porque o calcanhar ele tem dois movimentos, um
que aperta o rosto do tambouro, e um que corre no rosto do tambouro de cima pra

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baixo e de baixo pra cima. Naquelas reviradas, que eles falam repinicadas, então
não se usa só a mão, se usa os dedos e o calcanhar, as cantigas mais lentas você usa
os dedos (Entrevista realizada em 20.06.2016).

Há duas formas de se tocar o tambouro. Uma é utilizando as mãos, dedos e calcanhar para tocar o
rosto do instrumento, outra se toca sentado sobre um dos tambouros, ou agachado ao lado do mesmo,
utilizando de outro instrumento chamado de cacete, que se usa para tocar o corpo do tambouro.
O cacete é um instrumento percussivo, de formato cilíndrico, em madeira maciça. Possui
aproximadamente 3 centímetros de diâmetro e 25 centímetros de altura. Geralmente é feito de aracapurí.
Nas rodas de samba é comum utilizar apenas um par de cacetes, entretanto, alguns grupos fazem uso de
dois pares. A confecção dos cacetes é um trabalho minucioso. Os bastões são obtidos na mata.
Posteriormente são passados ao fogo ou na brasa para que percam seiva e fiquem mais rígidos. Há uma
preocupação quanto à madeira, que precisa estar em boas condições para não partir-se, pois os cacetes
durante a execução têm um contanto bastante intenso com o corpo do tambouro.
O cacete é visto pelos praticantes como o instrumento de maior e real importância nessa prática, não
só por emprestar seu nome a ela, mas pela função e contribuição musical que chega a se sobressair em
relação ao tambouro. Sobre sua importância na rítmica e em demais funções, Matos (2004, p. 24) informa
que “o papel dos cacetes é fundamental na execução do ritmo, pois são responsáveis tanto por condução e
efeitos quanto por alterações no andamento semelhante ao tamborim e ao repinique”.

Figura 5 – Toques executados pelos Cacetes.

Fonte: Matos, 2004, p.24.

A parte do canto é dividida em três vozes. A primeira, geralmente masculina, é responsável por quem
toca o primeiro ou o segundo tambouro, é quem inicia as canções. A segunda voz é executada pelo coro, em
resposta à primeira, formado por todos que participam da roda. É cantada em uníssono, sendo mais
perceptível a entoação feminina, cantada uma oitava acima da primeira voz. Segundo Dmitryus Braga
(Entrevista realizada em 19/06/2016):

Na verdade dizem que a segunda voz é exclusivamente feminina, e não. Há homens


no meio da roda, mas claro que, né? Principalmente hoje vemos mais mulheres
dançando Samba de Cacete, então claro que vamos ouvir mais a voz da mulherada,
né? Então há resposta masculina, mas no geral se vê as mulheres respondendo.
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A terceira voz é uma espécie de “grito”, executado por um ou vários participantes da roda,
funcionando como um contracanto. Manoel Valente menciona que no ritual do cunvidado, durante o
trabalho, se ouvia muito esses gritos, ao qual eles chamavam de “combina”, que “é a combinação de vozes,
de gritos, não tem letra, não é palavra é grito, aí grita um pra cá, um pra li, um pra lá, e fazem uma
combinação de vozes em vários sons” (Entrevista realizada em 20.06.2016).
Os instrumentistas do Samba de Cacete são chamados de batedores, mestres batedores, e/ou
caceteiros para os que tocam os cacetes, “no linguajar deles, tocador é de Banguê, de Samba de Cacete é
batedor, porque Samba de Cacete não se toca se bate” (idem). A função de cada um é organizada da seguinte
forma, os batedores se dividem em dois grupos: batedores da frente que tocam os dois tambouros com as
mãos e os batedores de trás que tocam os cacetes no corpo do tambouro. Na parte do canto há os puxadores
posicionados sobre os tambouros e os entoadores do coro e da combina que ficam espalhados no espaço em
frente aos tambouros.
Geralmente os batedores são homens e a resposta do coro é feita pelas mulheres. Há uma divisão
sexual no trabalho do Samba de Cacete que não chega a ser uma regra, mas é comum acontecer dessa
maneira, onde a mulher dança e canta e o homem toca, canta e dança, mas há exceções. O processo de
composição é feito de improviso, no momento do samba, podendo ser composta por mais de uma pessoa,
como revela Dmitryus Braga:

De repente sai na hora, e o mais bonito disso tudo, o mais emocionante, é que o
cara do rosto do tambouro puxa e sem ter nenhum tipo de combinação a
mulherada responde, ou seja, eles criam na hora uma música do nada, o cara puxa
daqui um verso e a mulherada responde de lá, mais como? Ou seja, a sintonia é tão
perfeita que eles conseguem se comunicar de maneira aberta e íntima que sai de
forma natural, essa composição eu já vi muitas das vezes acontecerem na hora do
samba, e eu ficava assim patetando, porque eu não conseguia acompanha o
raciocínio deles, por quê? Porque eu não vivenciei aquilo e eles vivenciaram, então
eles acabam nessa sintonia criando coletivamente uma nova melodia, uma nova
música (Entrevista realizada em 19.06.2016).

Geralmente quem fez ou quem faz as composições das músicas são as pessoas que vivenciaram
aquela situação, que foram testemunhas daquele evento, às vezes feitas em grupo, tanto na hora do ritual
do samba quanto no cotidiano em momentos de banho de igarapé, na caça, na colheita, entre outros. Pode
também ser composta por uma única pessoa. Segundo dona Delmetira Vilhena, do povoado de Marisal, as
canções do Samba de Cacete eram compostas a partir de versos que eram escritos a mãos e repassados a
diante (RITUAIS E FESTAS DE QUILOMBOS, 2010):

Assim acontecia naquele tempo, se não tivesse coragem pra falar pra outras,
escrevia e deixava assim, ai quando a gente avistava um papel desse qualquer, a
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gente já pegava que era alguma coisa, ou caia do bolso de alguém, era documento,
ou eram as críticas assim, a gente pegava abria, e era esses [...] estrofes que eles
deixavam assim, e por ai a gente já fazia essa crítica por música, atuava música,
tem uma vizinha assim que quando ela foi pra casar, os pais dela não queriam, mas
ela queria, e ela falava assim, ela atuou, “nem que tu não queira, eu querendo, tu
só tem que querer”.

A irmã de Delmetira (idem) reforça:

Quando não era a gente que escrevia pro homem feito um verso, era ele que
escrevia pra gente, “menina quando passares escreva lá do caminho, se não tiver
em que, nada do passarinho”, né? “Cajueiro pequenino quem te derrubou no chão?
Foi um golpe de machado que doeu meu coração”, daí a gente já vai levando a
música do Samba.

As letras retratam momentos marcantes na vida dos compositores ou de suas comunidades,


situações curiosas, momentos engraçados e/ou inusitados, entre outros, que são repassados e reproduzidos
nas letras das músicas. Através da linguagem e das canções “transferem informações de geração a geração
e têm condições para falar sobre fatos ausentes em sua materialidade física” (RODRIGUES, 2003, p. 42).
Em Cametá existe uma polêmica sobre o Siriá. A situação se inicia na década de 1970, quando o
Mestre Cupijó10 resolveu gravar um LP contendo sequencias de músicas do Samba de Cacete, entre elas, o
“Siriá”. No ato foi utilizado um instrumental distinto dos das rodas de Samba de Cacete, como: guitarra,
baixo, bateria e instrumentos de sopro. Fazendo uso dessa configuração instrumental, o mestre então afirma
ter criado o ritmo do Siriá. Segundo Dmitryus Braga, isso se deu com o intuito de explorar o potencial musical
do município, considerando o destaque do Carimbó na época:

O Mestre Cupijó buscou uma forma de elevar o nome dele e da banda dele no
cenário da música paraense e a melhor maneira que ele encontrou foi uma palavra
que chamasse atenção, veja bem “Carimbó” fecha, “Siriá” abre. Qual a palavra mais
forte? Siriá! Né? Incomparavelmente, então ele usou de uma estratégia de
marketing que na época não era chamada dessa forma, mas ele usou uma
estratégia de marketing muito boa, em vez de colocar “Samba de Cacete” que é
uma palavra longa, né? Ele botou Siriá (Entrevista realizada em 21.05.2016).

Para Salles (1985, p. 162), se referindo ao primeiro conjunto formado pelo Mestre Cupijó, em 1960:

10
Joaquim Maria Dias de Castro (1936-2012), músico, compositor e advogado, foi maestro e regente da “Banda de Música
Sociedade Euterpe Cametaense”, “Lira Angélica”, entre outras, fundou o grupo musical Os “Ases do Ritmo”, gravou 06
discos em vinil e um CD, foi agraciado com o Título honorífico de Honra ao Mérito pela Assembleia Legislativa do
Estado do Pará, pelos serviços prestados ao Estado.
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“Apenas reproduziam o que vinha de fora. A guitarra elétrica e o solovox foram


aquisições consideradas importantes, pelo menos para equipar o conjunto aos
congêneres da capital. Simples questão de status, talvez. Com esses elementos,
descobre a música de sua terra. Em 1973 é o primeiro a lançar em disco o siriá,
dança típica da região Tocantina, numa tentativa de colocá-la ao lado do carimbó”.

Isso gerou bastante confusão quanto à denominação do Siriá. Para Pinto (2004, p. 98) “o Samba de
Cacete também é conhecido na região do Tocantins como Siriá, devido ao fato de sua música mais
“tradicional” intitular-se “Siriá””. Contudo, de acordo com a restrita literatura cametaense sobre o Samba de
Cacete, Amorim (2000, p. 93) revela que “há quem afirme que o mesmo é o Siriá, porém na memória dos
batedores de samba de Tomásia, o Siriá é uma das músicas que compõe as fornadas do Samba”, o mesmo
para Dmitryus, “o Siriá é uma das milhares de músicas que o Samba de Cacete tem, né? dentre elas “Seu
Rafael”, “Maçariquinho”, “Mineiro Pau”, “Ilha do Campo” e o “Siriá”” (Entrevista realizada em 21.05.2016).
O próprio Mestre Cupijó, em entrevista a um documentário em 2011, se confunde, em alguns
momentos refere-se ao seu “arranjo musical”, em outros à prática do Samba de Cacete ou mesmo á música:

Siriá é original aqui de Cametá, nasceu aqui nesses..., coisas de negros, né? Onde
moravam os negros, né? E eu [...] pra ir fazer o coisa deles, lá eles formavam esses
tambores com coisas do mato, com coisas dos animais que eles caçavam e tiravam,
eles formavam isso, ai ficou essa maneira que eles tiravam lá o Siriá e eu fui, que
eu já sabia, que já tocava muito o Siriá [música], quando tinha a nossa banda a
última música que tocava era o Siriá [música], e ai eu fui e gravei o Siriá [música],
mas só que eu emendei com outras músicas, que eram daqui também,
Maçariquinho [...] Foi um cametaense que veio aqui em Cametá e nos convidou pra
gravar, fomos convidados pra gravar isso, as músicas folclóricas de Cametá, ai nós
fomos gravar, todas as músicas folclóricas que cantam por aqui fomos gravar,
fomos procurados pra gravar isso mesmo, daí pra frente é que nós começamos a
gravar um ritmo diferente, de Siriá [Samba de Cacete], mas em outro ritmo,
gravamos seis LP’s (Disponível em: <http://josemalcher.net/historia-e-cultura-de-
cameta-para/>).

Um dos LP’s do Mestre Cupijó é nomeado como “Siriá e seu Ritmo”, isso faz com que o Siriá seja
visto como um ritmo para alguns, mas para muitos, o Siriá é uma música do ritmo Samba de Cacete. Contudo,
para Dmitryus Braga, quando ele faz isso, ele consegue chamar a atenção e mexer até com o próprio brio do
Cametaense:

Nós adotamos também chamar Siriá, embora esteja equivocadamente errado, é


um equivoco chamar de Siriá, mas é o mais prático de que chamar “Samba de
Cacete”, é um nome menor, mais interessante, mais bonito, mais chamativo, e isso
fez com que hoje Cametá fosse conhecido internacionalmente como a terra do Siriá
(Entrevista realizada em 21.05.2016).

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Há muitas dúvidas referentes ao termo e aos reais significados do Siriá do Mestre Cupijó, mas quanto
a sua origem não há duvidas de que partiu do Samba de Cacete. O próprio Mestre revela isso em entrevista
a TV Rural sobre a História e Cultura de Cametá:

O Siriá teve origem do Samba de Cacete, porque o Samba de Cacete teve origem
nos quilombos, [...] e lá eles criavam esses grupos que a gente denomina agora de
Samba de Cacete [...] Nós gravamos o Siriá, já incluindo os instrumentos de metais,
um Siriá mais dançante, um Siriá pop que chamam. Eu fui o mentor da divulgação
do Siriá, o Siriá [Samba de Cacete] era desconhecido, é uma cultura nossa, mas não
tinha divulgação, né? Então eu que levei pra divulgar, e juntamente com nossa
banda [Euterpe Cametaense], porque essa banda também aqui em Cametá é
tradicional (Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=TdQJ0y1LdpE>).

O Mestre sempre deixou claro que algumas músicas de seus LP’s não eram de sua autoria, as mesmas
são de domínio publico, contudo, os arranjos e as ideologias musicais referentes a esses discos são na maioria
de sua autoria. Para Dmitryus Braga (Entrevista realizada em 21.05.2016) essa confusão toda foi uma
“maneira errada de fazer a coisa certa, todo cametaense agradece ao Mestre Cupijó por ter dado a Cametá
essa oportunidade de ser reconhecido internacionalmente como a “terra do Siriá”, que dificilmente seria como
a “terra do Samba de Cacete””.
Atualmente o Samba de Cacete não é utilizado apenas como forma de entretenimento e atração
turística. Segundo Haroldo Barros (Entrevista realizada em 29.06.2016), “O Samba de Cacete, atualmente,
vem se promulgando. Está presente em visitações de autoridades, em quadra carnavalesca, inaugurações e
no contexto escolar”. Observasse que o interesse por essa prática vai além da admiração e da apreciação de
sua forma mais comum, está inserida na educação e serve de inspiração para diversas outras práticas.

4. Considerações finais
A prática musical do Samba de Cacete vai além dos aspectos sonoros. Estes estão relacionados com
outras expressões artísticas, e são influenciados por questões religiosas, econômicas, politicas e sociais do
contexto cultural onde se insere. Neste contexto, a prática musical é um processo de significado social
importante nas rodas. Os processos de aquisição, aprendizagem e construção de conhecimento acontecem
socialmente, por meio da participação, sendo perceptível a interação entre os sujeitos envolvidos.
A música neste contexto possui um significado simbólico que fornece explicações sobre como o
grupo pensa a si próprio e o mundo que o rodeia. Assim, as idéias e conceitos expressos musicalmente só
podem ser interpretados de acordo com o sistema cultural no qual está inserida a prática musical. Esta foi
considerada:

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Como um processo de significado social, capaz de gerar estruturas que vão além de
seus aspectos meramente sonoros, embora estes também tenham um papel
importante na sua constituição [...]. A execução, com seus diferentes elementos
(participantes, interpretação, comunicação corporal, elementos acústicos, texto e
significados diversos) seria uma maneira de viver experiências no grupo. Assim,
suas origens principais têm uma raiz social dada dentro das forças em ação dentro
do grupo, mais do que criadas no próprio âmago da atividade musical. Isto é, a
sociedade como um todo é que definirá o que é música. A definição do que é música
toma um caráter especialmente ideológico. A música será então um equilíbrio
entre um "campo" de possibilidades dadas socialmente e uma ação individual, ou
subjetiva. (CHADA, 2007, p. 127).

A aprendizagem musical acontece de maneira “natural” nas rodas, relacionada ao prazer de


participar de uma brincadeira coletiva, em que a percepção musical e corporal é adquirida e desenvolvida
através da prática e da participação nos ensaios e apresentações, tendo por base processos de imitação e
experimentação. A transmissão de conhecimentos é feita oralmente durante os ensaios e apresentações. A
prática musical contribuindo, ainda, para a integração dos componentes, estreitando laços de amizade entre
os participantes.
Diante das minhas inquietações, pude constatar que o Samba de Cacete é uma prática que vem
resistindo e se renovando a cada dia no município cametaense, retratando, através de suas canções e sua
prática, experiências de vida que enaltecem e colaboram de forma significativa com a cultura e com a
sociedade local.

Referências

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Tomásia, Cametá (PA). Belém, 2000. 118f. Dissertação (Mestrado em Planejamento de Desenvolvimento -
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educação afrocametaense. Fortaleza, 2015. 77f. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará,
Programa de Pós-Graduação em Educação, Fortaleza, 2015.

CHADA, Sônia. Caminhos e fronteiras da etnomusicologia. Belém: PAKA-TATU, 2011. 216 p. (Musica e
identidade na Amazônia – GPMA, Vol.2. Líliam Cristina da Silva Barros e Paulo Murilo Guerreiro do Amaral).

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LUDKE, Andre. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

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MATOS, Charles. Batuques amazônicos: ritmos do folclore amazônico adaptados à bateria. Charles Matos.
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PINTO, Benedita Celeste de Moraes. Nas Veredas da Sobrevivência: memória, gênero e símbolos de poder
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RODRIGUES, Doriedson do Socorro. Marcadores Convencionais: Um estudo sobre os Marcadores “Parente”


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SALLES, Vicente. O Negro no Pará, sob o regime da escravidão. Belém, Univ. Federal do Pará, 1971.

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Sociografia Musical de um Bairro com Alto Padrão Sócio-Econômico de Belém-PA e


Sua Tendência de Globalização Cultural

José Alexandre Rodrigues de Lemos


alexandre.lemos@me.com
Universidade Federal do Pará

Alerson César Oliveira Santiago


alerson.santiago@gmail.com
Universidade Federal do Pará

CássioVilacorta Alves
cassio.vilacorta@live.com
Universidade Federal do Pará

Leonardo Mateus Pratagy Pinto


leopratagy@gmail.com
Universidade Federal do Pará

Lucas Ferreira da Silva


lfdsof@gmail.com
Universidade Federal do Pará

Ricardo Marreira Vidal


vidalzinho_111@hotmail.com
Universidade Federal do Pará

Sônia Maria Moraes Chada


sonchada@gmail.com
Universidade Federal do Pará

Resumo: A prática musical regional tradicional vem se tornando cada vez mais
esquecida na proporção do crescimento econômico e globalização das culturas
ocidentais. Este trabalho teve como objetivo, mapear as práticas musicais do bairro
do Reduto em Belém-PA, cujos resultados revelaram que sua prática musical
corresponde à globalização cultural com 39% rock e pop como prática musical,
seguido 33% de jazz/bossa/MPB, ficando a música tradicional paraense
representada por apenas 6% da prática musical do bairro. Estes resultados revelam
que o bairro do Reduto representa muito pouco a cultura musical brasileira e muito
menos a cultural musical paraense, demonstrando forte tendência à globalização
cultural.
Palavras-chave: Música tradicional paraense. Globalização cultural. Sociografia
musical.
Abstract: The traditional regional musical practice is becoming increasingly
forgotten in the proportion of economic growth and globalization of Western
cultures. This study aimed, map the musical practices of Reduto neighborhood in
Belém-PA. The results showed that the musical practice trends to become global
culture with 39% of rock and pop style as a musical practice, followed by 33% of
jazz/bossa/MPB, while the traditional music of Pará is represented by only 6% of
the musical practice. These results reveal that the Reduto neighborhood can’t
represent brazilian musical culture, and much less the music culture of Pará,
showing a strong tendency to cultural globalization..
Keywords: Traditional music of Pará. Global culture. Musical Sociographic.

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1. Introdução e Metodologia
A música no campo da sociologia está ligada à prática de sociabilidade nos grupos familiares, nas
escolas, nas igrejas e na comunidade de uma forma geral, sendo a música um objeto que combina aspectos
técnicos, sociais, culturais e econômicos (Green, 2000).
No Pará, os estilos musicais tradicionais compreedem o Carimbó, Guitarrada e Lambada, Lundu
Marajoara e Siriá. Estes estilos musicais têm como marcante as características sociais, geográficas e culturais
das pequenas cidades, as quais possuem atividades agregadoras nos grupos sociais, enquanto que nas
sociedades globalizadas tentam separar, além de estimular em cada indivíduo a vontade delimitar espaço e
manter distâncias (Bozon, 2000).
Sendo o Bairro do Reduto um bairro de alto padrão econômico com tendência de cultura globalizada,
é esperada uma cultura musical pouco regional e socialmente pouco integrativa. Este trabalho foi proposto
e orientado pela Professora Sônia Chada durante suas aulas na disciplina Sociologia da Música, o qual teve
como objetivo mapear as práticas musicais no bairro do Reduto em Belém-PA e definir a sua identidade
musical.
Foram anotados de forma qualitativa, através de formulário, os locais aonde ocorriam práticas
musicais os quais foram obtidas informações sobre músicos, produtores musicais e líderes conjuntos
musicais, estilos musicais, repertório, público.
Foi escolhido o bairro do Reduto circudado pela Travessa Rui barbosa, Avenida Senador Lemos,
Travessa Dom Romualdo de Seixas e Rua Boa Ventura da Silva.
Foi utilizado o Aplicativo Maps versão 2.0 (1906.47.0.1) para localização geográfica e delimitação de
área do estudo, a qual foi distribuída entre os 6 discentes do grupo.
Os dados foram coletados pela busca de estabelecimentos comerciais de música e entretenimento
pela observação em campo e obtenção de informações gerais sobre as atividades musicais. Após a busca em
campo, foi escolhido um estabelecimento por cada discente em sua área para entrevista detalhada sobre as
práticas musicais.
A entrevista foi baseada em abordagem qualitativa social da realiadade musical do estabelecimento.
As informações foram obtidas através do seguinte roteiro: Identificação das bandas e artistas; identificação
do(s) lider(es) da banda ou do mestre(s); estilo(s) musical(is); público; motivação do local (caráter
educacional, entretenimento, protesto, etc...); alguma banda ou músico de projeção (local, regional ou
nacional) foi revelado neste local.

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2. Resultados e Discussão
Foram pesquisados 33 estabelecimentos (Tabela 1) no bairro do Reduto, dos quais 20 (66%)
acontecem práticas musicais e 10 (34%) apenas música mecânica (Figura 1).

Figura 1: Distribuição da forma de execução musical nos 33 estabelecimentos pesquisados.

Tabela 1: Locais de práticas musicais em 33 estabelecimentos pesquisados.


Estabelecimento Endereço Tipo Prática Estilo Público
Tatoo Park Av. Almirante Wandenkolk Recreção Mecânica Infantil Infantil
Alibabá Belém Rua Bernal do Couto, 240 Restaurante Mecânica MPB Adulto
Black Dog English Pub Rua Bernal do Couto Cervejaria Ao vivo MPB/Bossa/Jazz Adulto/jovem
Casa da Musica SESC Travessa Quintino Bocaiúva Escola de música Ao vivo MPB/Bossa/Jazz Adulto/jovem
D'O Pará - Bar, Restaurante, Lanche e Bilhar Av. Senador Lemos, 102 Restaurante Mecânica MPB Adulto
Escola de Danças Clara Pinto Travessa Dom Romualdo de Seixas, 847 Escola de dança Mecânica MPB/Clássico Jovem
Escola de Teatro e Dança da UFPA Travessa Dom Romualdo de Seixas, 820 Escola de dança Mecânica MPB/Clássico Adulto/jovem
Espetaria Bar e Restaurante Av. Almirante Wandenkolk, 731 Restaurante Ao vivo MPB/Bossa/Jazz Adulto/jovem
Malícia Travessa Rui Barbosa, 375 Happy hour Mecânica MPB/Bossa/Jazz LGBT
Mixtura Pai D’égua Av: Senador lemos, 242 Lj 02 Restaurante Mecânica MPB Adulto
Picanha & Cia Av. Almirante Wandenkolk Restaurante Mecânica MPB Adulto
Porpino Burger Rua Cônego Jerônimo Pimentel, 242 Restaurante Mecânica MPB Adulto
Roxy Bar Avenida Senador Lemos, 231 Restaurante Mecânica MPB Adulto
Sol Informática Av. Doca Visconde de Souza Franco, Hall Ao vivo MPB/Bossa/Jazz Adulto/jovem
Tutto Restaurante e Lounge Bar 1122
Travessa Rui Barbosa, 819 Restaurante Ao vivo MPB Adulto
Vegas Poker Club Rua Boa Ventura da Silva, 414 Happy hour Ao vivo MPB Adulto
Zé Do Espeto Av. Almirante Wandenkolk, 284 Restaurante Mecânica MPB Adulto
Academia de Música e Tecnologia Travessa Rui Barbosa, 607 Escola de música Ao vivo Pop/Rock Jovem
Bar Devassa Rua Antônio Barreto, 251 Cervejaria Ao vivo Pop/Rock Adulto/jovem
Baronesa Av. Almirante Wandenkolk, 727 Bar Ao vivo Pop/Rock Adulto/jovem
Baviera Boutique Bar Rua Bernal do Couto Restaurante Ao vivo Pop/Rock Adulto/jovem
Eco Sushi Lounge Av. Almirante Wandenkolk Happy hour Ao vivo Pop/Rock Adulto/jovem
Greco Forma Av. Almirante Wandenkolk, 275 Academia Mecânica Pop/Rock Adulto/jovem
Kings Gastro Pub Rua Diogo Móia Restaurante Ao vivo Pop/Rock Adulto/jovem
Old School Rock Bar Rua Antônio Barreto Happy hour Ao vivo Pop/Rock Adulto/jovem
Sahara Lounge e Bar Av. Senador Lemos, 26 Restaurante Mecânica Pop Adulto
Sir Black Av. Almirante Wandenkolk Happy hour Ao vivo Pop/Rock Adulto/jovem
Belém Sport Bar Rua Antônio Barreto, 287 Bar Ao vivo Samba Adulto/jovem
Boteco Modesto Avenida Senador Lemos, 222 Restaurante Ao vivo Sertanejo Adulto
Igreja Pentecostal Deus É Amor Av. Almirante Wandenkolk, 284 Igreja Ao vivo Religioso Adulto/jovem
Império do Samba Quem São Eles Av. Almirante Wandenkolk, 680 Escola de samba Ao vivo Samba Adulto/jovem
Maricotinha Rua Domingos Marreiros, 279 Bar Ao vivo Sertanejo Adulto/jovem
Templários Rua 28 de Setembro, 1155 Restaurante Ao vivo Regional Adulto/jovem

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Quanto à prática dos estilos musicais, foi observada a predominância do Rock/Pop com 39% seguido
da MPB, Jazz e Bossa Nova com 33%. Estilos mais populares como Samba, pagode e sertanejo somaram
juntos apenas 22% da prática musical nesse bairro (Figura 2).

Figura 2: Distribuição dos estilos musicais com execução musical ao vivo.

A música regional paraense foi encontrada em um único estabelecimento, o Templários, aonde se


apresenta o guitarrista Félix Robatto com o estilo paraense guitarradas em um evento especial chamado
Quintarradas.
O bairro do Reduto é caracterizado por edificações predominantemente de prédios com mais de 15
andares alto padrão, o que caracteriza um bairro com moradores de padrão financeiro médio e alto. A prática
musical do Bairro do Reduto conta com 72% de estilos como Rock, Pop, MBB, Jazz e Bossa Nova, o que nos
leva a crer que estes estilos podem estar relacionados ao padrão financeiro do bairro, visto que estilos
considerados populares como samba/pagode e sertanejo soma apenas 22% da prática musical do bairro. Dos
33 estabelecimentos pesquisados no bairro, apenas um acontecia uma prática musical paraense, entretanto
isto seria um esforço da direção do Templários, de resgate cultural paraense e não uma manifestação
espontânea.
Assim, o bairro do Reduto não é uma referência da cultura brasileira, muito menos da cultura
paraense, mas sim um lugar de cultura globalizada em que um novaiorquino não se sentiria fora de casa. Esta
breve pesquisa revelou uma possível associação do poder econômico com estilos musicais como o Rock/Pop
e Jazz, ficando a musica tradicional paraense passível de ser encontrada em bairros menos favorecidos
economicamente ou no interior do Estado, ou ainda em festivais folclóricos induzidos e promovidos pela
Academia e/ou pelas Secretarias de Cultura. Portanto, o bairro do Reduto dá indicativos que é provável que
exista um grande hiato na cultura musical paraense, em que existe dois extremos, um dos apreciadores

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representados pelas camadas menos favorecidas economicamente e outro representado por intelectuais
que reconhecem e valorizam o legado cultural.

Referências

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174, 2000.

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(Org.). Musique et sociologie: enjeux méthodologiques et approches empiriques. Paris: L’Harmattan, p. 17-
40, 2000.

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SOUZA, J. Música, educação e vida cotidiana: apontamentos de uma sociografia musical. Educar em Revista,
v. 53, p 91-111, 2014.

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O Regionalismo santareno nas obras vocais para coral do maestro Wilson Fonseca

Monique Melo Marinho da Paixão


moniquemarinho_@hotmail.com
Universidade do Estado do Pará

Lucília Maria Pereira Mota


luciliamusic@gmail.com
Universidade do Estado do Pará

Resumo: Considerando a magnificência da Obra Musical de Wilson Fonseca,


apresenta-se como problemática: quais elementos do regionalismo santareno
foram utilizados por Wilson Fonseca em suas obras vocais para coral. Como
objetivo geral, constatar os elementos do regionalismo santareno inclusos nas
obras para coral de Wilson Fonseca. Tal método de investigação se deu através da
pesquisa exploratória, valendo-se da técnica de entrevista semiestruturada.
Partindo das análises realizadas, constatou-se que o regionalismo santareno é o
principal elemento destacado por Wilson Fonseca nas suas obras vocais para coral.
Palavras-chave: obra musical. regionalismo. vocal. coral.

Abstract: Considering the magnificence of Musical Work of Wilson Fonseca, is


presented as problematic: what elements of santareno regionalism were used by
Wilson Fonseca in his vocal works for choir. As a general purpose note the
santareno regionalism elements included in the works for coral Wilson Fonseca.
This research method was through exploratory research, using semi-structured
interview technique. From the analyzes it was found that the santareno regionalism
is the main element highlighted by Wilson Fonseca on his vocal works for choir.
Keywords: musical work. regionalism. vocal. choral.

Wilson Dias da Fonseca


Wilson Dias da Fonseca, carinhosamente conhecido como “Maestro Izoca1”, foi um talento de grande
expressividade para a Amazônia. Nasceu em Santarém do Pará no dia 17 de novembro de 1912 e faleceu em
Belém do Pará em 24 de março de 2002, aos 89 anos de idade. Filho de José Agostinho da Fonseca (1886-
1945) e de Anna Dias da Fonseca (1886- 1971). Foi casado por 61 anos com Rosilda Malheiros da Fonseca
(1918-2009), a quem chamava de sua “Musa Inspiradora” e com quem teve seis filhos. Segundo Fonseca
(2012, p.249), “a maioria de seus filhos é dedicada à música”.
Em Fonseca (1992, p. 2), consta que “Wilson Fonseca foi pai de família, escritor, pesquisador, poeta,
cinéfilo, professor de música, historiador, maestro, organista, pianista, bancário, compositor e membro da
Academia Paraense de Música (cadeira n°24) bem como da Academia Paraense de Letras (cadeira n° 7)”.

1
“Maestro Izoca”- Apelido dado pelo seu próprio pai, na infância. Ele dizia que é diminutivo de Wilson (FONSECA,
1992, p. 2).
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Wilson Fonseca hoje é considerado imortal pelo singular exemplo de homem íntegro que foi durante
sua vida e sua excelência musical, pois foi um grande incentivador da difusão da cultura e do folclore da
Amazônia. “A terra em que nasceu inevitavelmente influenciou seu temperamento” Fonseca (1992, p. 16).
Sua trajetória musical iniciou-se no ano de 1920 com o estudo de teoria musical e piano, através de seu pai
José Agostinho da Fonseca, que até então na época era o primeiro e único compositor em Santarém, segundo
o próprio maestro em um depoimento concedido numa entrevista:

Sim, a música em termos de composição (partitura), que Santarém sempre foi uma
cidade musical de muitos anos. Bates2 quando chegou aqui já observava isso. É que
eles tinham música, mas não compositores, naquela época para compor era um
pouco..., hoje é mais fácil, a pessoa pega um violão e compõe a música. O
compositor tinha que passar a música para o papel e não se encontrou nada
registrado em papel que se desse como composição nascida em Santarém. (SENA,
2012, p. 34).

Seu primeiro instrumento de banda foi o ferrinho, instrumento esse chamado de triângulo no naipe
de percussão3, e, aos 13 anos de idade, teve a oportunidade de aprender diversos instrumentos musicais de
sopro e de cordas na Escola de Música do Colégio São Francisco, onde desenvolveu habilidade na requinta,
em seguida, clarinete e saxofone. Como pianista, foi o titular de um quarteto composto por piano, violino,
flauta e contrabaixo que atuava nos cinemas de Santarém “Vitória” e “Olímpia”, quando as cenas dos filmes
eram de cinema mudo.
Em 1930, Wilson Fonseca já era destaque na música em Santarém. Nesse ano, ele era membro do
conjunto musical “Euterpe-Jazz4” como saxofonista e pianista. Para ele, a Banda de Música era um dos
principais veículos de expressão da sua música. É nesse período que o maestro assume a direção e regência
do conjunto, pois seu pai José Agostinho da Fonseca, que era o dirigente, já apresentava problemas de saúde.
Segundo Salles (1981, p. 40), “o maestro que na época tinha pouco mais de 20 anos precisou assumir outras
atividades que outrora eram desenvolvidas por seu pai, quando o mesmo precisou afastar-se em 1936 com
a saúde abalada, inclusive como compositor”.
No ano seguinte, Wilson Fonseca estreia como compositor, seguindo os passos do pai. Sua primeira
composição é a valsa para piano “Beatrice”, música que dedicou a sua sobrinha. A peça foi criada para
sonorização de um filme, na época do cinema mudo, cuja sincronia era feita por Izoca, em Santarém

2
Bates- Cientista inglês que sentiu nos moradores de Santarém pretensões à civilização e o gosto pela música
(FONSECA, 2006, p. 674).
3
Instrumento de Percussão, nome genérico que designa os instrumentos da orquestra que se tira o som batendo;
compreende principalmente os timbales, o bumbo, os pratos, o triângulo, bem como o vibrafone, os sinos e o xilofone,
entre outros.
4
“Euterpe- Jazz”- Conjunto criado por e dirigido por seu pai José Agostinho da Fonseca.
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(FONSECA, 2007, p. 11). Hoje, o maestro Izoca é reconhecido como o maior compositor do município de
Santarém de todos os tempos e o menestrel que imortalizou a “Pérola do Tapajós5”.
No ano de 1936, o Maestro Wilson Fonseca inicia sua experiência em composições vocais. Fonseca
(2006, p. 1434) salienta que “nessa primeira tentativa de compor obras vocais, surge a música do gênero
sacro denominada Ladainha n°1”. Após compor essa Ladainha, produz vários hinos religiosos e uma Ave
Maria em latim e colabora com o movimento coral que os marianos vinham desenvolvendo em Santarém”.
A partir desse período, Salles (1981, p. 42) afirma que “Wilson Fonseca passa a compor diversas obras
e em diversos gêneros e estilos que totalizam mais de 1600 composições”, todas escritas, catalogadas e
organizadas em 20 Volumes por ele mesmo.
Muitas dessas músicas consagraram o maestro Wilson Fonseca em sua carreira musical como um dos
mais importantes compositores do Pará. Fonseca (2007, p. 137) destaca que “Wilson Fonseca não precisou
sair de sua cidade natal para se consagrar como um dos mais importantes compositores do Pará. O que sabe
é herança paterna, fruto de muito estudo e trabalho”.
Durante longo período, acerca de 20 anos, o Maestro Wilson Fonseca desenvolveu diversas
atividades musicais e profissionais. Fonseca (2012, p. 29) afirma que “diversas obras de Wilson Fonseca foram
executadas por diversos artistas e grupos de todo o país como gravação de discos, apresentações de suas
composições em teatros importantes como o Theatro da Paz".
Aos 65 anos de idade, o maestro Wilson Fonseca lança o primeiro exemplar de suas Obras Musicais,
como presente do Governador do Estado do Pará daquele ano, Aloysio da Costa Chaves. Em junho de 1983,
lança uma coletânea intitulada “Santarém Brincando de Roda”. Em 1978, Wilson Fonseca recebeu medalha
de Honra ao Mérito como homenagem pela Ordem dos Músicos do Brasil e Prefeitura Municipal de Belém.
Após sua morte, ocorrida em 26 de março de 2002, e inúmeras homenagens recebidas pela família
tanto em Santarém como em Belém do Pará por diversos órgãos públicos, privados, e até mesmo pelo
Congresso Nacional.

A música vocal para coral do maestro Wilson Fonseca


Música Vocal é o tipo de música que pode ser cantado por um solista ou por um grupo vocal, à capela
ou com acompanhamento instrumental. Segundo Jacob (1995, p. 18), “a música vocal nem sempre foi assim.
Antigamente, as pessoas só cantavam. Esse cantar se dava no modo uníssono, e esse tipo de música vocal
era conhecido pelo nome de canto gregoriano ou cantochão”.

5
“Perola do Tapajós”- Nome que Wilson Fonseca definia sua cidade natal, Santarém do Pará. Expressão poética que
denomina Santarém como a pérola do rio Tapajós (FONSECA, 2006, p. 723).
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Moraes (2013) afirma que “a Música Vocal existe desde os primórdios da humanidade onde o homem
através do canto engrandecia os deuses, atraia sua própria caça e a mulher para o ato sexual”, com o passar
dos tempos, essa música foi tornando-se comum nas culturas e civilizações.

Na música vocal, também existe o cantochão, que é o canto litúrgico do início da


cristandade, com ritmo caracteristicamente prosódico e texto em latim. Houve
uma grande produção de música vocal para solista e um instrumento
acompanhante, exatamente igual à produção que hoje em dia se toca nas rádios e
televisões. Todos os compositores escreveram peças vocais para coro,
independente de sua condição para diversos usos como: teatro, óperas, peças
instrumentais e sinfônicas. (MORAES, 2013).

Foi a partir desse tipo de música vocal que passou a existir a polifonia6. Segundo Coelho (2006, p.19),
“após o aparecimento das variações do cantochão, um segundo grupo passou a cantar a música em outra
tonalidade, passando, assim, a existir duas vozes distintas em uma mesma música” e, posteriormente, entre
os anos 1150 e 1300, surgiram músicas em três ou quatro vozes com melodias diferentes e simultâneas.
Wilson Dias da Fonseca é dono de um grande acervo musical, trata-se de mais de mil composições,
sendo que muitas delas são de caráter vocal, que compreende desde o canto solo até o coral misto.
Segundo Azulay (2012, p. 21) “o maestro Wilson Fonseca compôs sempre para as necessidades mais
imediatas dos grupos vocais em que ele criava e participava”. As músicas vocais do maestro Wilson Fonseca
são de origem simples e de sadio regionalismo7. Segundo Fonseca (2012, p. 161) verifica-se que “as peças de
Wilson Fonseca destinada a coral, sobretudo aquelas executadas pelos corais de Santarém, não são de difícil
execução, pois suas criações costumam fluir sem maiores complicações”, o que traduz a preocupação de
Izoca com o trabalho dos conjuntos, além da receptividade da comunidade chamada por ele de autênticos
“conservatórios populares”.
Diante da vasta obra musical de Wilson Fonseca, constatou-se que suas composições vocais são
bastante ecléticas, pois existem composições em diferentes gêneros, estilos e idiomas para coro uníssono, a
duas, três, quatro e cinco vozes, cânones8, bocca chiusa9, acompanhamentos variados, como piano, órgão,
orquestra, bandas de música. Segundo Fonseca (2012), “o maestro Izoca compôs obras para piano, coral,

6
Polifonia- Termo musical utilizado para designar várias melodias que se desenvolvem independentemente.
7
Regionalismo- Movimento literário que se caracteriza pela recreação ficcional ou poética da linguagem, da ambiência
e dos tipos de humanos de uma região (ITAÚ, 2013).
8
Cânone- É uma composição a duas ou mais vozes entoando uma mesma melodia, que se caracteriza por essas vozes
serem entoadas defasadas no tempo.
9
Bocca Chiusa- É um termo italiano que significa cantar com a boca fechada, transferindo a ressonância para a região
nasal. É uma técnica usada em vocalizes pelos coros.
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música sacra (inclusive missas), de câmara, para bandas (especialmente dobrados), peças sinfônicas e uma
ópera amazônica”.
Wilson Fonseca tinha uma forte ligação com a cultura e com o folclore da região, suas obras são
repletas desses elementos. Diante disso, torna-se importante ressaltar que a música folclórica é o conjunto
de canções tradicionais de um povo. É através dela que o povo registra suas crenças, mitos, ritos e costumes,
em forma de cantos religiosos ou seresteiros, como fosse sua identidade. Araújo (1973, p. 118) descreve que
“a música folclórica é conservada no escrínio da alma do povo. Foi aceita por este porque se afinou
espontaneamente com o seu sentir, pensar, agir e reagir”. Nasceu do povo e é para o povo, e esse a utiliza
porque ela tem uma destinação certa.
A música folclórica é feita para uma coletividade em massa, ou seja, um povo, onde diferente da
música popularesca, que existe para fins comerciais, é o tipo de música que retrata diretamente a realidade
de um modo de vida e de culturas, onde ela se origina. No livro Cultura Popular Brasileira, Alceu Araújo (1973,
p. 118) enfatiza um pensamento de Mário de Andrade sobre a música folclórica, para que não houvesse
confusão com a música popularesca: “Em função da moda, logo que esta passa, só o arquivo as guarda”.

Música Folclórica é o conjunto de canções tradicionais de um povo. Tratam de


quase todos os tipos de atividades humanas e muitas dessas canções expressam
crenças religiosas ou políticas de um povo ou descrevem sua história. A melodia e
a letra de uma canção folclórica podem sofrer modificações no decorrer de um
tempo, pois normalmente passam de geração em geração. Os principais tipos de
música folclórica são as canções para dançar, as lendárias e as canções de danças e
jogos infantis. (SOTERO, 2013).

Nesse contexto, Sotero (2013) afirma que “a música folclórica está presente em quase todas as
manifestações populares”. A serenata, coreto, cantigas de rixa, bendito, cantigas de cego, cantos de velório
e cânticos para as almas são formas de músicas folclóricas. As canções para dançar são provavelmente o tipo
mais antigo de música folclórica.
A Música Folclórica, que deriva da palavra Folclore10, termo usado para caracterizar as manifestações
culturais espontâneas de um povo, é uma dos tipos de manifestações folclóricas da Amazônia, que é utilizado
pelo povo. Segundo Fonseca (2002, p. 7), “no que tange a música, essas manifestações são espontâneas e
populares”.
Em Santarém, o panorama geral do folclore revela grande riqueza, variedade e beleza nos eventos
folclóricos. Segundo Loureiro (1987, p. 72), “um fator extremamente positivo do folclore santareno é a

10
Folclore- Ciência que estuda a cultura tradicional e popular em todas as suas feições e modalidades (FONSECA,
2002, p. 7).
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intensa admiração que o povo a ele tem e dedica”, e que é uma decorrência clara do cativante nativismo
local.
O Maestro Wilson Fonseca foi um grande incentivador da cultura e do folclore na Amazônia, pois
contemplou em diversas obras, elementos folclóricos de Santarém como a culinária, as belezas naturais, os
costumes, as crenças, as lendas, a religião, a sociedade, dentre outros.
A obra vocal do maestro Wilson Fonseca transcende escolas ou movimentos, pois, em suas
produções, ele preferiu manter a autenticidade e a independência de seu próprio estilo.

O regionalismo santareno na obra vocal para coral do maestro Wilson Fonseca


O maestro Wilson Fonseca que “entre peixes, sonhos e homens de uma Amazônia tão falada e pouco
conhecida, viveu na longínqua Santarém, encravada no meio da floresta e banhada pelo rio Tapajós” (JACOB,
1995, p. 5) brincou de ser compositor da maneira mais singela, porém, rica e significativa ao povo, que já se
ouviu falar na região, tentando compreendê-la sem ter que se afastar dela. Nesse contexto, o saudoso
maestro Izoca foi um homem que, agraciado pelo dom da música, descreveu sua terra, Santarém, em mais
de mil produções musicais.
Contente em compreender o sentido da importância de ser mocorongo, Wilson Fonseca colecionou
e lapidou as histórias que o vento o trazia com música, as histórias simples e antigas de Santarém e da vida
na região em partituras de extrema singeleza que o tornaram maestro imortal na arte de compor.
Wilson Fonseca era um homem apaixonado por sua terra, ele soube, com louvor, cantar e tocar as
belezas de Santarém. Segundo Pará (2013), o “compositor escreveu obras populares em diversos gêneros
exaltando a riqueza da cidade como o foram produzidas inconscientemente com a música que vem do
sentimento da alma, e que, portanto, caracteriza sua obra e a torna inconfundível”.
Segundo Rama (1975, p. 79), o regionalismo tornou-se ponte entre a modernidade e a tradição,
revitalizando formas esclerosadas da literatura oral, trazendo elementos folclóricos, representações de
etnias, de raças e diversidades culturais.
Sabe-se que o regionalismo é a junção de vários seguimentos culturais que transcendem a linguagem
do povo. Nesse modo, a presença da cultura santarena, ou melhor, do regionalismo santareno, como as
praias, a comida, os costumes a natureza, são elementos forte nas composições vocais de Wilson Fonseca,
principalmente no que se refere à valorização e à preservação da tradição do povo.
Todos os elementos do regionalismo santareno que Izoca inseriu em suas composições vocais para
coral demonstram que sua fórmula em compô-las não está dentro dos padrões mundiais, porém, foram
produzidas inconscientemente com a música que vem do sentimento da alma, e que, portanto, caracteriza
sua obra e a torna inconfundível.

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João Paes Loureiro faz uma análise interessante da importância dessa atmosfera cultural do
regionalismo, ao dizer:

A cultura regional talvez represente uma das mais raras permanências dessa
atmosfera espiritual em que o estético, resultante de uma singular relação entre o
homem e a natureza, reflete e ilumina a cultura. Cultura que continua sendo, como
uma luz aurática brilhando, que persistirá enquanto as chamas das queimadas das
florestas, provocadas pelas novas empresas que se instalam, com a entrada do
grande capital na região e a mudança das relações entre si, não destruírem,
irremediavelmente, o lócus que possibilita essa atitude poética estatizante ainda
presente nas vastidões das terras do sem fim amazônico. (LOUREIRO, 2000, p. 65).

Ao analisar as partituras para coral do maestro Izoca, Fonseca (1992, p. 17) adverte que “sua música
está entranhada de farto lirismo, que seu gênero inventivo é essencialmente tonal”. Como o maestro não
produzia para especialistas, e sim para atender uma necessidade que os corais de Santarém tinham sobre a
prática coral, a supressão da tonalidade destituiu o centro da música, ou seja, as experiências com outros
sistemas composicionais não surtiram efeitos significativos em suas obras, portanto, é daí que nascem o ideal
e a decisão de compor músicas simples alheio a escolas e padrões. Os elementos regionais santarenos
predominam em sua Obra Musical.
Wilson Fonseca compõe com logicidade de construção. Suas produções são desenvolvidas em
constantes contrapontos, porém, não comprometem o desenvolvimento da melodia. Ele é um excêntrico
melodista. Fonseca (1992, p. 17) salienta que “há em sua música, a proporção de equilíbrio na fusão entre a
textura vertical (harmônica) e horizontal (polifônica) (...). Izoca não compõe músicas para malabaristas”.
Nesse sentido, suas produções não tinham grande dificuldade de execução, e o mais impressionante
é que mesmo com esse parecer composicional, suas obras vocais foram muito bem elaboradas, porém, o
virtuose concebido nessa questão vem a ser o próprio compositor, que demonstra claramente em Loureiro
(1987, p. 45) que “tem encontrado em sua música, o privilégio de expressar sua arte, de forte personalidade
e importância, na região”.
Minuciosamente, Izoca consegue transmitir, em suas obras vocais para coral, a mensagem que o
tema da composição aborda e a expectativa da música, bem como o equilíbrio das vozes contidas em seus
arranjos. É muito expressiva a presença de elementos do regionalismo santareno nessas produções.

Metodologia
O método utilizado para a pesquisa sobre o Regionalismo santareno nas obras vocais para coral do
maestro Wilson Fonseca foi a pesquisa exploratória, buscando uma resposta significativa para a problemática
do trabalho.

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A técnica mais adequada foi a utilização da pesquisa semiestruturada, permitindo que as entrevistas
fossem realizadas a partir de um roteiro para exploração do assunto e ainda possibilitou fazer perguntas
adicionais para compreensão da pesquisa explorada. Sendo assim, a amostragem desta pesquisa foi realizada
a partir do contato com duas pessoas que tiveram relações musicais diretas com o maestro Wilson Fonseca,
o que favoreceu obter resultados precisos a cerca do problema pesquisado. Desse modo, o único critério
estabelecido para a realização da pesquisa através da entrevista, que foi a técnica encontrada para
desenvolvê-la, seria a aceitação da participação. Desse modo, as pessoas que se propuseram a participar foi
um Maestro da cidade de Santarém que é filho de Wilson Fonseca e um magistrado (Desembargador Federal
do Trabalho) também filho do maestro Wilson Fonseca.
O procedimento de coleta de dados se deu através da escolha dos assuntos a serem pesquisados, a
fim de compreender a contextualização do referencial teórico com o projeto de pesquisa. Em seguida,
ocorreu contato através de telefone e e-mail com os participantes predispostos a colaborarem com a
pesquisa sobre o Regionalismo santareno nas obras vocais para coral do maestro Wilson Fonseca. Após esse
contato, construiu-se o roteiro de entrevista correspondente a cada assunto pertinente ao trabalho para a
fase de análise histórica. As entrevistas foram realizadas em momentos distintos, haja vista que um dos
participantes reside em Belém, e se aproveitou da sua estada em Santarém no período do mês de setembro
de 2013, já o outro participante prestou entrevista em outubro de 2013. Ambas as entrevistas aconteceram
nas dependências do Instituto Maestro Wilson Fonseca, de forma individual, gravadas em mp3 e tiveram a
duração de aproximadamente 15 minutos cada uma. Coletados os dados, passou-se a transcrever os áudios
da entrevista para assim realizar o procedimento de análise dos dados obtidos.

Análise e discussões
Considerando a fundamentação teórica que compõem este trabalho, foi através da investigação aqui
abordada que se fez possível obter resultados consistentes acerca da obra vocal do maestro Wilson Fonseca,
além de confirmar os elementos do regionalismo santareno que estão presentes em suas composições.
Wilson Fonseca foi um compositor da cidade de Santarém, pois aqui ele nasceu, cresceu e
desenvolveu seu talento musical, a arte de compor, além de constituir família e vínculo profissional. Seu amor
por Santarém sempre foi declarado. Nesse modo, ele externaliza tal afeição a sua terra através de sua Obra
Musical. Ao serem indagados com esta pergunta que evidencia a relação da cultura de Santarém com a obra
vocal de Wilson Fonseca, os entrevistados contribuem para esta análise diferindo opiniões, porém, ambos
possuem argumentos de grande relevância para este estudo.
De acordo com o entrevistado A:

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A influência dos aspectos culturais nas produções vocais de Wilson Fonseca se dá a


partir da valorização e da preservação da tradição do povo, haja vista que Wilson
Fonseca não se ateve em criar nada além do que já existia em Santarém, ele apenas
vivia, via e colocava às vezes em forma de verso e música a história de outras
pessoas (...).

Já o entrevistado B considera que:

Como homem e compositor de seu tempo e de seu meio, Wilson Fonseca (Maestro
Izoca), sofreu influência dos aspectos culturais não apenas de Santarém, como da
Amazônia, do Brasil e do Mundo, e que alheio a modismos ou escolas, jamais se
afastou das autênticas raízes nacionais, daí porque a sua música, impregnada de
sadio regionalismo, guarda a essência e as características da alma brasileira e, ao
mesmo tempo, possui uma dimensão universal, mesmo quando aborda as
manifestações folclóricas, a cadência sincopada do maxixe ou o ritmo inconfundível
do choro (...).

Os relatos acima expostos, que revelam as respostas dos entrevistados nesse primeiro momento da
coleta de dados, apontam que o maestro Wilson Fonseca se manteve fiel aos aspectos culturais de Santarém
como as belezas naturais, os costumes, os recantos pitorescos11, as crenças, a culinária, o folclore da região,
as artes e a tradição do povo, quando transformara a riqueza de sua cidade e tudo que compõe sua cultura,
em música. Wilson Fonseca se dispôs e se dedicou a registrar a história da cidade de Santarém por meio da
sua música. Ele catalogou as canções cantadas em Santarém desde o período de sua fundação, que outrora
deixaram de ser concebidas pelo povo, até suas últimas composições. Sua preocupação com a história
musical de Santarém, em que não desaparecesse da cultura da sua terra com o tempo, foi imensurável.
É pertinente informar que o maestro Wilson Fonseca engrandeceu diversos motivos, ou seja, temas
musicais em suas composições vocais. A melodia de suas produções vocais em conjunto com a rítmica da
letra e pulsação da música formam excelentes combinações dos parâmetros que compõem os padrões
estéticos da Música. Neste segundo questionamento, os entrevistados afirmaram que o maestro Wilson
Fonseca consegue engrandecer o belo da arte com simplicidade nas suas composições vocais para coral.
Vejamos a seguir os dados coletados pelo entrevistado A no que diz respeito a esta indagação:

Wilson Fonseca consegue expressar o belo da arte com simplicidade, um dos


exemplos que podemos citar que ele mesmo dizia que não entendia como sua a
música se tornou tão conhecida como a de Um poema de amor. E ele se
perguntava, porque o povo escolheu já que é muito simples? Bom, creio que por
ser belo.

11
Pitoresco- O termo entra para o vocabulário artístico no final do século XVIII para designar uma nova categoria
estética em relação à paisagem natural e representada, distinto do sublime (ITAÚ, 2013).
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Sobre esse aspecto, o entrevistado B revela que:

Dependendo das circunstâncias, Wilson Fonseca escreveu com muita simplicidade


desde obras para carnaval, pastorinhas e teatro, como também produziu peças
sacras, sinfônicas, de câmara e até uma ópera (...). O curioso é que, além de peças
dedicadas à sua esposa Rosilda– a musa inspiradora–, aos filhos, noras, netos,
sobrinhas, afilhadas e amigos, ele buscava engrandecer não só as belezas naturais
(praias, rios, recantos pitorescos etc.) e o folclore da região, como também as
pessoas com as quais convivia.

A simplicidade com a qual o maestro Izoca compunha suas músicas vocais resulta na produção de
lindas canções. Muitas delas são destaques em sua obra vocal, como por exemplo, segundo o entrevistado
B: “Minha Terra, Pratos Regionais, Terra Querida, Peixada na praia, Canção da Vera Paz, Amazônia, Feira
Santarena, Hino de Santarém, Pérola do Tapajós”, além de muitas outras composições que comprovam os
motivos que ele engrandeceu em suas produções.
Nesse sentido, Paraense (2013) informa que “Wilson Fonseca continuou a inspirar-se nas coisas da
terra e a compor obras, como Um poema de Amor, Lenda do Boto e Quando canta o Uirapuru, que o levaram
a ficar conhecido no Brasil e no mundo”.
Visto esses destaques da Obra Musical de Wilson Fonseca, observa-se, através de seus títulos, que
todas elas possuem motivos os quais o maestro costumava engrandecer nas suas obras vocais para coral, e
que estão baseados no regionalismo santareno, porém, não se isola nas limitações regionais.
Segundo o entrevistado B, outro motivo que lhe inspirava a compor era seu grande amor por sua
esposa Rosilda Fonseca.

Para as canções de amor, ele teve uma musa inspiradora que esteve ao seu lado a
vida inteira, a esposa Rosilda Malheiros da Fonseca, falecida em agosto do ano
passado. Ela foi aluna do curso de violino ministrado por seu pai. Paixão à primeira
vista, como dizem. Compôs para ela várias canções: “Perfume”, “Um lugarzinho
para você” e “Buquê de inspirações”, essa última publicada durante as bodas de
ouro do casal, reunindo fragmentos de várias outras composições dedicadas a ela
(PARÁ, 2013).

O maestro Wilson Fonseca buscou conhecer mais sobre as técnicas de composição além de
acompanhar a evolução da música no Brasil, considerando sua fidelidade aos aspectos culturais de Santarém,
presentes em suas produções musicais.
Por ser Santarém uma terra de grande fertilidade aos fenômenos da cultura como um todo, sendo
por sua vez foi uma das maiores inspirações de Wilson Fonseca no que se refere a sua vasta produção musical
para coral, abordaremos nesse item os elementos do regionalismo santareno que inspiraram o maestro
Wilson Fonseca em suas composições vocais. Nesta abordagem, os dados apontam que o maestro Izoca:

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Foi um artista identificado com a região em que viveu (interior da Amazônia). Muito
modesto e quase autodidata, é ainda praticamente desconhecido no resto do
Brasil, talvez por não se preocupar em seguir escolas ou movimentos, preferindo
manter a autenticidade e a independência de seu estilo próprio, como homem e
como compositor (Entrevistado B).

O que encanta os ilustres espectadores da música regional em Santarém são a música simples e as
imagens maravilhosas representadas pela música do maestro paraense. Trata-se dos elementos regionalismo
santareno que engloba os seguintes temas: as redes, as lendas, as praias, a coroa de areia, o pôr-do-sol, a
culinária (pratos típicos), a religião, os amigos, as datas comemorativas, os festejos, a família e o amor por
Santarém. Fonseca (1992, p. 27) salienta que “Wilson Fonseca compunha muita música de circunstância”.
Todos os elementos regionais acima citados foram motivos de inspiração para o maestro Wilson
Fonseca. Tanto que o entrevistado B revela um depoimento do maestro a cerca desse assunto:

Todas as minhas produções vocais tinham temas regionais, até porque a cidade era
praticamente isolada. Não havia, naquela época, telefone ou televisão, e os meios
de transporte eram precários. Por isso, tínhamos que criar, com respaldo em nossa
cultura, em nosso sentimento nativo, que é muito forte, e, de certo modo,
independente até mesmo de Belém ou Manaus, as capitais mais próximas. A
dimensão política dessa produção cultural é notável. Hoje, verifico que o
isolamento de outrora foi benéfico, porque nos obrigou a valorizar a nossa cultura
(...).

Para o entrevistado A, o elemento do regionalismo santareno que inspirou o maestro Wilson Fonseca
em suas composições vocais foi:

Santarém, tanto que dizia “Minha terra tão querida”, e se tornava algo tão pessoal
como “meu encanto minha vida”, ou seja, ele se identificava muito com sua terra
que conclui esta música com “Santarém do meu amor” Dessa forma, Wilson
Fonseca dedicava essas músicas para Santarém, para que, ao cantar-se, Santarém
fosse outra forma de mostrar para as pessoas os encantos e recantos que tem a
nossa cidade bem como uma forma de deixar instrumentos para que quem fosse
cantar, também através da música, descobrisse essa beleza que é Santarém.

Observa-se que os elementos do regionalismo santarenos, contidos nas obras vocais do maestro
Izoca, deve-se a sua ligação com sua terra. Além de todos esses elementos, a coleta de dados aponta que
muitas composições foram inspiradas em amigos, como se fosse uma forma que Wilson Fonseca encontrou
para presenteá-los. Segundo o entrevistado A:

Wilson Fonseca dizia que presenteava as pessoas com música. Algumas vezes ele
enaltecia a arte da música propriamente dita, outras vezes ele facilitava ou

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possibilitava que o intérprete pudesse ter contato com a arte da música sem que
lhe fosse exigido muito conhecimento e aprofundamento técnico, ou seja, que o
intérprete pudesse viver o “belo” da arte da música.

O entrevistado B, relata que:

Não raro, o presente de Izoca, nos aniversários de filhos, netos, sobrinhos, afilhados
e amigos, era uma composição musical. É o caso de Salete, dedicada à sobrinha
(filha de sua irmã Maria Annita); Maria Ivany, afilhada (filha de Ivan Toscano e neta
do tenor Joaquim Toscano); e Célia, afilhada (filha de Célia Waughan e também
neta de Joaquim Toscano) (...).

De acordo com Loureiro (1987), “um dos mais fortes traços do comportamento artístico de Santarém
é a musicalidade e que nenhuma outra parte do Pará possui um acervo tão variado de gêneros musicais
cultivados através dos tempos. Wilson Fonseca é a mais forte personalidade musical da região, o gênio
santareno encontrou, na arte musical, a sua forma privilegiada de expressão”.

Considerações finais
O presente trabalho abordou um pouco da Obra Musical de Wilson Fonseca, através do tema “O
Regionalismo santareno nas obras vocais para coral do maestro Wilson Fonseca”.
Esse tema ainda é bastante difícil de obter referências, em virtude do restrito acesso ao que se refere
à música vocal do Maestro Wilson Fonseca, consumar esta pesquisa é uma excelente oportunidade de
descobrir dados meritórios e significativos acerca da obra vocal do autor, que deixou um legado de canções
belíssimas que encanta não só ao povo santareno como também pessoas do mundo inteiro que por aqui
passam.
Ao concluir este trabalho, percebe-se a grande importância que essa Obra tem para a sociedade
santarena e para o patrimônio cultural de Santarém e região, considerando os elementos do regionalismo
santareno constatados nas obras vocais para coral. A grande sacada de Wilson Fonseca foi descrever sua
terra através de sua música, haja vista que foi isso que o consagrou compositor imortal.
Sabe-se, portanto, que o maestro engrandeceu diversos motivos em suas produções musicais,
porém, há nelas, uma predominância nos aspectos folclóricos da região, principalmente no que se refere às
belezas naturais, crendices e a outros temas por ele abordados. De acordo com os resultados obtidos ao
longo do desenvolvimento deste trabalho, viu-se que a amplitude de sua Obra Musical vocal para coral está
diretamente ligada à Santarém. Essas informações comprovam que a presença dos elementos do
regionalismo santareno em suas composições, cujas referências são escassas, porém, não obstruem a

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conclusão desta investigação, são pontos imprescindíveis nesta pesquisa, considerando o objetivo maior
desta pesquisa que é constatar a presença desses elementos nas suas obras vocais para coral.
Apreciar a música vocal para coral do maestro Wilson Fonseca é ir além das emoções e sensações
que a sua música transmite, pois ela abrange o gosto particular que canta e encanta a sociedade santarena.
Ouvir belas canções e suas respectivas interpretações, executadas com total tempero mocorongo pelo
músico santareno, faz o indivíduo sentir-se em casa, em terra firme. A música de Wilson Fonseca faz parte
da vida dos santarenos, ela transmite o belo da arte.

“Afora Santarém e a família, ele cultiva outra grande e nobre paixão na vida: a Música”.
(Emir Bemerguy)

Referências

AMORIM, Antônia Terezinha dos Santos. Santarém: Uma síntese histórica. Canoas: ULBRA, 1999.

ARAÚJO, Alceu Maynard. Cultura Popular Brasileira. São Paulo: 1973.

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Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará. Belém – Pará: 2012.

FONSECA, José Wilson Malheiros da. Recital dos 80 anos: Um ensaio sobre o perfil e a música de Wilson
Fonseca,1992.

FONSECA, Vicente José Malheiros. A vida e a obra de Wilson Fonseca (Maestro Izoca). Belém – Pará: 2012.

FONSECA, Wilde dias da. Santarém, Momentos históricos. Edição 5º, Santarém – Pará: 2007.

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A Música e o Candomblé Ketu: Instrumentação, Músicos e Toques

Natália Paixão
natpaixao@yahoo.com.br
SEDUC/UNAMA

Jefferson de Souza
jeferson.chagas@gmail.com
SEDUC/UNAMA

Marisa Mokarzel
marisamokarzel@globo.com
UNAMA

Resumo: O objetivo deste artigo é identificar a relação existente entre a música e


o Candomblé da nação Ketu. A pesquisa foi realizada nos anos de 2012 – 2016 no
Templo da Religião Africana Ilé Àsé Ìyá Ogunté, que está sob a liderança de Iya Ejité.
Trata-se de uma pesquisa etnográfica com uma abordagem hermenêutica que,
através da observação participante e do uso de entrevistas, procurou-se identificar
as possíveis relações entre a música e o Candomblé Ketu. Como suporte teórico,
foram utilizados os autores Geertz (1989), Cardoso (2006), Lühning (1990) e Chada
(2012). Como resultado, foi possível estabelecer uma relação holística entre a
música e o sagrado, onde esses sistemas culturais são interligados e
interdependentes.
Palavras-chave: Candomblé Ketu. Música. Sagrado.

Abstract: The purpose of this article is to identify the relationship between music
and the Candomblé of Ketu nation. The survey was conducted in the years 2012-
2016 in the Temple of Religion African Ilé Ásé Ìyá Ogunté, which is under the
leadership of Iya Ejité. This is an ethnographic research with a hermeneutic
approach, through participant observation and the use of interviews, we tried to
identify the possible links between music and Candomblé Ketu. As theoretical
support, the authors were used Geertz (1989), Cardoso (2006), Lühning (1990) and
Chada (2012). As a result, it was possible to establish a holistic relationship between
music and the sacred, where these cultural systems are interconnected and
interdependent.
Keywords: Candomblé Ketu. Music. Sacred.

1. Introdução
A música, considerada na Grécia antiga como a única arte pura, possui uma dimensão metafísica.
Para Lúcia Santaella (2001), entre as artes é a que tem caráter mais icônico, sua dimensão perceptiva está
totalmente presa às sensações, pois o som não é palpável e seu reino é o metafísico. Este artigo aborda uma
investigação das sensações provocadas por essa arte, que já foi classificada como a mais pura dentre as
estéticas, quiçá a que mais provoca a faculdade do sensível (KANT, 1993), pois é inerente a todas as
sociedades e a todas as épocas, por isso, talvez possua um caráter atemporal.

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Ao mesmo tempo em que é altamente icônica, a música comporta um forte caráter simbólico,
principalmente se for associada a outros aspectos sociais, uma vez que remete ao caráter simbólico de uma
sociedade. Para Sônia Chada,

A etnomusicologia compreende o estudo de música como muito mais do que o


estudo puramente do som musical, não se ocupa apenas do estudo da música, mas
também do ser humano que faz música. Assim sendo, são de fundamental
importância para esses estudos das relações dos elementos cognitivos e
socioculturais que determinem a relação da música com o seu contexto, a inserção
da música nas diferentes atividades e os múltiplos significados decorrentes dessa
interação (CHADA, 2012, p. 2).

Partindo desse princípio, acredita-se que a música, ao se correlacionar com o indivíduo que a produz,
transgredirá seu caráter icônico, podendo tornar-se um elemento simbólico de uma sociedade. Esta
transgressão do icônico ao simbólico encontra-se presente no contexto cultural e social na música do
Candomblé Ketu, onde esta, encontra-se ligada a tradição oral e, portanto, relacionando-se a transmissão da
memória e dos preceitos sagrados da religião.
No culto do candomblé, segundo Iya Ejité1 “O som é a primeira relação com o mundo, desde o ventre
materno, a música atua como elemento ordenador, que organiza a pessoa internamente. O som é o condutor
do Axé2 do Orixá3”. Dessa forma, todos inseridos no contexto do culto fazem música. Para Tat’etu Arabomi4,
“tudo começa e acaba com cânticos, porque para nós os cânticos são primordiais, a gente canta para morrer,
canta para nascer, (...), canta para dormir, tudo é cantado no Candomblé”.
Diversos estudos etnomusicológicos buscam delimitar a presença desta arte no culto do Candomblé,
este artigo que é decorrente de duas pesquisas de mestrado5, pretende nortear qual a relevância desta
música para o contexto social em que insere-se, como esta relaciona-se com o sagrado e com o culto dos
antepassados, onde centra-se o cerne desta religião, analisando o contexto sagrado e a estética musical do
Candomblé Ketu, a partir das festividades do Ilé Àsé Ìyá Ogunté6, em especial a dos Xires7, ou seja, as festas
públicas. Dispensou-se especial atenção a fundamental relevância da música para a referida sociedade, na

1 Líder do Ilé Àsé Ìyá Ogunté.


2 O axé possui diversas definições, é uma palavra utilizada para praticamente todo os momentos no culto, é
tudo de bom que Olorum – “Deus” – pode nos dar, é uma palavra mágica que também simboliza “um fio de um
telefone que leva e traz mensagens aos orixás”.
3 Ancestrais divinizados que são cultuados no candomblé.
4 Pai de Santo da nação Jejê – depoimento recolhido do livro Alimento: Direito Sagrado – capa traseira do livro.
5 As dissertações são: Ilé Àsé Ìyá Ogunté – A música e o sagrado no Candomblé Ketu de Natália Fernandes da Paixão e A dimensão estética da música
no Candomblé – uma análise dos instrumentos musicais utilizados no Rum de Iemanjá de Jefferson José Oliveira Chagas de Souza (em construção).
6 Templo de religião Africana localizado no Conjunto Júlia Seffer, rua 09, casa 26, bairro Águas Lindas, Ananindeua, Pará.
7 Xiré: Festa pública do candomblé.

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qual os sons tornam tão rico esse culto, a sua instrumentação, quem são os atores sociais que a produzem,
bem como seus processos de aquisição e de execução.

2. “A música é o candomblé”
Ao entrevistarmos Ìyá Ejité em 2012, questionamos a sacralidade da música no candomblé.
Queríamos saber qual era sua relevância para o culto, para aquela sociedade e de que maneira esta estrutura
estruturante8 estaria relacionada ao culto dos antepassados e ao sobrenatural, que são tão peculiares ao
senso comum9 dessa religião. Ìyá Ejité então nos respondeu que “a música é o Candomblé”. E, de fato, no
Candomblé a música, a reza, a evocação, são sinônimos, caminham lado a lado e são indissociáveis.
Bourdieu (2004) considera arte e religião como formas simbólicas e como tais as classifica como
estruturas estruturantes da cultura, justificando de certa forma a afirmação de Ìyá Ejité. Assim, se tanto arte
como a religião são formas simbólicas, ambas são símbolos plausíveis de fusão, uma vez que possuem a
mesma função social. Portanto, podem ter o mesmo significado, fundindo-se em um único símbolo. Tanto a
ideia de símbolo quanto a de significado permeiam o sagrado10, e no contexto do Candomblé, a partir da
afirmação de Ìyá Ejité, o símbolo, o sagrado e a religião fundem-se em único símbolo: o musical.
Sendo assim, propomos então que nos afastemos do pensamento cartesiano e adentremos no
holismo do Candomblé. Sob a luz de Geertz (1989), para podermos compreender esta fusão, devemos
perceber que a arte é a própria religião e, de acordo com Chada (2012, p. 3), “seus significados formais se
relacionam com um conteúdo e um significado simbólico remetendo a referentes exteriores, tais como a
organização social, mitos e rituais”.
Segundo Santaella (2001), a música deixa em parte seu caráter primordialmente icônico porque
trata-se de uma linguagem que está diretamente ligada à primeiridade, e o indicial ao culto, como nas
religiões de origem judaico-cristãos nas quais indicará os momentos de comunhão, homilia, pregação, entre
outros, e se tornará símbolo ao narrar o mito, gerando comunicação, mantendo a tradição e ultrapassando
o terreiro.
Em vista desta fusão entre arte e sagrado, na qual a música é o símbolo tal qual o símbolo é a música,
o sagrado e a arte geram a religião. A partir dessa perspectiva, aproximamo-nos conceitualmente de Geertz
(1989), visto que esse autor analisa o símbolo como elemento fundamental da religião. Geertz defende que
cultura e religião denotam o simbólico, destacando que “o homem é um animal amarrado a teias de

8
Bourdieu (1989) classifica a arte, tal como a religião e a língua (sistemas simbólicos) como formas estruturantes de um sistema cultural.
9
Ao citar senso comum me refiro ao sentido etnológico da expressão, no sentido do preconceito da sociedade brasileira acerca das religiões afro, e
não no sentido a que Geertz refere-se.
10
Ao referir-me ao sagrado, distancio-me do sentido do empregado por Durkheim, em que este é oposto e superior ao profano, visto que
nesta religião é muito difícil esta classificação, procuro nomear de sagrado todos os aspectos musicais ligados à religião e ao metafísico.

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significados que ele mesmo teceu, (...); portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas
como uma ciência interpretativa, à procura do significado” (GEERTZ, 1989, p. 10).
A afirmação de Iya Ejité de que a música é o cerne do candomblé, também pode ser ratificada nos
estudos e nas pesquisas de Ângela Luhning:

A música se torna o coração do candomblé, tanto nas festas públicas onde não há
orixá sem dança (e não há dança sem música), quanto na vida quotidiana das filhas-
de-santo onde a música - especialmente nas cantigas de fundamento e as rezas –
expressa e alivia as emoções mais fortes (LÜHNING, 1990, p.10).

Podemos dizer também que a declaração de Iya Ejité é reafirmada por Sônia Chada, ao considerar
que,

(…) a sociedade como um todo é que definirá o que é música. A definição do que é
música toma um caráter especialmente ideológico. A música será então um
equilíbrio entre um “campo” de possibilidades dadas socialmente e uma ação
individual, ou subjetiva (CHADA, 2012, p. 5).

Desse modo, Lühning e Chada ressaltam a importância do caráter e do papel da música em seu
contexto religioso, sendo impossível a dissociação desse ícone sonoro em relação ao espiritual, ao subjetivo,
haja vista que, nesse contexto cultural, a música é símbolo, denota de significação.
No contexto de um sistema cultural de origem africana, no qual não ocorre a dissociação do ícone
sonoro de seu contexto ritual e simbólico, a prática de uma análise puramente técnica e formal da música se
torna obsoleta ou desnecessária, pois, segundo Hampátê Ba (2010), a palavra na África equivale a um
documento, uma vez proferida não pode ser deturpada. Ao pensarmos a musicalidade no Candomblé,
compreendemo-la como um símbolo semiótico.

Como linguagem dotada de alta expressividade, “símbolo não-consumado”, como


a vê Susanne Langer (1989: 238), mudando de significado pela mudança de
contexto e de função, mesmo sem mudança dos sons, a música reflete melhor que
qualquer outra linguagem as nuances afetivas dos indivíduos e dos grupos que a
praticam, por isso mesmo se prestando à intermediação entre os homens e os
deuses, assim como deixando-se atualizar sem necessariamente mudar (CHADA,
2012, p. 110).

A linguagem musical sempre estará relacionada a um significado indicial, correspondente a uma


narrativa a qual ocorrerá através da literatura (letra da música, cantiga), de um conto mitológico sobre um

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orixá, que geralmente expressa-se por meio de uma frase em Yorubá11 – que remete a um mito do orixá
homenageado – ou através dos “toques” dos atabaques, visto que estes narram através das cadeias rítmicas
a personalidade do orixá. É através da dança, a partir dos movimentos corporais que se reitera o mito
narrado.
Nesse processo holístico do Candomblé, música, dança e literatura fundem-se para a construção das
narrativas, todas em suas funções ímpares. A música é a responsável pelo plano metafísico, ela é
comunicadora do sagrado através dos toques dos atabaques. Para Ângelo Cardoso (2006) “A música na
religião nagô tem um objetivo que vai além de, simplesmente, despertar o estético. No Candomblé a música
cumpre o papel de comunicar, ela é um código com fins dialógicos”.
Para os afro religiosos a música conecta o nosso mundo com o Orum12 e permite a comunicação com
os orixás. Para Ìyá Ejité, ela é condutora do axé, pois é através desses sons “primordiais” que ela, a música,
conduz o axé emanado pelos orixás, permitindo que o “rodante”13 manifeste-se no orixá. Dessa forma, a
música é a narrativa fundamental, por essa razão que os candomblecistas afirmam que a música é o principal
fundamento do Candomblé, sem ela não haveria a comunicação com os antepassados, que é o princípio da
religião. Chada (2012, p. 3) assinala que “a música é extremamente importante neste processo, pois cabe a
ela a comunicação entre os homens e o sobrenatural”.
Ainda no contexto holístico do Candomblé, onde a música é um dos meios de comunicação
fundamental do sagrado, ela é a mensagem entre emissor – plano real – e receptor – o sagrado, e através
dela, torna-se possível para os afro religiosos a materialização do sagrado. A música é a portadora da
narrativa do sagrado e da memória da ancestralidade, visto que o contexto religioso é substancial, estando
neste princípio ancorada toda a fé do Candomblé.
Devido ao fato de não haver dissociação entre música e oração para os povos de santo, a música
encontra-se presente em todo o culto, pois sem ela não há reza nem evocação dos orixás. Neste contexto
social onde a música é sagrada, pois funde-se ao próprio conceito de religião, todos os elementos
responsáveis por sua produção são também sagrados. Tanto os instrumentos musicais, que conduzem a
música no culto, como os que possuem este Odú14 recebem anteriormente honrarias por conta de sua
relevância nas atividades nos terreiros ou casas.
Diante do exposto, considera-se que a música possui fundamental importância no Candomblé. A
música e todos os recursos necessários para executá-la são de grande relevância para a realização do sagrado
afro, tornando-se necessária a sistematização dos repertórios, da instrumentação e dos músicos.

11
Metaetnia formada por diversos povos localizados no golfo e no sul do Benin – África. Deram origem ao Candomblé.
12
Morada sagrada dos orixás, análoga ao céu cristão.
13
Rodantes são os filhos de santo que possuem mediunidade, que viram no santo.
14
Equivalente ao destino no Candomblé, a função do filho na casa.

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3. Instrumentação sagrada
Os instrumentos musicais no contexto do candomblé possuem uma relevância essencial, visto que
com e por meio deles ocorre a comunicação com o sagrado e, devido ao holismo dos rituais, esses objetos
são assemelhados ao próprio sagrado. Cardoso (2006, p. 46) destaca que “os instrumentos musicais na
religião nagô, transcenderão a sua condição de meros objetos físicos produtores de som”, e concebemos
esse caráter sacro no candomblé, pois são responsáveis pelo axé.
Normalmente as diversas pesquisas sobre esta temática dividem os instrumentos musicais do
Candomblé em dois grupos, por questões didáticas, todavia, Cardoso (2006) subdivide em instrumentos de
fundamento e quarteto instrumental; Lühning (1990) também utiliza essa divisão, sendo esta a classificação
adotada neste artigo. Desse modo, seguem as considerações sobre o primeiro grupo, denominado de
instrumento de fundamento, e sobre o segundo grupo, denominado de instrumental.
3.1. Instrumentos de fundamento
Para os afros religiosos entrevistados nesta pesquisa, não ocorre a divisão entre instrumentos de
fundamento e grupo instrumental, para eles apenas o grupo instrumental é considerado como instrumentos
musicais. Ao serem indagados sobre os instrumentos utilizados no terreiro citavam somente os instrumentos
do grupo instrumental, desconsiderando o caráter musical dos instrumentos de fundamento.
Os instrumentos de fundamento estão totalmente ligados ao fenômeno de possessão e às deidades
específicas. Segundo Cardoso (2006) “estes instrumentos representam a essência da força do próprio axé e
simbolizam o poder da divindade”, podendo ser tocados por quase todos no culto. É comum também que
sejam tocados pelo Pai de santo ou Mãe de santo nos momentos antecedentes à presença do orixá, são
muitas vezes utilizados pelas Ekedy15 ao conduzir os filhos rodantes16. Desse modo, a atribuição de utilizá-los
não está ligada ao gênero e sim à condução do axé.
Estes instrumentos não acompanham, portanto, as cantigas das festas, geralmente são tocados sobre
a cabeça do filho de santo para que assim os orixás se manifestem. Talvez pelo fato de não acompanharem
as cantigas os candomblecistas entrevistados não os considerem como instrumentos musicais.
Há cinco instrumentos de fundamento, todos ligados há uma deidade específica. São eles: o Arô, o
Cadacarô, o Xeré, o Adjá é um sino sem nome específico, estes instrumentos, segundo Ìyá Ejité, “tem seu
fundamento tão importante para o orixá, que só podem ser utilizados nas festas em sua homenagem e por

15
Camareira do orixá, filha de santo não rodante que é responsável pelo auxílio aos rodantes.
16
Aquele que incorpora.

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filhos de santo que já sejam autoridades17 e estejam em cumprimento de obrigação de anos ou recebendo o
Deká18”.
O Arô é um instrumento ligado ao orixá Oxóssi, trata-se de um objeto confeccionado a partir de dois
chifres de búfalo ou boi (observar figura 1), seu som é gerado percutindo um chifre sobre o outro. Segundo
Cardoso (2006), possui um som “seco” em função do material do qual é feito.

Fig. 1: Arô; Fonte: Acervo de pesquisa/Natália Paixão

O Xeré, segundo Cardoso (2006,) “é uma espécie de chocalho feito de cabaça oca e preenchida de
sementes presa em uma madeira”, esse instrumento é utilizado em honraria a Xangó, no Ilé Àsé Ìyá Ogunté
ele é feito de um material metálico, alterando dessa forma, a sonoridade por ele produzida (observar figura
2).

Fig. 2: Xeré; Fonte: Acervo de pesquisa/Natália Paixão

17
Autoridades são filhos de santo que possuem o Odú confirmado pelo orisá, se estes forrem rodantes só podem ser considerados autoridades após
sete anos, se não o forem assim que confirmarem seu odu se tornam autoridades, é o caso dos músicos, como abordaremos no próximo tópico.
18
Entrevista realizada em janeiro de 2016.

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O Cadacorô é um instrumento musical utilizado em honraria ao orixá Ogun trata-se de um


instrumento de ferro, ratificando a característica do orixá, visto que, segundo a mitologia yorubá, Ogun é o
orixá ferreiro. Segundo Luhning (1990, p. 48), “esse instrumento é formado por duas peças de ferro forjadas
toscamente de forma alongadas que repercutidas uma contra a outra e possui o som muito forte”. (observar
figura 3).

Fig. 3: Cadacorô; Fonte: Acervo de pesquisa/Natália Paixão

O Adjá é o instrumento ligado ao orixá Oxalá, que é o orixá considerado “o pai de todos”, por esta
razão este instrumento é utilizado tanto em festas em sua honra como nas dos demais orisás. Para Cardoso
(2006, p. 58), trata-se “de uma sineta de metal, com uma ou mais campânulas”. (ver figura 4).

Fig. 4: Adjá
Fonte: Acervo de pesquisa/Natália Paixão

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Como os demais instrumentos de fundamentos mantêm uma ligação direta com o fenômeno de
possessão, para Bastide “quando o transe custa a se produzir, sacerdotes e sacerdotisas agitam o Adjá junto
aos ouvidos (...), e não é raro que, importunados pelo ruído agudo e alucinante, a divindade se decida
amontar em seu cavalo” (2001, p. 35).
Existe mais um instrumento de fundamento abordado por Luhning (1990), Cardoso (2006) e Bastide
(2001). Ele é usado em festas em sua homenagem a Omolu; é um sino sem nome específico que é utilizado
em suas festas. No entanto, não pude observar a presença desse instrumento no Ilé Àsé Ìyá Ogunté, mesmo
na festa do Olubaje, que constitui uma homenagem a Omolu, o sino não estava presente, sendo utilizado o
Adjá como instrumento de fundamento.

3.2. Grupo instrumental


O grupo instrumental trata-se dos instrumentos que acompanham os ritos sagrados de Candomblé,
em especial durante o Xirê, já que neste momento é fundamental a presença desses artefatos sonoros.
Durante o Xirê eles são responsáveis pela possessão e a presença do orixá, segundo Ìyá Ejité, a música é
oração, por isso esses instrumentos devem estar presentes em todos os momentos do rito, no entanto, isso
não ocorre por diversos fatores, entre eles o mais preponderante é a falta de tocadores. Devido a isso o
grupo instrumental só se encontra durante o Xirê, mas de acordo com Ìyá Ejité se houver tocadores
disponíveis esse grupo instrumental pode encontrar-se em outros momentos do culto no Ilé Àsé Ìyá Ogunté.
O grupo nomeado de instrumental pelos integrantes do Ilé Àsé Ìyá Ogunté é constituído por três
atabaques, chamados de Rum, Rumpi e Lê e por um Gã ou agogô. O Gã, segundo Odé Eraniká19,“é o coração
dos atabaques”20, é ele que dá a marcação e a pulsação para os atabaques, é uma espécie de guia para os
demais instrumentos e para o canto. Ele também é conhecido como agogô e, segundo Lühning (1990), o
vocábulo agogô é proveniente do Yorubá e significa “tempo”.
O Gã ou agogô é um instrumento metálico que possui uma, duas ou três campânulas (ver figura 5).
Há autores que diferenciam sua nomenclatura relacionando-a à quantidade de campânulas, nomeando de
Gã os que possuem uma campânula e de agogô, os que têm duas. Lühning e Cardoso utilizam esses termos
com sinônimos, todavia, no Ilé Àsé Ìyá Ogunté, todos os pertencentes ao terreiro nomeiam o instrumento de
Gã, diferenciando-os de outra forma: agogô corresponde ao instrumento da música popular brasileira e Gã,
ao instrumento sagrado. Segundo Eraniká, na música popular, enquanto agogô, este instrumento é percutido

19
Odé Eraniká é ogã; há trinta anos é irmão de santo de Ìyá Ejité, conhece praticamente todo o repertório musical do candomblé, e atua
como alabe em diversos xirês.
20
Em Entrevista cedida em maio de 2016.

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com baquetas de madeira e no candomblé, com baqueta metálica, tornando dessa forma o som bem mais
peculiar.

Fig. 5: Gã
Fonte: Acervo de pesquisa/Natália Paixão

Os demais instrumentos que constituem o grupo musical são os atabaques. Segundo Cardoso (2006,
p. 53), “o atabaque é um tambor abaulado, que faz parte dos instrumentos membranofônicos. Sendo mas
especifico, um instrumento unimembranofone, pois possui apenas um dos lados cobertos de couro, onde é
realizada a maior parte da percussão” (2006, p.53). O couro é tensionado de diversas formas e pode ser
tensionado por cunhas de madeira que tensionam os aros, cordas, parafusos. (ver figura 6).

Fig. 6: Rum, Rumpi e Lê (esquerda para direita); Fonte: Acervo de pesquisa/Natália Paixão

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Os instrumentistas do Ilé Àsé Ìyá Ogunté indicaram a forma de tocar o atabaque como uma marca
da nação Ketu, à qual pertence o terreiro. Verificou-se durante a pesquisa no terreiro que eles tocam os
atabaques usando o aguidavi, que é uma baqueta confeccionada de um galho de árvore.
Praticamente todos os toques são realizados com aguidavi, com exceção do toque de samba de
caboclo na festa de maio em que são utilizadas as mãos. Eraniká destacou que este, por sua vez, não possui
origem Ketu, esclarecendo ainda que o único toque de origem Ketu realizado diretamente com as mãos é o
Ijexá. Dada a sacralidade e a simbologia do atabaque, ele é ornado de acordo com o orixá homenageado, e
no tempo em que esse instrumento não encontra em período de festa é adornado de branco, as cores de
Oxalá, o pai de todos os orixás.
Os atabaques possuem dimensões, nomes e, por consequência, sonoridade e função distintas. O
maior dos atabaques e que possui o timbre mais grave é conhecido como Rum, o qual, segundo Barros (apud
CARDOSO, 2006), significa grunhido, rugido, e nas palavras de Eraniká, o Rum é responsável “pelo toque, pela
chamada do orixá21”. Dessa forma, é esse atabaque que desenvolve a frase rítmica responsável pelo toque
e pelo acompanhamento da cantiga; essas frases executadas pelo Rum serão responsáveis pela escolha da
cantiga. Assim o acompanhamento instrumental irá muitas vezes determinar o acompanhamento vocal e
dada a complexidade de executar e conduzir essas frases, geralmente o Rum é tocado somente pelo alabe.
Os outros atabaques são o Rumpi, que é um atabaque mediano, de timbre mezzo em relação aos
demais, e o Lê, que é o menor dos atabaques e produz uma sonoridade mais aguda. Ambos instrumentos
são responsáveis pela marcação e pulsação do toque, sendo comum que sejam tocados por Ogãs.

4. Músicos: alabes e ogãs


Como exposto, no candomblé música e oração não se dissociam, e, para que se realizem a oração e
a rememoração dos mitos sagrados, é necessário que todos na religião produzam música, portanto todos no
culto cantam, no entanto existem atores sociais específicos responsáveis pela condução da música, bem
como por sua execução.
Todos os cargos e funções em um terreiro de candomblé são determinados mediante a vontade do
orixá regente do terreiro, em cumprimento de obrigação do filho de santo que determina qual será o seu
Odú. O Odú por sua vez sempre estará ligado a dois fatores preponderantes, que são o gênero e se este é
“rodante”, ou seja, se este filho “vira”, se possui mediunidade.
Dada a relevância da música no candomblé, a sacralidade dos instrumentos nesse contexto, onde a
música é condutora do axé, é condição para que aqueles que a conduzam não “virem”, e sim sejam

21
Entrevista cedida em janeiro de 2016

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autoridades22 na casa. Ìyá Ejité nos relatou que para tocar no grupo instrumental é necessário que seja do
gênero masculino, acrescentou que, no entanto, em alguns terreiros em Salvador já ocorre a presença de
mulheres tocando o atabaque, pois esta condição não é inflexível. Ainda segundo ela, nunca, porém, na
tradição Ketu esses instrumentos poderão ser conduzidos por filhos rodantes, pois, devido à sacralidade da
música, todos os condutores deverão ser autoridades.
Segundo Benites (2011) em Yorubá não existe a palavra música, nem a palavra músico, para esta
função existe o termo Odú, correspondente ao alabe e aos ogãs. Os ogãs são aqueles filhos de santo que não
são rodantes e ainda aguardam a determinação do orisá sobre seu Odú, estes precisam aprender todas as
funções de um não “rodante” do gênero masculino, além de aprender a tocar e a realizar os cortes, pois
ainda não sabem qual será a vontade do orixá, os ogãs, São os que tocam os atabaques nos Xirês, no entanto
sua atribuição não se resume apenas a tocar.
O alabe, por sua vez, é um ogã que possui seu Odú confirmado para músico, este possui um caráter
análogo também a regente de orquestra, tal como o regente orquestral ele é “uma imago, imagem de um
poder que incorpora visivelmente enquanto figura de destaque e mediante uma gestualidade impactante”
(ADORNO, 2011, p. 218). Assim, analogamente ao padrão musical ocidental, o ogã assemelha-se ao músico
e o alabe ao regente, e tal como na ausência de um regente o músico pode reger, o ogã pode conduzir um
xirê.
De forma correlata ao regente de Adorno (2011), que reproduz os desígnios dos grandes
compositores, com sua versão pessoal e ideológica, o alabe reproduz a memória dos povos de santo através
dos toques e da marcação, este por sua vez também anexa sua interpretação, estabelecendo desse modo
certos ares de atualidade às marcações sagradas. Com isso, podemos reafirmar que a música é um modelo
de padrão cultural que modela e pelo qual é modelada (GEERTZ, 1989).
O Alabe também possui muitas vezes ares de produtor musical, uma vez que ele determina o
repertório e a condução do xirê23, este não é um simples executor, pois como a música é condutora do axé
ele é responsável pela presença do orixá.

22
São todos os filhos de santo que não viram, são considerados autoridades diz-se que “sete anos mais velhos” e não possuem comprometimento
espiritual de existências anteriores
23
A condução do Xirê depende totalmente do alabe que a conduz. No ano de 2015, a festa do olubajé foi conduzida por pai Walmir, esta cerimônia
teve uma extensão de aproximadamente duas horas, no entanto, no ano de 2016, essa mesma festa foi conduzida por Oguntolá e possuiu uma
dinâmica completamente diferente, tendo três canções a mais que a do ano anterior para uma homenagem aos erês, sendo realizada no tempo de
uma hora e meia.

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5. Toques
Os toques são frases musicais executadas nos instrumentos sagrados, na maioria dos casos durante
o Xirê. Os toques exercem uma relevância essencial no Xirê, visto que estão ligados ao fundamento, segundo
Lühning (1990), é tudo que está ligado ao axé, sendo responsável pela evocação do sagrado.
Na narrativa do Xirê os toques são os narradores da personalidade do orixá, suas cadências rítmicas
simbolizam arquétipos da mitologia Yorubá, desta forma, um mesmo toque pode ser executado para vários
orixás, todavia quando ocorre essa mudança, ocorre diferenciação na forma de execução, bem como na
intensidade e no seu andamento.
Os toques em geral se subdividem em três vozes, a voz principal, que está ligada aos povos de santo
e aos fundamentos religiosos, é executada pelo rum, ela determina a frase musical do toque, bem como sua
terminologia e, por conseguinte, sua ligação com o sagrado, haja vista que essa voz está diretamente
vinculada à narrativa da personalidade do orixá.
As demais vozes são executadas pelo gã, pelo rumpi e pelo lê; elas são marcações rítmicas que
acompanham a frase executada pelo rum, podendo acompanhar diversas frases realizadas pelo rum.
Conforme Eraniká, existem quatro marcações básicas que acompanham o toque do rum, que ao serem
combinadas com ele produzem uma variedade de toques.
Lühning (1990, p. 120) assinala que “as cantigas são acompanhadas quase que exclusivamente por
quatro marcações básicas que se encontram em quase todo o repertório e mostram uma certa
interdependência com alguns tipos de cantigas”. Essas marcações, segundo Kubik (apud LÜHNING, 1990),
são uma espécie de timeline, equivalentes a doze pulsações rítmicas iguais que caracterizam a música da
África ocidental da região Yorubá.
As quatro marcações básicas apontadas por Luhning são as mesmas encontradas no Ilé Àsé Ìyá
Ogunté. Portanto, as transcrições abaixo foram retiradas da tese desta autora. Conforme Eraniká, Oguntolá
e os demais ogãs, Ìyá e Babas do ilê, essas marcações se encontram em todos os terreiros que eles conhecem
e não têm uma terminologia específica. Luhning as nomeia de A, B, C, D, sendo esta terminologia adotada
nesta pesquisa.
A marcação A (Exemplo 1) é conhecida entre os ogãs e alabes como corrido, antes de executarem a
frase do rum esses músicos geralmente combinam entre si “acompanhar com o corrido”; essa marcação
geralmente é utilizada para acompanhar os toques e cantigas do início e do final do Xirê.

Ex. 1; Fonte: Ângela Lühning (1990)

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A marcação B (Exemplo 2) é a marcação base do toque Aguerê e geralmente acompanha os toques


dos orixás masculinos e possui um andamento mais acelerado que as demais.

Ex. 2; Fonte: Ângela Lühning (1990)

A marcação C (Exemplo 3) é a base do toque Aderê e possui um andamento mais lento e geralmente
está associada às orixás do sexo feminino.

Ex. 3; Fonte: Ângela Lühning (1990)


A marcação D (Exemplo 4) é a única que possui uma marcação diferenciada entre os atabaques, visto
que o atabaque lê diferencia-se do atabaque rumpi, este nas demais marcações executam frases rítmicas
idênticas, sendo acompanhada quase que exclusivamente pelo toque Ijexa.

Ex. 4; Fonte: Ângela Lühning (1990)

Essas marcações sempre acompanham os toques executados pelo rum e estarão ligados a um orixá,
sendo executados no Xirê de acordo com a sequência ordinal da cosmologia do candomblé. Em regra, sua
definição é realizada pelo alabe, visto que, como explanado, trata-se de uma de suas atribuições. No ano de
2015, no Ilé Àsé Ìyá Ogunté, em todas os Xirês foram executados os mesmos toques e cantigas, ocorrendo
somente variação do rum do orixá homenageado. Seguem os toques identificados durante a coleta desta
pesquisa. (ver tabela 4).

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Tab. 4 – Toques identificados durante a coleta desta pesquisa – Fonte: Acervo de Pesquisa/Natália Paixão

Toques Funcionalidade Marcação rítmica

Avamunha Entrada dos filhos de santo no Xirê A

Bata Homenagem ao orixá Exu A

Ego Homenagem ao orixá Ogum B

Aguere Homenagem ao orixá Oxossi B

Alujá Homenagem ao orixá Ossain A

Opanijé Homenagem ao orixá Omolu A

Bravum Homenagem ao orixá Oxunmare A

Ijesa Homenagem ao orixá Logun-Ede D

Ilú Homenagem ao orixá Xangó A

Adarum Toque de fund. para “virar” o filho no orixá A/B

Bravum Homenagem ao orixá Oyá A

Aderé Homenagem ao orixá Obá C

Aderé Homenagem ao orixá Yewá C

Ijexá Homenagem ao orixá Oxun D

Aderé Homenagem ao orixá Yemojá C

Aderé Homenagem ao orixá Naná C

Ijexá24/Sató25/Aguere26/Bravum27 Homenagem máxima ao orixá, o rum D,A,C,A

Ijexá Homenagem ao orixá Oxalá D

Avaninha Saída dos filhos do Xirê A

Samba de caboclo28 Homenagem aos caboclos Possui marcação dif.

Os toques executados durante o Xirê, são extremamente relevantes para a religião, pois através
destes toques é possível a comunicação com o sagrado. No momento de sua execução, dá-se o êxtase da

24
Foi o rum executado na festa Yemojá, em homenagem a Osalá em janeiro de 2015.
25
Foi o rum executado no Olubajé, em homenagem a Omolú, em maio de 2015.
26
Foi o rum executado na festa de Ogum, em outubro de 2015, será transcrito no próximo tópico.
27
Foi o rum executado na festa de Oyá, em dezembro de 2015.
28
Estes toques são executados com as mãos, pois não possuem origem Ketu, são utilizados somente na festa de maio em homenagem aos caboclos.

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religião através dessa oração, assim a música é a oração, ocorrendo o contato com o antepassado divinizado
por meio da música, este antepassado narra e ratifica a mitologia Yorubá.

Considerações Finais
A música, que foi considerada a mais pura das artes, ativa nas pessoas um alto grau de sensibilidade,
talvez pelo seu caráter icônico. O sentir nesta categoria de arte é primordial e, sem dúvida, tudo isso se
evidencia no contexto social do candomblé. Como foi descrito e analisado, a música é o candomblé, no
sentido de oração, devoção.
No candomblé, por meio da pesquisa realizada, foi possível perceber que o sensível provocado pela
música atinge o metafísico, nesse contexto as sensações vão além da materialidade, atingindo o espírito e o
orum, a morada dos orixás que são convocados através da música para o plano material. Para aqueles que
descendem de Ketu e se reterritorializaram no Brasil, a música ultrapassa todas as barreiras do terreiro e
consagra-se em diversas dimensões, recarrega a memória, pelo viés da sonoridade, do sensível, tornando
presente a narrativa de seus antepassados, atingindo o espírito.
Nesse contexto holístico no qual a música é o candomblé, o sacro e o profano não estão dissociados,
reverberam em outros contextos. As músicas, os cantos (ou toques) dos candomblecistas fixam histórias,
trazem os seus antepassados para o convívio da nova cultura que ajudam a formar.

Referências

ADORNO, Theodor. Introdução à Sociologia da Música. São Paulo: UNESP, 2011.

BASTIDE, R. O candomblé da Bahia: rito nagô. SP: Editora Nacional, 1978, 3ª ed.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de janeiro: Berttrand Brasil, 2004.

BENISTE, J. Dicionário yorubá-português. RJ: Bertrand Brasil, 2011.

CARDOSO, Ângelo. A linguagem dos Tambores. Salvador, UFBA, 2006.

CHADA, Sônia. O canto dos caboclos nos Candomblés. II Jornada de Pós-Graduação – FIBRA, 2012.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas. RJ: ZTC, 1989.

HAMPATÉ BÂ, A. A Tradição Viva. In: KI-ZERBO, J. História geral da África I, metodologia e Pré-história da
África. Brasília: UNESCO, 2010, 2ª ed.

KANT, Immanuel. Observações sobre o sentimento do belo e do sublime. Campinas, Papirus, 1993.

LÜHNING, Ângela. A música no candomblé nagô-ketu: Estudos sobre a música afro-brasileira em Salvador,
Bahia. Hanburgo, 1990. Verlag der Musikalienhandlung, Karl Dieter Wagner.

SANTAELLA, Lúcia. Matrizes da linguagem e pensamento. SP: Iluminuras, 2001.


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Amanheceu: samba enredo do Grêmio Recreativo Social Jurunense Rancho Não


Posso Me Amofiná, destaque do carnaval paraense

Dayse Maria Pamplona Puget


decamusica@yahoo.com.br
Universidade Federal do Pará

Sonia Chada - UFPA


sonchada@gmail.com
Universidade Federal do Pará

Resumo: Este artigo é parte da dissertação de mestrado Amanheceu, Paid’égua! O


Sonho Cabano faz Samba de Enredo no Carnaval Paraense, defendida em junho de
2016, no Programa de Pós-Graduação em Artes, da Universidade Federal do Pará.
O objeto do presente artigo é o samba de enredo Amanheceu, com o qual o Grêmio
Recreativo Jurunense Rancho não posso me amofiná desfilou em 1985, destaque
do carnaval paraense. Aqui é apresentado o desenvolvimento do samba de enredo
em Belém do Pará, considerações determinantes para a escolha de um enredo para
o carnaval e o processo criativo do samba Amanheceu. O samba de enredo reflete
o enredo que lhe serve de inspiração, mas, também, o sistema cognitivo de seus
praticantes, seus sentimentos, suas experiências culturais, além de suas atividades
sociais, intelectuais e musicais.
Palavras-chave: Samba de Enredo paraense. Processo criativo. Música no Pará.

Abstract: This article is part of the dissertation Amanheceu, Paid’égua! O Sonho


Cabano Faz Samba de Enredo no Carnaval Paraense Pará held in June 2016 in the
Graduate Arts Program of the Federal University of Pará. The object of this article
is the story of samba theme with which the Gremio Recreativo Jurunense Rancho
Não Posso Me Amofiná paraded in 1985, highlight the Para carnival. Here is
presented the development of the theme of samba in Belém, decisive
considerations for choosing of theme for the carnival and the creative process
Amanheceu samba. The theme samba reflects the theme which inspired him, but
also the cognitive system of its practitioners, their feelings, their cultural
experiences as well as their social, intellectual and musical activities.
Keywords: Samba de enredo paraense. Creatives process, Song of Pará

1. Um breve histórico do samba de enredo paraense


Pesquisadores de samba enredo costumam afirmar que:

Qualquer pessoa que queira estudar a história dos sambas de enredo acabará,
forçosamente, diante do problema das fontes de pesquisa. Os registros
fonográficos sistemáticos só surgem no final da década de 60. Antes disso, as
gravações são esporádicas e, não raro, apresentam poucos dados sobre as obras
gravadas. Os estudos existentes sobre o tema privilegiam, geralmente, análises
qualitativas. (MUSSA e SIMAS, 2010, p. 19).

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Esta constatação também se aplica à Belém do Pará, onde as informações sobre o assunto ainda são
raras. Entretanto, é justamente esta dificuldade que move a pesquisa em busca da informação, por mínima
que ela seja. Nesse contexto, Foi no Bairro do Jurunas: a trajetória do Rancho não posso me amofiná
(1934/199), de Manito (2000) e Carnaval Paraense, de Oliveira (2006), são obras que se constituem em fontes
básicas para a pesquisa do carnaval em Belém do Pará.
Embora de grande contribuição, percebe-se nestas obras a falta de estudos mais aprofundados
sobre os sambas de enredo nesta cidade. Como pesquisadora participante, com vivência no carnaval de
Belém, constatei a quase ausência de informações sobre melodia, arranjo e letra.
Segundo Manito (2000) e Oliveira (2006), nas primeiras décadas do surgimento das escolas de samba
em Belém, os enredos ainda não existiam, e só começam a ser citados a partir de 1939, não se conectando,
contudo, com o samba. Havia uma tendência na escolha de temas passionais, de ufanismo da própria escola
e os de desacato ou “xaveco”.
A esta época as escolas apresentavam três sambas em seus desfiles carnavalescos: “No desfile de
1941, o Rancho cantou vários sambas, pois ainda não era obrigatório entoar somente um samba por ocasião
da batalha, o que só ocorreu quase trinta anos depois” (MANITO, 2000, p. 48). Neste mesmo ano, esta escola
de samba apresentou o enredo A Índia Marajoara, com o samba de enredo Samba da Índia (idem). O samba
de autoria de Moacyr Lourinho faz referência apenas uma vez à palavra índia. O contexto, na verdade, se
constitui em um desacato.
Em relação ao julgamento, não existia ainda o quesito enredo e nem samba de enredo, mas havia o
quesito: melhor batucada (MANITO, 2000). Com relação às outras escolas, parece que havia também uma
tendência ao atrelamento do samba ao enredo. A Escola de Samba Boêmios da Campina, por exemplo, em
1953 apresentou um enredo que exaltava o bairro da Campina, cujo samba foi intitulado de Campina (idem).
No carnaval de 1955 o Rancho apresentou seu desfile dividido em quatro partes: Tema Amazônico, Comissão
de Frente, Enredo Histórico e Bateria. O compositor Haroldo Santos foi o responsável pela terceira parte e
apresentou o samba enredo Brasil Antigo, apresentado durante todo o desfile (Cf. MANITO, 2000).
O enredo se tornou oficial em Belém somente no carnaval de 1957, quando passou a ser subordinado
ao desenvolvimento dos desfiles. Entretanto, a obrigatoriedade de apresentação de um samba de enredo
começa a ser respeitada nos desfiles oficiais apenas por parte de algumas escolas de samba somente a partir
de 1970, quando começam a acontecer os Festivais de samba de enredo (OLIVEIRA, 2006).
A partir de 1971, segundo Manito (2000), aparecem no julgamento das escolas os quesitos música e
letra (em separado). No carnaval de 1974, novos quesitos foram introduzidos: melodia e samba, totalizando
quatro itens para julgamento do samba: música, melodia, samba e letra.

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Finalmente, em 1978, surgem os quesitos samba enredo e tema. Em 1979, doze quesitos constavam
para o julgamento das escolas de samba e blocos em Belém do Pará, entre esses: enredo e samba enredo
(idem).
Atualmente o samba enredo continua sendo um dos quesitos importantes para o julgamento das
escolas de samba nos desfiles oficiais do carnaval de Belém do Pará. Como já abordado por Oliveira (2006),
segue o modelo, juntamente com outros quesitos, do carnaval carioca.
Com relação às características do samba enredo paraense, no início, haviam alguns fatores para que
ele adquirisse características regionais. Entre esses fatores, Oliveira (2006) destaca o isolamento geográfico.
Contudo, contando com o desenvolvimento e acesso da tecnologia, este isolamento deixou de existir,
propiciando a que os sambas enredo paraenses continuassem se inspirando nos sambas das escolas cariocas.
Em que pese esta inspiração, entretanto, percebe-se a inserção de elementos da regionalidade local,
verificada principalmente com relação aos enredos.
Em pesquisa mais recente, verifica-se, entretanto, que a regionalidade na escolha dos enredos e,
consequentemente, nos sambas enredos não é unanimidade entre as escolas de samba de Belém do Pará:

(...) a afirmação de uma identidade de um ethos Jurunense em um processo que


inclui emoção e cognição, abrindo espaço a uma reflexividade acerca da relação
entre a escola e o bairro (...) Diferente de outras escolas que se caracterizam por
uma crítica social, política e ética, discutindo questões relacionadas à região
amazônica (queimadas, biodiversidades, autonomia) de respeito à alteridade e de
desigualdade de acesso à cidadania e aos bens de serviço urbano (RODRIGUES,
2006, p. 151).

Em relação à melodia, esta não parece apresentar aspectos distintos dos perceptíveis nas escolas
cariocas. Entretanto, em relação aos arranjos, foram observados dois aspectos importantes: os sambas
paraenses apresentam, com grande frequência, uma introdução instrumental de andamento lento,
precedendo a rítmica da bateria, não comum nos sambas de enredo cariocas e, no desenvolvimento, se
verifica, em alguns sambas, a introdução de ritmos regionais como o tecnobrega, apresentado, entre outros,
por exemplo, pela ONG Tradição Guamaense, no samba enredo do carnaval de 2008, e o carimbó,
popularmente conhecido como ritmo carimbolado.
Em relação à letra, na composição do samba Sou Paraense, de Dayse Pamplona Puget, Diego Xavier,
Daniel Bastos e Cizinho (Idalcy Pamplona Filho) para o festival do Quem São Eles, em 2012, são usadas
expressões relacionadas ao imaginário paraense, como maniçobando, termo não existente nos dicionários,
mas que tem o significado de degustar uma boa maniçoba, uma das mais comidas típicas do Estado do Pará.
Vários outros vocábulos característicos da regionalidade paraense são inseridos nos sambas, como: capitá,
cuia de açaí, peconha, alguidar, peneira, corre de boca pintada (boca suja de açaí), entre muitos outros. A

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percepção destes elementos, entretanto, não pode ser entendida como características dos sambas de
enredo paraenses, visto que se apresentam de forma eventual, não se constituindo em um processo
constante, verificável em todos ou grande parte dos sambas.
O compositor de samba enredo compõe de uma forma diferenciada, pois a criação deste subgênero
do samba está atrelada a regras determinadas para os desfiles carnavalescos oficiais. O processo criativo se
estabelece dentro do que o enredo exige “A escolha dos sambas-enredos é bastante tensa. No seu decorrer,
extravasa (sic) conflitos e confrontos que revelam as relações de poder vigentes em uma determinada escola
de samba” (BLASS, 2007, p.75).
Para que o compositor possa elaborar um samba que se enquadre em um tema, é necessário que
ponha em prática um processo complexo. Entretanto, são poucas as obras que visam o estudo dos processos
criativos dos compositores de samba enredo: “Como seria de se esperar, a ausência de uma abordagem
relativa aos aspectos técnico-musicais do subgênero (sic) samba-enredo também é sentida pelo pesquisador,
pairando no âmbito nacional quanto local” (BEZERRA, 2010, p. 3).
Para o entendimento do processo criativo de uma composição musical é necessário considerar que
“o conhecimento do compositor como indivíduo e como ser social e cultural é evidentemente primordial
para penetrar o processo da criação musical” (BÉHAGUE, 1992, p. 8). A compreensão dos fatores que atuam
no processo da criação musical não é simples. Nesse sentido, Béhague propõe quatro premissas, que
“servirão de apoio para a abordagem basicamente etnomusicológica”.
A primeira nega que o “sentido lógico” de um determinado sistema musical esteja somente em seus
elementos sonoros. O sistema musical é vinculado também aos fatores extramusicais, e o foco central da
criação musical é “o compositor nas suas múltiplas dimensões sócio-culturais (sic) e estético-ideológicas”. A
segunda premissa se refere ao aspecto cultural nomeado em quatro itens: 1- A forma, que diz respeito aos
aspectos físicos da música, tais como, “um canto, uma ocasião musical ou uma parte dela, um instrumento
ou uma obra musical”. 2 - O processo, que relaciona o ato de compor a uma “forma determinada sócio
culturalmente, assim como a obra sendo composta”, mas o ato de compor, é um processo. 3 - O conteúdo,
que provem das mensagens que são transmitidas conscientes ou inconscientemente “através da música e da
atividade musical”. 4- As determinantes ideológicas, premissa que relaciona a criação musical à “visão de si
mesmo em relação à visão do mundo, estética, valores sócio-culturais e conceitos que dão significados a
mensagens, moldes e processos musicais” (1992, p. 6).
Para Béhague o significado da música é extramusical e, de acordo com Blacking, as relações
extramusicais são mais importantes que as relações tonais nas estruturas sonoras. Sendo o significado da
música extramusical, entende-se que esse significado está inserido no contexto social “identidade
sociocultural que corresponde a valores específicos do grupo social do compositor, mas também da posição
política ideológica do mesmo” (idem, p. 7).

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A posição política social dos compositores se estabelece como fator intrínseco no processo da
criação musical. Ao ignorar a posição política ideológica do compositor, corre-se o risco de “negar suas
atribuições como ser social (...) essa posição é a que determina as decisões do compositor frente a suas
opções artísticas e estilísticas” (idem). A política, como processo inserido na cultura, é parte integrante da
vida dos seres humanos e, como tal, dos compositores. Entende-se como política “a visão teórica básica da
ordem social em que se incluem as relações de poder entre os atores sociais de um grupo determinado e as
funções destes atores na rede de interação” (idem).
Em continuação, Béhague se volta para a execução musical. Para o autor a obra musical só atinge o
seu total sentido através da sua execução. Nesta afirmação, nega que partituras ou manuscritos sejam
músicas, já que é necessário que haja a recepção dos ouvintes para que haja música “a etnografia da
execução musical deve representar a fonte primária de estudo do processo de criação” (idem).
No processo criativo de sambas enredo, difícil é a autoria única, sendo mais comum a autoria coletiva.
Todavia, a coletividade presente no processo criativo dos sambas enredo não implica no anonimato e, sim,
numa perspectiva distinta de propriedade intelectual coletiva.

É claro, no entanto, que qualquer composição musical é o produto da mente de


uma pessoa ou várias pessoas. Obviamente, o fato dos processos cognitivos do
indivíduo/compositor serem basicamente os mesmos do grupo a que pertence não
invalida a existência e o impacto individual na composição (BÉHAGUE, 1992, p. 7-
8).

2. O samba enredo Amanheceu


Em 1985 o Grêmio Recreativo Jurunense Rancho não posso me amofiná1 desfilou na avenida com o
samba enredo Amanheceu, de autoria da dupla de compositores ranchistas Osvaldo Garcia e Albertino
Garcia2. O ano ainda estava envolvido politicamente pela ditadura militar, que determinou drásticas
mudanças na vida do povo brasileiro. É neste contexto, que o jornalista Euclides Bandeira, mais conhecido
como Chembra, elabora o enredo para o desfile do Rancho. Este enredo tem uma conotação relacionada a
este momento político, como explica Garcia:

Colocando toda a telúrica carnavalesca e colocando todo e também esta parte do


amanheceu do Brasil, um novo Brasil (...). Então, tinha uma frase muito importante
‘Se renovam as esperanças de quem não se amofinou’. Então, renovar as
esperanças do povo brasileiro ‘que não se amofinou’, ou seja, que sempre lutou,
quer votar, etc. Mudança no país! Diretas! Chega de militar! (2015, p. 20).

1
Escola de samba fundada em 1934, em Belém do Pará (MANITO, 2000) (OLIVEIRA, 2006).
2
Estes compositores começaram sua pareceria em 1977 (OLIVEIRA, 2006).

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O carnaval se processa inserido no contexto político social onde ele ocorre e esse fato não poderia
ficar à margem do carnaval enquanto produção cultural, servindo se não como um enredo direto, talvez pela
própria proibição e perseguição políticas, pelo menos metaforicamente:

A cultura popular sempre lidou com os processos de interdição na sua relação com
o estado e com a sociedade. Podemos pensar que na origem, este processo se dá
em torno de um modelo de sociabilidade que se define também por uma posição
de classe e de forma mais específica como disputa no espaço público como forma
de representação e deliberação (ALVES e AMARAL FILHO, 1985, s/ n).

A respeito da ditadura militar, acredito que justamente pelo fato de ela ter provocado mudanças em
diversos setores da vida dos brasileiros, chegando inclusive a ser inspiração para um enredo carnavalesco,
merece algumas considerações:

No dia 31 de março de 1964, o general Olympo Mourão Filho, comandante da 4ª


Região Militar, sediada em Belo Horizonte, Minas Gerais, ordenou às tropas sob seu
comando, que se dirigissem ao Rio de Janeiro para exigir a renúncia do presidente
João Goulart. Iniciava-se o vitorioso golpe de estado que instauraria a ditadura civil-
militar que perduraria em suas diferentes fases do governo, sempre controlada
pelas Forças Armadas, até março de 1985, quando pela primeira vez desde abril de
1964, um civil, José Sarney, assumiu a presidência da República (CUÉLLAS e PETIT,
2012, s/p).

Este fato foi publicado em um jornal paraense, justamente vinculando o samba Amanheceu ao
momento político “numa saudação até mesmo à nova fase democrática iniciada em 15 de janeiro com a
eleição de Tancredo Neves para a presidência da República” (O Liberal, 16/2/1985, 1º caderno, p. 10).
O enredo depois de criado e escrito pelo carnavalesco Chembra, foi levado para a aprovação da
diretoria do Rancho. Chembra já era uma figura inquestionável dentro da escola, e o aval já estava dado pela
competência dele. Com relação à participação dos compositores que eram muitos, eles apenas receberam a
sinopse do enredo sem mudar nada (GARCIA, 2015).
A sinopse recebida pelo compositor Osvaldo Garcia para a composição do samba de enredo
Amanheceu, que embora não estivesse assinada é de autoria do Chembra, segundo Garcia, foi a seguinte3:

O amanhecer é o reviver, o recomeço, a renovação, o novo dia, as cores que voltam,


a nova esperança. É o fim da escuridão, do medo e dos pesadelos da criança. O
momento do adeus entre os amantes que se contemplam pela última vez. Ou do
reencontro de corpos apaixonados que se reabraçam na preguiça do sono.

3
A transcrição foi considerou a ortografia original do autor (Nota da autora).

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É quando o boêmio, cansado, volta para casa, o violão vazio de notas, todas perdidas na
noite morta. É hora do leiteiro, do padeiro, do vigilante que boceja, guarda arma, agradece
a Deus por estar vivo e vai dormir, é o peixeiro, o jornaleiro, o fruteiro. Um radinho de pilha
ligado num quarto distante.
O garçom esperando ônibus, casaca no ombro, gravata no bolso. A moça da rua que se
esconde dos sinais da pintura desfeita pela noite intensa. A mercearia que se abre. O bar
que fecha, guardando muitas histórias. Os primeiros ruídos numa cozinha ainda escura, o
garoto com o pão debaixo do braço. A moça que se espreguiça redobrando a camisola
transparente.
O apito da fábrica, o sino da Igreja. O operário que passa de bicicleta pedalando lento. O
homem de paletó, apressado, o estudante de cabelos molhados e cara emburrada. O
ônibus, o navio, o avião, partindo e levando, gente para nunca mais. O galo que canta, o
relógio que desperta, a mulher do missal e terço.
O orvalho transparente, surpreendido no corpo delicado de uma flôr. A praia que acorda e
redescobre e sempre-chegar das ondas, o cheiro de lenha. O farofeiro madrugador que
desce do ônibus fretado corre na areia e chuta a bola para o alto.. A feira que começa a
vibrar nas cores das frutas flôres e carnes e nos pregões que espantam o último sono. O
cheiro do café, que se espalha como a luz do dia, invadindo todos os lugares.
O sino que toca outra vez. O último aviso da fábrica que chama o operário atrasado. O
estudante que senta e sonha com o recreio. O homem que afrouxa a gravata e começa a
trabalhar. É o sol, que traz todas as cores de um recomeço.
Além de ter a oportunidade de ter em mãos a sinopse, pude verificar as marcações feitas
com caneta vermelha em algumas palavras e frases. Eis as marcações: a nova esperança;
volta para casa; jornaleiro; o galo que canta; a feira; nos pregões; espalha; começa a
trabalhar; É o sol que traz todas as cores de um recomeço.

Percebe-se pelo texto que as palavras e frases que foram pontuadas por Osvaldo Garcia, se
constituíram em parte da inspiração para compor o samba de enredo. Eis a letra do samba:

Vem meu grande amor


Vem contemplar a natureza
Em cores, as flores se abrindo.
O sol vem sorrindo... Oh que beleza
O galo cantando anuncia
O despertar de um novo dia
Meu dengo me faz cafuné
Amanheceu até amanhã
Se Deus quiser (chegou a hora)
Chegou a hora, chegou.
O jornaleiro, a noticia está no ar
No bar, doce lar da boemia
a “saideira”... Violão vai descansar (o astro rei)
Brilha no céu
Reflete na avenida o resplendor
Nesta festa o povo dança
se renova a esperança
de quem não se amofinou
É carnaval
É hora do meu Rancho desfilar
E lá vou eu...
Amanheceu um novo dia

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Quando se aborda o processo criativo do samba Amanheceu, Osvaldo Garcia expõe um fato da sua
intimidade:

Eu tava (sic) no motel com uma namorada. Nessa época eu fumava né? Uma das
coisas que eu me arrependo é de ser fumante, de ter fumado, isso quase que eu
fiquei fumado por causa disso. Então, eu tava, tinha saído de algum lugar, aí fomos
pra um motel. Quando eu senti aquela vontade de fazer xixi, ‘um rum. Aí fui acender
um cigarro: que eu fui abrir a cortina pra ver que horas mais ou menos que seria ai
eu olhei assim para baixo, tinha um jardim, tava assim ainda molhado pelo orvalho.
Ai eu chamei, disse assim:’ Oh! Vem ver que coisa bonita, o sol tá bonito, o sol vem
sorrindo, as flore se abrindo’. Ai notei: ‘Pô! Isso aí é o Amanheceu né? É um
amanhecer muito bacana cara’ (GARCIA, 2015, p. 35).

Só depois de quinze dias é que ele escreveu a letra do samba, depois então é que foi mostrar para o
parceiro Albertino Garcia, que disse: “Pô cara! O sol vem sorrindo? Não, é o sol vem surgindo! Isso é uma
redundância!”. Ante essa postura do Albertino, Osvaldo explicou “Fazendo uma poesia aqui, né? O sol vem
sorrindo, as flores se abrindo aqui!”. Frente a essas ponderações Albertino falou “É, vê se colhe! Tem que
colher, tem que dar certo!” (GARCIA, 2015, p. 35).
Após ter tido conhecimento do que Garcia havia produzido, Albertino e ele foram “costurando”
juntos a letra e adequando a melodia até que, os dois satisfeitos, contemplaram sua obra pronta. Com
relação a este aspecto do processo criativo:

O primeiro estágio é o processo de concepção, que tem lugar inteiramente na


mente do compositor (não importando quais os estímulos externos que possam
iniciá-lo ou mantê-lo), e resulta num reconhecimento mais ou menos súbito da
forma total a ser alcançada. Emprego a expressão ‘mais ou menos súbito’ porque o
ponto dessa revelação provavelmente varia amplamente na experiência típica de
diferentes compositores e mesmo nas várias experiências de qualquer deles. Um
músico pode sentar ao teclado, congregar toda espécie de temas e figuras numa
fantasia livre, até que uma idéia (sic) se apossa dele e uma estrutura emerge dos
sons vagueantes; ou ele pode ouvir, imediatamente, sem a distinção de qualquer
de quaisquer tons físicos, talvez mesmo ainda sem a cor tonal exata, a aparição
musical inteira (LANGER, 2011, p.128).

Com relação ao uso de instrumentos na construção do samba, Garcia esclarece que como nem ele
nem Albertino tocavam instrumentos musicais “A letra e a música vão saindo no batuque da caixa de fósforo”
(GARCIA, in O Liberal/Aqui Belém, s/ ano, p. 10).
Observa-se na composição da letra que o tema ditadura militar se apresenta de forma metafórica. A
chegada das Diretas Já aparece nas frases: Chegou, chegou a hora, chegou; Nesta festa o povo dança (porque)
se renova a esperança de quem não se amofinou (quem acreditou na mudança); Amanheceu um novo dia (a
democracia que retorna). A letra também é uma apologia à boemia, tema indiscutivelmente atrelado ao
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samba e ao carnaval. Osvaldo Garcia explicou que queria colocar a frase: Diretas já, diretas já, mas foi
alertado pelo então presidente da escola - Bosco, para que não o fizesse, e ele então substituiu por É carnaval.
Este samba foi o vencedor do festival interno do Rancho para levar a escola para o desfile oficial:

Foi a última escola a desfilar, e arrastou o público da avenida Doca, que cantou seu
samba do princípio ao fim (...) todo mundo de pé. Os aplausos começaram a chegar
quando começaram a passar as alegorias do Rancho, numa sequência do lirismo de
um amanhecer: o galo, o sol, pierrots, o bar, a praça etc. Mas, os aplausos se
intensificaram quando antecedido por Fafá de Belém apareceu um painel
lembrando em cores fortes, o céu ao alvorecer com uma caricatura do presidente
eleito Tancredo Neves (...) saiu com 3.800 brincantes e uma bateria de 200 ritmistas
(O LIBERAL, 18/2/1985, 1º CADERNO, p. 5).

A forma da composição é A-B. A abertura do samba, que tem seu início no refrão, é composto de
duas frases que se estendem de oito em oito compassos simetricamente na distribuição dos compassos,
dezesseis compassos de refrão, formando oito compassos em cada frase. A seção A apresenta trinta e nove
compassos e a seção B 39 compassos, além de uma ponte para retornar ao refrão. A parte A tem seu início
partir do compasso dezoito e se estende até o compasso cinquenta e seis. Interessante notar que a seção A
tem seu início com ritmos métricos e em seguida segue-se com sincopas e contratempos que vão ser os
ritmos predominantes da melodia.
A melodia é tonal, gira em torno da progressão harmônica I – IIm – V7 - I e I – IV – V7 - I, que
claramente forma uma cadência perfeita e nos remete à letra do samba enredo que acompanha a progressão
nos revelando o movimento de estabilidade ao acorde de tônica, de afastamento pelo acorde de II grau e
tensão no acorde de dominante com 7 (V7) que retornando sempre ao acorde de repouso, a progressão dá
um sentido de rondó.

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3. Breves considerações
O samba enredo é um dos elementos que compõe o universo das escolas de samba. Fator de
primordial importância, não só porque é um dos quesitos obrigatórios para o julgamento nos desfiles oficiais
do carnaval, mas também porque é o fio musical que conduz o desfile. Em Belém do Pará, em que pese
algumas opiniões contrárias, o carnaval continua existindo e as suas escolas de samba apresentam formas

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semelhantes às que surgiram no Rio de Janeiro, embora com algumas características regionais. Entretanto,
essas características não estão sempre presentes.
Os processos criativos dos sambas enredo provêm dos processos internos individuais e coletivos dos
compositores aliados às regras impostas pela sinopse das escolas de samba, sua inspiração e estética.
Amanheceu demonstra um apelo poético ao raiar do dia, como o sol que aparece depois de cada
anoitecer, trazendo o acordar dos elementos que faz o dia a dia das coisas e pessoas no cotidiano da vida.
Demonstra, também, subjetivamente, a sua inserção no contexto político da Ditadura Militar de 1964, com
suas funestas consequências.
O processo criativo deste samba se constitui em um trabalho de uma dupla de compositores que já
partilharam outros processos criativos. Suas vivências artísticas acontecendo quase sempre nos mesmos
espaços culturais.
O ambiente onde se processa a convivência social tem uma conotação fundamental no
comportamento e na própria existência dos compositores, incidindo na forma como ocorrem os seus
processos criativos musicais:

(...) o meio ambiente exerce influência considerável não só no processamento da


informação, como também, considerando-se tempos muito largos onde essa
influência é permanentemente exercida, modificam paulatinamente as próprias
disposições genéticas. Não é à toa, portanto, que cérebro, corpo, memória e
linguagem são dotados de plasticidade: a plasticidade é o fundamento da
capacidade de sobrevivência da espécie (MEDEIROS, 2012, p. 133).

O compositor de samba enredo, embora componha segundo uma sinopse, apresenta certa
flexibilidade em seu processo composicional, “O grau de flexibilidade corresponde em geral ao tipo de
ideologia do grupo social” (BÉHAGUE, 1992, p. 12), mas, também, o sistema cognitivo de seus praticantes,
seus sentimentos, suas experiências culturais, além de suas atividades sociais, intelectuais e musicais. A
música se tornando representativa, assim, do grupo, da cultura e o dos seres humanos que as ouvem, criam
e/ou executam.

Referências

ALVES, Regina de Fatima Mendonça; AMARAL FILHO, Otacílio. Iludindo a vigilância: o sonho cabano no
Carnaval de Belém do Pará. IV Colóquio Semiótico das Mídias. Centro Internacional de Semiótica e
Comunicação - CISECO, Alagoas, 2015.

BEHÁGUE, Gerard. Fundamento Sócio Cultural da Criação Musical. Art 19 (ago) 5-17, 1992.

BLASS, Leila Maria da Silva. Desfile na Avenida, Trabalho na Escola de Samba. A dupla face do carnaval. São
Paulo: Annablume, 2007.

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BEZERRA, Frederico Freire de Lima Neibert. O samba-enredo em Florianópolis; Perspectivas Históricas e a


Produção de sambas entre membros da “Protegidos da Princesa”. UDESC- Programa de Pós Graduação em
Música Centro de Artes – CEART, 2010.

CUÉLLAS, Jaime; PETIT, Pere. O Golpe de 1964 e a instauração da ditadura civil-militar no Pará, apoios e
resistências. Revista Estudos Históricos. V.25, nº 49 (2012).

GARCIA, Osvaldo. Entrevista O Liberal Aqui/Belém. s/ano, p.10. Belém Pará.

GARCIA, Osvaldo. Entrevista O Liberal 1º Caderno em 18/2/1985. Belém Pará.

GARCIA, Osvaldo. Entrevista O Liberal 2º Caderno em 20/2/1985. Belém Pará

GARCIA, Osvaldo. Entrevista Osvaldo Garcia. Em 13 de setembro de 2014, Belém do Pará.


Disponível no Laboratório de Etnomusicologia do PPGARTES - UFPA.

_______________ Entrevista Osvaldo Garcia. Em 04 de dezembro de 2015, Belém do Pará.


Disponível no Laboratório de Etnomusicologia do PPGARTES - UFPA.

LANGER, Susane, K. Estética, Sentimento e Forma. Uma teoria da arte desenvolvida a partir de Filosofia em
nova chave. São Paulo: Perspectiva, 2011.

MANITO, João. Foi no Bairro do Jurunas: a trajetória do Rancho Não Posso Me Amofiná (1934/1999), Belém:
Editora Bresser Comunicação e Produções Gráficas, 2000.

MEDEIROS, Afonso. A Arte Em Seu Labirinto. Belém: IAP, 2012.

MUSSA, Alberto; SIMAS, Luiz A. Samba de enredo: história e arte. Rio de janeiro: Civilização

OLIVEIRA, Alfredo. Carnaval Paraense. Belém: SECULT, 2006 Brasileira, 2010.

RODRIGUES, Carmem Izabel. Vem do Bairro do Jurunas: sociabilidade e construção de identidades em


espaço urbano. Belém; Editora do NAEA, 2008.

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O hinário Harpa Cristã na liturgia da igreja evangélica pentecostal Assembleia de


Deus

Diego Quadros
diegoquadros03@gmail.com
Universidade Federal do Pará

Sônia Chada
sonchada@gmail.com
Universidade Federal do Pará

Resumo: A Harpa Cristã é o hinário de cânticos congregacionais da Igreja


Assembleia de Deus, vinculado à liturgia de diversas cerimônias praticadas por este
seguimento. Este artigo apresenta uma etnografia musical da Assembleia de Deus
no Pará, descrevendo as práticas musicais que utilizam este hinário na liturgia dos
cultos e nas demais cerimônias desta Igreja, considerando os fenômenos que
influenciam ou são influenciados por estas práticas musicais, bem como a
expressão de fé contida nos textos desses cânticos, os significados destas práticas
para os fiéis, os costumes, doutrinas e crenças deste seguimento e toda a sua
musicalidade. O objetivo principal da pesquisa foi investigar e descrever de que
forma o hinário Harpa Cristã se vincula à liturgia da Assembleia de Deus,
observando os fenômenos relacionados ao fazer musical, à luz da etnomusicologia.
Para responder as perguntas propostas foi realizada a revisão da literatura sobre o
assunto e de temas que fundamentam a pesquisa, e a coleta de dados em campo.
Neste contexto, a prática musical é um agente facilitador, um veículo que aproxima
os crentes de Deus, através da adoração, transcendendo o campo físico.
Palavras-chave: Harpa Cristã; Música Congregacional; Assembleia de Deus.

Abstract: The Christian Harp hymnal is the congregational chanting of the Assembly
of God Church, linked to the liturgy in various ceremonies practiced by this follow-
up. This article presents a musical ethnography Assembly of God in Pará, describing
the musical practices that use this hymnal in the liturgy of worship and in other
ceremonies of this Church, considering the phenomena that influence or are
influenced by these musical practices, as well as the expression of faith contained
in the texts of these songs, the meanings of these practices to the faithful, customs,
doctrines and beliefs of this follow-up and all his musicality. The main objective of
the research was to investigate and describe how the Christian hymnal Harp is
linked to the liturgy of the Assembly of God, observing the phenomena related to
music making in the light of ethnomusicology. To answer the questions posed was
carried out a literature review on the subject and themes that underlie the
research, and the collection of field data. In this context, the musical practice is a
facilitator, a vehicle approaching the believers of God through worship,
transcending the physical realm.
Keywords: Christian harp; Congregational music; Assembly of God.

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1. Introdução
Muito se pode saber de uma sociedade estudando sua música, levando em consideração os aspectos
que circundam o fazer musical, como as tradições, a religião, os significados, fatos históricos, entre outros.
Compreender os diversos fenômenos presentes em uma performance, para Seeger (2007), é de fundamental
importância para se construir uma etnografia musical, a descrição de um povo através de sua música. Nesta
linha de pensamento, entende-se que o estudo da prática musical vai para além de compreender escalas,
ritmos e outras peculiaridades do “sistema” musical de determinada sociedade: “Compreender costumes,
crenças, comportamentos e organização social é o mesmo que criar relações que se proponham a interpretar,
com base na pesquisa, a prática musical” (FERRO, 2011, p. 71).
Com mais de um século de existência, a Igreja Assembleia de Deus é detentora de um vasto
repertório musical que surgiu no decorrer do Século XX, que expressa os diversos aspecto da fé deste
seguimento e os aspectos históricos que a originaram. Os hinos mais tradicionais desta Igreja estão contidos
em seu hinário oficial intitulado de Harpa Cristã, o hinário de cânticos congregacionais da Assembleia de
Deus. Seus hinos, além de cumprirem a função de adorar a Deus através do canto dos fiéis, estão
entronizados na liturgia da referida igreja com funções especificas para cada cerimônia.
Os aspectos culturais, históricos e litúrgicos que permeiam o fazer musical desta religião são objetos
de estudo da Etnomusicologia, ciência que estuda não apenas a música em si, mas considera também o
contexto em que ela está inserida. Segundo Chada (2007, p. 2):

A Etnomusicologia não se ocupa apenas do estudo da música, mas também do ser


humano que faz a música. Assim sendo, são de fundamental importância para esses
estudos as relações dos elementos cognitivos e socioculturais que determinem a
relação da música com o seu contexto, a inserção da música nas diferentes
atividades sociais e os múltiplos significados decorrentes dessa interação.

Assim, se objetivou nesta pesquisa investigar e descrever de que forma o hinário Harpa Cristã se
vincula à liturgia da Assembleia de Deus, observando os fenômenos interligados ao fazer musical, à luz da
etnomusicologia. Questões relacionadas às origens desta religião, aos aspectos históricos que originaram o
referido hinário, ao simbolismo e aos rituais específicos a partir dos cânticos neles praticados, também são
abordadas. Para tanto foram observados os aspectos históricos e o papel dos hinos da Harpa Cristã na liturgia
das Igrejas Assembleias de Deus. A coleta de dados foi realizada a partir de pesquisas de campo e entrevistas
em diversos templos no estado do Pará, e de fontes documentais históricas disponíveis na própria igreja e
na bibliografia disponível. A familiaridade com a maioria das congregações visitadas facilitou o acesso aos
cultos e demais cerimônias, assim como as entrevistas.

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2. A igreja Assembleia de Deus.


A Assembleia de Deus é uma Igreja Evangélica que surgiu no inicio do século XX, fundada por dois
missionários suecos e por um grupo de fieis, em Belém do Pará. Hoje, com mais de um século de existência,
a Assembleia de Deus aparece em primeiro lugar no ranking das 10 maiores igrejas evangélicas do país,
segundo o site GNotícias (Disponível em :http://noticias.gospelmais.com.br/infografico-evangelicos-
maiores-igrejas-brasil-42425.html). Faz parte do grupo das Igrejas do Protestantismo, uma das três maiores
divisões do Cristianismo: “O Protestantismo é um dos três principais ramos do Cristianismo ao lado do
Catolicismo Romano e das Igrejas Orientais ou Ortodoxas” (MENDONÇA, 2005, p. 50). Além disso, é também
considerada uma Igreja Pentecostal, por ter surgido com base neste movimento americano, que tem como
principal característica a crença na manifestação do Espírito Santo, através do falar da “Língua dos anjos” ou
“Línguas estranhas”, conforme denominam os fiéis. Hoje a Assembleia de Deus é o maior segmento
Pentecostal do Brasil. Segundo a Revista Veja:

Organizada nos moldes das Igrejas Pentecostais que surgiam então naquele país, a
Assembleia de Deus acredita no poder supremo do Espírito Santo e prega com
ênfase o Evangelho Cristão. Nos cultos, fiéis oram e cantam em voz alta dentro dos
templos (VEJA, Disponível em:
<http://veja.Assembleiaabril.com.br/idade/exclusivo/evangelicos/em_resumo.html >).

“Mas, se alguém quiser ser contencioso, nós não temos tal costume, nem as igrejas de Deus” (1
CORINTOS 11:16). Discordar, contestar, argumentar costumes e tradições da Assembleia de Deus não é visto
com bons olhos pela comunidade. A interferência das “coisas do mundo”, ou “mundanismo1”, é perigoso ou
mesmo pecaminoso segundo os assembleianos mais tradicionais. Dado a isto, em se tratando das
Assembleias de Deus no Pará, assim como nas questões doutrinárias, as questões litúrgicas resistem às
mudanças, no decorrer do tempo, segundo os assembleianos.
Contudo, indiscutivelmente novos elementos foram inseridos na liturgia dos cultos, gradativamente,
durante o Século XX. Todavia os moldes dos cultos ministrados pelos pastores pioneiros ainda permanecem.
Grandes mudanças são notadas, na maioria das vezes, fora do Estado do Pará, sem generalizações.
Vale mencionar, entretanto, que qualquer elemento novo enfrenta forte resistência antes de ser
incorporado à liturgia assembleiana. E mesmo depois de incorporado ainda enfrenta criticas e rejeição por
parte dos fieis mais tradicionais: “O culto é um dos principais elementos litúrgicos da fé evangélica. Mas, ao
longo do tempo, em virtude da pecaminosidade humana e da busca pela satisfação própria, esse tem sofrido

1 Refere-se às coisas de fora da igreja, seculares. Músicas não religiosas, por exemplo, são músicas mundanas no entendimento dos assembleianos.

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uma série de deturpações”, cita o pastor Lindomar Martins (2011, s/p), da Assembleia de Deus de Goiás,
combatendo as “inovações” na liturgia dos cultos.
Essa certa rejeição pelo “novo”, visto que esse pode trazer “mundanismos” pra dentro da igreja,
fortalece a preferência pelos hinos da Harpa Cristã como sendo estes realmente aptos para a liturgia dos
cultos.

3. O hinário congregacional.
“A Harpa Cristã é o hinário oficial das Assembleias de Deus no Brasil. Ela foi especialmente organizada
com o objetivo de enlevar o cântico congregacional” (MANUAL DA HARPA CRISTÃ, 1999, p. 11). Para melhor
compreender o hinário Harpa Cristã, torna-se necessário discutir a definição de cântico congregacional e seus
fins na história das Igrejas Protestantes.
Atualmente, a maioria das pessoas, principalmente as não protestantes, tem uma ideia errônea a
respeito do canto congregacional. Ao contrário do que se pensa, não se trata de hinos que são cantados em
uma determinada congregação. Nem todos os hinos entoados em uma igreja protestante são
congregacionais. Outra definição, não aceita pelos mais tradicionais, imposta pela mídia, oriunda
principalmente de protestantes recém-convertidos, é a de que o canto congregacional seria aquele estilo de
hino executado pelo “Ministério de Louvor”2 de uma igreja, onde os fiéis levantam as mãos, dançam e
bradam liderados por um cantor ou cantora que se posiciona no altar:

Provavelmente você não está familiarizado com a expressão “canto


congregacional” na mesma perspectiva que os nossos pais reformadores. A
referência que temos desta atividade pode ser confundida com a ideia de um palco
em destaque no auditório do templo, uma banda ou conjunto bem posicionado e
distribuído destacando mais a figura do cantor ou cantora principal e toda a plateia,
obedecendo aos comandos e as palavras de ordem de seus "ministros" de louvor
(BERNINI JUNIOR, 2015, s/p).

Cânticos congregacionais referem-se aos hinos mais tradicionais de uma determinada igreja
protestante, geralmente impressos em hinários para facilitar o aprendizado e a execução dessas músicas na
liturgia dos cultos, promovendo certa uniformidade cultural musical em todas as congregações do mesmo
seguimento.
Em geral, são melodias simples, fáceis de decorar, a fim de que a mensagem contida na letra dos
hinos penetre fundo na mente dos fiéis e seja repassada para as próximas gerações: “Musicalmente, os

2
Grupo de músicos responsáveis pelos trabalhos musicais de uma igreja evangélica, composto por cantores, instrumentistas, controladores de sons
e outros trabalhos afins.

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cânticos congregacionais são fáceis o suficiente para o povo de Deus cantá-los juntos, e sem dificuldade. Eles
são simples e profundos o suficiente para atravessar as barreiras do tempo e do estilo necessárias para servir
o Corpo de Cristo” (BIBLE, 2015, s/p).
Constitui-se, principalmente, um momento de unidade da igreja, dos fiéis, onde todos os
participantes do culto cantam em uma só voz como um grande coral uníssono. É essa a principal característica
do canto congregacional: proporcionar a música, elemento essencial do culto protestante, a todos os fiéis,
diferenciando-se de outros momentos musicais do culto ministrados por cantores, grupos musicais ou corais
específicos: “O canto não deve ser sempre feito por uns poucos. O mais frequentemente possível, una-se
toda a congregação”3. (WHTI, 1909, p. 144).
3.1. Harpa Cristã, A fé cantada
Os hinos da Harpa Cristã são os cânticos congregacionais da Assembleia de Deus. São entoados por
todos os fieis presentes no culto, formando um grande coral acompanhado pelos instrumentistas, ou não,
haja vista que, nem sempre as igrejas dispõem de orquestra, e os músicos da banda base podem, vez ou
outra, faltar aos cultos no decorrer da semana. Em dadas cerimônias a presença de músicos instrumentistas
não se faz necessária, a exemplo de cultos fúnebres e orações. Em geral, os principais músicos que executam
tais hinos são os cantores: os próprios fiéis. Nas Assembleias de Deus os hinos da Harpa Cristã são cantados
quase que obrigatoriamente no início do culto, antes da leitura bíblica.
Definir um estilo musical para o hinário Hárpa Cristã torna-se inviável, considerando que seus hinos
foram compostos por diversos autores em diferentes épocas, e ainda que a grande maioria destes hinos foi
composta a partir de melodias populares e folclóricas de partes distintas da América e da Europa, resultando,
assim, em um hinário estilisticamente diversificado. “Portanto, seus poemas eram “encaixados” em melodias
já existentes, obviamente europeias e americanas” (DOLGHIE, 2002, p. 99). Contudo, aspectos concernentes
à forma “A, B, A, B...” possam ser notados em muitos destes hinos, a exemplo do hino 304 exposto na figura
01, onde o refrão está destacado em itálico. A maior similaridade encontrada entre estas canções está nas
letras, que seguem o mesmo objetivo: expressar a fé desta denominação, comum desde os tempos de Lutero,
pioneiro no canto congregacional.
O momento do canto congregacional é onde a igreja se une em uma só voz para proclamar a sua fé
através do canto. Os textos dos hinos expressam todas as suas crenças, que se fortalecem ao serem
declaradas por todos os fieis: “Eu sempre me emociono quando cantamos o hino de número 304 na igreja.
Eu fecho os meus olhos e me imagino chegando perto do meu Jesus e contemplando sua face, né? Que
maravilha! Glória a Deus! (Entrevista realizada com Mariliana Soares, Vigia-PA, em 12.07.2015):

3
The singing is not always to be done by a few. As often as possible, let the entire congregation join.

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Figura 01: Hino da Hárpa Cristã, nº 304, A face adorada de Jesus.

Fonte: Acervo pessoal

Ver a face de Jesus, estar com ele em um lugar melhor, em uma cidade onde as ruas são de
ouro e cristais, tal como descrito no hino 26 da Harpa Cristã, é sem dúvida a principal esperança dos
assembleianos:

Figura 02: Hino da Hárpa Cristã, nº 26, A formosa Jerusalém.

Fonte: Acervo pessoal

Essa esperança se baseia na promessa bíblica que diz que o mesmo Cristo que subiu ao céu
voltará em glória a esta terra, a fim de levar a sua igreja para viver eternamente com Ele (ÁTOS 1:
11; JOÃO 14: 1,2,3; APOCALIPSE 7: 9). Este é o anseio da igreja, se libertar dos tormentos desta vida,
das provações, e receber a recompensas de Cristo dispondo eternamente de um gozo inimaginável:

A Igreja de Jesus Cristo aguarda o grande momento do Arrebatamento, quando em


um abrir e fechar de olhos, ante o toque da trombeta, os fiéis que morreram

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ressuscitarão e os que estiverem vivos serão transformados. Nesse dia glorioso, os


salvos haverão de encontrar-se com Jesus nos ares (PIRES, 2016, s/p).

Outro aspecto da fé assembleiana muito encontrado nos hinos da Harpa Cristã é o amor incondicional
de Cristo, fundamento maior do Cristianismo:

Figura 03: Hino da Hárpa Cristã, nº 291, A mensagem da cruz.

Fonte: Acervo pessoal.

A crença na manifestação do Espírito Santo nos fieis através das línguas estranhas também é
expressado nos hinos do referido hinário. O hino 340 fala do surgimento de um povo revestido do poder,
esse poder é o Espírito Santo:

Figura 04: Hino da Hárpa Cristã, nº 291, Um povo forte.

Fonte: Acervo pessoal

Há também, no hinário da Assembleia, cânticos destinados apenas à adoração, à exaltação de Deus,


mas que também expressam a fé dos Assembleianos:

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Figura 05: Hino da Hárpa Cristã, nº 45, Redentor Onipotente.

Fonte: Acervo pessoal

3.2 Hinos litúrgicos.


Os hinos litúrgicos são os que são usados em cerimônias específicas, simplesmente porque foram
feitos para este fim ou se tornaram convenientes para certos tipos de serviços na igreja. Em geral, além dos
cultos existe a cerimônia da Santa Ceia, a cerimônia Fúnebre, a cerimônia Batismal, entre outras.
3.2.1 A Cerimônia Fúnebre.
“Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito; vou preparar-vos
lugar” (JOÃO 14:2). A descrição desta cerimônia não pode ser exata, visto que seu andamento depende muito
da vontade dos familiares do fiel, mas, em geral, ela começa com uma oração que anuncia o inicio da
cerimônia: “Ao ser dado ordem pelos familiares que se proceda à cerimônia, o ministro, reconhecendo a
soberania de Deus, pedirá que Ele abençoe o culto que está sendo celebrado, e de igual forma console os
familiares do irmão (ã)” (MARTINS, 2011, s/p). Posteriormente, o pastor faz uma leitura bíblica seguida de
uma pregação, uma mensagem confortante direcionada, principalmente, para os familiares. Os hinos da
Harpa Cristã são entoados depois da mensagem. Entre um hino e outro o pastor pode chamar alguns dos
familiares ou amigos que queiram falar algo em memória do ente querido. Tudo isso de acordo com o
consentimento dos familiares. Em seguida o pastor conduz o cortejo onde mais hinos da Harpa Cristã são
entoados, até chegar ao cemitério. Ali, o pastor diz mais algumas palavras de conforto, refere-se ao morto
lembrando suas qualidades, ressaltando sempre que Deus o chamou para estar com ele. Comumente, na
Assembleia ao se referir a um fiel que já morreu se diz “ele já dorme no SENHOR”. Por fim, enquanto o caixão
desce a cova, outro hino da Harpa é entoado pelos fieis. Após isso o pastor faz uma oração final e despede a
todos.
Apesar do Hinário Harpa Cristã não indicar em seu índice de assuntos os cânticos mais apropriados
para este fim, os hinos de número 2, 4 e 187 tradicionalmente são cantados nas cerimônias fúnebres.

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O hino de número 4, intitulado “Deus velará por ti” traz uma mensagem de conforto para a família
do falecido. Em um momento tão difícil, o hino incentiva a não desanimar, e mostra Deus como consolador,
que cuida, que vela, independente das circunstancias.

Figura 06: Hino da Hárpa Cristã, nº 04. Deus velará por ti.

Fonte: Acervo pessoal

Esse hino é muito característico nessas cerimônias. Devido a isso, não é comum a execução deste nos
demais cultos. O mesmo acontece com o hino de número 02, “Saudosa lembrança”, evitado ao máximo de
ser cantado em outros cultos da Igreja.
3.2.2 A Cerimônia Batismal.
“Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do
Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou
convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Amém” (MATEUS 28: 19-20).
O Batismo simboliza a inserção oficial de novos membros nesta Igreja. Mesquita (2012 s/p) explana
sobre o Batismo na Assembleia de Deus:

Batismo forma, com a Ceia do Senhor, as duas Ordenanças, que o Senhor


preestabeleceu à Igreja. Ele indica a iniciação do crente nas fileiras cristãs. Ele é
símbolo de sepultamento, da morte do velho homem e também do renascimento
do novo ser em Cristo – da semente humana, para a semente espiritual: – “De sorte
que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo foi
ressuscitado dentre os mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós também em
novidade de vida” e “Sepultados com ele no batismo, nele também ressuscitastes
pela fé no poder de Deus, que o ressuscitou dentre os mortos” (ROMANOS 6:4 e
COLOSSENSES 2:12).

Sendo este um símbolo de sepultamento de pecados, os candidatos ao batismo são submetidos a


uma reunião com o pastor da Igreja, onde lhes é esclarecido as regras a serem seguidas depois de batizados

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e as possíveis punições cabíveis, no caso de desvio do que diz a doutrina assembleiana. Tendo concordado
com os termos expostos na reunião que precede o batismo, os candidatos seguem para a cerimônia que se
dá, na maioria das vezes, em um rio, seguindo o exemplo de João Batista que batizou a Jesus no Rio Jordão
(MATEUS 3: 13-17). Todavia, tornou-se comum esta cerimônia acontecer em piscinas, tanques, conforme o
que dispõe a Igreja:
Os textos dos hinos utilizados para o batismo tem a mesma temática, falam literalmente sobre a
cerimônia. Grosso modo são hinos que discorrem sobre sepultamento de pecados nas águas, purificação e
aptidão para entrar no céu.

Figura 07: Hino da Hárpa Cristã, nº 470, Batismo.

Fonte: Acervo pessoal

Em geral os hinos são cantados enquanto os candidatos descem às águas. Dependendo do


número de irmãos que serão batizados.
3.2.3 A Cerimônia da Santa Ceia.
Esta cerimônia é apenas para os membros da igreja, os que já são batizados, isto não quer dizer que
os demais não possam assistir a cerimônia, só não podem participar:

Porque eu recebi do Senhor o que também vos ensinei: que o Senhor Jesus, na noite
em que foi traído, tomou o pão; E, tendo dado graças, o partiu e disse: Tomai,
comei; isto é o meu corpo que é partido por vós; fazei isto em memória de mim.
Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é
o novo testamento no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que beberdes, em
memória de mim (1 CORÍNTIOS 11: 23-25).

É pertinente salientar que quando alguém decide se converter para a Assembleia de Deus, o primeiro
passo é aceitar a Jesus. Este ato se dá no momento em que a pessoa vai diante do altar atendendo o chamado
do pastor ou pregador e reconhece Cristo como único e suficiente salvador, isto por que a pessoa nesse
momento renuncia às outras divindades, a exemplo dos santos da Igreja Católica ou os orixás do Candomblé.
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Em seguida a pessoa recebe uma oração e passa a fazer parte da Igreja, mas ainda não é membro oficial e
não pode participar da Santa Ceia, para tal, a pessoa tem que ser batizada, só assim estará apta a participar
desta cerimônia e compartilhar do Corpo de Cristo.
A cerimônia propriamente dita é um momento do culto. Este começa normalmente como os demais
cultos de domingo, a diferença é que os hinos da Harpa Cristã e os hinos entoados pelos corais, na maioria
das vezes lembram o sacrifício de Cristo, a última ceia, ou ovacionam o sangue de Jesus como expiador de
pecados:

Figura 08: Hino da Hárpa Cristã, nº 39. Alvo mais que a neve.

Fonte: Acervo pessoal

Os hinos da Harpa são cantados no início do culto e também durante a cerimônia que se dá
após a pregação. O pastor convoca o ministério para orar pelo pão, pelo vinho, mas isso pode variar
de acordo com o pastor que está dirigindo a Igreja. A oração pode ser feita pelo pão e pelo vinho de
uma só vez. A distribuição do pão e do vinho também pode sofrer variações de uma igreja para a
outra. Na maioria das igrejas pesquisadas, primeiramente é distribuído o pão e depois que toda
Igreja foi servida o vinho começa a ser distribuído. Mas em algumas Assembleias de Deus a entrega
do pão e do vinho acontece concomitantemente.
Durante a entrega do pão e do vinho, hinos da Harpa Cristã vão sendo cantados por toda
igreja. No momento da entrega do pão há preferência por hinos que mencionam o pão como
símbolo do Corpo de Cristo:

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Figura 09: Hino da Hárpa Cristã, nº 328, Pão d vida.

Fonte: Acervo pessoal.

No momento da entrega do vinho se prefere os que falam de sangue, de sacrifício. O hino de número
39 é comumente executado nesta ocasião. O hino 301 é o mais tradicional e pode ser cantado tanto no
momento da entrega do pão quanto no da entrega do vinho, ou mesmo no começo do culto. O texto deste
hino convida a todos a participarem da Santa Ceia:

Figura 10: Hino da Hárpa Cristã, nº 328, Vem ceiar.

Fonte: Acervo pessoal.

4. Considerações finais
As pesquisas de campo e bibliográficas realizadas revelaram que a Harpa Cristã é um hinário que
expressa os diversos aspectos da crença assembleiana, a esperança na vinda de Jesus Cristo como o salvador
dos que se mantiverem fieis até o fim, o amor do Deus que tanto amou o mundo a ponto de entregar seu
filho unigênito pelos pecadores, liberando, assim, a salvação a todos os que reconhecerem a Jesus como
único salvador, a manifestação do Espírito Santo nos fiéis que desce figurado como fogo ou como chuva.
O papel principal dos hinos da Harpa Cristã, observado nesta pesquisa, foi o de fortalecer a fé do
próprio seguimento, afixando-a nas mentes dos fieis, que através da música melhor absorvem essas

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doutrinas. Além disso, esses hinos também são ferramentas importantes para o “desenvolver” das
cerimônias mais praticadas da Igreja. Identificou-se ainda neste estudo que os hinos também têm o papel de
evangelizar os não seguidores desta fé e o “poder” de interferir numa dimensão “sobrenatural”.
No intuito de descrever como acontece o fazer musical relacionado aos hinos da Harpa Cristã,
observou-se que em geral os hinos são cantados no começo do culto por todos os presentes como um grande
coral em uma só voz, este é o principal aspecto que os define como cânticos congregacionais.
Atualmente os hinos congregacionais na Assembleia de Deus são, geralmente, acompanhados por
instrumentos que compõem uma orquestra, e/ou por instrumentos eletrônicos e bateria. Notou-se, porém,
que a ausência de instrumentos não se caracteriza como empecilho para que a prática musical destes hinos
aconteça. Em diversos momentos da pesquisa se percebeu a ausência de músicos instrumentistas em alguns
eventos da igreja, a exemplo das cerimônias fúnebres, orações, algumas cerimônias batismais e até mesmo
em cultos de igrejas que não dispunham de instrumental ou mesmo devido a ausência de instrumentistas
em cultos em dias de semana, por exemplo. Deste modo, entende-se que o acompanhamento instrumental
no canto congregacional da Assembleia de Deus é um complemento para a prática musical, que acontece
principalmente através do canto de todos os membros que estiverem presentes. Compreende-se que os
músicos mais atuantes nesta prática são os cantores, os próprios fieis, que a prática musical nesse contexto
ocorre principalmente através dos cantores, dos fiéis que também são coristas. É de fato um canto de toda
a congregação, o canto congregacional.

Referências

BERNINI JUNIOR, Rogério. A importância do canto congregacional. Primeira Igreja Presbiteriana de Porto
Velho. Disponível em: <http://www.ipportovelho.com.br/artigo/a-importancia-do-canto-
congregacional>. Acesso em: 04/03/2015.

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http://musicaeadoracao.com.br/60639/uma-visao-do-canto-congregacional/. Acesso em:
01/03/2016.

BÍBLIA SAGRADA

CHADA, Sonia. A Prática Musical no Culto ao Caboclo nos Candomblés Baianos. In: III Simpósio de
Cognição e Artes Musicais. EDUFBA, 2007.

DOLGHIE, Jacqueline Ziroldo. Um estudo sobre a formação da hinódia protestante brasileira. In: Âncora
Revista de Estudo em Religião. Faculdade de Teologia IV Centenário. São Paulo, 2002.

FERRO, Kélem Carla Alves. A música nos rituais religiosos do Santo Daime. In: Cadernos do grupo de
pesquisa Música e identidade na Amazônia-GPMIA. Volume II. Belém, 2011.

MANUAL DA HARPA CRISTÃ. Rio de Janeiro: Editora CPAD, 1999.

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MARTINS, Lindomar. Manual de liturgia das Assembleia de Deus. Disponível em: <
http://pastorlindomarmartins.blogspot.com.br/2011/08/manual-de-liturgia-Assembleiana.html > Acesso em
24/03/2016.

MENDONÇA, Antônio Gouvêa. O Protestantismo no Brasil e suas encruzilhadas. In: Revista USP, São Paulo,
2005.

MESQUITA, Antônio. O batismo nas águas como ordenança do Senhor e sua doutrina. Fronteira Final.
Disponível em: < https://fronteirafinal.wordpress.com/2012/07/16/texto-bablicoa/ > Acesso em
24/03/2016.

PIRES, Airan. A volta de Jesus. Assembleia de Deus Novo Viver. Disponível em: <
http://novoviver.com.br/site/multimedia-archive/sermao-a-volta-de-jesus-cristo/> Acesso em
25/03/2016.

QUADROS, Diego Oliveira. Entrevista de Mariliana Soares. 12/07/2015. Vigia PA. Gravação de áudio.
Templo Central da Assembleia de Deus em Vigia.

SEEGER, Anthony. Etnografia da Música. In: Cadernos de Campo. São Paulo 2011.

WHTI. Ellen G. Testimonies for the Church. Vol 9. in the larger free Online Books collection on the Ellen
G. White Estate Web site. Disponível em:
<http://centrowhite.org.br/files/ebooks/egwenglish/books/Testimonies%20for%20the%20Church
,%20vol.%209.pdf> Acesso em: 09. mar. 2016.

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A prática do carimbó na microrregião Salgado Paraense segundo os acervos do


Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN

Danilo Rosa dos Remédios


danilorosa73@gmail.com
Universidade Federal do Pará
Maria José Pinto da Costa de Moraes
yeye98@yahoo.com
Universidade Federal do Pará

Resumo: Este trabalho vem apresentar o resultado da pesquisa realizada nos


acervos do IPHAN sobre a prática do carimbó na região do Salgado Paraense,
fazendo um panorama da prática nesta região. O IPHAN é uma instituição federal
vinculada ao Ministério da Cultura, responsável por preservar, divulgar e fiscalizar
os bens culturais brasileiros, materiais e imateriais. O presente trabalho apresenta
o detalhamento dos dados coletados nos acervos do Instituto a partir de uma
perspectiva etnomusicológica. Esta pesquisa foi realizada através de pesquisa
bibliográfica.
Palavras-chave: Carimbó. Iphan. Salgado Paraense. Práticas Musicais.

Abstract: This work is to present the results of research conducted in IPHAN


collections on the practice of carimbó in Salt Pará region, making an overview of
practice in this área. IPHAN is a federal institution under the Ministry of Culture,
responsible for preserving, disseminating and monitoring the Brazilian cultural
assets, tangible and intangible. This study provides a breakdown of the data
collected in the collections of the Institute from an ethnomusicological perspective.
This research was conducted through literature.
Keywords: Carimbó. Iphan. Salgado Paraense. Musical Practices.

Introdução
O estado do Pará é um estado grande, o segundo maior do país com cerca de 8,074 milhões de
habitantes e extensão territorial de 1.248.000 km², segundo o IBGE. Por ser grande e diverso apresenta uma
produção cultural vasta e plural que ainda é pouco explorada dentro e fora da academia. Entender a
especificidade da paisagem sociocultural paraense, onde habitam suas noções identitárias, significa aspirar
caminhos mais prósperos para a região e seu povo. Lançando mão do instrumental teórico fornecido pela
Etnomusicologia, seguindo as proposições de Blacking (2000), Nettl (2005) e Chada (2007) para o estudo de
música e, considerando, conforme o caso, as relações entre música e outras áreas da cultura, pretende-se
investigar neste trabalho a prática do carimbó na microrregião do salgado paraense, segundo os trabalhos
sobre esta região encontrados nos acervos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN.

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Na busca de entender o contexto sócio-cultural e sócio-musical através das práticas musicais do estado, faz-
se aqui um recorte da região do Salgado Paraense. Prática musical será tratada aqui como:

Um processo de significado social, capaz de gerar estruturas que vão além de seus
aspectos meramente sonoros, embora estes também tenham um papel importante
na sua constituição (...). A execução, com seus diferentes elementos (participantes,
interpretação, comunicação corporal, elementos acústicos, texto e significados
diversos) seria uma maneira de viver experiências no grupo. Assim, suas origens
principais têm uma raiz social dada dentro das forças em ação dentro do grupo,
mais do que criadas no próprio âmago da atividade musical. Isto é, a sociedade
como um todo é que definirá o que é música. A definição do que é música toma um
caráter especialmente ideológico. A música será então um equilíbrio entre um
"campo" de possibilidades dadas socialmente e uma ação individual, ou subjetiva
(CHADA, 2007, p. 13).

Portanto, prática musical aqui será entendida como parte de um contexto social onde seu realizador
reflete todo o seu contexto através de sua música e não meramente como sons.
É sabido que existem vários registros sobre as produções musicais paraenses, porém, essas
produções ainda são pouco exploradas e os dados coletados estão longe de representar o universo musical
produzido no Estado. Então vê-se a relevância deste estudo, delimitando o recorte de uma pequena região
de grande representatividade dentro do tema numa tentativa de compreensão deste contexto para assim
entendermos um pouco mais a identidade cultural do Estado, através dos pressupostos fornecidos pela
etnomusicologia
A microrregião do Salgado Paraense está localizada na faixa litorânea do Estado, como demonstra a
imagem abaixo onde está preenchida em preto, e junto com outras quatro microrregiões (Bragantina,
Guamá, Tomé-Açú e Cametá), formam a mesorregião Nordeste Paraense. O território do Salgado abrange
onze municípios: Salinópolis, São João de Pirabas, Vigia, São Caetano de Odivelas, Colares, Marapanim, São
João da Ponta, Terra Alta, Maracanã, Magalhães Barata e Curuçá.

Imagem: Wikipedia

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O carimbó
O Carimbó é uma manifestação paraense que compreende todo um complexo de práticas sociais,
festivas e religiosas. Resultado da união de elementos culturais de indígenas, afrodescendentes e europeus
(portugueses), é possível perceber tais referências presentes de forma integrada no gênero, como na
composição dos instrumentos utilizados para tocar, onde a influência indígena se observa na disposição das
apresentações em formato de roda e em alguns instrumentos de percussão como as maracas e o curimbó,
nos elementos rítmicos da música como as síncopes e intenção repetitiva nas frases rítmicas e melódicas vê-
se a contribuição do negro e na dança em pares ou mesmo individualmente com gestos, palmas e estalar de
dedos, além de padrões melódicos, estaria a influência ibérica. A dança e a música do carimbó representam
uma relação com a atividade de trabalho de seus compositores, em geral pescadores e agricultores da zona
rural do Estado. O nome da manifestação deriva do instrumento de percussão curimbó, que vem do Tupi
Korimbó, principal instrumento utilizado para a realização das rodas de carimbó. O instrumento é feito de
tronco de madeira escavado por dentro e pele de animal revestindo uma das extremidades, é um símbolo
desta manifestação popular, caracterizada por sua função comunicacional e vinculativa em torno dos rituais
religiosos, festas populares e reuniões sociais.

Metodologia
Para obtenção dos dados fez-se necessário consultar os acervos do IPHAN. Tal pesquisa se deu em
dois momentos, num primeiro instante o pesquisador necessitou ir ao Instituto realizar um levantamento
em seus acervos, para identificação dos trabalhos constantes neste que tratassem a respeito de práticas
musicais no Pará, tendo assim um panorama dos registros. Após esta etapa de identificação dos dados foi
necessário retornar aos acervos, para obter cópias dos trabalhos levantados, com os devidos documentos de
solicitação de permissão para que se adquirisse tais cópias.
Foi necessária a obtenção de um scanner portátil para copiar alguns dos documentos do acervo, visto
que os trabalhos não podiam ser retirados do local, e outros a técnica do Instituto responsável pelo acervo
já dispunha digitalizados e cedeu gentilmente para o pesquisador.

Resultados
A maior parte dos trabalhos constantes nos acervos do IPHAN sobre práticas musicais no Pará foram
realizados através de um projeto chamado Inventário Nacional de Referências Culturais – INRC - que busca
atender à demanda que chega ao Instituto por registo de bens culturais.
Um dos bens culturais levantados através do projeto foi o carimbó, que no ano de 2014 foi
reconhecido como patrimônio cultural imaterial brasileiro e foi sob instrução dos trabalhos do INRC que
ocorreu esse processo de registro, sendo realizado pela unidade do IPHAN no Pará, localizada na cidade de

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Belém, onde todos os inventários produzidos pelas pesquisas do INRC no Pará se encontram disponíveis. Os
trabalhos de reconhecimento dos bens culturais do Inventário Nacional Referências Culturais são guiados e
embasados por um documento chamado Manual do INRC. Sobre o termo “referência cultural”, diz o manual:

A expressão “referência cultural” tem sido utilizada sobretudo em textos que têm
como base uma concepção antropológica de cultura, e que enfatizam a diversidade
não só da produção material, como também dos sentidos e valores atribuídos pelos
diferentes sujeitos a bens e práticas sociais (...). Embora essas informações só
possam ser apreendidas a partir de manifestações materiais, ou “suportes” – sítios,
monumentos, conjuntos urbanos, artefatos, relatos, ritos, práticas, etc. – só se
constituem como “referências culturais” quando são consideradas e valorizadas
enquanto marcas distintivas por sujeitos definidos. Falar em referências culturais
nesse caso significa, pois, dirigir o olhar para representações que configuram uma
“identidade” da região para seus habitantes, e que remetem à paisagem, às
edificações e objetos, aos “fazeres” e “saberes”, às crenças, hábitos, etc.
Referências culturais não se constituem, portanto, em objetos considerados em si
mesmos, intrinsecamente valiosos, nem apreender referências significa apenas
armazenar bens ou informações. Ao identificarem determinados elementos como
particularmente significativos, os grupos sociais operam uma ressemantização
desses elementos, relacionando-os a uma representação coletiva, a que cada
membro do grupo de algum modo se identifica. O ato de apreender “referências
culturais” pressupõe não apenas a captação de determinadas representações
simbólicas como também a elaboração de relações entre elas, e a construção de
sistemas que “falem” daquele contexto cultural, no sentido de representá-lo. Nessa
perspectiva, os sujeitos dos diferentes contextos culturais têm um papel não
apenas de informantes como também de intérpretes de seu patrimônio cultural.
(MANUAL DO INRC, 2000, p. 08)

Os bens levantados pelo INRC tidos como “referência cultural” para esta pesquisa levam em conta
os diversos contextos culturais em que este bem está inserido e as diversas significações atribuídas por quem
os vive, buscando entender de forma plural todo o contexto social em que a manifestação está inserida.
Assim, a região do Salgado Paraense foi uma das pesquisadas pelo IPHAN para os devidos registros
da prática do carimbó onde todos os onze municípios foram pesquisados, buscando grupos, mestres e
pessoas ligadas à pratica do carimbó na região. Em cada cidade foram encontrados os seguintes grupos de
carimbó:
Salinópolis
Grupo de Carimbó Raízes Coremar Grupo de Carimbó Ritmos Grupo de Carimbó Zíngaro
Regionais
Grupo de Carimbó os Originais do Grupo de Carimbó Canarinho do Grupo de Carimbó As Andorinhas
Sal Caranã
Grupo de Carimbó Zunidos de Grupo de Carimbó Os Panteras do Grupo de Carimbó do Gerimar
Caraná Atalaia
Grupo de Carimbó Unidos por Grupo O Popular Artesanato de banjo Beneditor
Salinas
Artesanato de curimbó Poconhó

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São João de Pirabas


Grupo de Carimbó Os Canarinhos Grupo de Carimbó Carimaré Grupo de Carimbó Cobra Verde
de Pirabas
Grupo de Carimbó Raízes da Terra Grupo da Sra Maria Pajé Grupo de Mestre Jerônimo
Grupo de Mestre Jerônimo Grupo de Seu “Banjo”

Vigia
Grupo Beija Flor Grupo de carimbó Os Tapaioaras Carimbó do Tauapará
Grupo da Tia Pê Grupo Uirapurú Vigiense Grupo Os Canarinhos
Carimbó de Repente Grupo Raízes do Cacau Carimbó do Manduquinha
Artesão de banjo Januário Estácio Artesanato de banjo Artesanato de banjo Genuíno
Benedito do Taupará Lobato (Pião)

São Caetano de Odivelas


Grupo Capim Gordura Grupo Itapuí Grupo Sauatá
Grupo Expedicionário Conjunto Azulão Conjunto de Seu Miguel

Colares
Conjunto Canarinho Conjunto Beira-mar Conjunto Pau-e-corda
Conjunto Brasil Conjunto Tupinambá Conjunto Frutos da terra

Marapanim
Os Brasas Flor do Mangue Grupo Borboletas do Mar
Raízes da Terra Uirapuru Beija –Flor
Pica-Pau Os Veteranos de Vista Alegre Os Canarinhos (M. Lucindo)
Verde-Rama Seguidores do Carimbó Faixa Branca
Caçulas de Jarandeua Descendentes de Itacoã Tentadores de Arsênio
Sereias do Mar Som dos Paraenses União Mauense
Raízes de Cheiro Alegria do Maú Japiim
Flor da Cidade Novos Canarinhos Rouxinol
Kumatê Caldo de Turú Aventureiros de Jambuaçú
Nativos Os Autênticos Flor de Natal
Unidos de Juçateua Alegria de Porto Alegre Pingo de Ouro
Flor do Mangue Mirim Os Canarinhos de Cruzador Os Azulinos
Alegria da Terra Os Brasileirinhos O Corujão
Alegria da Água Doce Simirim Os Pacas
Nova Geração Estrela do Mar Beija-Flor Mirim
Conjunto Pindorama Melhor Idade Os Paraenses
Beija-Flor de Jarandeua Carimbó de Pedral Os Curumins de Cipoteua
Grupo Tamirim Artesão de banjo Maurilo Alves Artesão de banjo Juarez Ferreira
Artesão de banjo Manoel Favacho

São João da Ponta


Frutos Da Terra Pinga-Fogo Carimbó De São Francisco
Carimbó De Vila Nova Grupo Brasileirinho Grupo Reponta
Grupo Unidos Do Açú

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Terra Alta
Quentes De Terra Alta Amigos De Terra Alta Meninas De Terra Alta
Brasa Viva Os Feras De Terra Alta Grupo Sayonara
Artesão De Banjo Humberto Lima

Maracanã
Novo Zimba Unidos De Maracanã Carimbó De Martins Pinheiro

Grupo Maracanãzinho Grupo Tio Milico Grupo Banzeiros


Carimbó De Camboinha Conjunto Regional Nativos Do Canal
Grupo Carimbó Praiano Carimbó Do Cobra-Fumando

Magalhães Barata
Grupo Os Paraenses Grupo Mussé Lírio Do Mar
Alegria Do Cafezal Raízes Do Cafezal Alegria Miri
Sorriso Dos Idosos Grupo Frutos Da Terra Grupo Rouxinol
Carimbó de Nazaré do Fugido

Curuçá
Conjunto Bico de Arara (Nego Conjunto Pinga Fogo Carimbó de Curuçá
Oróia)
Conjunto Centenários do Ritmo Conjunto Brasileirinho Conjunto Explode Coração
Conjunto Encanto Juvenil Conjunto Curiós Mirim Conjunto Raio de Sol
Grupo Clube do Remo Projeto Carimbó na Escola Grupo Andirás
Conjunto Flor de Ramos Conjunto Japiin Conjunto Capricho
Conjunto Canarinho Conjunto Sabiá Conjunto Os Mais Vividos
Conjunto Alegria do Pará Conjunto Alegria do Lauro Conjunto Os Fenômenos
Grupo Barra Pesada Grupo Ritmo Quente Carimbó de Simoa
Carimbó de Murajá Carimbó de Vila Beira-Mar Carimbó de Abade
Grupo Veteranos Conjunto Imperador Conjunto Piracicaba

Foram encontrados e registrados 151 grupos de carimbó e 8 luthiers de instrumentos de carimbó,


com a maior quantidade de grupos encontrados em Marapanim, Curuçá e Salinópolis com 52, 30 e 11
respectivamente. Em alguns municípios, como é o caso de Marapanim e Curuçá a prática do carimbó
acontece em qualquer período do ano não se restringindo a épocas determinadas, como é o caso de
Salinópolis onde o maior período de incidência do carimbó são os períodos de férias, julho e dezembro,
devido a grande chegada de turistas à cidade. Em alguns casos, como em São João de Pirabas a prática do
carimbó está relacionada aos festejos em celebração à São Benedito, que acontecem sempre no mês de
dezembro.
Geralmente os realizadores de carimbó da região do Salgado são os caboclos. Segundo Salles (1969,
p. 259) em seu trabalho intitulado “Carimbó: trabalho e lazer do caboclo” o termo “caboclo”, assim
compreendido, parece ter significação local para designar a população nativa do interior do Estado, não

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compreendendo as populações dos grandes enclaves urbanos. Então, as pessoas que fazem o carimbó são
pescadores, agricultores e de outras ocupações, moradores do interior do Estado. Salles (1969, p267) ainda
diz que uma observação digna de registro no carimbó é a que releva seu caráter de canto de trabalho e a
“cor local” é extremamente viva e representada pelos elementos naturais, como a fauna, flora, nome de
pessoas e acidentes geográficos, proporcionando uma ambientação total ao ouvinte. Isso fica claro quando
se observa o que é retratado nas letras da carimbó desta região: histórias relacionadas a pesca, a agricultura,
preservação do meio ambiente, ao mangue, aos rios, as florestas e a moça bonita que dança o carimbó,
refletindo o contexto social relacionado ao cotidiano e às atividades de trabalho dos compositores. Os grupos
de carimbó encontrados aqui geralmente utilizam a composição instrumental para tocar o carimbó chamada
“pau e corda”, onde se utilizam geralmente dois curimbós, maracas, milheiros, ganzás, banjo e um
instrumento de sopro como saxofone, clarinete ou flauta.
Portanto, em vista destes dados nos fornecidos pelo IPHAN podemos concluir que a região do
Salgado Paraense constitui uma região de referência na prática do carimbó. É importante frisar que os
trabalhos encontrados nos acervos pesquisados podem não ter dado conta dos registros de toda prática do
carimbó existente nesta região, haja ressalva que podem existir grupos dos quais os pesquisadores do
Instituto podem não ter tomado conhecimento, e também à medida que os anos vão passando grupos
desaparecem e grupos surgem e por ser uma atividade de transmissão oral podem não deixar registros
físicos.

Discussão e considerações finais


No ano de 2004 foi quando o IPHAN deu início ao processo de registo do carimbó como patrimônio,
através do INRC, atendendo à pedidos que alguns grupos da região do salgado fizeram junto ao Instituto,
para que se houvessem estes registros por parte da esfera pública. O pedido foi acatado e a partir daí
iniciaram-se os tramites, onde foram realizados diversos encontros e debates acerca do bem cultural a ser
pesquisado com grupos e representantes de várias localidades onde houvesse prática do carimbó, para
discutir a melhor forma de como realizar o registro. No entanto, durante estes processos e encontros foram
geradas tensões e dúvidas acerca das benesses e reais demandas que o cenário do carimbó carecia, como de
quem seria a figura de representatividade do carimbó e o que este reconhecimento traria de benefício aos
“carimbozeiros”.
Através das articulações de registro produzidas no contexto da pesquisa do Inventário Nacional de
Referências Culturais sobre o carimbó na região do salgado encontrou-se uma ferramenta que pudesse
mobilizar debates e outras maneiras de atrair olhares ao contexto pesquisado, tentando perceber a natureza
da produção dos discursos de proteção e valorização, alheios a quem de fato vive e realiza esta manifestação.
Um dos pontos positivos avistados foi a forma como foram debatidos processos de pesquisa, sempre levando

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em conta os realizadores da manifestação e suas opiniões, e após os dados coletados os pesquisadores


retornavam para demonstrar os resultados da pesquisa. Os anseios percebidos era que através destes
registros pudessem ser mobilizadas políticas públicas para este segmento cultural que levassem em
consideração todo saber acumulado contido na manifestação, de modo a desenvolver ferramentas de
fomento e difusão da prática com o mínimo de interferência possível no modo como esta se realiza.
Um dos frutos do registro do carimbó como Patrimônio e aspecto importante do cenário atual do
carimbó é a campanha Carimbó Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, que é uma organização de mestres,
estudiosos e interessados no assunto que busca realizar ações sociais pautadas na valorização e
reconhecimento da manifestação ante à sociedade e às instituições públicas, sendo atualmente a mais ativa
neste sentido. Desde 2005 a organização vem promovendo encontros, debates, festivais, seminários,
palestras, além de buscar, via editais públicos, fomentar eventos culturais relacionados a difusão do carimbó.
Os grupos de carimbó da região do salgado também têm procurado se estruturar, adequando seus
diálogos, maneiras de negociação e definindo suas posições frente ao novo panorama avistado no cenário
do carimbó a partir de seu reconhecimento como Patrimônio, com isso, criando novas formas de se organizar,
que passam pela reorientação de parte dos grupos, com alguns deles se tornando associações culturais,
tornando assim mais fácil e forte a sua representatividade junto aos poderes públicos.
O reconhecimento da manifestação como Patrimônio Imaterial Cultural Brasileiro foi um passo
importante pois facilita o investimento de verba pública a eventos que promovam a manifestação, pode
gerar mais visibilidade e promoção dos grupos e mestres e consequentemente provocar uma efervescência
no cenário, atraindo mais investimentos que busquem fomentar a cena, impulsionando ainda mais o cenário
cultural paraense que atualmente é visto em crescimento e expansão para adiante das fronteiras do Estado.
Porém ainda é cedo, passados apenas dois anos do reconhecimento do carimbó como patrimônio, mas já é
possível visualizar ações como o Congresso do Carimbó que está chegando à sua segunda edição, onde são
reunidos mestres de várias cidades do Estado para discutir interesses e cobranças de políticas públicas
voltadas ao carimbó e o Circuito Carimbó Nosso Patrimônio que busca promover a circulação de
apresentações de carimbó em vários bairros de Belém. Estes eventos mobilizam vários grupos de Belém e do
interior do estado em atividades de instrução das maneiras de fazer carimbó, trocas de saberes e
apresentações artísticas, realizados pela campanha Carimbó Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro.

Referências

BLACKING, John. How musical is man? 6a ed. Seattle: University of Washington, 2000.

Site da Campanha do Carimbó. Disponível em: <http://campanhacarimbo.blogspot.com.br>. Acesso em 20


de outubro de 2016.

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CHADA, Sonia. A Prática Musical no Culto ao Cabolco nos Candomblés Baianos. In. III Simpósio de Cognição
e Artes Musicais, 2007, Salvador. Anais... Salvador: EDUFBA, 2007, p.137-144.

Dados sobre a população e extensão territorial do estado do Pará.


<Http://ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=pa> acessado em 09 de setembro de 2016.

Inventário nacional de referências culturais: manual de aplicação. Apresentação de Célia Maria Corsino.
Introdução de Antônio Augusto Arantes Neto. – Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, 2000.

Mapa da microrregião do Salgado Paraense. Disponível em: <


https://pt.wikipedia.org/wiki/Microrregião_do_Salgado>. Acesso em 23 de setembro de 2016.

NETTL, Bruno. 2005. The Study of Ethnomusicology: thirty-one issues and concepts. Urbana e Chicago:
University of Illinois Press.

SALLES, Vicente; SALLES, Marena. Carimbó: trabalho e lazer do caboclo. Revista Brasileira do Folclore, Rio de
Janeiro, ano 9, n. 25, p. 257-282, set.- dez. 1969.

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A cena musical nas noites da capital paraense: traços multifacetados do mercado


artístico

Frank Sagica
franksagica@hotmail.com
Universidade Federal do Pará

Sonia Chada
sonchada@gmail.com
Universidade Federal do Pará

Resumo: O artigo pretende lançar, de maneira introdutória, um breve olhar em


torno da cena musical em Belém/PA, abordando o cruzamento de uma prática
teorizada sob o viés mercadológico com a produção no campo musical, cena esta
constituída de uma superposição de vários gêneros musicais, como pop, rock,
reggae, guitarrada, entre outros, que abarca múltiplos espaços de interação e
experiência coletiva, onde grupos experimentam diferentes tipos e formas de
sociabilidade e peculiaridades intersubjetivas em um determinado contexto
cultural. Investigar como se articula o fazer artístico musical com as dinâmicas de
mercado noturno na capital paraense, sob uma perspectiva etnomusicológica, é o
objetivo principal desta proposta em andamento. A pesquisa tangencia pontos de
confluência entre os processos de produção, circulação e consumo de música,
orientados pela análise dos aspectos da vida social, proposto por Maffesoli (1996 e
1998), e pela análise cultural da música apontada por Blacking (1995 e 2000).
Palavras-chave: Cena Musical Paraense. Música e Mercado. Sociabilidade.
Identidade e Identificações. Neotribalismo.

Abstract:The article intends to launch, in an introductory way, a brief look around


the music scene in Belém / PA, approaching the crossing of a practice theorized
under the marketing bias with production in the field of music scene is made up of
a superposition of several musical genres such as pop, rock, reggae, guitarrada,
among others, which includes multiple spaces for interaction and collective
experience, where groups experience different types and forms of sociability and
intersubjective peculiarities in a particular cultural context. Investigate how
articulates the musical art making with the dynamics of night market in the state
capital, under an ethnomusicological perspective, it is the main objective of this
proposal. The research touches confluence points between the processes of
production, circulation and consumption of music, guided by the analysis of the
aspects of social life, proposed by Maffesoli (1996 and 1998), and cultural analysis
of music appointed by Blacking (1995 and 2000) .
Keywords: Musical Scene Paraense. Music and Market. Sociability. Identity and
Identifications. Neotribalism.

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Considerações iniciais
As programações noturnas de música, na cidade de Belém do Pará, traduzem-se por uma intensa
diversidade de manifestações culturais, incluindo as sonoridades típicas da terra, como, entre outras, o
carimbó, a lambada, a guitarrada e o brega e suas ramificações (tecno, pop, melody).
O circuito de produção independente- que atua em múltiplos segmentos do mercado musical
informal na cidade, a exemplos de bares e casas noturnas - estabeleceu um crescente segmento com
propostas em alcançar um público cada vez mais diversificado no cenário musical paraense, reproduzindo
variados gêneros musicais, além dos já citados, também, de nível global, a exemplo do pop, rock, reggae,
blues, jazz, black soul music, entre outros. Os segmentos de produção independente são, em sua maioria,
marcados pela informalidade de divulgação, a exemplo dos ambientes virtuais por meio de páginas em redes
sociais, canais de vídeos, blogs, etc., nos quais são disponibilizados materiais destes artistas.
Há também circuitos autônomos onde acontecem suas performances, locais onde gêneros, estilos,
preferências, gostos, estéticas distintas se misturam, convergem, divergem e ao mesmo tempo se entrelaçam
em uma trama de fios que permitem a reconfiguração de espaços determinados para o consumo da música,
articulando nichos para diversas formas de interação e convívio social, formando um tipo de programação
que é comumente conhecido como “música ao vivo”. Para Herschmann, o mercado da música ao vivo,
materializada através de shows, festivais, eventos musicais, entre outros, reforça-se como ponto essencial
para a manutenção de uma carreira artística baseada a priori como independente:

O dado novo dentro desse contexto de crise e reestruturação do mercado é que


está crescendo a consciência dos profissionais de que a produção de música ao vivo
continua valorizada e muito demandada pelo público. Os músicos, produtores e
gestores de indies1 que concentram seu poder nos eventos musicais têm tido não
só um retorno interessante, mas também a possibilidade de perceber que a
“questão da pirataria” passa a ser incorporada não mais como um problema, mas
uma oportunidade para divulgação da obra (como uma estratégia para se angariar
reconhecimento junto ao público) (2010, p. 118).

Devido a esta maior segmentação de mercado e de sua autonomização em que determinadas


práticas musicais são projetadas e desenvolvidas, a viabilidade comercial do trabalho deste artista, sua
criação, o seu produto, a sua música, acaba sofrendo grande influência do que se é esperado pelo público,
consequentemente complexificando o processo de produção musical. Visando à aceitação de um número
expressivo e diversificado de público, o ato relativo ao fazer musical perpassa por uma série de fatores que

1
Indies é uma abreviação do termo em inglês independent, “independente”, em português, e remete ao produto ou estilo cultural que foge às grandes
massas, produções, empresas ou distribuições.

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em alguns pontos comprometem as idiossincrasias no que concernem às subjetividades, preferências,


significações do artista. Estas peculiaridades referentes ao criar, portanto, estariam estritamente conexas
com as dinâmicas de mercado, transformando-a em um mero produto de fácil assimilação, limitando a
função intrínseca deste produto, sendo ela o valor musical.
Eco corrobora com a ideia da transformação e redução da arte, no caso, o valor da fruição estética
da música, a um mero produto industrial, definindo-a como “música gastronômica”, servindo apenas para o
consumo imediato, sem o intuito de explorar as qualidades específicas da música: “A música gastronômica é
um prato industrial que não mira a nenhuma intenção de arte, e sim à satisfação das demandas do mercado”
(1993,p.295).
Mas, afinal, como se desenvolve esta dicotomia entre o fazer artístico e o mercado musical paraense?
Quanto à representação do fazer artístico musical neste contexto acreditamos que esta se orienta por meio
de três categorias: artista, público e local, categorias estas que irão funcionar como norteadoras nesta
pesquisa.
Sobretudo o artista, imerso em uma ação performática, projeta-se na liminaridade entre o plano
artístico/imaginário e profissional/real, na qual essa dualidade reflete diretamente a maneira de apropriação
de determinadas características que o moldam, englobando desde particularidades como, a escolha
minuciosa de uma indumentária, até o ecletismo musical incorporado em seu repertório com finalidade de
afagar opiniões e formar conceitos junto ao público local. Sob esta ótica, a categoria “artista” assume um
papel de importante relevância para a pesquisa, pois é com base nos resultados obtidos através dela que se
poderá atribuir significações aos conteúdos incorporados e transmitidos pelos atores locais e afins.
O raciocínio traçado por Maffesoli em sua análise dos aspectos da vida social na pós-modernidade,
na composição do que ele intitula como tribalismo, sujeitos que compartilham um sentido ético e estético
específico, identificando-se através de gostos e interesses em comum, serão utilizados para a compreensão
da categoria “público”. Para o autor, as tribos são integradas por um conjunto de afetos, emoções, sensações
- o corpo social: “O emocional, no caso, fundamenta-se em sentimentos comuns, na experiência partilhada,
na vivência coletiva” (1996, p.96). Interações que dão origem a ideologias, hábitos, preferência musical,
modos de falar, entre outros.
Diferente dos padrões lógicos e lineares das dinâmicas sociais características da modernidade,
presenciamos, no período contemporâneo, novas formas de sociabilidade que passam a privilegiar a
compreensão da viscosidade e vitalismo dos laços sociais, da experiência vivida em compartilhar algo com
alguém, que nos leva à ideia obsedante do estar junto. Essa atração é integrada por uma boa dose de
sensibilidade e emoções, constituída no entrecruzamento e correspondência dos micros valores éticos,
religiosos, culturais, sexuais, produtivos, que por sedimentação constituem o solo da comunicação. Para
todos os valores, subjetividades e experiências estéticas experimentadas, há uma lógica social e simbólica

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que determina como critério peculiar para cada classe a apropriação de modos, regras e bens, os quais dão
sentido às suas práticas e relações sociais, como afirma Maffesoli (1998, p. 178):

Por conseguinte, acrescenta, a situação humana se torna ‘como a matéria de uma


obra de arte’. Pode-se extrapolar o proposto e observar que, com efeito, a vida
social em sua integralidade está imersa numa atmosfera estética, é feita, antes de
mais nada, e cada vez mais, de emoções, de sentimentos e de afetos
compartilhados.

Neste ambiente, corpo individual e corpo social se entrelaçam numa relação dialética,
originando identidades fragmentadas e fluidas, em que o indivíduo assume múltiplas facetas
integrando-se a um valor tribal correspondente a um grupo específico. Corpos com interação
cultural e social, transformados constantemente no jogo das aparências dentro de uma lógica da
trama social – grupo, tribo, sociedade, que dão origem ao estilo dos sujeitos (vestimenta, hábitos,
ideologia), permitindo com que elas compartilhem um sentido estético e se identifiquem através de
gostos e interesses em comum. Já para o artista, é importante compreender esta concepção
fenomenológica dos aspectos das relações intersubjetivas de socialidade que lhe une com o mundo
através de sua arte/criação, partindo não apenas dos preceitos metodológicos e pragmáticos da
razão, mas integrando sensações e sentimentos do que é frívolo, da banalidade do senso comum,
do imaginário do homem simples. Esta sinergia entre o sensível e o racional, apresenta-se, aqui,
com intuito de descrever as experiências e vivências do artista inserido neste contexto. Blacking
(1995, p.35) define que o ato do fazer musical está ligado a uma expressão metafórica do
sentimento, sendo ela primariamente sensória e não-referencial:

Assim entendida, “música” pode encerrar tanto a enorme gama de “músicas” que
os membros de diferentes sociedades categorizam como sistemas simbólicos
especiais e tipos de ação social, como um quadro inato específico de capacidades
cognitivas e sensoriais que os seres humanos estão predispostos a usar na
comunicação e na produção de sentido do seu ambiente. A “música” é tanto um
produto observável da ação humana intencional quanto um modo básico de
pensamento pelo qual toda ação pode ser constituída (BLACKING, 1995, p. 201).

A ideia de persona2, da máscara mutável de Maffesoli (1996), é também totalmente aplicável


à categorização de público, em que o indivíduo assume múltiplas facetas, integrando-se a um valor

2Persona faz referência etimológica à pessoa que desempenha diversos papéis no seio das tribos a que adere.

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tribal correspondente a um grupo específico, sobretudo, dentro de uma variedade de cenas,


vinculada às interações e relações de consumo dos agentes envolvidos, em torno de gêneros e/ou
rótulos musicais. Daí, a essa substituição do sentido de identidade para a lógica da identificação
coletiva, que é promovida pelas experiências animadas por e a partir do que é intrínseco com o
outro do mesmo grupo, a vivência partilhada no desejo obsedante do estar junto, dão origem ao
que chamamos de cena musical, que nos remete, consequentemente, para a última categoria
chamada de “local”.
A partir destes conceitos, permito-me explorar a cena musical existente em Belém, dos seus
nichos formados nos espaços urbanos onde acontecem distintas práticas musicais. A cena musical -
que designa um modo diferencial de circulação de música nos tecidos urbanos, termo este
defendido por Straw (1991, p. 494) como “um espaço cultural em que várias práticas musicais
coexistem interagindo entre si com uma variedade de processos de diferenciação” - pode ser
compreendida dentro desta pesquisa como uma miscelânea cultural, que abarca não somente as
especificidades dos seus participantes, mas a paisagem arquitetônica que constituem o ambiente,
como a de trapiches localizados às margens da Baía do Guajará, no bairro da Cidade Velha, em
Belém do Pará, de sua riqueza associada a um universo simbólico, enraizadas nos seios de nossas
tradições que nos remontam ao clima ribeirinho, do rio e palafita, este que vem associado
inevitavelmente a gêneros musicais como a guitarrada e o carimbó, que se emaranham com outros
tipos de gêneros a nível global, como pop, rock, reggae, entre outros. Toda esta carga de experiência
cultural que caracteriza tais locais acaba se tornando componente essencial para cativar segmentos
de público.
É importante frisar essa pluralidade de gêneros que caracterizam essas cenas, seus pontos
de convergências e tensionamentos.
Baseado nos dados prévios aqui expostos, alguns indícios e observações, propõem-se
investigar de forma mais precisa e efetiva o potencial e importância na qual este tipo de modalidade
musical contribui para o mosaico cultural existente nos principais locais dos centros urbanos de
Belém, seus trâmites e fruição.
Buscando na memória, há mais de dez anos, muito antes de imaginar ingressar em um Curso
de Licenciatura Plena em Música e muito menos produzir uma pesquisa sobre, já atuava como
músico em toda sorte de bandas pelos estabelecimentos que promoviam apresentações ao vivo, e
desde aquela época, desejava descrever/registrar todos os processos que envolviam aqueles

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acontecimentos, mas não tinha subsídio teórico para fundamentá-los, nem tão pouco uma
finalidade especifica para tal. No entanto, sabia que no fundo daquela manifestação informal, por
trás de todo aquele universo hedonista, residia um forte valor cultural agregado e que poderia servir
como objeto de estudo para futuras pesquisas.
Creio ser esta proposta relevante para o reconhecimento e a valorização de um circuito
musical que fomenta há tanto tempo o mercado, entretém um público fiel semanalmente e exerce
uma forte influência na multiplicação e crescimento de pensamentos, ideologias, signos e outras
inúmeras representações de linguagem decodificada e reproduzida de diferentes formas por cada
sujeito.
Embora, a princípio, a pesquisa tenha uma orientação de mercado, da venda de um “produto
musical” para uma determinada circunstância, por conta da preocupação em atrair e satisfazer um público
interligado com as principais novidades e tendências musicais correntes em meios de transmissão de
informação local e redes de circulação global como a internet, certamente, este estudo contemplará várias
questões paralelas como: significação da música, no caso, sua funcionalidade como agente estimulador de
significações para o indivíduo na qual ela pode produzir inúmeras sensações, sentimentos e diferentes
estados emocionais; formas de aquisição de conhecimentos e apropriações da música pelo artista,
autodidatismo e o saber musical acumulado; construção do artista, valores que orientam suas ações e
representações; o processo criativo, criação dos repertórios musicais, como são idealizados e definidos para
cada ocasião; preferência e gosto musical, associados a elementos de identificação coletiva (modos de falar,
maneira de vestir, estilo de vida, e outros).
É pertinente mencionar a conceituação defendida por Blacking (2000, p.10), em que ele
pressupõe que “A música é fruto do comportamento de grupos humanos, seja ele formal ou
informal: é som humanamente organizado”. Neste caso, passamos a conceber como proposição
básica de investigação da música, não apenas o concernente aos seus aspectos da estrutura formal,
mas, também, a prática musical inserida em um contexto/organização sociocultural.
As questões que fazem parte do cenário musical independente na capital paraense advogam a
importância desta investigação, para compreender como se legitimam as transformações culturais e
mediações sociais oriundas destas relações. Herschmann (2010, p.54) reforça essa importância:

Torna-se cada vez mais evidente que em diferentes localidades do Brasil vêm
emergindo novos circuitos (e cenas) musicais independentes que estão alcançando
expressivo êxito, mas infelizmente ainda são casos pouco estudados. (...) há
evidências de que os sinais de recuperação da indústria da música estão

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relacionados à experiência sonora presencial e merecem uma atenção especial do


meio acadêmico, das lideranças, autoridades e poder público.

Vale ressaltar que mediante a prerrogativa de que estes espaços supostamente prezam por mesclara
diversidade de rótulos e gêneros musicais em suas programações, esta, por sua vez, constitui um complexo
processo interessante à pesquisa, em que a partir das tensões entre distintos gêneros musicais,
subentenderá segmentos de mercados e modelos de consumo diferenciados. Poder-se-ia utilizar como linha
de raciocínio a pluralidade, já aqui mencionada, com que estes artistas conferem ao seu repertório, em
muitas vezes, não se limitarem a um gênero musical específico, mas, como se dará estes conflitos entre
público e artistas envolvidos em diferentes contextos? Quais valores são evocados para a inserção deste
artista neste mercado, seus critérios e orientações?
Tais proposições aqui expostas atestam a importância e relevância desta pesquisa e poderão trazer
contribuições não somente para o meio acadêmico, como também para o meio artístico. Assim, o objetivo
principal dessa proposta é o de investigar como se articula o fazer artístico musical com as dinâmicas de
mercado noturno na capital paraense, sob uma perspectiva etnomusicológica. Os específicos: Identificar os
principais espaços e múltiplos locais que ocorrem as performances musicais, aferindo as relações de valores
socioculturais presentes, que se configuram dentro destes locais.
Apontar os diferentes grupos formados nestes estabelecimentos, com base em suas interações,
individualidades, hábitos, gostos, entre outros.
Descrever e analisar as experiências e vivências musicais das bandas e grupos que constituem a cena
musical belenense, levando em consideração suas concepções a respeito de carreira, formação e produção
musical.

O caminho a ser percorrido


Para a elaboração e desenvolvimento deste projeto, de abordagem qualitativa, foi estabelecido como
procedimento metodológico a etnografia musical, privilegiando a visão êmica, rica em dados descritivos,
baseada nas raízes fenomenológicas que dão ênfase à subjetividade do comportamento humano.
A vertente etnográfica que tem origem na Antropologia Social, um dos quatro campos da
Antropologia, propõe uma variedade de mecanismos e procedimentos de coleta de dados: observações
diretas dos grupos; entrevistas com os seus informantes; aproximação sistemática e possibilidade de
transitar entre apreciação e análise, e outras. Seeger define-a da seguinte maneira:

A etnografia da música é a escrita sobre as maneiras que as pessoas fazem música.


Ela deve estar ligada à transcrição analítica dos eventos, mais do que simplesmente
à transcrição dos sons. Geralmente inclui tanto descrições detalhadas quanto

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declarações gerais sobre a música, baseada em uma experiência pessoal ou em um


trabalho de campo (2008, p. 239).

Antes de partir para a pesquisa em campo, haverá necessidade de maior embasamento teórico para
estruturar a investigação, com isso, a fundamentação teórica será orientada por meio das seguintes linhas
de pesquisa bibliográficas:
Etnomusicológica: figura-se como núcleo da pesquisa, servirá para compreender aspectos ligados ao
contexto cultural pelo qual a música está inserida em determinado grupo; decifrar processos de confluência
entre formas de sociabilidade, consumo e o fazer musical que ora se delineiam; entender como se dão as
formas de percepção e incorporação dos sentidos na construção de estados emocionais, significados,
ideologia, gostos, advindo da interação do convívio social e experiência vivida.
Etnográfica: colaborará para reunir um conjunto de técnicas necessárias para a coleta de dados no
trabalho em campo e conceitos de organização e planejamento.
Referente a esta fase, inicialmente, a fonte de pesquisa se valerá de todo o acervo presente em
bibliotecas públicas de Belém, principalmente as disponíveis no PPGARTES, UFPA e UEPA, ambientes virtuais
- bibliotecas digitais, sites especializados e acervo pessoal. Outrossim, com relação a pesquisa documental,
para levantamento de dados sobre um determinado evento relacionado a um artista, público e local, serão
buscadas informações por intermédio de fotos, revistas, jornais e materiais encontrados na internet em redes
sociais e blogs.
Para a etapa de pesquisa em campo será necessário o uso das seguintes técnicas de coletas de dados:
observação participante, que possibilitará conhecer, registrar e compreender as atividades musicais em
diferentes ambientes; entrevista semiestruturada, constituída de questionamentos básicos para recolher
dados sobre o perfil sociocultural do entrevistado, bem como os aspectos mais específicos sobre suas
vivências e experiências musicais, utilizando para registros o diário de campo e a gravação em áudio e vídeo.
Os locais escolhidos para esta etapa, todos em Belém/PA, foram: OldSchool Rock Bar, Palafita Casa
de Show, Fiteiro e Templários Bar e Restaurante. A designação destes locais está expressamente ligada à
diversidade de gêneros característicos e peculiaridades específicas de suas estruturas física, público e
programações.

Considerações finais
Entendemos que as raras pesquisas sobre a cena musical noturna em Belém, aliada à escassez de
fontes que forneçam informações precisas e elucidativas sobre o tema, evidencia a importância de se buscar
um maior aprofundamento investigativo no sentido de agregar elementos que possam subsidiar o

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reconhecimento das práticas musicais nestes circuitos, das dinâmicas locais de sociabilidade em torno da
cultura, das suas estruturas e interconexões em diferentes segmentos e espaços.
Para os estudos etnomusicológicos, é imprescindível compreender a imbricação entre música,
cultura e sociedade que circunscreve os aspectos musicais e valores sociais subjacentes de cada indivíduo
presente nas diversas manifestações culturais, como proposto nesta investigação. Chada (2011, p. 6),
comentando sobre os estudos nessa área, afirma que:

A ênfase é no papel da música como comportamento social humano. A música


ocorre num contexto cultural e pode, por isso, ser influenciada não só por
considerações artísticas, mas também por considerações sociais, religiosas,
econômicas, políticas ou pelo próprio confronto com outras formas de expressão
artística.

De certo que a música independente, considerando todos os seus movimentos - produção, circulação
e consumo - constitui-se como um corpo de estudo riquíssimo para reflexões, que no tocante à
etnomusicologia, engloba: cultura midiática, difusão tecnológica e seus fluxos; identidades e identificações;
formas de experiência coletivas estéticas, sensíveis e intersubjetivas, entre outras. Portanto, propõe-se
retratar ao término de todo este processo, a diversidade dos aspectos que envolvem o fenômeno musical,
em suas distintas expressões em um determinado contexto, conferindo a ela um valor referencial para
futuras pesquisas.

Referências

BLACKING, John. Music, culture, and experience.In: Music, culture & experience – selected papers of John
Blacking. Edited and with an introduction by Reginald Byron; with a foreword by Bruno Nettl. Chicago and
London: University of Chicago Press, 1995. Pp. 223-242.

BLACKING, John. How musical is man? Seattle: University of Washington, 2000.

CHADA, Sonia. Caminhos e fronteiras da etnomusicologia. In: Cadernos do Grupo de Pesquisa Música e
Identidade na Amazônia. Belém: Pakatu, 2011.

ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. São Paulo: Perspectiva. 1993.

HERSCHMANN, Micael. Indústria da música em transição. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2010.

MAFFESOLI, Michel. No fundo das aparências. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.

MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1998.

SEEGER, Anthony. Etnografia da música. Cadernos de Campo, São Paulo, n.17, 2008, pp. 237-259.

STRAW, Will. Systems of Articulation, Logics of Change: Scenes and Communication in Popular Music. Cultural
Studies, v. 5, n. 3, oct. 1991, pp. 368-388.

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Vominê: uma prática musical

Ricardo Smith
ricardofsmith@gmail.com
Universidade Federal do Pará
Sônia Chada
sonchada@gmail.com
Universidade Federal do Pará
Leandro Machado
artesrleandromachado@yahoo.com.br
Universidade Federal do Pará

Resumo: A presente pesquisa tem como objetivo, problematizar aspectos da


prática musical chamada Vominê, que integra a Festa de São Tiago em Mazagão
Velho – AP. Tendo como suporte as perspectivas teóricas da etnomusicologia em
diálogo com as questões históricas e sócio/antropológicas que envolvem a
constituição dessa comunidade, busca-se ponderar sobre potencialidades
representativas dessa prática em relação à identidade dos indivíduos que dela
tomam parte. A Festividade de São Tiago é uma prática secular performada
anualmente, sendo o Vominê, espécie de canto da vitória ou exaltação à bravura,
parte integrante desta festividade. Investigar a prática do Vominê, considerando a
maneira como este contribui para a “intenção” proposta em seu contexto é nosso
objetivo principal. Para tanto está sendo realizada a revisão da literatura disponível
e a observação direta da realidade, considerando a análise cultural da prática
musical como proposta por Chada.
Palavras-chave: Vominê. Festa de Sâo Tiago. Prática musical na Amazônia.
Mazagão.

Abstract: This research aims to problematize aspects of musical practice called


Vominê, part of the Festa de São Tiago in Mazagão Velho - AP. Under the theoretical
perspectives of ethnomusicology in dialogue with the historical, social and
anthropological aspects involving the constitution of this community, we seek to
ponder of the representative potential of this practice in relation to the identity of
the individuals who take part in it. The Festa de São Tiago is a secular practice the
performed annually, and the Vominêis a kind of singing of victory and exaltation to
bravery, an integral part of this celebration. Investigate the practice of Vominê
considering how this contributes to the "intent" proposal in its context is our main
goal. For this is being carried out the review of the available literature and the direct
observation of reality, considering the cultural analysis of musical practice as
proposed by Chada.
Keywords: Vominê. Festa de SãoTiago. Musical Practice in Amazônia. Mazagão.

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1. Vindos da África
O toque dos arautos1 anuncia: o ritual se iniciará. Agrupados, adultos e crianças do sexo masculino
começam então a entoar vigorosamente uma melodia cíclica, entremeada por versos improvisados,
recitados alternadamente, por um e outro componente do grupo.

Os rituais seriam expressões de ideias complexas que não podem encontrar um


resultado comunicativo a não ser através do mito ou na ação ritual, e no qual o mito
é uma metáfora do rito e vice-versa (TERRIN, 2004, p. 55).

A descrição anterior refere-se ao canto/dança2 do Vominê, parte integrante da Festividade de São


Tiago, em Mazagão Velho, Amapá, localidade situada às margens do rio Mutuacá, a 36 quilômetros da sede
do município. A manifestação, celebrada desde 1777 em homenagem ao glorioso São Tiago, representa o
conflito entre mouros e cristãos no Norte da África e tem seu início com os primeiros habitantes do local,
ainda no século XVIII. A prática cultural, musical e religiosa se inicia no dia 16 de julho, estendendo-se até o
dia 27 do mesmo mês. No entanto, o maior movimento de pessoas acontece nos dias 24 e 25, quando ocorre
a encenação dramática de uma batalha. A festividade inclui ainda ladainhas e novenas em homenagem ao
santo e hoje é considerada uma das maiores expressões culturais do Estado. O aspecto místico da festa
remonta ao credo popular e secular do aparecimento inesperado de São Tiago, o valente soldado anônimo
que conduziu os cristãos em heroica e vitoriosa batalha.
“Essa festa foi trazida pelos ‘antigos’, aqueles que vieram da África”(FESTA DE SÃO TIAGO, 2010),
afirma Tia Dacina, uma idosa moradora da cidade. Interessante notar que apesar da localidade de Mazagão,
até onde o momento nos permite concluir, possuir uma população, autoproclamada negra, a palavra
“África”, no discurso da referida moradora, foi proferida com certa hesitação. Muito diferente de quando as
pessoas se referem, enaltecidas, aos seus antepassados. Aqui essa palavra denotou uma referência clara ao
“outro”, “aqueles que vieram da África, aqueles outros, não nós”.
Aparentemente, o discurso de Tia Dacina está em consonância com o pouco conhecimento
geral da comunidade em relação aos registros da pitoresca história de Mazagão Velho. Vale
mencionar que os primeiros habitantes da Mazagão amapaense eram portugueses que viviam numa
cidade fortificada no Norte da África, Mazagan (Mazagão, hoje Al Jadidad), no Marrocos,
sustentando o último posto avançado, ocupado desde 1504, do Império Luso, naquele continente.
Os frequentes conflitos e cercos impostos pelos Mouros, que dominavam aquela região, tornaram

1
Tambores (caixas).
2
Binômio que representa as práticas do Vominê em Mazagão Velho, Amapá.
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inviáveis a sua manutenção. Então, numa estratégia idealizada pelo Marquês de Pombal para o
povoamento e defesa da região Norte do Brasil, a população da Mazagão africana foi transferida
para a Amazônia. Nas palavras de Laurent Vidal:

Em 11 de março de 1769, uma cidade inteira se prepara para bater em retirada.


Não se trata de simplesmente um exército que deixa o campo de batalha, mas de
uma cidade que abandona seu espaço vital, uma sociedade urbana que se separa
de seu invólucro de pedra. Memória dos portugueses. (VIDAL, 2010, p 51)

Goodenough afirma que “a cultura de uma sociedade consiste no que quer que seja que alguém tem
que saber ou acreditar, a fim de agir de uma forma aceita pelos seus membros” (apud GEERTZ, 1989, p. 4).
Assim sendo, na gênese da Festividade de São Tiago é possível relacionar a afirmação da cultura dessas
pessoas, do antigo modo de vida daqueles habitantes outrora combatentes, guerreiros, o resgate do seu
passado triunfante, se contrapondo a uma nova realidade, antagônica. A dificuldade de adaptação ao novo
ambiente, que tornou-se um problema.
Nos primeiros anos que se seguiram à transferência dos mazaganenses para a Amazônia, surgiram
logo pedidos de autorização para deixar a localidade e retornar a Portugal ou pelo menos fixar moradia na
capital da província, Belém. Finalmente, em 1784, depois de um moroso processo, os habitantes de Mazagão
tiveram autorização para deixar a Vila. É sabido que nem todos os colonos, moradores primordiais da Vila
Nova de Mazagão, tiveram condições de deixar o local. Aos portugueses “pobres”, sem condições de arcar
com os custos da “viagem de volta”, restou a mesma sorte dos negros, sendo estes escravos ou não.
Esse fato é bastante esclarecedor no que diz respeito à sobreposição entre as duas genealogias ditas
dominantes em Mazagão - brancos e negros. Em sua origem, o lugar é indubitavelmente branco, luso. Porém
seu presente é, convictamente, negro.
Sobre essa questão, a pesquisadora Véronique Boyer, relata em seu artigo sobre as genealogias em
Mazagão:

À medida que certa intimidade se cria com a pesquisadora, os habitantes do


povoado evocarão eventualmente uma bisavó ou um tataravô que foi proprietário
de escravos. Mas, de entrada, a grande maioria não se afirma como filhos, netos ou
bisnetos de portugueses. (BOYER, 2008, p 13).

Boyer ainda reafirma a ideia de reinvenção:

De fato, Mazagão Velho remonta sua ascendência a duas genealogias distintas


reunidas pela história da colonização da Amazônia. Por um lado, é de conhecimento
geral que a fundação da vila data da vinda dos Portugueses no século XVIII e que a

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celebração da festa de São Tiago começou nessa época. Por outro lado, a vila
aparece como o lugar através do qual os negros afirmaram sua presença no Estado,
trazendo com eles a dança do marabaixo. [...] Pois se os Mazaganenses situam-se
nessas duas genealogias, operam um ordenamento entre elas que as transforma
em dominantes sucessivas da sua longa história: o passado seria inegavelmente
português, mas o presente seria incontestavelmente negro. (BOYER, 2008, p 12).

Considerando aqui a visão êmica, a autoimagem proferida pela população local, sendo essa
contraditória ou não em relação aos dados históricos, é fundamental para ama abordagem etnomusicológica,
vale mencionar as considerações de Eagleton sobre o que seriam as “verdades culturais”:

Tratam-se da arte elevada ou das tradições de um povo – são algumas vezes


verdades sagradas, a serem protegidas e reverenciadas. [...] Se a palavra “cultura”
guarda em si resquícios de uma transição histórica de grande importância, ela
também codifica várias questões filosóficas fundamentais. Neste único termo,
entram indistintamente em foco questões de liberdade e determinismo, o fazer e
o sofrer, mudança e identidade, o dado e o criado. (EAGLETON, 2005, p. 10-11).

Partindo dos dados sobre os registros da Vila Nova de Mazagão, fica evidente que a população atual
da cidade é composta de descendentes miscigenados de brancos e negros. Há ainda outra genealogia,
autóctone, que não figura abertamente no discurso da autoimagem dos habitantes locais, o índio.
Contudo, deve-se assinalar que dentre os Estados brasileiros, o Amapá é o que possui
demograficamente a maior presença indígena, logo, parece impensável compor uma imagem do
povoamento de Mazagão, sem incluir essa genealogia.

Apesar de a vila ter sido construída no antigo sítio de um aldeamento indígena por
uma mão-de-obra ameríndia e embora, quando solicitados, os habitantes
indicarem elementos atestando esta ocupação (traços de malocas, lembrança de
taperas abandonadas, pedaços de cerâmica, etc.), não se conserva uma memória
vivaz de encontros e trocas. No que tange a histórias familiares, poucos no Mazagão
Velho são aqueles que mencionam um ancestral indígena. Entre eles, está a Dona
Maria Barriga que fala de uma avó materna tapuia, e de um bisavô "índio". Outra
exceção é Rozicema que sabe que seu pai "vinha dos índios" e que o seu avô
paterno era "índio mesmo" (BOYER, 2008, p. 17).

Longe de querer abordar as intrincadas relações socioculturais pertinentes à elaboração da imagem


que os mazaganenses contemporâneos fazem de si mesmos, parece evidente, a exclusão, talvez
inconsciente, dessa uma outra genealogia que pode ter contribuído para a formação do povoado.

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2. Uma prática cultural


Voltando à descrição da prática cultural, musical e religiosa aqui apresentada, de acordo com as
pesquisas realizadas até o momento, o Vominê, com seus canto e dança é parte integrante da festividade de
São Tiago. Nele podem-se detectar elementos relacionados às três genealogias citadas anteriormente.
Antes vale explicar a classificação canto/dança, utilizada para categorizar este objeto, visto que no
Vominê essas duas práticas são indissociáveis. Executado na dramatização, após a derrota imposta aos
mouros, o Vominê é um canto/dança de exaltação à vitória, e ainda uma espécie de louvor ao Glorioso São
Tiago. No entanto o Vominê é performado na maioria das vezes, fora da dramatização, em casas de
promesseiros e das personagens da Festa.
Numa abordagem aproximada à de Blacking, estrutura de superfície e estrutura profunda (BLAKING,
1971)3, em relação à primeira, três elementos caracterizam estruturalmente o Vominê: o toque das caixas
(tambores), o movimento dos participantes (dança) e a melodia cantada por estes. O toque dos caixas
(exemplo 1) apresenta a execução de um padrão rítmico que poderia ser coerentemente associado às típicas
células verificadas nas marchas militares, executando rudimentos4, pouco comuns nas tradições folclóricas
do Norte do Brasil. Seria uma referência direta ao cotidiano da antiga fortificação portuguesa? Na dança, o
movimento se faz de uma sequência de quatro passos, onde se pode permanecer no mesmo lugar ou
movimentar-se pelo espaço, o ciclo se encerra com uma parada onde ambos os pés são apoiados no chão
simultaneamente. Algumas vezes se faz menção à uma suposta “rasteira” a ser aplicada entre um e outro
participante do grupo, embora em algumas ocasiões o referido golpe aconteça de fato, principalmente
quando os participantes encontram-se sob o efeito de bebidas alcoólicas, oriundos das numerosas
comemorações paralelas que ocorrem no lugar durante a festividade e que são obrigatoriamente
interrompidas quando se inicia uma atividade “oficial” da festa. O movimento do corpo está em sincronia
com a emissão de um som vocal, durante a referida “parada”, o som da vogal “e” é pronunciado, alongado
na mesma duração. Ainda no âmbito da emissão vocal, são entoados secundariamente, versos que fazem
referência à devoção ao santo – “valei-me meu São Tiago, padroeiro de Mazagão”, sua bravura, ou mesmo,
dependendo do momento, sobre os anseios dos participantes – “eu quero uma bolachinha”- ou – “eu quero
açaí com arraia”. O teor dos versos, bem como a postura dos participantes pode variar, até onde pudemos
perceber, de acordo com o contexto da execução, se trata-se de um momento mais “solene’, onde os
participantes estão devidamente caracterizados de mouros e cristãos, ou em uma das muitas visitas à casas.

3
A estrutura profunda é a estrutura abstrata subjacente que determina sua interpretação semântica, cultural. A estrutura
de superfície é a organização superficial de unidades que e se relaciona com a forma física da expressão.
4
Execução de toques rufados
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Ex. 1. Elementos do Vominê (95 bpm)

Muito se pode intuir e associar no que diz respeito aos elementos que compõe o Vominê e as
supostas genealogias que constituem os habitantes de Mazagão. Ao movimento corporal intercalado com
pausas, sincronizado com o canto, é possível fazer relação com algumas práticas rituais indígenas. Bem como
o verso improvisado, intercalado com o som da vogal”e”, numa espécie de pergunta e resposta, algo similar
à o que pode ser observado em algumas culturas africanas. Mesmo o nome Vominê, seria uma contração de
“vamos ver” ou “vamos nele”(VIDAL, 2008, p 262), um exemplo típico do linguajar cabôclo. No entanto, por
mais sedutoras que possam se apresentar, essas proposições não fazem parte dos objetivos de nossa
pesquisa..
As observações aqui apresentadas são ainda preliminares. A prática cultural, musical e religiosa ainda
está sendo analisada, seguindo o pensamento de John Blacking para uma análise cultural da música, onde a
mesma pode ser utilizada como ferramenta reveladora do contexto sócio cultural no qual se insere:

É porque a musicologia e a etnomusicologia devem poder responder a tais


perguntas que advoguei o que, então, chamei de “análise cultural” nas canções
infantis dos Venda (1967). Considero uma abordagem tal como foi o resultado
metodológico de uma tendência na etnomusicologia que foi apresentada mais
consistentemente por Alan Merriam; e no primeiro capítulo deste volume, tentei
explicar porque deve ser possível aplicar o método tanto à música de Beethoven e
Mahler, tão bem, quanto à música dos Venda ou Zulu. Precisamos de um método
único de análise musical que possa ser aplicado a todo tipo de música, no qual
possamos explicar tanto os conteúdos formal, social e emocional quanto os efeitos
da música, como sistemas de relações entre um número infinito de variáveis. Todas

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estas relações estão “nas notas”, e a música ergue ou cai em virtude do que é
ouvido e como as pessoas respondem ao que se ouve; mas uma análise sensível do
contexto revelará que as relações de superfície entre os sons que podem ser
percebidos como “objetos sonoros” são apenas parte de um sistema mais profundo
de relações que podem ser descritos quando a música é considerada como som
humanamente organizado (BLACKING, 2000, p. 56).

Nosso ponto de partida para a pesquisa proposta, consequentemente, foi a constatação de um


repertório musical específico nessa prática cultural secular. A questão principal que nos ocupa é a prática do
Vominê, considerando a maneira como os indivíduos envolvidos o representam e sentem-se representados
por este, uma “análise cultural da música” (BLACKING, 2000), indo além de considerações apenas musicais,
embora estas sejam imprescindíveis, que podem ser iluminadas por análises, não apenas musicais, mas
também comportamentais e cognitivas que a prática musical permita, vendo-a inserida em unidades mais
abrangentes da vida social das quais é ao mesmo tempo parte e efeito.
Prática musical será entendida aqui como:

Um processo de significado social, capaz de gerar estruturas que vão além de seus aspectos
meramente sonoros, embora estes também tenham um papel importante na sua
constituição, sendo de extrema importância neste contexto. (...) A execução, com seus
diferentes elementos (participantes, interpretação, comunicação corporal, elementos
acústicos, texto e significados diversos) seria uma maneira de viver experiências no grupo
(CHADA, 2007, p.139).

Diante dos objetivos propostos, esta pesquisa tem caráter exploratório e está sendo desenvolvida a
partir da investigação bibliográfica e da observação direta da realidade.

Referências

BLACKING, John. How musical is man? 6. ed. Seattle: University of Washington Press. 2000.

BLACKING, John. Deep and Surface Structures in Venda Music. In: Yearbook of the International Folk Music
Council, Vol. 3 : International Council for Traditional Music, 1971.

BOYER, Véronique. Passado português, presente negro e invisibilidade ameríndia: o caso de Mazagão Velho.
Revista Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 28(2): 11-29, 2008.

CHADA, Sonia. A Prática Musical no Culto ao Caboclo nos Candomblés Baianos. In: III Simpósio de Cognição
e Artes Musicais, 2007, Salvador. Anais... Salvador: EDUFBA, 2007. P. 137-144.

EAGLETON, Terry. A Ideia de Cultura. São Paulo: Editora UNESP, 2005.

GEERTZ, Cliford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC Editora S.A., 1989.

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ROSÁRIO, Rosana L. A Importância da Etnografia nas Pesquisas em Dança: compartilhamento,


intersubjetividade, dialogismo. Antropologia da Dança II. Giselle G. A. Camargo (org.). Florianópolis: Insular,
2015.

TERRIN, Aldo Natale. O rito: definição e classificação. In: O rito antropologia e fenomenologia da ritualidade.
Coleção estudos antropológicos. São Paulo: Paulus, 2014.

VIDAL, Laurent. Mazagão: a cidade que atravessou o Atlântico. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

FESTA DE SÃO TIAGO EM MAZAGÃO VELHO, inventário da. Direção: Gavin Andrews. Castanha Filmes, 2010.
Documentário.

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Tradição afro-brasileira e cultura em transformação nas práticas musicais


percussivas de Edson Santana

Leonardo Vieira Venturieri


leonardoventurieri@hotmail.com
Instituto de Ciências da Arte

Resumo: Este artigo apresenta uma pesquisa, em andamento, dentro no campo da


etnomusicologia, acerca das práticas musicais percussivas de Edson Santana, Ogã
da casa de Candomblé Rundemdo-axé-di Jaciluango, localizado no bairro da
Pedreira em Belém do Pará, Brasil. O problema de pesquisa se apresenta a partir
da dicotomia presente entre as noções de tradição e inovação relacionada aos seus
processos criativos. Este trabalho objetiva apontar caminhos para que possa ser
realizada uma reflexão acerca desta temática, tendo como objeto de pesquisa
Edson Santana e suas práticas musicais percussivas, realizadas sobretudo fora do
ambiente religioso. O artigo foi realizado a partir de coletas de dados bibliográficos,
fonográficos, através de método etnográfico e analisado sob ótica
etnomusicológica de Gerard Béhague.
Palavras-chave: Candomblé. Percussão. Etnomusicologia. Processos Criativos.

Abstract: The paper presents an unfinished research, in the field of


ethnomusicology, made about the percussive musical activities of Edson Santana,
Ogã from the Candomblé house called Rundembo-axé-di Jaciluango, located in
Pedreira neighborhood in Belém, in the state of Pará, Brazil. The research problem
presents itself from the dichotomy of the subjects tradition and musical innovation,
related to his creative processes. This work intends to point out directions, so that
a proper reflection on the issue can be made, considering Edson Santana’s
percussive musical practices as the object of study, especially made out of the
religious context. The paper was made upon bibliographic and phonographic
research, through ethnographic research methods, analysed upon Gerard
Béhague’s ethnomusicological approach.
Keywords: Candomblé. Percussion. Ethnomusicology. Creative Processes.

1. Introdução
O presente estudo tem como objetivo refletir sobre os processos criativos de Edson Santana, Ogã1
da casa de Candomblé Rundemdo-axé-di Jaciluango, abordando a dicotomia presente na relação entre
tradição e inovação, dentro destes processos, sobretudo quando ocorrem fora do ambiente religioso.

1
Cargo do Candomblé (MORIM, 2016).

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Esta é uma pesquisa em andamento, que nasceu da necessidade de estudos de cunho


etnomusicológico sobre as práticas musicais relacionadas às religiões de matriz africana presentes na região
metropolitana de Belém. Tal necessidade se faz presente quando se atenta ao grande número de locais de
prática dessas religiões na cidade. De acordo com pesquisa prévia no site Mapeando o Axé (2016), encontrou-
se um mapeamento das religiões presentes em Belém, dentre as quais destaco o Candomblé, Pajelança, Pena
e Maracá, Tambor de Mina, Jurema, Linha Cruzada, Mina de Caboclo, Quimbanda, Toré, Umbanda,
Umbandomblé, Vodum.
Nesta pesquisa, percebeu-se a larga presença de trabalhos antropológicos envolvendo estes locais
de prática religiosa em Belém, entretanto verificou-se a escassez de trabalhos etnomusicológios, fato que
justifica a necessidade desta investigação.

2. Metolodogia
Esta pesquisa, em andamento, contou com coleta de dados em arquivos digitais de áudio, adquiridos
através de um viés etnográfico – coletados a partir de entrevista feita com o músico Edson Santana no dia 12
de Setembro de 2016 e gravação de arquivos digitais de músicas deste compositor durante o ano de 2010.
Além destes dados coletados em campo, investigou-se também bibliografia acerca da
etnomusicologia brasileira, em especial relacionada à prática religiosa do Candomblé.
Como principal ferramenta teórica, foi utilizada a obra “Fundamento Sócio-Cultural da Criação
Musical” de Gerard Béhague (1992), que serviu como base analítica dos processos criativos de Edson
Santana, sendo a referência primordial para o contraponto conceitual entre tradição e inovação.
Num primeiro momento, foi traçada uma linha temporal, para que se possa compreender o contexto
histórico que forneceu a tradição herdada por Edson, sobretudo nos aspectos religioso e musical.
Posteriormente, foram relatadas as impressões deste pesquisador, de acordo com o caminho musical
traçado pelo indivíduo estudado, de acordo com suas prórias memórias, relacionando-as ao estudo teórico
proposto, utilizando-se das ferramentas teóricas de Gerard Béhague para analisar as obras musicais do
sujeito pesquisado.

3 história da casa de candomblé rundemdo-axé-di jaciluango


A história da casa de Candomblé Rundemdo-axé-di Jaciluango (Casa de Força de Ogum), localizado
no bairro da Pedreira em Belém do Pará, começa nos anos 60, com a avó de Edson Santana, Apolônia
Raimunda Santana, mais conhecida apenas como Dona Raimunda ou Dona “Mundica”, que, segundo as
lembranças de Edson, fora a real iniciadora das atividades religiosas na casa.

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Dona Raimunda era uma filha de santo2 que “recebia”3 duas entidades: Seu Zé Raimundo(Caboclo Zé
Raimundo) e Dona Jarina e era a figura central na liderança das práticas na casa, que ainda seguia a linha
Umbanda Mina Nagô, antes da transição para o Candomblé, no decorrer dos anos 70.

Figura 1: Edson Santana.

Fonte: Pesquisa de campo, 2016.

Dona Raimunda era muito conhecida na rua Mariz e Barros, em especial pela grande festa que
promovia todo dia 31 de agosto, em razão do seu aniversário e do aniversário da entidade Seu Zé Raimundo;
“toda a rua” participava da festa.
Segundo as memórias de Edson Santana (pesquisa de campo 2016), essa festa iniciava-se ao
alvorecer, às 6h da manhã, e contava com momentos distintos: a “mesa das crianças” ao meio-dia, em que
estas se reuniam para almoçar, a “mesa dos adultos” às 15h, seguido por um momento de distribuição de
doces para as crianças, e uma ladainha às 18h. Depois desse momento, Dona Raimunda incorporava4 Dona
Jarina e logo depois encerrava-se o caráter sagrado do festejo, abrindo espaço para a música, através da
aparelhagem5, acompanhada de muita comida, bebida e até de fogos de artifício.

2
No candomblé, a Filha de Santo representa um verdadeiro sacerdote, servindo de instrumento, de corpo, de cavalo, ou de médium, para o Orixá
que nela se incorpora, em certas ocasiões do culto. Nesses momentos, ela possui os mesmos gestos, timbre de voz, danças e cantigas que o Santo.
Essas escolhas, em geral, têm lugar dentro dos próprios cultos e, durante a revelação dos Orixás, a futura Filha-de-Santo é tomada por tremores e
sobressaltos. (VAINSENCHER, 2016)
3
“receber” uma entidade, significa entrar em estado de santo(pesquisa de campo, 2016).
4
Termo utilizado por Edson Santana para designar o estado de santo, ou estado de transe (pesquisa de campo, 2016)
5
Aparelhagem é o nome designado aos grandes sistemas de som utilizados em festas populares no estado do Pará.

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Figura 2: Interior do terreiro Rundemdo-axé-di Jaciluango.

Fonte: Pesquisa de campo, 2016.

Dona Raimunda faleceu no ano de 1973, curiosamente no dia de seu próprio aniversário,
pontualmente ao meio-dia. Com o seu falecimento, coube ao pai de Edson, Raimundo Walter da Silva, levar
adiante a tarefa de dirigir as práticas religiosas na casa.
No início dos anos 80, Raimundo Walter da Silva, viajou à Bahia e se iniciou no Candomblé, com o
intuito de levar essa prática religiosa de volta ao terreiro Rundemdo-axé-di Jaciluango. No retorno a Belém,
Raimundo trouxe os primeiros tambores a serem usados no terreiro, e foi neste momento que Edson teve
seu primeiro contato com a percussão.
Após a iniciação do pai, foi a vez do próprio Edson se iniciar nas práticas do Candomblé no ano de
1981, com intuito de acompanhar o pai na direção da casa, seguido por sua mãe, Cleonice Santana Cordeiro,
cuja iniciação se deu em 1982.

Figura 2: Pais de Edson Santana, Raimundo Walter da Silva e Cleonice Santana Cordeiro.

Fonte: Acervo familiar de Edson Santana.

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Raimundo Walter da Silva, segue na direção do terreiro até Outubro do ano de 1990, quando ocorre
seu falecimento. Este fato fez com que Edson assumisse a liderança em companhia de sua mãe até o ano de
2003, ano que marcou seu falecimento. Atualmente, a casa encontra-se em pleno funcionamento e durante
vários dias do ano é aberto para convidados, principalmente no dia da consciência negra, em que Edson
promove um festejo que conta com apresentações de artistas diversos.

4 tradição e ancestralidade no candomblé


Acerca da história do Candomblé, o etnomusicólogo Paiva (2007, p.1) afirma: “O Candomblé,
enquanto sistema religioso, tem seu surgimento a partir do século XIX, através da junção das várias crenças
e costumes, trazidos de diferentes regiões da África pelos escravos que chegavam ao Brasil”. Entretanto,
alguns elementos constituintes desta religião já poderiam estar em prática no Brasil desde há pelo menos
dois séculos antes, como afirma José Ramos Tinhorão sobre a imagem Cerimônia e dança no Brasil, de
Zacharias Wagener, de cerca de 1630:

Bem examinada, essa cena envolvendo três músicos sentados num tronco de
árvore tombado, com dois deles tocando com as mãos tambores presos entre as
pernas(forma tradicional nos Candomblés) e o terceiro, ao centro, raspando um
longo reco-reco(...) Ao que tudo indica, o que o alemão de Dresden, Zacharias
Wagener, presenciou não terá sido apenas uma “Dança de Negros”(...) mas um
momento do ritual de terreiro da religião de origem africana em Pernambuco ao
tempo da ocupação holandesa. (TINHORÃO, 2012, p.34)

Figura 3: Cerimônia e Dança no Brasil, Zacharias Wagener,

Fonte: Site da UFPR, através do link: <https://docs.ufpr.br/~lgeraldo/upoimagens1.html>

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A imagem acima indica, sobretudo, a importância da música para a prática das religiões de matriz
africana no Brasil, também aponta para a ancestralidade de tais religiões nos dias de hoje. Tal ancestralidade
é insprescindível para a compreensão da tradicão presente nas práticas musicais dentro do Candomblé.
Segundo Angela Lühning: “A música do Candomblé – tanto a das nações nagô-ketu e jeje, quanto das
nações de Angola ou de caboclo – se constitui de toques de três atabaques com o agogô e um imenso
repertório de cantigas” (1992, p. 115). Isso foi confirmado por Edson na entrevista dada a este pesquisador,
na qual afirmara que a base instrumental imutável no Candomblé consta em três atabaques (rum, rumpi e
lê) e um agogô(gã) (pesquisa de campo, 2016). Quase no mesmo trecho da entrevista, Edson apontou para
o fato de que as estruturas rítmicas presentes no Candomblé possuem organizações específicas, chamadas
“toques” e que elas devem ser seguidas à risca pelos praticantes, salvo em caso do solista, que é responsável
pelo atabaque maior, o rum (pesquisa de campo, 2016).
Sônia Chada também aponta a ligação de ancestralidade presente na prática do Candomblé, no artigo
“A Prática Musical no Culto ao Caboclo nos Candomblés Baianos”:

O culto ao Caboclo compreende um conjunto de práticas normatizadas, que visam


inculcar valores e normas de comportamento através da participação nos rituais,
implicando numa continuidade com o passado. Neste culto há uma fusão de
elementos católicos, africanos, indígenas e espíritas que se agregam dando-lhe um
caráter mais sincrético e nacional mais profundo. (2007, p.3)

Edson, em suas práticas musicais percussivas, segue uma tradição que lhe foi ensinada, a partir de
um longo histórico de tradição oral: “Toda a sabedoria do Candomblé é transmitida oralmente tanto de
geração para geração quanto entre indivíduos da mesma geração.” (CHADA, 2007, p. 13). Essa tradição fora
ensinada ao seu pai, à sua mãe e a ele próprio a partir de suas iniciações na Bahia, e assim, trazida para
Belém. A noção da música do Candomblé enquanto tradição é confirmada por Angela Lühning: “(...)a música
no Candomblé, a qual segue um certo sistema tradicional no desenvolvimento de uma festa.”(1990, p. 124)
A música praticada fora do contexto das festas públicas, ou cerimônias não-públicas, possuem
equivalente importância simbólica nas pessoas iniciadas, justamente por manterem íntima relação com o
seu cotidiano. Essa música ultrapassa o momento da cerimônia religiosa (LÜHNING, 1990, p. 124) e, para o
presente estudo, é imprescindível que se faça a diferenciação dessa prática musical, de tradição, dentro ou
fora do contexto religioso, visto que o contexto sociocultural se altera nesses dois momentos distintos.
Desse modo, para que se estabeleçam as relações cognitivas e socioculturais, cada contexto
específico se mostra de determinante importância, como afirma Sônia Chada:

[...] são de fundamental importância para esses estudos as relações dos elementos
cognitivos e socioculturais que determinem a relação da música com o seu

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contexto, a inserção da música nas diferentes atividades sociais e os múltiplos


significados decorrentes dessa interação. (2007, p. 2)

Assim, para traçar o principal diferencial da música praticada no contexto religioso do Candomblé,
ressalta-se a questão presencial das divindades ou entidades dentro da prática musical, que são essenciais
quando demandam a criação ou execução de um repertório específico para os fins que buscam:

As divindades Caboclas, apresentando características distintas dos Orixás,


demandaram um repertório musical adequado aos rituais em que são cultuados, às
suas características míticas e a suas formas de pensar e agir, não semelhantes ao
das divindades africanas, mas relacionados. (CHADA, 2007, p.4)

5 do terreiro para os palcos de Belém


Segundo a entrevista concedida a este pesquisador em 2016, Edson deixou claro que a música feita
na casa de Candomblé, enquanto prática religiosa, obedece a uma energia, ou seja, se trata de uma prática
com uma significação essencial. O papel da música no contexto religioso do Candomblé, envolve uma
questão de “presença”. Afirmou, por exemplo, que a “orquestra” percussiva particular do Candomblé age
como um facilitador ou condutor das energias a serem acessadas. Por conseguinte, o Ogã, quando toca o
atabaque, toca a “si próprio”, e quando executa um certo toque, faz com que este aja de maneira interativa
ou até provocativa no ser que está “incorporado” (pesquisa de campo, 2016).
Chada confirma essa interatividade da música com o indivíduo que “recebe” a entidade:

Nos rituais dedicados aos Caboclos, música e dança são predominantemente


interligadas. A música e a dança são multisensoriais, pois atraem a atenção dos
sentidos (visão, movimento, sonoridade) e evocam respostas variadas nos
executantes e nos observadores sendo possibilidades férteis para o entendimento
deste universo. (2007, p. 4)

Tal importância da música em relação ao transe é corroborado por Angela Lühning: “Música, dança
e letra, por outro lado estão intrinsecamente ligadas ao estado de transe, no Candomblé comumente
chamado de estado-de-santo” (1990, p.117). Como também afirma, em outro momento: “A função
primordial da música é fazer os orixás se apresentarem aos seus descendentes, manifestando-se em seus
corpos e dançarem” (p. 124).
Neste entendimento preliminar, da música dentro do contexto religioso, surge o questionamento:
seria possível traçar um paralelo entre a música praticada por Edson Santana dentro do Candomblé –
enquanto prática religiosa – com sua música percussiva praticada fora, em contextos variados, teatro,
cinema, shows, para entretenimento?

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Essa pergunta se faz valer a partir da perspectiva de que sua prática musical fora do Candomblé
acontece frequentemente com elementos comuns (rítmicos, melódicos, instrumentais), portanto fora de
contexto religioso e, em grande parte, não utilizando o repertório típico dos festejos, dos rituais e dos dias
especiais do seu calendário. O que não significa que essa música praticada fora de contexto não se faça valer,
em casos específicos, do repertório interno do terreiro, no que diz respeito aos toques, pontos e motivos
rítmicos, no que pode ser observado nas apresentações do grupo Batuques do Norte6, que transmitem essas
informações musicais de maneira tradicional, autêntica.
O paralelo que está sendo buscado aqui considera a musicalidade presente no músico, que com a
fruição estética que lhe cabe, se dispõe dos elementos tradicionais que lhe foram introduzidos, mas
indicando caminhos novos de expressão para muito além do terreiro. O processo criativo que se busca
compreender é a forma com que Edson elabora novas formas musicais, sem contrariar ou ignorar a tradição
secular das práticas percussivas presentes no Candomblé e tampouco sem obedece-las de maneira ortodoxa,
quando fora de contextos religiosos.
Edson Santana possui uma vida musical intensa e muito ativa fora do terreiro. Nos muitos anos de
carreira participou de espetáculos de teatro, tais como “Curimbó”, de Danilo Bracchi, além de “Tão Bonito
de Tão Feio”. Ao longo dos anos, proferiu inúmeras apresentações musicais com o grupo Batuques do Norte,
inclusive no programa Timbres da Tv Cultura e em algumas festas de Belém como a conhecida “Black Soul
Samba”. Também possui uma participação no cinema, na trilha sonora do filme “Juliana contra o Jambeiro
do Diabo” pelo Coração de João Batista (JULIANA, 2012) e ainda participa do grupo de rock Black Cabala. Esta
atividade musical intensa fora do Candomblé nunca se mostrou desligada da tradição religiosa afro-brasileira
no qual faz parte. O Candomblé foi a sua mais importante escola de música percussiva, fonte de aprendizado
de toques e cantos, e assim, com grande impacto em sua formação musical como um todo.

6 bancos da vida
Dentre as obras de Edson Santana que corroboram a dualidade proposta entre tradição e inovação,
está a obra intitulada “Bancos da Vida”, para banco de madeira e voz solo (SANTANA, 2010). A obra em
questão possui uma instrumentação percussiva não-tradicional e propõe a execução de motivos rítmicos que
possuem afinidade com toques do Candomblé e com a cultura musical afro-brasileira em geral, acompanhada
de uma melodia cantada.

6Batuques do Norte é o nome de um dos grupos musicais no qual Edson faz parte. O grupo realiza apresentações com repertórios tradicionais da
prática do Candomblé.

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A escolha do banco de madeira se deve ao fato de que este pertencia à casa de Fátima de Yansã, mãe
de santo7 muito estimada por Edson. Após seu falecimento, Edson ganhara de seus filhos alguns destes
bancos, o que o inspirou a compor “Bancos da Vida”.
Vale ressaltar a inovação em técnicas percussivas na obra em questão, primeiramente pelo fato da
escolha instrumental, de utilizar um banco como instrumento de percussão, de maneira similar a um
atabaque. Essa inovação também se dá, pela parte final da composição, em que o músico, possuindo o banco
entre as pernas (como se fosse um tambor normal), passa a executar uma “técnica estendida” que consiste
em “agarrar” o banco com as coxas e “marretá-lo” no chão, enquanto continua o toque de fraseados com as
mãos no topo do banco, ainda cantando a melodia. Cada “marretada” no chão corresponde a um toque grave
no tempo forte e o próprio chão, passa a ter um papel dentro da trama percussiva, servindo como
“instrumento” complementar à performance. O banco em si, possui grande variação timbrística e com muitas
possibilidades de variação dinâmica, o que indica que a sua escolha para a obra não é algo meramente
simbólico, mas com grande potencial sonoro.
A composição “Bancos da Vida” aponta para a idéia de uma cultura que está em constante
transformação. A inovação está presente na escolha de instrumentação para a obra, assim como na criação
de novas técnicas para a execução do banco o que representa a busca de um compositor por novas
sonoridades, timbres e formas de expressão através de seus processos criativos. Esses processos ocorrem
através do raciocínio de que a mudança é inerente ao fazer musical, paralelamente ao aspecto de
continuidade presente neste fazer, o que é corroborado por Béhague quando afirma que “Todo o evento
musical e social representa uma mistura de continuidade e mudança, a relativa presença e variabilidade de
uma ou outra dependendo dos valores inerentes do sistema” (1992, p. 9).
Essa ideia relaciona-se aos processos de inovação que podem se fazer presentes no fazer musical
tradicional, ou a partir deste fazer. Mais adiante em seu texto, Béhague oferece um esclarecimento mais
completo sobre a questão criativa:

É bastante evidente que a experiência cultural vivencial do indivíduo criador forma


a própria base da criação. O que não é tão evidente é o mecanismo específico que
une essa experiência à obra criada em termos concretos. O criador tem como a
referência a tradição musical com que se identifica e é provavelmente a sua
percepção dos limites ou das fronteiras desta tradição que o guia na busca de suas
expressões (BEHAGUE, p. 12, 1992).

7 Em se tratando da chefia dos rituais, o Pai-de-Santo (Babalorixá) e a Mãe-de-Santo (Alourixá ou Ialorixá) recebem os
fiéis nos terreiros, em sessões individuais, revelando o Orixá de cada um, por tradição, mediante o jogo de búzios.
(VAINSENCHER, 2016)
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Sendo assim, de acordo com esse raciocínio, o que permite a inovação a um criador é a própria
consciência de sua cultura, tal qual os limites ou fronteiras da tradição em que possivelmente se encontraria.
A partir dessa consciência é que se pode partir para expressões que iniciem processos de inovação.

7. Conclusão
De forma preliminar, pode-se afirmar que Edson Santana, como músico, atuou como transformador
cultural, por meio de seus processos criativos, em que proporcionou o desenrolar de processos de inovação
a partir de uma tradição musical religiosa, em ambientes e público externos a essa tradição. Foi um agente
de inovação em sua prática musical, o que foi possível principalmente pelo extenso conhecimento acerca do
sistema musical de que faz parte, o que lhe apresentou os limites e fronteiras deste próprio sistema, de
acordo com a ótica etnomusicológica de Béhague(1992, p.12).

Referências

Béhague, Gerard. Fundamento Sócio-Cultural da Criação Musical, ART19 Revista da Escola de Música e Artes
Cênicas da UFBA, 1992, p. 5-18.

BLACKING, John. Some Problems of Theory and Method in the Study of Musical Change. Yearbook of the
International Folk Music Council, 1977.

CHADA, Sonia. A Prática Musical no Culto ao Caboclo nos Candomblés Baianos. In: III Simpósio de Cognição
e Artes Musicais, 2007, Salvador. Anais... Salvador: EDUFBA, 2007. P. 137-144.

JULIANA Contra o Jambeiro do Diabo pelo Coração de João Batista. Direção: Roger Elarrat. Edital do
Ministério da Cultura. Belém: Visagem Filmes, 2012.

LÜHNING, Ângela Elisabeth. Música: coração do Candomblé, Revista USP, v. 4, 1990, p. 115-124.

LÜHNING, Angela Elisabeth. Métodos de trabalho na etnomusicologia: reflexões em volta de experiências


pessoais. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 22, n.1/2, 1991, p. 105-126. Disponível em
<http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/9437> acessado em 28 de Outubro de 2016.

MAPEANDO o Axé, Pesquisa Socioeconômica e Cultural das Comunidades Tradicionais de Terreiro.


Associação Filmes de Quintal em parceria com Fundação Cultural Palmares. Disponível em:
<http://www.mapeandoaxe.org.br/terreiros/belem> Acessado em 21 de Outubro de 2016.

MORIM, Júlia. Pierre Fatumbi Verger. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível
em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/>. Acesso em: 29 de Outubro de 2016.

PAIVA, Kate Lane Costa de. Corpo e Candomblé - conhecimento e estética na cultura popular. 16° Encontro
Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes Plásticas Dinâmicas Epistemológicas em Artes
Visuais, Florianópolis, 2007.

SANTANA, Edson. Bancos da Vida. Acervo pessoal fonográfico do pesquisador. Belém, 2010.

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TINHORÃO, José Ramos. Os Sons dos Negros no Brasil. Cantos, danças, folguedos: origens. São Paulo: Editora
34, 2012(3a edição)

VAINSENCHER, Semira Adler. A Filha-de-santo. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife.
Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/>. Acesso em: 29 de Novembro de 2016.

Wagener. Zacharias. Cerimônia e Dança no Brasil, ca. 1630. Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências
Humanas, Letras e Artes Departamento de História. Disponível em:
<https://docs.ufpr.br/~lgeraldo/upoimagens1.html> Acessado em 21 de Outubro de 2016.

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MUSICOLOGIA - COMUNICAÇÕES

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Livros litúrgicos-musicais mercedários e sua relação com o Ritual Mercedário de


João da Veiga

Marcely Adriele Viana Cunha


mvianacunha@gmail.com
Universidade Federal do Pará

Resumo: Estudo iniciado em 2015 como parte das atividades do Projeto de


Pesquisa “A Ordem das Mercês e a prática do Cantochão no Pará”. De posse do fac-
símile do Ritual Mercedário de 1780, compilado pelo Frei João da Veiga, foram
feitas pesquisas bibliográficas e documentais acerca da origem do livro e de seu
conteúdo. Uma das estratégias de pesquisa adotada foi a busca e comparação com
outros materiais similares, pertencentes ou não à mesma ordem religiosa. Este
trabalho se limitará a apresentar os documentos similares encontrados
pertencentes à ordem mercedária.
Palavras-chave: Cantochão. Liturgia. Mercedários.

Abstract: A study begun in 2015 as part of the activities of the Research Project
"The Order of Mercy and the practice of plainsong in Pará." In facsimile possession
of Mercedarian Ritual 1780, compiled by Fr. João da Veiga, were made a
bibliographical and documental research about the origin of the book and its
contents. One of the research strategies adopted was the search and comparison
with other similar materials, belonging or not to the same religious order. This work
will be limited to presenting similar documents found belonging to the Mercedarian
order
Keywords: Plainchant. Liturgy. Mercedarian.

1. Introdução
Desde sua aquisição, em Lisboa, das mãos de um alfarrabista, que o documento intitulado
Rituale/Sacri, Regalis, AC Militaris Ordinis/ B.V. Mariae Mercede/Redemptionis Cativorum/ad usum/Fratum
Ejusdem Ordinis/Congregacione Magni Paraensi commorantium/jussu/R.P. Praedicatoris Fr. Joannis da
Veiga/in Civitate Paraensi ejusdem Ordinis Commendatoris ela-/boratum, & lucem editum, intriga o
pesquisador Vicente Salles. Chegou a escrever dois artigos sobre o assunto (Brasília, 1995 e Curitiba, 1999),
onde expressa, no seu conhecimento profundo da história e cultura paraense, um grande lamento em não
poder tecer comentários mais técnicos ou históricos sobre tal documento valioso. Solicitou auxílio professor
Silvério Maia, na transcrição para escrita moderna, e do falecido musicólogo Claver Filho, na compreensão
mais profunda, o que não foi possível pela morte prematura do mesmo
O professor Jonas Arraes (Universidade do Estado do Pará) se disponibilizou a confeccionar o fac-
símile integral do livro, como parte de seu trabalho a frente de pesquisa e catalogação dos documentos de
Vicente Salles no museu da UFPa. Desta maneira, após pedido a sra. Malena Salles(esposa de Vicente),

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conseguimos obter o livro integral colorido em fac-símile, junto com uma expressão de felicidade e
contentamento por disponibilizarmos a estudá-lo.
Temos em mãos um documento raríssimo, segundo CASTAGNA (2000), “a primeira publicação
propriamente litúrgica por autor brasileiro”. Muitas questões ainda precisam ser respondidas, como:
Esta publicação possui influência pós ou pré-tridentina? Os cantos refletem práticas exclusivas da
Ordem das Mercês?
É possível que este volume sirva de partida para uma investigação mais profunda da atuação da
Ordem das Mercês em nossa capital na tentativa de responder a seguinte pergunta: De que maneira a prática
religiosa dos Frades mercedários contribuiu para a formação da cultura paraense.

2. Objetivos
Este trabalho teve como objetivos investigar a organização litúrgica dos livros litúrgicos da Ordem
das Mercês, suas estruturas, localizações e semelhanças.

3. Metodologia
Após a construção de um novo índice para o Ritual de João da Veiga Ex. 1 , foram feitas comparações
das estruturas do mesmo com a Editio Medicea(Romana) Ex. 2 (1614). Para os demais livros localizados
online fizemos uma tabela explicativa de autoria, ano de impressão e editora.

4. Resultados
É sabido que o Concílio de Trento aconteceu em resposta às proposições protestantes, assim,
procurou uniformizar sua Sagrada Liturgia para evitar divergências que colocassem em risco sua unicidade.
A Ordem das Mercês, passando por várias convenções internas na intenção de chegar a unidade litúrgica da
comunidade religiosa, adotaram em 1327 o Breviário dos Dominicanos. Conseguida relativamente, pois
haviam em suas casas uma diversidade de breviários. Desta maneira, durante 250 anos, a Ordem das Mercês
adere a Sagrada Liturgia Romana, na Reforma Tridentina, por São Pio V.
Tendo esta informação, fizemos a comparação da estrutura do livro de João da Veiga com o Graduale
de Tempore. Abaixo, quadro com os documentos de fonte primária localizados

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TÍTULO AUTOR CIDADE EDITORA ANO LOCALIZAÇÃO


MANUALE CHORI Fr. Salamanca Ioannem Ferdin 1598 Biblioteca del
AC PROCESSIONUM, & EORUM, Francisco Zu andum Monasterio de Poio
QUAE IN ECCLESIA DICI mel (Pontevedra)
DEBENT SECUNDUM MOREM SACRI,
ORDINIS BEATAE MARIAE DE MERCE
DE, REDEMPTIONIS CAPTOVORUM.
GRADUALE DE TEMPORE - Cidade do EDITIO 1614 -
IUXTA RITUM SACROSSANCTAE Vaticano PRINCEPS
ROMANAE ECCLESIA
RITUALE SACRIS ET MLITARIS Fr. Didaci de Madrid Ex Typografia 1639 Biblioteca Nacional
ORDINIS B. V. MARIAE DE MERCEDE Velasco Regia de Espanha
REDEMPTIONIS CAPTVORUM. NUNC (Madrid)/Arquivo da
DENUO AD USUM MISSALIS Coroa de Aragão
,CAEREMONIALIS ET RITUALIS (Barcelona)
Romani reformatorum, &
recognitum iussu Reveren-/dissimi
Patris nostri Magistri Fratris Dalmatij
Sierra,/ totius Ordinis Magistri
Generalis: à fratre/ quodam
humílimo Provinciae/ Castellae.
RITVALE SACRI ET REGALIS Fr. Juan Sevilha Ex Typografia 1701 Biblioteca Digital
ORDINIS B.V. MARIAE DE Navarro Joannis de la Hispánica
MERCEDE, Puerta http://bdh.bne.es/bn
REDEMPTIONIS CAPTIVORUM esearch/detalle/bdh0
000158294
RITUALE SACRI, AC REGALIS Fr. Basilio Gil Madrid Joachin Ibarra, C 1770 Biblioteca Digital
ORDINIS BEATAE VIRGINIS MARIAE D de Barnabe atholicae Majest Hispánica
E MERCEDE, atis Typographu http://bdh.bne.es/bn
REDEMPTIONIS m esearch/detalle/bdh0
CAPTIVORUM. 000055838
Nunc denuo reformatum, maturè
recognitum, copiosè auctum, & in
lucem editum, JUSSU
REVERENDISSIMI P. N. M. Fr. BASILII
GIL DE BARNABE totius praedicti
Ordinis Magistri Generalis, &c.
RITUALE SACRI, REGALIS, AC Fr. João da Lisboa Typis 1780
MILITARIS ORDINIS B. V. MARIAE DE Veiga Patriarchalibus
MERCEDE REDEMPTIONIS Francisci Aloysii
CAPTIVORUM, AD USUM FRATRUM Ameno
EJUSDEM ORDINIS in Congregatione
Magni Paraensi commorantium,
JUSSU R. P. PRAEDICATORIS Fr.
JOANNIS DA VEIGA in Civitate
Paraensi ejusdem Ordinis
Commendatoris elaboratum, & in
lucem editum.

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Ex. 1: Ritual da Sagrada Ordem e Real Ordem Militar de N. S. das Mercês, da Redenção dos Cativos, para uso dos frades da mesma
ordem residentes na Congregação do Pará

Ex. 2: Graduale de Tempore TEMPORE – IUXTA RITUM SACROSANCTAE ROMANAE ECCLESIAE


– Editio Princeps (1614). Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2001

5.Conclusão
Resta-nos, ainda, investigar com profundidade a relação dos demais livros localizados com o volume
paraense pois são necessárias comparações com suas melodias. A partitura acima exemplificada, mostra a
influência pós-tridentina neste canto na liturgia Mercedária. Resistem questionamentos ainda, como a vida
do misterioso autor e a influência da Ordem Espanhola na formação cultural da cidade de Belém do Grão
Pará.

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Referências

VEIGA, F. J. da. Ritual da Sagrada Ordem e Real Ordem Militar de N. S. das Mercês, da Redenção dos Cativos,
para uso dos frades da mesma ordem residentes na Congregação do Pará, por mando do R. P. pregador Fr.
João da Veiga, Comendador da mesma ordem, na cidade do Pará. Sacro. Lisboa: Francisco Aloísio Ameno,
1780.

CASTAGNA, P. O Estilo Antigo na prática musical religiosa paulista e mineira dos séc. XVIII e XIX. V. 3. Tese
de Doutorado. São Paulo, 2000.

GRADUALE DE TEMPORE – IUXTA RITUM SACROSANCTAE ROMANAE ECCLESIAE


– Editio Princeps (1614). Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2001aSALLES, V.. Música Sacra em
Belém do Grão-Pará no Século XVIII, O cantochão dos mercedários compilado por Frei João da Veiga. Brasília,
página 8. 1996.

GRADUALE DE SANCTIS – IUXTA RITUM SACROSSANCTAE ROMANAE ECCLESIAE – Editio Principes (1614-
1615) Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2001.

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João da Veiga e a lacuna na história musical e eclesiástica do Grão-Pará

Lucas Gabriel de Azevedo Frota


gabrielfrota25@gmail.com
Universidade Federal do Pará

André Alves Gaby


agaby@ufpa.br
Universidade Federal do Pará

Resumo: Este trabalho objetiva apresentar os resultados obtidos pela pesquisa


sobre o cantochão dos Mercedários do Pará acerca da obra de frei João da Veiga,
uma das figuras-chave da história dos religiosos na Amazônia Colonial. Exímio
músico e cantochanista, o frade mercedário ainda é uma lacuna histórica em
grande parte dos documentos que contam a história eclesiástica no Grão-Pará.
Parte dos poucos argumentos que atestam vida e obra deste religioso e de sua
ordem estão em alguns extratos da revista Analecta Mercedária e na transcrição de
uma carta datada do século XVIII (fruto do plano de trabalho paleográfico e
filológico dos arquivos das Mercês) que, aqui, contribuirão com nossa investigação
e levantamento de informações acerca desta importante personalidade: frei João
da Veiga, cujo legado, registrado principalmente no Ritual Mercedário que
compilou, atravessa os séculos da música paraense.
Palavras-chave: Cantochão. Mercedários. João da Veiga. Paleografia.

Abstract: This work presents the findings obtained from a research into the history
of plainchant of the Pará Mercedarians and, in specific, about friar João da Veiga.
Veiga was a key figure in the religious history of Colonial Amazon. Accomplished
musician and “plainchantist”, the mercedarian friar represents a historical gap in
the documentation of ecclesiastical history of Grão-Pará. A portion of the evidence
attesting to the life and work of this religious figure and his order is found in
excerpts from the magazine Analecta Mercedaria, and the transcription of a letter
from the eighteenth century (fruit of paleographic and philological archival work
conducted in the Archives of Mercês). Both documents contribute to the present
research and documentation into the life of this important personality, friar João
da Veiga, whose legacy, mainly registered in Mercedarian Ritual compiled by him,
through the centuries of Pará music.
Keywords: Plainchant. Mercedarians. João da Veiga. Paleography.

1. Introdução
Este trabalho objetiva apresentar os resultados obtidos pela pesquisa sobre o cantochão dos
mercedários do Pará acerca da obra de frei João da Veiga, uma das figuras-chave da história dos religiosos
na Amazônia Colonial. Músico e cantochanista de excepcional competência (SALLES, 1995, p. 5), o frade
mercedário ainda é uma lacuna histórica em grande parte dos documentos que contam a história eclesiástica
no Grão-Pará.

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A redescoberta dos tomos de um Ritual Sacro mercedário compilado por um frade paraense do
século XVIII foi o introito para esta investigação: este frade era ninguém senão o próprio João da Veiga,
comendador e pregador do convento do Pará à época. Mas quem foi tão virtuoso frei? Por que existe um
latente apagamento histórico deste vulto? O vasto levantamento bibliográfico conseguido por esta pesquisa,
que abrange quase toda a cronologia histórica dos mercedários do Pará e Maranhão, talvez seja a única fonte
que ateste vida e obra do frade.
Iremos, portanto, trazer à tona neste artigo a metodologia utilizada durante esta investigação,
recortes do levantamento bibliográfico obtido, suas contribuições para desvendar o problema proposto e
auxiliar no intento de estabelecer fontes de informação confiáveis e aplicáveis acerca da vida de frei João da
Veiga, no contexto religioso da Amazônia Colonial, seja no âmbito musical, pedagógico, cultural e/ou social.

2. Objetivos
Os objetivos deste trabalho são:
a) traçar paralelos entre as fontes documentais;
b) avaliar a relevância dos processos históricos ali descritos para este trabalho;
c) destacar os eventos que façam alusão a João da Veiga.

3. Metodologia
A metodologia que utilizamos nesta investigação foi pautada da seguinte forma:
a) levantamento bibliográfico e documental (in loco e online);
b) transcrição e edição de manuscritos selecionados para o corpus;
c) leitura e análise dos manuscritos e artigos selecionados para o corpus;

4. O Corpus
Composto por recortes da bibliografia, o corpus selecionado aborda aspectos históricos acerca dos
empreendimentos da ordem mercedária em Belém e Maranhão do século XVIII, englobando desde um
manuscrito datado de 18 de março de 1778 até excertos extraídos do periódico Analecta Mercedária,
expressão do Instituto Histórico Ordinis de Mercede, que aparentavam conter informações que interessavam
a esta investigação.
4.1 Os artigos extraídos selecionados para o corpus estão em língua espanhola e são os seguintes:
4.1.1. MILLÁN RUBIO, Joaquín. Documentos para la historia de la Merced en el Marañón. A.M., v. 11,
1992, p. 427-457;
4.1.2. PLACER, Gumercindo (Ordem das Mercês). Notas históricas de la Congregación de la Merced
del Marañón (Brasil). A.M., v. l, 1982, p. 179-237.

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4.2. Já o manuscrito faz parte da compilação de fotocópias das cartas dos mercedários do convento
do Pará, arquivadas na Biblioteca Nacional da Espanha e na Torre do Tombo, em Portugal, obtida pelo projeto
de pesquisa. Sua transcrição e edição crítica foi elaborada pelo plano de trabalho intitulado “Retórica e
modalidades latinas no cantochão – uma análise linguístico-filológica do Ritual Mercedário”, vinculado a este
projeto.

5. Leitura e análise
5.1. Excertos da Analecta Mercedária
Nossa leitura começará traçando um esboço, um resumo dos assuntos tratados nos artigos
escolhidos. O primeiro, Documentos para la historia de la Merced en el Marañón, de Millán Rubio, escreve
fatos sobre a chegada e consolidação dos mercedários na Amazônia, baseando sua estrutura em uma série
edições semidiplomáticas de algumas cartas dos religiosos.

Sin fecha. Los mercedarios piden autorización para fundar un hospicio o colegio en
Lisboa para acoger a los frailes que vie-nen de Indias y para fomentar el cultivo de
las letras. Se traza la historia de una intensa ejecutoria de la Merced en Brasil,
donde llevaban ya ochenta años trabajando. (MILLÁN RUBIO, 1992, p.428)

E segue o texto transcrito da carta. O autor descreve também outros fatos narrados nas
correspondências (a cópia autêntica da licença de fundação do hospício em Lisboa, os Capítulos Gerais de
1723 e 1728 e seus desdobramentos etc), destacando os dados históricos que apontam a quantidade de anos
da atuação da ordem religiosa. Nenhuma das treze correspondências, porém, faz qualquer menção a João
da Veiga.
O artigo de Gumercindo Placer segue o mesmo modelo argumentativo, contendo, no entanto,
comentários do autor acerca dos trechos extraídos de manuscritos. Aqui temos várias ocorrências de freis
chamados João, destacando-se apenas dois que poderiam ser confundidos com o frei João desta pesquisa:
padre frei João Leal, que fez votos a 16 de julho de 1650, também Comendador do Convento do Pará (assim
como João da Veiga), durante nove anos, e frei Juan Carrasco, vindo na primeira comitiva, chamado pelo
povo do Pará de frei João das Mercês, que tomou o hábito a 10 de julho de 1650. Nenhum deles, porém,
contemporâneo de João da Veiga, fator excludente de qualquer assimilação ou equívoco histórico.
Todavia, Placer nos dá preciosa referência ao nosso frei João. Às poucas citações que temos, vão se
somar as escritas nas Notas históricas, que foram extraídas da carta de Pe. José Vieira de Abreu, escrita a 10
de julho de 1795 (15 anos depois da publicação do Ritual Mercedário compilado por frei João).

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EL P. JOSÉ VIEIRA DE ABREU. ¿ULTIMO COMISARIO GENERAL DE LA


CONGREGACIÓN DEL MARAÑÓN?
A fines del siglo XVIII, vivía en el Brasil el mercedario Fr. José Vieira de Abreu, de
buena familia portuguesa, bien situada en Lisboa, y con hermanos diplomáticos, en
la Embajada portuguesa de Madrid. No sabemos cuántos años llevaba residiendo
en nuestras Comunidades del Brasil, pero fueron los suficientes para ser cronista
del derrumbamiento de la Congregación del Marañón; caída que se apresuró a
partir de la impuesta clausura del convento de Belém de Pará, en 1782. Vieira se
carteaba con el General de la Orderi, P. Diego López Domínguez, y le pide permiso
para pasar a Lisboa, en donde tiene a su madre enferma, y, al mismo tiempo, poder
« lhe reprezentar o estado .a q. se ve reduzida esta mizeravel Congreg." ». En carta
del 10 de julio de 1795, supone enterado al General: « s:Ia suppressáo dos nossos
Conv.to• do Pará cuja ruína aprassou o zelo do Arcebispo de Braga sendo Bispo do
Pará, reprezentando a S. Mag.d q. sería mais util ao Estado e a humanidade de
aplicar as rendas ... daquile Conv.tº em estabelicementos píos, como hú Ospital e
dois Seminarios, hü para educa9ao de meninos e outro de meninas. ·sobre este
projecto Conseguío S. Mag.d a Bulla de supressáo: executouse esta, mas os fins se
nao tem verificado ate agora, nem ha esperan9a de q. se hajáo de verificar».
Dicha Bula: «Engenioza Reginarum, fué expedida por el Pontífice Pío VI, en
noviembre de 1782, y ejecutada en junio de 1794. El P. Vieira pasa a explicar las
premisas sobre las cuales se basaba la Bula, siendo la primera: «Cum sui Ordinis
instituta negligant...». Disconforme con lo alegado, el P. Vieira rechaza tal
acusación, al menos en lo que toca al convento de Belém de Pará, en donde él
moraba. Al resto de las premisas las tilda de falsedad sanguinaria, rebatiéndolas a
continuación, y enumerando los servicios prestados al Pueblo, a la Iglesia, y a la
república. Encarándose con el Arzobispo de Braga, que se había convertido en
principal acusador, la pregunta: «¿Aonde achou hü Mtro. q. ensinasse Retorica,
Philisophia, Theología Dogmatica e Moral, Historia Ecclesiástica no Seminario como
o fes, pelo decurso de mais de des annos, com tanta utilidade hü Religioza
Mercenario, o P.M. Fr. Joáo da Veiga?». Pasando, luego, a recontar las posibilidades
de supervivencia, piensa, inmediatamente, en el convento del Marañón, como
segundo en importancia, y dice: «Resta buscar os meios de firmar a subsistencia e
duraçao do Convento do Marahóm, o qual vai igualmente a pereser a falta de
Relig.05»; muchos de los cuales obtenían fácilmente el Breve de Secularización. En
la fecha de su carta, permanecían todavía en Pará: el P. Joáo da Veiga, (quien, ante
la actitud del Obispo, se retiró del Seminario), el P. José de Andrade, el actual
Comendador de la Villa de Alcántara, y tres frailes legos. Tres advertencias le
insinúa al P. General: lª, que no se pueden recibir Novicios; y que ésto sólo se
remediaría acudiendo, en petición de gracia, a la Princesa Carlota. 2ª, que la penuria
de vocaciones relaja la Observancia Regular. 3a, que, a todos estos males,
contribuye la prolongada duración de los Prelados en sus cargos, porque pierden el
vigor «necessario para sustentar o espirito da Relig.m que estd a punto de estin·
guirse». Respecto a la persona capacitada para asumir el puesto de Comisario
General de la Congregación, declara: « Nao acho queem possa ocupar mais
dignamente o lugar de Commisario Gral. senao o P.M. Fr. Joao da Veiga, no qual
concorren todas as qualidades que o fazem respeitar dos de dentro, e estimar dos
de fara ». Vuelve a insinuar al General, que se valga de la Princesa Doña Carlota
para fortalecer la autoridad del nuevo Comisario en el Marañón, y pueda tomar las
riendas de lo que está relajado. (PLACER, 1982, p. 223)

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Há mais uma citação no texto de Placer com o sobrenome de frei João, descrevendo o destino do frei
após o fechamento do Convento do Pará: “Para el convento del Marañón, (en el cual ahora residía), ...
«Venieron quatro, el Pe. Mtro. Veiga, ya fallecido en Noviembre del año proximo pasado [...]” (PLACER, 1982,
p. 224).
5.2. 18 de março de 1778
Uma das cartas escritas e assinadas pelo próprio frei João da Veiga, o manuscrito funciona como as
outras cartas dos mercedários: não somente como meio de comunicação entre os padres e religiosos leigos
com seus superiores, mas também como relatório dos Conventos. Neste exemplo, no qual o destinatário é o
padre Superior Geral dos mercedários, a parte o início quase poético, a escrita de frei João tem foco no relato
das atrocidades ocorridas nas paredes do Convento ocasionadas pelo padre frei João Martins de Abreu. À
época, João da Veiga já tinha vinte e cinco anos de hábito e já era Comendador do Convento do Pará.
Esta carta foi transcrita, primeiramente, em edição semidiplomática, de acordo com as Normas
Técnicas para Transcrição e Edição de Documentos Manuscritos, sendo elaborada edição crítica posterior
(aqui compreendida na definição dada por MELO (1957, p. 40), na qual a edição crítica é a que procura
estabelecer o texto perfeito […], moderniza a pontuação, corrige os erros tipográficos, interpreta os
passos obscuros, […] tudo isso respeitando escrupulosamente a língua, as formas, a fonética do
tempo e do autor), encontrando-se a necessidade de uma edição mais prática e compreensível que se
adaptasse à proposta da pesquisa.

Ex. 1: Primeira página da carta de 18 de março de 1778,


uma das cartas escritas pelo Comendador do Convento dos Mercedários do Pará, frei João da Veiga.

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Dos preciosos dados deixados por João da Veiga na carta, ressaltou à investigação a informação do
tempo de atuação do frei. Da transcrição que elaboramos, trazemos as palavras do próprio frei:

Mas é necessário que o Reformador saiba entender a Lei que há de fazer observar;
e que não seja algum que, como os Fariseus, façam consistir a Reforma em
multiplicar preceitos e Leis as mais duras aos Súditos, não aplicando eles nenhum
só dedo ao trabalho e à diligência de as observar em si mesmos, como seria o Padre
frei João Martins.
Porque, com efeito, a longa experiência de 25 anos, me faz justamente recear que
os Prelados que nos caiam de vir não sejam do mesmo [ilegível] dos passados [...].

A partir destas frases podemos deduzir o ano exato no qual João da Veiga passou a atuar no
Grão-Pará: 1753. Sabemos, apoiados no conhecimento dado por Gumercindo Placer, que passaria,
pelo menos, mais uma década e meia em nossa cidade, antes de ver as portas do Convento dos
Mercedários do Grão-Pará fechadas e ser exilado para o Maranhão.

6. Reconstituição histórica
Cabe, por fim, discorrermos acerca do legado de João da Veiga que, aos poucos, vai sendo desvelado.
Pe. José Vieira nos traz um apanhado da docência que frei João praticava no Seminário da Diocese do Pará:
por mais de uma década ensinou Retórica, Filosofia, Teologia Dogmática e Moral e História Eclesiástica para
os jovens que se preparavam para a vida clerical. Um imbróglio com o Bispo do Pará, porém, o faria deixar o
seminário à altura da aplicação da Bula Engenioza Reginarum, promulgada pelo Papa Pio VI em novembro
de 1782, que funcionaria para a supressão do Convento do Pará, inciando o processo de desaparecimento
da ordem mercedária no estado. No entanto, o campo no qual João da Veiga representa maior destaque é
no canto litúrgico. Versado nos assuntos da religião e na tradição e prestígio musical que os Mercedários
Calçados tinham, principalmente em razão dos cantores de seu notável coro (SALLES, p.2), somando-se a isso
seus vários anos de hábito, realizou a compilação do Ritual da Sagrada e Real Ordem Militar de N. S. das
Mercês, da Redenção dos Cativos, para uso dos frades da mesma ordem residentes na Congregação do
Pará, por mandado do R. P. pregador Fr. João da Veiga, Comendador da mesma ordem, na cidade do Pará
(traduzido do latim). O Comendador Frei João da Veiga reuniu composições de cantochão próprias da ordem
das Mercês, tendo sua solicitação de impressão do livro autorizada por seus superiores a 16 de março de
1778. O volume, datado de dois anos depois desta data, da tipografia Typis Patriarchalibus de Lisboa, traz as
particularidades retóricas, melódicas e ritualísticas exclusivas dos frades Mercedários, introduzindo na
sociedade paraense cultos particulares da ordem, como a devoção a São Pedro Nolasco e São Raimundo
Nonato. Documento que atesta sua importância não somente por apresentar o canto ritual dos solenes e
pomposos ofícios religiosos realizados naquela igreja, mas também por demonstrar a riqueza do cantochão

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amazônico, manifestação musical propagada nos primórdios do Grão-Pará, além de ser a primeira publicação
propriamente litúrgica por um autor brasileiro (CASTAGNA, p. 321): obra de João da Veiga.

Referências

CASTAGNA, Paulo Augusto. O estilo antigo na prática musical religiosa paulista e miniera dos séculos XVIII
e XIX. Vol. 1. Tese de doutorado. São Paulo, 2000.

MILLÁN RUBIO, Joaquín. Documentos para la historia de la Merced en el Marañón. A.M., v. 11, 1992, p. 427-
457

PLACER, Gumercindo (Ordem das Mercês). Notas históricas de la Congregación de la Merced del Marañón
(Brasil). A.M., v. l, 1982, p. 179-237

SALLES, Vicente. Música Sacra em Belém do Grão-Pará do século XVIII: o cantochão dos Mercedários
compilado por frei João da Veiga. Brasília, 1995.

MELO, Gladstone Chaves de. Iniciação à Filologia Portuguesa. 2. ed. refundida e aumentada. Rio de Janeiro:
Acadêmica, 1957. SILVA, José Pereira da. Crítica textual e edição de textos. 2004. Disponível em:
<<http://www.filologia.org.br/viisenefil/03.htm>. Acesso em: 30 set 2016.

VEIGA, Fr. João da. Rituale/Sacri, Regalis, AC Militaris Ordinis/ B.V. Mariae Mercede/Redemptionis
Cativorum/ad usum/Fratum Ejusdem Ordinis/Congregacione Magni Paraensi commorantium/jussu/R.P.
Praedicatoris Fr. Joannis da Veiga/in Civitate Paraensi ejusdem Ordinis Commendatoris ela-/boratum, &
lucem editum. Lisboa: Typis Patriarchalibus, 1780.

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Representações sobre o circuito musical em Manaus no Jornal A Crítica (1980-


1981)

Rebeca Caroline Ihuaraqui Nogueira


Universidade Federal do Amazonas

Lucyanne de Melo Afonso


Universidade Federal do Amazonas

Resumo: Este artigo apresenta os resultados finais da pesquisa de iniciação


científica do Curso de Música da Universidade Federal do Amazonas. Teve o
objetivo de realizar um levantamento de fontes sobre as representações da música
em Manaus nos anos de 1980-1981 no sentido de identificar, mapear e discutir
sobre a produção local. O periódico A Crítica foi a fonte principal para catalogar as
práticas musicais que foram organizados por temáticas: o Carnaval da época, o
Teatro Amazonas, os Festivais de música, compositores locais. Estes anos
permitiram conhecer um cenário musical diversificado, em que questões de ordem
econômica, política e social influenciaram nas mudanças e transformações da
cidade e da cultura local, possibilitando o registro da história e enriquecendo o
conhecimento artístico e científico.
Palavras-chave: Música em Manaus. Década de 1980. Jornal A Crítica

Abstract: This article presents the final results of undergraduate research at the
Federal University of Amazonas Music Course. We aimed to conduct a survey of
sources of facts and representations of music in Manaus in the years 1980-1981 to
identify, map and discuss local production. The journal Criticism was the main
source for cataloging musical events that were organized by themes: Carnival of the
time, the Amazonas Theatre, music festivals, local composers. These years allowed
us to know a diverse music scene, in which issues of economic, political and social
influence on the changes and transformations of the city and local culture, enabling
the recording of history and enriching the artistic and scientific knowledge..
Keywords: Music in Manaus. 1980s. Newspaper A Crítica.

1. Introdução
Este artigo apresenta os resultados parciais da pesquisa de iniciação científica em andamento
intitulada Fatos e representações da música em Manaus na década de 1980. Tem como objetivo realizar um
levantamento de documentos musicais sobre as representações da música em Manaus na década de 1980
no sentido de identificar, mapear e discutir sobre a produção local. Para tanto, o Jornal A Crítica será a fonte
da pesquisa, tendo em vista que foi o jornal de maior circulação no período e o que mais anunciava notícias
sobre a cultura local.

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O Jornal A Crítica foi catalogado na Biblioteca Pública de Manaus que possui um acervo grande de
periódicos e jornais que circulavam em Manaus desde o século XIX. Para esta pesquisa foram catalogados
somente os jornais A Crítica dos anos de 1980 e 1981.
Estudar sobre o cenário musical de uma determinada época nos faz conhecer a história da cidade
também. De acordo com Elias (1995, p.18) “o destino individual de Mozart, sua sina como ser humano único
e, portanto, como artista único, foi muito influenciado por sua situação social, pela dependência do músico
com relação à aristocracia da época”.
Elias (1995, p.18) relata que “na geração de Mozart, um músico que desejasse ser socialmente
reconhecido como artista sério, e ao mesmo tempo, quisesse manter a si e a sua família, tinha que conseguir
um posto na rede das instituições da corte ou em outras ramificações”.
É importante frisar a responsabilidade da academia em transformar a arte em ciência, discutir sobre
a arte, seus artistas, como o artista conduz sua arte dentro de seu período histórico, mas falta o importante:
dados, documentos, registros para colocar em prática as teorias e delinear um período, uma arte, a função
de um artista: conhecer o passado é entender o presente.
O artigo apresenta uma pesquisa de catalogação de documentos musicais, para tanto, criar um
acervo musical sobre esta década faz necessário ter leituras e conceitos sobre Arquivologia musical e História
Cultural.
Os documentos musicais catalogados nos anos de 1980-1981 ajudarão a organizar um novo cenário
musical e cultural na cidade de Manaus. Esta pesquisa tem essa pretensão de suprir uma lacuna e motivar a
pesquisa, a extensão e consequentemente o ensino, enriquecendo não somente os docentes e discentes,
mas fomentando a cultura, criando laços artísticos, registrando a história e enriquecendo o conhecimento
artístico e científico da sociedade em geral.

2. Pressupostos teóricos-metodológicos
A pesquisa documental em música sistemática teve início no século XIX e, no Brasil, inicia com Curt
Lange que nas primeiras décadas do século XX realizou trabalhos importantes na área da pesquisa
documental, sobretudo, em Minas Gerais.
De acordo com Belloto (1991) documento pode ser qualquer espécie de elemento, seja gráfico ou
plástico e produzido por diversas razões: “Documento é qualquer elemento gráfico, iconográfico, plástico ou
fônico pelo qual o homem se expressa [...],enfim tudo o que seja produzido por razões funcionais, jurídicas,
científicas, técnicas, culturas ou artísticas pela atividade humana” (p. 19).
Desta forma, os documentos musicais também são de qualquer espécie: seja iconográfico como as
iconografias musicais no Teatro Amazonas, seja um vinil, um papel com assinatura de músico ou uma

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partitura velha encontrada numa caixa, entre outros, pois existem vária formas como o artista pode se
expressar.
Cotta (2006) questiona como é tratada a Arquivologia Musical. Primeiramente, como conceitos e
técnicas que relacionados à arquivologia tradicional associam documentos musicais que podem ser
manuscritos, impressos, discos e até cartas. Blanco (2006) classifica como documentos musicais os seguintes:

Gênero documental integrado por documentos que se caracterizam por conter


informação codificada através de notação musical, independentemente do
processo de produção, de registro ou fixação, e de reprodução ou realização.
Exemplos de documentos musicais: partituras, partes (vocais e/ou instrumentais),
livros de coro, cartinas, etc. (SOTUYO).

Cotta (2006) acrescenta que em determinado contexto o próprio instrumento musical pode ser
considerado uma espécie de documento.
A descrição possibilita o pesquisador identificar os valores secundários dos documentos. Subdivide
em: área de identificação, área de contextualização, área de estrutura, área de condições de acesso e de uso,
área de fontes relacionadas, área de controle da descrição. O nível mais amplo da hierarquia arquivística é o
fundo.
Desta forma, todo documento musical pode ser organizado em arquivos e fundos.
O RISM (Rèpertoire Internacional dês Sources Musicales) organiza o arquivo musical na seguinte
forma:
a) Nome do autor (normalizado)
b) Título uniforme e forma musical
c) Título próprio
d) Manuscrito(autógrafo,se for o caso) ou impresso
e) Designação do tipo de documento(partitura, redução,livro de coro,etc)
f) Incipit musical
g) Nome da biblioteca ou arquivo, cidade e país/assinatura.
Esta área de conhecimento, sobre arquivologia musical, principalmente no Brasil, os estudos são
muito recentes, como por exemplo, os estudos dos professores André Guerra Cotta da Universidade Federal
Fluminense e do professor Pablo Sotuyo Blanco da Universidade Federal da Bahia, além da organização
institucional do RISM Brasil, atrelado ao RISM Internacional.
Assim, a arquivologia musical ainda é uma subárea da música muito recente. Existem poucos estudos
a respeito desta temática, centralizando os estudos na Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Nossa base teórica será também a história cultural, um novo conceito de abordar a história e seus
acontecimentos. Pesavento (2008) relata que a História Cultural tem a proposta de “decifrar a realidade do

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passado por meio das suas representações, tentando chegar àquelas formas, discursivas e imagéticas, pelas
quais os homens expressaram a si próprios e o mundo (p.42)”.
Chartier (1998) aborda que a história cultural “tem por objeto identificar o modo como em diferentes
lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler” (p. 17).
Burke (2008) salienta que a história cultural não é domínio de historiadores, ela “é multidisciplinar,
bem como interdisciplinar, [...]entre os vizinhos próximos estão a antropologia, a história literária e a história
da arte” (p.170), outras disciplinas como a geografia cultural, até mesmo a biologia “já que os animais,
notavelmente, os chimpanzés têm cultura” (p.175). Falcon (2002) salienta que a história cultural é concebida
como um campo de múltiplos saberes e temas, “ora é pensada como um leque disciplinar, ora como área de
investigação interdisciplinar ou mesmo metadisciplinar, capaz de dar conta de todas as práticas e
representações sociais.” (p.105).
Entender cada sociedade, em diferentes tempos e espaços, requer uma análise do comportamento
dos indivíduos, “tudo o que existe na sociedade, seus grupos, instituições e comportamentos são frutos da
vontade e da atividade dos homens” (SELL, 2006, p.180), pois o artista apreende a essência dos significados
daquilo que está vivenciando, pois faz parte também de sua realidade.
2.1 Metodologia da pesquisa
Trata-se de um trabalho investigativo de coleta e análise de dados. Esta pesquisa será qualitativa de
cunho exploratório por meio de pesquisa bibliográfica e documental. Para Santos a pesquisa bibliográfica “é
feita com base em documentos já elaborados, tais como periódicos, jornais e revistas, livros, enciclopédias,
publicações”. (SANTOS, 2010, p.192).
A pesquisa documental “é trabalhada com documentos que não receberam análise e síntese” (idem,
192) suas vantagens “são a confiança nas fontes documentais, como essenciais para qualquer estudo, o baixo
custo e o contato do pesquisador com documentos originais” (ibidem, p.192).
Para tanto utilizamos a técnica de pesquisa em documentação indireta que compreende a pesquisa
bibliográfica e documental “nela são usados todos os tipos de documentos escritos, como livros, periódicos,
jornais, revistas, filmes, fotografias, etc.” (SANTOS, 2010, p.201).
A catalogação foi feita nos acervos da Biblioteca Pública, no jornal A Crítica, nos anos de 1980-1981,
pelo fato de ter mais notícias sobre os espaços musicais, os artistas nacionais, as bandas locais e nacionais.
As notas dos jornais foram organizadas nas fichas catalográficas para melhor visualização das notícias e
estudos, como mostra o modelo a seguir:

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Nota do jornal

Título da nota Adelson e o lançamento de seu CD

Atração musical Adelson Santos

Local Olímpico Clube

Data 21 de janeiro de 1981

Fonte documental Jornal A Crítica

Os documentos musicais também foram organizados em pastas específicas sobre cada contexto:
Notas sobre a música local, notas sobre a música nacional, notas sobre a música internacional, notas sobre a
Amazônia. Assim podemos localizar o material disponível e compreender o cenário global

3. Resultados da pesquisa
O circuito musical em Manaus no início da década de 1980 nos apresenta um circuito de festivais,
cursos sobre folclore, os artistas que se apresentavam no Teatro Amazonas e uma coluna chamada Circuito
Musical que abordava sobre os artistas nacionais e internacionais, ou seja, quem estava no auge da carreira.
A coluna Circuito Musical divulgava as canções de sucesso que seriam apresentadas nas rádios,
assistir nos programas de televisão, proporcionando interação maior entre o público de Manaus e os demais
artistas nacionais.
Em uma das matérias jornalísticas podemos verificar que começam a apresentar músicos locais como
Torrinho que estava iniciando sua carreira artística em Manaus.
Desta forma, esta pesquisa nos traz informações sobre os espaços da música, os artistas que
emergiram, os artistas e as músicas de sucesso nacional, podemos então compreender que Manaus estava

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dentro do circuito musical nacional, recebendo informações através dos jornais, rádios e televisão, e
recebendo os artistas nos espaços culturais da cidade.
Apresentaremos as representações musicais do período estudado a partir das imagens do jornal A
Crítica, organizados sobre os respectivos temas: carnaval, Teatro Amazonas, Coluna Musical, Festivais,
Compositores, Clubes, e notas em geral sobre a música em Manaus em 1980-1981.

1980
COLUNA CIRCUITO MUSICAL
As notas da coluna Circuito Musical foram escritas pelo jornalista Raul Pinheiro, que a princípio
tinham uma periodicidade de serem publicadas a cada duas semanas, que com o decorrer dos meses foi
mudando, sem periodicidade, as vezes duas semanas seguidas, as vezes uma vez por mês. A seguir, um
exemplo da nota da coluna.

.
Figura 1: Circuito Musical, A Crítica, 03 de março de 1980

DIA 25 DE JANEIRO: Falava a respeito de Diana Pequeno, que seria uma das novas intérpretes da
música popular brasileira, na coluna tinha a letra de sua música Travessei Pequeno, e as dez músicas mais
executadas em Manaus. E também sobre os destaques nacionais e internacionais.
As temáticas da coluna eram variadas, abordavam sobre intérpretes da música popular brasileira, as
músicas de sucesso tocadas nas novelas e rádios, a discografia dos cantores, grupos nacionais e internacionais
como as Bandas Pink Floyd e Air Suplly, relatava todas as programações na cidade disponíveis para que
população participasse, tais como feiras, festas realizadas pelas organizações de turismo e hotel, como bailes
realizados pelos clubes.
TEATRO AMAZONAS
No Teatro Amazonas muitos artistas se apresentaram no decorrer de 1980 como a cantora
internacional Mercedes Sosa (06/05), o projeto Pixinguinha (25/07), o show Regional Aguas Negras (26/07).
O coral do Teatro Amazonas também neste ano, realizou a festa de seu primeiro ano, ao qual o maestro
Dirson Costa estava na frente. O coral fora criado no dia 05 de julho de 1979, embora tenha tido sua primeira
apresentação dias depois. Segundo a nota o coral merecia todo o prestígio e aplausos que vieram a receber,
pois havia sido feito um cuidadoso trabalho nos ensaios e na escolha do repertório.

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Figura 2: Coral do TA faz festa do 1º ano, A Crítica, 02 de agosto de 1980.

Outros cantores famosos se apresentaram também como o violonista Alavaro Pierre (16/08), a
cantora Elizeth Cardoso e o maestro Radamés Gnatalli (08/09), uma nota curiosa foi sobre o público que não
ficou satisfeito com o show dos artistas de Angela Maria, Miltinho e Zé Luiz (02/09), segundo o a nota do
jornal, o trio não agradou o público, a começar pela considerada deusa Ângela Maria e, segundo a nota do
jornal, oi pouco simpática com os que assistiam, mostrando uma certa insatisfação. Já Miltinho foi mais
receptivo e atencioso com o público, o que lhe rendera mais aplausos. E Zeluiz, pra fechar a noite agradando
mais ao público jovem, trouxe alegria para a juventude que estava presente.
O projeto Pixinguinha trouxe muitos cantores nacionais para se apresentar no teatro Amazonas como
os três cantores conhecidos como os cabeças dançantes, Egberto Gismonti, Marluí Miranda e Pepê Castro
Neves (15/09), Leny Andrade, considerada uma voz fantástica e Elza Soares uma sambista categorizada
(23/09).
Alguns músicos internacionais forma trazidos pela Aliança Francesa como o pianista Bertrand Molia,
que aconteceu no dia 15 de setembro, no Teatro Amazonas, com obras de Messiaen, Ravel, Debussy e
Chopin. Outro pianista foi o brasileiro Jacques Klein (02/12), considerado o maior pianista brasileiro,
programação que ocorreu no dia 03 de dezembro, às 21h, apresentação organizada em benefício do Hospital
do Câncer. Com músicas no repertório de, Mozart, Beethoven, Villa-Lobos e Chopin.
E outra programação que ocorreu no Teatro Amazonas deste ano, foi a apresentação do Quinteto
Violado, através do projeto Banorte, que iniciou em João Pessoa, e fora promovido pela entidade financeira
privada Banco Nacional do Norte.
O CARNAVAL
Muitas são as notas sobre o carnaval de Manaus no ano de 1980, no qual fora selecionado algumas
que possuíram maior destaque.

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Na nota que saiu no dia 04 de Janeiro, com a seguinte manchete “Carnaval: maior festa popular”,
aborda sobre a agitação de fim de ano que finalizava preparação do carnaval que já aproximava. A nota
comenta sobre o descontentamento da transferência da festa popular para a Avenida João Alfredo, que iria
comportar um número maior de pessoas, tanto participantes como assistentes das Escolas de Samba.
Outro destaque foi sobre o Carnaval que se iniciou na Bola da Suframa (08/01), uma nota que iria
anunciar os festejos carnavalescos que iniciaram dia 12, na Bola da Suframa, com apresentações da Escolas
de Samba: Vitória Régia, Em Cima da Hora, e as batucadas do Rio Negro e Balaku Blaku, na presença do então
Governador José Bernadino Lindoso.
O concurso para o rei Mômo do Carnaval estava sempre em destaque nos meses de janeiro e
fevereiro, tendo vários inscritos, com Humberto Amorim na coordenação. Os blocos inscritos foram: Piratas
Montilhas, Belezas Naturais, Mocidade Dependente do Beco Ipixuna, Quem São Eles, Mocidade Clube, Sinais,
O Consolado das Puras, Sem Compromisso, Jovena Livres no Salão, B.B.C., Mamãe não deixa, Andanças de
Ciganos, Balancê Balancê, Acadêmicos do Morro, Bloco da Onça, Taboca, Uirapuru, Morro Pede Passagem,
Pipocas, Cheik Clube, Liberdade, Can Can do Bessa, Batucadas dentre outras.

Figura 3: Ball Masqué lotou o salão dos espelhos, A Crítica, 08 de janeiro de 1980.

Outro destaque do carnaval deste ano, fora o Baile de máscaras realizado no salão dos espelhos
(28/01), no qual a direção pediu que todas as mulheres usassem máscaras, e na metade da noite elas
retiraram suas máscaras o que impulsionara os foliões a participar ainda mais da festa, fazendo a alegria dos
presentes.

Figura 4: Vitória Régia, A Crítica, 18 de fev. 1980.

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O Carnaval de Manaus do ano de 1980 apresentou 4 festejos ou bailes carnavalescos. O primeiro foi
“Samba não pode morrer”, um baile carnavalesco que fora realizado no Fast Club, com o maestro Miguel
Akel a frente da banda. O segundo foi “Kamélia convida você para um samba rasgado”, uma tradição
realizada pelo Clube Olímpico, que trazia a boneca Kamelia e junto com ela fazia a festa pelas ruas da cidade,
desde o aeroporto até o Clube, com muita música e festa. O terceiro festejo intitulado “Na Ponta Negra um
banho de samba”, uma festa proposta pelos dirigentes do Bloco dos Piratas e aceita por todos os dirigentes
dos outros blocos, sendo feito o desfile com as candidatas a Rainha do Carnaval, concurso de samba e bateria
e muitas atrações. O último, “Baile do Havaí no Rio Negro”, assim como o evento Ball Masqué realizado pelo
clube Rio Negro, a festa foi realizada na piscina do clube com toda característica de festa havaiana com muito
samba realizado.
E assim foram os festejos carnavalescos realizados em Manaus, no ano de 1980, no qual podemos
notar grande participação da população.
FESTIVAIS
Iremos abordar a seguir destaques nos jornais a respeito dos festivais que ocorreram no decorrer do
ano de 1980, podemos destacar o Festival de Música Cristã, IV Festival de Música Popular do Amazonas, XXIV
Festival Folclórico do Amazonas
O XXIV Festival Folclórico do Amazonas (10/04) foi realizado no dia 15 a 29 de junho, na Bola Suframa,
houve a participação de muitos grupos folclóricos e o concurso de quadrilhas, tendo a campeã do ano
anterior a quadrilha Brotinhos da Betânia.
O Festival de Música Cristã (21/07) foi realizado pela Pastoral da Juventude de Manaus. Tendo 49
músicas classificadas, nas categorias: Opressão, A Luz da Palavra, Caminho da Libertação, Descaminho. Todas
as músicas possuíam o mesmo nível, tendo um júri bem criterioso, tendo participação de pessoas de Porto
Velho, das cidades de Itacoatiara, Humaitá, Lábrea e as de Ouro Preto e Ariquemes.

Figura 5: Festival de Música Cristã, A Crítica, 21 de julho de 1980.

O IV Festival de Música Popular do Amazonas (26/07) obteve 80 músicas inscritas para o festival.
Dentre as quais estavam músicas sobre a Amazônia em geral, tendo a participação do público em geral não
só dos trabalhadores que são membros do Sesi.
A apresentação das músicas foram divididas em três dias, sendo no primeiro dia as músicas:
Controvérsia, Temporal, Bola de Cristal, O Nosso Samba é Esse, Arautomia, Baião, Amor de Cristina, Tapiti e
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Bomba de amor. No segundo dia as músicas: Ponte Aérea, Responde Minha Viola, Minha Poesia, Cantiga de
Feira, Rareou Pescado, De Saudades, Justificativa, Universo Diferente, Meu Rancho Minha Saudade, Um
Caminho e Rosa Negra. E para o terceiro dia as dez músicas classificadas nos dois primeiros dias. O público
foi bastante participativo (06/09) totalizando mais de três mil pessoas. Da abertura participaram o
empresário Auton Furtado, o Governador José Bernadino Lindoso, e o Secretário da Fazenda Onias Bento.
Na primeira eliminatória a música que mexeu com o público foi a música Bomba de Amor, sendo
classificada também as músicas: Controvérsia, Bola de Cristal, Temporal e Arautomia. No segundo dia de
eliminatória, as músicas classificadas foram Ponte Aérea, Cantiga de Feira, Rareou Pescado, Meu Rancho
Minha Saudade e Um Caminho. E após três dias de apresentação do festival, a música Rareou Pescado foi a
vencedora: falava a respeito da emigração do caboclo e a prostituição na capital, no segundo lugar Arautomia
e em terceiro Meu Rancho Minha Saudade.

Figura 6: Música Rareou Pescado, A Crítica, 08 de setembro de 1980.

Ainda sobre o IV FEMPS, notas publicadas nos dias 12, 13 e 14 de setembro a respeito da grande
receptividade da população, que aceitou com grande folia a música vencedora, cantada em todos os cantos
da cidade. Apresentaram inclusive no Arraial 80 do Conjunto Ajuricaba e na TV Baré, programa Nosso
Encontro da apresentadora Baby Rizzato. E foram agendadas apresentações nos interiores do Amazonas,
levando as músicas que mais se destacaram.
COMPOSITORES
Neste subtema são organizadas informações a respeito de programações com compositores locais e
seus trabalhos que mais tiveram destaque neste ano, como os compositores Torrinho, Wandler Cunha,
Giffoni, Pedro Amorim, Francisco Perdigão e Adelson Santos.
Os compositores José Torres (Torrinho), Wandler Cunha e Adriano Giffoni foram mais citados,
realizaram o show “Bola de Cristal”, no Teatro Amazonas com participação do baterista e percussionista

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Francisco Carlos, contendo música de autoria dos três compositores, tendo destaque no repertório para a
canção “Porto de Lenha”, de Torrinho e Aldisio Figueiras, tendo também apresentação da música “Jogo de
Calçada e a música-título “Bola de Cristal”.
O maestro e compositor Pedro Amorim, fez uma apresentação de suas músicas: O Pranto do Mar,
para canto e piano; Rondel da Graviola, canto e piano; Encantamento-Canção Amazônica, canto e piano;
Cromo – Toada Amazonica para coro a vozes mistas; Menina dos Olhos Verdes, canto e piano; Lamento,
piano e flauta, e Cantiga para canto e piano. Utilizando poesias de Kideniro Teixeira, Jorge Tufic, Max
Carphentier e Luiz Barcellar.
O compositor Francisco Perdigão (15/12), fazia a divulgação do elepê de Fernando Lelis, o qual estava
fazendo sucesso em todo Norte-Nordeste seis de suas músicas pertenciam ao compositor Francisco Perdigão,
tendo feito sucesso e obtendo reconhecimento do público.
E para finalizar o ano de 1980 sobre compositores locais, temos esta nota (18/12) sobre o cantor e
compositor Adelson Santos, que passara muita dificuldade para gravar seu disco: vendeu seu carro e deu
aulas de violão para que conseguisse viajar para o Rio de Janeiro e fazer seu compacto numa gravadora
independente.

Figura 7: Adelson consegue entrar na parada, A Crítica, 18 de dezembro de 1980

Dentre as músicas que tiveram grande destaque está Argumento e Mundo Mau ou Bom. A música
Argumento é conhecida hoje como Não Mate a Mata.
NOTAS EM GERAL
Alguns destaques a respeito da música e dos acontecimentos da vida musical de Manaus no ano de
1980: a cantora Simone, a constante apresentação dos hinos Nacional e do Amazonas, assim como o Baile
da Independência o Cheik Clube. Neste ano foi instalado o som do Teatro Amazonas e artistas como Hermeto
Pascoal e Fafá de Belém pararam seus espetáculos para criticar o som, assim fez também Angela Maria.
Na visita do papa João Paulo II, a empresa CCE ficou encarregada de fazer a transmissão sonora,
recebendo críticas positivas pela transmissão (07/09).
Podemos destacar notas relacionadas ao ensino da música como o curso de violão (07/09) que tinha
no seu anunciado o ensino de violão em quatro meses, sendo curso prático com teoria musical e método
para iniciantes. Cada aula com duração de 3h. As aulas eram realizadas no Sesc da Henrique Martins. Não
informava docente e o plano pedagógico.

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Uma publicação datada do dia 11 de setembro que referia ao hino composto por Vivaldo Palma Lima
e Aurélio Carneiro de Andrade se referindo ao hino como primeiro Hino do Amazonas. A intenção da
publicação era mostrar a beleza das composições e letras do primeiro hino, que havia sido apresentado a
população em 1920. Foi publicado junto com a matéria a letra do hino. O professor Mário Ipiranga Monteiro
relatou que o hino quase foi esquecido devido ao fato de a banda da polícia militar que o executava ter sido
dissolvida, mas então Aurélio Carneiro de Andrade que ainda se lembrava da música, resolveu fazê-la
conhecida.
O Coral Universitário do Amazonas foi destaque nas notas do jornal A Crítica com as apresentações
do canto do Natal em diferentes espaços (08/09) sobre a regência do Maestro Nivaldo Santiago, em que
atuou como diretor do conservatório da FUA, que proporcionava aos coralistas aulas de técnica vocal e
ensaios que aconteciam duas vezes por semana. As apresentações foram na Catedral Metropolitana de
Manaus e no Canto de Natal do Sesi.

1981
COLUNA CIRCUITO MUSICAL
Da mesma forma como no ano de 1980, a coluna não manteve sua periodicidade, tendo suas
publicações recorrentes dos destaques musicais nacionais e internacionais da semana ou do mês, destaques
nas novelas sempre com letras das músicas mais pedidas.
Muitos artistas foram mencionados como Caetano Velozo, Elza Maria, grupo Roupa Nova, Carmem
Silva, Precious Wilson, os lançamentos da gravadora Phillps tendo como destaque a cantora Julia Gracineira,
Diva Maria, Elza Maria, Carmen Silva.
A coluna apresentava também a variedade de programas para os diversos gêneros musicais, que iam
desde o Jazz, MPB e Rock’n Roll. Como veremos no exemplo a seguir:
DIA 09 DE ABRIL: A coluna deste dia relatou sobre o especial que foi feito sobre Caetano Veloso e
que foi exibido na Rede Globo de TV no dia 26 de abril. A coluna tratou também sobre a cantora Elza Maria
que foi considerada a maior cantora do momento, surgindo no Festival de MPB de 80, cantando a música
Choro Alegre. Foi dado outro destaque ao grupo Roupa Nova e sua música destaque Canção de Verão.
TEATRO AMAZONAS
No ano de 1981, no Teatro Amazonas, os destaques foram para o Festival Infantil de Piano (25/04) e
a apresentação do espetáculo show Floresta do Amazonas. O festival infantil de piano foi em comemoração
ao 27º aniversário de fundação do curso de Música “Ivete Freire Ibiapina”, que teve o primeiro Recital de
Christiane Marie Rodrigues da Costa, de 08 anos de idade, e o primeiro também de Adriana Augênia Antony
Afonso, de 09 anos, e na terceira parte uma audição de piano com crianças da escola.

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A apresentação do show Floresta do Amazonas foi feito por Maria Lúcia Godoy (canto) e Miguel
Proença (piano), que fizeram um show em prol de arrecadar fundos para a Central de Voluntários do
Amazonas (11/06).

Figura 8: Lucia e Proença a casa do Governandor, A Crítica, 11 de jun. de 1981.

Maria Lúcia Godoy já havia vindo no ano de 1979 para a apresentação do show Floresta do Amazonas,
e Miguel também viera no ano de 1979, para lançamento do seu primeiro disco. Proença acabava de voltar
de concertos na Europa, e estudou como bolsista na Escola Superior de Música em Hamburgo e depois na de
Hannover na Alemanha. No repertório está incluso Bachianas Brasileiras Nº 05 (Villa-Lobos), Melodia
Sentimental (Villa-Lobos), Remeiro de São Francisco (Villa), Lundu da Marquesa de Santos (Villa), Festa no
Sertão (Villa), Expansiva (Ernesto Nazaré), Lendas Amazônicas (Waldemar Henrique) – Foi boto Sinhá,
Tambatajá, Matintaperêra e Uirapuru. Odeon (Ernesto Nazaré), Apanhei-te Cavaquinho (Ernesto Nazaré) e
Chão de Estrelas (Orestes Barbosa).
O CARNAVAL
Eram muitos os grupos carnavalescos da cidade que se organizavam para as festas e bailes de
Carnaval, mas o principal era o bloco dos Piratas que estavam na organização, (05/01) sendo um bloco
tradicional pelas suas rodas de samba que ocorriam as quintas e sextas-feiras. O Cordão das Lavadeiras foi
um dos grupos mais antigos e que eram comandado por Esmeralda Pereira. Outro grupo foi a Escola de
Samba Uirapuru, que estavam festejando desde o momento o Carnaval com muita Harmonia e Alegorias de
Luxo. A agremiação Guanabara organizou um baile com forte esquema de segurança já esperando evitar o
máximo de atritos entre os foliões.
Os carnavalescos se reuniam no Auditório Alberto Rangel, com os coordenadores das Escolas de
Samba, para definir os sete jurados que estiveram responsáveis por julgar as apresentações (15/01). Era
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muito incentivado pelos jornais (21/01) a participação da população nas festas organizada pelos rodas de
samba das escolas Acadêmicos do Rio Negro, Em cima da Hora, Balaku Blaku e Ricardão. O Carnaval de
Manaus, contava com sete escolas de Samba, mais os blocos, batucadas e cordões. As Escolas eram Vitória
Régia, Em cima da Hora, Unidos do São Jorge, Unidos da Raiz, Uirapuru, Unidos do Santo Antônio e Mocidade
Independente de Aparecida.
FESTIVAIS
A respeito do Festival Folclórico, Robério Braga escreveu uma forte crítica na sua XXV edição (05/06),
sobre a desvalorização da cultura popular regional, o que fizera com que nas últimas edições do Festival
valorizassem as danças típicas de outros países do que as regionais.
Outro festival que foi destaque neste ano fora o III Festival Internacional de la Canción da Amazônia
(20/06), que foi realizado na cidade peruana de Iquitos nos dias 25, 26 e 27 de junho, no qual a música Rareou
Pescado de Nonato Albuquerque e Plínio Valério, única música brasileira escolhida para participar do evento,
sendo a música vencedora do IV Festival de Música Popular do Sesi. A inscrição para o V FEMPS – Festival de
Música Popular do Amazonas, tinha sua programação para acontecer nos meses seguintes no que era
necessário no ato da inscrição, levar uma fita K-7 com a gravação da música, cópias da letra datilografada e
duas músicas inéditas no máximo.
COMPOSITORES
O cantor e compositor Adelson Santos lançou seu disco no Olímpico Clube (21/01), suas músicas
foram de conhecimento sobre a vida em Manaus. Participaram da gravação do Disco: na bateria Bebel,
Marilene, Bitinho e Mismare; no vocal, Rosemara e Eneida; na Flauta Transversal, Fernando; no clarinete
Zezinho; e no violão e contrabaixo George.

Figura 9: Adelson e primeiro disco, A Crítica, 21 de janeiro de 1981.

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Outro destaque vai para o poeta, compositor e jornalista Áureo Nonato, no qual foi mencionado seu
poema-canção “Tarumã”, onde foi publicado no Catálogo Internacional de Músicas sobre Folclore, em
Washington nos EUA (05/04). Havia uma associação para os compositores locais, Associação de
Compositores do Amazonas (ASCAM), que se reuniram para discutir uma extensa agenda de programação
de reativação de interesses da Ascam.

4. Considerações
Este artigo é de imensa significação para conhecimento sobre a vida musical e cultural da cidade de
Manaus nos anos de 1980 e 1981, conhecer as representações da música em Manaus pelo Jornal A Crítica
nos faz perceber a movimentação cultural da cidade e os artistas que construíram o circuito da cidade. Foi
um processo de catalogação das notícias que mais tiveram destaque nestes anos. Tendo por conhecimento
o Carnaval da época, principais músicos que se apresentaram no Teatro Amazonas, os Festivais que tiveram
grande participação da população manauara, o início da carreira de grandes compositores locais e notas em
geral a respeito da música.
As representações encontradas no Jornal A Crítica, permite conhecer um cenário musical
diversificado culturalmente, em função de mudanças e transições na política, na economia e na sociedade.
A pesquisa teve essa pretensão de suprir uma lacuna e motivar a pesquisa, a extensão e consequentemente
o ensino, enriquecendo não somente os docentes e discentes do curso de Música, mas fomentando a cultura,
criando laços artísticos, registrando a história e enriquecendo o conhecimento artístico e científico da
sociedade em geral.
Entender cada sociedade, em diferentes tempos e espaços, requer uma análise do comportamento
dos indivíduos, “tudo o que existe na sociedade, seus grupos, instituições e comportamentos são frutos da
vontade e da atividade dos homens” (SELL, 2006, p.180), pois o artista apreende a essência dos significados
daquilo que está vivenciando, pois faz parte também de sua realidade.

Referências

BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivos permanentes: tratamento documental. São Paulo: T.A. Queiroz, 1991.

BURKE, Peter. O que é história cultural? Tradução Sergio Goes de Paula. 2ª edição rev. ampl. Rio de janeiro:
Zahar, 2008.

CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1998.

COTTA, André Guerra; SOTUYO BLANCO, Pablo. Arquivologia e Patrimônio Musical. Salvador: Edufba, 2006.

ELIAS, Norbert. Mozart: sociologia de um gênio. Organizado por Michael Schröter; Tradução Sergio Goes de
Paula. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995.

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FALCON, Francisco José Calazans. História cultural: uma visão sobre a sociedade e a cultura. Rio de janeiro:
Campus, 2002.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e história cultural. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

SANTOS, Izequias Estevam dos. Manual de métodos e técnicas de pesquisa científica. 7. ed. Niterói, RJ:
Impetus, 2010.

Notas do Jornal A Crítica

Ball Masqué lotou o salão dos espelhos, A Crítica, 08 de janeiro de 1980.


Vitória Régia, A Crítica, 18 de fev. 1980.
Circuito Musical, A Crítica, 03 de março de 1980.
Show Regional Aguas Negras , A Crítica, 26 de julho de 1980.
Mercedes Sosa, A Crítica, 06 de maio de 1980
Festival de Música Cristã, A Crítica, 21 de julho de 1980.
Coral do TA faz festa do 1º ano, A Crítica, 02 de agosto de 1980.
Violonista Alavaro Pierre, A Crítica, 16 de agosto de 1980.
Show dos artistas de Angela Maria, Miltinho e Zé Luiz, A Crítica, 02 de setembro de 1980.
Elizeth Cardoso e o maestro Radamés Gnatalli, A Crítica, 08 de setembro de 1980.
Música Rareou Pescado, A Crítica, 08 de setembro de 1980.
Projeto Pixinguinha, A Crítica, 25,15 e 23 de setembro de 1980
Pianista brasileiro Jacques Klein, A Crítica, 02 de dezembro de 1980.
Adelson consegue entrar na parada, A Crítica, 18 de dezembro de 1980
Carnaval: maior festa popular, A Crítica, 04 de Janeiro de 1981.
Bloco dos Piratas, A Crítica, 05 de janeiro de 1981.
Carnaval na Bola da Suframa, A Crítica, 08 de janeiro de 1981
Adelson e primeiro disco, A Crítica, 21 de janeiro de 1981.
Baile de máscaras no salão dos espelhos, A Crítica, 28 de janeiro de 1981
O XXIV Festival Folclórico do Amazonas, A Crítica, A Crítica, 10 de abril de 1981.
O Festival de Música Cristã, A Crítica, 21 de julho de 1981.
O IV Festival de Música Popular do Amazonas, A Crítica, 26 de julho de 1981.
IV FEMPS, notas publicadas nos dias 12, 13 e 14 de setembro de 1981.
O compositor Francisco Perdigão, A Crítica, 15 de dezembro de 1981.
Visita do papa João Paulo II, A Crítica, 07 de setembro de 1981.
Curso de violão, A Crítica, 07 de setembro de 1981.
O Coral Universitário do Amazonas, A Crítica, 08 de setembro de 1981.
Festival Infantil de Piano¸ A Crítica, 25 de abril de 1981.
Lucia e Proença a casa do Governandor, A Crítica, 11 de junho de 1981.
III Festival Internacional de la Canción da Amazônia, A Crítica, 20 de junho de 1981.

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O Concerto para harmônica e orquestra de Heitor Villa-Lobos: considerações sobre


seus procedimentos composicionais a partir da estrutura da harmônica cromática

Edson Tadeu de Queiroz Pinheiro


edson_tadeu@icloud.com
Universidade Estadual Paulista

Resumo: Em 1955, Heitor Villa-Lobos escreveu o Concerto para harmônica e


orquestra, encomendado pelo gaitista norte-americano John Sebastian. No
entanto, ao explorar as possibilidades harmônicas do instrumento, o compositor
escreveu acordes que não se encontram na harmônica cromática, podendo-se
assim verificar trechos com versões alternativas (ossias), em todo o concerto, e que
diferem da caligrafia do manuscrito autógrafo original. A partir desta constatação,
este trabalho visa esclarecer os critérios adotados para essa nova escrita, tendo-se
em conta uma breve compreensão histórica e estrutural do instrumento e certos
procedimentos composicionais de Villa-Lobos.
Palavras-chave: Villa-Lobos. Música Brasileira. Harmônica Cromática.

Abstract: In 1955, Heitor Villa-Lobos wrote the Concerto for Harmonica and
Orchestra, commissioned by the American harmonica player John Sebastian.
However, to explore the harmonic possibilities of the instrument, the composer
wrote chords that are not in the chromatic harmonica, and we can thus check
sections with alternative versions (ossias) throughout the concert, and that differ
from the original autograph handwriting. From this finding, this paper aims to
clarify the criteria adopted for this new writing taking into account a brief historical
and structural understanding of the instrument and certain compositional
procedures of Villa-Lobos.
Keywords: Villa-Lobos. Brazilian Music. Chromatic Harmonica.

1. Introdução
Este breve artigo pretende apresentar o Concerto para harmônica e orquestra de Heitor Villa-Lobos
considerando aspectos organológicos e históricos da harmônica e aspectos intrínsecos do concerto.
Sob o enfoque de um único trecho, e por meio de uma análise descritiva, temos como objetivo
específico demonstrar um pouco do processo composicional Villa-Lobiano, e como ele tenta adequá-lo à
harmônica cromática. Será abordado também, mas não tão aprofundado, aspectos musicológicos
documentais, e questões de interpretação.

2. A harmônica de boca
A harmônica de boca (também conhecida em algumas regiões do Brasil como "gaita de boca";
"realejo" nas regiões norte e nordeste; "harmônica de beiços" em Portugal) é um instrumento aerofone de
palheta livre. Diferentemente das palhetas simples e duplas (tal como no clarinete e oboé), o som de uma

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palheta livre é produzido pela própria vibração da palheta, a boca não entra em contato com ela (JENKINS,
2009, 187).
Provavelmente surgido na Ásia Oriental, cerca de 4.500 A.C., os instrumentos de palheta livre são
uma adaptação de uma lingueta de latão elástico chamada dan moi. Outra vertente baseia-se no sheng
chinês, que significa “voz sublime”. Tubos de bambu dispostos paralelamente são reunidos em um único
bocal.
Esses instrumentos migram para a Europa, e no Séc XVIII são aperfeiçoados pelo afinador de órgãos
Christian Friedrich Buschman. No Séc XIX, um construtor da Boêmia chamado Richter monta uma harmônica
diatônica que será a base de configuração de estrutura. Em 1857, o relojoeiro Mathias Hohner funda a sua
fábrica, e posteriormente, no Séc. XX, se tornará uma grande multinacional.
No entanto, a harmônica diatônica era limitada, podendo realizar somente melodias simples e
folclóricas, pois não tinha a extensão cromática. Atentos a isso, durante a década de 20, a Hohner conseguiu
desenvolver um instrumento que por meio de uma chave lateral é possível alcançar todas as notas da escala
cromática. Em meados da década de 30, é criada uma harmônica de quatro oitavas, dezesseis orifícios,
agregando mais uma escala, oitava abaixo. Este instrumento é a essência da estrutura da harmônica de boca
cromática até hoje.

3. Os Primeiros grandes solistas e as primeiras peças de concerto


Ainda na década de 30, nos Estados Unidos, surgem os primeiros grandes intérpretes deste
instrumento, vindos de shows de vaudeville. Na década de 40, destacam-se dois grandes instrumentistas:
Larry Adler e John Sebastian. Adler faz uma primeira encomenda ao compositor francês Darius Milhaud, que
escreveu em 1942 a Suíte Inglesa para Harmônica e Orquestra. John Sebastian também compreendeu que a
gaita não tinha um repertório próprio e começou a fazer encomendas a diversos compositores
contemporâneos, entre eles, Heitor Villa-Lobos (FIELD, 2000, 291).
Em 1955, Villa-Lobos escreve o Concerto para harmônica e orquestra, com dedicatória a John
Sebastian, obra estreada em 27 de outubro de 1959 com a Orquestra de Israel em Jerusalém, sob regência
de Georg Singer. A estreia norte americana ocorreu em 1961, tendo também Sebastian como solista; e em
1964, houve a estreia sul americana, em Belo Horizonte, no Festival Villa-Lobos com a Orquestra Mineira de
Concertos Sinfônicos. O solista foi Aluisio Rocha, sob regência de Sebastião Viana, conforme consta no
catálogo de obras de Villa-Lobos (VILLA-LOBOS, 1989, 75-6).

4. A Estrutura da harmônica cromática e as técnicas de sopro


A harmônica cromática é a justaposição de duas harmônicas diatônicas afinadas cada uma em um
semitom de distância e articuladas por uma chave lateral. É um instrumento musical temperado de afinação

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fixa, semelhante ao acordeon e ao piano, não reproduzindo a diferença entre os intervalos diatônicos e
cromáticos, podendo produzir notas enarmônicas. Por causa de sua construção, em que há a interrupção da
escala no início de cada oitava, aparecem repetições de determinados sons, conseguindo-se assim uma
simetria nas três oitavas, tornando igual a maneira de tocar em toda a sua tessitura.
Trata-se de um instrumento de sopro, cujo som é obtido tanto ao soprar quanto ao aspirar, o que o
diferencia dos demais. Pela execução consecutiva de expiração e aspiração obtém-se uma escala diatônica,
e ao apertar a chave lateral, obtém-se notas cromáticas. Com a exata alternância de sopros e aspirações,
com chave solta e apertada, obtém-se uma escala cromática. A ilustração a seguir, extraída do autor italiano
Luigi Oreste Anzaghi, mostra nos pentagramas superiores, as notas sopradas com a chave solta e apertada
(soffiate senza registro, con registro); e nos pentagramas inferiores, as notas aspiradas com a chave solta e
apertada ( aspirate senza registro, con registro). A combinação de todas essas possibilidades nas três oitavas,
produz um total de 48 notas, ou vozes.1

Figura 1: Esquema Musical da harmônica cromática 48 vozes, três oitavas, e o modo de obter todos os sons, sejam
naturais ou cromáticos (ANZAGHI, 1952, 22).

Após esta visualização, é possível perceber que a gaita de boca pode ser executada de diversas
maneiras: sejam notas individuais, privilegiando o aspecto melódico; ou simultâneas, priorizando o aspecto
harmônico.
Para compreender essas possibilidades, é necessário conhecer as duas principais técnicas de
embocadura: o “sopro de bico” e as “notas cobertas”.

1 A palavra vozes é muito utilizada no Brasil para designar a quantidade de notas de uma harmônica. Não se sabe ao certo o motivo dessa
nomenclatura; desde quando começaram a ser fabricadas no Brasil, esse termo é estampado nas harmônicas cromáticas. Uma especulação possível
é o fato da palheta livre ser tão sensível, que com um leve sopro já é capaz de emitir um som, como se ela própria tivesse uma “voz”.

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A primeira, consiste em unir os lábios tal como em um assobio, e ao soprar ou aspirar cada um dos
orifícios, escuta-se notas individualizadas, podendo-se fazer melodias. A segunda, consiste em cobrir 2 ou 3
orifícios com a língua no lado esquerdo da boca, e com o lado direito, sopra-se ou aspira-se o instrumento
também ouvindo notas individuais. A diferença é que com esta última técnica, ao se descobrir o lado
esquerdo, é possível ouvir acordes. Esta última técnica é muito importante, pois dela derivam outras que
possibilitam executar determinados intervalos. Os principais são: terças, sextas, oitavas, acordes, e solo com
acompanhamento simultâneo. Alguns outros intervalos também são possíveis, tais como: segundas, quartas,
quintas, trítonos, e sétimas, mas não aparecem com tanta abundância quanto os primeiros, sendo
historicamente menos utilizados. A seguir, nas próximas quatro figuras, os intervalos de terça, sexta, oitavas,
e acordes possíveis com quatro notas na harmônica de três oitavas, ou 48 vozes, e que serão úteis para
apreender os procedimentos seguintes.

Figura 2: intervalos de terça

Figura 3: intervalos de sexta

Figura 4: Intervalos de oitava

Figura 5: Acordes com quatro notas

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Com esse conhecimento básico estrutural da harmônica e suas possibilidades de execução de


intervalos e acordes mostradas nas figuras acima, poderemos compreender melhor alguns aspectos de
escrita realizada por Villa-Lobos.

5. O concerto e as ossias
O concerto tem uma forma tradicional em três movimentos: Allegro moderato, andante e allegro.
Em diversos pontos da obra há alternativas de escrita da parte solista, cada uma delas precedida pela palavra
ossia. Três delas no 1º movimento, três no 2º, quatro no 3º. Elegemos a 1º ossia, logo no 1º movimento, por
ser a que mais agrega problemas, e pelo fato de vários gaitistas importantes interpretarem-na de maneiras
diversas. A próxima figura mostra o trecho a ser analisado.

Figura 6: Trecho do 1º movimento, marca de ensaio 10, compassos 82 à 85

A primeira versão, escrita no pentagrama inferior, realiza um perfil melódico com tríades. Há uma
melodia ascendente com um ponto culminante na nota sol, e logo em seguida ela faz o movimento contrário
até a nota fá#. Se compararmos esses acordes com a sequência possível exibida na figura 5, poderemos
verificar que nenhum deles correspondem ao que pode ser realizado na gaita. Mesmo agregando a
possibilidade de uma nota a mais, como é mostrada na mesma figura 5, não se acham combinações que se
adaptem à ideia de harmonia proposta por Villa-Lobos. Em todos os acordes, sempre ocorre o problema de
haver uma nota para soprar e outra para aspirar simultaneamente.

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A escrita criada no pentagrama superior é muito melhor resolvida, pois os intervalos de terça e sexta
encontram-se dentro das possibilidades da harmônica, como pode-se observar comparando a ossia com as
figuras 2 e 3. No entanto, ainda existem problemas nesta solução, como apontam as setas sobre os
respectivos intervalos de terça maior e quinta justa. Estes intervalos, com as notas (la-dó#, si-fá#), também
não são possíveis de serem tocados simultaneamente. No caso da quinta justa, parece que se trata de uma
mera ambiguidade entre linha e espaço no pentagrama; provavelmente a nota si deve mesmo ser lá# como
sugere o fac-símile do manuscrito.
Esta partitura foi escrita a nanquim sobre papel vegetal, como está informado no catálogo do museu
Villa-Lobos. Na ossia, é perfeitamente identificável a diferença de traço das duas escritas. Analisando mais
detalhadamente, é possível dizer que talvez tenha sido o próprio compositor que criou esta versão, pois
mesmo com traços diferentes, eles ainda se assemelham à caligrafia de Villa-Lobos.
Na página de rosto, podemos ver a data da composição, 1955, mas a estreia se deu em 1959, um
mês antes do autor morrer. Não existem relatos precisos sobre a encomenda, não se podendo saber como
foi a relação entre Sebastian e Villa nesses quatro anos.

6. Os procedimentos composicionais de Villa-Lobos


Voltando à análise do trecho, o perfil melódico é composto pelas tríades de sol Maior, e Fá# Maior;
seja em posição fundamental, primeira ou segunda inversão; e sempre cerradas. Há uma exata alternância
entre esses dois acordes em ambas as direções ascendente e descendente.
O pesquisador Paulo de Tarso Salles, ao estudar os processos composicionais de Villa-Lobos, elenca
uma série de técnicas usadas por ele. Entre elas está o “deslizamento de semitons”, e assim ele explica: “Uma
das formas mais utilizadas de desenvolvimento melódico na música do início do século XX é o processo de
adição e subtração de alturas por meio de operações de semitons ou agregados de semitons” (SALLES,
2009,132).
Esse processo é ainda mais explicitado pelo autor no seguinte trecho: “A aplicação desse recurso por
Villa-Lobos é pontual, voltada para a expansão de determinada seção, ou então como forma de distorção do
material, por exemplo no final de Uirapuru, onde ele parodia o final do prelúdio de Tristan und Isolde”
(SALLES, 2009,133).
Tendo em consideração os fundamentos acima, podemos identificar esses procedimentos em nosso
objeto de estudo ao percebermos: uma clara expansão acórdica ao agudo, sempre em uma relação de
semitom descendente e saltos de quarta ascendente; e conforme há essa expansão harmônica, há uma
sensação de distorção desse material, uma vez que ele está apoiado em uma progressão tonal no naipe de
cordas. É perceptível também um elo entre as duas seções: a primeira em uma textura com gaitas e cordas;
a segunda com gaita, cordas e contraponto de clarinete.

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7. Conclusões
Ao verificarmos os processos utilizados por Villa-Lobos nesta pequena análise, é possível constatar a
sua grande habilidade composicional, desmistificando-o enquanto compositor absolutamente intuitivo.
No entanto, estes procedimentos ficam um pouco frustrados na medida em que não é possível
executar exatamente o que ele escreveu, pois esses acordes não se encontram na harmônica cromática
nessas posições.
Como foi dito anteriormente, não se sabe qual foi a relação entre Sebastian e Villa-Lobos durante a
encomenda, ou se o compositor conhecia o método do autor italiano já publicado em 1952 para escrever o
concerto.
Muitos harmonicistas interpretaram este concerto, propondo diversas soluções, tanto para este
trecho quanto para outros: tocar somente a linha melódica superior, ou oitavando-a conforme a
possibilidade da figura 4; modificar os perfis melódico-acórdicos, ou até mesmo alterar a afinação original de
fábrica do instrumento, tal como ela se encontra na figura 1.
Não avançaremos neste assunto por ser extenso demais ao nosso propósito, esperando que esse
trabalho tenha contribuído para compreender melhor tanto a poética villa-lobiana quanto as possibilidades
de escrita da harmônica cromática.

Referências

ANZAGHI, Luigi Oreste. Metodo Completo teorico per armonica a boca: sistema cromatico e diatonico.
Milano: Ricordi, 1952.

BERKLEY,Rebecca. et al. Instrumentos musicais ao redor do mundo. In: JENKINS, Lucien (Org.). Manual dos
Instrumentos Musicais. São Paulo: Irmãos Vitale, 2009. 185-187.

FIELD, Kim. Harmonicas, Harps, and Heavy Breathers: the evolution of the People's instrument. Nova Iorque:
Cooper Square Press, 2000.

SALLES, Paulo de Tarso. Villa-Lobos: processos composicionais. Campinas: Editora da Unicamp, 2009.

VILLA-LOBOS, Heitor. Concerto para Harmônica e Orquestra. Rio de Janeiro: Manuscrito Autógrafo, 1955.

VILLA-LOBOS, SUA OBRA. 3. ed. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos, 1989.

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Representações sobre o circuito musical em Manaus no Jornal A Crítica (1970-


1973)

Camila Barbosa da Silva


Universidade Federal do Amazonas

Lucyanne de Melo Afonso


Universidade Federal do Amazonas

Resumo: Este artigo apresenta os resultados da pesquisa de iniciação científica do


Curso de Música da Universidade Federal do Amazonas, tem como objetivo
catalogar as representações musicais no período de 1970 a 1973 encontrados no
periódico A Crítica, possibilitando o mapeamento da produção musical dessa
década e o acesso às práticas e registros da cultura em Manaus em uma época de
transformação tanto em âmbito cultural, como político e social.
Palavras-chave: Música em Manaus. Década de 1970. Jornal A Crítica

Abstract: This article presents the results of scientific initiation research of the
Federal University of Amazonas Music Course, aims to catalog the musical
representations in the period 1970-1973 found in the journal Critique, allowing the
mapping of the musical production of this decade and access the cultural practices
and records in Manaus in a time of transformation both in cultural, and political
and social.
Keywords: Music in Manaus. 1970s. Newspaper A Crítica.

1. Introdução
Este artigo apresenta os resultados da pesquisa de iniciação científica intitulada como Fatos e
representações da música em Manaus na década de 1970 a 1973, apresenta a catalogação de documentos
musicais e a análise dos documentos a partir de suas representações musicais.
A pesquisa teve por objetivo investigar as representações do circuito musical de Manaus, mapeando
esta produção local, organizando as informações contidas nos jornais da época e outras publicações
referentes ao período, possibilitando criar um banco de dados sobre a produção e os artistas que atuaram
em Manaus e que foram significantes para o cenário musical desta década, as imagens coletadas foram do
jornal A Crítica, um dos maiores expoentes na divulgação cultural do que se passava na cidade.
Os documentos encontrados foram organizados em pastas, por ano, para facilitar a pesquisa e o
acesso, com grande contribuição para pesquisas musicais futuras, formando assim um banco de dados sobre
a história cultural da cidade e tornar os documentos acessíveis a docentes, discentes e até mesmo para a
população que não conhece a história da sua cidade e da riqueza que possui.

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O artigo apresenta uma pesquisa de catalogação de documentos musicais a partir das representações
feitas pelo jornal nesse período, para tanto, criar um acervo musical sobre este período faz necessário ter
leituras e conceitos sobre Arquivologia musical e História Cultural.

2. Pressupostos teórico-metodológicos
Francisco Curt Lange (1903-1997) musicólogo teuto-uruguaio teve papel importantíssimo nos
estudos de arquivamento e acervos musicais na região de Minas Gerais no ano de 1944, foi também a
primeira tentativa sistemática realizada no Brasil de preservação às fontes musicais, tendo um forte impacto
na história da musicologia brasileira sendo pioneira da prática de arquivologia musical, dando importância a
pesquisa documental e iniciando a coleta de acervos e arquivos relacionados a música.
Para isso devemos definir documento e documento musical. De acordo com Belloto (1991)
documento:

É qualquer elemento gráfico, iconográfico, plástico ou fônico pelo qual o homem


se expressa. É o livro, o artigo [...], a tela, a escultura, [...], o filme, o disco, a fita
magnética, [...], enfim, tudo que seja produzido por razões funcionais, jurídicas,
científicas, técnicas, culturais ou artísticas pela atividade humana. [grifo nosso]
(BELLOTTO, 1991, p. 14)

Schellenberg (2006) ainda declara o valor de um documento, a sua utilização, e a importância: “Um
documento pode ser útil por vários motivos [...]. Um valor que um documento contém devido ao testemunho
que oferece da organização e funcionamento da administração que pode ser o mesmo que o valor derivado
de sua informação sobre pessoas, coisas ou fenômenos” (SCHELLENBERG, 2006, p. 182).
Portanto documento é um regime de informação suscetível de consultas para várias utilizações. Vale
ressaltar a importância de gerenciamento de todas essas informações que possam ser registradas em
documentos e arquivos, para tanto se utiliza de princípios fundamentais, normas, técnicas e procedimentos
diversos, como, coleta, análise, identificação, organização, utilização, publicação, modo de armazenamento
e recuperação de informações.
No campo arquivologia musical para Cotta (2006) essa arquivologia se refere a acervos e arquivos e
catalogação de documentos musicais.

É o campo do conhecimento que alia conceitos e técnicas da arquivologia


tradicional as necessidades específicas para o tratamento de acervos ligados a
música, especialmente no caso de manuscritos musicais, mas também no caso de
impressos, discos e até mesmo documentos tradicionais, como cartas missivas.
(2006,p.15)

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Cotta (2006) questiona como é tratada a Arquivologia Musical, com seus conceitos e técnicas
relacionados a arquivologia tradicional que podem ser manuscritos, impressos, discos e até cartas.
Cotta (2006) ainda menciona a “importância da aplicação e observação dos princípios e técnicas
arquivísticas na documentação musical”, seguindo essa linha de preservação seguem-se as regras que são
voltadas para a produção de fichas catalográficas, de acordo com Répertoire International des Sources
Musicales (RISM, 1996) nos dá uma descrição detalhada das fontes musicais manuscritas, que são:

a) Nome do autor
b) Título uniforme e forma musical
c) Título próprio
d) Manuscrito (autógrafo, se for o caso/ou impresso)
e) Designação do tipo de documento (partitura, redução, livro de coro, etc.)
f) Incipit musical
g) Nome da biblioteca ou arquivo, cidade e país (assinatura).

Essas são maneiras de organização e tratamento de acervos musicais. É importante frisar que esse
trabalho de arquivologia musical no Brasil é muito recente, e que há um vasto cenário a ser trabalhado, e um
dos problemas que dificultam a busca por esses arquivos, é o colecionismo, uma prática muito comum, onde
é retirados documentos de fundos arquivisticos, e como Cotta diz “se tornam relíquias de valor histórico”
(2006 p 34.).
É de extrema importância a implantação de políticas de preservação e tratamento de acervos
musicais no Brasil, para que seja difundido um trabalho de recuperação ao patrimônio cultural do país,
tornando eficaz o trabalho de arquivologia no campo da cultura, para que esse o mesmo alcance outros
patamares, tornando se cada vez mais difundido e que haja outros polos de pesquisa no Brasil, capaz de
mapear e resguardar valores de uma determinada região e época.
Como embasamento teórico também se torna a aliada da pesquisa os novos conceitos de historia
cultural, uma prática mais difundido nos dias de hoje, que nos permitirá ter uma maior compreensão dos
acontecimentos culturais.
Chartier (1998) fala que a história cultural “tem por objeto identificar o modo como em diferentes
lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler” (p. 17). Pesavento
(2008) por sua vez diz que “decifrar a realidade do passado por meio das suas representações, tentando
chegar àquelas formas, discursivas e imagéticas, pelas quais os homens expressaram a si próprios e o mundo
(p.42)”. Falcon (2002) que a história cultural é concebida, “ora é pensada como um leque disciplinar, ora

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como área de investigação interdisciplinar ou mesmo metadisciplinar, capaz de dar conta de todas as práticas
e representações sociais.” (p.105).
Entender as práticas culturais de determinada época faz com que se abra um leque de novos
conceitos, as suas abordagens históricas traz um olhar para as tradições cultural e popular humana.
2.1 Metodologia da pesquisa
A pesquisa qualitativa utilizou-se da exploração bibliográfica e documental, com procedimentos de
pesquisa em documentação indireta que é o levantamento de dados sobre o material a ser pesquisado. Para
Santos a pesquisa bibliográfica “é feita com base em documentos já elaborados, tais como periódicos, jornais
e revistas, livros, enciclopédias, publicações”. (SANTOS, 2010, p.192).
A catalogação foi realizada nos acervos da Biblioteca Pública, no jornal A Crítica, no ano de 1970 a
1973, sendo um jornal de grande propagação no meio artístico e cultural da época e nos dias atuais.
Os documentos musicais, conforme catalogados, foram organizados em pastas específicas para cada
contexto como: Notas sobre a música local, notas sobre a música nacional, notas sobre a música
internacional, notas sobre a Amazônia, e toda a movimentação cultural. Assim podemos localizar e ter fácil
acesso a esses documentos e também melhor compreensão do cenário musical.

3. Resultados da pesquisa
A elaboração desta pesquisa se deu pela necessidade de um acervo sobre as práticas musicais de
Manaus, apresentando seus espaços e artistas, abordamos sobre os processos de catalogação dos
documentos musicais, importante enfatizar como o contexto histórico de uma cidade se transforma através
da música e de todos os processos que a envolvem.
A década de 70 é um período de muitos festivais na cidade e muitas vindas de artistas nacionais ou
de grupos musicais de universidades para apresentação no Teatro. É importante enfatizar a presença da
Fundação Cultural, órgão do governo municipal da cidade, que teve papel fundamental na promoção,
divulgação e difusão da arte e da música em Manaus.
Desta forma, esta pesquisa nos traz informações sobre os espaços da música, os artistas que
emergiram, os espaços musicais e os festivais promovidos, além da Fundação Cultural. Esta pesquisa oferece
contribuições em diversas áreas da pesquisa em música, pois os documentos musicais encontrados facilitarão
novas pesquisas que tratam das práticas e das representações musicais, compreendendo o circuito musical
de Manaus no passado e como se desdobrou no presente.
Apresentaremos as representações musicais dos anos de 1970 a 1973 catalogados do jornal A Crítica.
Desta forma organizamos as notas por temáticas e por ano: Carnaval, Teatro Amazonas, Clubes e festivais.

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1970
CARNAVAL
As notas sobre o Carnaval de Manaus saiam todos os dias, divulgando os locais dos bailes e as festas
de Carnaval. Muitos clubes tinham programação no período do carnaval como o baile pré-carnavalesco que
foi sucesso dos maiores para o Clube Atlético Rio Negro (02/01): a jovem guarda dominou em grande estilo,
a animação generalizada, a velha guarda aderindo ao pula-pula do carnaval. A Kamelia1 (02/01) é a principal
atração já ocupou as ruas de Manaus, divulgando os dois grandes bailes da cidade: na União portuguesa e
no Olímpico Clube, e é ela que abria oficialmente o carnaval amazonense que começava com a passeata
realizada no sábado pelas ruas da cidade da tradicional Kamelia.

Figura 1: Kamelia, A Crítica, 02 de janeiro de 1970.

De acordo com as notas, o clima de carnaval de 1970 aconteceu com menos ânimo do que as décadas
passadas (09/02), quando a folia era levada em blocos pelas avenidas da cidade, porém a alegria estava
centralizada nos salões dos clubes, onde todos desafogavam as tristezas da vida cotidiana.
CLUBES
Os clubes de Manaus eram responsáveis por muitas festas e bailes, principalmente durante o
carnaval e no final de cada ano, onde recebiam tanto artistas e bandas locais quanto artistas nacionais.
Muitos clubes intitulavam os bailes como Baile dos Campeões do Clube dos Bancários (26/01), Baile
carnavalesco Sai de baixo do Cheik Clube (04/01), Mingau Dançante no Ideal Clube (11.01), Baile infanto-
juvenil Acaciano e baile Final do Clube Acacia (07.02), Baile Cremação das tristezas da União Esportiva
Portuguesa (14/02), Festa Portuguesa no Olímpico Clube (10/06), a Noite dos namorados da União

1 Kamelia é uma boneca gigante que abre os festejos de Carnaval de Manaus desde 1938.
² Pierrot é um personagem da Commedia dell'Arte, caracterizado por um palhaço apaixonado.

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Portuguesa (13/06), Encontro dos seresteiros do Clube Acacia (24/06), Festa Havaiana da União Portuguesa
(02/07), Churrasquinho do Sambão da União Portuguesa (09/09).

Figura 02: The Sinners, A Crítica de 1970,

A banda de rock sueca The Sinners estava constantemente fazendo apresentações em Manaus
durante o segundo semestre e as apresentações eram na União Portuguesa; o cantor português Antonio
Campos, o Rei da Desgarrada (10/07); o harpista paraguaio Luis Bordón (30/12). Os artistas nacionais foram:
Renato e seus Blue Caps no Clube (07/08), Silvio Caldas no clube.

Figura 03: Blue Birds, A Crítica de 1970

Os Clubes foram espaço de apresentar muitos artistas locais, principalmente as bandas como Os
Embaixadores, Os Diplomatas, The Blue Birds, Os Aristocratas, Os Caçulas do Ritmo, a turma da Seresta
(Hiram Caminha, Almir Linhares, Alfredo Linhares, João Barroso). Todas estas bandas se apresentavam nos

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variados Clubes da cidade, os principais eram: União Esportiva Portuguesa, Acácia Clube, Cheik Club, Ideal
Club, olímpico Club e Bancrevea Club.
FESTIVAIS
O ano de 1970 também foi referencia para os festivais que ocorreram na cidade, a Fundação Cultural
do Amazonas abriu suas portas e iniciou os trabalhos. No dia 07 de janeiro o jornal À Crítica lança a nota
sobre a abertura das inscrições para o IV Festival da Cultura que ocorreria pela Fundação Cultural como meio
de propagação dos festivais, a nota do dia (10/01) sai com a confirmação onde o professor Vinicius Rapôso
aprova o plano do festival, e o encerramento do mesmo se deu no Teatro Amazonas no mês de maio com a
entrega do prêmio “Estado do Amazonas”, os vencedores de melhor música foi o estudante Alcides Neves
com a música Descampádo. Os clubes também tiveram sua participação em meio aos festivais, como é o caso
do Club Fast que realizou o festival de danças internacionais denominado Festival da Dica (09/04), trazendo
dançarinos profissionais.
Ainda nos embalos dos festivais, o Departamento de Turismo e promoção do estado DEPRO quer
repetir o Festival Estudantil da Música Popular do Amazonas (05/05) que trouxe no festival passado Os
Mutantes, e com êxito (24/10) o jornal notícia sobre a movimentação e as músicas que haviam sido
selecionadas para o III Festival. O III Festival (07/11) explodiu na segunda noite logo no início com Os
Embaixadores interpretando “BR 3” vencedora do FIC NACIONAL o público explodiu em manifestação. Com
todo o alvoroço em (09/11) o jornal traz a notícia de que houve de tudo nesse festival e no mesmo mês em
31 de novembro aconteceu o III Festival de Música Brasileira do Amazonas.
TEATRO AMAZONAS
O Teatro era considerado um dos locais de destaque das manifestações artísticas e culturais que
ocorriam na cidade que traziam artistas nacionais, internacionais e também da região, e o destaque era o
convite que a concertista Guiomar Novaes (12/03) recebeu para inaugurar o piano feito sob encomenda na
Alemanha. Ainda sob os auspícios em torno do instrumento o jornal (13/03) noticia a chegada do piano e
completa dizendo que tinha mais de dois metros de cauda e que também um dos maiores pianistas brasileiro
Nelson Freire entre outros foram sucesso notável naquela noite. Assim a sala de concertos foi sendo
referencial para artistas e a Fundação Cultural se encarregou de realizar várias apresentações colocando em
destaque o Teatro.
O jornal (14/04) destaca a vinda do quarteto de cordas do Rio de Janeiro para uma apresentação no
dia 26 do mesmo mês, sendo que esse foi um dos conjuntos mais famosos da América Latina. Em (24/06) o
cantor Silvio Caldas veio cantar e contar as histórias da música popular brasileira. No jornal À Crítica (01/07)
apresentou no dia 17 do mesmo mês o espetáculo que foi apresentado por conta do professor Emmanuel
Coelho considerado um dos mais completos violinistas brasileiros.

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OUTRAS NOTAS
O jornal A Crítica (14/02) lança a nota das inscrições para o curso de Cultura Musical ministrado pelo
maestro Nivaldo Santiago, as instalações da Fundação Cultural do Amazonas eram cedidas para o curso
Música e Tempo ( 24/02), também na direção do maestro Nivaldo, aconteceu a reabertura do Conservatório
Musical e de todo o interesse da reitoria da Universidade em contratar um corpo docente de excelência e do
mais alto nível, também tem os destaques para festa de aniversário do Clube Ideal com a apresentação dos
grupos musicais Os Aristocratas, The Sinner, The Rocks e Os Embaixadores(30/05) e Silvio Caldas em novo
Show na cidade(23/06).

1971
CARNAVAL
O mês de fevereiro era um dos mais festivos: a Kamelia e Pierrot abriam a folia carnavalesca com
festa nas ruas das cidade e com atração para todos os gostos, o ano de 1971 no mês do carnaval era
predominante nas avenidas e nos clubes as brincadeiras e a famosa boneca negra de pano a “Kamélia” que
abria as festas realizando passeatas nas ruas da cidade. A avenida Eduardo Ribeiro (10/02) foi toda decorada
para receber os foliões, em contrapartida os clubes da cidade também organizavam seus carnavais sempre
com muita música e folia, concursos de fantasias e sempre aos embalos das bandas musicais que eram
referência na cidade como The Sinner (13/02).

Figura 4: Baile de Carnaval, A Crítica, 10 de fevereiro de 1971

CLUBES
Os clubes continuaram com grande efervescência com seus bailes e toda a agitação de suas festas
entre os quais se destacam União Esportiva Portuguesa, Internacional Futebol Clube, América Futebol Clube,

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Acácia Clube e Ideal clube com suas festas típicas e nomeadas das mais variadas formas como por exemplo
Churrasquinho no Sambão, e Uma Noite no Havaí, ambas realizada pelo Clube União Portuguesa ao som da
banda The Sinner (10/01), respectivamente, festa da MONGOOSE (31/01) com o conjunto musical The
Rainbow’s (11/03), o Céu é o Limite com Os Aristocratas (17,18/03), Noite Psicodélica com The In Crown
(10/05), Noite das Cebolas com The In Crown (16/10), Uma Noite com Marcos Pitter cantor e compositor
carioca (06/11), Baile de Reveillon ao som da Orquestra da Polícia Militar (30/12).
TEATRO AMAZONAS
O Teatro era palco de muitas apresentações nacionais e internacionais, artistas que estavam no auge
do sucesso vieram para exclusiva apresentações destacando o Amazonas e suas belezas turísticas, em 07 de
Julho jornal lança nota das Universitárias paraenses que vieram para uma apresentação exclusiva no Teatro,
grupo feminino chamado de As Centelhas que tocaram numa apresentação na cidade.
O Coral da Universidade (18/08) abriu a semana da pátria juntamente com a banda do CMA no
Teatro, e também foi notícia o encontro da canção, que ocorreu no anfiteatro do parque 10 com varias
atrações de renome nacional e local que abrilhantaram a noite com suas composições e interpretações.
Um dos principais artistas estrangeiros a se apresentar em Manaus foi Alice Artzt um famosa
guitarrista americana de renome pousa sobre o Amazonas para apresentação única na cidade interpretando
músicas brasileiras e estrangeira ampliando o cenário musical da época de 1971 (30/09).

Figura 5: Alice Artzt, A Crítica 30 de setembro de 1971

E ainda com renome internacional a Banda das Unitas um famoso grupo de músicos americanos
chega a cidade para show realizado pelo Instituto Cultural Brasil-Estados Unidos (ICBEU) com exibição em
vários países incluindo o Brasil (28/11).

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Figura 6: Bandas das Unitas, A Crítica 28 de novembro de 1971

A Orquestra Sinfônica (18/11) realizou a sua apresentação, um projeto sonhado a anos e com músicos
da terra.

Figura 7: Orquestra Sinfônica, A Crítica 18 de novembro de 1971

Sem sombra de dúvidas esse foi um ano de grandes realizações na cidade e o Teatro abrilhantava as
programações e encantava os artistas nacionais e internacionais.
FESTIVAL
O sucesso do III Festival (27/10) foi tanto que no ano de 1971 o IV FEMPA-Festival Estudantil da
Música Popular do Amazonas trouxe Carlos Imperial compositor, ator, cineasta e apresentador de televisão
como jurado do festival que aconteceu no anfiteatro do parque 10 com muita música.

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Figura 8: III FEMPA, A Crítica 27 de outubro de 1971

1972
Os clubes na cidade continuam com suas festas, e o clube que se tem mais destaque é o Clube União
Esportiva Portuguesa que quase de forma quinzenal apresentava suas comemorações e folias, trazendo
bandas de sucessos para embalar suas noites. Neste ano, o prefeito Paulo Neri realizou seu sonho ao montar
um coral com a finalidade de estimular a cultura e a sociedade em geral (02/08).
Outro fato importante no ano de 1972 foi o Show do SESQUI (02/10) no estádio Vivaldo Lima, neste
show apresentaram atrações nacionais como Elza Soares, Eliana Pitman, Ronnie Von e o conjunto Os Golden
Boys para a festa de 150 anos de nossa independência com mais artistas que arrastaram multidões como
Tony Tornado, Antonio Marcos, Vanuza, Antonio Carlos e Jocafi, de acordo com a nota não teve nenhuma
apresentação de grupo local somente nacionais.

Figura 09: Show do SESQUI, A Crítica, 02 de outubro de 1972

1973
O clube União Portuguesa comandava as festas na cidade ao som das bandas que emergiam nesse
mesmo cenário festivo, como 4ª Projeção, Os Embaixadores, The In Crowd, comandam as festas (12, 14/03

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e 06/04). O cantor Hidinildo Pereira retornou a cidade para realizar vários shows, ganhou fama nos
programas de TV Rio-São Paulo. A rádio Bare ganha novo espaço, a nota declara que a rádio lança o programa
chamado Espaço-música, que obteve tanto êxito que por dia eram vários telefonemas ao programa de 50
minutos (05/01).

Considerações
Esta pesquisa contribuiu para constituir um acervo musical das práticas que ocorreram no circuito
cultural de Manaus, a partir dos documentos catalogados entre os anos de 1970 a 1973. A pesquisa foi feita
na biblioteca pública onde estão todos os materiais do periódico À Crítica.
O objetivo foi viabilizar o acesso a essas informações, fazendo com que o pesquisador tenha
resultados concretos daquilo que se procura. Abordamos sobre os processos de arquivamento e de como foi
feito o desenvolvimento de catalogação musical, através desta catalogação podemos desvendar as práticas
musicais deste período e verificar como es espaços musicais foram construídos: artistas, espaços, bandas,
clubes, teatro Amazonas, percebendo também como o contexto histórico de uma cidade se transforma
através da música e de todos os processos que a envolvem.
Desta forma temos o acesso a um material de grande importância que facilitará a busca do educador
e também do educando tanto na área da graduação, escolas e também na área científica, tratando dos fatos
e das representações musicais e da compreensão do movimento musical de Manaus no passado e como se
desdobrou no presente. É importante salientar que os jornais que estão ficando precários para fazer
catalogação e o armazenamento destas fontes servirá para resguardar os acontecimentos da música em
Manaus, levando em consideração o desgaste do material e este mesmo sendo preservado em arquivos
servindo de grande significância para futuros pesquisadores.

Referências

BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivos permanentes: tratamento documental. Segunda edição revista e
ampliada. Rio de Janeiro: FGV, 2004, 320 pp.ISBN

COTTA, André Guerra; SOTUYO BLANCO, Pablo. Arquivologia e Patrimônio Cultural. Salvador: Edufba, 2006.

SCHELLENBERG, T. R. Arquivos modernos: princípios e técnicas. 6. ed. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 2006..

CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1998.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e história cultural. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

FALCON, Francisco José Calazans. História cultural: uma visão sobre a sociedade e a cultura. Rio de janeiro:
Campus, 2002.

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SANTOS, Izequias Estevam dos. Manual de métodos e técnicas de pesquisa científica. 7. ed. Niterói, RJ:
Impetus, 2010.

Notas do Jornal A Crítica


Clube Atlético Rio Negro, A Crítica, 02 de janeiro de 1970.
Kamelia, A Crítica, 02 de janeiro de 1970.
Baile dos Campeões do Clube dos Bancários, A Crítica, 26 de janeiro de 1970.
Baile carnavalesco Sai de baixo do Cheik Clube, A Crítica, 04 de janeiro de 1970.
Mingau Dançante no Ideal Clube, A Crítica, 11 de janeiro de 1970.
Baile infanto-juvenil Acaciano e baile Final do Clube Acacia, A Crítica, 07 de fevereiro de 1970.
Baile Cremação das tristezas da União Esportiva Portuguesa, A Crítica, 14 de fevereiro de 1970.
Festa Portuguesa no Olímpico Clube, A Crítica, 10 de junho de 1970.
A Noite dos namorados da União Portuguesa, A Crítica, 13 de junho de 1970.
Encontro dos seresteiros do Clube Acacia, A Crítica, 24 de junho de 1970.
Festa Havaiana da União Portuguesa, A Crítica, 02 de julho de 1970.
Churrasquinho do Sambão da União Portuguesa, A Crítica, 09 de setembro de 1970.
The Sinners, A Crítica de 1970.
Rei da Desgarrada, A Crítica, 10 de julho de 1970.
O harpista paraguaio Luis Bordón, A Crítica, 30 de dezembro de 1970.
Renato e seus Blue Caps no Clube, A Crítica, 07 de agosto de 1970.
Blue Birds, A Crítica de 1970
Abertura das inscrições para o IV Festival da Cultura, A Crítica, 07 de janeiro de 1970
Festival da Dica, A Crítica, 09 de abril de 1970.
Festival Estudantil da Música Popular do Amazonas, A Crítica, 05 de maio de 1970.
O III Festival, A Crítica, 07 de novembro de 1970.
III Festival de Música Brasileira do Amazonas, A Crítica, 09 de novembro de 1970.
Concertista Guiomar Novaes, A Crítica, 12 de março de 1970.
Quarteto de cordas do Rio de Janeiro, A Crítica, 14 de abril de 1970.
Cantor Silvio Caldas, A Crítica, 24 de junho de 1970.
Professor e violinista Emmanuel Coelho À Crítica, 01 de julho de 1970.
Curso de Cultura Musical ministrado pelo maestro Nivaldo Santiago, A Crítica, 14 de fevereiro de 1970.
Curso Música e Tempo, A Crítica, 24 de fevereiro de 1970.
festa de aniversário do Clube Ideal, A Crítica, 30 de maio de 1970.
Silvio Caldas em novo Show na cidade, A Crítica, 23 de junho de 1970.
The Sinner, A Crítica, 13 de fevereiro de 1971.
Baile de Carnaval, A Crítica, 10 de fevereiro de 1971
Uma Noite no Havaí, Clube União Portuguesa ao som da banda The Sinner , A Crítica, 10 de janeiro de 1971.
Festa da MONGOOSE, A Crítica, 31 de janeiro de 1971.

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Conjunto musical The Rainbow’s, A Crítica, 11 de março de 1971.


O Céu é o Limite com Os Aristocratas, A Crítica, 17,18 de março de 1971.
Noite Psicodélica com The In Crown, A Crítica, 10 de maio de 1971.
Noite das Cebolas com The In Crown, A Crítica, 16 de outubro de 1971.
Uma Noite com Marcos Pitter cantor e compositor carioca m A Crítica, 06 de novembro de 1971.
Baile de Reveillon ao som da Orquestra da Polícia Militar, A Crítica, 30 de dezembro de 1971.
O Coral da Universidade, A Crítica, 18 de agosto de 1971.
Alice Artzt, A Crítica 30 de setembro de 1971.
Bandas das Unitas, A Crítica 28 de novembro de 1971.
Orquestra Sinfônica, A Crítica 18 de novembro de 1971.
III FEMPA, A Crítica 27 de outubro de 1971
Show do SESQUI, A Crítica, 02 de outubro de 1972
A rádio Baré lança o programa chamado Espaço-música, A Crítica, 05 de janeiro de 1973.

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O acesso das mulheres ao Theatro da Paz na Belém dos anos 1930: por meio do
mercado de trabalho no âmbito musical

Milena Moraes de Araújo e Souza


millenamoraesm@gmail.com

Resumo: Este artigo pretende abordar a participação das mulheres através da


música em eventos ocorridos no Theatro da Paz no período dos anos 1930. Será
destacado a questão do papel e a educação da mulher de acordo com o contexto
político-social da época, a história da música e do Theatro da Paz. Também poderá
se observar a movimentação artística do Estado do Pará, a influência da belle
époque para a construção da cidade e formação intelectual da sociedade paraense.
Palavras-chave: História da Música. Musicistas. Anos 30. Mulheres.

Abstract: This article intends to approach the participation of women through


music in events at Theatro da Paz during the decade of 1930. The issue of role and
education of women in the social and political context of the period, the music
history and the Theatro da Paz will are highlighted. Also the artistic movements in
the State of Pará will be observed, as well as the influence of the 'belle époque' for
the development of the city and intelectual formation of the society of Pará.
Keywords: Music history. Musicians. 1930’s. Women.

1. Introdução
A música, era um meio no qual as mulheres poderiam se inserir no mercado de trabalho,
principalmente através do magistério. No início do século XX, percebemos o grande avanço tecnológico, a
Europa como palco das grandes guerras, o crash da bolsa de valores de Nova York que vai influenciar a
economia de diversos países, e a ascensão nazismo e fascismo; além disso, vemos também uma grande
mudança nas artes, que durante os anos 30 no Brasil, vem trazer o movimento modernista, buscando romper
com as doutrinas europeias, voltando-se para a realidade brasileira. Trazendo para discussão sobre história
social e da arte, os autores Peter Burke e Pierre Bourdieu; sobre a história das mulheres as autoras Michelle
Perrot, Rachel Soihet, Mary Del Priore; sobre a história da música os autores Donald Grout e Claude Palisca,
Sandra Reis, Vicente Salles, Urubatan Castro e Joelciléia Santiago, Líliam Barros, Lia Braga, Rose Silveira,
dentre outros autores. Como fonte para a pesquisa, foi-se utilizado jornais, programas de concerto, e atas,
localizados no arquivo da Biblioteca do Museu da UFPA, onde poderá se observar as influências políticas, a
educação musical, e a atuação das musicistas paraenses na capital.

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2. Historiografia, Mercado de Trabalho e Educação das Mulheres


A Escola dos Annales na década de 1930, vem trazer uma nova proposta para a escrita da história
que já não buscava mais a pesquisa embasadas em documentos oficiais e administrativos. Essa “nova
história” traz uma história interdisciplinas, voltada para os problemas, principalmente sociais, (FEBREV, 1953,
p. 3-43, apud, BURKE, 1992, p. 26). A Nouvelle Histoire propaga, nos permite estudar a história a partir de
novas fontes históricas. Segundo Mary Del Priore (1994, p. 12-13), podemos observar esse desenvolvimento
nos anos 1970, com o surgimento da História Social e a História das Mentalidades, investigando novos tipos
de fontes para a pesquisa da história das mulheres. Junto à esse período, observamos também, o crescimento
do movimento feminista ganhando visibilidade nos Estados Unidos, e em outras partes do mundo,
contribuindo e levantando discussões para a contribuição do surgimento da história das mulheres (SOIHET,
2007, p. 285).
Porém, para se investigar a história das mulheres, devemos entender o significado da palavra
“gênero”. “A palavra [gênero] indica uma rejeição do determinismo biológico implícito no uso de termos
como o “sexo” ou “diferença social” (SOIHET, 1997, p. 279). Em outras palavras, vem a ser uma maneira de
mostrar construções sociais relacionados aos papéis feminino e masculino, assim como suas relações de
poder, podendo entrar na discussão de raça e classe social, que não vem a ser o foco dessa pesquisa. Já a
autora Margareth Rago1, diz que está relacionado à “construção social e cultural de diferenças sociais”. No
Brasil, desde o período colonial, as mulheres tinham sua educação voltada para o lar e a família. Ana Carla
Oliveira (2012, p. 2) aponta que os chefes de famílias que tinham um certo poder econômico, enviavam suas
filhas para estudar em conventos em Portugal, onde aprendiam a ser uma boa esposa, mãe, e dona de casa.
Educação que continuou durante o Império e a República. A centralização da figura masculina, dita os moldes
da família patriarcal, pois todos os parentes e dependentes que estavam sob seu poder, deveriam ser
submissos (SCOTT, 2012, p.15-16). Entretanto, com o grande processo de modernização na República, os
valores da família começaram a ser postos em questão. Por exemplo, no casamento, os cônjuges passaram
a ter uma certa autonomia na escolha dos parceiros; e a entrada das mulheres no mercado de trabalho, com
o processo de industrialização. Neste momento, começam a surgir as políticas públicas, ditando as normas
de conduta social. O censo de 1920, apontado por Maria Izilda Matos e Andrea Borelli (p. 134, 2012), nos
mostra que “31% da população feminina acima de 21 anos e 14% com menos de 21 anos, tinha empregos
remunerados”, e que a participação no setor têxtil e de confecção era de 51%. Na virada dos séculos XIX e
XX, as mulheres entraram no mercado de trabalho, como operárias, cozinheiras, amas de leite, lavadeiras,
enfermeiras, costureiras, podendo optar pelo trabalho domiciliar - realizado nas suas próprias residências
para empresas. Na década de 30, há uma movimentação em prol do projeto de Lei Estatuto da Família
(SCHWARTZMAN, 1981, p. 2), que veio junto ao Ministério de Dr. Gustavo Capanema, por meio das propostas
que ele já vinha apresentando; também a consolidação das Leis Trabalhistas, e a permissão do voto feminino.

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O Estatuto previa a “restrição na admissão das mulheres nos empregos públicos e privados”, podendo ser
admitidas somente aos cargos que implicam à natureza feminina. O magistério, estava nos moldes aceitos
pela sociedade, no trabalho feminino. A política da transformação pela educação, proposta pelo Governo
Vargas, proporcionava uma valorização da mulher cumprindo com seu dever de cuidar e educar. Mas foi
somente na década de 40, que as mulheres conseguiram o direito de equiparação salarial aos dos homens,
licença-maternidade, e o direito de trabalhar sem a autorização do marido (MATOS; BORELLI, 2012, p. 141-
142). Entre as décadas de 20 e 40, têm-se uma diminuição dessa participação feminina no setor industrial,
principalmente após a Primeira Guerra Mundial, a ideia de que a mulher deveria dedicar-se ao lar e à
maternidade ganhou força, e fez com que os trabalhos exercidos por elas fossem associadas à “perdição
moral” (MATOS; BORELLI, 2012, p.133). A alternativa encontrada, estava no setor terciário. Passaram a atuar
no comércio, em empresas de telefonia, na contabilidade, datilografia, secretárias, balconistas, entre outros.
As outras áreas em que elas eram consideradas aptas para mulheres, são a Enfermagem, Farmácia,
Odontologia, e Magistério. São nos séculos XIX e XX, que vemos a música como um importante fator para a
inserção das mulheres no mercado de trabalho. Guilherme Barros (s.n, p. 2) aponta que os primeiros contatos
se dão principalmente no âmbito familiar, através dos salões (onde se organizavam saraus, bailes,
concertos...), num primeiro momento de forma particular, e em seguida abrindo portas para as reuniões da
burguesia. Já no século XX, principalmente por meio dos “fatores sociais e tecnológicos desempenharam um
papel fundamental na evolução da cultura musical” (GROUT; PALISCA, 1988, p. 697).

A boa educação de moral e bons costumes incluía preparar a mulher para ser
esposa e mãe, deste modo, o ensino do piano fazia parte da grade curricular das
escolas com o intuito de formar a mulher para a vida doméstica e social na
apresentação desta à sociedade. (CAMACHO, Vania, 2009, p.2)

Mesmo com a figura feminina bastante forte no canto, segundo Michelle Perrot (2008, p. 105), essa
“iniciação não devia conduzir nem a uma profissão nem à criação”. Em sua obra Minha História das Mulheres,
a autora traz nomes como o de Clara Schumann e Alma Mahler, ambas esposas de grandes compositores,
que sofreram preconceitos de seus companheiros, no qual as advertiam, por estarem rejeitando os códigos
sociais. Em Belém, esta situação não foi muito diferente, pois para “as mulheres, a música representava um
refinamento, uma preparação para um futuro casamento” (BARROS, BRAGA, MENEZES NETO, 2010, p. 29).

3. A Música e o Contexto Histórico


Bourdieu (1996, p. 227) argumenta, que deve-se relacionar o contexto histórico com a história do
campo discutido, neste caso, a música. Portanto, para que possamos entender as atividades musicais da
década de 1930, é preciso entender seu contexto histórico, bem como o contexto anterior. A música erudita

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teve sua inserção, através, primeiramente, dos jesuítas, à rotina dos povos indígenas sobre a necessidade
das celebrações religiosas (ESPERIDIÃO, apud AMATO, 2006, p. 26). Vicente Salles (1980, p.151) afirma, que
a música foi uma maneira de impor a cultura europeia sobre os índios e negros, juntamente às missões
religiosas. A música era uma forma de doutrinação. Desde o início do século XIX, um espécie de importação
cultural já vinha sendo feita, quando a Família Real veio com sua “comitiva de cantores italianos”,
promovendo temporadas líricas, levando ao surgimento das “Sociedades Musicais” (BARROS, s.n.) No
Segundo Império, Sandra Reis (1993, p. 272), aponta que a arte e a cultura teve grande investimento por
parte do Imperador Pedro II, promovendo um intercâmbio cultural que vai pesar na educação das elites. Para
Nazaré de Sarges (2000, p. 47), no fim do século XIX, a região amazônica estava diretamente ligada à Europa,
devido ao comércio e exportação, o que manteve sua relação distante do resto do país. Podemos citar, por
exemplo, a vinda de companhias líricas patrocinadas pelos barões da borracha, a vinda do maestro Carlos
Gomes, Devido ao boom econômico, causado pela exportação do látex, e as constantes relações comerciais
com o estrangeiro ainda na República, houve a formação de uma nova elite intelectual, adquirindo novos
hábitos. Essa mudança é perceptível com a construção de novos casarões inspirados no art noveau,
contratação de companhias artísticas europeias e brasileiras para o entretenimento, o surgimento de espaço
sociais como o Café Chic e Café da Paz, Companhias elétricas, Mercado Municipal do Ver-o-Peso, Fábricas e
outros. As atividades artísticas se davam em torno dos cafés (Chic, da Paz, Riche, Madri), Moulin Rouge, Chat
Noir, Cinema Olympia, e teatros (sendo o principal, Theatro da Paz), bem como as reuniões em salões e
missas solenes (CASTRO; SANTIAGO, 2010, p. 129). O início do século XX, foi marcado pelos grandes avanços
tecnológicos, que trouxe a rádio, a televisão, e o telefone, por exemplo. Isso fez com que, houvesse também
uma grande difusão da música, por esses meios, para os diversos públicos, de diversos gêneros
musicais (GROUT; PALISCA, 1988, p. 697). Uma das tendências musicais da primeira metade do século, foi a
“continuação do desenvolvimento de estilos musicais que utilizavam elementos das linguagens populares
nacionais” (GROUT; PALISCA, loc. Cit.).

4. Theatro da Paz
Como já visto anteriormente, o grande comércio da borracha na segunda metade do século XIX,
contribuiu para o aumento da economia na Província do Grão-Pará. Segundo Salles (1980, p. 237), a cidade
já sofria da necessidade de um novo teatro público que atendesse a exigente elite que estava se formando.
Por meio da Lei nº 426 de 19 de novembro de 1863, sancionada pelo presidente da província Francisco Carlos
Buarque de Araújo Brusque (1861-1863), as obras da construção do teatro (que teve seu início no governo
de Conde de Vila Flor em 1817)2, foram retomadas, visando a necessidade de um teatro que atendesse à
elite paraense. A planta escolhida para a construção do teatro, foi a do primeiro-tenente José Tibúrcio Pereira
de Magalhães, pelo presidente José Bento da Cunha Figueiredo. A planta, apresentava diversos erros,

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tornando necessária de alterações, que foram feitas pelo engenheiro Antônio Calandrini – no qual, assumiu
a direção da construção, logo após a ida de Tibúrcio Magalhães. O Theatro da Paz, foi então concluído em
1874, e devido à questões políticoeconômicas, só foi inaugurado em 1878, momento em que há um
crescimento artístico na cidade. Mesmo pertencendo ao período em que já há a comercialização da borracha,
sua arquitetura possui estilo neoclássico, e não o estilo art nouveau. Por ser um lugar luxuoso, Da Paz, era
destinado às elites locais, que pagavam ingressos caros e tinham que se vestir apropriadamente para ir às
apresentações (CASTRO; SANTIAGO, 2010, p. 129). Portanto, foi o espaço de maior importância na vida
artística e política da cidade de Belém.

5. Os Programas de Concerto
Maria Helena Capelato (1999, p. 116), afirma que podemos contribuir e “lançar novas luzes”,
pesquisando por meio de novas fontes, além de analisar o contexto histórico. Entretanto, desde que
saibamos criticá-las adequadamente. Para esta pesquisa, utilizamos recortes de jornais, e programas de
concerto. Os recortes de jornais e programas de concertos que serão destacados a seguir, datam do final da
década de 1930, e estão localizados na Coleção Alcebíades Nobre, na Biblioteca do Museu da UFPA. As
mesmas foram catalogadas por ano e com algumas anotações feitas pelo próprio Alcebíades.
5.1. A Festa da Pátria (1936)
O período Vargas, inspirando-se no fascismo e nazismo, utilizou-se o rádio, o cinema, os jornais, o
teatro, a música, a literatura, entre outros, como estratégia para a propagando política, objetivando
despertar o apoio das massas ao novo regime (CAPELATO, 1999, p. 167). A “Festa Cívica” que se organizou
em fevereiro de 1936 em Belém, tinha como objetivo despertar o sentimento das massas para o
patriotismo/nacionalismo em combate à ameaça comunista. Segundo o jornal Folha do Norte do dia 12 de
fevereiro de 1936, o programa foi transmitido ao vivo através da Rádio Clube do Pará, e pelo programa “Hora
do Brasil” do Rio de Janeiro, que “transmitido diariamente por todas as estações de rádio, com duração de
uma hora, visando à divulgação dos principais acontecimentos da vida nacional”4. Podemos observar a
presença de musicistas durante a festa. Oceanira Gomes - soprano dramática, foi aluna da pianista, cantora,
e compositora francesa Mme. Marcele Guamá - representando as mulheres em seu discurso. Maria Helena
Coelho – primeira aluna laureada, após a inauguração do Instituto Carlos Gomes em 1929 - com o grupo de
orfeões da Escola Barão do Rio Branco. E vemos também, Elbe Lima, uma criança, que já fazia parte desses
grandes eventos.
5.2. Musicistas com reconhecimento internacional na Amazônia (1936-1937)
Nos anos de 1936 à 1938, teremos a visita da pianista Guiomar Novaes (1937), e cantora Bidú Sayão
(1936). Vemos que o Pará estava importando artistas nacionais, reconhecidos internacionalmente. Além
disso, duas grandes musicistas daquele período. Guiomar, entra para o Conservatório Dramático de Paris em

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1909, com ajuda do governador Manuel de Albuquerque Lins. Para Rita Amato (2006, p. 30), a crítica norte-
americana a considerava uma das maiores pianistas do século XX. De acordo com a Folha do Norte, Guiomar
Novaes estava de passagem pela cidade, seguindo para fazer um concerto em Manaus, e logo depois voltaria
à Belém. Realizou-se o concerto no Theatro da Paz no dia 24 de 1937.
Bidú Sayão, um dos maiores nomes da ópera do século XX, iniciou seus estudos com 13 anos,
primeiramente nos teatros. Foi batizada pela mídia como “rouxinol brasileiro”, e se tornou uma grande
intérprete das músicas de Villa-Lobos5. Segundo Ulysses Nobre, em artigos no jornal Folha do Norte do mês
de novembro de 1936, Bidú foi bem recepcionada pela capital paraense, que consequentemente sentiu-se
honrada pela visita do “rouxinol”6. Tiveram-se dois concertos no ano de 1936. O primeiro nos dias 2 e 4 de
dezembro, e o segundo no dia 17 de dezembro.
5.3. Seiscentos Orfeões (1937)
O canto orfeônico foi um dos destaques na música dos anos 1930, mesmo quando já havia sido
trabalhado em anos anteriores. Teve como pioneiro, Guillaume Lousi Boucquillon Whilhem, implantando nas
escolas francesas em 1835. Enquanto que no Brasil, foi introduzido por João Gomes Jr., em 1912, no estado
de São Paulo. Em Belém,, foi indicado, Clemente Ferreira Júnior, pelo intendente Antônio José de Lemos, -
para a prática de canto coral – porém foi uma tentativa frustrada, segundo o Relatório de 1897/1902,
(SALLES, 2016, p. 156). O cântico escolar, como era chamado em Belém, teve sua prática restaurada em 1904,
por Lemos, tendo agora como responsável, Meneleu Campos. O Regulamento dos Cânticos Escolares
assinado por Virgílio Cardoso de Oliveira, anexado ao Relatório de Lemos. No artigo 1º do relatório de 1904,
observamos o que futuramente será chamado de canto orfeônico:

[...] terá sempre por fundamento a educação nacional, o incentivo ao trabalho, o


desenvolvimento de bons sentimentos – como a beneficência, a solidariedade, a
disciplina, o amor à ordem, etc., tudo, enfim, que possa bem despertar no espírito
das crianças sentimentos nobres e patrióticos. (OLIVEIRA, Virgílio, 1904 apud
SALLES, Vicente, 2016, p.156)

Essa prática será difundida pelo músico Heitor Villa-Lobos nos anos 30, como parte do projeto
nacional, chegando a “representar o Brasil no Congresso de Educação Musical, reunido em Praga” (YAGARA-
SOUSA, 2011, p.29). Foi no seu retorno que ele então cria a SEMA (Superintendência de Educação Musical e
Artística), responsável por organizar o ensino da música nas escolas primárias. É nesse cenário que as
musicistas paraenses vão aprender sobre esses métodos. Vamos destacar aqui, Margarida Schivazappa, que
chegou a fazer um estágio na SEMA, conhecendo os métodos de ensino de Villa-Lobos (SALLES, 2016, p.516).
Dentre uma das maiores apresentações de canto orfeônico organizado pela Margarida Schivazappa –
estudou no Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, estagiou na SEMA, se tornou uma das maiores
professoras de canto orfeônicos de sua geração -, temos um evento em homenagem ao Brasil, organizado
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no dia 4 de setembro de 1937, reunindo 600 crianças no Theatro da Paz, das escolas municipais Barão do Rio
Branco, Rui Barbosa, Benjamin Constant, Floriano Peixoto, José Veríssimo, Paulinho de Brito, Pedro II, Dr.
Freitas, e Vilhena Alves, cantando o Hino da Independência de Villa-Lobos.

6. Conclusão
O presente artigo, teve como objetivo, contribuir para as pesquisas sobre os anos 30, e história da
música no Pará, por meio da discussão sobre o papel da mulher e sua relação com a música em Belém. Além
de observar, sua participação no meio musical do Theatro da Paz, considerado um espaço importante para
cidade, ainda hoje. Buscou-se também, compreender e relacionar as influências político-sociais e contexto
histórico vivido no período entre guerras, sobre o Brasil, e consequentemente, o Pará. Verificando suas
contribuições para o cenário e intercâmbio musical, principalmente através dos programas de concerto como
um tipo de fonte, recentemente usada em pesquisas voltadas para a música. Compreendeu-se, que as
mulheres, tiveram a música, como um meio de entrar no mercado de trabalho como professoras e musicistas,
visto que, muitas vieram a se tornar professoras no Instituto Carlos Gomes, além de receber uma bolsa de
estudos no Conservatório de Canto Orfeônico. Observamos, que mesmo com o papel voltado para o lar,
como era imposto pelo Estado e Sociedade, conseguiram seguir carreira na música, como por exemplo, as
musicistas da família Nobre, que até hoje, continuam ligadas à música.

Referências

Acervo Vicente Salles – Museu da UFPA


Jornais:
FOLHA DO NORTE. Belém, 9 de fevereiro de 1936.
FOLHA DO NORTE. Belém, 11 de fevereiro de 1936.
FOLHA DO NORTE. Belém, 12 de fevereiro de 1936.
FOLHA DO NORTE. Belém, 13 de fevereiro de 1936.
FOLHA DO NORTE. Belém, 29 de novembro de 1936.
FOLHA DO NORTE. Belém, 25 de novembro de 1936.
O ESTADO DO PARÁ. Belém, 27 de novembro de 1936.
FOLHA DO NORTE. Belém, 21 de fevereiro de 1936.
FOLHA DO NORTE. Belém, 4 de setembro de 1936.

Programas de Concerto:
BIDÚ SAYÃO. Belém: Programa de Concerto do Theatro da Paz, 2 e 4 de dezembro de 1936.
GUIOMAR NOVAES. Belém: Programa de Concerto do Theatro da Paz, 24 de fevereiro de 1937.

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PERFORMANCE - COMUNICAÇÕES

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Sonata Op. 61 “Delírio” de Glauco Velásquez: proposta de construção de


performance

Éverton Rodrigo Amorim


everton.amorim@usp.br

Eliane Tokeshi
eliane@usp.br

Resumo: Este artigo apresenta trechos de uma pesquisa dedicada a compreender


e fornecer subsídios para a construção da performance da Sonata “Delírio” Op. 61
para violino e piano de Glauco Velásquez. A pesquisa revela uma escrita,
característica do compositor, marcada pela complexidade harmônica, rítmica e
contrapontística que dificulta a compreensão e as decisões interpretativas, além de
uma unidade musical construída por meio de desenvolvimento motívico. São
expostas escolhas interpretativas que procuram alinhar o pensamento
instrumental do intérprete às intenções musicais do compositor.
Palavras-chave: Glauco Velásquez; Sonata Op.61 “Delírio” para violino e piano;
Construção da Performance.

Abstract: This article presents excerpts of a research dedicated to understand and


to provide subsidies for the performance creation process of the Sonata “Delírio”
Op. 61 by Glauco Velásquez. The research reveals Velásquez’s writing characterized
by harmonic, rhythmic and contrapuntal complexity that encumbers the
comprehension and interpretative decisions, and also a musical work united
through motivic development. The presented interpretative choices aim to align
instrumental aspects of the performer with composer´s musical intentions.
Keywords: Glauco Velásquez; Sonata Op.61 “Delírio” for violin and piano;
Performance creation.

1. Introdução
Esse artigo é um recorte de uma pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Música
da Universidade de São Paulo, e tem o intuito de apresentar a Sonata “Delírio” Op. 61 para violino e piano
de Glauco Velásquez (1884-1914) sob a perspectiva do intérprete. Buscou-se abordar a obra de maneira a
evidenciar as características que são relevantes ao intérprete de violino, bem como fornecer subsídios
disponíveis para a construção da performance.

2.Glauco Velásquez: breve perspectiva


Oscar Guanabarino (1851-1937), importante e acatado crítico musical do Rio de Janeiro do início do
século XX, ao tratar da obra de Glauco Velásquez sugeriu que o compositor rejeitasse certas peças que em
sua concepção, “não apresenta[va]m um seguimento, um curso de ideias musicais bem delineadas,
aparentando ligações de frases colhidas ao acaso ou em ocasiões diferentes” (GUANABARINO apud

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CARNEIRO; NEVES, 2002, 33). Em resposta à crítica sobre sua música, Velásquez afirma que “A um poema
d’alma cujas diversas partes formam um todo perfeitamente lógico unido (e que se toca) eu chamo também
Sonata” (VELÁSQUEZ apud CARNEIRO; NEVES, 2002, 53).
A evidente contradição verificada entre as visões do crítico e do compositor não são um caso isolado,
uma vez que a recepção da obra de Velásquez foi marcada pela polêmica. O campo mais progressista do
meio musical carioca o acolheu calorosamente, enquanto os setores mais conservadores teceram severas
críticas ao estilo do jovem compositor, com especial atenção ao aspecto formal em sua música. Em uma
primeira leitura da Sonata Op. 61 “Delírio”, o intérprete pode até concordar com a posição de Oscar
Guanabarino. O senso de instabilidade e fragmentação é acentuado pelo complexo cromatismo derivado da
presença de notas ornamentais tanto na melodia quanto na harmonia, sintaxe harmônica não funcional
decorrente de movimentos lineares das vozes resultando em sequências harmônicas imprevisíveis e uso de
textura contrapontística densa. No entanto, através de uma abordagem mais aprofundada, a obra mostra-
se coerente e baseada em um processo de variação motívica derivado da sonata cíclica do qual Velásquez se
apropriou e utilizou como elemento unificador nessa peça. Tal processo, que consiste na reutilização de
fragmentos melódicos e padrões intervalares de maneira repetitiva ao longo dos movimentos da peça, é
encontrado em diversos compositores do período imediatamente anterior a Velásquez, mas podemos dizer
que Velásquez se inspira principalmente no estilo de César Franck (1822-1890). De fato, ao tratar da
receptividade da escola de César Franck no meio musical brasileiro, o musicólogo José Aranha Corrêa do Lago
considera que “O ápice dessa influência no Brasil é principalmente encontrado na obra de Glauco Velásquez”
(LAGO, 2010, 32).
A catalogação mais recente, realizada pelo musicólogo José Maria Neves, revela que Velásquez
deixou 131 obras apesar de sua breve carreira. Dentre estas destacamos as 18 obras para violino e piano,
que incluem 2 importantes Sonatas (CARNEIRO;NEVES, 2002, 24), ambas estreadas pela violinista
Paulina d’Ambrósio, que foi sua intérprete predileta (BOSÍSIO, 1996, 34). Apesar de pouco executadas1,
elas enriquecem o repertório do violino brasileiro e merecem maior divulgação por representarem
importante linguagem estilística e explorarem a expressividade dos instrumentos de forma idiomática.
Compostas em um momento importante da música brasileira, considerado uma preparação para
o Modernismo (LAGO, 2010, 30), as obras foram esquecidas após o estabelecimento do Movimento
Modernista por não apresentarem nenhum elemento nacionalista, sendo o compositor objeto de

1
Não foram encontrados indícios de que as sonatas tenham sido executadas após a extinção da Sociedade Glauco Velásquez em 1918, e as partituras
das obras encontravam-se inéditas até 2010, quando foram publicadas pela violinista Mariana Isdebski Salles, professora da Uni-Rio, em uma edição
disponibilizada pelo site do SESC. Os manuscritos apresentam-se em várias cópias distribuídas entre a Biblioteca Alberto Nepomuceno, da Escola de
Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, e a Divisão de Música da Biblioteca Nacional, ambas na cidade do Rio de Janeiro.

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ataques por parte de Mário de Andrade (ANDRADE, 1972, 162) por apresentar em sua obra uma total
ausência de preocupação com um projeto de música nacional (LAGO, 2010, 33). Essas peças, com
influência do pós-wagnerianismo francês via César Frank e Vincent D'Indy, apresentam momentos de
suspensão da tonalidade semelhantes aos encontrados nas primeiras obras, ainda tonais, de Schoenberg
(LAGO, 2010, 30).
A receptividade contraditória de sua obra, que foi ao mesmo tempo duramente atacada e
apaixonadamente defendida, parece descrever o momento que se vivia, marcado pelas disputas entre os
defensores da música tradicional e os partidários da música moderna. No entanto, a música de Velásquez,
que trazia elementos inovadores, era de cunho extremamente íntimo e pessoal, não se prestando a qualquer
manifestação nacionalista. Talvez seja exatamente essa ausência de comprometimento com a causa
nacionalista, movimento artístico predominante no período, juntamente à sua morte precoce, a principal
razão para o esquecimento de sua obra, que passou a ser retomada apenas no final do século XX.

3.Sonata Op. 61 de Velásquez: aspectos relevantes para o intérprete


Ao iniciar o estudo da Sonata Op. 61, “Delírio”, de Velásquez, o intérprete vê-se desafiado a
compreender um discurso musical rebuscado, rico em ornamentações e com um contraponto bastante
intrincado que torna a interpretação da partitura bastante complexa, principalmente em relação à
compreensão da função e relação entre as diferentes vozes.
Na Sonata Op. 61 podemos observar a maneira como o autor utiliza o procedimento de variação
motívica para conferir unidade à peça. Neste aspecto, a diferença marcante entre Velásquez e César Franck
reside no fato de que este utiliza seus motivos de maneira mais completa nas variações, enquanto Velásquez
opta por uma fragmentação maior, trabalhando com padrões rítmicos ou intervalares que remetem aos
motivos já apresentados. Identificar essas reaparições de fragmentos motívicos na obra de Velásquez é um
desafio e uma condição indispensável a uma boa compreensão da peça. Além disso, para uma interpretação
coerente dessa Sonata, é necessário utilizar recursos interpretativos que evidenciem a recorrência desses
elementos, destacando-os de um contexto geral para que a memória auditiva do ouvinte os relacione a
eventos anteriores da peça.
3.1 Primeiro Movimento: Moderato
O primeiro movimento da Sonata Op. 61 de Velásquez apresenta-se em forma sonata, na qual as
seções são claramente delimitadas pelo compositor através de barras duplas. A tabela a seguir ilustra as
subdivisões desse movimento:

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Seção Compassos
Exposição 1-29

Desenvolvimento 30-71
Recapitulação 72-83
Coda 84-89
Tabela 1: Organização formal do 1o Mov. da
Sonata Op. 61 de Glauco Velásquez.

A abertura da sonata ocorre na tonalidade de Lá Maior, em compasso ternário. O tema principal, que
fornece elementos para a construção de toda a obra, é apresentado nos primeiros compassos (Fig. 1), na
linha melódica da clave de sol do piano, na forma de uma melodia acompanhada.

Figura 1: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 1º Mov. Comp. 1-4.
Tema principal da Sonata na voz mais aguda da clave de sol.

As duas próximas aparições desse tema na linha do violino (Fig. 2a e 3b) já ocorrem com variações
rítmicas, melódicas e alteração de textura. No compasso 7, o tema é reapresentado pelo violino após um
diminuendo, acompanhado por contracanto e arpejos na parte do piano. Nessa primeira intervenção do
violino optamos por realizar os compassos 7 e 8 exclusivamente sobre a corda Lá, para obter uma sonoridade
diferenciada (Fig. 2b), em função da indicação espressivo sempre e da dinâmica mezzo piano. Evitando a
corda Mi, elimina-se o componente metálico do som enquanto a corda Lá, por possuir maior diâmetro,
apresenta uma sonoridade que poderia ser descrita como mais aveludada.
Ao discutir questões relativas a dedilhados, Josef Szigeti (1892-1973) enfatiza que o violinista deve
realizar escolhas baseadas no resultado sonoro, buscando evidenciar as intenções do compositor:

“O violinista deve cultivar uma grande sensibilidade a mudanças bruscas no timbre,


causadas por dedilhados baseados em conveniência e conforto em detrimento das
vontades prováveis ou manifestas do compositor. Quase todas obras

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contemporâneas mostram como determinados compositores geralmente buscam


utilizar certas cordas para obter os efeitos desejados” (SZIGETI, 1979, 52).2

Outro elemento que influenciou essa decisão foi o fato de que essa segunda apresentação
do tema, realizada uma terça abaixo em relação ao início da peça, é atingida a partir de um
cromatismo ascendente com as indicações allargando e diminuendo que sugerem uma continuação
delicada na entrada do violino, mais característica da corda Lá do que da corda Mi.

Figura 2a: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 1º Mov. Comp. 6-8.

Figura 2b: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 1º Mov. Comp. 7-8.
Sugestão de dedilhado para execução do trecho sobre a corda Lá.

No compasso 13 ocorre uma nova apresentação do tema na parte do violino, desta vez em um
registro mais agudo e com o acompanhamento mais estático, onde os arpejos são substituídos por acordes
em uma textura mais vertical (Fig. 3a). Optou-se por executar esse trecho apenas na corda Mi (Fig. 3b),
buscando-se com essa escolha maior homogeneidade de timbre e melhor legato do que se fosse executado
com alternância entre as cordas Lá e Mi.

Figura 3a: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 1º Mov. Comp. 13-15.
Tema principal reapresentado na parte do violino.

2
“The player should cultivate a seismograph-like sensitivity to brusque changes of tone color caused by fingerings based on expediency and comfort
rather than the composer´s manifest or probable intentions. Almost any contemporary work will show how particular composers generally are about
the use of certain strings for certain intended effects.” Tradução nossa.

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Figura 3b: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 1º Mov. Comp. 13-15.
Tema principal reapresentado na parte do violino, com sugestão de dedilhado.

As três versões do tema principal da sonata expostas acima fornecem o material que será
desenvolvido em toda a obra. Fragmentos dessas versões são utilizados em todos os movimentos e
contribuem para a coesão e unidade da peça.
Outro elemento temático importante é introduzido no compasso 19 (Fig. 4a). Além de ser
reutilizado ainda no primeiro movimento, ele fornece material rítmico-melódico para o início do
terceiro movimento, como veremos adiante.

Figura 4a: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 1º Mov. Comp. 19.

Em relação ao dedilhado, a opção por executar esse elemento apenas em uma corda (Fig. 4b) foi a
mais efetiva em relação à conexão entre as notas e homogeneidade de timbre.

Figura 4b: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 1º Mov. Comp. 19.
Sugestão de dedilhado para a execução sobre a corda Ré.

3.1.2 Desenvolvimento
A maneira como Velásquez organiza essa seção é baseada na retomada de elementos da Exposição,
introdução de novos materiais e variações. Ele inicia o Desenvolvimento alterando a indicação de andamento
de Moderato para Lento no compasso 30 (Fig. 5).

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Durante a preparação para a performance, compreendemos que as notas Fá#-Sol (segundo tempo
do comp. 29) preparam e antecipam a entrada do tema do violino, com as mesmas notas no compasso
posterior. A opção por enfatizar essa relação sugeriu escolhas no âmbito de andamento, utilizando a
proporção entre as colcheias em ritenendo do segundo tempo do compasso 29 como referência para a
proporção entre as semínimas no novo andamento Lento, como se as notas do violino fossem uma
reverberação ou memória das notas do piano. Dessa maneira, o resultado constituiu-se como se o piano
concluísse uma ideia de maneira enfática e incisiva e, logo em seguida, o violino retomasse, com certa
petulância, o final dessa ideia e sugerisse um novo caminho, uma continuação para o discurso utilizando
como ponto de partida o término da sentença anterior.
Como não há alteração de dinâmica indicada na partitura, iniciamos a parte do violino na mesma
dinâmica forte em que o piano terminou, e utilizamos o movimento cromático descendente para realizar um
decrescendo e chegar à dinâmica pp do compasso seguinte.

Figura 5: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 1º Mov. Comp. 29-31.
Transição entre a Exposição e o Desenvolvimento.

No compasso 40 ocorre, na parte do violino, a primeira aparição de um tema (Fig. 6) que


será importante na construção do terceiro movimento. Embora sua ocorrência no primeiro
movimento não seja aparentemente de grande relevância, ele deve ser notado em função do papel
que assume quando retomado no movimento final da peça.

Figura 6: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 1º Mov. Comp. 40-41.
Tema que será reutilizado no terceiro movimento.

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3.1.3 Recapitulação
Essa seção consiste na retomada do tema inicial (Fig. 1), desta vez com a participação do violino (Fig.
7). Embora a retomada do tema inicial seja quase literal, observamos a diferença de andamento, com a
marcação de Moderato no início da Exposição e Mosso na Recapitulação. Também as indicações de dinâmica
e caráter no início são dolce e molto legato sem dinâmica estabelecida, enquanto na Recapitulação temos
molto espressivo e piano e crescendo. Além disso, na Exposição esse tema é apresentado pelo piano apenas,
enquanto na Recapitulação temos o violino atuando no retorno desse tema, com a colaboração do piano que
enfatiza as notas mais importantes da melodia. Todos esses elementos sugerem uma execução de caráter
mais intenso e agitado do que o início, que pode ser obtido no violino utilizando um vibrato constante de
alta frequência e grande amplitude, além de arcadas em legato com muita velocidade e peso.

Figura 7: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 1º Mov. Comp. 71-74.
Recapitulação, onde o violino executa a melodia apresentada pelo piano na exposição.

No compasso 79 da Recapitulação o compositor retoma também o elemento apresentado no


compasso 19 da Exposição (Fig. 4a), aproximando-o do tema principal variado (Fig. 8).

Figura 8: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 1º Mov. Comp. 77-79.
Retomada de um dos temas da exposição, no compasso 79.

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3.1.4 Coda
Uma pequena Coda em andamento mais lento encerra o movimento, com a última aparição do tema
inicial na clave de sol do piano (Fig. 9).

Figura 9: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 1º Mov. Comp. 84-87.
Última aparição do tema principal, no compasso 84 na clave de sol do piano.

O discurso musical nesse movimento é baseado na repetição de motivos e no contraste entre


seções de melodia acompanhada e seções de caráter recitativo, predominando a articulação em
legato, resultante da utilização quase exclusiva de traços e ligaduras. A única exceção ocorre no
compasso 86 (Fig. 9) com a utilização de um sinal de cunha, na nota fá. O conjunto de informações
na partitura e o discurso musical desenvolvido até esse momento sugerem que a cunha deva ser
compreendida como elemento expressivo e ser executada com grande ênfase através de ataque
pelo arco e pelo vibrato.
Esse efeito pode ser obtido através do arco executando-se o início da arcada com grande
velocidade e pressão, utilizando o que o violinista Lucien Capet (1873-1928) descreveu como uma
“fisgada dos dedos na baqueta” (CAPET, 1916, 51), seguido de diminuição do peso e da velocidade
de tal maneira que o início da nota soe acentuado e enfático. Simultaneamente, o vibrato deve ter
maior amplitude e frequência no início da nota, seguido também de diminuição desses parâmetros
ao longo da duração da mesma. A coordenação do ataque do arco com a maior amplitude e
frequência do vibrato no início da nota produz um efeito de grande expressividade, conferindo ao
trecho a carga dramática compatível com as indicações de expressão na partitura.

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3.2 Segundo Movimento: Lento espressivo


Esse movimento apresenta uma forma canção típica A-B-A’. Também possui as seções bem
demarcadas e facilmente identificáveis. Podemos organizar as seções ABA’ desse movimento na tabela a
seguir:

Seção Compassos
A 1-7
B 8-36
A’ 37-42
Tabela 2: Organização formal do 2o Mov. da
Sonata Op. 61 de Glauco Velásquez.

A melodia principal desse movimento (Fig. 10) é iniciada por uma sequência de três notas longas que
possuem um parentesco intervalar com a melodia principal do primeiro movimento, sendo derivada do
terceiro tempo do compasso 1 e primeiro tempo do compasso 2 (Fig. 1).

Figura 10: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 2º Mov. Comp. 1-6.
Três notas iniciais da parte do violino derivadas do tema principal do primeiro movimento.

Após a conclusão dessa melodia no compasso 7, começa a parte B. A figuração melódica descendente
na voz mais aguda do piano que inicia a seção B (Fig. 11) terá reflexos no terceiro movimento, como veremos
na sequência.

Figura 11: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 2º Mov. Comp. 7-9.
Contorno melódico da voz mais aguda no compasso 8 que será reutilizado no terceiro movimento.

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No compasso 29 está localizado o ponto culminante do movimento, com a dinâmica mais


intensa na retomada de um trecho da melodia do início desse movimento (Fig. 12), com material
derivado do tema inicial do primeiro movimento (Fig. 1).

Figura 12: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 2º Mov. Comp. 27-30.
Ponto culminante do movimento, com retomada da melodia do inicial.

Para efeito de contraste, optamos por executar com dedilhados distintos a melodia principal
desse movimento quando ela aparece no início e em sua retomada no retorno da parte A’. No início
temos a indicação de dinâmica pianíssimo e um acompanhamento estático no piano, com acordes
em cada compasso. Por isso, nesse momento, utilizamos um dedilhado que abrange as cordas Sol e
Ré auxilia a conferir ao trecho o caráter simples e contido que lhe são inerentes (Fig. 13a).

Figura 13a: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 2º Mov. Comp. 1-4.
Sugestão de dedilhado utilizando cordas Sol e Ré no início do movimento.

Quando a melodia inicial é reapresentada no final do movimento, o contexto é diferente. O


acompanhamento do piano é mais contrapontístico, as dinâmicas estão em patamar mais elevado e o
discurso realizado até esse momento sugere um caráter mais agitado e intenso que no início. Por essas
razões utilizamos um dedilhado que permitiu a execução dessa melodia apenas na corda Sol,
proporcionando um som mais encorpado e escuro do que a corda Ré. Além disso, esse dedilhado
favorece o uso de um vibrato mais amplo que intensifica a dramaticidade da melodia (Fig. 13b).

Figura 13b: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 2º Mov. Comp. 36-38.
Sugestão de dedilhado para a reapresentação da melodia inicial na corda Sol.

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3.3 Terceiro Movimento: Agitato


A maneira como Velásquez distribui as ideias e organiza discurso musical nesse movimento tornam
a interpretação bastante complexa. Porém, uma observação cuidadosa que mostra que os materiais
utilizados na construção desse movimento são derivados do primeiro e segundo movimentos, auxiliando sua
compreensão.
O movimento apresenta-se dividido em quatro seções, em uma forma A-B-A´ finalizada por uma
pequena Coda, segundo a tabela a seguir:

Seção Compassos

A 1-16

B 17-133

A´ 134-151

Coda 152-158
Tabela 3: Organização formal do 3o Mov. da
Sonata Op. 61 de Glauco Velásquez.

A seção A é construída com base em dois elementos temáticos extraídos do primeiro movimento. No
compasso 2 (Fig. 14) podemos observar como o fragmento utilizado é diretamente derivado do padrão
rítmico e intervalar de tercina descendente seguido de quiálteras de sete semicolcheias do elemento
apresentado no compasso 19 do primeiro movimento (Fig. 4a).

Figura 14: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 3º Mov. Comp. 1-2.
Início do terceiro movimento, retomada de elemento rítmico-melódico do primeiro movimento.

Ainda na primeira seção (Fig. 15), observamos a reutilização de um fragmento derivado do compasso
14 do primeiro movimento (Fig. 3a) que pontua o discurso nos compassos 3, 4 e 7. Esse mesmo fragmento
também reaparece nos compassos 36 e 37 do segundo movimento (Fig. 16).

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Figura 15: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 3º Mov. Comp. 1-9.
Retomada de fragmento melódico do primeiro movimento nos compassos 3, 4 e 7 indicados por setas.

Figura 16: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 2º Mov. Comp. 33-37.
Nos compassos 36 e 37, fragmento melódico derivado do compasso 14 do primeiro movimento.

O início da seção B, demarcado pela mudança de andamento de Agitato para Lentamente, também
faz uso de material derivado do primeiro movimento. No compasso 17 (Fig. 17) podemos observar um trecho
melódico baseado no compasso 40 do primeiro movimento (Fig. 6).

Figura 17: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 3º Mov. Comp. 16-18.
No compasso 17, na parte do violino, fragmento melódico retomado do compasso 40 do primeiro movimento.

Nessa seção central, o compositor retoma diversos elementos do primeiro e segundo


movimentos que reaparecem variados e fragmentados, e ajudam a pontuar o discurso sendo que,
em alguns casos, o compositor utiliza apenas dois ou três intervalos para fazer referência a um
elemento já utilizado.

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O retorno da seção A, Agitato ed energico, ocorre no compasso 134. Porém, após uma breve
lembrança dos primeiros compassos, o compositor já prepara o ponto culminante do movimento.
Através de uma sequência ascendente (Fig.18) baseada no tema inicial (Fig. 3a), Velásquez conduz
ao clímax desse movimento no compasso 147, com um fragmento do tema inicial (Fig. 3a) na
tessitura mais aguda, em oitavas e na dinâmica mais intensa de toda a obra (Fig. 19).

Figura 18: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 3º Mov. Comp. 145 e146. Sequência baseada em
fragmento melódico derivado de tema do primeiro movimento.

Figura 19: Glauco Velásquez, Sonata para Violino e Piano Op. 61, 3º Mov. Comp. 147-148. Ponto culminante do
terceiro movimento, retomada de um fragmento melódico do primeiro movimento.

4. Conclusão
Na Sonata Op. 61 podemos observar a maneira como o autor utiliza o procedimento de
variação motívica para conferir unidade à peça, trabalhando com padrões rítmicos ou intervalares
que remetem aos motivos já apresentados. Identificar essas reaparições de fragmentos motívicos
na obra de Velásquez é, como dissemos acima, um desafio e uma condição indispensável a uma
compreensão adequada da peça. No entanto, para uma interpretação coerente dessa Sonata, é

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necessário utilizar recursos interpretativos que evidenciem a recorrência desses elementos,


destacando-os de um contexto geral para que a memória auditiva do ouvinte os relacione a eventos
anteriores da peça.
As escolhas interpretativas passaram pela utilização do vibrato para moldar as frases e
revelar o caráter expressivo, dedilhados que evidenciassem uma referência melódica através da
manutenção de um timbre mais homogêneo em determinados trechos, escolhas de arcadas que
permitiram uma acentuação condizente com o contexto e uma manipulação do elemento temporal
que tornasse o discurso inteligível.
Embora apresente formações de tríades em todos os seus movimentos, a percepção da
tonalidade na Sonata Op. 61 é bastante difusa. As possíveis tonalidades são atingidas ou
abandonadas quase sempre sem cadências ou preparações, e muitas vezes aparecem em um
contexto contrapontístico e extremamente cromático como resultado da condução das vozes. Além
da pequena quantidade de cadências, as regiões tonais atingidas que poderiam estabelecer uma
tonalidade nunca permanecem estáveis por tempo suficiente para serem percebidas como tais, uma
vez que o compositor transita muito rapidamente por acordes que pertenceriam a regiões tonais
distintas.
Embora esse comportamento possa significar uma busca por emancipação em relação ao
sistema tonal, a Sonata Op. 61 apresenta vários resquícios de tonalidade em trechos que funcionam
como pilares de sustentação ao discurso não tonal. Dessa forma, mesmo que o interior dos
movimentos não possibilite uma aferição clara de tonalidade, nos inícios e finais de cada movimento
temos acordes completos que indicam as tonalidades de Lá Maior para o Primeiro Movimento, Ré
Maior para o Segundo Movimento e Dó Maior para o Terceiro Movimento.
É possível dizer que, nessa Sonata, Velásquez utiliza uma base tonal para delimitar as seções
e estruturar os movimentos, o que é bastante claro observando o início e o final de cada movimento.
Essa tonalidade sugerida serve, no entanto, como uma espécie de porto seguro para o retorno após
as muitas sucessões de acordes que, na maioria das vezes, não se encaixam nas progressões tonais
tradicionais, além do intenso cromatismo que ocorre nas partes centrais dos movimentos. A
impressão geral é que a tonalidade possui uma função estrutural, como delimitadora de seções nos
vários movimentos, e que os acordes atuam como pilares de sustentação para um discurso que não
segue um plano tonal.

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As características composicionais de Velásquez apresentadas nesse artigo constatadas na


Sonata Op.61 como desenvolvimento motívico, complexidade rítmica, contrapontística e harmônica
foram fundamentais para a compreensão da obra possibilitando consequentemente a exploração
imaginativa necessária para a construção da performance. Esperamos, com esse trabalho, expor
caminhos possíveis para o embasamento de uma interpretação e colaborar para divulgação de obra
marcante do repertório violinístico brasileiro.

Referências

ANDRADE, Mario de. Ensaio sobre a música brasileira. 3ª edição. São Paulo: Livraria Martins Editora S.A.,
1972.

BOSÍSIO, Paulo. Paulina D'Ambrósio e a modernidade violinística no Brasil. Dissertação (Mestrado em Música)
- Escola de Música, UFRJ, Rio de Janeiro, 1996.

CAPET, Lucien. Superior Bowing Technique. [s.l.]: Encore Music Publishers, 2004.

CARNEIRO, Maria Cecília Ribas; NEVES, José Maria. Glauco Velásquez. Rio de

Janeiro: Enelivros, 2002.

LAGO, Manoel Aranha Corrêa do. O Círculo Veloso-Guerra e Darius Milhaud no Brasil: Modernismo musical
no Rio de Janeiro antes da Semana. Rio de Janeiro: Reler, 2010.

LAGO, Manoel Aranha Corrêa do. “’Glauco Velásquez’: uma conferência de Darius Milhaud”. Revista
Brasileira de Música – Programa de pós-graduação da Escola de Música da UFRJ, Rio de Janeiro, volume 23/1,
p. 93-106, 2010.

LAGO, Manoel Aranha Corrêa do. O Boi no Telhado: Darius Milhaud e a música brasileira no modernismo
francês. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2012.

SZIGETI, Joseph. Szigeti on the Violin. New York: Dover Publications, Inc. 1979.

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Três Estudos para Trompete e Piano do compositor José de Lima Siqueira: analise
estrutural e dificuldades técnicas encontradas pelo trompetista no primeiro
estudo da obra

Márcio Borges Barboza


marcioewal@gmail.com
Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Ranilson Bezerra de Farias

Resumo: O presente trabalho apresenta a estrutura formal da obra Três Estudos


para Trompete e Piano de José de Lima Siqueira, buscando sanar como
problemática a interpretação do primeiro movimento da obra. Como objetivo
apresentar sua estrutura formal, material composicional, bem como apontar suas
dificuldades técnicas e possíveis resoluções no primeiro movimento. Para uma boa
compreensão deste trabalho, foram apresentados os sistemas Trimodal e
Pentatônico sistematizados por José Siqueira. Para tanto, buscamos a
fundamentação teórica nos determinados autores: Farias (2013), Ribeiro (1963) e
Siqueira (1981). Concluímos que o presente artigo demonstra resultados relevantes
que realça a importância do compositor para o repertório trompetístico, assim
como para com os objetivos do performer.
Palavras-chave: José Siqueira. Trompete. Três Estudos. Sistema Trimodal. Sistema
Pentatônico.

Abstract: This paper presents the formal structure of the work Three Studies for
Trumpet and Piano of the José de Lima Siqueira, seeking to remedy problems as the
interpretation of the first movement of the work. Aims to present its formal
structure, compositional material, and to identify their technical difficulties and
possible resolutions in the first movement. For a good understanding of this work
were presented Trimodal and pentatonic systems systematized by José Siqueira.
Therefore, we seek a theoretical basis in certain authors: Farias (2013), Ribeiro
(1963) and Siqueira (1981). We conclude that this article shows relevant results that
emphasizes the importance of this composer for trompetístico repertoire, as well
as with the performer's objectives.
Keywords: José Siqueira. Trumpet. Three Studies. Trimodal System. Pentatonic
System.

1. José Siqueira: O Sistema Trimodal na música folclórica do Brasil


José Siqueira no decorrer de sua vida demonstrou total interesse em inserir em suas obras elementos
musicais que traduzissem uma linguagem de caráter pátrio. Esta atitude o caracteriza como um compositor
nacionalista, preocupado em expressar em sua música, aspectos de sua cultura. BENNETT – 1986 que
descreve um compositor nacionalista da seguinte maneira:

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Um compositor é considerado ‘nacionalista’ quando visa deliberadamente


expressar, em sua música, fortes sentimentos por seu país, ou quando, de certo
modo, nela imprime um caráter distintivo através do qual sua nacionalidade se
torna facilmente identificável. Os principais meios por ele utilizados para atingir tais
objetivos são o uso de melodias e ritmos do folclore de seu país e o emprego de
cenas tiradas do seu dia a dia, das lendas e histórias da sua terra, como base para
óperas e poemas sinfônicos. (BENNETT, 1986, p. 64).

A busca por materiais composicionais que pudessem exprimir uma identidade nacional o levou a
realizar experiências, utilizando elementos rítmicos e melódicos encontrados na música e no folclore da Região
Nordeste brasileira. Segundo FARIAS - 2013. “Esse material coletado e estudado se transformou
posteriormente em publicações de cunho didático, como, por exemplo, O Sistema Modal na Música Folclórica
do Brasil (SIQUEIRA, 1981a) e Sistema Pentatônico Brasileiro (SIQUEIRA, 1981b)”. Ainda segundo
FARIAS:

Para uma melhor compreensão do trabalho de Siqueira, é necessário aprofundar


no conhecimento de sua obra a partir da percepção dos aspectos básicos e
estruturais, do funcionamento e emprego dos referidos sistemas, uma vez que [...],
eles possibilitam novas perspectivas melódico-harmônico. (FARIAS, 2013, p. 57).

A criação do Sistema Trimodal de José Siqueira foi uma tentativa de “organizar a maneira nacional
de compor”, especialmente no tocante ao parâmetro altura, utilizando os modos e escalas encontrados na
tradição do folclore nordestino. (SILVA. 2103, p. 29).A autora ressalta ainda que:

Em seu livro O Sistema Modal na Música Folclórica do Brasil, José Siqueira identifica
seis procedimentos e materiais que os compositores brasileiros utilizavam para
conferir caráter nacional a suas obras: Figurações rítmicas características dos povos
do Brasil; Temas ou melodias do folclore nacional; Acompanhamentos típicos da
cultura popular; Contraponto observado na música popular brasileira;
Instrumentos de percussão nacionais; textos de origem indígena ou negra (SILVA,
2013, p.29).

A região Nordeste, rica por seu folclore e manifestações artísticas, abriga uma gama de possibilidades
musicais, bastante exploradas por compositores nacionalistas, que extraem dessa cultura materiais diversos.
A música dos violeiros, o canto do vaqueiro e o lamento dos cegos nas portas das igrejas, são exemplos de
materiais primários que podem ser utilizados na composição de suas obras. Neste sentido, Siqueira ressalta
a importâncias desses elementos, para desenvolver o que ele chamou de sistema trimodal:

“É sem dúvida nas cantigas de cego que vamos encontrar um grande potencial
melódico tipicamente brasileiro. Elas são tristonhas e geralmente calcadas nas
escalas nordestinas em que nos baseamos para erigir o Sistema Trimodal Brasileiro.

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Aliás tais escalas são freqüentes tanto nas cantigas de cego, como nos pregões, nos
aboios, nos desafios e nos acalantos” (SIQUEIRA, 1961, p.129).

Nesse universo, Siqueira encontrou elementos para desenvolver um sistema que pudesse contribuir,
segundo ele, para a formação da música brasileira. Esse sistema, fundamentado na música modal nordestina,
foi trabalhado de maneira breve em seu livro O Sistema Modal na Música Folclórica do Brasil (Siqueira,
1981a), onde ele apresenta as idéias teóricas que desenvolveu durante anos, e, baseado nelas, compôs
grande parte de sua obra, prestando dessa forma, uma grande contribuição à música do nosso país. Como
admirador das manifestações folclóricas nordestinas, matéria-prima para o desenvolvimento do sistema
Trimodal, ele declarou:

O folclore brasileiro, dos mais encantadores, possui uma variedade que ultrapassa
os limites da nossa imaginação. Como integrante deste, o do nordeste apresenta
características próprias que o torna o mais puro e belo do país. (SIQUEIRA, 1981,
p.1).

Inicialmente, Siqueira observou a recorrência de três modos que estão ligados fortemente à tradição
musical, vocal e instrumental da região Nordeste. Esses três modos ele denominou de “modos reais”,
observa-se no entanto, que esses modos são correspondentes aos modos eclesiásticos.

Figura 1.1 O primeiro modo real corresponde ao modo Mixolídio eclesiástico.

Figura 1.2 O segundo modo real corresponde ao modo Lídio eclesiástico.

Figura 1.3 O terceiro modo real resulta da junção dos dois primeiros (maior com o quarto grau elevado e o sétimo
abaixado).

Segundo FARIAS – 2013, “Siqueira ainda aponta a existência de mais três modos, que à semelhança
da relação tonal nos modos maiores e menores distam de seu modo real uma terça inferior, o qual ele
denominou de modos derivados”.

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Ele deixa claro que não criou nada de novo, apenas organizou e sistematizou as escalas encontradas
em nossa música, herdadas dos povos que contribuíram para a formação da cultura brasileira. Em relação
aos modos ele ressalta:

Não tenho a pretensão de haver criado algo novo, nem de desfazer o que existe de
concreto sobre a matéria. O que fiz foi apenas ordenar o emprego desses três
modos brasileiros, tão comuns ao povo do nordeste, a quem presto esta singela
homenagem, ao mesmo tempo em que espero haver contribuído para a fixação de
algumas normas que serão definitivas à formação da música brasileira. (SIQUEIRA,
1981, p. 3).

Figura 1.4 O primeiro modo derivado corresponde ao modo Frígio eclesiástico.

Figura 1.5 O segundo modo derivado corresponde ao modo Dórico eclesiástico.

Figura 1.6 O terceiro modo derivado, resulta da junção dos dois primeiros, e, como o seu relativo real, não possui
correspondente histórico.

Siqueira tinha uma visão de que a utilização desses modos de maneira sistemática em sua música iria
proporciona-lhe uma identidade nacional, fugindo do tonalismo e apoiando-se no modalismo, base
estruturante da música nordestina. Segundo o autor:

Esses modos, usados sistematicamente, dão à melodia uma cor própria, alterando
por inteiro o sistema harmônico, base da tonalidade moderna em que se apoia a
música erudita, desde o século XVII. (SIQUEIRA, 1981, p. 2).

Corrobando com essa idéia ressalta FARIAS – 2013:

Para Siqueira, a utilização sistemática desses modos iria “destruir o sistema tonal”,
criando, assim, uma nova linguagem harmônica e melódica. A partir da
determinação das alturas, portanto, define-se o processo harmônico. Essa
linguagem, em sua concepção, daria origem a uma música diferenciada, que
poderia ser chamada de música brasileira. Daí se pode deduzir que o sistema por
ele criado é o reflexo de uma busca pela identidade nacional, por uma essência real

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de nossa música, sendo esse sistema, em nosso entender, uma de suas importantes
realizações. (FARIAS, 2013, p. 57).

Através de pesquisas musicais feitas na capital do estado da Bahia, em Salvador, mais precisamente
a partir de visitas a centros de candomblés, Siqueira identificou a utilização de escalas pentatônicas
existentes na música cantada durante os rituais celebrados naqueles locais. De acordo com ele, os
candomblés da Bahia, trazidos da África pelos escravos que lá aportaram, conservaram suas características
musicais nativas, cujas melodias são baseadas em escalas pentatônicas. A partir dessa observação, Siqueira
sistematizou também, o Sistema Pentatônico, o qual ele passou a utilizar em suas obras e o denominou de
Sistema Pentatônico Brasileiro. Sobre esse seu trabalho de pesquisa, ele comenta:

Ao realizar uma grande pesquisa folclórica em Salvador, capital da Bahia, onde


passei um mês visitando e gravando os mais famosos candomblés, de riqueza
melódica transbordante e de complexidade rítmica quase insuperável, observei
que a totalidade das melodias desses Candomblés é concebida tomando por base
escalas pentatônicas. (SIQUEIRA, 1981b, p. 1)

Siqueira apresenta em seu trabalho os dois modelos de escalas pentatônicas, a “maior e a menor”,
ou escalas de cinco sons (pentafônicas), que são por ele estudadas e inseridas em sua música.

Figura 1.7 Modelos de Escalas Pentatônicas Maior e Menor.

Quanto ao uso do Sistema Pentatônico Siqueira ressalta:

Em muitas das minhas composições de diferentes gêneros, fiz uso sistemático da


harmonia e da polifonia pentatônica, com excelente resultado. [...]. Espero ter
dado, neste opúsculo, minha modesta contribuição à música brasileira, e que os
jovens compositores encontrem nele algo que lhes possa ser útil. (SIQUEIRA,
1981b, p. 28).

Em muitas de suas obras, Siqueira fez uso dos modos que foram aqui apresentados, esse
procedimento torna o seu trabalho único, conferindo-lhe dessa maneira uma identidade própria.

2. Catalogação das Obras para Trompete e um Levantamento da Série Três Estudos de José
Siqueira

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Apresentaremos a seguir uma catalogação de suas obras nas quais o trompete está inserido,
deixando registrado aqui, que no inicio de sua formação musical Siqueira chegou a tocar vários instrumentos,
mas, foi com o trompete que ele mais se identificou. Esse contato de Siqueira com o trompete possibilitou a
ele um maior conhecimento acerca de sua técnica, a qual ele veio mais tarde explorar de forma bastante
consciente em sua música. Segue uma lista constando toda série de Três Estudos composta para diversos
instrumentos, contribuição importantíssima para a formação do repertório voltado para a música brasileira.
Siqueira como um excelente compositor deixou para a classe dos trompetistas brasileiros cerca de
20 obras para o instrumento, entre estes trabalhos encontramos alguns que foram escritos para trompete
solista e outros, onde o trompete interage com diversos instrumentos, são duos, trios e quartetos, compostos
em sua maioria em forma de invenções. Abaixo a catalogação encontrada em FARIAS - 2013:

Quadro 2.1 Organização cronológica das obras de Siqueira escritas para o trompete.

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De acordo com a coleção de Catálogos de Obras de Compositores brasileiros, publicado em


Dezembro Migliavacca, Milanesi e Ferreira (1980), José Siqueira se destaca por ter deixado para a
posteridade um significativo número de obras que incluem: Óperas, Cantatas, Concertos para os mais
variados instrumentos, Duos, Trios, Quartetos, Quintetos e Sextetos, Oratórios, Sinfonias, Música de Câmara
para instrumentos Solo e Voz.
Dentre estas, uma série de composições pouco conhecida pelos músicos brasileiros se destaca, os
Três Estudos que Siqueira compôs para vários instrumentos, onde são explorados os seus mais diversos
aspectos técnicos. De acordo com a fonte já mencionada, essa série soma um total de sete obras para
instrumentos solistas acompanhados pelo Piano, apresentada conforme a tabela abaixo:

Ano de Título Instrumentação Duração Observações


composição
1963 Três Estudos Para Trompete e 12’00 Gravação: CDE – 17. Trompete: Rubens Geraldi
Trompete e Piano Piano Brandão. Piano: Murilo Santos.
1963 Três Estudos Para Flauta e Piano 11’00 Estréia: 1963, Rio de Janeiro, Sala Cecília Meireles.
Flauta e Piano Gravação: CDE – 17. Flauta: Lenir Siqueira. Piano:
Murilo Santos.
1964 Três Estudos Para Oboé e Piano 11’00 Estréia: 1964, Rio de Janeiro, Sala Cecília Meireles.
Oboé e Piano Gravação: CDE – 17. Oboé: Braz Limonge. Piano:
Murilo Santos.
1964 Três Estudos Para Clarineta e 12’00 Estréia: 1964, Rio de Janeiro, Sala Cecília Meireles.
Clarineta e Piano Piano Gravação: CDE – 17. Clarineta: José Botelho. Piano:
Murilo Santos.
1963 Três Estudos Para Fagote e Piano Estréia: 1963, Rio de Janeiro, Sala Cecília Meireles.
Fagote e Piano Gravação: CDE – 17. Fagote: Noel Devos. Piano: Murilo
Santos.
1964 Três Estudos Para Trompa e Piano 10’00
Trompa e Piano
1965 Três Estudos Para Trombone e 11’00 Estréia: 1965, Rio de Janeiro, Sala Cecília Meireles.
Trombone e Piano Piano Gravação: CDE – 17. Trombone:Waldemar Moraes.
Piano: Murilo Santos.
Tabela 2.1 Dados retirados do Catálogo de Obras de Compositores Brasileiros, Dezembro de 1980. Publicado pelo Departamento
de Cooperação Cultural, Científica e Tecnológica do Ministério das relações Exteriores, Migliavacca, Milanesi e Ferreira (1980).

2. 2 Três Estudos para Trompete e Piano


Os Três Estudos para Trompete e Piano escrito em 1963, foi a primeira obra escrita por Siqueira para
o trompete. Essa composição foi dedicada ao trompetista Valdomiro Alves, que foi Professor da disciplina de
trompete da antiga Escola de Música da Universidade do Brasil, hoje UFRJ. Na década de 1970, os Três
Estudos para Trompete e Piano foram gravados pelo trompetista Rubens Geraldi Brandão e Murilo Santos ao
Piano. Possivelmente, essa, possa ser a primeira obra brasileira escrita para o Trompete gravada no Brasil.
Este registro pode ser encontrado na coleção de vinil Copacabana V, e foi gravado na sala Alberto
Nepomuceno, da Escola de Música da UFRJ, e, juntamente com outras obras reunidas, foi uma homenagem
de vários músicos a José Siqueira. Desta forma esse fato representa um importante marco para a história do

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trompete no Brasil, e coloca Rubens Brandão como detentor do mérito de ter sido o primeiro trompetista a
registrar em disco uma obra do repertório nacional erudito para trompete e piano. Na partitura manuscrita,
constam as datas de inicio e término da escrita da peça, o que leva a concluir que Siqueira a compôs em
apenas cinco dias (de 23 a 27 de Dezembro de 1963).

Divisão dos movimentos da Obra.


A Obra Três Estudos para Trompete e Piano de José Siqueira, como o próprio título sugere, é
composta por três estudos que podemos aqui denominá-los como movimentos. Apresentaremos a seguir a
divisão estrutural da obra por meio destes quadros:

DIVISÃO DO PRIMEIRO ESTUDO


Andamento metronômico Compasso 1 – 30. Exposisão do primeiro grupo

temático.
Allegro Brilhante Semínima = a 126 bpm

Andamento metronômico

Andante Semínima = a 84 bpm Compasso 31 – 46. Cadência.

Andamento metronômico Compasso 47 – 65 Reexposição do primeiro grupo

temático com derivação.


Allegro Brilhante (tempo 1) Semínima = a 126 bpm

Quadro 2.2 Estrutura do primeiro estudo da obra Três Estudos para Trompete e Piano. Compasso 1 – 65.

DIVISÃO DO SEGUNDO ESTUDO


Andamento metronômico Compasso 66 – 90. Exposição do primeiro grupo

temático do movimento.
Andante Lento(tempo de Modinha) Colcheia = a 96 bpm

Andamento metronômico Compasso 91 – 135. Exposição do segundo grupo

temático do movimento.
Allegro Brilhante Semínima = a 138 bpm

Andamento metronômico Compasso 136 – 148. Exposição do terceiro grupo

temático do movimento
Poco Meno Semínima = a 112 bpm

Andamento metronômico Compasso 149 – 161. Reexposição do primeiro

grupo temático do movimento.


Andante Lento(tempo de Modinha) Colcheia = a 96 bpm

Quadro 2.3 Estrutura do segundo estudo da obra Três Estudos para Trompete e Piano. Compasso 66 – 161.

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DIVISÃO DO TERCEIRO ESTUDO


Compasso 612 – 177. Exposição do primeiro

grupo temático do movimento.


Adlibitum( cadência) Andamento metronômico / livre

Allegro vivo Andamento metronômico Compasso 178 – 240. Exposição do segundo

grupo temático do movimento.


Semínima = a 139 bpm

Quadro 2.4 Estrutura do terceiro estudo da obra Três Estudos para Trompete e Piano. Compasso 162 – 240.

3. Analise Estrutural do Primeiro Estudo da Obra: aplicação dos sistemas trimodal e pentatônico
e trechos onde são percebidas dificuldades técnicas relativas a parte do trompete.
Nesta parte do trabalho será apresentado como objeto de estudo apenas o primeiro movimento da
obra, cujo objetivo é mostrar sua estrutura, bem como a utilização dos dois sistemas desenvolvidos por
Siqueira. No sentido de direcionar o performer quanto as dificuldades técnicas encontradas na obra, foram
levantados pontos de difícil execução, apontando suas possíveis resoluções técnicas.
Divisão do primeiro Estudo da obra Três Estudos para Trompete e Piano de José Siqueira: destaque
para as escalas trimodais e pentatônicas encontradas de acordo com sua sistematização.

QUADRO DE APRESENTAÇÃO DO PRIMEIRO ESTUDO DA OBRA:

DIVISÃO DO 1°
ESTUDO
A B A’
(MOVIMENTO)
DENOMINAÇÃO E ALLEGRO BRILHANTE ANDANTE ALLEGRO BRILHANTE
CONTAGEM
METRONÔMICA SEMÍNIMA = 126 SEMÍNIMA = 86 SEMÍNIMA = 126

COMPASSOS 1 – 30 31 – 46 47 – 66

MAIOR, FRÍGIO
(Primeiro Modo
MIXOLÍDIO (primeiro modo real), LÍDIO derivado), MIXOLÍDIO (primeiro
(segundo modo real) PENTATÔNICA PENTATÔNICA modo real)
ESCALAS USADAS BRASILEIRA DE DO, BRASILEIRA DE LAb PENTATÔNICA
BRASILEIRA DE DO

Quadro 3.1 Divisão do primeiro estudo da obra Três Estudos para Trompete e Piano de José Siqueira.

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Parte A do primeiro estudo

Ex. 3.1: Parte A do primeiro estudo da obra Três Estudos para Trompete e Piano de José Siqueira.

No Primeiro trecho do movimento, aqui apresentado como letra A, encontramos no tema principal
o uso das escalas sol mixolídio do primeiro ao terceiro compasso e a escala pentatônica de dó, encontrada
do quarto ao oitavo compasso, essas escalas são denominadas de acordo com o seu trabalho O Sistema
Modal na música folclórica do Brasil - Siqueira(1981) como primeiro modo real no caso do sol mixolídio e
pentatônica brasileira
A partir do décimo segundo compasso é usado o fá# nos compassos de número 12, 16, 17, e 18,
caracterizando-se como o modo lídio, nesse caso encontramos a escala de do lídio, a qual é denominada por
Siqueira como o segundo modo real.
No decorrer da Parte A do primeiro estudo, observamos a ocorrências dos três modos mais uma vez,
o sol mixolídio, a pentatônica de do e o fa# de maneira breve no compasso 28 que remete ao do lídio.

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Parte B do primeiro estudo

Ex. 3.2: Parte B do primeiro estudo da obra Três Estudos para Trompete e Piano de José Siqueira.

No trecho que inicia a parte B do primeiro estudo, encontramos a partir do compasso de n° 31 ao n°


34, o uso da escala dó frígio, denominada por Siqueira de primeiro modo derivado. Destacamos nos
compassos de n° 43 e 44 a escala pentatônica de lab, que Siqueira denomina de pentatônica brasileira.

Parte A’ do primeiro estudo

Ex. 3.3: Parte A’ do primeiro estudo da obra Três Estudos para Trompete e Piano de José Siqueira.

Nesta parte, aqui denominada de A’, consideramos uma variação da parte A, pois Siqueira passa a
utilizar o uso de staccato duplo na melodia já apresentada anteriormente. No final do trecho, há o uso do
staccato triplo e do frulato no segundo tempo do compasso de n° 64. O uso do frulato é considerado técnica
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expandida para o trompete, este recurso mesmo sendo utilizado de maneira breve, denota o conhecimento
de Siqueira sobre novas técnicas de escrita já no ano de 1963.
As escalas modais e pentatônicas a qual destacamos aqui na terceira parte do movimento são as
mesmas destacadas na primeira parte do estudo. O sol mixolídio como primeiro modo real, a pentatônica
brasileira de dó e o dó lídio como o segundo modo real, todas de acordo com a sua sistematização.
3.2 Dificuldades Técnicas Encontradas no Primeiro Estudo da Obra Três Estudos para Trompete e
Piano de José Siqueira
Apresentaremos agora as dificuldades técnicas encontradas no primeiro estudo da obra, essas
dificuldades foram escolhidas conforme nossa prática em ensino do instrumento e como conhecedores de
sua técnica instrumental.
3.2.1 Dificuldades encontradas na parte A do primeiro estudo da obra Três Estudos para
Trompete e Piano de José Siqueira.
Identificamos nos três primeiros compassos a existência de três pontos de dificuldades que devem
ser trabalhados com bastante atenção:
Andamento: Allegro Brilhante com contagem metronômica de seminíma = 126 bpm, andamento
considerado muito rápido. É aconselhado ao executante estudar com uma contagem metronômica mais
confortável e com isso aumentar a velocidade de maneira gradual, para que se possa chegar ao andamento
pedido com exatidão e segurança.
Intervalos e Afinação: nesses compassos identificamos também como ponto de dificuldade a
existência de saltos intervalares amplos como podemos observar o intervalo de sétima menor, que é de difícil
execução devido à extensão em que se encontra. Outro ponto observado é relativo a afinação, tendo em
vista que as notas nessa região exigem correção através das bombas dos primeiro e terceiro pistões, exigindo
do executante uma boa percepção auditiva.

Ex. 3.4 Três Estudos para Trompete e Piano, parte A, compassos 1 ao 3.

Destacamos nos compassos de 8 a 11 as acentuações de notas, sforzandos, assim como ligaduras


curtas, o que deixa o trecho com bastantes articulações, que são colocadas em tempos diferentes,
dificultando sua execução.

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Ex. 3.5 Três Estudos para Trompete e Piano, parte A, compassos 8 a 11.

Nos compassos 12 a 14, destacamos a tessitura em que a melodia é escrita, Siqueira nesse trecho
usa quase toda a extensão do trompete, indo da nota sol 4 a nota sol 2, usando duas oitavas em um trecho
musical curto. A dificuldade nesse trecho está voltada, assim como a anterior, para a afinação do
instrumento, que necessita de correção nas bombas de afinação.

Ex. 3.6 Três Estudos para Trompete e Piano, parte A, compassos 12 ao 14.

Por fim, no final da parte A do primeiro estudo, destacamos como outro ponto de dificuldade na
execução do trecho que compreende os compassos de 26 a 28 os intervalos. Neste trecho, os intervalos de
7° menor entre as notas mi 3 à ré 4 e de 8° justa entre o do 3 e do 4 precisam ser executados com bastante
atenção para não comprometer a afinação, ainda identificamos no mesmo trecho outros intervalos de menor
distância como os de 4° justa e 5° justa, que merecem também uma atenção especial.

Ex. 3. 7 Três Estudos para Trompete e Piano, parte A, compassos 26 ao 28.

3.2.2 Dificuldades encontradas na parte B do primeiro estudo (movimento) da obra Três Estudos
para Trompete e Piano de José Siqueira.
Na parte B destacamos vários pontos de dificuldades, a seguir apresentados: no compasso de 31 e
32 identificamos o cromatismo e a tessitura usada, conforme no exemplo a seguir:

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Ex. 3.8 Três Estudos para Trompete e Piano, parte B, compassos 31 e 32.

Nos compassos 32 e 33, além do cromatismo, destacamos o grande salto intervalar de 14ª entre as
notas lab 2 e sol 4, esse intervalo é considerado bastante difícil de ser executado pois compreende um amplo
salto entre as regiões grave e aguda. Uma forma de vencer esse problema é executar o intervalo várias vezes,
observando a precisão e afinação das notas, com o andamento lento até chegar gradativamente ao
andamento indicado pelo compositor.

Ex. 3.9 Três Estudos para Trompete e Piano, parte B, compassos 32 e 33.

Outro exemplo onde se deve trabalhar com bastante atenção os intervalos está no compasso 34. Um
trecho cromático e com saltos intervalares que chegam a uma oitava.

Ex. 3.10 Três Estudos para Trompete e Piano, parte B, compasso 34.

Destacamos nos compassos de 37 a 40, um trecho com bastantes saltos intervalares, acidentes
ocorrentes e articulações formadas por ligaduras. Este trecho também merece bastante atenção do
performer na hora de sua execução. É aconselhado ao interprete executar os amplos intervalos várias vezes,
tendo a consciência auditiva de sua afinação, em seguida separa todas as articulações formadas pelas várias
ligaduras.

Ex. 3. 11 Três Estudos para Trompete e Piano, parte B, compassos 37 ao 40.

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No final da parte B do primeiro estudo, destacamos o emprego pelo compositor em usar mais uma
vez a tessitura do trompete, indo da região aguda até a grave por meio de escala. Nesse trecho a atenção
deve ser voltada para os acidentes ocorrentes e a afinação das notas em seus extremos.

Ex. 3.12 Três Estudos para Trompete e Piano, parte B, compassos 42 ao 45.

3.2.3 Dificuldades encontradas na parte A’ do primeiro estudo da obra Três Estudos para
Trompete e Piano de José Siqueira.
Como a parte A’ do primeiro estudo da obra é uma variação da parte A, destacamos os mesmos
pontos de dificuldades apresentados anteriormente. Andamento rápido, amplos saltos intervalares,
articulações, afinação e uso da tessitura grave e aguda do instrumento. Tratando – se de uma variação da
parte A, onde já foram apresentados trechos de difícil execução, separamos dois novos pontos difíceis a
serem executados, o emprego do staccato duplo na melodia principal do movimento e o uso do frulatto.

Ex. 3.13 Três Estudos para Trompete e Piano, parte A’, compassos 47 a 49.

Ex. 3.14 Três Estudos para Trompete e Piano, parte B, compassos 64 e 65.

Considerações Finais:
O presente artigo é parte de uma pesquisa em andamento que está sendo realizada para o curso de
mestrado em performance, cujo objetivo é buscar maiores informações acerca do compositor José Siqueira,
no que diz respeito a sua biografia, métodos composicionais utilizados por ele, bem como a linguagem

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musical usada em suas obras. Especificamente neste trabalho abordamos apenas o primeiro movimento da
obra Três Estudos para Trompete e Piano, analisando o material composicional usado por ele e apresentando
trechos de difícil execução para o solista, mostrando suas possíveis resoluções. O trabalho de pesquisa em
relação às dificuldades técnicas encontradas nos agrupamentos de notas curtas como colcheias e
semicolcheias, terá como suporte teórico o trabalho desenvolvido por THURMOND - 1991, o Note Grouping.
Em relação a este trabalho FARIAS -2013 ressalta:

De acordo com THURMOND (1991), a teoria do agrupamento de notas baseia-se


no fato de que os tempos fracos (arsis) são mais expressivos musicalmente do que
os tempos fortes (thesis), na prática, a arsis deve ser valorizada com um impulso,
enquanto a thesis deve ter o sentido de repouso, descanso. Ainda segundo esse
autor, a melodia se revela tal como é, quando a ideia é devidamente articulada com
um sentido de movimento levare (FARIAS, 2013, p. 72).

A obra Três Estudos para Trompete e Piano mostra-se um trabalho de bastante relevância no que se
refere a sua execução e interpretação, pois, além da exploração da técnica do instrumento ser levada a um
patamar bastante significativo para o trompetista, a obra se destaca também por apresentar uma estrutura
que denota o talento e o amadurecimento do compositor, apesar de ser uma obra escrita ainda no ano de
1963.
A peça foi escrita na segunda metade do século XX, época onde podemos observar uma escassez de
trabalhos escritos para o instrumento, daí, a importância de trazer ao conhecimento do publico acadêmico
e performático uma obra que, além de explorar conscientemente a parte relativa à técnica do trompete,
exigindo um alto grau de habilidade do trompetista, apresenta-se como um importante trabalho
composicional para o repertório solista do instrumento. Apesar de sua relevância, essa obra ainda não faz
parte de maneira efetiva das grades curriculares dos cursos de graduação em música no Brasil e do repertório
dos solistas atuantes no país. Desta forma, este trabalho pretende contribuir de maneira significativa para
a divulgação do compositor, como também da obra em destaque, trazendo-a ao conhecimento do público
em geral.

Referências

FARIAS, Ranilson Bezerra de. Obras para Trompete do Compositor José Siqueira: Peças camerísticas e o
Concertino para Trompete e Orquestra de Câmara. 2013. 173f. Tese (Doutorado em Música) – Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2013.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1986.

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MIGLIAVACCA, Ariede Maria; MILANESI, Luís Augusto; FERREIRA, Paulo Affonso de Moura. José Siqueira:
catálogo de obras – Compositores brasileiros. [Brasília]: Ministério das Relações Exteriores, Departamento
de Cooperação Cultural, Científica e Tecnológica, 1980. 64 p.

RIBEIRO, Domingos de Azevedo. Série histórica, José Siqueira. João Pessoa: A União Editora, 2000.

RIBEIRO, Joaquim. Maestro José Siqueira: o artista e o líder. Rio de Janeiro: [s.n.], 1963. 235 p.

SIQUEIRA, José de Lima. Música para a juventude (quarta série). Rio de Janeiro: Companhia Editora
Americana, 1954.

______. O sistema modal na música folclórica do Brasil. João Pessoa: Secretaria de Educação e Cultura,
1981a. 33 p.

______. Sistema Pentatônico Brasileiro. João Pessoa: Secretaria de Educação e Cultura, 1981b. 28 p.

SILVA, Aynara Dilma Vieira da. Coerência sintática do Sistema Trimodal em duas obras de José Siqueira.
João Pessoa, 2013. p. 168.

THURMOND, James Morgan. Note Grouping: A method for achieving expression and style in musical
performance. Lauderdale, Florida: Meredith Music Publications, 1991.

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Duas Danças para trombone e piano do Compositor Maestro Duda: sugestões


interpretativas

Marlon Barros
marlon.lima@ifpb.edu.br
Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Ranilson Bezerra de Farias


ranilsonfarias@gmail.com
Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo apresentar sugestões


interpretativas das Duas Danças para trombone e piano do compositor Maestro
Duda. Tendo como referenciais teóricos os autores Dos Reis (2010), Benck Filho
(2008) e Cardoso (2002), como também, se baseia nas tradições orais. Serão
apresentadas possibilidades de interpretação e aspectos históricos do compositor
e dos gêneros utilizados por ele, com o intuito de auxiliar na construção da
performance musical desta obra.
Palavras-chave: Interpretação; Maestro Duda; Música Brasileira, Trombone.

Abstract: This paper aims to present interpretive suggestions of the Two Dances for
trombone and piano by composer Maestro Duda. Having as theoretical reference
the authors Dos Reis (2010), Benck Filho (2008) and Cardoso (2002), as well, is
based on oral traditions. Presents possibilities of interpretation and historical
aspects of the composer and genres used by it. It aims to contribute to the
preparation of the musical performace of this work.
Keywords: Interpretation; Maestro Duda; Brazilian Music; Trombone.

1. Introdução
Esse trabalho tem por objetivo apresentar sugestões interpretativas que auxiliem construção da
performance da obra DUAS DANÇAS para trombone e piano do compositor Maestro Duda1. Se tratando do
resultado parcial da pesquisa em andamento que tem como objetivo, realizar um estudo interpretativo de
três obras para trombone solista do Maestro Duda: Duas Danças, Fantasia para Trompete e Trombone, e do
Concertino para Trombone do Maestro Duda.
Para o desenvolvimento deste trabalho, foi realizada uma análise interpretativa tendo como base os
autores Dos Reis (2010), Benck Filho (2008) e Cardoso (2002). Como também, bases de tradições orais, com
o intuito de auxiliar no desenvolvimento das sugestões interpretativas a serem apresentadas. Salientamos
que, os comentários e sugestões presentes neste trabalho não são necessariamente regras para a

1
José Ursicino da Silva (1935)
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interpretação, e sim, algumas das possíveis possibilidades existentes na construção da performance da obra.
Pois, assim como destaca Cook (2006, p. 9), nenhuma performance é capaz de esgotar todas as possibilidades
de uma obra musical. Sabendo que:

Há decisões de dinâmica e timbre que o performer precisa tomar, mas que não
estão especificadas na partitura; há nuanças de andamento que afetam
essencialmente a interpretação e que fogem das especificações metronômicas
explicitadas na partitura. Na música de conjunto, estes elementos que, apesar de
sua relevância musical, não constam grafados, são negociados entre os performers
(esta negociação corresponde a boa parte do que acontece nos ensaios). (COOK,
2006, p. 10)

A obra Duas Danças foi escrita em 1984 pelo Maestro Duda, um dos principais compositores
brasileiros que tem obras executadas tanto no Brasil quanto em outros países. Esta obra está dividida em
dois movimentos, sendo o primeiro movimento uma valsa denominada de “Gizelle”, e o segundo movimento
um frevo, denominado de “Marquinhos no Frevo”. Portanto, neste trabalho será apresentada questões
relacionadas à história do compositor e dos gêneros explorados por ele na obra, e sugestões interpretativas
que buscam auxiliar na construção da performance.

2. Maestro Duda e algumas das suas características musicais


José Ursicino da Silva, o Maestro Duda nasceu em 23 de dezembro de 1935 na cidade de Goiana-PE.
No meio musical, ele se destaca como um dos principais compositores que se utilizou dos elementos musicais
da cultura brasileira e do folclore nordestino para desenvolver suas obras. Para a área dos instrumentos de
metais, o maestro também se destaca como um importante compositor, contribuindo significativamente
para o aumento do repertório de música solos e de câmara. A respeito dos destaques e premiações do
Maestro Duda, Saldanha (2001) e Farias (2002) destacam que:

Suas músicas foram gravadas no Brasil e no exterior e estão presentes em mais de


100 discos. Vencedor de vários festivais de frevo em Pernambuco. Obteve também
diversos prêmios na música popular brasileira, como o de melhor arranjador do
MPB-SHELL 80, promovido pela Rede Globo de Televisão, pela Shell e pela
Associação Brasileira de Produtores de Discos. (SALDANHA, 2001, p. 23)
[...] no ano de 1993, o maestro Duda foi escolhido para participar do projeto
memoria Brasileira, da Secretaria de Cultura de São Paulo, como um dos
arranjadores que mais se destacaram no cenário da musica popular brasileira no
século XX, ao lado de nomes como maestro Cipó, Cyro Pereira, Nelson Ayres, Jose
Roberto Branco e Moacir Santos, entre outros. O projeto lançou o CD Arranjadores,
no qual o maestro Duda participa com um arranjo das Bachianas Brasileiras n° 5 de
Heitor Vila Lobos, interpretado pela banda Savana. (FARIAS, 2002, p. 35)

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Ainda a respeito do Maestro Duda e suas obras, Saldanha (2001) informa que:

Capacitado que é, transita nas variadas escolas musicais como a europeia e a


americana, assimilando estilos e linguagens, colocando-os a serviço da sua musica,
predominantemente brasileira. Fazendo urna superação paradigmática de formas
e gêneros já estabelecidos, que por suas mãos ganham novas roupagens e colorido
sonoro. (SADANHA, 2001, p. 26).

O Maestro Duda compôs diversas obras para trombone, trabalhos estes, voltados para música de
câmara (solo com acompanhamento), Bandas e Orquestras, destacando o instrumento através de solos de
naipe ou individual. Estas obras utilizam os mais variados ritmos da cultura brasileira, como também, gêneros
musicais de outros países. Assim, através do repertório para trombone deste compositor o trombonista tem
contato com variados elementos da cultura brasileira, podendo lidar com diferentes aspectos e meios de
interpretação das obras.
Geralmente quando se trata de música brasileira nas quais são utilizados os de gêneros populares,
não há uma sistematização sobre interpretação e aprendizagem dos mesmos. Isto acontece devido à forma
de ensino deste tipo de música, pois na maioria dos casos o ensino ocorre através da oralidade e da vivência
dos músicos aprendizes. Assim, a forma de interpretar pode variar de acordo com cada região do país,
dificultando assim, a escolha de parâmetros para lidar com obras que utilizam elementos da cultura popular.
Em relação ao ensino-aprendizagem deste tipo de música, Feitosa (2015) destaca que:

[...] o ensino da música popular brasileira para metais carece de materiais


sistematizados, desenvolvidos sob o ponto de vista pedagógico e que apresentem
direcionamentos de como trabalha-los. Essas práticas de ensino acontecem em
muitos casos de forma intuitiva e/ou informal, até mesmo, em algumas situações,
por influência do contexto onde essas práticas estão inseridas. (FEITOSA, 2015, p.
4)

Podemos observar nos trabalhos de diversos compositores brasileiros, principalmente aqueles que
estão ligadas a cultura popular, a forte influência e utilização de elementos folclóricos. Sendo o Maestro
Duda, um importantíssimo divulgador e defensor deste tipo de música, algo muito evidente em suas obras.
A respeito das principais características das músicas do Maestro Duda, Farias (2002) destaca que:

Na obra do maestro Duda encontramos com abundância a música e os gêneros que


se originaram no vasto universo folclórico e popular. Essa matéria prima ganha uma
nova roupagem através do uso de uma linguagem musical própria, adquirida por
ele através de anos de experiência exercendo as atividades de compositor e
arranjador. Dessa forma, quando sua música, baseada no mais tradicional da
cultura nordestina é transposta para o ambiente erudito, como o da orquestra
sinfônica ou do quinteto de metais, é estabelecida uma ligação entre dois universos
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que embora diferentes, se harmonizam através da maneira como ele cria suas
composições. Sua música adquire características popularescas, e ele segue o
exemplo de grandes compositores brasileiros que buscaram no universo da música
popular e folclórica, os elementos essenciais para a criação de suas obras. (FARIAS,
2002, p. 40)

Observamos ainda que, em meados do século XX, nota-se um expressivo aumento do número de
suas composições para Bandas de Música, Orquestras de Frevo, Bandas Sinfônicas, Grupos de Câmara, como
também, obras que utilizam diversos instrumentos como solistas. Dentre suas principais obras solistas para
instrumentos de metais, podemos destacar: Suíte Recife (1982), Duas Danças (1984), Uma fantasia brasileira
(1986), Fantasia para Marquinhos (1990), Fantasia para Trompete e Trombone (1994), Concertino para
Trombone (1996), Suíte Monette (1996-1997), Música para Metais Nº 1, 2 e 3 (19??), Concertino Nº 1 para
Tuba (2015), entre outras.
Como observado, o Maestro Duda utiliza em suas obras diversos gêneros musicais como também
materiais do folclore nordestino, porém, o mesmo usa discretamente informações nas suas partituras,
dificultando as escolhas interpretativas do executante. A respeito disto Cardoso (2002) diz que:

Nas partituras de DUDA, todas manuscritas pelo próprio autor, são muitos discretos
os sinais musicais que sugiram uma interpretação. [...] não traz referências que
auxiliem na sua compreensão interpretativa. Informações sobre o estilo, momento
histórico que envolveu a obra, o local onde ela é ou foi executada, e outras mais de
caráter social, com o apoio de sinais musicais, facilitam a elaboração de uma visão
interpretativa sobre a obra. (CARDOSO, 2002, p. 23)

Assim como observa Cardoso (2002), poucas são as informações interpretativas escritas nas
partituras, sendo este mesmo fato observado na obra aqui estudada, dificultando desta maneira a escolha
de parâmetros interpretativos em relação aos diversos elementos musicais utilizados. Outra curiosidade em
relação às obras do Maestro Duda são os títulos, pois o mesmo compôs obras para todos os seus familiares.
Farias (2002) diz que, “observa-se uma curiosidade no que diz respeito aos títulos que ele escolhe para suas
peças. Muito querido pelos seus, e possuindo uma família numerosa, ele sempre os presenteia com uma
musica (FARIAS, 2002, p. 62)”.
Dentre os intérpretes das obras do Maestro Duda, podemos destacar o trombonista Radegundis
Feitosa2, que integrou a orquestra de frevo do maestro e o grupo BRASSIL3, quinteto de metais e percussão

2
Radegudis Feitosa Nunes (1962-2010). Foi Doutor em Musica, Trombone Performance, pela " The Catholic University Of America" (1991), Mestre
em Música, Trombone Performance, pela "The Juilliard School (1987)" e Bacharel em Música, Práticas Interpretativas/ Instrumento Trombone, pela
Universidade Federal da Paraíba (1983).
3
Grupo BRASSIL está sediado na Universidade Federal da Paraíba, no Departamento de Música desde o início da década de 80, sendo formado por
professores e músicos da cidade de João Pessoa-PB desde esta época.

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que gravou diversos registros fonográficos (Cds) com as obras do mesmo. Cardoso (2002) ao questionar o
Maestro Duda a respeito da interpretação das suas obras pelo grupo BRASSIL, obteve a seguinte resposta:
“Espetacular. Eles já sabem o meu gosto. Quando eles ensaiavam uma música minha, eu parava dizendo
como deveria ser. Se acostumaram!”4. Neste caso, os principais subsídios interpretativos foram passados
para os intérpretes através da oralidade, devido à aproximação dos intérpretes com o compositor, que
informava como os mesmos deveriam lidar com determinada obra, justificando a falta de informações
contidas na partitura. Benck Filho em seu estudo em relação ao frevo-de-rua, um dos gêneros explorados
pelo Maestro Duda nas obras para trombone, destaca que:

Dentre os vários problemas da prática interpretativa existem aqueles relacionados


com as diferenças entre o que está notado graficamente e o que é realizado no
campo sônico, ou seja, diferença entre a música escrita e o que é tocado. Existe
uma necessidade em realizar a prática musical menos intuitiva, tornando-a mais
reflexiva e subsidiada por outras áreas da musicologia, como, por exemplo, a teoria,
a análise musical e a musicologia histórica. Há também a busca pela sistematização
dos processos de ensino-aprendizagem para que essa transmissão não seja passiva
somente à oralidade, mas fundamente-se em um conhecimento oriundo de um
procedimento de pesquisa sólido. (BENCK FILHO, 2008, p. 1)

Dessa forma, a necessidade de realizar práticas menos intuitivas como também a sistematização dos
processos de ensino aprendizagem não se aplica apenas ao frevo-de-rua, mas também aos demais gêneros
musicais brasileiros oriundos das culturas populares do Brasil. Sabendo que, as práticas deste tipo de música
podem variar de acordo com cada região do país, uma vez que a sua aprendizagem é adquirida e repassada
por meio da oralidade.

3. Duas Danças: Gizelle e Marquinhos no Frevo


Entre os anos de 1983 e 1984, o Maestro Duda escreve a sua primeira obra voltada para o trombone
como instrumento solista, utilizando as características de duas danças popularmente conhecidas no Brasil
como movimentos de sua obra. A obra Duas Danças para trombone e piano foi dedicada ao trombonista
Radegundis Feitosa (1962-2010), composta em dois momentos de sua vida. Sendo este primeiro momento
em 1983, quando compôs a valsa intitulada de “Gizelle” em homenagem a sua neta, e o segundo momento
em 1984, quando compôs o frevo intitulado de “Marquinhos no Frevo” em homenagem ao seu neto e
denominou as obras como Duas Danças.

4
Entrevista realizada por Cardoso (2002) no Rio de Janeiro em 09 de janeiro de 2002, p. 157.

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3.1 Valsa
No primeiro movimento da obra, o compositor utiliza a valsa como forma composicional, sabendo
que, este gênero em sua origem está relacionado a uma dança, escrito em compasso ternário (de três
tempos). Vários compositores se utilizaram deste tipo de música para compor diversas obras, relacionadas
tanto ao repertório erudito quanto popular. A respeito da valsa, Dos Reis (2010) destaca que:

Na música instrumental erudita a valsa foi muito utilizada por compositores como
Haydn, Mozart, Beethoven, Weber, Schubert, Brahms, Chopin, Tchaikovsky, entre
outros. Eles escreveram valsas estilizadas que não se destinavam à dança, mas se
inspiraram nela. As valsas de Haydn, Mozart e Beethoven geralmente são de
pequena extensão, divididas em fragmentos curtos. (DOS REIS, 2010, p. 27)

É possível perceber que no Brasil, muitos compositores também escreveram valsas com finalidades
instrumentais, assim como diversos autores estrangeiros. Seu aparecimento no país se deu no final do século
XVIII, porém, mesmo a valsa mantendo as características ternárias assim como em outros países, os
compositores brasileiros implantaram a sonoridade e as características das modinhas e choros, tendo os
grupos de choro como principais executantes. A respeito da valsa brasileira, Dos Reis (2010) destaca que:

Luís Paulo Horta (1985) e a Enciclopédia da Música Brasileira informam que a valsa
chegou ao Brasil com a família real. Horta, especificamente, acredita que sua
nacionalização teve como consequência três fatores: o contato da valsa com a
modinha, sua execução pelos grupos de choro, tornando-as seresteiras, e sua
criação e execução pianística nos salões musicais, chegando a um elevado nível
artístico com as valsas de Ernesto Nazareth. [...] o aparecimento da Valsa no Brasil
ocorreu no final do século XVIII, através de referências históricas. (DOS REIS, 2010,
p. 32-33)

Ainda a respeito da valsa brasileira:

Quando a valsa veio para o Brasil, existiam outras manifestações musicais oriundas
de raízes folclóricas de influência negra, indígena e europeia presentes em eventos
populares como festas, sarau e serestas. No período colonial, os gêneros musicais
mais evidentes eram o lundu e a modinha, que travaram contato com a valsa. A
modinha foi muito importante no processo de nacionalização da valsa europeia,
influenciando a valsa e sendo influenciada. (DOS REIS, 2010, p. 35-36)

Diversos compositores brasileiros escreveram valsas para serem executadas por


instrumentos solistas ou grupos, nos mais diversificados ambientes, como também podemos observar na
vasta produção composicional do Maestro Duda. Dentre as características da valsa-brasileira, Dos Reis (2010)
destaca que:

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Forma: Predomina a forma rondó com cinco seções (A-B-A-C-A), empregada


principalmente nas valsas-choros populares. (DOS REIS, 2010, p. 46)
Tonalidades: Nas valsas-choro ocorre o predomínio das tonalidades menores.
Como no choro, é frequentemente nas valsas-choro a mudança para a tonalidade
relativa ou a subdominante na seção B e para a tonalidade homônima maior na
seção C. (DOS REIS, 2010, p. 48)
Construção melódica e carácter: Na melodia das valsas-choro ocorrem algumas
notas cromáticas, predomínio de graus conjuntos com função melódica de notas
de passagem e utilização de bordaduras superiores e inferiores, que são
características do choro [...]. Também predomina na valsa-choro o ritmo em
colcheias com movimentos descendentes, que também aparece nas valsas
sentimentais brasileiras. Além disso, em suas melodias ocorre o emprego de
algumas apojaturas expressivas, característica que advém da modinha e de
algumas valsas populares urbanas brasileiras. Nelas também ocorrem
predominantemente os caracteres sentimentais e seresteiros em andamento mais
lento, que por sua vez são típicos das valas sentimentais brasileiras. (DOS REIS,
2010, p. 49-50)

Portanto, o primeiro movimento da obra Duas Danças (Gizelle) apresenta importantes características
da valsa brasileira, especificamente a valsa-choro, devido a utilização em sua estrutura de melodias que se
aproximam tanto do choro quando da modinha, como também, se trata de uma obra voltada para concertos.
3.2 Frevo
O Maestro Duda escreveu para o segundo movimento da obra um frevo para trombone, intitulado
de Marquinhos no Frevo. Este gênero musical foi originado a partir das manifestações culturais dos desfiles
militares no final do séc. XIX, onde os capoeiras fazendo passos improvisados frente às bandas militares. As
bandas eram responsáveis por executar dobrados e marchas pelas ruas de Recife-PE, e juntamente com os
capoeiras, deram início tanto ao gênero musical frevo quanto a dança.
A respeito do surgimento do frevo, Saldanha (2008) diz que:

A música surge do repertório das bandas militares e agremiações carnavalescas


sediadas no Recife a partir da segunda metade do século XIX, se consolidando em
princípios do século XX. O termo frevo já era encontrado nos clubes carnavalescos
com data de 1907 e aparece impresso pela primeira vez quando o Clube
Carnavalesco Empalhadores do Feitosa publica no Jornal Pequeno do Recife, em sua
edição do sábado de carnaval, 09 de Fevereiro, em coluna da página 03, um aviso
convocatório para o ensaio geral da agremiação. Na ocasião, o clube divulga o
repertório a ser apresentado e destaca entre a ária “José da Luz” e o tango
“Pimentão”, as seguintes marchas a serem executadas pela orquestra: “Priminha”,
“Empalhadores”, “Delícias”, “Amorosa”, “O Frevo”, “O Sol”, “Dois Pensamentos e
Luiz do Monte”, “José de Lyra” e “Imprensa e Honorários”. (SALDANHA, 2008, p. 43)

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Um dos principais responsáveis pela consolidação do frevo foi o maestro José Lourenço da Silva
(1889-1952) conhecido como “Capitão Zuzinha”, que através das marchas-frevo compostas por ele, foi
originado o frevo-de-rua. A respeito do Capitão Zuzinha e da marcha-frevo, Saldanha (2008) informa que:

Aclamado como um dos “monstros sagrados” do frevo instrumental foi o


responsável pela transformação da polca-marcha em marcha-frevo no princípio do
século XX. Na marcha-frevo, escrita por Zuzinha, à introdução instrumental em 16
compassos seguia-se, no mesmo andamento, uma segunda parte, também
instrumental, chamada de resposta, escrita normalmente para as palhetas,
caracterizando um diálogo de perguntas e respostas, entre metais (trompetes,
trombones e tubas) e palhetas (clarinetes, requinta e saxofones), se constituindo
como uma das características básicas desse gênero de frevo, o qual se tornou
posteriormente conhecido como frevo-de-rua. (SALDANHA, 2008, p. 52-53)

Assim, a macha-frevo composta pelo Capitão Zuzinha serviu como base para a criação do gênero
“frevo”. Em 1936, as composições deste tipo de música passaram de fato a ser denominadas de “frevo”,
como também as suas subdivisões: frevo-de-rua, frevo-canção, e frevo-de-bloco. Como também, dentre os
três tipos de frevo, o frevo-de-rua é tido como o único puramente instrumental, geralmente executado por
instrumentos de sopro.
Pelo fato do segundo movimento da obra Duas Danças do Maestro Duda ter características do frevo-
de-rua, este trabalho buscará tratar apenas sobre as características deste tipo de frevo. Assim, Benck Filho
(2008) em seu trabalho sobre o frevo-de-rua, destaca as principais características do frevo, que também
estão presentes no frevo “Marquinhos no Frevo”.

De modo geral, um frevo tende a possuir as seguintes características: 1. Estrutura


formal circular [A-B-A]; 2. É geralmente escrito em compasso binário 2/4; 3. Sua
frase inicial é geralmente acéfala ou anacrústica; 4. As frases tendem a ter
ordenamento binário, resultando geralmente em períodos de oito, dezesseis, ou
vinte e quatro compassos; 5. A síncopa tende a ser um importante na construção
melódica do período musical da parte A. O desenho rítmico empregado é oriundo
da influência afro-brasileira presente nos gêneros musicais dos séculos XVIII e XIX;
6. Além da melodia sincopada, o jogo das perguntas e respostas entre metais e
palhetas tende a ser usual, influindo na orquestração, principalmente quando o
frevo destina-se à banda de música ou big bands; 7. A parte B ou segunda parte
tende a ser precedida por uma passagem. É uma ponte de união ou ruptura,
delimitação que serve de descanso ao passista e apresenta um momento de tensão
que tende a suavizar-se com o tema B. Às vezes o tema B já se inicia na passagem.
A passagem pode apresentar a todos os instrumentos em forte, em um “rasgado
violento”, [...]; 8. A conjunção dos desenhos rítmicos da percussão, em especial, do
surdo, do pandeiro e da caixa-clara com suas variações são caráter praticamente
exclusivo ao gênero [...]. É o que o percussionista conhece como “levada” do frevo,
o que conduz a música e a identifica; 9. O andamento do frevo tende a ser mais
acelerado do que o dobrado ou marcha. (BENCK FILHO, 2008, p. 74-75)

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Desta forma, estas principais características dos frevos-de-rua são importantíssimas para a
compreensão dos frevos compostos pelo Maestro Duda. Sabendo que, desde as primeiras manifestações
culturais que deram origem ao frevo, os instrumentos de sopro e percussão foram os principais responsáveis
pelo seu surgimento juntamente com as bandas militares. Como também os capoeiras, que através dos
passos improvisados executados em frente às bandas militares deram início aos passos de frevo,
característico desta dança.
Em 2014 foi lançado um “longa-metragem” que buscou homenagear importantes compositores do
frevo pernambucano, intitulado de “Sete Corações”. O principal responsável por este projeto foi o
saxofonista e compositor Inaldo Cavalcante de Albuquerque (1970), popularmente conhecido como Maestro
Spok, que buscou homenagear as lendas vivas do frevo pernambucano. O título foi inspirado nas setes lendas
vivas do frevo, importantes compositores e embaixadores do frevo pernambucano. São eles: Clóvis Pereira,
Maestro Duda, Guedes Peixoto, Ademir Araújo, José Menezes, Edson Rodrigues e Maestro Nunes.
Portanto, o Maestro Duda que se destaca como um dos principais compositores de frevos-de-rua, se
utilizou deste gênero e dança para estruturar o segundo movimento da obra Duas Danças. No caso, esta peça
é um frevo instrumental voltado para o trombonista solista, que é responsável por executar todas as partes
solo da música.
3.3 I Mov. Gizelle (Valsa) – Revisão da Partitura e Sugestões Interpretativas
A valsa Gizelle apresenta as principais características da valsa-brasileira, principalmente da valsa-
choro. O compositor apresenta uma variação na forma da música, sendo: [Introdução – AA1 – BB1 – CC1 – AA1
– BB1 – CC1 – Coda]. Ele inicia a obra com uma introdução de dois compassos, e no decorrer da obra, sempre
apresenta um tema que é repetido logo após com pequenas mudanças no final do mesmo, finalizando a obra
com uma rápida seção de coda que dura de 3 compassos. Dentre as principais características desta obra, se
tem a utilização do “rubato”, que é explorado durante diversos momentos no decorrer da música, dando ao
intérprete a liberdade de expressão. Ou seja, não é necessário um rigor rítmico nas seções que são indicadas,
porém, se deve ter muito cuidado a lidar com esta nuança para não haver exagero e descaracterizar a música.
O Maestro Duda insere poucas informações nas partituras de suas obras como já destacado, algo que
auxiliaria o instrumentista no momento das escolhas interpretavas. Assim, para o estudo dessa obra, iremos
partir das informações contidas na versão editada pelos trombonistas Radegundis Feitosa e João Evangelista
(NUNES e SANTOS NETO, 1996), pois a partitura original manuscrita não foi encontrada até o momento.
Portanto, todas as indicações de expressão e interpretação que irão ser sugeridas, tem como base norteadora
edição indicada. Nesta edição é possível encontrar importantes informações que contribuem com a
preparação interpretativa da obra, porém, algumas informações não foram inseridas.

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Ex. 2: Versão editada pelos trombonistas Radegundis Feitosa e João Evangelista. (NUNES e SANTOS NETO, 1996)

Para execução desta obra, devido não haver indicação de tempo na edição Nunes e Santos Neto (1996),
iremos sugerir o andamento de acordo com interpretações pessoais, como também, de análise de gravações
da obra, sendo:

Ex. 1: Indicação de tempo da obra.

No compasso 2 da versão editada por Nunes e Santos Neto (1996), não há indicação de “acelerando”,
como também a indicação de “tempo primo” no compasso 3. É muito importante o interprete estar atento
a frase inicial inserida no compasso 2, que é intercalada com a primeira seção da obra. Pois a mesma deverá
ser acelerada e o tempo deve ser retomado no compasso seguinte (compasso 3).

Ex. 2: Falta de indicação de acelerando no compasso 2 e indicação de tempo primo no compasso 3. (NUNES e SANTOS
NETO, 1996)

Portanto, na seção A, sempre que o tema principal for apresentado (compassos 3 e 12), a frase
anterior deverá ser acelerada e retomada ao tempo primo da obra no compasso que apresenta o tema.

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Ex. 3: Indicações de acelerando e tempo primo na seção A – Compassos: 2-3 e 11-12.

Ex. 4: Indicações de acelerando no compasso 75 antes de retornar ao tema no compasso 12.

Na seção B da obra (compassos 20-35), o tema é apresentado através de quiálteras, com indicações
de acelerando pouco a pouco em dinâmica de “piano” (p). É muito importante manter a dinâmica indicada,
pelo fato de não haver silêncio entre os dezesseis compassos da seção B, dificultando os momentos de
respiração entre eles. Assim, o trombonista deverá explorar as expressões de acelerando e retardo para
poder respirar. Como também, sempre que aparecer o tema nesta seção, o compasso anterior irá ser
retardado e a nota de anacruse deverá ser suspensa brevemente, nos compassos 19-20 e 27-28.

Ex. 5: Indicações de suspenção e locais para respiração na seção B (compassos 20-35)

Na seção C da obra (compassos 36-67), o tema é construído através da utilização de colcheias que
devem ser executado em rubato (Ex. 6). Nesta seção, o compositor utilizou intervalos descendentes de 13ª
no desenvolvimento do tema, algo que eleva o nível de dificuldade desta obra para o trombonista. Estes

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intervalos estão presentes nos compassos 45, 47, e 49. Nos compassos 47 e 49, além da dificuldade para
executar os saltos intervalares, a região grave utilizada pelo compositor neste trecho, é desconfortável para
o trombone tenor (Ex. 6):

Ex. 6: Seção C: Indicação de rubato; existência de intervalos de 13ª; região grave desconfortável para o trombone tenor.

Segue duas sugestões interpretativas com o intuito de facilitar a execução do trecho onde estão
inseridos os intervalos citados (compassos 44-50). Devido toda a seção C estar com a expressão rubato,
iremos modificar os valores de algumas figuras do trecho indicado. Estas modificações se darão da seguinte
forma: antecipação de figuras alterando a estrutura rítmica (Ex. 7); retardo do início das figuras alterando a
estrutura rítmica (Ex. 8).

Ex. 7: Antecipação de figuras alterando a estrutura rítmica (compassos 44-50)

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Ex. 8: Retardo do início de figuras alterando a estrutura rítmica (compassos 44-50)

Desta forma, é possível que o trombonista respire entre as frases sem prejudicar o andamento da
obra. Estas duas formas de interpretação deste trecho são apenas algumas das possibilidades que busca
facilitar a sua execução. Como também, através das respirações indicadas neste trecho, a articulação das
notas graves poderá ser facilitada.
Ainda na seção C, é possível adicionar mais um sinal de acelerando. Pois, no final desta seção o
compositor escreve uma frase de oito compassos que não permite a respiração entre os compassos 60-67.
Assim como nos demais trechos que antecedem estes compassos é possível acelerar e retardar o tempo,
facilitando a execução desta frase sem descaracterizar a obra (Ex. 9). O acelerando será inserido no compasso
60, e o retardando que está no compasso 66 será antecipado para o compasso 64:

Ex. 9: Indicação de acelerando e antecipação do retardo (compassos 60-67)

3.4 II Mov. Marquinhos no Frevo – Revisão da partitura e sugestões interpretativas


O frevo está escrito na forma A-B-A, que é o segundo movimento, inicia-se através de anacruse. As
seções estão dividas da seguinte forma: Seção A (compassos 1-14); Passagem e início da Seção B (compassos
15-30). Tanto as seções quanto a “passagem” estão intercaladas, sendo o inicio da seção B o momento da

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transição do tema. Assim, todas as melodias desta obra têm ligação entre elas, ou seja, ao finalizar uma
seção, a mesma melodia introduz a nova seção.

Seção A:

Ex. 10: Seção A (compassos 1-14)

No frevo, a primeira seção sempre apresenta uma melodia relativamente mais fácil da música, como
também se trata da introdução do frevo que também é a seção A (Ex. 10). Esta seção numa orquestra de
frevo é predominantemente destinada aos instrumentos de metais (trompetes e trombones). Ao finalizar a
seção A, o compositor coloca notas repetidas como passagem do tema, que devem ser executadas em forte
(Ex. 11 – compassos 15-16). Na seção B (Ex. 12 – compassos 15-22), se tem um jogo de perguntas e respostas,
que numa orquestra de frevo são destinadas aos instrumentos de metais (perguntas) e palhetas (respostas).
Outro ponto importante a destacar é a utilização da síncope, que é utilizada durante toda a seção A. Assim,
diante da dificuldade técnica deste movimento, sugerimos o tempo de 120 semínimas por minuto.

Passagem (Transição) e seção B:

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Ex. 11: Passagem (compassos 15-16); Seção B (compassos 15-30); perguntas e respostas da seção B (compassos 15-22)

Com o intuito de facilitar a execução e interpretação da seção A, o trombonista deve encurtar o valor
de algumas figuras. Estas figuras são as colcheias executadas após as semicolcheias, que estão inseridas tanto
nas síncopes (semicolcheia-colcheia-semicolcheia) quanto na primeira parte do segundo tempo dos
compassos da seção A. Elas deverão ser executadas da seguinte forma:

Ex. 12: Execução das colcheias inseridas após as semicolcheias (sincopes e colcheias da primeira parte do segundo tempo)

Dentre as diversas articulações existentes no ritmo do frevo, se faz necessário dar ênfase na
acentuação das figuras que estão em anacruse, com o intuito de movimentar a melodia, algo muito
característico nos frevos. Todas as colcheias inseridas na parte fraca do segundo tempo ligadas a alguma
figura da parte forte do compasso seguinte deverão ser acentuadas (Ex.13). Como também, não é necessário
acentuar as semicolcheias inseridas na quarta parte do tempo (síncope) do tempo forte, evitando atrasar o
andamento da música (Ex.13). Estas indicações deverão ser executadas da seguinte forma:

Ex. 13: Articulação e acentuação das figuras

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4. Considerações finais:
As sugestões interpretativas aqui apresentadas para a obra Duas Danças, buscam contribuir para que
o executante possa realizar uma interpretação consciente e coerente da mesma, uma vez que para esse fim,
foram abordadas aqui, questões relacionadas aos gêneros utilizados para facilitar o entendimento em
relação às peças. O intérprete deve estar muito atento ao executar obras do Maestro Duda, pois ele utiliza
poucas ou quase nenhuma informação interpretativa em suas partituras. Esta atenção também deve estar
relacionada aos gêneros que se utilizam dos elementos musicais da cultura brasileira, pois ainda não existem
parâmetros interpretativos de como lidar com este tipo de música. Nestes casos, o trombonista é o principal
responsável pela construção da interpretação de músicas que apresentam estas características, porém,
sempre buscando respeitar as intenções do compositor. Portanto, concordando com Cook (2006), diversas
são as possibilidades existentes ao se pensar a interpretação de uma obra musical, sendo o instrumentista o
principal responsável pela construção de uma performance consciente, respeitando também as nuanças e
características dos gêneros musicais utilizados pelo compositor.

Referências

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estilístico-interpretativo. 2008. 116f. Tese (Doutorado em Música). Programa de Pós-Graduação em Música,
Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.

CARDOSO, Antonio Marcos Souza. O grupo Brassil e a música do maestro Duda para quinteto de metais: uma
abordagem interpretativa. 2002. 157f. Dissertação (Mestrado em Música). Programa De Pós-Graduação em
Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002.

COOK, N. Entre o processo e o produto: música e/enquanto performance. Per Musi. Belo Horizonte, n.14, p.
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DOS REIS, Fernando Cezar Cunha Vilela. O idiomático de Francisco Mignone nas 12 valsas de esquina e 12
valsas-choro. São Paulo: Dissertação - Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de São Paulo,
2016.

FARIAS, Ranilson Bezerra de. Maestro Duda: a vida e obra de um compositor na terra do frevo. 2002. 180 f.
Dissertação (Mestrado em Artes – Música). UNICAMP/UFRN, Natal, 2002.

FEITOSA, Radegundis Aranha Tavares. A abordagem da música popular brasileira nos materiais didáticos para
instrumentos de metais: perspectivas para o ensino de trompa. In: Congresso Nacional da Associação
Brasileira de Educação Musical, XXII, 2015, Natal-RN. Anais... Natal: 2015

NUNES, Radegundis Feitosa e SANTOS NETO, João Evangelista dos. Literatura Brasileira para Trombone:
Solos, Música de Câmara e Trechos Orquestrais. João Pessoa,1996.

SALDANHA, Leonardo Vilaça. Frevendo no Recife: a música popular urbana do recife e

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sua consolidação através do rádio. 2008. 297f. Tese (Doutorado em Música – Instituto de Artes). UNICAMP,
Campinas-SP, 2008.

_____________________________. Elementos estilísticos tipicamente brasileiros na “suíte pernambucana


de bolso” de José Ursicino da Silva (Maestro Duda). 2001. 130f. Dissertação (Mestrado em Artes – Música).
UNICAMP, Campinas-SP, 2001.

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Conflitos de memórias na preparação para a performance musical: identificação e


consequências da interferência proativa na condução do arco no violino

Edmarcos Costa
edmarcos07@hotmail.com
Universidade de Aveiro

Resumo: O presente artigo resulta de um esforço para identificar e relatar as


ocorrências e as consequências das interferências proativas (I.P.) na preparação
para a performance de três estudantes de violino de graduação e pós-graduação
que passaram por mudança de professores e mudança na concepção técnica de
arco. O objetivo geral desta investigação é obter a otimização da performance
musical através da redução das ocorrências destas interferências na condução do
arco no violino. Os métodos utilizados se valem da pesquisa bibliográfica, trabalho
de campo, através de entrevistas, seguidas de uma análise temática de dados
qualitativa. Como resultados, foi percebido que as ocorrências das I.P. foram
provenientes da mudança na concepção técnica de arco. Uma das principais
consequências destas interferências aqui percebidas, foi um baixo rendimento na
pratica do instrumento por parte dos participantes no período da reformulação da
técnica de arco.
Palavras-chave: Interferência proativa. Preparação para a performance. Memória.
Esquecimento.

Abstract: This article is the result of an effort to identify and report occurrences and
consequences of proactive interference (P.I.) in preparation for the performance of
three violin undergraduate and graduate students who have gone through change
of teachers and of conceptions in bow technique. The general objective of this
research is to achieve optimal musical performance by reducing the occurrence of
these interferences in the bow use on the violin. As a result, it was realized that the
occurrences of P.I. were from the change of conceptions in bow technique. One of
the main consequences of these interferences here perceived, was a low
performance in the practice of the instrument by the participants in the period of
reformulation the bow technique.
Keywords: Proactive interference. Preparing for performance. Memory.
Forgetfulness.

1. Introdução
Este artigo é um recorte de uma pesquisa de mestrado, cuja temática abrange o fenômeno da
interferência proativa na perspectiva de estudantes de violino de graduação e pós-graduação que passaram
por mudança de professor e de concepção técnica de arco.
O âmbito das cordas friccionadas, assim como a prática do violino, demanda o uso constante de
diversos padrões de movimento pelo braço direito responsáveis pela realização das inúmeras técnicas
aplicadas para se tocar determinadas peças. Quando esses movimentos motores empregados na constituição

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das técnicas já internalizadas sofrem alterações, particularmente quando se acrescenta uma diferente
maneira de produzir um mesmo som, ocorre o surgimento de conflitos de memórias, onde memórias
anteriores interferem na assimilação de memórias recentes e, por consequência, esquecimentos e práticas
indesejadas. Tal fenômeno é chamado, pelos teóricos da psicologia, de interferência proativa (I.P.)
Diversos fatores que compõem o cotidiano de um performer, com relação ao instrumento, podem
contribuir para o surgimento de conflitos de informações, ou seja, o fato de um performer lidar com várias
habilidades simultâneas ou complementares ao manusear e produzir o som no instrumento, a constante
mudança de repertório, a troca do instrumento ou acessórios, e a mudança de professor são fatores que
requerem uma readaptação.
Referindo-se aos performers que tem o violino como instrumento foi percebido, ao decorrer de aulas
e relatos de estudos individuais, possíveis situações que provocam o fenômeno das I.P. A situação que
apresentou maior evidência no surgimento de conflitos de memórias foi a troca de professor o que, na
maioria dos casos, acarretou em mudanças frequentes na concepção da técnica de arco, ou seja, na gama de
posturas e padrões de movimentos utilizados pelo braço direito na condução do arco no violino. Vale
salientar que este fenômeno se apresenta com mais força em mudanças consideravelmente grandes, sendo
mais fracas nos pequenos ajustes, o que não desconsidera o seu surgimento, porém com menos impactos.
Diante das consequências do fenômeno identificado e visto as eminentes probabilidades de este ser
um dos responsáveis pelo déficit na assimilação de novas informações na preparação da performance, surge
o seguinte questionamento: Que tipo de consequências as I.P. poderiam trazer para a vida musical e/ou
pessoal de violinistas?
O objetivo desta investigação é obter a otimização da performance musical através da redução das
ocorrências destas interferências na condução do arco no violino. Como objetivos específicos, buscamos a
compreensão das principais consequências deste fenômeno para a vida musical dos violinistas investigados,
como também a identificação das ocorrências e suas causas.
A estrutura deste artigo se configura na descrição do método, o enquadramento teórico e por último
a parte empírica, especificamente a identificação do fenômeno e as consequências deste para a vida musical
e/ou pessoal dos violinistas através dos relatos colhidos em entrevistas. Por conseguinte, as conclusões.

1.1. Investigações sobre interferência proativa


As investigações sobre o fenômeno da interferência proativa, no geral, têm tido mais abordagens em
trabalhos da área da psicologia e aprendizagem motora com trabalhos voltados à recuperação de pessoas
em processos de reabilitação de movimentos perdidos por diversos fatores, tais como acidentes vasculares
cerebrais, lesões no cérebro, acidentes automobilísticos, entre outros (PANZER et al, 2006).

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No âmbito da psicologia e da aprendizagem motora os autores têm abordado as I.P. através de


experimentos com sequências de letras ou números semelhantes, é o caso do trabalho de Neufeld e Stein
(2001) onde eles apresentam que estas interferências podem ser demonstradas a partir da aprendizagem
serial a qual os participantes devem memorizar listas de palavras ou sílabas sem sentidos (itens), denominada
(s) lista (s) original (ais). Transcorrido algum tempo (intervalo de retenção), os participantes são solicitados a
realizar um teste de memória, que pode ser de recordação (livre ou com pistas) ou de reconhecimento.
Panzer, Wild e Shea (2006) tomaram por base a abordagem de sequências similares por parte de
investigações no domínio verbal, como as mencionadas anteriormente, e substituíram as sequências verbais
por sequências de movimentos motores com o intuito de determinar o grau de influências na aprendizagem
de uma sequência de movimento para perceber se facilita ou interfere, ou ambos, na aprendizagem de outra
sequência semelhante, e vice-versa. Cybenko (2011) discorre sobre o contexto histórico da teoria da
interferência e suas subdivisões, a interferência retroativa e a interferência proativa dando maior ênfase
nesta segunda. Ele relata os primeiros autores que elaboraram experimentos com base nas hipóteses que
explicam o esquecimento através da teoria da interferência (MULLER & PILZECKER, 1900; WHITELEY, 1927;
MASLOW, 1934; UNDERWOOD, 1957). Anderson (2003) propõe o termo inibição ao repensar a teoria da
interferência. Ele defende que as memórias anteriores e posteriores não se interferem e sim uma inibe a
outra devido a estas informações serem semelhantes. Com base nisso, ele descreve o controle executivo de
respostas no momento da recordação, onde as memórias são recuperadas devido a estímulos, porém nem
todas são adequadas. Este propõe o controle sobre estas respostas.
Na performance musical as interferências têm sido abordadas em um sentido global através de
questões mais subjetivas no que diz respeito a qualquer bloqueio que conduza à uma performance que não
condiz com o convencionado pelo performer ou pelo aluno e seu respectivo professor.
Abordando a interferência na performance musical, neste contexto, Sonia Ray (2006) a define como
uma intervenção que altera o esperado. Em complemento ela expõe o ponto de vista de Barry Green (1983),
declarando que as interferências possuem uma conotação negativa, ou seja, o que interfere na performance
obrigatoriamente diminui o potencial do performer (GREEN, 1983 apud RAY, 2006, 53). Posteriormente ela
expõe o termo “figuras de interferência” sendo estas positivas e negativas como termo pertinente para a
aplicação na atividade do performer musical, visando que uma performance musical não pode existir sem
nenhuma interferência (RAY, 2006, 56).
Uma das abordagens mais diretas sobre interferência proativa na performance musical,
especificamente no estudo do violino foi feita por Susan Kempter1. Kempter (2003) descreve por meio de

1
Professora do violino, conferencista, médica, professora formadora da Associação Suzuki das Américas, e especialista em aplicações
interdisciplinares de ensino e aprendizagem de música. Fundou um novo programa de graduação (Bacharelado em Música com ênfase em pedagogia),

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exemplos práticos situações em que geram a interferência proativa na prática e ensino do violino,
nomeadamente na leitura de partitura e mudanças de postura e movimentos.

2. Interferência proativa: aspectos gerais


A questão dos conflitos de memória é explicada pela área da psicologia cognitiva enquadrando-se
nos conceitos da teoria da interferência, especificamente a interferência proativa. Esta teoria, assim como
as outras apresentadas, tem a função de explicar o esquecimento, ou seja, as causas do seu surgimento, suas
consequências e, através dos diversos experimentos, buscar a redução destes esquecimentos (CYBENKO et
al, 2011; PERGHER e STEIN, 2003; STERNBERG, 2008).
Na literatura da área da psicologia cognitiva existem diversas teorias que explicam o esquecimento
tais como a Teoria da Deterioração, a Teoria da Falha na Recuperação, a Teoria dos Esquemas e a Teoria da
interferência. Foi percebido a preferência dos autores pelo aprofundamento na teoria da interferência,
devido ao seu teor de coerência e clareza na explicação da emergência dos esquecimentos (PERGHER e STEIN,
2003, 4).
Para Sternberg (2008) a teoria da interferência explica que o esquecimento ocorre porque a
recordação de certas palavras interfere na recordação de outras. Em um contexto mais abrangente Cybenko
et al (2011) declara que: “The interference theory of forgetting states that the memory for an event can be
affected by the learning of other related or unrelated events”2 (CYBENKO et al, 2011, 7).
Pergher e Stein (2003) afirmam que as limitações da Teoria da Deterioração estimularam a
sofisticação de outras explicações sobre o esquecimento, dentre as quais está a Teoria da Interferência.
Corroborando com Sternberg (2008) e Cybenko et al (2011), Pergher e Stein (2003) expõem que esta teoria
postula que esquecemos as informações em virtude da influência de algumas memórias sobre outras. Essa
teoria também prediz que as informações mais antigas serão lembradas com mais dificuldade do que as
informações mais recentes.
Anderson (2003) repensa a teoria da interferência ao reconsiderar a conceituação de longa data de
interferência como um fenômeno de aprendizagem e nos sugere reformular a interferência como decorrente
de sistemas que alcancem o controle mental e comportamental.
“Especificamente, argumenta-se que o esquecimento não é um efeito colateral passivo de armazenar
novas memórias, mas resulta de mecanismos de controle inibitório recrutados para substituir respostas
prepotentes” (ANDERSON, 2003, 1).

bem como um currículo de pedagogia e Escola laboratório na Universidade do Novo México. Foi diretora pedagógica da classe de cordas, supervisora
e consultora do programa dos professores, professora de seminários de pedagogia, e coordenou a Escola Laboratório da UNM.
2
Tradução livre: A teoria de interferência do esquecimento afirma que a memória de um evento pode ser afetada pela aprendizagem de outros
eventos relacionados ou não relacionados.

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Anderson (2003) defende que a teoria da interferência deve ser enquadrada no contexto mais amplo
de como os organismos controlam a direção de suas ações e pensamentos. Por este ponto de vista, a
recuperação da memória apresenta um caso especial de uma ampla classe de situações que recrutam os
processos de controle executivo; “é o mecanismo de controle executivo que supera interferência de inibição
que nos faz esquecer, e não a competição em si” (ANDERSON, 2003, 2). Esta visão parte do pressuposto
comum que o esquecimento é um efeito colateral passivo da estrutura em constante mudança de memória.
Apesar de uma abordagem mais global da teoria da interferência vista até agora, a literatura
apresenta uma subdivisão desta: a interferência retroativa e a interferência proativa. Tendo esta segunda
maior ênfase neste trabalho, sendo suas ocorrências estudadas na performance musical (STERNBERG, 2008,
203-204).
A interferência proativa ocorre quando o material que interfere está antes, e não depois, da
aprendizagem do conteúdo a ser lembrado (STERNBERG, 2008, 204). A quantidade de interferência proativa,
muitas vezes, cresce com o aumento do tempo entre a apresentação (e codificação) da informação e sua
recuperação (UNDERWOOD, 1957 apud STERNBERG, 2008, 204).
Além disso, a interferência proativa aumenta à medida que aumenta a quantidade de aprendizagem
anterior e que potencialmente nela interfere (GREENBERG e UNDERWOOD, 1950 apud STERNBERG, 2008,
204). Esta é percebida quando um indivíduo tem dificuldades de fazer novas aprendizagens por interferência
de aprendizagens anteriores.
Com uma linha de pensamento similar aos outros autores mencionados, Cybenko et al (2011)
descreve a interferência proativa como o fenômeno em que o material aprendido antes de aprender um
estímulo alvo afetará a memória desse estímulo alvo.

3. Método
Para se cumprirem os objetivos formulados, foram estabelecidos os procedimentos de coletas de
dados que mais se adequassem a esta investigação. Os métodos utilizados se valem da pesquisa bibliográfica,
trabalho de campo, através de entrevistas, seguidas de uma análise temática de dados qualitativa.
Para esta investigação adotamos o modelo de análise temática. Esse comporta um feixe de relações
e pode ser graficamente apresentado através de uma palavra, uma frase, um resumo, entre outros (Minayo
et al, 2009: 86). A análise temática compreende, segundo Minayo et al (2009), a pré-análise, exploração do
material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação.
Tendo em vista a coleta de dados, foram formulados inquéritos que organizassem as questões em
temas com o intuito de obter uma maior profundidade na abordagem. Os temas abordados foram
constituídos como: (A) Consciência e identificação do problema e (B) Consequências das I.P. para a vida
musical e/ou pessoal do violinista.

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As entrevistas foram aplicadas através da abordagem dos inquéritos a três participantes,


nomeadamente três alunos de graduação e pós-graduação em violino que passaram ou estavam passando
por um momento de transição de concepção técnica de arco, onde em um contato prévio com estas pessoas,
foi percebido indícios deste problema. Estes foram indicados por seus respectivos professores durante uma
pesquisa prévia e exposição da proposta entre os professores de violino da Universidade de Aveiro/Portugal
e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte/Brasil. Os participantes permitiram as suas identificações,
porém estes serão aqui mencionados como P1, P2 e P3 para uma melhor praticidade no momento de
referenciá-los. Seus dados e descrições se encontram nos anexos deste trabalho juntamente com o inquérito.
A coleta de dados foi feita em cenários variados de acordo com a disponibilidade de tempo e local
dos entrevistados, especificamente locais de trabalho, na residência do entrevistado e na universidade em
que estuda. As entrevistas foram gravadas e transcritas, a fim de facilitar a análise. As perguntas foram
utilizadas de uma forma que incentive os entrevistados a falar em um estilo de conversação informal. O
objetivo era coletar uma grande quantidade de dados sobre cada um dos tópicos de interesse, para posterior
análise. Todas as entrevistas duraram entre vinte a vinte e cinco minutos.

4. Conflitos de memórias: identificação e consequências das I.P. na preparação para a


performance de alunos de violino
Aqui serão expostos os relatos dos estudantes de violino a respeito da identificação do fenômeno e
suas consequências, subdivididas em dois tópicos.

4.1. Identificação do problema


Este tópico buscou identificar as características principais que proporcionam o surgimento das I.P.
validando e afirmando as ocorrências deste fenômeno.
Todos os participantes relataram que os seus respectivos novos professores deram início a uma
mudança de concepção da condução do arco no violino. De acordo com os dados colhidos, nas primeiras
semanas de exposição da nova técnica, ou seja, quando os alunos estavam na fase de codificação das novas
concepções relacionadas a técnica de arco, fizeram exercícios para armazenarem estas informações e, ao
tentarem recuperá-las na tentativa de reproduzir o que estavam fixando, houve o surgimento da forma
antiga de tocar no lugar da recentemente aprendida.
Apesar dos participantes não relatarem claramente a origem das I.P., estes mencionaram os
principais momentos em que as interferências surgiam, nomeadamente nos momentos de maior tensão;
ansiedade; nos momentos que antecediam a performance; em épocas estressantes, tendo que estudar muito
para preparar um repertorio em um curto prazo de tempo; o tempo sem praticar com o instrumento, neste

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caso no período pós-férias, quando, ao retornarem as aulas, eles percebiam o enfraquecimento do que
haviam aprendido ou reformulado no semestre anterior, emergindo assim a forma antiga de tocar.
Similar aos participantes P1 e P2, o P3 enfatizou de forma mais clara que os retornos da forma antiga
de tocar surgiram em momentos de performance tais como ensaios e concertos com orquestra e em recitais.
O p3 complementou que este fato se deu devido ao desvio de foco, ou seja, quando se está em momento de
performance seu foco não está somente voltado para a técnica recém formulada e se ela ainda não estiver
bem assimilada e automatizada a técnica anterior irá retornar (P3, 2016).
Com esta afirmação é possível identificarmos fatores que podem evitar a ocorrência das I.P.,
nomeadamente uma assimilação bem formada e automatizada. Corroborando com essa afirmação Mason e
Smith (2006) ressalta a importância de uma codificação otimizada como condição para uma resposta
eficiente. Vale salientar que para a automatização, mencionada pelo P3, são necessários exercícios eficientes
de fixação da técnica, para que esta seja transferida adequadamente para a memória de longo prazo,
permitindo que a informação adequada seja recuperada quando estimulada.

4.2. Consequências das I.P. para a vida musical e/ou pessoal do violinista
Aqui foram levantadas as consequências deste fenômeno nos contextos investigados, e a maneira
como estas consequências se apresentaram, seja em forma de auxílio ou de obstáculos para otimização da
performance e para seu cotidiano como estudante de violino.
Todos os entrevistados relataram uma redução no rendimento do estudo do instrumento devido a
esse período de mudança de concepção técnica.
Relacionado as consequências das I.P. ao rendimento do estudo, o P1 relatou que “parecia que havia
dado um passo atrás” devido as adaptações e mudanças (P1, 2015). O entrevistado ainda percebeu, no
momento de tocar, um bloqueio total referente aos movimentos do braço direito, devido a obrigação que o
entrevistado tinha de ter toda técnica conscientizada. Este ainda relatou ter tido nesta fase uma atitude
derrotista.
A P2 expôs que sua maior consequência foi evidenciada pelas dores musculares provenientes de
posturas corporais inadequadas (reformulação de posturas) à sua anatomia quando segurava o violino e o
arco, a ponto de precisar de auxílio de massagens.
O P3 afirmou que seu rendimento “caiu bastante”. Ele relatou que tinha a sensação que volta a
estudar do início e parecia um iniciante.
Levando em consideração a declaração de Ray (2006), a qual diz que uma performance musical não
pode existir sem nenhuma interferência e, ao perceber que os impactos das interferências proativas podem
surtir consequências tanto de auxílio quanto de obstáculos para a vida musical e/ou pessoal do músico, os

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entrevistados foram questionados a respeito de como estas consequências se mostram, seja como auxílio,
seja como obstáculo.
O P1 relatou que de início teve alguns obstáculos. Este só sentiu melhoras na técnica ao decorrer do
tempo, especificamente após três a quatro anos de estudo. Um fato relevante é que quando o P1 julgava
está a dominar a técnica atualmente aprendida e quando este se deparava a momentos de tenção em
apresentações ou algum problema, as memórias da técnica anterior retornavam.
A P2 afirmou que as mudanças surtiram um efeito de auxílio. Ela acrescentou que, ter passado por
mudanças, ajudou-lhe a evoluir no violino, além de ter ajudado a relaxar mais. Similar a essa afirmação o P3
mencionou as duas mudanças que ele passou. Ele comentou que na primeira mudança de concepção técnica
passou por obstáculos e na segunda, apesar de ter tido obstáculos no início da reformulação, julgou que a
mudança de concepção técnica de arco surtiu um efeito de auxílio. Segundo ele, na primeira mudança houve
bastante obstáculos para se assimilar a nova concepção, porém, na segunda vez que o P3 mudou de
professor, apesar de no início ter tido obstáculos concernentes a reformulação técnica, ele passou a perceber
que a nova concepção passou a servir de base para que este conseguisse êxito na condução do arco, ou seja,
produzir um som satisfatório sem muitos esforços. Sendo assim o P3 concluiu que esta segunda mudança de
concepção surtiu consequências de auxílio para sua performance.

6. Conclusão
Contribuindo para o enriquecimento dos estudos sobre a preparação para a performance de
violinistas, esta investigação expôs a descrição do fenômeno abordado através da bibliografia levantada.
Através dos resultados foi possível perceber que as interferências proativas foram identificadas no contexto
dos alunos investigados, onde, sua maior ocorrência foi devido a mudança de concepção técnica iniciada
após a mudança de professor. As consequências destas interferências se mostraram tanto como obstáculos,
quanto como auxílio para o estudo do violino. Como obstáculo, estas interferências causaram uma
diminuição no rendimento do estudo do instrumento nos três participantes, assim como, os que conseguiram
se adaptar a estas mudanças, mesmo que depois de alguns meses ou anos, a mudança de concepção técnica
os fizeram evoluir no desempenho no instrumento, nomeadamente nas técnicas de arco. Em outras
abordagens, na dissertação a qual esse artigo é parte, foram relatadas também, as estratégias destes
participantes para lidarem com as I.P; como também este fenômeno já foi abordado em outros âmbitos da
performance musical, tal como a interpretação. Foi investigado interferências proativas nas nuances
interpretativas de música chinesa e brasileira, no contexto de um duo de violino e piano, sendo apresentado
na categoria pôster no congresso Performa’15, Aveiro/PT.
Em investigações posteriores buscaremos respostas para a questão de se é possível reduzir os
impactos das I.P. através da observação dos movimentos motores do braço direito em violinistas, tendo

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como base a hipótese de que a ênfase nas novas posturas e padrões de movimentos através da monitorização
da visão resultará numa armazenagem mais eficiente reduzindo os impactos das I.P.
Em conclusão, espera-se que este estudo venha contribuir para com a comunidade violinística,
nomeadamente servindo de auxílio aos indivíduos que se identifiquem com esta questão e que este trabalho
venha contribuir também para o despertar dos performers a buscarem cada vez mais uma avaliação de si
mesmos na busca por compreender e elaborar estratégias para os obstáculos que cercam o dia a dia de um
estudante de um instrumento musical, com o fim de otimizar sempre sua performance.

Referências

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MINAYO, MARIA CECÍLIA de SOUZA, DESLANDES, SUELY FERREIRA, GOMES, ROMEU. Pesquisa social: teoria,
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MASON, DOUGLAS J. e SMITH, SPENCER XAVIER. Cuide de sua memória: tudo que você precisa fazer para não
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STERNBERG, ROBERT J. Psicologia cognitiva / Robert J. Sternberg; tradução Roberto Cataldo Costa. - 4. ed. -
Porto Alegre: Artmed. 2008. p. 584.

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O Caldeirão dos esquecidos de Danilo Guanais: acompanhamento da gênese de


uma obra para violino solo em estilo Armorial

Mariana de Moraes Holschuh


m_holschuh@yahoo.com
UFRN

Rucker Bezerra de Queiroz


ruckerbq@gmail.com
UFRN

Resumo: Apresenta um relato sobre pesquisa em curso na área de Práticas


Interpretativas a partir do problema de como fundamentar uma interpretação de
O Caldeirão dos esquecidos para violino solo de Danilo Guanais. Para tanto,
utilizou-se de reuniões, entrevistas e ferramentas da crítica genética objetivando
descrever a transformação sofrida pelo objeto de estudo durante seu processo de
composição (em andamento), comparando suas características com as de outras
obras do compositor, de acordo com relatos da literatura. À luz de autores como
Domenici (2012), Queiroz (2014) e Lima (2016), conclui-se que a escrita em estilo
Armorial e o uso de argumento extramusical ligado à cultura popular, presentes
nesta peça, são comuns a várias obras do compositor.
Palavras-chave: Processo criativo. Danilo Guanais. Armorial. Performance. Violino.

Abstract: Presents a report on ongoing research in the performance field, starting


from the question of how to found an interpretation of O Caldeirão dos esquecidos
for solo violin, by Danilo Guanais. For this purpose, meetings, interviews, and
genetic criticism tools were used, aiming to describe the transformation undergone
by the object of study during its writing process (in progress), comparing its
characteristics with the ones of other works of the composer, according to
published reports. Enlightened by authors as Domenici (2012), Queiroz (2014) and
Lima (2016), one concludes that both the writting in Armorial style and the use of
nonmusical argument relating to popular culture, present in this work, are common
to several works of the composer.
Keywords: Criative process. Danilo Guanais. Armorial. Performance. Violin.

1. Introdução
Dentro do amplo universo do repertório violinístico, a escrita para violino solo possui lugar de
destaque pelos desafios técnico-interpretativos que, historicamente, apresenta. As Sonatas e Partitas para
violino solo de Johann Sebastian Bach e os 24 Caprichos para violino solo de Niccolò Paganini são apenas os
exemplos mais famosos dentre um sem-número de obras das mais variadas épocas, nacionalidades e estilos.

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No Brasil, entretanto, nota-se uma lacuna quando se trata deste tipo de repertório. Ao pesquisar por
caprichos1 para violino solo de caráter brasileiro, nordestino ou, em especial, Armorial2, observa-se a
existência de poucos exemplos, sendo os mais relevantes, os 26 Prelúdios Característicos e Concertantes
para Violino Só, de Flausino Vale. Apesar do título, eles podem ser considerados caprichos por suas
características de composição. Estes prelúdios receberam nomes alusivos a temas brasileiros, como Batuque,
Tico-Tico, Casamento na Roça e Ao Pé da Fogueira, e sua sonoridade remete à música tradicional do sertão
mineiro.
Por este motivo, foi encomendada ao compositor Danilo Guanais3 a escrita de um conjunto de
caprichos armoriais para violino solo, a serem objeto de pesquisa na área de Práticas Interpretativas, tendo
o compositor aceitado prontamente.
A problemática que naturalmente surge, é: qual a maneira mais adequada de interpretar a obra
encomendada? Sob quais parâmetros deve-se fundamentar as escolhas que nortearão a performance, ainda
mais, diante da escassez de referencial?
Esta pesquisa, ainda em andamento, propõe o acompanhamento do processo criativo do
compositor, auxiliando-o, quando solicitado, no que diz respeito a questões técnicas e idiomáticas do
instrumento. Ela deverá resultar em dissertação constando: relato do processo, análise visando interpretação
e partitura com sugestões de dedilhado e arcadas. Além disso, está prevista uma primeira apresentação da
obra com registro audiovisual.
Mediante as premissas, neste artigo será relatado o processo composicional da obra, desde o
conceito inicial até o presente momento. Serão tecidas considerações a respeito da evolução da ideia musical
do compositor (enquanto processo criativo aberto e sujeito a mudanças) a partir de relato do próprio Danilo
Guanais, traçando paralelos com a literatura escrita sobre ele.

2. Metodologia
A presente pesquisa prevê reuniões, entrevistas e trocas de correspondência eletrônica com o
compositor, que estão sendo registradas por meio de diário eletrônico. Estão previstas, também, revisão

1
Capricho, estudo-capricho ou estudo de concerto: forma de composição híbrida que alia a inventividade e interesse artístico à proposta pedagógica
de estabelecer “[...] ao menos um problema [...] recorrente, [...] com o intuito de melhorar a habilidade técnica e interpretativa do executante”
(BORER, 1995, p. 158). Os 24 Caprichos para Violino Solo de Niccolò Paganini são os mais famosos entre os estudos-caprichos e representam o auge
do gênero.
2
O Movimento Armorial (1970 a 1981) foi um movimento artístico que surgiu em Recife (PE). Tendo como mentor e principal liderança o escritor
Ariano Suassuna, o referido Movimento abrange a pintura, a escultura, a cerâmica, a tapeçaria, a gravura, o teatro, o cinema, a dança, a arquitetura,
a literatura e a música. Em específico, a música do Movimento Armorial pretende uma recriação da música tradicional do sertão nordestino,
caracterizada por um sincretismo entre a música ibero-mourisca trazida pelos portugueses, a música indígena e o canto gregoriano dos missionários
jesuítas (NÓBREGA, 2000).
3
Compositor, violonista e professor da Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (EMUFRN). É considerado um dos herdeiros
do Movimento Armorial. (QUEIROZ, 2014; NÓBREGA, 2000).

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bibliográfica e fonográfica, análise da partitura final e análise dos esboços, com o auxílio de ferramentas da
crítica genética. Cada uma destas ferramentas metodológicas será abordada detalhadamente a seguir.
As reuniões, presenciais e de natureza informal, estão ocorrendo de maneira esporádica, de acordo
com a dinâmica do processo composicional. Elas têm como objetivo, por um lado, fornecer ao compositor
informações sobre questões técnicas e idiomáticas da escrita para violino e, por outro, permitir aos
pesquisadores acompanhar a evolução da obra. Ressalta-se o fato de que esta interação entre intérprete e
compositor tem sido bastante comum no decorrer da história da música. A título de exemplo pode-se
mencionar o Concerto para Violino em Ré Maior, Op. 77, de Johannes Brahms, “[...] composto para e em
estreita colaboração com [o famoso violinista Joseph] Joachim”4 (BOZARTH; FRISCH, 2001, v. 4, p. 185,
tradução nossa).
Estas reuniões deverão continuar a se realizar após a conclusão da peça, porém com novo enfoque:
permitir a Danilo Guanais supervisionar a preparação da mesma para sua estreia, do ponto de vista das
escolhas interpretativas. Embora uma fidelidade perfeita ao pensamento do compositor seja pouco provável
(pois passa pelo filtro de uma segunda personalidade, de uma segunda mente e de um segundo corpo, com
todas as suas peculiaridades), executar a obra do modo mais fiel possível à sua concepção é ainda mais
importante na medida em que haverá registro audiovisual do recital, e que este registro, juntamente com o
texto da dissertação, poderá embasar futuras interpretações5.
As entrevistas têm como objetivo preencher lacunas de informação quanto a aspectos relevantes da
biografia do autor, quanto a outras questões relacionadas ao processo criativo ou quanto à obra em si. Elas
deverão ser realizadas, de acordo com a necessidade, no decorrer da escrita da dissertação. Já a troca de
correios eletrônicos possui função de apoio e substituição, quando necessário, às ferramentas já citadas.
A revisão bibliográfica e fonográfica abarca livros, teses, dissertações, artigos, periódicos, arquivos
de áudio e vídeo e outras possíveis fontes de informação, e se perpetuará no decorrer de toda a pesquisa,
com o intuito de fornecer fundamentação teórica para mesma.
O estudo dos manuscritos (sketches6, rascunhos etc.), utilizando instrumentos da crítica genética,
permitirá registrar o processo criativo e detectar pontos centrais do pensamento do compositor.

4
“[…] composed for and in close collaboration with Joachim” (BOZARTH; FRISCH, 2001, v. 4, p. 185).
5
A respeito destas questões, a partitura não é suficiente para que o intérprete reproduza fielmente as ideias do compositor, pois o performer lida
com a entonação do texto e a entonação diz respeito à maneira como se diz algo, não sendo a partitura capaz de grafá-la. Assim, caberia ao intérprete
a função de interpretar os símbolos impressos preenchendo as lacunas de informação com seu conhecimento, criatividade e intuição. Este
conhecimento seria transmitido, em sua maior parte, através de tradição oral (performances anteriores, gravações, aulas). (DOMENICI, 2012). Nesse
sentido, “[...] o fato é que a identidade que atribuímos às obras musicais é em igual medida determinada pelo texto e pelo conjunto de suas
performances. ” (DOMENICI, 2012, p. 171). Portanto, “[...] a estreia de uma obra é um primeiro enunciado, um ponto que potencialmente pode dar
origem à uma tradição” (DOMENICI, 2012, p. 175).
6
São considerados Sketches os primeiros elementos, organizados sem uma maior preocupação formal; os rascunhos, diferentemente, já se encontram
em uma etapa mais avançada e contêm esboço da forma e da sintaxe da obra (FIGUEIREDO, 2001).

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A Crítica Genética, corrente de pensamento que teve seu grande desenvolvimento


na França, a partir da década de 1970, estuda as várias fases de elaboração de um
texto, privilegiando suas [...] [modificações de teor]. Seu interesse fundamental
está voltado para o processo criativo artístico, tentando discutir esse processo de
criação. Tal estudo é feito, como vimos, a partir dos vestígios documentais
existentes do processo (FIGUEIREDO, 2001, p. 35).

Sobre a aplicação deste método na pesquisa em música, afirma-se:

Neste território a crítica genética se apresenta como um procedimento científico


viável pois, como mergulho na gênese do processo criativo através de suas
evidências, ela pode investir de especificidade o estudo do processo de decisões
que caracteriza o exercício da composição musical. Os seus princípios indicam a
possibilidade de desvelar um processo composicional, sempre único, através dos
traços de diferentes ordens que o compositor foi deixando pelo caminho ao
empreender as suas decisões pontuais (CHAVES, 2012, p. 239-240).

Danilo Guanais tem por hábito não usar o computador durante o processo composicional, dando
preferência ao lápis e ao papel. Apenas em um segundo momento, ele faz uso de programas de edição de
partitura. Isto certamente irá facilitar o uso de ferramentas da crítica genética para uma compreensão mais
aprofundada do pensamento do compositor.

Fig. 1: Recorte do caderno de esboços do compositor Danilo Guanais, onde se vê um possível tema lírico central para a peça para
violino solo, na época ainda sem nome (atualmente, O Caldeirão dos esquecidos), no modo de Ré Dórico. Nota-se a presença de
rasura.
Fonte: Oliveira (2016a).

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Fig. 2: Fluxograma mostrando o uso das diversas ferramentas metodológicas (elipses brancas) ao longo das fases da pesquisa
(retângulos cinzentos).
Fonte: Os autores (2016).

3. Do Capricho Armorial a O Caldeirão dos esquecidos


Estudar a fundo uma peça musical, valendo-se para isso de métodos adequados, é algo que
produzirá, certamente, uma base sólida para que se possa realizar as escolhas interpretativas mais
apropriadas para a sua execução. Acompanhar e participar da gênese de uma obra, tendo acesso direto ao
compositor é, portanto, uma grande oportunidade para o pesquisador e para o intérprete.
Conforme relatado na introdução deste artigo, quando da submissão do projeto da referente
pesquisa para admissão no curso de Mestrado em Música, na área de Práticas Interpretativas, foi proposta
ao compositor Danilo Guanais a criação de uma série de caprichos armoriais para violino solo, tendo sido sua
resposta, positiva.
Durante uma primeira reunião, realizada em 11 de fevereiro de 2016, Danilo Guanais afirmou estar
planejando uma série de três caprichos, com duração total de 15 a 20 minutos (informação verbal)7. A partir
de uma breve pesquisa sobre técnicas expandidas8 que lhe foi entregue, comentou que não tinha a intenção

7
Informação fornecida pelo compositor Danilo Guanais na Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (EMUFRN), em Natal
(RN), em 11 de fevereiro de 2016.
8
“O termo ‘técnica expandida’ é uma tradução direta da expressão em inglês extended technique [...], compreendendo aspectos não explorados pela
técnica tradicional do instrumento, a qual [sic], no caso do violino, foi estabelecida até o fim do século XIX. Pode-se citar como exemplo de técnica
expandida o recurso de produzir sons percussivos no tampo do violino, de tocar com pouca pressão nos dedos da mão esquerda ou ainda de mexer
nas cravelhas enquanto se fricciona as cordas com o arco. ” (COPETTI; TOKESHI, 2005, p. 318-319).

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de usar este tipo de técnica apenas por usar, optando por seu emprego apenas caso elas possuíssem sentido
dentro do discurso musical (informação verbal)9.
Em 5 de abril deste mesmo ano, em conversa informal, Danilo Guanais informou que estava
considerando se afastar da ideia de capricho, por se tratar de um formato muito europeu e que não sabia
ainda se escreveria um conjunto de peças ou uma obra contínua. Disse também que já havia escrito alguns
esboços (informação verbal)10.
Em correio eletrônico escrito na data de 23 de maio de 2016, Danilo Guanais descreveu seu
pensamento sobre a composição:

A ideia inicial de uma série de pequenas obras foi substituída pela de uma obra de
médio porte (aproximadamente 12 minutos), cujo argumento terá origem na
tradição norte-rio-grandense. Ele terá, basicamente, três momentos (lento -
moderado (lírico) - e rápido (vigoroso)) e fará parte de um conjunto de obras para
cordas solo, que já conta com a [peça para viola] ‘Con Loro nel Fiume’, gravada por
Rafael Altino ano passado. (OLIVEIRA, 2016a, grifo nosso)11.

No encarte do Compact Disc (CD) gravado pelo violista Rafael Altino, pode-se ler:

Con loro nel fiume [...] É uma composição original para viola solo, escrita como uma
fantasia elegíaca cujos elementos estruturais evocam uma tragédia: o
transbordamento das águas da represa Vajont, em 9 de outubro de 1963, e que
provocou a morte de mais de 2000 pessoas na pequena cidade de Longarone. Não
se pretende aqui uma descrição da tragédia, apenas uma construção retórica,
econômica e fragmentada, cuja composição estrutural represente minha
impressão pessoal a respeito de um evento que ocorreu próximo ao meu próprio
nascimento. O título é retirado de um poema anônimo encontrado após a
tragédia.12 (OLIVEIRA, 2014, p. 7).

Em conversa informal por telefone, Danilo Guanais reiterou a intenção de, no futuro, escrever uma
peça nos mesmos moldes para violoncelo e, talvez, uma para contrabaixo, formando assim um conjunto de
peças solo para os instrumentos da família das cordas (informação verbal)13.

9
Informação fornecida pelo compositor Danilo Guanais na EMUFRN, em Natal (RN), em 11 de fevereiro de 2016.
10
Informação fornecida pelo compositor Danilo Guanais na EMUFRN, em Natal (RN), em 5 de abril de 2016.
11
Documento online não paginado.
12
O transbordamento das águas da represa hidrelétrica construída sobre o rio Vajont, nas montanhas alpinas ao norte de Veneza (Itália), foi
considerado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) uma das piores tragédias ambientais já causadas
por ação humana (DUFF, 2013, tradução nossa). A despeito do aviso, por parte dos moradores locais, de que o solo era instável, foi construída sobre
a montanha a mais alta barragem deste tipo, à época. Na noite de 9 de outubro de 1963, um enorme pedaço da montanha, do tamanho de uma
pequena cidade, desprendeu-se e caiu dentro da represa. Um tsunami “[...] que se ergueu a mais de 200 metros acima da represa [...]” desceu rumo
ao vale a uma velocidade aproximada de 100km/h, matando 80% dos habitantes de Longarone e das vilas vizinhas. (DUFF, 2013, tradução nossa).
13
Informação fornecida pelo compositor Danilo Guanais por telefone, em Natal (RN), em 23 de maio de 2016.

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O compositor apresentou seus primeiros esboços em uma segunda reunião, no dia 30 de junho do
ano corrente. Após os mesmos serem executados, houve troca de ideias e informações a respeito de grau de
dificuldade de diferentes padrões melódicos, intervalos, ritmos, arcadas, cordas duplas14 e acordes.

Fig. 3: Trecho do primeiro conjunto de esboços da peça para violino solo de Danilo Guanais, na época ainda sem nome (atualmente,
O Caldeirão dos esquecidos), em estilo Armorial, apresentado aos pesquisadores em reunião em 30 de junho de 2016.
Fonte: Oliveira (2016a).

Uma terceira reunião, marcada para 11 de agosto, precisou ser desmarcada por questões de saúde
do compositor. Danilo Guanais enviou, em substituição, um correio eletrônico com novos esboços a serem
experimentados e analisados quanto à digitação ao instrumento. Por telefone, comentou que estava
pensando em usar, como argumento para a obra, a história da guerra de Canudos (informação verbal)15.

Fig. 4: Trecho do segundo conjunto de esboços da peça para violino solo de Danilo Guanais, na época ainda sem nome (atualmente,
O Caldeirão dos esquecidos), em estilo Armorial, apresentado através de correio eletrônico em 11 de agosto de 2016.
Fonte: Oliveira (2016b).

Na semana seguinte, em 17 de agosto, o compositor disse, em conversa informal, que, durante suas
pesquisas sobre a guerra de Canudos, descobriu um fato histórico pouco conhecido, durante o qual foram
mortos muitos norte-rio-grandenses: o massacre do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto. Por este motivo, ele
teria decidido mudar o argumento da obra (informação verbal)16.
Caldeirão de Santa Cruz do Deserto foi o nome dado a um sítio, localizado no município de Crato (CE),
onde, a partir de 1926, se desenvolveu uma comunidade messiânica e igualitária liderada pelo beato José
Lourenço. O trabalho era coletivo e a produção, distribuída de acordo com as necessidades de cada um. Para
o local, havia um fluxo contínuo de romeiros e retirantes - muitos deles enviados por Padre Cícero,
proprietário das terras e amigo do Beato. No seu auge, a comunidade atingiu cerca de 5000 habitantes (na

14
Nome técnico dado à execução de intervalos harmônicos, nos instrumentos de cordas friccionadas.
15
Informação fornecida pelo compositor Danilo Guanais por telefone, em Natal (RN), em 11 de agosto de 2016.
16
Informação fornecida pelo compositor Danilo Guanais na EMUFRN, em Natal (RN), em 17 de agosto de 2016.

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sua maior parte, provenientes do Rio Grande do Norte (RN)), sendo praticamente autossuficiente e
produzindo de alimentos a roupas, panelas e enxadas.
O grande fluxo de pessoas em direção ao sítio gerou escassez de mão de obra na região e
desequilibrou o sistema de produção do latifúndio. No plano religioso, o Caldeirão começou a rivalizar com
Juazeiro do Norte. O beato José Lourenço era acusado de comunismo e autoridades eclesiásticas alertavam
para o risco de uma nova Canudos. Com a morte do Padre Cícero, a ordem dos salesianos, que herdara a
propriedade, solicitou a reintegração de posse do Caldeirão.
As forças do estado invadiram o local, expulsando os moradores e queimando suas casas, mas o
beato conseguiu fugir. Aos poucos, os moradores retornaram e reconstruíram a comunidade; José Lourenço,
entretanto, permaneceu escondido nas matas da Chapada do Araripe. Após um confronto com a polícia local,
que resultou em mortos e feridos, e a pedido da Igreja e do Governo do Ceará, o governo Getúlio Vargas
autorizou o ataque ao Caldeirão: na madrugada de 11 de maio de 1937, duzentos policiais e dois aviões,
armados com bombas e metralhadoras, massacraram a comunidade. Cerca de 800 camponeses morreram.
José Lourenço faleceu em 1946, vítima de peste bubônica (GOMES, 2009).
Sobre sua atual concepção da peça, Danilo Guanais escreveu, em 11 de setembro:

Penso em chamar a obra de ‘O Caldeirão dos esquecidos’, desta maneira, com ‘C’
maiúsculo para Caldeirão, que é nome de lugar. O fato de que a maioria das pessoas
que foram para lá terem saído do Rio Grande do Norte me motivou ainda mais a
pesquisar este tema, de maneira a transformá-lo em música. Não no sentido de
descrição, mas de expressão pessoal com base nas forças que construíram a trama
da História: a terra e suas características, os participantes e suas vontades, medos,
anseios e vitórias, e a luta, o conflito. Essas forças têm paralelos na linguagem
musical (elementos melódicos / harmônicos característicos; ritmos característicos;
conflitos harmônicos / estéticos / formais, etc.) e podem ser articulados para
compor um discurso em que a música expresse uma conjunção de ‘fatos’ musicais
não necessariamente vinculados aos fatos históricos, mas sugeridos por eles.
Da inevitável comparação com Canudos e do secionamento da maior referência do
evento, o livro ‘Os Sertões’, de Euclides da Cunha, feito em três partes (A terra / O
homem / A luta) surgiram as seções com as quais pretendo trabalhar o idioma
violinístico para concluir a obra:
I – A seca
II – O peregrino
III – A covardia
O tempo aproximado de duração a que pretendo chegar será de 15 minutos.
(OLIVEIRA, 2016c)17.

17
Documento online não paginado.

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Tab. 1: Mudanças de concepção no decorrer do processo criativo da peça O Caldeirão dos esquecidos, para violino solo, de Danilo
Guanais (composição ainda em andamento); data em que estas informações foram relatadas e tempo decorrido entre os relatos.
Fonte: Os autores (2016).

4. O estilo Armorial em Danilo Guanais: características de O Caldeirão dos esquecidos e da obra


do compositor
A peça O Caldeirão dos esquecidos está sendo composta em estilo Armorial. O uso pessoal que
Danilo Guanais faz deste estilo se caracteriza, do ponto de vista do discurso musical, por não ser
predominantemente tonal ou modal, antigo ou moderno. Ao contrário, o discurso apresenta um contraponto
entre estes polos (informação verbal)18. O compositor pretende usar na composição uma série dodecafônica,
ainda não esboçada. A rítmica popular característica da rabeca, em semicolcheias19, estará fortemente
presente. A ela deverá fazer oposição a escrita em tercinas (ou compasso composto), ritmo este que não
seria característico da música nordestina para rabeca (informação verbal)20.
O estilo Armorial também está presente em outros trabalhos de Danilo Guanais, inclusive em três
das mais importantes obras do compositor: Missa de Alcaçus (1996), Sinfonia n. 1 (2002) e Paixão Segundo
Alcaçus (2013).
A Missa, a mais antiga das três obras, está escrita em uma linguagem armorial mais tradicional.
Coexistem elementos populares e eruditos, tonalismo e modalismo, não estando presente o serialismo. A
peça está construída sobre o texto litúrgico tradicional (LIMA, 2014). Esta obra foi gravada em CD21 e, no
encarte, pode-se ler um texto de Ariano Suassuna:

A Missa de Danilo Guanais me causou excelente impressão. Só tenho que saudar


todos os nossos artistas que sabem que a tradição verdadeira não pode jamais ser
confundida com repetição ou rotina; que nela nós não cultuamos as cinzas dos
antepassados, mas sim a chama imortal que os animava; que não estão deixando
cair no vazio a chama da cultura brasileira; chama que recebemos, viva e acesa, das
mãos de Aleijadinho, do Padre Jose Mauricio, de Euclides da Cunha, de Villa-Lobos

18
Informação fornecida pelo compositor Danilo Guanais por telefone, em Natal (RN), em 20 de maio de 2016.
19
Considerando-se a semínima como unidade de tempo.
20
Informação fornecida pelo compositor Danilo Guanais por telefone, em Natal (RN), em 20 de maio de 2016.
21
“[...] gravada no estúdio da Escola de Música da UFRN em 1996.” (QUEIROZ, 2014, p. 38).

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e de outros de raça igual; a chama que temos o dever de legar aos que se seguem,
renovada e recriada para expressar nosso pais, nosso povo e nosso atormentado
tempo. (SUASSUNA, 1996 apud QUEIROZ, 2002, p. 23).

Na composição intermediária, a Sinfonia n. 1, já se encontra presente o serialismo, ao lado do


modalismo e do tonalismo (LIMA, 2014). Aqui também aparecem pela primeira vez (ao menos neste conjunto
de obras), argumentos extramusicais de caráter lendário, histórico ou popular: O Livro de Adão e Eva22 e
poesias23 de Ariano Suassuna.
A Paixão Segundo Alcaçus, a mais recente das três, novamente apresenta contraponto entre
tonalismo, modalismo e serialismo (LIMA, 2014), sendo “[...] composta sob o arquétipo de três fontes: o
Evangelho de Marcos, o Evangelho segundo Jesus Cristo de José Saramago, e, de autoria de Danilo Guanais,
as Décimas da Paixão e o Membra Jesu Nostri.” (LIMA, 2014, p. 71).
Outros exemplos de utilização, na obra de Danilo Guanais, de argumentos extramusicais originados
na cultura popular são as 3 Tocatas Armorias para Violão Solo24 :
A primeira peça se intitula O Romance do Boi da Mão de Pau, inspirado no romance homônimo de
Fabião das Queimadas (PEREIRA; LIRA, 2015). A intenção do compositor teria sido “[...] transformar o
romance numa peça que expressasse um pouco, não um sentimento, mas o estado de espirito do compositor
após a leitura.” (PEREIRA; LIRA, 2015, p. 4).
A segunda tocata se chama Poema Negro, escrita a partir do poema de mesmo nome, de Augusto
dos Anjos.
A última tocata é O Vôo Admirável do Pavão Misterioso, inspirada no Romance do Pavão
Misterioso, literatura de cordel de autoria de João Melquíades Pereira da Silva. Apesar de ter como
argumento o cordel, esta peça foi escrita em “[...] uma linguagem mais moderna [...]” (PEREIRA; LIRA, 2015,
p. 7).
Pode-se, ainda, citar O Turista Aprendiz, poema sinfônico para orquestra e violino, viola e violoncelo
solistas. A obra, estreada em 2015, é inspirada em duas crônicas que Mário de Andrade escreveu sobre sua
estadia em Engenho Bom Jardim (RN). Tais crônicas fazem parte do livro de mesmo nome da obra musical
(OLIVEIRA, 2015).
Nota-se, portanto, a partir do exposto acima, que tanto o estilo Armorial - com o uso de tonalismo,
modalismo e serialismo - quanto a utilização de argumento extramusical de origem popular (estilo e
argumento estes que, como se observou, Danilo Guanais pretende utilizar na peça para violino solo O

22
Evangelho apócrifo alusivo ao velho testamento.
23
O Campo (Sonetos iluminogravados), A Fêmea e o Macho, A uma Dama Transitória, O Cego e o Mundo (O Pasto Incendiado), A Moça Caetana: a
morte sertaneja (Vida Nova Brasileira) (LIMA, 2014, p. 72).
24
Escritas entre 2011 e 2012 (PEREIRA; LIRA, 2015).

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Caldeirão dos esquecidos) são característicos de várias (e algumas das mais importantes) obras do
compositor.

5. Considerações finais
Neste artigo, relatou-se como uma ideia inicial de composição de um conjunto de caprichos armoriais
para violino solo - encomendado ao compositor Danilo Guanais - se transformou, até a presente data25, em
uma peça para violino de porte médio, em estilo Armorial, inspirada no massacre do Caldeirão de Santa Cruz
do Deserto e a se inserir num conjunto de obras solo para os instrumentos de cordas friccionadas.
Comparando com outras peças do compositor, através de relatos da literatura, pôde-se observar que a
escrita neste estilo (Armorial com presença de tonalismo, modalismo e atonalismo) e a alusão a argumentos
da cultura popular estão fortemente presentes na obra de Danilo Guanais.
O acompanhamento deste processo composicional se deu através de reuniões, entrevistas e acesso
aos esboços, dentro de uma pesquisa em Práticas Interpretativas.
Com este trabalho, resultado parcial de pesquisa em andamento, espera-se contribuir para uma
maior compreensão do processo criativo de O Caldeirão dos esquecidos para violino solo assim como, de
modo mais amplo, da obra do compositor Danilo Guanais. Espera-se, também, colaborar com futuras
pesquisas relacionadas ao compositor e à relação compositor-intérprete, bem como a outros trabalhos na
área de Práticas Interpretativas.

Referências

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Janeiro. Anais… Rio de Janeiro: UFRJ, 2005. Disponível

25
Como este relato se insere em meio ao fluxo de um processo composicional ainda em curso, novas ideias e novos caminhos poderão surgir.

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______. Para o artigo. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <m_holschuch@yahoo.com> em 23


maio 2016a. Documento não publicado.

______. Sobre a reunião de hoje. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por < m_holschuch@yahoo.com>
em 11 ago. 2016b.

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Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2014. Disponível em:


<http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code= 000925821&opt=4>. Acesso em: 11 out. 2015.

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Categorias e critérios para análise de dificuldades musicais em obras escritas para


piano

Júnia Gonçalves Santiago


juniasant@gmail.com
Universidade Federal de Minas Gerais

Resumo: Este estudo enfoca a classificação de categorias e critérios, sob os


aspectos da escrita pianística, que ajudem a identificar dificuldades existentes em
obras musicais para este instrumento. Foi estabelecido as seguintes categorias:
tempo e ritmo, melodia, textura e sonoridade. A cada uma destas categorias foram
conferidos três possíveis níveis de dificuldade: pouca dificuldade, razoável
dificuldade e muita dificuldade, que contribuirá para a classificação de dificuldade
técnica mais específica em uma obra musical
Palavras-chave: Nível de dificuldade, Análise. Piano. Critérios Musicais.

Abstract: This study focuses on the investigation of categories and criterion,


departing from its pianistic writing, that help to identify the existing difficulties in
musical works for this instrument. Was made through the use of the following
categories: tempo and rhythm, melody, texture and sonority. To each one of these
categories three possible levels of difficulty were given: low difficulty, reasonable
difficulty, much difficulty, which contribute to the technical difficulty of
classification more specific in a musical work
Keywords: Level of difficulty. Analysis. Piano. Musical criteria.

1. Introdução
Este trabalho visa saber identificar e caracterizar o nível de dificuldade técnico- musical perceptível
de uma obra musical qualquer sob o ponto de vista pianístico. Buscar-se-á um melhor conhecimento da
escrita através do estabelecimento de ferramentas específicas para a realização de uma análise.
No livro 36 Compositores Brasileiros: Obras para piano (1950 a 1988), de GANDELMAN (1997),
consiste em mostrar as características composicionais e a dificuldade técnico-musical, classificando-se em
níveis de dificuldade a produção pianística dos compositores selecionados, sendo esta avaliação feita a partir
da observação desenvolvida ao longo dos anos de ensino da autora; o trabalho não trata, no entanto, das
práticas e ferramentas utilizadas para esta classificação. O Guia Prático e Temático n°1, RICORDI (1978),
aborda a mesma questão, ao classificar todas as edições de composição para piano feitas pela editora Ricordi
por grau de dificuldade, indicando músicas desde o primeiro ano do curso preliminar até o curso superior,
contudo também não define quais mecanismos utilizados para tal definição.
Consultas em tratados de técnica pianística, incluindo os livros Teoria da Aprendizagem Pianística,
de KAPLAN (1985) e Como devemos estudar piano de LEIMER e GIESEKING (1949), evidenciaram que os

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autores enfatizam a necessidade de um estudo consciente para uma execução pianística mais efetiva,
estabelecendo padrões gerais relevantes para um estudo acerca de dificuldades técnico-musicais.
A escolha do tema deste artigo justifica-se pela necessidade de tal conhecimento para o repertório
didático-pianístico, por um lado, assim como pela inexistência, até o momento, de um estudo que ofereça
aos professores de piano, ferramentas pedagógicas que lidem especificamente sobre a identificação de
dificuldade técnico-musical em uma obra.
Para que isto seja possível, faz-se necessário o estabelecimento da seguinte metodologia:
Estabelecimento de categorias a serem utilizadas na investigação da dificuldade técnico-
musical: tempo e ritmo, melodia, textura e sonoridade, assim como a classificação de três níveis a
serem utilizados para o estabelecimento da dificuldade de cada categoria em cada peça: 1) pouca
dificuldade; 2) razoável dificuldade e 3) muita dificuldade. Tais classificações estão descritas no
capítulo 2, Categorias e Critérios de dificuldade pianística, onde parte de uma avaliação tanto
quantitativa quanto qualitativa das categorias técnico-musicais analisadas;
Haja vista a importância deste tema aqui abordado, assim como a necessidade de um estudo que
vise à aplicação prática dos conhecimentos adquiridos, acredita-se ser relevante um trabalho que contribua
para um melhor entendimento de obra pianística e que proporcione resultados que possam ser úteis tanto
para a performance quanto para o ensino da mesma.

2. Categorias e Critérios de dificuldade pianística


A análise musical, assim como qualquer avaliação acerca de determinado objeto, mesmo quando
pautada por critérios objetivos, envolve considerável grau de subjetividade. O maestro e pensador Sérgio
Magnani discorre a respeito:

A estética, como disciplina teorética, é a reflexão em torno dos problemas da arte;


como atividade prática, é a contemplação consciente da obra de arte, a integração
com o processo criativo e com seus objetivos, o processamento interior dos dados
que permitem a formulação de um juízo crítico. Note-se que todas estas operações
do espírito são orientadas e potenciadas pela cultura; mas podem também
independer dela, desenrolando-se por canais de identificação intuitiva ou não
identificação intuitiva, (MAGNANI, 1989, pag.15).

Contudo, para um melhor entendimento acerca do processo de classificação de dificuldade proposto,


apresentamos aqui um detalhamento das diferentes categorias utilizadas nesta análise, tidas como
fundamentais para a execução pianístico- musical: 1. Tempo e ritmo; 2. Melodia; 3. Textura; 4. Sonoridade.
Para uma maior clareza quanto à avaliação destas categorias foram previamente estabelecidos três níveis de

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dificuldade, utilizados para uma análise tanto quantitativa quanto qualitativa: 1. Pouca dificuldade; 2.
Razoável dificuldade; 3. Muita dificuldade.

2.1 Tempo e Ritmo


De acordo com FALLOWS (2001), pg. 120, tempo - ou andamento - é “a velocidade na qual procede
a performance”, enquanto que ritmo, conforme DÜRR e GERSTENBERG (2001), pg.804, é “a subdivisão de
um período de tempo em seções perceptíveis pelos sentidos; o agrupamento de sons musicais,
principalmente através de duração e acentuação”.
Ritmo talvez seja o mais fundamental dos três elementos musicais básicos, os outros dois sendo
melodia e harmonia; sua organização afeta toda a estruturação musical e seu maior ou menor nível de
complexidade pode ser determinante quanto ao grau de dificuldade de uma obra. A velocidade de execução
pode, igualmente, contribuir para a percepção relativa à dificuldade, já que envolve diferentes níveis da
complexidade motora necessária à performance.
2.1.1 Pouca Dificuldade
Neste nível incluímos andamentos lentos, como Larghetto, Adagio e Andante, em especial por
possibilitarem maior tempo para o executante realizar a leitura, localizar-se ao teclado, assim como para uma
execução com maior fluência e correção acerca de notas e ritmos. Andamentos extremamente lentos, como
Grave e Largo, tornam a avaliação de dificuldade ainda menos objetiva, já que envolvem uma maior
complexidade quanto à manutenção do pulso.
Sobre a agógica destacamos a pouca incidência de indicações que alterem a mudança de andamento
e que tenham apenas um ou dois tipos de expressões como, por exemplo, accelerando e rallentando.
Consideramos também de pouca dificuldade a incidência de compassos binários, ternários e
quaternários, assim como os tipos simples de ritmos e suas combinações. As peças que contenham
predominantemente figuras como mínima, semínima e colcheia, ou uma mesma célula rítmica permeando
toda a obra, serão classificadas neste primeiro nível.
2.1.2 Razoável Dificuldade
Andamentos de velocidade moderada como Andantino e Allegretto que possibilitem uma execução
tranquila, porém com maior fluência, serão aqui incluídos. Na agógica, destacamos uma maior incidência de
expressões, e mais variações de indicações de mudança de andamento. Os compassos compostos binários,
ternários e quaternários, subdivisões binárias e ternárias, a pouca incidência de síncopes simples e
polirritmias básicas (duas colcheias contra três colcheias, por exemplo.) serão também considerados como
de razoável dificuldade.
2.1.3 Muita Dificuldade

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Tempos rápidos ou muito rápidos, caracterizados por uma complexidade maior quanto à realização
motora e destreza e de caráter até virtuosístico (por exemplo, Allegro, Vivace, Presto e Prestíssimo), serão
tidos como de muita dificuldade. Na agógica, destacamos uma ampla incidência e diversidade de expressões
de andamento, assim como mudanças bruscas das mesmas.
Também ficam neste nível a polimetria, a alternância e combinações diversas de compassos assim
como uma maior variedade de pulsação dentro de uma mesma peça ou movimento. Os aparecimentos
constantes de síncopes, polirritmias mais elaboradas (quatro semicolcheias contra cinco semicolcheias, por
exemplo), diferentes combinações rítmicas justapostas, quiálteras acima de cinco notas, além da grande
diversidade nas indicações de acentuações e seus deslocamentos também serão considerados elementos de
muita dificuldade.

2.2 Melodia
De acordo com RINGER (2001), pg. 363, melodia pode ser definida como “sons de alturas
determinadas, organizados no tempo musical (...)”. Serão aqui avaliados, primariamente, a ocorrência de
distâncias intervalares diversas, assim como dos vários sinais utilizados para denotar a articulação melódica,
tais como ligadura, tenuta, staccato, entre outros, envolvidos na identificação e análise das frases musicais.
O aspecto melódico de uma obra diz respeito, igualmente, à maior ou menor complexidade da invenção
temática, resultando em “ideias musicais”, “temas” ou “melodias” que ocorrem em profusão pequena ou
grande e podem se caracterizar como mais ou menos elaboradas.
2.2.1 Pouca Dificuldade
Linhas melódicas de extensão restrita e com maior incidência de graus conjuntos, saltos pouco
frequentes e predominantemente contidos em uma oitava, assim como pouca ou nenhuma diversidade de
articulação caracterizarão a pouca dificuldade melódica; os temas são poucos, simples e facilmente
identificáveis.
2.2.2 Razoável Dificuldade
Neste nível as linhas melódicas podem ter maior extensão, os saltos são razoavelmente amplos (não
maiores que duas oitavas) e aparecem com maior frequência; alguma diversidade pode ser notada quanto à
articulação e organização das frases, e os temas podem apresentar maior diversidade.
2.2.3 Muita Dificuldade
Aqui poderemos encontrar linhas melódicas muito extensas, multiplicidade de temas com grande
variedade inventiva, além de saltos rápidos e frequentes com âmbito de mais de duas oitavas. Uma grande
diversidade de articulação e de organização fraseológica, assim como a sobreposição de diferentes tipos de
articulação também serão tidos como elementos de muita dificuldade.

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2.3 Textura
Conforme THE NEW GROVE (2001), pg. 323, textura é “termo usado vagamente em referência a
quaisquer dos aspectos verticais de uma estrutura musical, usualmente em relação à maneira em que partes
ou vozes individuais são organizadas. “ Há dois tipos principais de textura: homofônica, na qual as partes são
interdependentes ou há clara distinção entre melodia e acompanhamento; e polifônica, onde as vozes
movem-se independentemente ou em imitação. Entre estes dois tipos há ainda um “estilo livre” (free-part
style), onde o número de partes pode variar em uma única frase. Pode-se ainda referir-se à textura como
“densa” ou “leve”, com relação ao espaçamento de acordes e/ou quantidade de vozes envolvidas. A textura
pianística pode envolver consideráveis e variados níveis de complexidade, representando desafios diversos
à performance.
2.3.1 Pouca Dificuldade
Aqui deverá haver predominância de textura homofônica, em especial a incidência da relação
melodia/acompanhamento, assim como uma organização textural mais “leve” da composição.
2.3.2 Razoável Dificuldade
Incluiremos neste nível peças de textura homofônica com eventual adensamento na organização das
partes, assim como aquelas de textura mista ou polifônica que envolva pouca complexidade contrapontística
(número restrito de vozes e com pouca movimentação).
2.3.3 Muita Dificuldade
Neste nível incluiremos composições de textura homofônica que compreenda grande adensamento
das partes, assim como outras de textura mista e/ou polifônico-contrapontística mais densa e complexa,
envolvendo maior número de vozes com considerável movimentação.

2.4 Sonoridade
Esta categoria será vista, aqui, como o conjunto de aspectos diversos relacionados à qualidade do
som musical-pianístico, como, por exemplo, timbre, dinâmica, pedalização, utilizados na performance. Partir-
se-á não somente das indicações expressamente grafadas no texto musical, mas também do que é
indiretamente sugerido pelo mesmo.
2.4.1 Pouca Dificuldade
Pouca variação de dinâmica caracterizará este nível, com a ocorrência de poucos planos de
intensidade, assim como utilização restrita da extensão do teclado, efeitos timbrísticos simples e pedalização
básica (esparso e simples uso do pedal da direita, preferencialmente sem uso do una corda).
2.4.2. Razoável Dificuldade
Efeitos mais variados de dinâmica, com maior e mais diverso âmbito de intensidades utilizadas. O
timbre poderá ser mais explorado, a partir da necessidade de utilização de diferentes tipos de toque

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(sugeridos por indicações como cantabile, dolce, sfz, etc.). A pedalização poderá requerer o uso do una corda,
como também do pedal da direita de maneira mais extensa e variada.
2.4.3 Muita Dificuldade
Neste nível será incluído o uso mais amplo e diversificado de dinâmica (desde o ppp até o ffff, por
exemplo), como também abruptos e frequentes contrastes de toques visando alterações no timbre. O
teclado poderá ser explorado em toda a sua extensão, e o uso do pedal dar-se-á de maneira mais diversificada
e complexa, a partir, por exemplo, de trocas frequentes e/ou rápidas, uso de efeitos como meio ou um quarto
de pedal, trêmulo de pedal, una corda, pedal tonal (sostenuto).
Utilizou-se o termo “dificuldade” como um substantivo que pudesse representar o nível de
complexidade pianística de cada uma das categorias avaliadas, assim como em oposição a “facilidade”,
expressão que esta autora acredita não ser possível utilizar em relação a nenhuma das obras analisadas.
Muito embora a avaliação proposta acima apresente vários critérios, não há como ver-se livre de um
forte elemento subjetivo quando de sua efetivação. Acreditamos, no entanto, ser este um fator importante
para que esta análise possa ser não somente quantitativa, mas, também qualitativa, o que, esperamos, possa
contribuir de maneira ainda mais efetiva para a compreensão acerca dos diferentes níveis de dificuldade
pianística presentes na obra.

2.5 Resumo dos Critérios


Para melhor entendimento, segue um resumo de todas as categorias e seus atributos, separados em
quadros por nível de dificuldade, conforme critérios estabelecidos.
2.5.1 Tempo e Ritmo
QUADRO 1

Pouca Dificuldade
Compasso Binário, Ternário e Quaternário simples.
Andamento Lento.
Agógica Pouca incidência.
Combinações Rítmicas Predominância de figuras como mínima, semínima e
colcheia, ou uma mesma célula rítmica permeando
toda a obra.

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QUADRO 2

Razoável Dificuldade
Compasso Binário, Ternário e Quaternário compostos.
Andamento Moderado.
Agógica Incidência de expressões, e mais variações de indicação
que alterem a mudança de andamento.
Combinações Rítmicas Pouca incidência de síncopes simples e
polirritmias básicas.

QUADRO 3

Muita Dificuldade
Compasso Polimetria.
Andamento Rápidos ou muito rápidos.
Agógica Ampla incidência e diversidade de expressões de
andamento.
Combinações Rítmicas Polirritmias mais elaboradas, diferentes combinações
rítmicas justapostas, quiálteras acima de cinco notas,
além da grande diversidade nas indicações de
acentuações e seus deslocamentos.

2.5.2 Melodia

QUADRO 4
Pouca Dificuldade
Extensão Melódica Linhas melódicas restritas.
Saltos / Graus Pouco Frequentes e predominantemente contidos em
uma oitava e com maior incidência de graus
conjuntos.
Articulações Pouca ou nenhuma diversidade.
Fraseado Simples e facilmente identificáveis.

QUADRO 5
Razoável Dificuldade
Extensão Melódica Maior extensão nas linhas melódicas.
Saltos / Graus Razoavelmente amplos (não maiores que duas
oitavas) e aparecem com maior frequência, assim
como incidência de graus conjuntos e disjuntos.
Articulações Alguma diversidade.
Fraseado Apresenta maior diversidade.

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QUADRO 6
Muita Dificuldade
Extensão Melódica Linhas melódicas muito extensas.
Saltos / Graus Saltos rápidos e frequentes com âmbito de mais de
duas oitavas, assim como maior predominância de
graus disjuntos.
Articulações Grande diversidade de articulação, assim como a
sobreposição de diferentes tipos de articulação.

Fraseado Grande diversidade na organização fraseológica.

2.5.3 Textura

QUADRO 7
Pouca Dificuldade
Organização H/P/M Predominância de textura homofônica, em especial a
incidência da relação melodia/acompanhamento.
Espaçamento Leve.

QUADRO 8
Razoável Dificuldade
Organização H/P/M Textura homofônica, assim como aquelas de
textura mista ou polifônica que envolva pouca
complexidade contrapontística.
Espaçamento Médio adensamento.

QUADRO 9
Muita Dificuldade
Organização H/P/M Textura homofônica, assim como outras de textura
mista e/ou polifônico-contrapontística mais complexa,
envolvendo maior número de vozes com considerável
movimentação.
Espaçamento Grande adensamento das partes.

2.5.4 Sonoridade

QUADRO 10
Pouca Dificuldade
Dinâmica Pouca variação e pequenos planos de intensidade.
Pedalização Pedalização básica (esparso uso do pedal da direita,
preferencialmente sem uso do una corda).
Toque / Timbre Efeitos timbrísticos simples.
Região do Teclado Utilização restrita da extensão do teclado

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QUADRO 11
Razoável Dificuldade
Dinâmica Efeitos mais variados, maior e mais diverso âmbito de
intensidades utilizadas.
Pedalização Poderá requerer o uso do una corda, como
também do pedal da direita de maneira mais
extensa e variada.
Toque / Timbre Mais explorado, a partir da necessidade de
utilização de diferentes tipos de toque.
Região do Teclado Utilização mais ampla do teclado.

QUADRO 12
Muita Dificuldade
Dinâmica Amplo e diversificado de dinâmica (desde o ppp
até o ffff, por exemplo).
Pedalização Mais diversificado e complexo, a partir, por exemplo,
de trocas frequentes e/ou rápidas.
Toque / Timbre Abruptos e frequentes contrastes de toques
visando alterações no timbre.
Região do Teclado Explorado em toda a sua extensão.

3. Considerações Finais
Consideramos importante este trabalho, no sentido de ser um auxílio na ocasião em que se precise
classificar determinados níveis de dificuldades existentes principalmente em obras musicais dedicadas ao
piano. Esta pesquisa coopera como uma ferramenta que instiga a observar certas Categorias e Critérios
relevantes dentro de uma música.
Os Níveis de Dificuldades estabelecidos neste trabalho, forma classificados e definimos em três níveis
como: pouca dificuldade, razoável dificuldade e muita dificuldade, uma forma despretensiosa que contribuirá
para a classificação descomplicada do grau de dificuldade técnica dentro de uma obra musical.
É importante entender que cada categoria seja, Tempo e ritmo. Melodia; Textura e Sonoridade devem
ser analisadas em uma partitura musical de forma distinta uma da outra, ou seja, o nível de dificuldade é
disposto em separado em cada grupo. Sendo assim, uma mesma obra musical pode ter variados graus de
dificuldade, evidentemente em categorias diferentes. Como exemplo, uma música pode estar com a
categoria Tempo e Ritmo, em um nível de pouca dificuldade, já a sua Melodia e Sonoridade em alta
dificuldade e por fim sua Textura em razoável dificuldade.
Em síntese, o olhar para cada Categoria deve ser analisado de forma singular, pois é sabido que a
uma música é composta pela combinação de diversos elementos e cada um carrega uma função particular.

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Acredita-se que os resultados desta pesquisa possam vir a lançar uma luz sobre o trabalho daqueles
que venham a se debruçar sobre dificuldades de leitura pianística, assim como gradações de dificuldades
tanto de leitura como também sobre a técnica pianística, sejam eles intérpretes, professores ou estudantes,
a partir de uma maior consciência em relação aos níveis de dificuldade pianístico-musical presentes na obra.
Não obstante, novos dados referentes à interpretação pianística poderão, sempre, ser acrescentados, em
especial a partir de observações originais advindas da experiência única que cada intérprete pode ter com a
obra. Alguns aspectos que podem ainda vir a ser trabalhados sobre gradação de dificuldade técnica dizem
respeito, por exemplo, à expressividade musical, emprego da tonalidade, e utilização de movimentos
pianísticos, toques e dedilhados.
Por consequência, espera-se que este trabalho possa servir de estímulo para o surgimento de novos
estudos relacionados a outros tipos de dificuldade, em particular, e, em geral, à identificação dos diferentes
níveis de dificuldade dentro do repertório pianístico brasileiro. É claro que sobre este tema ainda carece de
investigações que trabalhem diversas e importantes questões diretamente relacionadas à performance,
vindo assim a contribuir para seu melhor conhecimento – e eventual reconhecimento – dentro do cenário
musical brasileiro.

Referências

DÜRR, Walther e GERSTENBERG, Walter. Melody. Rhythm. Tempo. Texture. In: The New Grove Dictionary of
Music and Musicians. 2nd. ed. London and New York: Grove Macmillan Publishers Limited, 2001.

a
GANDELMAN, Salomea. 36 Compositores Brasileiros: Obras para Piano (1950 a 1988). 1 ed. Rio de Janeiro:
Funarte/Relume Dumará, 1997. 335p.

KAPLAN, José Alberto. Teoria da Aprendizagem Pianística. Porto Alegre: Editora Movimento, 1985. 112 p.

LEIMER, Karl; GIESEKING, Walter. Como Devemos Estudar Piano. Trad. Tatiana Braunwieser. São Paulo:
Editorial Mangione S. A., 1949. 63p.

MAGNANI, Sérgio. Expressão e Comunicação na Linguagem da Música. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1989.

RICORDI, Guia Prático e Temático n°1. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1978.384p.

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O Quarteto de Cordas Nº2 de Guerra-Peixe: considerações técnicas-interpretativas

Israel Victor Lopes da Silva


israelvictorsilva@gmail.com
Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Marlon Barros de Lima


marlon.lima@ifpb.edu.br
Instituto Federal da Paraíba

Resumo: O presente artigo é um recorte da pesquisa que resultou na dissertação


de mestrado Aspectos Técnicos-Interpretativos no Quarteto de Cordas nº 2 de
César Guerra-Peixe, que analisou a obra referida, realizando uma análise
comparativa entre referências fonográficas e entrevistas, para subsidiar escolhas
interpretativas para os intérpretes da obra em questão e até fazer um paralelo com
outras obras do compositor. A pesquisa resultou em uma edição própria revisada
da partitura e uma gravação da obra. Especificamente nesse trabalho, apontaremos
elementos populares e técnicos presentes na obra, e apresentaremos
possibilidades técnicas-interpretativas.
Palavras-chave: Música de Câmara. Guerra-Peixe. Performance. Interpretação
Musical. Quarteto de Cordas.

Abstract: This article is part of a research that resulted in dissertation, which


examined the César Guerra-Peixe’s String Quartet no. 2, performing a comparative
analysis of phonographic references and interviews to support interpretive choices
for interpreters of the work in question and to make a comparison with other works
of the composer. The research resulted in a revised edition of the score and a
recording of the work. Specifically in this article, we will point out popular and
technical elements present in the work, and present technical-interpretative
possibilities.
Keywords: Chamber Music. Guerra-Peixe. Performance. Musical Interpretation.
String Quartet.

1. Guerra-Peixe e o Quarteto de Cordas Nº2: roupagem formal com elementos populares


Este artigo é fruto da pesquisa que resultou na dissertação de mestrado Aspectos Técnico-
Interpretativos no Quarteto de cordas Nº2 de César Guerra-Peixe. Guerra-Peixe (1914-1993) foi um dos mais
relevantes compositores brasileiros, possuindo uma grande e variada produção. Nesse universo ele compôs
para praticamente todas as formações existentes, como peças solo, duos, até obras para orquestra e coro. O
seu Quarteto para Cordas Nº 2 (1958) contém características que muito nos ajudam a elucidar aspectos da
sua terceira fase composicional: a nacionalista. Esta obra é contrastante com o seu Quarteto de Cordas Nº 1
(1947), que pertence à sua fase dodecafônica. O Quarteto nº 2 foi escrito quando César residia em São
Paulo/SP, dedicada ao Quarteto de Cordas daquela cidade (hoje Ensemble São Paulo), com uma roupagem
formal e características populares que havia acabado de trazer do Recife/PE. A obra foi de extrema

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importância no processo de nacionalização do compositor. De acordo com depoimento dele próprio, em


1992, ao Museu da Imagem e do Som de São Paulo, essa peça é representativa no sentido de ser a “pedra
fundamental” de todo seu direcionamento estético futuro. Ele afirma ainda:

A partir de 58, que eu fiz o Quarteto de Cordas nº 2, aí eu fiquei mais à vontade.


Me preocupei com a forma que eu uso no primeiro movimento. Não Allegro de
Sonata, mas a forma do cateretê, desenvolvido de uma maneira que eu achei que
deveria ser assim, para atingir os fins, né? (sic) Então, mas ai eu usei tudo o que
queria, harmonia, melodia e tudo, sem... tem que ser assim! Esta é uma referência
para tudo que se vem posteriormente. (GUERRA-PEIXE, 1992, MIS-SP).

Em entrevista a seu ex-aluno, Randolf Miguel, em 1991, o compositor discorre sobre a importância
da forma suíte para a prática da composição nacional, e faz alusão ao Quarteto de Cordas nº 2, além de
comentar sobre suas estadas em Pernambuco e São Paulo:

É, foi ai que eu cheguei lá e comecei a trabalhar. Fazia composição e pesquisa ao


mesmo tempo. Mas à medida que ia avançando minha pesquisa musical, eu notava
que o que eu via assim no momento me parecia superficial, porque eu não entrei
com profundidade no assunto, faltava tempo. É preciso a gente “morar no
assunto”, vamos disser assim. É preciso dar tempo ao tempo para assimilar aquilo,
não é? Eu ouvi com muita atenção, com muito cuidado a música dos
“cabocolinhos”, disso e daquilo, mas na hora de usar não é bem aquilo, ainda mais
que eu tinha o vício do dodecafonismo. Foi aí que eu parei; resolvi parar de compor.
De lá fui para São Paulo, ouvindo coisas de lá, tão diferentes, foi que o nordeste me
pareceu mais claro. As coisas ficaram mais fortes para o meu entender. Foi aí que
eu comecei a trabalhar a música do nordeste em São Paulo, de uma maneira mil
vezes melhor, bem como a trabalhar em São Paulo. Mas trabalhar como? Primeiro
usando aquelas coisas típicas, principalmente em Suítes, a fim de sistematizar. Isto
eu fiz também com a música do folclore paulista. Por exemplo, na Suíte Nº 1, para
piano, paulista, na Suíte Sinfônica Nº 1, paulista, eu fiz coisas mais ou menos em
cima de... E assim andou, e outras pequenas peças que eu escrevi até que, no
Quarteto nº 2, comecei a me soltar um pouco mais e fui me soltando até que, a
partir de 60, já fiquei mais livre, né? (sic) De modo que eu procurei fazer uma
sistematização de elementos populares, quer dizer, fazer o treinamento, fazer a
munheca, fazer um artesanato nacional. (MIGUEL, 2006, p. 39).

Ainda Guerra-Peixe, no seu Catálogo de Obras, afirma:

No Quarteto n. 2 para cordas, de 1958, a natureza da obra justifica uma certa


desobrigação dos princípios anteriormente expostos, embora permaneça –
evidentemente – pelo menos a identificação “fotográfica” quanto ao material
sonoro. Nesta obra o ainda visual “Allegro de sonata” é substituído pela forma
ampliada do Cateretê paulista. Apenas a forma, pois o conteúdo é no estilo
nordestino; e no caso, uma coisa nada tem a ver com a outra. Possibilitam a
substituição dos próprios elementos contrastantes do Cateretê: o Rasqueado
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(toque rítmico-harmônico de viola “brasileira”, viola caipira); a Moda (canto a duas


vozes, de solista e sua “segunda”); o Palmeado e o Sapateado (elementos
necessariamente rítmicos); e o Recortado (canto coral em terças, em andamento
mais vivo). Sugerem seções mais ou menos equivalentes (não análogas) às do
desenvolvimento da clássica Sonata bitemática, porém mais ingênuas em virtude
dos temas. Pois introduzir temas de caráter matuto ou caipira no “allegro de
Sonata” seria o mesmo que colocar um interiorano, com toda a sua simplicidade e
costumes rústicos, dentro de um refinado smoking. (GUERRA-PEIXE, 1971).

Essa roupagem formal com elementos populares se tornou sua marca principal: entre o erudito e o
popular. Nesse texto procuraremos mostrar elementos de características brasileiras que tenham sido
utilizados no seu Quarteto para Cordas Nº 2.

2. Fundamentação
O Quarteto nº 2 de Guerra-Peixe apresenta vários elementos regionais e nacionais, conforme
mencionamos anteriormente. Procuramos realizar uma análise de gravações e interpretações para oferecer
possibilidades interpretativas ao músico. Neste trabalho, buscaremos apenas apontar as mais variadas
soluções técnicas-interpretativas que os intérpretes utilizaram, sem utilizar adjetivos de juízo de valor. Essa
análise foi realizada à luz de três canais de distintos: Gravações, entrevistas e nossa experiência na
preparação e interpretação da obra.
Serviram de ponto de partida as duas gravações em CD encontradas até o momento. A fonte mais
primária utilizada na análise da interpretação é a gravação do antigo Quarteto de Cordas da UFRJ, conhecido
no cenário internacional como Brazilian String Quartet, que foi realizada na década de 1960, e é a mais
próxima da data de composição da obra. O quarteto era constituído por Santino Parpinelli1 (I violino), Jaques
Nirenberg (II violino), Henrique Nirenberg (viola) e Eugen Ranevsky (violoncelo). O Grupo foi criado em 1952,
sob o nome de Quarteto Pró-Música, que se apresentou pela primeira vez, nesse mesmo ano, na Escola
Nacional de Música da Universidade do Brasil. Posteriormente, esse quarteto passou a se chamar Quarteto
Rádio MEC, depois, Quarteto da Escola de Música da UFRJ, e a partir de 1968, Quarteto Brasileiro da UFRJ.
Em 1965, o Quarteto fez a estreia do Quarteto no 6 de Cláudio Santoro no Festival Interamericano de Música,
Washington, DC, Estados Unidos. No ano de 1968, o Quarteto lançou nesse mesmo país o LP Brazilian Music
by The Brazilian String Quartet (CBS Records, New York), contendo o Quarteto nº 17 de Villa-Lobos e o
Quarteto no 3 de Alberto Nepomuceno. Na época, o Quarteto foi o único grupo de câmara latino-americano
a figurar no Catálogo Schwamm dos Estados Unidos. O Quarteto apresentou-se também em países da

1Santino Parpinelli, paralelamente às atividades do Quarteto, desempenhou os cargos de Professor Titular de Violino e Viola da Escola de Música da
UFRJ, foi spalla da Orquestra Sinfônica Brasileira e presidente da Academia Brasileira de Música. Além de instrumentista, pedagogo e autor de quatro
pequenos livros teóricos, Parpinelli também se destacou como compositor.

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América do Sul, como Argentina e Chile, além de outros países na Europa e Ásia, sempre se dedicando a uma
intensa divulgação da música erudita brasileira e seus compositores.
É sabido que os membros eram músicos de alto nível e grandes divulgadores da música
contemporânea brasileira, com uma carreira camerística brilhante no exterior. Seus membros tinham uma
relação de amizade com vários compositores contemporâneos, incluindo Guerra-Peixe. Para facilitar a fluidez
da leitura, nesse trabalho abreviaremos essa gravação de BSQ.
A outra gravação de referência é a do Quarteto de Brasília (1996), no seu CD comemorativo de 10
anos. O Quarteto de Brasília conta no currículo com várias turnês no Brasil e no exterior, e nove CDs gravados.
Além de ter recebido as partes do Quarteto nº2 das mãos do compositor, o grupo mantinha uma relação de
amizade pessoal com o mesmo. No ano de 2010, pelo projeto Sonora Brasil, do SESC, o grupo executou esta
obra em 86 cidades brasileiras. O conjunto é formado por Ludmila Vinecka (I violino), Cláudio Cohen (II
violino), Glêsse Collet (viola) e Guerra Vicente (violoncelo). É uma gravação que data de 1996, três anos após
a morte do compositor. As entrevistas com Antônio Guerra-Vicente, violoncelista, Ludmila Vinecka, primeiro
violino do grupo, subsidiará as informações. Chamaremos essa gravação de QB.
Além das gravações anteriormente citadas, foi utilizado um trecho da gravação do Quarteto OSESP,
em recital no festival de Campos do Jordão 2014. Entrevistas com músicos como Daniel Guedes, Esdras
Rodrigues, Ronedik Dantas, Michael Unhd e Nelson Rios consubstanciaram fundamentalmente nosso
trabalho.
E para fazer uma ligação entre as interpretações e os dados coletados, o Ensemble Potiguar, quarteto
de cordas da UFRN, formado por Israel Victor e Keyvson Danilo (Violinos), Pedro Zarqueu (Viola) e Lucas
Barros (Violoncelo), executou essa obra durante os anos de 2014 e 2015 em mais de 10 recitais, incluindo
uma apresentação na Alemanha em julho de 2015. Durante esse trabalho, fizemos uma análise interpretativa
contínua, e analisamos as gravações de referência para subsidiar nossa interpretação. Nunca é demais
salientar nosso objetivo, que é expor soluções e possibilidades, sem excluir e nem fazer algum juízo de valor,
que caberá ao intérprete decidir por si só, qual caminho seguirá.
Além das referencias, foi realizada uma análise musicográfica dos manuscritos originais. A primeira
versão, de 1958, dedicado ao quarteto de cordas municipal de São Paulo/SP; a segunda edição, revisada pelo
compositor, em 1960, e a edição do SESC Partituras, elaborada por José Staneck. Desse trabalho, resultou
uma edição própria, revisada e corrigida, em apêndice na dissertação.

3. Similaridades e diferenças interpretativas no Quarteto de Cordas Nº 2


3.1 Andamentos
Uma das diferenças mais marcantes ao se ter uma audição rápida das gravações, é a diferença de
andamentos. De um modo geral, a gravação do Brazilian String Quartet – BSQ é sempre em um andamento

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mais rápido que o Quarteto de Brasília – QB, com exceção no último movimento. A gravação do BSQ foi
realizada em LP, e a versão que analisamos é uma remasterização pela Albany Records, EUA, em 2000.

Andamento indicado
na partitura BSQ QB

= c. 100  = c. 116  = c. 114


1º Movimento (Allegretto com
moto)

 = c. 132  = c. 173  = c. 163


2º Movimento (Presto)

 = c. 50  = c. 50  = c. 40
3º Movimento (Andante)

 = c. 112-120 = c. 136  = c. 141


4º Movimento (Andante)
Tabela 1: Tabela de andamentos aproximados, baseados nos andamentos predominantes em cada movimento da obra.

Nas partes que foram dedicadas ao Quarteto de São Paulo, as indicações de andamento aparentam
terem sido inseridas posteriormente a mão, de lápis, provavelmente pelos próprios executantes, pois contem
uma grafia diferente da partitura. Teria sido uma indicação do próprio compositor? Já na edição revisada,
essas indicações aparecem na grafia original. Para construir nossa interpretação, mormente do terceiro
movimento, que contém as diferenças de andamento mais discrepantes entres as gravações, indagamos
alguns músicos. Para o professor Daniel Guedes2, Guerra-Peixe, como exímio violinista e compositor, sabia o
que estava fazendo, e os andamentos devem seguir exatamente o indicado. Sobre o mesmo assunto, Guerra-
Vicente, que conviveu com o autor, afirma: “O Guerra-Peixe era muito depressivo. Ele achava que ninguém
iria tocar o que escrevia. Só de você pegar as partes para tocar ele já estava feliz, pouco importa o
andamento.”3
O Ensemble Potiguar optou por fazer uma linha intermediária, mesclando o que o compositor indicou
e o que mais nos interessou das gravações. Procuramos seguir ao máximo o que estava indicado nas partes.
No segundo movimento, executamos o andamento com a semínima a aproximadamente 120 (batidas por
minuto). O segundo e terceiro movimentos foram similares ao QB e o último movimento no que o compositor
indicou, semínima valendo aproximadamente 120 também.

2
Entrevista concedida ao autor em agosto de 2014.
3
Entrevista concedida ao autor em novembro de 2014.

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O Terceiro movimento merece uma observação: É o andamento que contém a maior diferença de
andamentos entre as gravações e interpretações. Apesar da indicação precisa de semínima igual a 50, a
velocidade da execução varia de acordo com as escolhas interpretativas do grupo. Nesse sentido,
encontramos dois caminhos que foram trilhados: alguns executam no andamento que o compositor sugere,
durante todo o movimento, como o QB. Outros grupos optaram por um inicio mais cantabille, lento, mas,
chegando ao número um de ensaio, fazem um poco píu mosso. O BSQ optou por essa alternativa. Se o início
for executado lento, fica em um andamento confortável e agradável, mas, ao se chegar ao número um de
ensaio, não consegue se sustentar, se tornando bastante cansativo e arrastado. O Quarteto que serviu de
laboratório para esse trabalho, o Ensemble Potiguar, de início, solucionou o problema fazendo um
acellerando no número um de ensaio, mas nem sempre agradava e havia uniformidade no conjunto. Logo,
optamos por fazer o inicio um pouco mais movido, e manter o andamento.
O andamento do quarto movimento é o que é mais se assemelha entre as gravações e execuções.
Entretanto, é sempre acima do indicado pelo compositor.

3.2 Motivo de Galope e outros elementos técnicos


O motivo de galope é o principal elemento do primeiro movimento. Todos os instrumentos o
executam em algum momento, sendo na forma original ou variada. O Motivo é apresentado na obra já no
primeiro compasso, pelo segundo violino, que se mantém em ostinato por doze compassos e reaparece por
todo o movimento. Logo no inicio do trabalho, se levantou a indagação sobre qual a arcada e golpe de arco
a ser utilizado, a fim de unificar a sonoridade do conjunto. O Motivo aparece às vezes disfarçado, como nesse
trecho da viola abaixo:

Ex. 1: Guerra-Peixe - Quarteto de Cordas Nº 2 - I movimento, Viola, compassos 14 e 15.

A arcada indicada na Edição do SESC partituras (imagem a seguir) não está presente na 1º edição de
1958. Foi cogitada outra versão de arcada, com o staccato sempre para cima, para facilitar essa complicada
execução e evidenciar esse acento, mas optamos por sermos mais fieis possíveis às indicações do compositor,
quem especifica na sua edição de 1960. Logo, a arcada original não é tão complicada, mas reforça o caráter
solicitado pelo compositor.

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Ex. 1: Quarteto Nº 2, I Movimento, II Violino, Compassos 1 e 2. Edição SESC Partituras.

Solucionada a questão da arcada, porém, surge a discursão sobre o golpe de arco a ser escolhido. Em
uma gravação do Quarteto OSESP, no festival de Campos do Jordão 20144, o segundo violino, Davi Graton,
executa essa célula na ponta, com o arco sempre conectado à corda. O ponto de stacatto só serve para dar
uma separação à nota. Na versão do Quarteto OSESP, o início da peça tem caráter mais leve e arrastado,
como uma cantoria. Já nas duas gravações do BSQ e QB, o início é enérgico e forte, como um rasqueado de
viola. O ponto de staccato é realmente utilizado fora da corda, mais seco. Para se conseguir esse efeito, é
utilizado a metade inferior do arco.
Outro ponto que surgiu dúvida de golpe de arco foram os primeiros compassos da viola, na figura
conhecida como “toque de tarol”. O golpe de arco indicado pelo compositor é diferente do primeiro grupo
de três notas das demais do compasso, claramente buscando uma diferença na sonoridade.

Ex. 2: Quarteto nº 2 de Guerra-Peixe, I Movimento, Viola. Comp. 1 - 3.

Essa figura se repete sempre que volta o tema A, exceto no último A (coda), onde a viola faz uma
variação. O primeiro grupo seria solto, com mais força, e os demais se utilizando o richocet. O impulso desse
golpe de arco é dado na primeira nota, e a segunda seria executada pelo próprio impulso do arco saltando
na corda, aproveitando o impulso para controlar a última nota para cima. Auditivamente, é nítida a diferença
entre os golpes de arcos. Entretanto, na edição de 1958 (Quarteto de São Paulo), está anotado pelo
intérprete um corte nas ligaduras e as arcadas iguais em todo compasso. Ao se escutar as gravações, percebe-
se que o QB faz a arcada indicada pelo compositor. Já o BSQ executa todas as notas soltas, com o arco sempre
“como vem”. O violista do Quarteto OSESP, Peter Pas, já nos proporciona uma terceira opção: ele executa
todas as notas soltas, mas retoma o arco para baixo sempre a cada grupo de três notas.
O problema de se executar o richocet nesse trecho reside em dois pontos: dificuldade técnica de
controle e execução do golpe, que varia de acordo com a velocidade, e a ausência de sonoridade do richocet.

4
Trechos da gravação disponíveis em https://www.youtube.com/watch?v=crSQUsVe8tQ, acesso em 03/11/2015.

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Como o BSQ fez uma gravação com um caráter mais brilhante e estridente, com o inicio forte, a opção do
violista foi compreendida.
O Bariolage é um golpe de arco bastante utilizado por Guerra-Peixe em suas composições. No
Quarteto nº 2 não é diferente. O que torna esse trecho diferente é que Guerra-Peixe, mais uma vez, tenta
trazer a sonoridade metálica da rabeca. Segundo Salles5, a sonoridade da bariolage executada na rabeca tem
um caráter percussivo, com uma sonoridade metálica e nasal. Observa-se a semelhança entre o trecho a
seguir do Concertino para Violino e Orquestra de Câmara (1978) e o Quarteto nº 2. A indicação da arcada
pelo compositor, similar nas duas obras, leva o intérprete a executar o trecho na metade superior do arco.

Ex. 4: Quarteto nº 2 de Guerra-Peixe, I Movimento, I violino, compassos 139 a 141.

Ex. 5: Concertino para Violino e Orquestra de Câmara de Guerra-Peixe, Violino Solo, I Mov, Comp. 23 e 24

Em nenhum lugar da obra está indicado o uso de glissandos pelo compositor. As gravações do QB e
BSQ usam os glissandos com bastante moderação, e quase não é perceptível. A gravação do Quarteto OSESP
apresenta um caráter bem regional, com bastantes inflexões dentro da interpretação. O primeiro violino,
Emmanuele Baldini6, afirma:

O Quarteto nº 2 de Guerra-Peixe é uma composição muito importante no sentido


formal, em quatro movimentos, e na obra dele sempre tem essa característica: uma
estrutura de querer ser erudito, mas a natureza dele, as influências populares são
claras a cada minuto. Especialmente essa obra vai além das fronteiras nacionais,
tendo várias citações e influências do tango argentino. É uma obra que precisa de
muito trabalho porque se ficar à beira do popular, mas com uma estrutura
absolutamente erudita, cria desafios para o intérprete muito grandes. Então, como
eu acho que o caráter da música dele tem elementos dos dois mundos, eu acho que
o difícil é achar o equilíbrio certo.7

5
Salles, 2014, p. 33.
6
Emmanuele Baldini é o spalla da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo e membro do Quarteto de Cordas OSESP.
7
Depoimento de Emmanuele Baldini no vídeo da gravação do Quarteto OSESP no festival de Campos do Jordão em 2014, disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=crSQUsVe8tQ, acesso em 03/11/2015. Transcrição nossa.

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Provavelmente, dessa visão do violinista italiano Baldini contemplando o tango na obra, pode-se
explicar a opção pelo grande uso de glissandos. Entretanto, o fato é que a gravação do Quarteto OSESP
conseguiu obter um maior caráter regional, mais relacionado à sonoridade armorial. O glissando foi
largamente utilizado por eles, mas nós adotamos apenas alguns. Por exemplo, no primeiro violino, compasso
18 do primeiro movimento, um glissando saindo da primeira posição na segunda corda para o ré 4 na corda
ré no compasso 18.

Ex. 6: Quarteto Nº 2 de Guerra-Peixe, I Movimento, I Violino, compassos 17 a 19.

Os ritardandos e poco ritardandos, assim como todas as suas demais indicações, são bem precisas e
pontuais. Guerra-Peixe era bastante minucioso na sua escrita, que chega ao ponto de compassos ter tantas
informações que ficava difícil organizar na edição de modo a melhorar a visualização. Mesmo assim, a
margem de interpretação da indicação de um ritardando e de rit. poco a poco é enorme.
Para comprovar a assertiva anterior, uma comparação entre as gravações do BSQ e QB nos servirão
de subsídio. Para ilustrar esse ponto com um exemplo, vamos ao número quatro de ensaio, do primeiro
movimento. Na edição do SESC Partituras, a indicação de rit. se encontra apenas no último tempo do
compasso 38. Já nas edições manuscritas, Guerra-Peixe o põe um tempo antes, no terceiro tempo do mesmo
compasso. Em todo caso, como os demais instrumentos se encontram em pausa neste momento, a indicação
só valeria para o primeiro violino. Entretanto, nenhuma das gravações seguem essa indicação. A QB inicia o
ritardando desde o compasso anterior (38), acompanhando o decrescendo, com o primeiro violino fazendo
um molto ritardando para chegar no Pochissimo Meno do compasso 40. Já o BSQ não faz nenhum ritardando.
Apenas o primeiro violino diminui um pouco o andamento no último tempo, mas já para o tempo do
Pochissimo Meno, não chegando a ser um ritardando. Ambos os casos se repetem no compasso 19, onde o
mesmo material é apresentado, desta feita com o violoncelo fazendo a melodia. Sobre o assunto, Guerra-
Vicente afirma que essas variações de andamento são absolutamente relativas, variando até mesmo no
próprio grupo. “Um mesmo ritardando pode ser feito de uma maneira hoje e amanhã fazermos bem
diferente. Depende muito da conexão do grupo e do momento.”

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Ex. 7: Quarteto Nº 2 de Guerra-Peixe. I Movimento, Comp. 38-41

O uso de cordas soltas também foi uma questão bastante levantada. Alguns intérpretes não utilizam
esse recurso, apenas em último caso. Entretanto, na obra objeto do nosso trabalho, a sonoridade buscada
nos leva a utilizar com maior frequência a corda solta. Alguns compositores, como Guerra-Peixe, utilizaram-
se do violino para imitar os sons da rabeca. Importante característica a ser observada é que a melodia, quase
sempre escrita no modo mixolídio, encontra-se acompanhada de uma nota pedal, geralmente uma corda
solta. Essa sonoridade da corda solta é bem aceita no nosso estilo, e, para dar um efeito mais aproximado
com uma sonoridade metálica, optamos por executar a nota “mi” do trecho a seguir em corda solta, para
também acentuar o efeito do crescendo e decrescendo.

Ex. 8: Quarteto Nº 2 de Guerra-Peixe. II Movimento, I Violino, Comp. 70-74.

Também no segundo movimento, entre as gravações do BSQ e QB há uma diferença na interpretação


no último compasso. O penúltimo compasso do presto, para primeiro e segundo violino, é indicado a arcada
para baixo pelo próprio compositor, para melhor execução do acento solicitado em forte. Entretanto, há um
crescendo no compasso, até o segundo tempo do compasso seguinte, encerrando o movimento com um

“”, também para baixo e com acento. O BSQ (primeiro e segundo violinos) não executam os dois primeiros

tempos do último compasso, respirando para retomar o arco para baixo e fazer o “”. Já na gravação do

QB, e também o Quarteto de São Paulo, a opção escolhida foi de fazer a nota com dois arcos, fazendo o arco

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“para cima” já no terceiro tempo da nota, para ganhar força e fazer o crescendo. O Ensemble Potiguar
também aderiu a última alternativa.
As indicações de arcadas e golpes de arco são constantes na obra. Em consonância com o grande
conhecimento do compositor na linguagem dos instrumentos trabalhados no Quarteto, a escrita é de fácil
compreensão e contemplação do ambiente sonoro que o compositor almejava. Nesse tópico já citamos dois
golpes de arcos: richochet e bariolage. O Sautillé é outro golpe de arco que é fundamental para execução
dessa obra. O sinal de sautillé é o mesmo que o de Stacatto. Muito se confunde os golpes de arco sautillé e
spiccatos na escola de violino no Brasil, pois os mesmo são indicados com o mesmo sinal, mas os dois contém
características distintas.
Salles (2004), afirma que a maior diferença é que o sautillé não tem impulsos individuais para cada
nota, como o spiccatto. A maior diferença está na forma de execução. O Sautillé é utilizado para movimentos
rápidos, sendo executado na região do terço mediano do arco: sendo mais para o talão quanto lento e mais
para a ponta quando rápido, sendo variável de acordo com as características de cada arco. Aproveitando a
madeira do arco para saltar e fazer os movimentos. No exemplo a seguir, os violinos devem executar o trecho
em sautillé, sendo fundamental, para uma melhor compreensão auditiva, que os dois executantes estejam
sintonizados com o mesmo golpe de arco e sonoridade escolhida. Esse motivo segue até ao compasso 128.
Como o compositor, possuindo propriedade na escrita para o instrumento, deixava claro qual golpe de arco
gostaria, não são observadas variações consideráveis entre as gravações e execuções analisadas. Outro golpe
de arco que também consta na obra é o Spiccato volante (figura 32). Outros golpes de arco como détaché e
legato são mais comuns e solicitados com maior frequência.

Ex 9: Quarteto Nº 2 de Guerra-Peixe. I Movimento, I e II Violino, Comp. 114-116. Sautillé.

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Ex. 10: Quarteto Nº 2 de Guerra-Peixe. IV Movimento, Comp. 71 e 72. Spiccato volante.

O final da obra, conforme um recurso bastante utilizado por Guerra-Peixe, é uma reexposição do
tema A do primeiro movimento. Entretanto, esse tema vem com algumas variações. O compasso 124 (quarto
movimento) esta com a indicação da dinâmica “forte”, se mantendo até ao primeiro tempo do compasso
seguinte. Todas as gravações e músicos entrevistados mantém esse forte. No segundo tempo desse
compasso, todos os instrumentos tocam em “piano”, em uníssono e issorítimico, pizzicato em cordas soltas,
ré e sol. Para enfatizar esse contraste e causar um efeito maior de performance visual, o Ensemble Potiguar
optou por manter o arco no ar, e executar o pizzicato com a mão esquerda. Causou um efeito bastante
positivo na plateia, apesar de não estar indicado pelo compositor e nem modificar a qualidade do som. Se
trata apenas uma escolha de caráter visual.

Ex. 31: Quarteto Nº 2 de Guerra-Peixe. IV Movimento, Comp. 123-126.

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4. Considerações finais
O Quarteto de Cordas Nº 2 é uma das primeiras obras que Guerra-Peixe consegue colocar em prática
a pesquisa in loco que desenvolveu em Recife/PE. Recheada de elementos populares, o compositor consegue
aliar o popular ao caráter formal da obra, em quatro movimentos, conforme os padrões acadêmicos.
Este trabalho procurou oferecer aos intérpretes subsídios que servirão para sustentar uma escolha
interpretativa mais condizente ao estilo da obra. Os elementos nacionais e técnicos presentes na obra devem
ser elucidados e procuramos evidenciar soluções e possibilidades para a execução do mesmo. A pesquisa
resultou em uma edição revisada, corrigindo alguns erros de edição, e indicando nuances, arcadas e
dedilhados que constam nas indicações do próprio compositor, além das que o próprio grupo se utilizou para
construir a interpretação da obra. Executar essa peça sem ter conhecimento sobre música nordestina,
armorial, da rabeca, entre outros elementos estilísticos, dificultam as escolhas frente a uma interpretação
mais autêntica. Esperamos que esse trabalho, aliado as gravações e a edição revisada, incentive mais
execuções e discursões sobre essa obra.

Referências

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Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade de São Paulo, 2013.

DELL’ORTO, Angelo. Aspectos interpretativos da Sonata nº 2 de César Guerra-Peixe. 1998. 178f. Dissertação
(Mestrado em música – Violino) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Música, 1998.

FARIA, Antônio Guerreiro de et al (Orgs). Guerra-Peixe: Um Músico Brasileiro. Editora Lumiar, 2007. 261 p.

FARIA, Antônio Guerreiro. Guerra-Peixe e a Estilização do Folclore. Latin American Music Review / Revista de
Música Latinoamericana, Vol. 21, No. 2. P. 169-189.

GUERRA-PEIXE, César. Catálogo de Obras de 1971: Principais traços evolutivos da produção musical. Rio de
Janeiro/RJ, 1971. Disponível em: <http://www.guerrapeixe.com/index2.html> Acesso em 21 mai. 2015.

LIMA, Agostinho Jorge. Música tradicional e com tradição da rabeca. Dissertação (mestrado em música
etnomusicologia). UFBA, Salvador/BA, 2001.

MIGUEL, Randolf. A Estilização do folclore na composição de Guerra-Peixe. 2006. 107 p. Dissertação


(Mestrado em música) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, Rio de Janeiro/RJ, 2008.

SALLES, Mariana Isdesbski. Arcadas e golpes de arco. 2ª Ed. – Brasília: Editora Thesaurus, 2004.

TOKESHI, Eliane. Técnica expandida para violino e as Variações Opcionais de Guerra Peixe: reflexão sobre
parâmetros para interpretação musical. Música Hodie, Goiânia, v. 3, n. 1/2, p. 52 a 58, 2003. 63 p.

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PRÁTICAS CRIATIVAS - COMUNICAÇÕES

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Alleggiu: a lentidão como princípio compositivo e horizonte colaborativo

Marcello Messina
marcellomessina@mail.ru
Universidade Federal do Acre

Leonardo Vieira Feichas


leonardofeichas@hotmail.com
Universidade Federal do Acre

Letícia Porto Ribeiro


letcello@yahoo.com.br
Universidade Federal do Acre

Resumo: Este trabalho (1) apresenta e discute os pressupostos conceptuais que


levaram à composição da peça Alleggiu, (2) documenta o processo colaborativo de
revisão e execução da peça, e (3) encaixa a composição e a interpretação da peça
num contexto de discussão democrática e horizontal dentro do panorama
epistêmico da lentidão. Liberada das conotações negativas associadas a ela pelo
discurso do progresso, a lentidão vira dimensão ontológica e epistêmica de
resistência, conforme o filósofo Franco Cassano, e também democratiza a
colaboração entre compositor e intérpretes.
Palavras-chave: Lentidão. Opção descolonial. Diálogo. Colaboração.

Abstract: In this work we present and discuss the conceptual premises that led to
the composition of the piece Alleggiu. Furthermore, we document the collaborative
revision process that took place prior to the performance of the piece. Finally, we
offer a reading of both the composition and the performance of the piece within
the epistemic dimension of slowness. Freed from the negative connotations
discursively associated to it by the ideological dogma of progress, slowness turns
into an ontological and epistemic instrument of resistance, in line with the thought
of Franco Cassano. In addition, slowness democratises the collaboration between
the composer and the performers.
Keywords: Slowness. Decolonial option. Dialogue. Collaboration.

Introdução
A peça musical Alleggiu foi escrita e executada pelos três autores deste artigo.1 O compositor foi
Marcello Messina e a peça foi tocada por Leonardo Vieira Feichas (violino) e Letícia Porto Ribeiro
(violoncelista), ou seja, o Duo Feichas-Porto. Na versão atual para duo, a peça é a reelaboração dum trabalho
anterior para trombeta, violino e violoncelo, que foi estreado pela Red Note Ensemble na Escócia, na cidade
de Edimburgo, no dia 30 de setembro de 2013. A versão revisada da peça foi subsequentemente executada
pelo Duo Feichas-Porto em Porto Velho (RO), no dia 9 de outubro de 2015, na Universidade Federal de

1 Uma gravação da obra é disponível em <https://soundcloud.com/marcello-messina/alleggiu>

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Rondônia, dentro da programação do III Encontro de Cultura das Universidades Públicas da Região Norte.
Subsequentemente, a peça foi executada duas vezes em Rio Branco (AC), no dia 19 de outubro de 2015, por
ocasião do Seminário Música e Educação da Faculdade Meta, e finalmente no dia 9 de novembro do mesmo
ano, na cerimônia de abertura do IX Simpósio Linguagens e Identidades da/na Amazônia Sul-Ocidental, na
Universidade Federal do Acre (UFAC).
Este trabalho apresenta e discute os pressupostos conceptuais que levaram à composição da peça,
documenta o processo colaborativo de revisão e performance da peça e encaixa ambos os procedimentos
num contexto de discussão democrática e horizontal dentro do panorama epistêmico da lentidão. O objetivo
principal deste trabalho é justamente estabelecer uma relação material entre o horizonte conceptual da
composição e as metodologias práticas da colaboração entre compositor e intérpretes.

O sentido duplo da lentidão


Na língua siciliana a palavra “alleggiu” significa “devagar” ou também “cuidadosamente”. A lentidão
sugerida neste título tem um sentido duplo, em referência por um lado às representações clássicas dos
lugares subalternos e periféricos, e por outro às tentativas de apropriação e de subversão destas mesmas
representações.
Esta ênfase em lugares subalternos faz parte de uma proposta mais ampla, que alcança a comparação
entre a região amazônica do Norte do Brasil e a região mediterrânea do Sul da Itália, como lugares
desapossados de soberania política e cultural, e que são sujeitos a intervenções e representações pelo
exterior. Ambos os lugares são “periferias” comumente representadas como negações dos valores positivos
percebidos como qualidades fundamentais e normativas dos centros.
Assim, a histórica Gabriella Gribaudi mostra que a identidade do Mezzogiorno (“Meio-dia”, ou seja,
o Sul da Itália) foi sempre construída a partir de uma “negação, e de que faltava nela em respeito ao modelo
ideal” (GRIBAUDI, 1997, p. 85). Da mesma maneira, a Amazônia brasileira é tradicionalmente representada
“como lugar da negação da nacionalidade, lócus do incivilizado, da barbárie e do atraso em contraposição ao
litoral” (PACHECO e PEREIRA, 2012).
Visto que estas negações são produzidas a partir de modelos ideais nos quais os centros se
identificam, as representações são fluidas, e mudam quando os modelos ideais mudam, ou também quando
apenas as necessidades mudam. Desta maneira, tanto a Amazônia brasileira quanto o Mezzogiorno são
representados às vezes como paraísos e às vezes como infernos (cf. MENDES e QUEIRÓS, 2014; BENIGNO e
LUPO, 2003).
O que não parece mudar, no contexto de uma modernidade global constantemente definida por
significantes como “progresso”, “inovação”, ou “rapidez”, é exatamente a representação das regiões como
lugares “atrasados”, aonde a rapidez do progresso ainda não chegou. O atraso é um reservatório de

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desculpas, que operam para justificar incursões e explorações vendidas como portadoras de progresso e
desenvolvimento, e também para dispensar os governos da necessidade de suportar economicamente os
lugares periféricos.
Em face destas representações, é possível propor uma interpretação alternativa e emancipatória do
conceito de atraso: em outras palavras, o rótulo de lugar atrasado pode passar para uma apropriação e uma
subversão política, em que a lentidão associada ao atraso não é incapacidade de manter o ritmo da
modernidade, mas não-conformidade antagonística, obstinada e militante com este ritmo, coerentemente
com o pensamento do filósofo sul-italiano Franco Cassano:

Os ritmos do sul, a sua lentidão [...] representam um escândalo só para os clérigos


da nossa ordem social, para esses modernizadores fanáticos, calejados, (e bem-
pagos), que viajam pelo mundo pregando o desenvolvimento como forma
compulsória de salvação. A litania cansativa deles é chamada de pensamento, mas
de verdade é um instrumento de produção, pouco mais do que um
lubrificante.(CASSANO, 2001, p.2)

A lentidão vira dimensão ontológica e epistêmica da resistência contra o pensamento hegemônico


global, baseado no mito do progresso e da modernidade. Cassano chama isso de “pensamento meridiano”,
ou seja, a recuperação do papel de sujeito do pensamento, operada pela periferia global que Cassano
identifica por meio do significante “sul” referindo-se tanto ao sul italiano quanto ao sul do mundo, mas que,
no caso específico da Amazônia, coincide em grande medida com o norte do Brasil e do continente Sul-
Americano.
Esta insubordinação temporal ressoa com o conceito de “desobediência epistêmica” formulado por
Walter Mignolo, como condição necessária da “opção descolonial” (2008), ou seja, a não-aceitação e a
subversão de categorias definidas por consciências ocidentais e impostas, no processo ininterrupto de
dominação colonial e neocolonial, como parâmetros epistemológicos e ontológicos universais.

A questão do significado
Em vista de tudo isso, o problema principal da peça é a veiculação dos significados que são intrínsecos
à composição da obra. Uma peça musical, e especialmente uma peça musical sem letras, não pode transmitir
significados da mesma maneira em que a linguagem transmite os significados: recuperando a definição de
signo formulada por Ferdinand de Saussure (1973, p. 97-100), a música falta da combinação de significado e
significante, portanto não é capaz de transmitir significados articulados (MONELLE, 1992, p. 1-31), podendo
só sugerir sensações genéricas e ambíguas.
Esta característica pode ser inicialmente entendida como evidência de uma manifesta inferioridade
do médio musical em respeito à linguagem verbal. Porém, pode-se também objetar que esta característica

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seja um ponto forte da expressão musical, na medida em que a ausência de um significado determinado e
pontual, ao invés de privar o meio de sentido, possa conferir ao mesmo um número ilimitado de
possibilidades semióticas (MONELLE, 2000, p. 196-197), que podem ser utilizadas criativamente.
In vista de tudo isso, é importante destacar que neste trabalho serão apresentados elementos
subjetivos inerentes ao processo criativo, tanto compositivo quanto interpretativo, ao invés de códigos
amplamente e evidentemente compartilhados. Portanto, é importante avisar ao leitor que as avaliações
sobre expressividade e emocionalidade formuladas nas próximas secções não são oferecidas como
parâmetros objetivos ou absolutos.
O médio musical é fluido, porque põe as condições para a criação de traços polissêmicos. Como
sustenido por Raymond Monelle, “a música não interrompe a significação no sentido de uma palavra, mas
promove sempre um movimento ao longo de uma cadeia de interpretações” (2000, p. 197). Monelle continua
sugerindo que este movimento é possível em virtude da natureza predominantemente alegórica da música,
em oposição à natureza inerentemente simbólica e referencial da linguagem verbal (2000:196-207).
Então, a noção de alegoria é importante porque reconduz ao problema da veiculação dos significados
que levaram à composição de Alleggiu. Em outras palavras, aqui se pretende aludir a estes significados por
meio de uma série de elementos, que concorrem a sugerir determinadas interpretações da obra. É claro que,
em razão do que foi declarado antes sobre a polissemia e a ambiguidade da expressão musical, a obra pode
ser sujeita a um número potencialmente ilimitado de interpretações diferentes. Conforme as contribuições
teóricas de Jean Jacques Nattiez, estas interpretações diferentes podem ser categorizadas segundo a
tripartição fundamental dos níveis semióticos dum traço simbólico, ou seja, a divisão em (1) nível “poiético”,
pertencente à perspectiva dos criadores ou emissores do traço, (2) nível “estésico”, relativo ao plano dos
preceptores do traço, e (3) nível “neutro”, que “tem uma existência material independente das estratégias
de produção que o originaram e das estratégias de percepção dele oriundas” (NATTIEZ, 2002, p. 15-16).
Os assuntos apresentados na secção precedente, assim como as outras questões que são
investigadas neste trabalho, pertencem exclusivamente aos significados intrínsecos ao nível poiético do
significado da obra. É importante destacar que o papel de “criador” predicado em referência ao nível poiético
não é uma prerrogativa exclusiva do compositor. Ao contrário, os significados são construídos e
compartilhados horizontalmente entre compositor e intérpretes. Além disso, a qualidade mesma da
colaboração veicula elementos interpretativos relevantes no contexto do conteúdo da obra, e vice-versa. Em
geral, as caraterísticas da colaboração são essenciais no contexto deste trabalho, e serão discutidas nas
secções 5 e 6, mas antes disso é importante evidenciar como a peça Alleggiu encena a lentidão por meio de
elementos unicamente compositivos da obra, que serão apresentados na próxima secção.
As caraterísticas da colaboração são essenciais no contexto deste trabalho, e serão discutidas na
próxima secção, mas antes disso é importante mencionar que, além de construir a lentidão ao longo da

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colaboração democrática, a peça Alleggiu também encena esta lentidão por meio de elementos unicamente
compositivos. É importante assinalar que o seguinte paragrafo apresenta quase exclusivamente o olhar dos
intérpretes sobre as decisões do compositor.

A interpretação dos elementos compositivos


Para facilitar a interpretação, a peça foi dividida em 4 momentos principais, definidos pelos seus
andamentos: Lento (inicial), Adagio, Andante e Lento (final). Tanto o Lento inicial e final quanto o Adagio
apresentam o mesmo caráter melódico e expressivo, e de acordo com o pressuposto compositivo da
lentidão, aparecem como a marca maior da obra. Já o Andante apresenta elementos de independência
rítmica entre as vozes, o que gerou algumas dificuldades para a sincronização: de repente, essas dificuldades
foram devidas também ao fato que esse trecho parece ser avulso do resto da peça, porque suspende a
lentidão constitutiva que caracteriza todos os outros trechos da obra.
O violoncelo abre a peça introduzindo a linha melódica principal e enfatizando, conforme os
intérpretes, o caráter profundamente expressivo da obra, com uma variação de dinâmica ampla entre o ppp
e o f (ex. 1).

Exemplo 1: (c. 1-6, violoncelo) a abertura da obra com o tema melódico principal introduzido pelo violoncelo.

No compasso 6 o violoncelo entrega ao violino a mesma melodia com caráter expressivo e sentida e
recolhe-se a um contracanto com a linha melódica anteriormente apresentada (ex. 2).

Exemplo 2: (c. 6-10) o violino começa dialogar com o violoncelo.

Esse constante diálogo entre os instrumentos possui um caráter emocional que é evidenciado pelas
indicações expressivas esparsas ao longo da partitura (ex. 3).

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Exemplo 3: (c. 15-17, violino) a indicação de vibrato intenso mostra um indício do caráter emocional da obra.

O diálogo entre os dois instrumentos emergiu como o aspecto compositivo mais relevante para a
interpretação da obra: a peça constrói um diálogo entre violino e violoncelo, que avança lentamente, sem
pressa, com poucas e raras acelerações, e ao mesmo tempo produz força e determinação. Nas conversas
com o compositor, o elemento do diálogo foi associado à filosofia Bakhtiniana. Segundo uma elaboração do
trabalho de Bakhtin proposta por White (2009), o diálogo é um espaço onde as narrativas dominantes podem
ser questionadas e contestadas. O diálogo permite uma igualdade de importância entre os instrumentos, ao
ponto que a equalização da alternância entre os motivos condutores e “secundários”, ou seja, a alternância
entre quem tem movimento melódico e quem “acompanha” constitui uma importante dificuldade técnica
da obra, também definindo o seu caráter emocional.
Esse caráter emocional e a maneira cadenciada com que a peça se desenrola induzem uma
interpretação repleta de expressão, principalmente se o intérprete busca conhecer a essência da obra e
construir sua interpretação levando isso em consideração. Neste sentido, as conversas entre compositor e
intérpretes foram um componente fundamental da peça, como vai ser discutido na próxima secção

Um relato da colaboração compositor – intérprete


A colaboração é produtiva dentro da composição musical, pois gera interação constante e aumenta
a ligação dos intérpretes com a obra, além de assegurar que as expectativas do compositor sejam atingidas
(PERUZZOLO-VIEIRA e CARVALHO, 2015, p. 648). Na visão de Vieira (2015, p. 817), a colaboração compositor-
intérprete pode se dar em duas maneiras: durante a composição da peça, quando o músico contribui
diretamente para a composição, e posteriormente, quando o músico realiza uma revisão sobre a composição
já escrita. No caso de Alleggiu, a colaboração se deu posteriormente à escrita da obra, de forma que o
trabalho que os músicos fizeram assemelhou muito a uma revisão, repleta de sugestões em relação às
alterações de andamento e a alguns aspectos de sonoridade (forma de produção do som). Tal experiência se
constituiu positiva para os músicos em outro aspecto, pois durante a interação com o compositor eles se
sentiram livres para interpretar a peça ao mesmo tempo em que tinham mais meios para compreender seu
significado e as intenções do compositor. Principalmente no caso de Alleggiu, que contém uma intensa carga
política e emocional, esse conhecimento de fato se tornou essencial para a manipulação do material musical
por parte dos intérpretes.

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Para facilitar essa troca, os ensaios foram organizados de forma aberta, e estruturados dando igual
importância ao tempo do ensaio mesmo e ao tempo do diálogo e do debate. Cada semana eram marcadas
longas reuniões, durante as quais o ensaio musical ocupava no máximo uma hora, e depois continuava-se
dialogando e trocando ideias sobre política, estética, arte, etc. Frequentemente, cônjuges e amigos
participavam aos debates e também assistiam aos ensaios, articulando opiniões e oferecendo pareceres
sobre a composição e a interpretação. Nesse processo, as conversas informais, assim como as elaborações a
posteriori dessas conversas, assumiram uma importância igual ou maior que os ensaios estruturados e as
discussões técnicas: este procedimento metodológico foi desenvolvido a partir do conceito de “entre/vista”,
formulado por Alessandro Portelli (2000).
Para os interpretes, a possibilidade de assistir à comunicação do compositor durante uma palestra2
realizada na Universidade Federal do Acre, no qual este tratou das questões sociopolíticas que norteiam essa
e outras obras, foi também relevante para as decisões interpretativas. Apesar da distância física que separa
o Sul da Itália e a Sicília do Norte do Brasil e do estado do Acre, os pontos em comum destas realidades foram
discutidos abundantemente, e fizeram com que os músicos pudessem se identificar com o conteúdo musical
da obra – a lentidão, as alterações de tempo e de dinâmica, os vibratos e as alterações de ponto de contato
crina-corda foram pensadas dentro da mensagem transmitida. Em total, esse processo de colaboração e
troca de ideias durou vários meses, e foi intervalado por períodos nos quais foram trabalhadas outras peças.
Assim, trabalhando sem pressa, a lentidão originariamente usada como princípio compositivo, foi também
adoptada de propósito como princípio organizativo da colaboração.

Performance em prática
Como destacado na introdução deste trabalho, a peça foi executada publicamente pelo Duo Feichas-
Porto em três ocasiões. Em cada uma dessas experiências o conteúdo musical “amadureceu” e os intérpretes
se “apossaram” cada vez mais da peça e de seu conteúdo musical. Na primeira execução pública, em Porto
Velho, a peça foi tocada o mais próximo possível do conteúdo escrito e com explanação para a plateia. A
segunda execução na Faculdade Meta foi em frente de estudantes de pedagogia e de música. Essa execução
se deu mais desenvolta, com mais variações de andamento e de dinâmica, o conteúdo musical já se
encontrava mais maduro. Na terceira apresentação, na UFAC, houve explanação pelo compositor antes da
peça. A explanação do conteúdo por trás da peça para a plateia se mostrou crucial para os intérpretes, pois,
sabendo que o público tem conhecimento do contexto da obra, os intérpretes se sentiram mais à vontade
com a peça em si e com sua interpretação. O conteúdo da peça já foi mais apropriado pelos músicos, que

2O texto dessa comunicação, apresentada no dia 29 de novembro de 2015, foi sucessivamente publicado na revista paranaense Vórtex (MESSINA,
2015).

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também colocaram mais intenções na execução. Nas três ocasiões, o compositor estava presente e houve
feedback a respeito das interpretações. Dentre as várias conversas com o compositor sobre a peça entendeu-
se que a virtuosidade da obra em questão não encontrava-se na exibição de habilidades técnicas, mas sim
na transmissão da expressão, necessária para a comunicação do conteúdo político-social através do material
musical.
Tendo como referência questões mais ligadas às técnicas instrumentais, alguns aspectos podem ser
apontados. A longa nota em crescendo, a ser executada com fermata, que abre a peça (ex. 1) e se repete ao
longo dela, constituiu um importante desafio técnico e expressivo, e as conversas ilustradas antes auxiliaram
bastante na construção da interpretação e de como o crescendo poderia ser executado – levando em conta
o arco, o ponto de contato e o vibrato. Durante a discussões técnicas, o compositor deu liberdade para que
se variasse na expressão deste início. Paralelamente, naqueles dias a violoncelista e o compositor estavam
trocando ideias sobre o conceito de protesto, com atenção particular à produção cultural no Chile antes do
golpe de 1973: estas conversas acabaram sendo importantíssimas para a interpretação do gesto inicial da
peça, pois o crescendo inicial tenta codificar alegoricamente o conceito de levantamento, e foi concebido e
interpretado intencionalmente como gesto extremamente vulnerável e potencialmente instável, mas
também como incipit imprescindível.
A técnica do scratch (o ruído obtido aumentando a pressão do arco na corda) também gerou dúvidas,
pois poderia ser realizado em várias regiões entre o espelho e o cavalete, e, embora o violino o execute sul
tasto, chegou-se à conclusão, com o compositor, de que o som mais interessante no caso do violoncelo sairia
próximo ao cavalete. Aqui, novamente, as trocas informais tiveram um papel importantíssimo na assimilação
da técnica, porque discutia-se intensamente sobre o conceito de violência, em referência à ideia de
pacificação social e repressão estadual: o scratch transfigura sonoramente esse conflito, porque leva para a
superfície sons que são geralmente silenciados, afastados e colocados às margens da práxis performática das
cordas. É importante destacar que os dois músicos interpretaram o scratch de maneira diferente: a
violoncelista produziu sons cheios de harmónicos, enquanto o violinista concentrou-se na produção de
barulho. Ambas as realizações da técnica foram consideradas aceitáveis e satisfatórias pelo compositor.
A produção de resultados sonoros diferentes a partir da mesma indicação na partitura atesta
provavelmente a democraticidade da troca entre o compositor e os intérpretes. Essa democraticidade é
necessariamente ligada à lentidão: conforme Franco Cassano, “sem a lentidão, a democracia é
provavelmente impossível (porque precisa de discussão, mas também de um desfrute comum)” (2001, p. 3).
Em outras palavras, a horizontalidade democrática e não coercitiva da colaboração foi facilitada pela
dimensão temporal e conceptual da lentidão. Isso significa que a qualidade mesma da colaboração veiculou
elementos interpretativos relevantes no contexto do conteúdo da obra, e vice-versa.

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Conclusões
Se por um lado, ao nível das reflexões que levaram à composição da obra, a lentidão é um símbolo
de resistência contra os discursos de rapidez e progresso que condicionam a modernidade global, por outro
lado, ao nível da interação que levou às execuções da obra, a lentidão é instrumento de subversão e
democratização das hierarquias verticais que normalmente se estabelecem entre compositores e
intérpretes. A colaboração mostrou-se produtiva exatamente em virtude da oportunidade de dialogar pouco
a pouco trocando ideias, opiniões e experiências. Como destacado no relato da colaboração, conforme os
músicos e o compositor, a interpretação da obra melhorou gradualmente em cada execução pública da
mesma. Para os músicos, ter o compositor ao lado para sanar dúvidas em relação à execução e saber sua
opinião ao longo da construção interpretativa deu segurança e liberdade para colocarem ideias
interpretativas em prática e amadurecerem mais rapidamente e efetivamente o conteúdo musical. Além
disso, os dois intérpretes desenvolveram novos conhecimento musicais, que não faziam parte dos
vocabulários expressivos deles, como por exemplo a técnica do scratch, e começaram a pesquisar repertórios
que exploram linguagem sonoras similares à de Alleggiu. Para o compositor, o diálogo constante, gradual e
não hierárquico com os dois músicos abriu possibilidades novas e inexploradas, relativas a esta obra e
também às atividades compositivas futuras. Em geral, o trabalho sobre Alleggiu abriu a estrada para uma
colaboração de longo prazo entre o compositor e os dois intérpretes.
Enfim, é importante reiterar que passar para o público as ideias por trás da peça reveladas pelo
compositor constituiu uma experiência crucial. Segundo Feichas (2015) “nem sempre os efeitos produzidos
intencionalmente são claros e precisa ser melhorada a comunicação entre o performer e o público: através
da explicação verbal da música, o público pode entender melhor as intenções do compositor”. A plateia, com
esse conhecimento, compreende mais ativamente a obra e se torna participante na construção de seu
significado. E na realidade presente dos locais onde foi apresentada a obra, o público, tanto quanto o
compositor e os músicos, podia talvez se identificar ativamente com o conteúdo musical, e se tornar também
ativo na interpretação deste.

Referências

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Contornando Falas

Alex Pochat
alexpochat@gmail.com
Universidade Federal da Bahia

Autor 2. Marcos da Silva Sampaio


marcos@sampaio.me
Universidade Federal da Bahia

Resumo: O presente artigo tem como propósito explorar as possíveis relações e


aplicações composicionais entre fala e teoria dos contornos no universo da música
acusmática. Para tanto, etapas de escolha e análise de material falado—sob o
prisma dessa teoria e para consequente produção de novos materiais e criação
musical—constroem um conjunto de experimentos composicionais sobre o tema.
Palavras-chave: Composição musical. Música acusmática. Música e fala. Teoria dos
contornos.

Abstract: This paper aims to explore the possible connections and compositional
applications between speech and the musical contour theory in the realm of
acousmatic music. Thereunto, in the light of this theory, steps of choosing and
analyzing spoken material are taken—for subsequent production of new materials
and musical creation—, resulting in a set of compositional experiments on the
subject.
Keywords: Musical composition. Acousmatic music. Speech and Music. Musical
contour theory.

1. Introdução
O campo da análise musical tem encontrado, nas últimas décadas, cobertura da Teoria dos
Contornos, através de suas definições, conceitos, e ferramentas comparativas no que concerne a desenhos
melódicos e consequentes desdobramentos [MARVIN, 1988; MORRIS, 1993; SCHULTZ, 2009; SCHMUCKLER,
2010]. Também tem-se percebido a capacidade de interação entre esses mesmos conceitos e ferramentas e
o próprio ato musical criativo; aplicação prática dessa teoria na composição musical [SAMPAIO, 2008, 2012;
PIRES, 2012; MOREIRA, 2015; PITOMBEIRA, 2014, 2015]. Cabe lembrar como a ideia de contornos em música
já foi generalizada e expandida para diversos parâmetros além das alturas, como, e.g., duração [MARVIN
1988], densidade e forma [SAMPAIO] e textura [MOREIRA], isso tudo aplicado tanto em análise quanto em
composição musical.
Mas e quando essa composição musical e esses contornos melódicos estão diretamente relacionados
à fala e à música falada? E quando esse pensamento analítico-composicional “contornístico” aplicado à fala
está inserido no campo da música acusmática—falas que não têm expostos de modo gráfico e explícito os
desenhos de seus gestos musicais? Quais dificuldades e soluções analíticas e composicionais são

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apresentadas quando coloca-se frente a frente esses universos ao mesmo tempo tão íntimos (os desenhos
da fala) e não tão explorados (contornos, falas e música eletroacústica)?
As tecnologias e técnicas de geração, análise e manipulação sonora que emergiram nos anos 1950
expandiram a exploração do uso da voz em música que vá além do canto. Alguns marcos composicionais
podem ser citados, como Symphonie pour homme seul (1950), de Schaeffer & Henry; Visage (1961), de Berio;
I am sitting in a room (1970), de Lucier; e Six Fantasies on a Poem by Thomas Campion (1978-79), de Lansky.
E, como não poderia deixar de ser, os processos estruturais musicais que floresceram no século XX também
incidiram na música eletroacústica. Em Gesang der Jünglinge (1955-56), de Stockhausen, por exemplo, as
estruturas musicais criadas a partir das estruturas acústicas dos sons falados com base na fonética têm seu
continuum organizado por técnicas seriais [BERGSLAND, 2010].
No presente trabalho, com intuito de examinar estímulos e possibilidades da voz falada em música
eletroacústica, é sugerido um laboratório de experimentos acareando parâmetros de contornos a um gesto
musical falado. Para tanto, leva-se em conta a definição de contorno musical [MORRIS, 1987] como um
conjunto de pontos em uma dimensão sequencial ordenados por qualquer outra dimensão sequencial. Os
valores absolutos e repetições adjacentes dos parâmetros são ignorados. O contorno pode então ser
representado linearmente como uma sequência de símbolos que indicam movimento ascendente e
descendente de valores adjacentes, como < + – – + >, ou, de modo combinatorial, como numerais inteiros,
como < 1 3 2 0 4 >, representando a ordem de valor do parâmetro (no exemplo das alturas, enumeradas da
mais grave para a mais aguda). Esta representação permite a verificação da relação ascendente/descendente
entre quaisquer pontos do contorno. A teoria de contornos fornece, então, conceitos e operações que
conferem precisão ao estudo, tais como redução, inversão, translação, índices de direção e oscilação e
correlação de amplitude de espectro.
Nos experimentos aqui propostos, se em um primeiro momento o objetivo é mapear um gesto falado
de acordo com suas características de desenho melódico, no segundo, passa-se a empregar esses mesmos
resultados analíticos a parâmetros composicionais—textura, dinâmica, forma, entre outros—, mantendo o
próprio gesto falado e acusmático como material composicional. E essa aplicação traspassa também os
processos composicionais, não apenas no que diz respeito ao material falado, mas também ao ambiente
eletroacústico de 04 canais proposto nos experimentos, como poderá ser visto a seguir.

2. Laboratório Fala-Contorno
Este laboratório analítico composicional consiste de duas partes distintas. A primeira trata da escolha
do material a ser analisado e da análise per se. O segundo demonstra possíveis processos composicionais
oriundos de material falado e analisado pela teoria dos contornos e de como essa mesma teoria pode servir
como ferramenta para os primeiros.

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PARTE 1. Escolha e análise de material falado


Em um primeiro momento, e como ponto de partida, dá-se a escolha de material falado que servirá
de gérmen para futuros experimentos. Tal material é derivado de comentário interpretativo falado de obra
musical—obra essa que tem como sujeito principal o próprio intérprete em questão.
Contextualizando: submete-se a obra acusmática etnex o falatório [POCHAT, 2011] que tem como
núcleo sonoro a Feira de São Joaquim (SSA-BA) e, mais especificamente, os falares daqueles que a compõe,
a esse próprio “compositor” da feira e sujeito direto da peça musical: o feirante. O feirante intérprete na
obra transforma-se em ouvinte interpretador1. Essa circunstância coloca o sujeito feirante à frente de si
mesmo, contemplando uma narrativa criada a partir de sua própria história falada e sonoridades
complementares também criadas por ele; toda a paisagem sonora da feira [POCHAT, 2012].
Fecha-se, então, um ciclo criativo: um compositor submete sua obra que discorre sobre o feirante e
sua feira a esse mesmo feirante que, por sua vez, discorre sua impressão acerca da obra, gerando material
para uma nova obra musical. Tudo isso no âmbito falado: música falada, gerando interpretação falada e
novos materiais falados para outra música falada. Assim, a resposta interpretativa do feirante à música da
qual faz parte passa a ser o material falado que segue analisado e trabalhado composicionalmente sob o viés
da teoria dos contornos.
Por tornar-se mais efetivo para análise um trecho gestual curto, quando direcionado ao universo dos
contornos—e também pelo propósito dos experimentos composicionais derivados ser de resultados
gestuais/musicais curtos e diversificados—, toma-se como resposta do sujeito interpretador um gesto falado
(e musical) também curto, mas possuinte de significado em termos de desenho melódico e também de
representação subjetiva.
Então, o trecho escolhido da fala completa do ouvinte feirante após sua audição da obra é o gesto
condensado de: “Gostei, ô xi! Se tiver medo volta… rá, rá, rá, rá!”. E esse gesto, ainda na primeira parte desse
laboratório, é dividido ao meio, já apontando para os processos composicionais porvir. Após a escolha desse
material, toda a parte que o leva à lente dos conceitos de contornos e sua futura análise pode ser melhor
compreendida a partir da sequência que se segue:
i. escolha de “unidade” de fala acusmática (Ex. 1) oriunda de apreciação aural de peça também falada
e acusmática por interpretador que é intérprete (musical) na própria peça em questão: expressão da
impressão causada pela apreciação de interpretador intérprete;

1
Aqui, uma distinção entre intérprete musical como performer e interpretador como “explicador” de obra de arte.
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Ex. 1: [gostei, ô xi! se tiver medo volta… rá, rá, rá, rá!] Sonograma

ii. identificação de frequências (Ex. 2) e alturas (Ex. 3) espectrais da unidade, com objetivo de
delimitar possíveis pontos de contornos2;

Ex. 2: [gostei, ô xi! se tiver medo volta… rá, rá, rá, rá!] Espectrograma – frequências

Ex. 3: [gostei, ô xi! se tiver medo volta… rá, rá, rá, rá!] Espectrograma – alturas (os números representam o contorno
pela notação combinatorial)

2
Importante notar que, por escolha composicional, as menores unidades de alturas-gerando-contorno não são os fonemas
ou dífonos. A escolha de cada ponto de contorno se dá pela conjunção entre a altura do som e o significado do material
falado. Por exemplo: a fala “se tiver”, que na linha do tempo abrange entrada significativa, assume toda ela o mesmo
ponto < 2 >, como será visto a seguir.
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iii. divisão da unidade em dois materiais gestuais distintos, para geração de dois contornos também
distintos e consequentes experimentos;
iv. definição aproximada e simplificada a partir da relação entre as alturas mostradas em
espectrograma e da impressão aural, dos contornos dos dois gestos: < 1 0 4 > [gostei, ôxi!] (Ex. 4) e < 2 3 0 5
> [se tiver medo volta… rá, rá, rá, rá!] (Ex.5):

Ex. 4: [gostei, ôxi!] Ex. 5 [se tiver medo volta… rá, rá, rá, rá!]

v. cálculo de índices de oscilação, direção3, formas primas e redução dos contornos4, além de suas
formas retrógradas e invertidas, através do software Pocket Contour5 (Exs. 6 e 7):
[gostei, ôxi!]

Ex. 6 Índices ‘ Inversão Retrógrado Inversão do retrógrado

[se tiver medo volta… rá, rá, rá, rá!]

3
Operações descritivas que permitem mensurar a tendência geral de direção e oscilação do contorno com valores reais
entre 0 e 1 [SAMPAIO].
4
Operações que eliminam pontos intermediários do contorno, trazendo-o a uma versão simplificada e que mantém o seu
formato mais geral [SCHULTZ].
5
Esse software ajuda com os cálculos das operações da teoria e com plotagem dos gráficos. Link:
<https://play.google.com/store/apps/details?id=me.sampaio.apps.pocketcontour>.
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Ex. 7 Índices Inversão Retrógrado Inversão do retrógrado

PARTE 2. Três experimentos composicionais


A partir dos métodos e processos anteriores, amparados pela teoria dos contornos e aplicados a
material falado, parte-se para os experimentos composicionais propriamente ditos – três, no total
(“setivermedovolta” I, II e III). Para tanto, foi escolhida a segunda parte da unidade, por se tratar de um gesto
um pouco mais complexo e rico de possibilidades composicionais, como mostrado anteriormente nos
exemplos 6 e 7.

setivermedovolta I
(0—12s) forma do gesto inspirada na forma espelhada do contorno: < + – + >.
o “medo” na forma da dinâmica invertida (< – + – > ), no canal esquerdo, e o “volta, rá, rá, rá, rá” na
forma de ab ovo6 e ab ovo retrógrado na forma original (< + – + >), no canal direito;
(12s – 16s) representação, também gestual (ab ovo + dinâmica), do índice de direção: 0.67;
(19s – 26s) preparação e apresentação do gesto (contorno) original.
Abaixo, a macro forma do gesto toda construída a partir do contorno original, em termos do
continuum narrativo de conteúdo falado:

0=2
16s = 3
19s = 0
23s = 5

6
Apresentação de frase, musical ou não, sempre voltando ao começo. Por exemplo: se, se tiver, se tiver medo, se tiver
medo volta.
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Ex. 8 setivermedovolta I (estéreo)

setivermedovolta II
a) divisão do gesto completo [se tiver medo volta… rá, rá, rá, rá!] em quatro segmentos de acordo
com os pontos de contorno anteriormente determinados:

2 3 0 5
< se tiver > < medo > < volta > < rá, rá, rá, rá >

Ex. 9 Gesto dividido de acordo com contorno

b) apresentação do novo gesto a partir das variações de seu contorno (retrógrado, inversão e
retrógrado da inversão), de 0 a 8s:

5 0 3 2 3 2 5 0 0 5 2 3

Ex. 10 Parte A do novo gesto musical

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c) segunda parte do novo gesto (7.5s – 16s) com repetição de primeira parte apoiada em duas
camadas texturais: a) ponto < 5 > repetido 10 vezes em nível dinâmica7 “0” e; b) ponto < 0 > apresentado
uma vez em nível “5” de dinâmica, ponto < 3 > apresentado 6 vezes em nível “2” e ponto < 2 > apresentado
4 vezes em nível de “3”:

repetição parte A

ponto < 5 >

ponto < 0 > ponto < 3 > ponto < 2 >

Ex. 11 Camadas sobrepostas na linha do tempo (7.5s – 16s) da parte B do novo gesto musical

d) ao final do novo gesto (16s – 18.5s), apresentação do gesto original. A seguir, todo o trecho gerado
a partir de experimento II:

Ex. 12 setivermedovolta II

7
Dinâmica relativa.
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setivermedovolta III
I. mesma divisão de segmentos utilizada no experimento anterior (< 2 > se tiver; < 3 > medo; < 0 >
volta; < 5 > rá, rá, rá, rá);
II. abertura de 04 faixas para experimento textural a partir da permutação do contorno original:

FX1 FX2 FX3 FX4


2305 3052 0523 5230
2350 3502 0235 5023
2053 3205 0532 5320
2035 3520 0352 5203
2530 3025 0253 5302
2503 3250 0325 5032
Tabela 1. Permutações do contorno original dividido em 04 faixas

III. sobreposição textural das sequências de permutação das faixas:

FX. 1

FX. 2

FX. 3

FX. 4
Ex. 13 Textura de permutações (0 – 15s)

IV. reagrupamento das 04 faixas em estéreo (LR), tomando como parâmetro de divisão espacial o
contorno original:

FX1 FX2 FX3 FX4


50%L 70%L 0 100%R

V. idem para a amplitude de cada faixa:

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FX1 FX2 FX3 FX4


+2 +3 0 +5

VI. já a dinâmica do trecho experimental (e relacionada à forma) é baseada na direção do contorno


primo (< 2 0 5 >):

<2 0 5>

Ex. 14 Forma da dinâmica do trecho (04 canais em mono)

VII. ao final do experimento textural, apresentação do contorno original com intervalos de silêncio
relacionados ao contorno original:

<2 3 0 5>

Ex. 15 Coda com contorno original (15s – 19s)

3. Considerações finais
A partir dos experimentos aqui propostos, pôde-se observar o potencial a ser explorado de possíveis
relações entre fala, música acusmática e teoria de contornos—e os desenvolvimentos composicionais
práticos que podem advir dessas relações. Nesse campo de práticas criativas, principalmente no tão rico e
comparativamente ainda não tão explorado universo de música falada (mais ainda quando acusmática),
percebe-se quão útil, e ao mesmo tempo desafiadora, essa teoria (e sua aplicação) pode vir a ser; tanto para

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análise quanto para criação e gerenciamento metodológico de materiais-futuras-composições, aplicada aos


diversos parâmetros do processo criativo.

Referências

BERGSLAND, A. Experiencing Voices in Electroacoustic Music. Tese de doutorado, Norwegian University of


Science and Technology. 2010.

MARVIN, E. W. A generalized theory of musical contour: its application to melodic and rhythmic analysis of
non-tonal music and its perceptual and pedagogical implications. Tese de doutorado, University of Rochester.
1988.

MOREIRA, D. Perspectivas para a análise textural a partir da mediação entre a Teoria dos Contornos e a
Análise Particional. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ. 2015.

MORRIS, R. D. Composition with Pitch-classes: A Theory of Compositional Design. Yale University Press, 1987.

______. New Directions in the Theory and Analysis of Musical Contour. Music Theory Spectrum xv: 205–28.
1993.

PITOMBEIRA, L. A produção de teoria composicional no Brasil. O pensamento musical criativo: teoria, análise
e os desafios interpretativos da atualidade. Ilza Nogueira (ed.), p. 61-89, Salvador: UFBA. 2015.

PIRES, C. A. Algoritmo Composicional baseado na Teoria de Contornos: proposição e aplicações. Tese


de Doutorado. Salvador: Universidade Federal da Bahia. 2012.

POCHAT, A. etnex o falatório. Obra acusmática em 04 canais – 14min. 2011.

______. O Falatório Concertante de Salvador. Dissertação de mestrado. Universidade Federal da Bahia. 2012.

SAMPAIO, M. S. Em torno da Romã: aplicações de operações com contornos na composição. Dissertação de


mestrado. Universidade Federal da Bahia. 2008.

______. A Teoria de Relações de Contornos Musicais: inconsistências, soluções e ferramentas. Tese de


doutorado. Universidade Federal da Bahia. 2012.

SCHMUCKLER, M. Melodic Contour Similarity Using Folk Melodies. Music Perception 28 (2): 169–194. 2010.

SCHULTZ, R. A Diachronic-Transformational Theory of Musical Contour Relations. Tese de doutorado,


University of Washington. 2009.

SILVA, H. C.; SANTOS, R. S.; PITOMBEIRA, L. Utilização de contorno fotográfico no planejamento


composicional de Açude Velho para quinteto de metais. In: XXIV CONGRESSO DA ANPPOM, São Paulo. Anais
do XXIV Congresso da ANPPOM, 2014.

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Estratégias de aferição da criatividade com público infantil: Utilizando ícones


faciais em atividades com a metáfora de marcação temporal

Simone Lima da Silva


levitasimonel@gmail.com
Universidade Federal do Acre
Damián Keller
dkeller@ccrma.stanford.edu
Universidade Federal do Acre
Vanessa da Silva Pereira
vana.vsp.19@gmail.com
Universidade Federal do Acre
William Ramon Barbosa Bessa
barbosabessa@gmail.com
Universidade Federal do Acre

Resumo: O presente estudo teve como objetivo avaliar técnicas específicas de


aferição da criatividade envolvendo crianças. Utilizando a metáfora de marcação
temporal como ferramenta de incentivo a criatividade, foram realizadas sessões de
atividades musicais com crianças de 4 a 11 anos. As sessões experimentais
abrangeram cinco etapas: explicação do conceito, demonstração da funcionalidade
do sistema de suporte, atividade de exploração, atividade de criação, e atividade
de criação em dupla. Os resultados obtidos na coleta de dados ressaltaram que o
resultado sonoro foi relevante, a atividade exigiu baixo nível de esforço cognitivo,
promoveu diversão e engajamento dos participantes, durante o experimento.
Entretanto, as atividades em dupla obtiveram melhores no resultados e
desempenho.
Palavras-chave: Criatividade. Aferição. Público infantil.

Abstract: This study aimed to evaluate specific techniques for measuring creativity
involving children. Using the metaphor for time stamping as an incentive to
creativity tool, meetings were held musical activities with children 4-11 years. The
experimental sessions covered five stages: Concept explanation, demonstration of
support system functionality, exploration activity, creation activity, and creating
activity in pairs. The results of the data collection highlighted that the audible result
was relevant, the activity required low level of cognitive effort, promoted fun and
engagement of the participants during the experiment. However, activities in pairs
performed better on results and performance.
Keywords: Creativity. benchmarking. Children.

1. Introdução
A criatividade musical cotidiana foi formulada como objeto de pesquisa em (Keller et al. 2013;
Pinheiro da Silva et al. 2013a). As manifestações criativas cotidianas se caracterizam pelo local da atividade
e pelo perfil dos participantes. Por um lado, a criatividade cotidiana (ou criatividade pequena) não exige

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espaços específicos projetados para o fazer musical. Os fenômenos criativos cotidianos podem acontecer
fora do estúdio, da sala de concerto ou dos espaços planejados para o ensino musical formal. Ao não
demandar o uso de instrumentos acústicos, a criatividade musical pequena não impõe um treinamento longo
no uso de sistemas de notação musical e não demanda as habilidades psicomotoras exigidas pela
interpretação instrumental. Essas características colocam os fenômenos criativos cotidianos ao alcance de
leigos e de participantes casuais em atividades musicais. Esta disponibilidade de atividades criativas musicais
no cotidiano, permite por um lado a utilização de observações in situ, questionários e entrevistas para coleta
de dados. Mas por outro lado gera novas demandas que complicam a aferição da criatividade.
Primeiro, as atividades em contextos cotidianos demandam a aplicação de técnicas de coleta de
dados que não reduzam a mobilidade dos participantes. Um dos requisitos da aferição da criatividade
cotidiana é a utilização de espaços não projetados para a performance musical. Não é viável limitar a
atividade musical ao espaço laboratorial ou à sala de concerto. As atividades musicais cotidianas incluem
ambientes de trânsito, ambientes domésticos e espaços de trabalho e de lazer. Desta feita, a aferição dos
processos criativos pode ser realizada com: (1) sistemas portáteis de coleta de dados - como no estudo
realizado por Silva et al. (2016) no qual foram fornecidas pulseiras de sensoriamento de atividade para os
sujeitos, que permitiram obter informações sobre as atividades realizada ao longo de cinco dias; ou (2)
aplicando questionários de aferição após a realização de cada atividade criativa (Carroll et al. 2009; Keller et
al. 2013).
Segundo, a aferição dos produtos criativos cotidianos pode exigir critérios diferentes aos utilizados
nos estudos da criatividade profissional. Existe uma base teórica sólida que permite diferenciar os fenômenos
criativos cotidianos das manifestações profissionais (Beghetto e Kaufman 2007; Kozbelt et al. 2010; Richards
2007). No entanto, a aplicação do conceito de criatividade cotidiana no campo musical ainda é recente (Keller
et al. 2013). Diversos estudos mostraram que é possível aferir processos e produtos criativos cotidianos,
aplicando critérios como relevância e originalidade (Farias et al. 2014; Ferreira et al. 2014; Pereira et al.
2016b). Mas ainda não há consenso sobre o número de fatores relevantes para o suporte à criatividade ou
sobre o perfil do público a ser convocado durante o processo de aferição. Um aspecto problemático é a
utilização de perguntas escritas para a coleta de dados, que coloca em situação de desvantagem o público
não alfabetizado ou com dificuldades na interpretação de símbolos (como é o caso dos participantes com
deficiências cognitivas). Pereira e coautores (2016b) introduzem a proposta de utilização de ícones para
avaliar o nível de criatividade de processos e produtos. Os autores relatam os procedimentos e discutem os
resultados de dois experimentos com crianças leigas e com crianças com treinamento musical, utilizando
emoticons - ícones com expressões faciais simplificadas - para viabilizar a coleta de dados (Riley et al. 2009).
Participaram 34 sujeitos, com média de idade 9,31 (desvio padrão = 0,09). Em ambos os grupos (sem
treinamento musical e com treinamento musical) foi aplicado o seguinte protocolo: 1. explicação do conceito

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de sequenciamento e mixagem, 2. demonstração do funcionamento do software, e 3. realização de


atividades de exploração, criação e imitação. Cada atividade foi avaliada através do questionário CSI-NAP,
abrangendo a aferição subjetiva do resultado sonoro e o desempenho dos participantes durante a atividade.
Porém neste caso, os sujeitos utilizaram ícones representando uma escala Likert de 5 pontos. Os resultados
confirmaram a viabilidade de utilizar ícones faciais como método de coleta de dados. Em ambos os grupos,
os fatores que tiveram destaque foram diversão, produtividade e engajamento. No entanto, as aferições
também indicaram alto investimento cognitivo por parte dos participantes.
Duas estratégias amplamente utilizadas nos estudos sobre criatividade são a entrevista e a aplicação
de questionários. Para Manzini (2004), a entrevista semiestruturada consiste em perguntas simples
fundamentadas em teorias e em hipóteses, gerando novos conhecimentos a partir das respostas dos
participantes. A entrevista semiestruturada, de acordo com Queiroz (1988), é uma técnica que utiliza a
conversação continuada entre o participante e o pesquisador para coletar dados. A técnica de entrevista
semiestruturada pode ser utilizada tanto em pesquisas exploratórias quanto na observação mais precisa dos
conceitos em foco (Boni e Quaresma, 2005). Triviños destaca que a entrevista “[...] favorece não só a
descrição dos fenômenos sociais, mas também sua explicação e a compreensão de sua totalidade [...]”
(Triviños 1987, p. 152). As entrevistas semiestruturadas abrangem perguntas abertas e fechadas. Nas
respostas a perguntas abertas, os entrevistados podem argumentar e discorrer sobre o assunto investigado.
Nos roteiros fechados, adotam-se um conjunto de perguntas previamente definidas pelo pesquisador.
O uso de questionários ou de entrevistas seguindo um roteiro pré-definido auxilia o pesquisador a
manter o foco, permitindo se aprofundar na investigação sobre seu objeto de pesquisa. Outra vantagem da
aplicação de questionários é a possibilidade de estabelecer comparações quantitativas. No caso da aferição
dos produtos e dos processos criativos, o desmembramento da aferição em fatores específicos pode
impulsionar estratégias inovadoras para lidar com problemas como a fixação ou a incapacidade de atingir
resultados criativos por falta de recursos materiais. Portanto, o argumento de que o uso de questionários
limita a abrangência da pesquisa, não permitindo que assuntos relacionados sejam abordados, tem menos
impacto ao tratar-se da aferição da criatividade. Sacrifica-se abrangência para ganhar precisão na análise do
perfil dos produtos e dos processos.
Nos estudos relatados neste trabalho foram observadas dificuldades por parte dos sujeitos não
alfabetizados na hora de fornecer respostas quantitativas para os itens solicitados. Acreditamos que essas
dificuldades não foram causadas pela falta de compreensão dos conceitos ou pelo tipo de perguntas
formuladas, mas pela dificuldade dos sujeitos para relacionar as avaliações quantitativas ao julgamento
subjetivo do nível de criatividade dos processos e produtos. Tendo em vista essa limitação, implementamos
novas estratégias de coleta de dados substituindo a representação simbólica da escala Likert pelo uso de
ícones simplificados.

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2. Utilização da marcação temporal em música ubíqua


A marcação temporal é conceituada como um conjunto de processos que permite utilizar amostras
sonoras para gerar um novo som (Keller et al. 2010; Radanovitsck et al. 2011). Através da combinação de
arquivos de áudio é gerada uma mixagem ou produto criativo. O usuário determina a distribuição temporal
de cada amostra sonora utilizando como sistema de referência os eventos sonoros do local no qual é
realizada a atividade. Para testar essa ideia, foi implementado um protótipo para telefones celulares
baseados no sistema operacional livre Android.
Um dos objetivos da pesquisa em música ubíqua é expandir o acesso ao fazer musical para o público
leigo através de suporte tecnológico com foco no desenvolvimento criativo (Keller et al. 2014). Nesse
contexto, o uso da metáfora de marcação temporal é analisado por Pinheiro da Silva et al. (2013b). O
experimento teve como foco a exploração de conceitos de criatividade musical no cotidiano. O estudo foi
realizado com músicos e leigos em contextos diversos, incluindo espaços de trânsito (calçadas) e ambientes
com predominância de sons biofônicos. Os participantes utilizaram a primeira geração de protótipos
mixDroid (mixDroid 1G) para realizar mixagens de aproximadamente 1 minuto de duração. O estudo apontou
um bom nível de apoio para a atividade criativa, com destaque para os fatores diversão e colaboração.
De acordo com Pinto (2009) atividades musicais em grupo promovem o desenvolvimento da
socialização - cada indivíduo passa a ter a consciência de que seus atos são importantes para o resultado final
da atividade. Partindo desse pressuposto, o projeto Síntese Provocativa 1 analisou a interação em tempo real
entre sujeitos sem experiência musical e músicos profissionais (Ferreira et al. 2014). Nessa proposta foram
utilizadas amostras sonoras produzidas em estúdio. O experimento foi realizado em ambiente comercial,
empregando quatro instrumentos musicais e quatro dispositivos portáteis equipados com mixDroid,
conectados a amplificadores via mixer. Foram utilizadas apenas nove amostras sonoras por sessão. Os
instrumentistas realizaram improvisações e os leigos responderam por meio do mixDroid, estabelecendo um
diálogo entre os sons instrumentais e o uso síncrono de amostras sonoras. Os resultados indicaram um nível
alto de engajamento por parte dos participantes leigos.
A presente pesquisa tem como objetivo utilizar a metáfora de marcação temporal como ferramenta
de incentivo para a criatividade musical e auxiliar no desenvolvimento de técnicas específicas de coleta de
dados com crianças. Entre os aspectos abordados, analisamos a interação no contexto de atividades criativas
e o impacto da vivência musical e da familiaridade com os recursos tecnológicos por parte dos sujeitos. O
intuito é determinar se a marcação temporal fornece suporte suficiente para a realização de atividades
musicais criativas quando o público-alvo inclui crianças sem treinamento musical.

3. Métodos

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Foram realizados dois estudos. O primeiro estudo visou explorar alternativas metodológicas para
viabilizar a coleta de dados com crianças. Tendo estabelecido a faixa etária mínima para participar nos
procedimentos de aferição do nível de criatividade tanto de processos quanto de produtos, o segundo estudo
focou a validação das técnicas de coleta de dados. Sendo que os dois estudos utilizaram a mesma
infraestrutura e os mesmos materiais, descrevemos inicialmente os elementos comuns e fornecemos os
detalhes específicos de cada estudo nas duas seções seguintes.
Perfil dos participantes: Participaram 17 sujeitos, com a faixa etária entre 4 e 11 anos. Os
participantes foram divididos em dois grupos de acordo com sua faixa etária, o primeiro grupo tinha idade
de 4 a 7 anos e o segundo de 8 a 11 anos. Nenhum participante possuía treinamento musical formal. Outra
característica importante de todos os sujeitos é que até os mais novos, mesmo sem serem alfabetizados, têm
dispositivos portáteis (tablets ou telefones celulares). Todos dominam o uso básico de dispositivos portáteis
e todos tiveram algum contato com dispositivos estacionários.

4. Procedimentos:
As sessões abrangeram dois encontros para cada grupo e foram divididas em seis etapas: explicação
do conceito mixagem, demonstração das funcionalidades do software, exploração e criação individual,
exploração em dupla e criação em dupla. Ao final de cada atividade os usuários responderam o questionário
CSI-NAP. Primeiro foi feita a atividade de exploração, sem limite de duração. Seguidamente, foi estipulado 1
minuto para a atividade de criação e 1 minuto para a atividade de criação em dupla.
Local das atividades: As oficinas foram realizadas em uma escola filantrópica de dança, localizada
nos fundos de uma denominação religiosa. O espaço é composto por três ambientes. Na parte da frente tem
um espaço para ensaios de bandas musicais. Esse espaço não tem aberturas laterais e o acesso é feito através
de uma porta frontal e de uma porta traseira, a metragem é de 17 x 25 metros. Nos fundos funciona a escola,
dividida em dois espaços. O espaço posterior tem 17 x 12 metros. Tem uma sala para aulas, aberta - apenas
demarcada com ferro - e o restante do espaço é dedicado a atividades físicas e à secretaria da escola.
Nenhum dos espaços possui isolamento acústico.
Ferramentas de suporte: O programa mixdroid 2G CS é um software que permite fazer mixagens em
tempo real, gravando simultaneamente o áudio resultante (Farias et al. 2014). Foi implementado para o
ambiente Android, mixDroid 2G CS fornece suporte para mixagem e processamento de áudio em dispositivos
móveis, com boa qualidade de gravação em arquivos no formato padrão do disco compacto.
Materiais: Sistema musical ubíquo mixDroid 2G rodando em tablets e telefones celulares. Placas com
emoticons. Questionários CSI-NAP e ISE-NAP.

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ISE-NAP: Para identificação do perfil dos sujeitos foi utilizado um questionário desenvolvido pelo
grupo de pesquisa NAP, o ISE-NAP (Perfil Individual Sócio-Econômico). O questionário foi aplicado uma única
vez para cada sujeito após a apresentação do software.
CSI-NAP: O questionário CSI-NAP avalia o resultado sonoro e o desempenho do participante durante
a atividade desenvolvida (Keller et al. 2011). Este questionário é utilizado para avaliar atividades criativas
realizadas por músicos ou leigos (Ferreira et al. 2014), por crianças (Pereira et al. 2016a) ou por pessoas com
necessidades especiais (Perreira et al. 2016b), e inclui as seguintes perguntas: O resultado foi bom? O
resultado foi original? A atividade foi fácil? Você ficou atento? A atividade foi divertida?”, A atividade foi
produtiva? Foi fácil colaborar?

5. Estudo 1 (preliminar): Marcação temporal com crianças de 4 a 7 anos


Pinheiro da Silva et al. (2013b) definem a mixagem como “o ato de agrupar sons previamente
gravados (amostras sonoras) através de sequenciamentos resultantes em um novo produto criativo”. Logo,
a mixagem sonora pode ser definida como o ato de combinar qualquer som digitalizado, com o intuito de
obter novos materiais sonoros.
Perfil dos participantes: Neste estudo participaram 6 crianças com idades de 4 a 7 anos. De acordo
com os dados obtidos através do questionário elas que não possuem estudo musical formal. Quanto ao uso
de dispositivos tecnológicos, a média foi de 1,7 anos de uso de dispositivos portáteis e de 1,2 anos de uso de
dispositivos estacionários (computadores pessoais).

Tabela 1. Uso de dispositivos portáteis e estacionários

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6. Procedimentos
Amostras sonoras de sons cotidianos e de instrumentos musicais foram inseridas no mixDroid 2G CS.
Os sujeitos utilizaram tablets para fazer mixagens e gravações. Foram realizadas atividades de exploração do
aplicativo e das suas funcionalidades, e foi dados um minuto para produzir uma criação sonora com os sons
fornecidos. Para avaliar o resultado sonoro e o desempenho dos participantes durante a atividade foi
utilizado o questionário CSI-NAP v. 0.5.
Segue a descrição detalhada de cada etapa do experimento:
Explicação do conceito de mixagem;
Demonstração da funcionalidade do software;
Atividade de exploração: Na atividade de exploração os participantes experimentam na prática as
funcionalidades do software, de mixagem e gravação.
Atividade de criação: Na atividade de criação os participantes tiveram um minuto para realizar uma
composição sonora utilizando as amostras previamente selecionadas disponíveis no aplicativo.
Atividade de exploração em dupla: Nesta etapa, os participantes fizeram uma sondagem em dupla
das funcionalidades do software.
Atividade de criação em dupla: Na atividade de criação em dupla os participantes tiveram um minuto
para criarem uma mixagem com as amostras anteriormente selecionadas.
Coleta de dados
No processo de coleta de dados foi utilizada a metodologia de entrevista semiestruturada adaptada
para crianças não alfabetizadas. Para viabilizar as respostas quantitativas por parte das crianças, foram
utilizados ícones faciais relacionados aos descritores semânticos do questionário CSI-NAP. Os valores
utilizados para avaliar a atividade variam de -2 a 2, adotando a escala Likert: -2 Discordo totalmente, -1
Discordo parcialmente, 0 Não sei, 1 Concordo parcialmente, e 2 Concordo totalmente. A carinha com o
semblante mais introspectivo representa o valor -2 (Discordo totalmente). O valor seguinte -1 (Discordo
parcialmente) é representado pelo emoticon menos introspectivo. O zero (Não Sei) é relacionado à face
neutra. O valor 1 (Concordo parcialmente) é representado pela figura com um sorriso leve. E por fim a
magnitude máxima 2 (Concordo totalmente) é simbolizada pela face feliz.

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Figura 1. Ícones correspondentes aos valores numéricos utilizados no estudo preliminar

7. Resultados
Durante a oficina os participantes tiveram dificuldade em assimilar os valores vinculados aos ícones.
Quando questionados, eles informaram que estavam de acordo com o quesito apresentado. Por conta dessa
limitação no procedimento de aferição, na atividade de exploração, todos os resultados atingiram a mesma
média: 2,00, com desvio padrão de 0,00. Acreditamos que nas suas escolhas, os sujeitos tentaram agradar
os experimentadores.

8. Discussão dos resultados do estudo 1


Durante o estudo preliminar com crianças entre 4 e 7 anos as atividades foram avaliadas utilizando
ícones representativos da escala com valores numéricos variando de -2 a 2 (emoticons - figura 1). Nessas
atividades ficou aparente que as crianças não estavam vinculando os ícones aos valores da escala.
As atitudes e os comentários observados durante o uso do mixDroid 2G CS por parte de crianças na
faixa de 4 a 7 anos indicam que o sistema proporciona estímulo à criatividade musical. Entretanto, no que se
refere ao processo de coleta de dados, a utilização dos 5 emoticons dificulta a obtenção de resultados. Nos
próximos estudos serão utilizados 3 emoticons (figura 2), reduzindo a escala aos valores de -1, 0 e 1.

Figura 2: Emoticons adaptados por Alcântara-Silva e Silva (2012).

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9. Estudo 2: marcação temporal com sujeitos de 8 a 11 anos


Foi realizado um experimento com o mixDroid 2G CS com crianças de 8 a 11 anos. O intuito foi
verificar a usabilidade dos emoticons previamente utilizados em trabalhos relacionados a musicoterapia
(Alcântara-Silva e Silva 2012). Para a realização do segundo estudo foi executado o mesmo procedimento
que o adotado no primeiro experimento. Os sujeitos realizaram atividades de criação musical com suporte
tecnológico, abrangendo atividades individuais e em dupla. Ao término das atividades os resultados foram
avaliados através do questionário CSI-NAP.
Perfil dos participantes: Participaram 11 crianças. Para a identificação do perfil dos sujeitos foi
utilizado o questionário ISE-NAP (Perfil Individual Sócio-Econômico). O ISE foi aplicado após a apresentação
do software. De acordo com os dados coletados, os participantes não possuem estudo musical formal.
Quanto ao acesso à tecnologia, todos têm uso prévio de dispositivos portáteis, sendo a média de 3 anos, e
de 2,3 anos de uso de computador (dispositivos estacionários).

Tabela 2: Perfil de uso de dispositivos portáteis e estacionários, em anos, para os sujeitos que participaram no estudo 2.

Procedimentos: A oficina iniciou com uma breve explicação do conceito de mixagem. Foram
demonstradas as funcionalidades do software mixDroid 2G CS e seguidamente foi feita a atividade de
exploração. Os sujeitos tiveram 1 minuto para a atividade de criação individual e 1 minuto para a atividade
de criação em dupla (conferir os detalhes na seção procedimentos do estudo preliminar).

10. Resultados
A tabela 3 indica os resultados da atividade de exploração com a ferramenta mixDroid 2G CS. Os
quesitos de aferição do suporte à criatividade estão indicados pela média e o desvio padrão numa escala de
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-2 a +2: o produto foi bom (relevância) (1,71 ± 0,57), o produto foi original (1,12 ± 0,76), a atividade foi fácil
(1,82 ± 0,38), fiquei atento (1,24 ± 1,00), a atividade foi divertida (1,82 ± 0,38), a atividade foi produtiva (0,94
± 1,11), e foi fácil colaborar (1,71 ± 0,75). Segundo esses resultados, o esforço cognitivo foi baixo e os sujeitos
acharam a ferramenta divertida (média de 1,82). Houve um bom engajamento e o produto foi considerado
relevante (média de 1,71). Os outros itens tiveram desvio padrão elevado, mostrando pouca confiabilidade
nas respostas.

Tabela 03: Exploração da ferramenta

Na atividade de criação individual, os itens tiveram a seguinte média e desvio padrão: o produto foi
bom (relevância) (1,71 ± 0,57), o produto foi original (1,29 ± 0,67), a atividade foi fácil (1,76 ± 0,42), atenção
durante a atividade (1,41 ± 1,03), diversão (1,82 ± 0,38), produtividade (1,06 ± 1,16) e colaboração (1,71 ±
0,75). Os resultados da atividade de criação individual apresentados na tabela 04 mostra que a maior média
foi 1,82 no fator diversão. A atividade demandou pouco esforço cognitivo com média no quesito facilidade
de 1,76. Os itens relevância do produto e engajamento na atividade atingiram o mesmo patamar (1,71). As
médias mais baixas foram nos quesitos originalidade do produto (1,29) e produtividade da atividade, que foi
avaliada em 1,06.

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Tabela 04: Criação individual.

A atividade de exploração em dupla teve os seguintes resultados: relevância do produto (1,78 ± 0,42),
originalidade do produto (1,22 ± 0,63), a atividade foi fácil (2,00 ± 0), atenção (1,56 ± 0,50), diversão (2,00 ±
0), produtividade (1,00 ± 0,67) e colaboração (1,89 ± 0,31), destacando a facilidade 2,00, diversão 2,00 e
colaboração 1,89.

Tabela 05: Exploração em dupla

Os quesitos da atividade em dupla atingiram a seguinte média e desvio padrão: relevância do


produto (2,00 ± 0), originalidade do produto (1,44 ± 0,68), a atividade foi fácil (2,00 ± 0), atenção
(1,78 ± 0,42), diversão (2,00 ± 0), produtividade (1,44 ± 0,50) e colaboração (2,00 ± 0). Os resultados
da avaliação da atividade e do resultado sonoro durante a atividade de criação em dupla apontam a
média máxima nos quesitos relevância, facilidade, diversão e colaboração (2,00).

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Tabela 06: Criação em dupla

11. Discussão dos resultados do estudo 2


Nas atividades em dupla a avaliação da atividade obteve resultados mais positivos, do que os obtidos
nas atividades individuais. A atividade de exploração individual exigiu pouco esforço cognitivo, com a média
de 1,82 para o item facilidade, 1,82 para diversão, 1,71 para relevância do resultado sonoro e 1,71 para o
engajamento durante a atividade. Porém na atividade os quesitos facilidade, diversão, relevância do produto
sonoro, e engajamento na atividade obtiveram a média de 2,00, ressaltando o melhor desempenho em
atividades grupais.
Ao comparar os resultados de criação em dupla com os de criação individual (tabelas 04 e 06), pode-
se observar que o nível de criatividade aumentou na atividade com dois sujeitos. Os resultados mais
favoráveis (todos com média de 2,00) foram relevância, facilidade, diversão, e colaboração. Os sujeitos
ficaram mais concentrados, como mostra a média de 1,78, o produto foi avaliado como mais original e a
produtividade da atividade foi maior (ambas com média de 1,44).

12. Conclusões
As sessões experimentais tiveram por um lado a finalidade de analisar o impacto da metáfora de
marcação temporal como ferramenta de suporte a criatividade e por outro lado objetivaram explorar novas
técnicas de aferição da criatividade, tendo como público-alvo crianças. Foi adotado o mixDroid 2G CS como
ferramenta de suporte para a criatividade musical. No primeiro estudo participaram crianças de 4 a 11 anos.
As sessões foram divididas em seis etapas: explicação do conceito, demonstração da funcionalidade do
software, atividade de exploração, atividade de criação, exploração em dupla e criação em dupla. As
atividades foram avaliadas com o questionário CSI-NAP abrangendo tanto o resultado sonoro quanto o
desempenho durante a atividade. Nesse estudo inicial foram observadas algumas limitações nos
procedimentos aplicados com as crianças da faixa etária entre 4 e 7 anos. No momento da realização das

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aferições, as crianças não conseguiam relacionar as respostas do questionário com a sua impressão das
atividades realizadas. Em decorrência da limitação no uso de escala de aferição de 5 níveis, representados
pelos emoticons ilustrados na figura 1, foram adotados ícones usados previamente em trabalhos
relacionados a musicoterapia, com uma escala de 3 níveis (-1, 0 e 1) (figura 2).
Foi realizado um segundo estudo com crianças de 8 a 11 anos, aplicando procedimentos similares ao
estudo preliminar. O segundo estudo possibilitou a verificação da usabilidade dos emoticons simplificados,
confirmando os resultados obtidos por Alcântara-Silva e Silva (2012). Ao simplificar o procedimento de coleta
de dados, foi possível analisar o nível de suporte fornecido pelo sistema musical ubíquo mixDroid 2G CS nas
atividades de exploração, criação e imitação - realizadas em duplas e individualmente. Os resultados obtidos
na atividade de criação com dois participantes ressaltaram que o resultado sonoro foi relevante, a atividade
teve um nível baixo de esforço cognitivo e promoveu a diversão e o engajamento das crianças. O
desempenho na atividade de criação individual foi positivo nos itens diversão, colaboração e facilidade. E a
maioria avaliou os produtos como sendo relevantes. Mas os itens produtividade e atenção durante a
atividade não atingiram o mesmo nível de aprovação e mostraram alta variabilidade entre os sujeitos. Os
resultados da atividade individual de exploração foram muito similares aos da atividade de criação.
Tomados em conjunto, os resultados do presente estudo ampliam as observações feitas em estudos
anteriores. A marcação temporal fornece uma estratégia efetiva de suporte para atividades criativas
síncronas por leigos (Radanovitsck et al. 2011), em contextos cotidianos (Pinheiro da Silva et al. 2013a) e em
ambientes educacionais (Farias et al. 2014), e também pode ser utilizada em atividades envolvendo leigos e
músicos (Ferreira et al. 2014). No entanto, no caso da aplicação com público infantil, a realização de
atividades grupais pode impulsionar o aumento do engajamento, da diversão e da relevância tanto dos
resultados quanto do processo criativo. Essa variável precisa ser considerada com cuidado na hora de
determinar as estratégias de suporte tecnológico. O uso grupal síncrono não é uma modalidade considerada
prioritária no design de dispositivos tecnológicos pessoais, Mas essa visão pode ter um impacto negativo
quando a tecnologia é aplicada para fins criativos, especialmente no caso das crianças.
Quanto aos métodos de aferição da criatividade, o presente estudo contribui para estabelecer o
limite de 8 anos como faixa etária inferior para estudos envolvendo avaliações quantitativas de produtos e
processos. Propostas alternativas de aferição qualitativa com crianças de 4 a 7 anos precisam ser estudadas,
podendo abranger estratégias mistas envolvendo coleta de dados de atividade (Silva et al. 2016) em conjunto
com a aplicação de questionários utilizando ícones simplificados - como os utilizados no segundo estudo
relatado neste artigo.

Referências

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TEORIA E ANÁLISE - COMUNICAÇÕES

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Sebastião Tapajós e a harmonia da Bossa nova: uma breve análise

Edmarcio da Paixão Araújo


paixao_ks@hotmail.com
Universidade do Estado do Pará

João Batista Cordovil de Ataide Filho


ataidemusica@gmail.com
Universidade do Estado do Pará

Resumo: A harmonia sempre foi considerada a “menina dos olhos” de grande parte
dos músicos executantes de instrumentos harmônico-melódicos e a Bossa Nova é
um verdadeiro armazém, onde Sebastião Tapajós deleitou-se em obras de sua
autoria, particularidades da harmonia bossanovista. Sendo a problemática da
pesquisa a investigação sobre a existência de influencia de alguns compositores da
Bossa Nova sobre as harmonias de mesma afeição do violonista e a identificação
de pontos que destaquem a Bossa Nova na carreira musical do mesmo, sendo
assim, foram selecionadas duas composições de sua autoria que se enquadram na
análise proposta pela pesquisa.
Palavras-chave: Harmonia funcional. Bossa Nova. Análise harmônica.

Abstract: The harmony was always considered the "apple of the eye" of most
performers musicians harmonic-melodic instruments and Bossa Nova is a real
warehouse, where Sebastião Tapajós reveled in the works of his own, peculiarities
of bossa nova harmony. As the issue of research, research on the existence of
influence of some composers of Bossa Nova on the harmonies of the same affection
of guitarist and identifying points that highlight the Bossa Nova in the musical
career of it, therefore, two compositions were selected of his own that fall under
the analysis proposed by research.
Keywords: Functional harmonic. Bossa nova. Harmonic analyze

A bossa nova: um painel de sua história


Para que haja uma melhor compreensão sobre o fenômeno da bossa nova, faz-se necessário explicar
suas origens, pois ela é um gênero musical que germinou na década de 40, mais precisamente no pós-guerra.
Naquela época, o be-bop, gênero musical norte-americano, começava em 1949, a tornar-se conhecido
também no exterior. Augusto de Campos em seu livro O Balanço da Bossa e outras Bossas (1968, p.18), diz
que: “já nesse ano de 1949 e nos seguintes, começaram a surgir, na música popular brasileira, composições
que incorporavam alguns procedimentos do be-bop, tanto na estrutura propriamente dita como na
interpretação”, o autor relata ainda que:

Dos Estados Unidos, ainda pouco depois dessa época, procederia a uma nova
maneira de conceber a interpretação: o cool jazz, designação usada em contraparte
a hot jazz. O cool jazz é elaborado, contido anticontrastante. Não procura pontos

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de máximo e mínimos emocionais. O canto usa a voz de maneira como


normalmente fala. (1968, p.18)

Nessa afirmação, já é possível reconhecer duas das principais características da bossa nova, a
linguagem poético musical e a forma de cantar, pois na bossa nova (ao contrário do que acontecia na
chamada música tradicional) o cantor ou intérprete é parte integrante de um todo, não existe destaque para
a voz. O cool jazz é, sem dúvida, a principal raiz da bossa nova, que com o tempo foi desenvolvendo-se até a
solidificação do processo em 1958.
Essa influência foi desencadeada por Johnny Alf, têm a sua cota de responsabilidade no
fortalecimento gradual do movimento com a adesão de boa parte dos compositores dessa época ao estilo
de Johnny, alguns se tornaram bem conhecidos como o gaúcho Tito Madi e o paraense Billy Blanco.

Desse momento em diante, acelera-se o processo de renovação. Composições


dadas a público em 1957 por Maysa, tais como: Ouça, Resposta, Felicidade infeliz,
significavam uma experiência nova para um auditório habituado a músicas de
cunho mais conservador e já em uma considerável parcela desejosa de ouvir algo
diferente (CAMPOS, 1968, p. 20).

Quando o assunto é Bossa Nova, é impossível não falar de João Gilberto e de seu violão, João é
apontado pela maioria dos estudiosos da BN como sendo o artista que modificou radicalmente, não apenas
o modo de cantar/interpretar, mas introduziu também uma maneira sui generis de tocar violão. As
interpretações (tanto a vocal como a instrumental) coexistem de maneira pacífica em graus de igual
importância e com as sutilezas (uma pequena diferença é o que conta) que são atributos exclusivos de João,
ele é o intérprete-cantor que melhor tipifica a concepção musical Bossa Nova, conseguindo, no instrumento,
efeitos nunca antes ouvidos e ao rejeitar os exageros interpretativos habituais, (o chamado operismo no
canto popular). Com João Gilberto, veio a revalorização e a reafirmação do violão, vieram também novas
possibilidades harmônicas jamais antes idealizadas e, nas palavras de Augusto de Campos, apresenta-se na
construção interpretativa do violão:

[...] pode-se dizer que na MPB tradicional esse instrumento possuía dois aspectos
distintos: a produção harmônica e a rítmica (o modo de acompanhar produz um
ritmo) durante o desenvolvimento musical, a Bossa Nova concilia ambas as funções,
fazendo com que se integrem numa mesma entidade-acorde (CAMPOS, 1968, p.
23).

É possível constatar essa nova realidade quando se ouve a composição Eu e a brisa de Johnny Alf
cantada por Lúcio Alves em uma gravação de 1956 e posteriormente rearranjada por Tom Jobim, com a voz

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e o violão de João Gilberto. Outro fator inovador foi o uso do silêncio em composições posteriores à Bossa
Nova, Campos (1968, p.31) relata que:

[...] este procedimento, embora não usado com muita frequência, pode-se dizer
que apareceu na MPB com o advento da bossa nova. Consiste na utilização da pausa
considerada como elemento estrutural, como sendo um aspecto de som: som-zero,
um bom exemplo é a melodia O menino desce o morro, composição de Vera Brasil.

Quanto ao panorama dos gêneros musicais, ao contrário do que muita gente imagina, a BN é uma
concepção musical que engloba vários gêneros (a bossa nova não é só Garota de Ipanema), existem
manifestações variadas: sambas; marchas; valsas (Luciana de A. C. Jobim), serestas (Canta, canta mais, O que
tinha de ser, de A. C. Jobim), beguines (Oba-lá-lá de João Gilberto) e o samba-canção, sendo que esse último
deve sua renovação a BN. Por causa de sua estrutura rítmica semelhante a do bolero latino-americano,
começou a acontecer na década de 50 (quando o bolero estava no auge) uma diluição gradual na sua
identidade quase provocando uma fusão entre os dois gêneros. A bossa nova veio em seu socorro através de
Tom Jobim e de outros compositores que produziram belos sambas-canção: Dindi (Tom), Ilusão à toa (Johnny
Alf), Fim de noite (Maysa), Eu sei que vou te amar, Se todos fossem iguais a você (Tom e Vinicius), Noite fria
(Tito Madi) enfim, a lista é extensa. (CAMPOS, 1968, p.31)
O movimento da bossa nova começou seu declínio em fins de 1962, e que apesar das criticas que
sofreu por ser um movimento que não nasceu em ambiente popular, por suas influências jazzísticas, é grande
o seu legado para a MPB. Nunca antes na história da nossa música, um movimento causou tantas mudanças
e polêmica. Pode-se mesmo dizer que ela originou o que hoje se pode chamar de tsunami benéfico com suas
ondas de boa música e sua harmonia sofisticada através do violão. Bossa nova significa trazer e fazer algo
novo, significa renovação musical e foi o que ela fez em um sentido bem amplo e continua até hoje a
enriquecer a nossa MPB.

Chega de Saudade: a harmonia da bossa nova


É preciso que se esclareça o seguinte: no início do século XIX, o baixo contínuo entrou em desuso, e,
então, foi necessário organizar algum princípio de entendimento da harmonia para explicar a música da
época e de acordo com KOELLREUTTER (1986, p. 14) foi o teórico Jacob Weber que em 1817 apresentou uma
nova teoria da harmonia que utiliza a cifra do baixo contínuo e acrescenta, à esquerda, o número do grau da
escala (I, II, III, IV etc.) onde os acordes são originados. Esse sistema vigora até os dias de hoje e é chamado
de harmonia tradicional, harmonia gradual, ou ainda análise harmônica por graus. Ainda segundo
Koelreutter, em 1902 o grande teórico alemão Hugo Riemann, observando que o sistema de Weber não

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explicava as funções desempenhadas pelos acordes na estrutura harmônica e apenas indicavam os graus da
escala em que se originavam, desenvolveu o conceito de harmonia funcional.
Na visão de Brisolla, a harmonia lecionada tradicionalmente é a descrição do acontecimento musical
contido no período entre o barroco e o romantismo anterior ao expressionismo e a harmonia funcional é
esse mesmo acontecimento musical estudado, interpretado e compreendido em todo o seu significado
(BRISOLLA, 1979, p. 4).
Como foi visto, existem duas maneiras ou modos de realizar-se uma análise harmônica, porém, a
Harmonia é apenas uma.
As origens da BN remontam à década de 40 quando, em 1946, Dick Farney gravou a antológica
Copacabana, composição de João de Barro (Braguinha) em parceria com Alberto Ribeiro e segundo o relato
de Gava (2002, p. 84).

Dick Farney estava sendo revelado como cantor e seu grande mérito foi demonstrar
que certa modernidade já pairava no ar evitando os recursos operísticos e os
exageros interpretativos. A Bossa Nova ainda mal se pronunciava, mas já era
possível ter indícios de que um espírito diferente estava na atmosfera. A
“Princesinha do mar”, embora ainda não tivesse a voz suave, e a bossa de João
Gilberto com sua famosa batida ao violão, já era cantada e divulgada pelo país. Vê-
se, que já naquele período pré-bossanovista, a música popular começava a sofrer
deslocamentos, tanto em suas temáticas quanto em sua estética.

O autor cita ainda os nomes de Dóris Monteiro, Nora Ney, Lúcio Alves, Tito Madi e Ivon Cury.
Em 1956, dez anos depois da gravação de Copacabana, “a futura musa do movimento Nara Leão,
com apenas quatorze anos de idade, mudou-se para um apartamento em Copacabana que num
futuro bem próximo seria o local das famosas “reuniões da Bossa Nova” (Ibidem p.46). Várias são
as evidências da influência bossanovista sobre a MPB, além da já citada de Johnny Alf, pode-se
observar como a harmonia da bossa nova modificou os parâmetros harmônicos das cadências
tradicionais como V—I ou IV—I e VI7—IIm substituindo-as com soluções inesperadas e que segundo
Gava, “praticamente toda estrutura harmônica das composições passou a ser construída sobre
acordes de construção não-fundamental (invertidos) enriquecidos por notas estranhas (as
dissonâncias)” também é fato notório que João Gilberto resgatou composições da chamada época
de ouro da MPB (década de 30) regravando essas músicas com seu estilo personalíssimo dando a
elas uma nova roupagem vocal e instrumental”

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Sebastião Tapajós: por um momento


Em seu livro Sebastião Tapajós, 50 anos de vida artística, o autor Cristovam Sena registra uma
pequena biografia do violonista e outros fatos importantes sobre sua carreira e segundo SENA (2014,p.2):
Sebastião Pena Marcião, artisticamente conhecido como Sebastião Tapajós, nasceu em 16-04-1942 durante
a viagem de retorno de sua mãe a Santarém vindo de Alenquer. Viveu sua infância e adolescência em
Santarém até os 15 anos, quando apesar da resistência do pai, embarcou para Belém em fins de 1958
disposto a continuar os estudos e integrar o conjunto musical “Os Mocorongos”. A paixão pelo violão o levava
a repetir incansavelmente as valsas de Dilermando Reis que constantemente escutava e, também, logo
assimilou a moderna harmonia de Garoto.
Em Belém, além de tocar com os Mocorongos, ele deu início à carreira de concertista realizando
recitais à custa de esforçado autodidatismo com um repertório que incluía Bach, Debussy e Villa-Lobos.
Somente em 1963, Sebastião deu um passo concreto na lapidação de seu virtuosismo quando foi para o Rio
de Janeiro ter aulas de técnica com o renomado Professor Othon Saleiro, personagem bastante conhecida
no meio musical carioca e que junto com Dilermando Reis, dialogava com a Bossa Nova que estava no auge.
Deve ter sido essa experiência que trouxe, a Sebastião, influência benéfica em suas futuras composições
nesse gênero. De volta a Belém, ganhou uma bolsa de estudos no Conservatório Nacional de Música de Lisboa
para aperfeiçoamento de sua técnica instrumental. Após oito meses de estudos em Lisboa, ele recebeu um
convite do célebre Emílio Pujol para outro aprimoramento no Instituto de Cultura Hispânica de Madri, que
teve a duração de cinco meses. Ao regressar da Europa, foi nomeado professor de violão do Conservatório
Carlos Gomes, cargo que ocupou não por muito tempo. Em 1967, quando percebeu que em Belém sua
carreira de sucesso ficaria estacionada, decidiu ir para o Rio de Janeiro onde fixou residência por muitos anos.
Sebastião Tapajós admite algumas influências na sua formação musical: Dilermando Reis e Garoto,
numa primeira fase. Posteriormente, Luiz Bonfá, Paulinho Nogueira e Baden Powell, nessa ordem.
Percebem-se, na vida musical de Sebastião Tapajós, três vertentes: o repertório erudito do qual ele
seleciona obras mais curtas de caráter romântico virtuosístico; o trabalho como arranjador em todos os
gêneros de música popular e a atividade de compositor, que talvez seja a menos conhecida.

Metodologia
Para realização deste estudo, foi feita uma pesquisa bibliográfica. No que diz respeito à Bossa Nova,
existe um grande número de publicações literárias, artigos etc., contudo, é lamentável a existência, aqui em
Santarém, de apenas uma publicação sobre a vida de Sebastião Tapajós. Ele nos informou, durante a
entrevista, que existem publicações a seu respeito no Japão e na Alemanha.
A técnica mais adequada foi a utilização da pesquisa de campo contendo uma entrevista
semiestruturada, permitindo que essa fosse realizada a partir de um roteiro com quatro perguntas para

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exploração do assunto e ainda possibilitou fazer perguntas adicionais para compreensão da pesquisa
explorada.
O método utilizado na amostragem foi o da audição das músicas contidas em 2 CDs de Sebastião
Tapajós contendo músicas com caráter bossanovista. Foram selecionadas duas obras do compositor que
possuem feitio de Bossa Nova: Por um Momento e Remanso que foram comparadas harmonicamente a duas
obras da Bossa Nova selecionadas: Manhã de carnaval (Luiz Bonfá e Antônio Maria) e Dindi (Antônio Carlos
Jobim e Aloysio de Oliveira) ambas compostas em 1959 consideradas “clássicas” da Bossa Nova e da música
brasileira, Manhã de carnaval foi especialmente selecionada por ser uma composição de Luiz Bonfá de quem
o violonista santareno admite certa influência.
Foi efetivada uma visita à biblioteca do Instituto Boanerges Sena (Santarém) que tem, em seu acervo,
a única literatura disponível que aborda a obra de Sebastião Tapajós, além de outras informações úteis à
pesquisa. Também foi realizada, na residência do violonista, uma entrevista semiestruturada.
O processo foi inicializado pela audição por trechos com a subsequente notação manuscrita,
inicialmente da melodia e depois da harmonia. A etapa seguinte foi a utilização de um software de notação
musical e editor de partituras para a elaboração da transcrição dos manuscritos. Quanto às partituras das
músicas da Bossa Nova, o processo de obtenção foi realizado através da internet e extraídas do Song Book
Bossa Nova elaborado por Almir Chediak. Esse autor é referência entre os músicos pesquisadores, tornando-
se uma fonte confiável. Essas partituras também foram posteriormente tratadas pelo mesmo software editor
de partituras. A etapa seguinte foi a da análise harmônica, inicialmente das composições de Sebastião
Tapajós, seguida da análise das músicas da BN nos pontos onde havia afinidade harmônica.
A análise não levou em consideração o movimento das vozes e sim as progressões, encadeamentos
e cadências da estrutura harmônica das obras em questão. Como última etapa, seguiu-se a análise harmônica
comparativa entre as composições de Sebastião Tapajós e as músicas da Bossa Nova. É imperativo deixar
bem claro que, apesar das obras possuírem caráter bossanovista e se encontrarem dentro de um mesmo
ambiente musical, a análise comparativa foi realizada sobre o aspecto vertical (harmonia) das composições
e não sobre a semelhança melódica entre elas; princípio que permitiu análises em trechos diferentes com
caraterísticas harmônicas em comum.
A simbologia musical utilizada para a demonstração foi a da harmonia gradual e a da cifra acordal.
Durante a audição de uma melodia com um centro tonal definido (maior ou menor), três funções
harmônicas são percebidas: Tônica, Subdominante e Dominante.

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Análise e discussão dos resultados


Análises harmônicas
Por um momento (Sebastião Tapajós)
A composição em questão foi realizada no tom de lá menor, com forma binária em compasso binário
simples (2/4).
A Parte A (compassos 1 a 35) Inicia-se em ritmo anacrústico com duas notas (dó e sol#) que sugerem
o acorde de V7(13b), resolvendo no acorde de tônica (Im7(9)) no compasso inicial. Esse acorde de tônica com
a nona adicionada provoca uma forte dissonância causada pelo intervalo de segunda menor entre sua terça
menor e sua segunda maior (nona), além disso, verifica-se que essa mesma nona é nota da melodia
desempenhando a função de nota de sustentação harmônica. Esse evento acontece ainda nos compassos 6,
14, 18, 22 e 30 e no antepenúltimo. No começo da exposição de A entre os compassos 3 e 6, existem dois
acordes em progressão V7____Im por resolução direta seguida pelo acorde modulante do V7 9(4sus)
conduzindo a uma modulação passageira para o tom vizinho de terça superior no compasso 8 (função
secundária tratada pela segunda lei tonal). A progressão em dó maior segue até o compasso 10 onde é
encontrado um retardo na resolução VI7_____IIm(maj7) ocasionado pela utilização da sétima maior (C#) em
um acorde menor, (esse retardo se repete no compasso 26). No compasso 11, realiza-se o retorno para Im
da seguinte forma: neste compasso, existe a nota ré# desempenhando função de nota de sustentação
harmônica do acorde II7 (dominante da dominante) que progride para V7 que por sua vez resolve em Im. No
compasso 14, começa a reexposição de A com o mesmo encadeamento já descrito, até o compasso 32.
A Parte B (compassos 36 a 47) inicia-se com a modulação para o tom de dó maior (compassos 35 e
36) com a mesma progressão já descrita para o tom vizinho de terça superior,
(Im7_____V79(4sus)_____I(maj7) ) no compasso 39, acontece uma modulação passageira com o
encadeamento #IVm7(b5) (AEM) seguido de V7/III (dominante secundária) resolvendo em IM (Mi maior),
nota-se que no compasso 43 acontece essa mesma progressão, porém, em uma segunda maior descendente:
IIIm7(b5), VI7 resolvendo em II7(9), observa-se que a resolução VI7_____II7(9) é uma resolução deceptiva já
que normalmente essa progressão deveria ser VI7, IIm7, V7_____I (no tom em questão, dó maior), porém, o
compositor utilizou IIIm(b5), VI7, II79, bVIdim._____I.
Nos quatro últimos compassos, a música retorna para o tom de lá menor com a progressão V7(b13)
Im 7(9) V7(#9)_____Im7.

Remanso (Sebastião Tapajós)


A composição em questão inicia-se com estrutura melódica em compasso ternário simples. Os oito
primeiros compassos levam o ouvinte a pensar que se trata de uma valsa, porém, esta primeira parte da obra
composta em compasso ternário em verdade é uma introdução ao tema principal que é a ideia fundamental

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da composição, sua progressão no tom de Dó maior desenvolve-se a partir do ♯IVm7(b5) com a nota dó
desempenhando as funções de nota da melodia e nota de sustentação harmônica. Essa mesma nota dó inicia
uma descida cromática em semicolcheias (dois compassos) até a nota Fá# também com a dupla função de
nota da melodia e de sustentação harmônica de V7/III (dominante secundária de III); esta progressão:
♯IVm7(b5)_____V7/III normalmente deveria resolver em IIIm, porém, o compositor realizou:

♯IVm7(b5)_____V7/III_____IIIm7(b5) com a nota Sib começando uma nova descida cromática na mesma
linha melódica da primeira, uma segunda maior descendente (Dó----Sib). Essa nova descida cromática
termina com a nota Mi, nota integrante de VI7, e, em seguida, acontece a progressão que levará a música a
sua resolução final em Dó maior: Vim6_____II7(9)_____III/1ªinv_____V7(13)_____I, nota-se que a nota mi
no último compasso ternário é comum aos acordes de III/1ªinv e V7(13) além de ser nota da melodia. A
progressão completa utilizada pelo compositor foi:
♯IVm7(b5)_____V7/III_____IIIm7(b5)_____VI7_____VIm6_____II7(9)_____III/1ªinv_____V7(13)____I
(cadência autêntica). Em seguida, surge o acorde modulante de dominante do tom em que foi composto o
tema principal. Esse acorde V7(b13) já está dentro do compasso 2/4 e é a transição entre a valsa e o tema
principal.
O Tema principal foi composto em compasso binário simples (2/4), com forma binária no tom de Lá
maior.
Na Parte A (compassos 11 a 26), os oito primeiros compassos estão divididos em duas frases de
quatro compassos com a mesma melodia e com a seguinte progressão: I7M_____ VIm(7M)_____ IIm7_____
V13(b9). Em Vim (7M) a sétima maior (Mi♯) é nota de tensão e causa instabilidade até o acorde resolver em
IIm7. A partir do 15 compasso, começa uma nova melodia com a progressão começando em Vm7(9) com a
nona (Fá♯) também em dupla função seguido de VI7_____ IIm7_____ VII13, essa progressão continua no
compasso 19 com VIm7_____ II7(9)_____ IIm7_____ V13(b9). No compasso 23, ocorre a repetição da parte
A com a mesma progressão existente nos quatro primeiros compassos iniciais (I7M_____ VIm(7M)_____
IIm7_____ V13(b9) ), porém, em vez de acontecer a esperada repetição desses quatro compassos com
resolução em IM, o compositor surpreende com I7M_____ VIm(7M)_____ IIm7_____ V13(b9)_____ Im7,
modulando diretamente para o tom homônimo menor.
Na Parte B (compassos 27 a 37), a melodia inicial é a mesma da parte A excetuando-se três notas que
no modo maior eram sustenizadas (Dó♯, Sol♯ e Fá♯) e agora passam a ser naturais no modo menor.
Fazendo-se uma análise paralela dessa modulação repentina, o acorde Im7 inicial também pode ser
considerado como VIm7 fato que sinaliza uma modulação para Dó maior (o VIm é seu vizinho de terça
inferior). Acontece então no compasso 27 a seguinte progressão: VIm7_____ IIm7_____ V7_____ Vm7_____
VI7_____ IIm7_____ bVII(13) e no compasso 34 a progressão segue para a resolução final: VIm7____

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II/1ªinv.______VIm7_____ III /1ªinv_____ I6. É importante destacar que os compassos 27 a 33 são uma
transposição dos compassos 13 a 18.
A composição finaliza com a volta da valsa inicial no mesmo tom vigente (dó maior).

Análises comparativas
Neste tópico, serão comparados determinados trechos das músicas da Bossa Nova selecionadas que
possuem semelhança harmônica com as obras de Sebastião Tapajós. Também serão identificados pontos
onde o violonista conservou sua individualidade musical.

Comparação entre Por um momento e Manhã de Carnaval:


As duas composições foram compostas em compasso binário simples no tom de Lá menor e possuem
início anacrústico. Em Por um momento, esse início anacrústico com as notas dó e sol# sugerem o acorde de
V7(13b), resolvendo no acorde de tônica (Im7(add9)) no compasso inicial (fig.1), a mesma situação está
presente em Manhã de Carnaval que tem a nota Mi que também sugere o acorde de V resolvendo no mesmo
acorde Im7(add9). (Fig.1)

Fig.1 - Demonstrativo

No compasso 5, acontece a mesma cadência V7_____Im e na sequência (no compasso 7) aparece o


acorde modulante de V7/III (G7/9 sus4) conduzindo as duas músicas para o tom vizinho de terça superior (Dó
maior) e logo, em seguida, temos a progressão (compasso 9) V7/II_____IIm7, é importante salientar que
esses acordes sobre o segundo grau possuem sétimas diferentes (Fig. 2), enquanto a resolução de Manhã de
Carnaval é sobre o acorde com sétima menor, na composição de Sebastião Tapajós essa resolução foi
substituída pelo um retardo VI7_____IIm(maj7) ocasionado pela utilização da sétima maior (C#) em um
acorde menor, esse retardo também acontece no compasso 26, caracterizando-se pontos onde o violonista
demonstrou personalidade. (Fig.2)

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Fig.2 - Demonstrativo

Outro trecho coincidente acontece entre os compassos 22 e 28 de Manhã de Carnaval e entre os


compassos 42 e 48 de Por um Momento, e a despeito de a música BN no referido trecho desenvolver-se em
Lá menor e a música de Sebastião desenvolver-se em Dó maior, estando ambas em tons relativos, há, nas
duas músicas, uma progressão harmônica quase em comum e que conduz as melodias para os compassos
finais: Em Manhã de Carnaval (Lá menor): Vm7(b5)___ V7/IV___ IVm7___ IVm7/VII___ IIm7(b5)___ V/1ªinv
.___ Im7.
Em Por um Momento (Dó maior): IIIm7(b5)___ V7/II___ II7/9___ bIVdim_____ I/V____
V7(b13)/I_____ Im7.
O caminho natural do início dessa progressão é o de resolver no acorde menor subdominante ou no
acorde substituto da subdominante, Luiz Bonfá resolveu no acorde subdominante menor, mas Sebastião
Tapajós resolveu em um acorde maior demonstrando originalidade. (Fig. 3)

Fig.3 - Demonstrativo

Existe, na composição do violonista santareno, a repetição da resolução V7(#9)____Im7(add9) ou


V7(b13)_____Im7(add9) nos compassos 13, 17, 21, 29 e 48 com a utilização da 9ª como nota da melodia e
nota de sustentação harmônica, (Fig.4) outra particularidade do processo de composição de Sebastião
Tapajós. (Fig.4)

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Fig.4 - Demonstrativo

Comparação entre Remanso e Dindi:


As duas obras compostas em Lá maior iniciam em compasso ternário simples, em seguida acontece
a mudança para o compasso binário simples nas partes A e B.
Nos compassos ternários iniciais, é evidente em Dindi o uso intenso de acordes com sétima maior,
prática comum do estilo Bossa Nova. Essa progressão consiste no emprego do acorde de tônica (I) seguido
do sétimo grau abaixado com resolução no acorde de tônica: IMaj7___bVIIMaj7___IMaj7 caracterizando
uma progressão com apenas dois acordes e com resolução. (Fig.5)

Fig.5 - Demonstrativo

Em seguida, existe uma modulação passageira para o tom de F# maior com a progressão
IMaj7___VIm7/9___IIm7/9___V7(b9) sem a resolução em I, porque acontece o retorno imediato para o tom
de Lá maior, onde a primeira e a segunda progressão, já descritas, repetem-se conduzindo a música para a
parte A.
Em Remanso, nos compassos ternários iniciais, a progressão utilizada foi:
♯IVm7(b5)_____V7/III_____IIIm7(b5)_____VI7_____VIm6_____II7(9)_____III/1ªinv_____V7(13)____I. A
equivalência harmônica das duas progressões incide no emprego de acordes relativos no primeiro compasso
(Lá maior em Dindi e Fá# menor em Remanso). (Fig. 6)

Fig.6 - Demonstrativo

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Em seguida, (em Remanso) surge o acorde modulante de dominante do tom em que foi composto o
tema principal; esse acorde V7(b13) já está dentro do compasso 2/4 e é a transição entre a valsa e a parte A.
Em Dindi, a transição entre o compasso ternário e o binário acontece no final da repetição da progressão (em
F# maior) IMaj7___VIm7/9___IIm7/9___V7(b9). (Fig.7)

Fig.7 - Demonstrativo

Dentro do compasso binário, onde a parte A de ambas as músicas se desenvolve no tom de Lá maior,
existe uma interessante passagem iniciada no compasso 25; nesse compasso, a composição de Tom Jobim
se encaminha para a sua parte B (composta em tom menor) com a progressão
#IVm7(b5)___V7(b13)/I____Im, e a composição de Sebastião Tapajós, nesse mesmo ponto, também se
encaminha para sua parte B (também composta em tom menor) com a progressão IIm7____V13(b9)____Im.
Essas duas progressões possuem o cadencial secundário, e apesar de resolverem em tons menores
diferentes, apresentam o mesmo encadeamento que conduz as músicas para a sua parte B; Dindi modulou
para Dó# menor e Remanso modulou surpreendentemente para o tom homônimo de Lá menor.(Fig.8)

Fig.8 - Demonstrativo

Considerações finais
A Bossa Nova veio para ficar, tem seu lugar garantido na música brasileira, não apenas pelo legado
de belas canções que estão aí até hoje, mas principalmente pela riqueza de sua harmonia, sua riqueza
melódica, além das letras poéticas de suas músicas.

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O movimento Bossa Nova revelou compositores e músicos de grandes talentos como: Johnny Alf,
Carlos Lyra, Roberto Menescal, Luiz Eça, Luiz Carlos Vinhas, os violonistas Luiz Bonfá e o grande Baden Powell,
que segundo declarações do próprio Sebastião, foi o músico que mais o influenciou.
A pesquisa tornou visíveis as particularidades e características harmônicas bossanovistas em obras
de Sebastião Tapajós. Pode-se dizer que a produção musical de caráter Bossanovista de Sebastião Tapajós,
através das análises comparativas apresentadas, abre a discussão sobre um representante nortista de grande
fonte musical para Bossa Nova, sugerindo portas para futuras pesquisas sobre o extenso legado musical de
Sebastião Tapajós.

Referências

BRISOLLA, Cyro Monteiro. Princípios da harmonia funcional. São Paulo: Novas Metas, 1979.

CALDAS, Valdenyr. Iniciação à música popular brasileira. São Paulo: Ática, 2000.

CAMPOS, Augusto de. O balanço da Bossa e outras Bossas. São Paulo: Perspectiva, 1968.

GAVA, José Estevam. A linguagem harmônica da bossa nova. São Paulo: Unesp, 2002.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2008.

KOELREUTTER, Hans Joachim. Harmonia funcional. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1986.

RÁDIO Cultura FM Brasília. Disponível em: <http://luthierguitars.com/vcfz/VCFZ-0078-


Sebastiao_Tapajos.mp3>. Acesso em: 24 jul 2014.

SENA, Cristovam. Sebastião Tapajós: 50 anos de vida artística. Santarém-PA: ICBS, 2014.

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Estrutura do Concertino para Clarineta e Orquestra de Câmara de José Siqueira

Hudson de Sousa Ribeiro


huclarinet@hotmail.com
UFRN

André Luiz Muniz Oliveira


almo962@yahoo.com.br
UFRN

Resumo: O presente trabalho traz como objetivo principal uma análise estrutural
do Concertino para Clarineta e Orquestra de Câmara de José de Lima Siqueira.
Ainda não existem pesquisas que abordem a análise deste Concertino.
Corroborando com o manuscrito deixado pelo compositor em 1969, buscamos
evidenciar os temas cíclicos usados por ele em toda obra, esclarecendo como foi
realizado a sua construção. A metodologia empregada foi a de buscar estruturas
similares e padrões de repetições, tendo como base uma análise realizada pelo
próprio José Siqueira. Deste modo, esse artigo pode permitir um entendimento
maior da obra contribuindo para o desenvolvimento de uma performance mais
consciente.
Palavras-chave: Análise Estrutural. Concertino para Clarineta. Orquestra de
Câmara. José Siqueira.

Abstract: The main objective of this article is to analyze the structure of Concertino
for Clarinet and Chamber Orchestra by José de Lima Siqueira. There are no studies
that analysis of this concertino. Corroborating with the manuscript left by the
composer in 1969, we seek to highlight the cyclical themes used in this piece,
explaining how the music construction was carried out. As a methodological
procedure for this article we searched the similar structures and repetition patterns
used by Siqueira as well as some of his own analyzes of the piece. Therefore, this
article may allow a greater understanding of this concertino contributing for the
development of a more conscious performance.
Keywords: Structural Analysis. Concertino for Clarinet. Chamber Orchestra. José
Siqueira.

1. O concertino, o compositor e suas obras


O Concertino para clarineta e Orquestra de Câmara provém de uma série de 21 concertinos
compostos por José de Lima Siqueira (1907-1985) para solistas e orquestra, tendo a maioria dos seus
concertinos estreados com a Orquestra de Câmara Brasil, grupo encabeçado por ele próprio para sua criação.
O Concertino para Clarineta foi composto no ano de 1969, dedicado ao clarinetista e professor José Botelho1

1
José Cardoso Botelho (Rio, 1931), carioca da cidade do Rio de Janeiro, é professor aposentado de clarineta da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO e primeiro clarinetista aposentado da Orquestra Sinfônica
acional/UFF. Foi integrante, por vários anos, da Orquestra Sinfônica Brasileira e exerceu ampla, intensa e importante

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e de acordo com este teve sua estreia apenas dois anos seguinte em 1971, na sala Cecília Meireles no Rio de
Janeiro (RJ), com execução do próprio Botelho e com o compositor a frente da Orquestra de Câmara Brasil.
De acordo com Neves (2008, p. 38) “Siqueira foi um compositor paraibano inserido na terceira fase
nacionalista”, tendo contribuído com diversas obras para o cenário musical brasileiro. O quantitativo de suas
obras esteve por um considerável tempo em manuscritos esquecidos ou em acervos particulares, sendo esse
mais um fato que motivou para elaboração dessa pesquisa. De acordo com Andrade (2011) a partir dos anos
2000 Siqueira se torna um assunto de grande interesse entre os pesquisadores, a partir de então, foram
realizados novos estudos sobre suas obras e consequentemente sobre o compositor. Corroborando com o
que falamos, vemos em:

Siqueira deixou-nos um importante legado composicional. Em sua vastíssima obra


podemos encontrar sinfonias, cantatas e óperas, entre outros gêneros musicais
sinfônicos que exigem um elevado contingente instrumental. São obras de grande
porte, muitas delas ainda desconhecidas do público, mas que atestam a excelente
capacidade criativa deste importante artista brasileiro (FARIAS; CORREIA, 2015, p.
386).

O interesse de Siqueira pelos elementos brasileiros possibilitou um grande avanço para a pesquisa
da música brasileira, o que gerou matéria de cunho bastante diversificada para os pesquisadores a partir do
século XXI. Dessa forma, possibilitando um crescimento e disposição para novas pesquisas nos últimos anos,
porém, apesar do grande avanço nesta área ainda faz-se necessário à busca e resgates de suas obras em
manuscritos para Portable Document Format (PDF). Como observado por Ray (2004 apud ANDRADE, 2011,
p. 11):

Nos últimos anos tem aumentado o interesse de pesquisadores pelo resgate de


manuscritos de música brasileira, [...]. Trabalhos que apresentam novas propostas
de análises e edições de obras brasileiras [...] Assim, investigar acervos de obras
para um determinado instrumento musical ou para um determinado conjunto da
obra ao longo de um período, é uma proposta pertinente e contemporânea, além
de ser indispensável no sentido de ampliar possibilidades pedagógicas para cursos
de licenciatura em música na graduação.

A partitura utilizada para esta pesquisa foi encontrada em manuscrito, com todas as marcações de
articulação, dinâmica e notas bem visíveis. Dito isso, gerou a necessidade de realizarmos através do programa

atividade docente – seja na UNIRIO, onde foi o fundador da cátedra de clarineta seja nos diversos cursos de férias, que
lecionou por todo o Brasil. Atuou como solista e camerista no Brasil, país que representou em diversas oportunidades
no exterior. (SILVEIRA, 2006, p. 92).

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Sibelius uma edição semidiplomática, que possivelmente irá facilitar sua divulgação e acesso. Por
conseguinte, trouxemos uma análise do Concertino para Clarineta elencando os temas cíclicos2 utilizados
pelo compositor, para fins de ajudar no entendimento da obra como um todo e suas subseções.

2. Estrutura do Concertino para Clarineta


A partitura autografada do Concertino deixado por Siqueira consta de três movimentos ininterruptos
e organizados ciclicamente. Ao término da obra no manuscrito, o compositor elaborou uma análise das
seções e suas divisões internas. O primeiro movimento Allegro com Espirito possui caráter alegre e dançante,
com articulações bem delimitadas e grandes saltos melódicos. O segundo movimento Andante Cantábile
possui um caráter mais vocal, lírico, apresentando melodias e frases maiores com grandes ligaduras de
expressão, visando movimentos fluidos sem interrupções verticais. O terceiro Allegro possui as
características dos dois movimentos anteriores, frases longas com grandes ligaduras e também grandes
saltos melódicos, porém, com andamento rápido e com respostas fragmentadas dos saltos e acentuações,
relembrando o primeiro movimento. Dessa forma, o objetivo desta análise é de realizar e estabelecer os
pontos de convergência previamente definidos pelo compositor no manuscrito.
Corroborando com o que falamos vemos em Siqueira (1969, p. 49) na partitura manuscrita, que o
mesmo expõe seu intento quando fala: “A obra foi concebida com três ideias musicais. As duas primeiras,
cíclicas, servem de base ao I e III movimento. A terceira, é o Lied do segundo movimento”.

2.1 Primeiro Movimento


Siqueira afirma que trabalhou com a estrutura da forma sonata3 no primeiro movimento, podendo
ser dividido em exposição, desenvolvimento e reexposição. No exemplo 1 veremos o tema principal do
primeiro movimento, este material retornará no terceiro movimento, porém, com outra estrutura.

2
De acordo com Ferreira (1999, p. 467): “Cíclico: [...] Que se realiza ou se repete numa certa ordem.”
3
O termo “Forma Sonata” segundo Rosen (1987, tradução nossa) faz referência à organização interna do primeiro
movimento apenas do gênero sonata, sinfonia ou uma obra de câmara de três ou quatro movimentos. Seu significado
usual consiste em uma forma tripartida, entretanto, a segunda e a terceira estão tão intimamente vinculadas que
poderiam se supor uma organização bipartida.

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Ex. 1: Tema A e Tema B do Primeiro movimento.


Fonte: O autor (2016).

Diferente das tradicionais reexposições e resoluções do conflito do tema A e B na tônica, Siqueira


optou por mudar a tonalidade do tema A, transpondo-o uma 5a diminuta abaixo e realizando com fragmentos
do tema B como uma espécie de codetta4.

4
De acordo com Randel (1999, p. 178, tradução nossa), o termo codetta aplicado na forma Sonata, significa “Uma breve
coda concluindo uma seção interior de um movimento ou uma peça [...]”.

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Ex. 2: Reexposição Tema A.


Fonte: O autor (2016).

O tema A é o material principal deste movimento apresentando pelo Solista na exposição,


reaparecendo no naipe das madeiras como A’, tendo em sequência outra seção derivada de A executada
pelo naipe das cordas em cânone. Posteriormente o Solista retorna com o tema B, tendo sua reafirmação
feita pelo naipe das cordas B’. O Desenvolvimento embora seja curto, apresenta duas seções: um cânone a
5a derivado da seção B realizado por movimento contrário e reprisado em outra tonalidade; Em seguida um
curto episódio derivado de A em forma retrógrada direta. A reexposição é apresentada pelo solista com seu
tema A transposto, entretanto, seu segundo tema é exposto de forma fragmentada na codetta, após a
cadência do solista, esta derivada do tema A.
Podemos visualizar no exemplo 3 um quadro com os compassos e suas entradas.

Exposição Trecho Compassos (01-62)


A – Clarineta Solista 03-13
A’ – Madeiras 14-24
P – Em cânone nas cordas 25-30
B – Clarineta Solista 31-42
B’ – Nas cordas 43-62
Desenvolvimento Compassos (63-83)
Cânone a 5a derivado de B 63-80
Episódio 81-83
Reexposição Compassos (84-108)
Tema A transposto 86-96
Cadência 100
Tema B Fragmentado - Codetta 101-108
Ex. 3: Quadro das entradas do Primeiro Movimento.
Fonte: O autor (2016).

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2.2 Segundo Movimento


O segundo movimento é denominado como Lied5 pelo próprio compositor, além de utilizar o caráter
desse gênero, possui uma estrutura tripartida. Podemos visualiza-las como seção A, B e A’ ou subtendido
como exposição, parte mediana e reexposição como afirma Siqueira.

Ex. 4: Tema principal do Segundo Movimento.


Fonte: O autor (2016).

No exemplo 4 trouxemos o tema A realizado pelo solista. Este é o principal tema de todo o segundo
movimento. Sua exposição esta dividida em três subseções: O solista apresenta o tema A acompanhado pelas
cordas, em seguida as cordas realizam um contraponto para o retorno da melodia A’, que é realizada pelo
naipe das madeiras. Na parte mediana da obra, dar-se início ao trecho desenvolvido primordialmente pelo
contraponto realizado pelas cordas anteriormente. Trata-se de um cânone a 8a realizado apenas entre a
Flauta iniciando no primeiro tempo do compasso 129 e o Solista iniciando no terceiro tempo do mesmo
compasso. Em seguida temos um cânone a três vozes a 5a descendente entre os naipes das madeiras e das
cordas, tendo suas respectivas entradas simultaneamente em 8a. Iniciado no primeiro tempo entre os
instrumentos Flauta e Violino I no compasso 137, em seguida no terceiro tempo do mesmo compasso com a
entrada do Oboé e do Violino II. No compasso seguinte também no terceiro tempo, entram as Violas e a
Clarineta do naipe das madeiras. Os violoncelos permanecem nesta seção realizando trêmulos em
semínimas, junto aos contrabaixos tocando semínimas alternando com pausas também de semínimas. Dita

5
De acordo com Randel (1999, p. 446, tradução nossa) Lied é “Um poema alemão, usualmente lírico e estrófico; também
é uma música tendo a estrofe e o poema como texto; muito comum, uma música para canto solista tendo o Piano como
acompanhamento [...]”.

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sua terceira parte ou reexposição, o tema principal retorna com uma variação determinada como A’
executada pelo Solista, o contraponto desta vez encontrando-se no naipe das madeiras. Corroborando com
o que foi dito podemos visualizar nos exemplos 5 e 6 suas entradas e compassos:

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Ex. 5: Cânone a 5a e a 8a.


Fonte: O autor (2016).

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Parte A Trecho Compassos (109-128)


A – Solista 109-118
A’ – Nas madeiras 119-128
Parte B Compassos (129-146)
Cânone a 8a 129-136
Cânone a 5a 137-144
Parte A’ Compassos (147-157)
A’ – Variação feita pelo Solista 147-156
Ex. 6: Quadro das entradas do Segundo Movimento.
Fonte: O autor (2016).

2.3 Terceiro Movimento


O terceiro movimento é o mais denso de todos os três. Tem o seu estilo fugato, ou como o
compositor denominou fuga livre. Suas principais características são as passagens rápidas, arpejos com
combinação de posições entre mãos. O quantitativo dessas passagens são expostas pelos sujeitos, contra-
sujeitos e contrapontos da obra. Sua estrutura é composta tomando como base o tema cíclico do primeiro
movimento, expondo a resposta do tema A de forma retrógrada contrária e utilizando como contra-sujeito
o tema B em contração e transposto uma 5a acima. Ambos foram utilizados em todo o movimento, como
observaremos no exemplo 7 abaixo.

Ex. 7: Tema cíclico A do Primeiro Movimento.


Fonte: O autor (2016).

Neste movimento o compositor demarcou suas seções internas como: exposição, contra exposição
e Stretto. Dessa forma, a exposição é iniciada com o sujeito executado pelo solista, em seguida sua resposta
é apresentada com a entrada do Fagote em 4a justa ascendente. Tal dualidade de sujeito e contra-sujeito é
percorrida durante toda a exposição, executada primordialmente pelo naipe das madeiras. A contra
exposição possui a sua estrutura similar a anterior, obtendo também uma dualidade, entretanto, é iniciada
com a resposta no Violino I e o contra-sujeito no Violoncelo. O sujeito só é apresentado pelos Violinos II seis
compassos após a entrada do Violino I. Esta seção é caracterizada pela presença dominante do naipe das

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cordas com o acompanhamento contrapontístico do solista em arpejos6 rápidos. Em seguida o stretto


apresenta um diálogo entre os naipes das madeiras e das cordas e pode ser divido em: dois Episódios e três
Stretti.

Exposição Trecho Compasso (158-208)


S – Solista 158-163
R – Subdominante, Fagote 164-169
S – Oboé 170-175
R – Dominante, Flauta 176-181
Contra Exposição Compassos (185-208)
R – Violino I 185-190
S – Violino II 191-196
R – Viola 197-202
S – Violoncelo Contrabaixo 203-208
Stretto Compassos (209-260)
1° Episódio Cânone das madeiras e das cordas 209-216
1° Stretto S – Violoncelo e contrabaixo 217-222
R – Viola 220-225
S – Violino II 223-228
R – Violino I 226-232
2° Episódio Cânone das cordas 232-236
2° Stretto S – Flauta 236-241
R – Oboé por movimento contrário 238-243
S – Clarineta do naipe 240-247
R – Fagote 242-246
3° Stretto S – Violoncelo, Contrabaixo e Fagote 250-255
R – Viola e Clarineta do naipe 251-256
S – Violino II e Oboé 252-257
R – Violino I e Flauta 253-258
Cadência 261
Coda Tutti com o tema A 262-265
Ex 8: Quadro das entradas do Terceiro Movimento.
Fonte: O autor (2016).

3. Considerações Finais
Siqueira nos deixou várias composições que ainda necessitam de um resgate, seja esta edição crítica,
edição aberta, edição fac-similar, edição diplomática, edição genética, ou de estudos acerca da mesma.
Partimos para um processo de edição semidiplomática, ou seja, que traz a informação original com pequenas
correções se for o caso, ou transformando-a em uma leitura mais nítida. O processo investigatório na área
de Clarineta partiu da pesquisa de mestrado no ano de 2015.1, o que nos possibilitou realizar estudos

De acordo com Randel (1999, p. 52, tradução nossa, grifo nosso) o termo “Arpeggio: [...] são os acordes executados do
6

mais grave para o mais agudo em suas sucessões de terças maiores ou menos, diminuto ou aumentado.”

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detalhados sobre este tema, além de levantar trabalhos acadêmicos que falassem e corroborasse sobre José
Siqueira e suas obras.
O presente Trabalho pode ser visto como mais uma ferramenta, que possivelmente auxiliará o
intérprete durante a construção de sua performance no Concertino para Clarinete de José Siqueira. Tendo
em vista acreditarmos que para se alcançar o ponto culminante de uma boa interpretação, faz-se necessária
uma busca acerca da mesma. Possivelmente, esta pesquisa facilitará o entendimento de todo contexto e
textura utilizada na obra pelo compositor, dando a devida relevância aos solos, os acompanhamentos e os
contrapontos.

Referências

ANDRADE, D. C. de. Concertino para contrabaixo e orquestra de câmara de José Siqueira: um processo de
edição, análise e redução para piano e contrabaixo. 2011. 157 f. Dissertação (Mestrado em Música) - Centro
de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, 2011. Disponível
em:<http://tede.biblioteca.ufpb.br/ handle/tede/6583?locale=pt_BR>. Acesso em: 20 ago. 2015.

FARIAS, R. B. de ; CORREIA. S. C. Catalogação das obras para trompete de José Siqueira e breve análise
interpretativa de duas peças selecionadas. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE MÚSICA NA AMAZÔNIA, 4.,
2015, Porto Velho, RR. Anais... Porto Velho: UFRR, 2015. p. 386-398. Disponível em:
<https://drive.google.com/ file/d/0B76yJiCrjVAnVeloQjlPOWpreXM/view >. Acesso em: 5 jun. 2016

FERREIRA, A. B. de H. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Cooordenação: Margarida
dos Anjos e Marina Baird Ferreira. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

NEVES, J. M. Música Contemporânea Brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2008.

RANDEL, D. M. The new harvard dictionary of music. London: W. W. Norton, 1999.

ROSEN, C. Formas de sonata. Tradução de Luiz Romano Haces. Barcelona: Labor, 1987.

SILVEIRA, F. J. Concertino para clarineta e orquestra de Francisco Mignone: reflexões interpretativas.


OuvirOuver, Uberlândia, MG, n. 2, p. 91-98, 2006. Disponível em:<http:
//www.seer.ufu.br/index.php/ouvirouver/article/view/222/227>. Acesso em: 8 ago, 2015.

SIQUEIRA, J. L. Concertino para clarinete e orquestra de câmara: análise. 1969. Orquestra. 1 partitura
manuscrita.

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Forma na poética de dois compositores eletroacústicos brasileiros

Jorge Luiz de Lima Santos


Instituto de Artes/UNICAMP

Resumo: O trabalho pretende, brevemente, discutir aspectos formais da obra de


Rodolfo Caesar e Flo Menezes à luz da discussão sobre o problema da estruturação
formal na gênese da música eletroacústica, ao lado do olhar dos próprios
compositores sobre como lidam com a questão da forma em suas poéticas
composicionais.
Palavras-chaves: música eletroacústica, forma musical, poética composicional

Abstract: this article aims to discuss, briefly, formal aspects of some works by
Rodolfo Caesar and Flo Menezes in the perspective of the debate about formal
structure in the genesis of electroacoustic music as well as the composers’ view
about the form in their own compositional processes.
Keywords: electroacoustic music, musical form, compositional processes, 21st
Century Music

1.Introdução
A partir do final do século XIX e ao longo de todo o século XX, as práticas musicais passaram, grosso
modo, por imensas e profundas transformações em todos os campos, seja na escrita, nos meios técnicos, na
veiculação e na recepção. No campo da música escrita, também chamada de clássica ou de concerto, essas
mudanças expressaram, em certa medida, um esgotamento de mais de dois séculos de hegemonia do
sistema tonal. Por diversas vias, a profunda hierarquia que regia a escrita e a própria lógica do discurso
musical sob o tonalismo vai gradativamente se desfazendo, dando lugar a diversas tentativas de se erigir um
novo sistema ou simplesmente elaborar um tipo de obra cujos parâmetros tradicionais de altura, timbre,
duração e intensidade não fossem mais hierarquicamente estruturados entre si, mas, ao contrário, encarados
pelas suas qualidades e aspectos característicos.
É a partir desse contexto que problematizamos a forma musical. Não defendemos, todavia, a ideia
de que o sistema tonal deixou de existir como referência válida. A pluralidade e heterogeneidade de práticas
composicionais, verificadas ao longo do século XX e do início do século XXI, permitiam também que, para
uma imensa gama de criadores musicais, as estruturas do sistema tonal, mais ou menos expandido,
permanecessem como referência. Entretanto, para aqueles criadores que buscaram outras formas de escrita
não mais atrelada às hierarquias do sistema tonal e toda sua “gramática normativa”, a forma se apresentava,
e ainda se apresenta, como um novo desafio. Se o sistema tonal tinha como elemento unificador, como eixo
central, a harmonia e suas relações de funcionalidade, as novas maneiras de lidar com os elementos da
música deixam várias incógnitas ou lacunas sobre como organizar estes elementos no espaço-tempo da obra

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visto que eles já não obedecem mais a uma gramática estruturada e quase auto-organizável como outrora.
Nosso problema pode ser melhor expresso nas palavras de Hasty:

Com o desaparecimento da continuidade rítmica do pulso, do compasso, e da


estrutura periódica da frase, e o abandono da força organizacional de um único
centro tonal, a música do século XX levantou questões fundamentais sobre forma
musical. Tem havido muitas tentativas de entrar em acordo com os
desenvolvimentos radicais de nossa era, mas ainda assim nenhum consenso foi
alcançado1. (HASTY, 1986, p. 58)

É, portanto, sob esta ótica, que enxerga a forma como potencial questão poética, que trataremos,
com os devidos limites, tanto do problema da forma na música contemporânea, especialmente da música
eletroacústica, como nos dois compositores brasileiros aqui tratados, Rodolfo Caesar e Flo Menezes.

2. O problema da forma musical nos primórdios da Música Eletroacústica


Neste artigo, propositalmente, evitaremos uma definição do termo forma. Seja a discussão
etimológica, seja a de seus usos e entendimentos na escrita musical ao longo do tempo, ela denotaria um
longo ensaio que extrapola os objetivos deste estudo. Apesar disso, vemos, no alvorecer da música
eletroacústica no final dos anos 1940 e início dos 1950, a emergência de uma maneira radicalmente nova de
se fazer música, cujos materiais sonoros outrora elaborados a partir de conceitos abstratos (tais como
melodia, harmonia, escalas, acordes, etc.) se tornavam “reais”, por que não dizer, palpáveis. Essa discussão
nos é importante neste artigo porque ambos os compositores tratados estudaram e produziram parte de
suas obras em contato direto com os fundadores das duas primeiras e principais correntes das fases iniciais
da música eletroacústica: a musique concrète (francesa) e a Elektronisch Musik (alemã).
Não seria exagero afirmar que nos anos iniciais, mais do que um problema, a forma musical era algo
a ser evitado, até mesmo negado na formulação das primeiras obras produzidas em estúdio. O compositor
Gottfried Michael Koenig, um dos pioneiros da área, relata, trinta anos depois em artigo, suas primeiras
experiências nos estúdios de música eletrônica de Colônia (Alemanha) nos anos 1950:

Curiosamente, o estúdio de Colônia olhava com desprezo para compositores que


“apenas” tinham problemas formais. É também curioso que a forma era

1
With the disappearance of the rhythmic continuity of pulse, measure, and periodic phrase structure, and the
abandonment of the organizing force of a single tonal center, twentieth- century music has raised fundamental issues
of musical form. There have been many attempts to come to terms with the radi- cal musical developments of our era,
but as yet no consensus has been reached.

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escassamente mencionada; as coisas se focavam [mais] em “materiais”.2


(GOTTFRIED, p. 165, 1987, grifo do autor)

A novidade representada pela gravação e manipulação dos sons de maneira direta, sem a experiência
outrora abstrata da concepção sonora, gera na visão do compositor quase uma dicotomia entre matéria e
forma, ou seja, entre forma e conteúdo, a velha dialética que, em dados momentos do pensamento
ocidental, parece mais antagônica que complementar.

Tudo era [o] material: tanto sons quanto o método serial de composição, de acordo
com o qual sons eram construídos e então arranjados para constituir a forma. Eu
presumo que a forma era vista mais como uma consequência automática do
tratamento do material do que uma categoria independente em que a modelagem
dos sons deveria estar subordinada.3 (Idem)

Essa negação da forma, ainda que reduzida ao próprio objeto sonoro, também é verificável no
principal nome da música concreta francesa, Pierre Schaeffer:

A música clássica abstrai, parece-nos, formas de toda matéria. A música concreta,


ao contrário, dá as costas a tais formas puras, e, se ela [a forma] renova a matéria,
apresenta-se também como uma espécie de enorme degradação (SCHAEFFER apud
MENEZES, p. 19, 2001, grifo nosso)

Mais do que uma negação puramente técnica, o afastamento da ideia de forma remonta a própria
crítica à tradição que o termo e sua aplicação remetiam:

Forma era um conceito negativo, eu acho. O que nós queríamos evitar era a forma
como um reflexo de uma cultura de concerto burguesa a qual nós víamos como
passada. Na confrontação de material e forma, material era palpável, manipulável.
Material oferecia resistência... não abrigado pela tradição.4 (GOTTFRIED, p. 165,
1987)
3. Forma momento: busca formal para música eletroacústica

2
Oddly enough, the Cologne studio looked down on composers who "only" had form problems. It is also odd that form
was scarcely mentioned at all; things focused on "material”.
3 Everything was material: sounds as well as the serial method of composition, in accordance with which sounds were
constructed and then arranged to constitute the form. I assume that form was seen more as an automatic consequence
of the treatment of material than as an independent category to which the fashioning of sounds ought to be
subordinate.”
4
Form was a negative concept, I think. What we wanted to avoid was form as the reflection of a bourgeois concert
culture which we regarded as passé […]In the confrontation of material and form, material is palpable, manipulatable.
Material offered resistance ... not sheltered by tradition.

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Se os pioneiros da música concreta francesa, como por exemplo Pierre Schaeffer, vinham de uma
trajetória menos calcada na tradição da música escrita5, a música eletrônica alemã estava fortemente ligada
a uma longa tradição na música europeia, sendo inclusive entendida como um dos desdobramentos do
pensamento serial. Assim, como os herdeiros da forte tradição germânica, do rigor formal, da estruturação
total do serialismo Pós-Weberiano poderiam simplesmente abandonar a estruturação formal?
A saída encontrada para esse dilema, realizada por Karlheinz Stockhausen, se traduziu na forma-
momento. Uma proposta de forma que unia a ideia de quebra da continuidade, pela ênfase no “agora”, ao
lado do foco nos materiais sonoros em contraste com a interconexão e sucessão de eventos da forma mais
tradicional.

Todo momento presente conta, tanto quanto nenhum; um dado momento não é
visto meramente como uma consequência do anterior e um prelúdio do seguinte,
mas como algo individual, independente e centrado em si mesmo, capaz de existir
por si mesmo […] A partir de que as formas momentos verticaliza o tempo, produz
todo momento um Agora, evitando as implicações funcionais entre os momentos,
e evitando clímax, elas não são formas do tipo começo-meio-fim.6 (STOCKHAUSEN
apud KRAMER, 1978. P. 180)

Forma-momento implica ausência de qualquer unidade ou coesão no todo da obra? A despeito do


discurso que pretende total ruptura com a ideia de continuidade entre os momentos, o que remeteria na
visão de Stockhausen, à tradição da música ocidental, e até mesmo ao funcionalismo tonal, alguns autores
como Jonathan Kramer entendem existir elementos de conexão entre os momentos da forma momento,
ainda que no substrato, no campo do inaudível.
Mas a natureza da forma momento sugere duração proporcional dos momento
como o princípio de coerência formal restante.7 (KRAMER, 1978, p. 181)

Conhecer um pouco da saída formal que representou a forma momento é, para além da discussão
histórica sobre a forma na música eletroacústica, estabelecer uma ponte para as ideias do primeiro
compositor brasileiro que iremos tratar: Flo Menezes.

5
O que não significa dizer que a música francesa não tenha ela própria uma forte tradição na escrita (no sentido de
écriture, escritura), mas apenas que os pioneiros da música concreta não estavam, em comparação com os seus pares
da música eletrônica alemã, tão comprometidos com as limitações que a tradição da música ocidental escrita carregava
até então, aquilo que Flo Menezes denominou de “ideologia da escritura”.
6
Every present moment counts, as well as no moment at all; a given moment is not merely regarded as the consequence
of the previous one and the prelude to the coming one, but as something individual, independent and centered in itself,
capable of existing on its own. Since moment forms verticalize time, render every moment a Now, avoid functional
implications between moments, and avoid climaxes, they are not beginning-middle-end forms
7
But the nature of moment form suggests proportional lengths of moments as the one remaining principle of formal
coherence.

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4. Flo Menezes e a forma-pronúncia


Compositor paulista e professor titular da UNESP, Flo Menezes teve contato direto com vários dos
grandes nomes da música contemporânea de concerto como Henri Pousseur, Luciano Berio, Pierre Boulez e
Stockhausen. O próprio compositor se autodenomina um germanófilo8, tendo estudado no Estúdio de
Música Eletrônica de Colônia. A visão sobre forma na poética de Menezes, aqui exposta, será um misto
daquilo que o próprio autor escreveu sobre o assunto, aliado ao material coletado de uma entrevista
realizada com o mesmo no estúdio de música eletroacústica que fundou em São Paulo (UNESP), o PanAroma.
Antes de sua ida para Alemanha, na segunda metade dos anos de 1980, Menezes já buscava uma
maneira de organizar a forma em suas obras musicais:

O florescimento de tais formas encontra sua origem numa já antiga preocupação


com relação à sonoridade das palavras, fato que, juntamente com um aprofundado
estudo acústico-verbal e, posteriormente, de fonologia, resultou na intenção
musical de transpor ao tempo de uma composição – ou seja, à sua forma – a forma
mesma dos fenômenos fonéticos” (MENEZES, 2001)

Menezes relata uma importância central do título da obra para concepção da obra como um todo:

Eu não consigo compor sem ter um título, por exemplo. O título pra mim, quando
surge uma intenção compositiva, isso tá se delineando, numa poética bem precisa,
com uma correspondência poética formulada num título. Dificilmente eu faço uma
obra, raríssimo, sem vir, pra mim, um título, o título me guia, ou seja, eu tenho uma
tendência a entender a forma, o ideário geral significativo da forma como
fortemente norteador daquilo que vou buscar. (MENEZES, 2016)

Essa importância dada à palavra como balizador de sua concepção formal o levou, nosso entender,
à elaboração de uma forma que explora, além dos aspectos semânticos, a própria dimensão sonora da
palavra. A forma musical é derivada da estrutura fonológica de uma determinada palavra-de-base, cujo
processo Menezes denominou, posteriormente, já em Colônia, de Ausprache-Form (Forma-pronúncia).
Neste procedimento ao mesmo tempo formal, musical e verbal, uma determinada palavra, cujo significado
demonstra ser importante para a concepção da obra, é radicalmente estendida no tempo, de modo concreto
ou imaginário. Seus momentos fonológicos, tais como são definidos em fonologia estrutural, são
consequentemente dilacerados, determinando com isso, essencialmente, a sucessão das texturas sonoras

8
No sentido de um gosto pela cultura germânica desde a adolescência, sendo já nessa época admirador da obra de
Schumman, tendo ingressado no Goethe Institut de São Paulo aos 13 anos e, posteriormente, estudado música
eletrônica em Colônia.

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que constituem a forma musical. Neste processo, tanto as proporções de durações quanto as características
sonoras dos fonemas na pronúncia padrão da palavra em questão são levadas em consideração para a
elaboração da forma musical (MENEZES, 2001). É possível ilustrar essa dupla função semântica e estruturante
da forma-pronúncia na Fig. 1:

Fig. 1: Esquema da forma-pronúncia

Uma questão que pode vir à nossa à mente foi: forma-pronúncia não seria o mesmo que forma-
momento de Stockhausen? O compositor responde:

A forma-pronúncia é uma forma momento com a dramaturgia da palavra , com a


necessidade de uma suscetibilidade de eventos que na forma momento você não
tem. (MENEZES, 2016).

Para ilustrar um dos possíveis usos da forma-pronúncia, trataremos brevemente da obra PAN:
laceramento della parola (omaggio a trotskij)(1987-89) em sua versão puramente eletroacústica, apoiados
na própria análise do autor. A obra se utiliza da palavra PAN tanto como elemento material como semântico.
Menezes diz tratar-se da pronúncia imaginária, estendida, da palavra PAN, do mito do panorama, da visão
global, e com o qual associa-se a origem da música (flauta de Pã), do eco (através da procura de Pã por sua
amante Eco), do pânico. A obra, originalmente quadrifônica, tem como origem três fontes, correspondentes
aos três momentos fonológicos da palavra-de-base: 1) som inicial (som derivado da própria voz do
compositor pronunciando o fonema /p/); 2) sons sintéticos provenientes de síntese por modulação de
frequência; e 3) sons de impulsos (oriundos de um antigo sintetizador ARP, no final da peça – momento /n/
-, fazendo sombra ruidosa aos sons nasalizados do último acorde, que encontra respaldo instrumental na
versão para orquestra e tape) (MENEZES, 2001). A fig. 2 tenta ilustrar o processo de exploração e
desenvolvimento dos materiais a partir das letras de PAN.

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Fig. 2: Esquema dos materiais em PAN

No campo semântico, além de dar a orientação e a direcionalidade narrativa para obra, a palavra
PAN serve a uma multiplicidade de significados e intertextualidades. Referências à verbalidade na música de
Berio (mais precisamente em sua obra Thema: Omaggio a Joyce), quanto uma homenagem a Trotski, o “pan
da política” no século XX, segundo o compositor (MENEZES, 2006). Sobre a presença da figura de Trotski
tanto na forma quanto no material da obra, o compositor diz : “o percurso dos impulsos finais, do agudo ao
grave, reproduz a estrutura geral de toda peça, e esses impulsos simbolizam, no final, as últimas batidas do
coração de Trotski em sua longa agonia ‘pânica’” (MENEZES, p. 284, 2001).
A forma-pronúncia é dos modelos formais mais utilizado por Menezes. Diversas outras obras
acusmáticas ou mistas foram elaboradas formalmente a partir dessa ideia tais como TransFormantes (1983),
Pretexturas sobre Todas as Flores (1984), Quarteto para o Advento de Novos tempos (1985), PAN – Poema
Sinfônico, Sinfonia e Capriccio para orquestra, Phantom-Wortquelle, Profils Écarteles (1988), entre outras.
Finalmente, é importante destacar que o compositor não se vale apenas da forma-pronúncia para
construção da forma em suas obras. Nesse sentido, este artigo busca mais demonstrar como ele lida
intelectual e artisticamente com a questão da forma, tendo em perspectiva a própria gênese da música
eletroacústica, e como, de fato, esse é um elemento pertinente na sua poética.

5. Rodolfo Caesar e a narratividade formal


Embora seja possível dizer que os compositores tratados neste artigo sofreram influência de ambas
as escolas mais tradicionais da música eletroacústica, também é igualmente aceitável afirmar que eles, em
alguma medida, estão em espectros distintos no modo de enxergar os direcionamentos oriundos das escolas
francesa e alemã. Sobre isso, Caesar afirma, em entrevista realizada para esta pesquisa:

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A música eletroacústica [francesa] pra mim tinha isso como algo de incrível sendo
oferecido, e eu via na música eletrônica alemã uma cobrança diferente, havia uma
cobrança ali de algo hierarquizado. A música eletroacústica alemã, ela surgiu
hierarquicamente, porque ela surgiu no topo do serialismo, ela chegou para
contribuir para o serialismo de uma maneira, digamos, mais científica, o serialismo
podia através dos equipamentos eletrônicos construir as suas peças, formalmente,
muito mais no ponto. Com um controle muito mais absoluto sobre as coisas, sobre
os parâmetros, porque eles acreditavam nisso... a música eletrônica alemã tinha
essa herança, enquanto a música eletroacústica [francesa] podia abrir espaço para
uma pessoa como Luc Ferrari. (CAESAR, 2016)

O predomínio da “visão francesa” sobre Caesar decorre tanto de sua maneira pessoal de encarar o
ato composicional e a materialidade do som como pelo fato de sua formação, e primeira experiência,
composicional ter se dado no GRM (Groupe de Recherche Musicales). Foi na experiência concreta da gravação
e manipulação do som no início dos anos 1970 sob orientação de Pierre Schaeffer e Pierre Henry que Caesar
– até então instrumentista – se descobriu e se inventou compositor. A ausência de uma formação
composicional tradicional – calcada no contraponto e na harmonia, baseada por tanto na escrita (écriture) –
nos fez questionar em que medida isso o tornava mais livre para conceber o todo da obra. Ou seja, o
planejamento (algo geralmente associado a uma escrita centrada nas formas começo-meio-fim, para utilizar
um termo do Stockhausen) fazia, ou faz, algum sentido para ele? Alguns escritos do compositor nos sugerem
respostas:

Nem sempre a ‘ideia’ é anterior à operação que a ‘concretiza’. Isto é, trabalha-se


em um campo em que linguagem não necessariamente precede o material, nem
vice-versa.” (CAESAR, 2016 )

No trecho acima, o compositor afirma a ausência de predomínio da linguagem em relação ao


material, coisa que é fortemente associada à escrita musical. Em outro momento, Caesar problematiza o
planejamento ao tratar do feedback simultâneo durante o fazer da obra:

Mexendo com sons ‘ao vivo’ posso tateá-los ao ponto de descobrir sugestões antes
ocultas para a imaginação. Este tatear acontece mediado pela escuta, que não só
detecta, percebe, como também julga sobre procedimentos a serem seguidos, ou
a abandonar. Ou seja: a síntese se confunde com a análise.” (CAESAR, 2016)

Forma e planejamento não são elementos então considerados essenciais na produção de obras
eletroacústicas? Seriam portanto “não questões”?
A despeito dessa primeira impressão, a forma ocupou num dado momento, o centro das atenções
de Caesar, como o próprio relata:

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Em [19]89, eu já “tava” bastante interessado na questão da forma em música


eletroacústica. Como é que uma peça eletroacústica se sustenta sem que a gente
dê essa forma que se costuma dar nas músicas instrumentais, as peças que eu
ouvia, eu achava que tinha consistência, mas eu não encontrava ali uma forma.
Nem do Dennis Smalley que é um cara assim mais rigoroso, nem nele a coisa é
muito evidente.” (IDEM)

Diferentemente de Menezes, em que a forma é parte intrínseca da ideia e realização da obra, para
Caesar, a forma brota independentemente de um planejamento prévio. Aliás, o próprio compositor afirma;
“Obras de música eletroacústica podem raramente resultar de um conjunto de ideias e intenções prévio e
constante, porque ao compor obras desse gênero compositores sempre são confrontados pela
“intransducibilidade” e “irredutibilidade”9(CAESAR, 1992). Isso contudo não inviabiliza uma abordagem
formal das obras de Caesar, nem significa que o mesmo não trate da forma de maneira mais consequente.
A obra Introdução à Pedra (1992), primeira de um ciclo de três denominado Norfolk Flint (contempla
ainda Neolitica, e Canto), possui alguns estudos sobre seus aspectos técnicos e formais. Entre eles, Carole
Gubernikoff (2009) trata justamente de uma análise, especialmente formal, que tem como parâmetro a
própria escuta da musicóloga, ao lado de entrevista e exposição de escuta a ouvintes selecionados. Aqui,
procuraremos ressaltar, no entanto, assim com feito com Menezes, a própria maneira como o compositor
enxerga a forma em sua obra. Ressaltando novamente que o objetivo está longe de ser classificatório ou
exaustivo, servindo mais de ilustração concreta para os elementos que compõem o pensamento formal do
compositor.
Ao narrar a maneira como concebeu Introdução à Pedra, Caesar descreve como, após a gravação dos
sons a partir da queda de pedras de sílex de diversos tamanhos, elaborou o material sonoro em seções ou
eventos. Utilizando um sampler controlado via MIDI com um sequenciador, Caesar manipulava de diversas
formas cada som disponível no sampler10. Como Gubernikoff frisa “não se trata de síntese granular, mas de
pequenos loops que serão processados musicalmente, basicamente através da técnica de timestreching,
processo que permite acelerar e desacelerar a velocidade sem alterar as alturas.”(GUBERNIKOFF, 2009, p. 4).

9
Works of electroacoustic music can rarely result from a previous and constant set of ideas and intentions, because in
composing works of this genre composers are always confronted by 'untranslatability' and 'irreducibility'.
10
Gubernikoff descreve as técnicas utilizadas por Caesar na obra: “Morfomicrofonia – Técnica de gravação em que
microfone já seleciona, interfere e molda o objeto sonoro. Abstract shaping é uma filtragem do momento do ataque
que muda, consequentemente seu perfil espectral; Estiramento temporal, o mesmo evento pode ser acelerado ou
desacelerado sem alterar a altura do som. Teclado midi para controlar os eventos e armazenar os sons. Gravador DAT
no qual os elementos foram postos em sequência. Seqü enciador (Sampler) AKAI. Composer's Desktop Project, programa
projetado para um computador Atari.”

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Na entrevista para este estudo, o compositor utiliza o termo microforma para designar a criação dos
diversos eventos que produz separadamente uns dos outros. A Fig. 3 ilustra de maneira livre os elementos
que compõe, segundo a própria descrição do compositor, esta dimensão da forma:

Fig. 3: Microforma Introdução à pedra

Esta referência do compositor a “eventos” construídos separadamente pode remeter à ideia, já


trabalhada aqui, de forma-momento, especialmente no aspecto da independência de cada evento entre si,
ou seja, de sua descontinuidade. Sobre a possibilidade de embaralhamento das partes ou eventos, se a
ordem faria diferença ou não no sentido da obra, Caesar afirma enxergar uma direcionalidade que dá sentido
à sua proposta narrativa.
É a partir dessa afirmativa que expomos a segunda dimensão formal de Introdução à pedra. Essa é
nomeada pelo compositor como macroforma. Trata-se do momento em que ele monta sua narrativa musical
a partir das variações produzidas em cada evento isolado.

Fig. 4: Macroforma de Introdução à pedra

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Conforme a figura 4, dois elementos são decisivos para construção da macroforma; a vetorialidade,
ou seja, o que dá direção ao fluxo sonoro, e a narratividade que implica uma dimensão semântica, permitindo
a construção da continuidade. Diferente da forma-momento, as relações entre os eventos são elementos
fundamentais para o sentido narrativo da obra, segundo a visão do compositor.
Combinadas, microforma e macroforma constroem a modelagem formal da obra. O elemento que
permite unidade entre esses dois âmbitos é a materialidade. O próprio título da obra, Introdução à pedra, já
nos remete a importância do elemento material na gênese da obra. A materialidade que dá unidade neste
caso são os aspectos sonoros que foram explorados pelo compositor ao longo da peça e do ciclo como um
todo: o timbre e os ataques. Apesar da forte presença imagética e por consequência física que o título nos
remete, o objeto sonoro aqui é despido, num exercício de escuta reduzida na acepção schaefferiana do
termo. Sobre esse aspecto, Gubernikoff afirma:

Rodolfo Caesar, nesta peça, apesar de criar índices e remissões ao som original, ao
longo da peça trabalha com conceitos sonoros abstratos, não sendo possível sua
identificação como fenômeno original. Há uma ‘pedricidade’ imediata sem,
entretanto ser possível identificar como ela se dá e qual seja sua natureza. Se
fôssemos utilizar um critério linguístico, seria um índice de pedra sem se constituir,
entretanto, numa referência. (GUBERNIKOFF, 2009, p. 3)

A fig. 5 justapõe macroforma e microforma e seus elementos de unicidade

Fig. 5: Micro e macro formas em Introdução à pedra

5. Considerações finais
Este artigo buscou uma problematização da questão da forma em dois compositores brasileiros com
atuação marcante no cenário da música eletroacústica brasileira e internacional. Embora não seja nosso

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objetivo compara-los, é possível encontrar tanto diferenças quanto pontos de interseção entre as poéticas
de Menezes e Caesar, especialmente no tocante à forma musical.
Colocar a discussão em perspectiva histórica, longe do exercício puramente retórico, permitiu-nos
compreender como a dimensão formal era tratada nos primeiros ensaios de música eletroacústica em seus
dois centros mais importante no início dos anos 1950. A importância do debate sobre a forma na gênese da
música eletroacústica parece-nos um assunto não muito explorado e que mereceria atenção especial no
futuro. De maneira mais ou menos explícita, a discussão sobre o que predomina se a forma ou a matéria
continua a permear o discurso tanto na tradição da música eletroacústica quanto nos compositores deste
estudo.
O debate sobre forma, ainda que de maneira e intensidades diferentes, ocupa um lugar na poética
dos autores. Menezes, seguidor convicto da escola alemã de música eletrônica, embora ressalte que
absorveu e reconheça a importância da música concreta na sua formação e criação, é um criador cujos
elementos de planejamento e concepção formal parecem profundamente claros e delineadores de sua visão
poética. A própria criação de um modelo, ainda que flexível, de estruturação formal, a forma-pronúncia,
revela a preocupação teórica e composicional que o compositor dá à forma na sua música.
Caesar, por outro lado, embora revele que em dado momento da sua vida se questionou sobre a
forma em música eletroacústica, inclui elementos que escapam à ideia de planejamento ou organização
formal tais como o improviso no processo composicional. Sua ênfase no feedback proporcionado pela
composição em suporte eletroacústico, como elemento “perturbador” da própria ideia de planejamento, e
a importância na exploração dos materiais parece leva-lo para um tipo de forma que brota de sua poética
sem que se possa vislumbrar seu desenho antes de finalizada em definitivo a obra.
A despeito das diferenças, encontramos alguns elementos comuns entre os compositores que
inclusive se chocam com a ideia de uma música contemporânea, nesse caso eletroacústica ou não, que –
para muitos – abandonou a noção de continuidade. Esta última parece-nos traço comum aos dois
compositores brasileiros aqui discutidos. Foi perguntado a ambos de maneira direta se a direcionalidade e a
continuidade eram elementos importantes ao conceberem a obra e ambos afirmaram a necessidade desses
elementos tanto para concepção formal quanto para o que imaginam ser uma recepção ideal de suas obras.
Tanto Caesar quanto Menezes entendem estar narrando, contando algo, ainda que não no sentido literário
ou verbal do termo. O elemento narrativo é abordado por ambos, ainda que dentro de arcabouços distintos.
Finalmente, também com ênfases distintas, a intertextualidade é elemento vivamente presente e
fundamental para concepção formal da poética de ambos. Nas peças aqui analisadas, a intertextualidade é
dada tanto pelo título ou uso das palavras, e seus múltiplos sentidos, quanto pelas referências a outras obras
(musicais ou não) e a elementos que surgem na obra como referências, ora mais ora menos explícitas, à
própria concepção formal que os autores engendraram.

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Referências

CAESAR, Rodolfo. The composition of Electroacoustic Music. Tese de Doutorado. Norwich, University of East
Anglia, 1992.

______________. O que acontece quando componho?. Datilo. Acesso em: 17.07.2016

GUBERNIKOFF, Carole. Introdução à pedra de Rodolfo Caesar. Revista eletrônica de musicologia. Vol XII.
Março de 2009. <http://www.rem.ufpr.br/_REM/REMv12/12/carole_gubernik.htm> Acessado em:
17.07.2016

HASTY, Christopher F. On the Problem of Succession and Continuity in Twentieth-Century Music. Music
Theory Spectrum, Vol. 8, p. 58-74, Spring, 1986.

KOENIG, Gottfried Michael. Genesis of form in technically conditioned environments. In: Interface, Vol. 16,
p.165-175, 1987.

KRAMER, Jonathan D. Moment Form in Twentieth Century Music. In: The Musical Quarterly, Vol. 64, No. 2,
pp. 177-194, April 1978.

MENEZES, Flo. Um olhar retrospective sobre a história da música eletroacústica. In: Música eletroacústica –
Histórias e Estéticas. Pág. 17-48. Edusp, 2001.

____________. Em direção às formas-pronúncia: aspectos da verbalidade na música eletroacústica –


Meneses. In: Música eletroacústica – Histórias e Estéticas. Edusp, 2001a.

Entrevistas

MENEZES, Flo. Entrevista realizada no Estúdio Panaroma – UNESP em São Paulo, dia 24.06.2016

CAESAR, Rodolfo. Entrevista realizada em sua residência no Rio de Janeiro, dia 08.06.2016

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TRABALHOS ARTÍSTICOS

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Sem comentários

Alex Pochat

Responsabilidade de execução: corpo instrumental disponibilizado pelo V SIMA


Autoria da obra: Alex Pochat
Ano de elaboração da obra: 2014. Obra executada pelo Grupo Cron na abertura do I Congresso da
TeMA, integrando projeto “MAB – Música de Agora na Bahia” (Reitoria da UFBA, estreia, 09/11/14) e na Série
“Tendências” (Salão Leopoldo Miguez, RJ, 12/07/16).
Formação: Violino, Violoncelo
Duração da obra: ≈ 4min
Nota de programa: o espaço para nota de programa referente a essa obra deve ser deixado,
propositalmente, em branco.

DESCRIÇÃO TÉCNICA
A obra “sem comentários” integra pesquisa de doutorado em andamento que lida, entre outros, com
o tema da interpretação hermenêutica de obra musical para futura análise e criação de mais material
composicional. A proposta é um recorte da ideia de um ciclo composicional envolvendo compositor e ouvinte
interpretador (ver excerto abaixo). Tal interpretador pode ser um leigo em música, um compositor, ou
mesmo um intérprete musical. No caso da obra em questão, sua estrutura é construída com base na
expressão (e futura impressão) de material musical apresentada ora pelo violino, ora pelo violoncelo,
emulando o ciclo de ‘composição gerando interpretação gerando composição’, como se cada um
instrumentista se alternasse no papel de compositor e interpretador.

Excerto:
O que acontece quando uma composição, após sem interpretada, retorna ao próprio compositor?
Quais atitudes criativas, por parte desse compositor, podem advir dessa reação causal entre composição e
interpretação? E mais: como essas relações e possibilidades de composição, interpretação e recomposição
interagem quando o fator “fala” está presente, direta ou indiretamente, nelas mesmas?
Parece certo pensar que cada compositor, nos processos de suas obras (ou seria sua obra como um
todo?), coloca-se no papel de um interpretador, quando lida com escolhas, possibilidades, ao longo do
percurso criativo. Uma coisa é ter à sua frente uma paleta de opções de materiais, técnicas, métodos, e a
outra é utilizar o binômio experiência-conhecimento em favor da composição musical, binômio esse que é
parte fundamental do ato de interpretar. A cada momento—que em música pode ser traduzido como seções,
trechos, gestos, motivos—, há a visão interpretante daquele que está criando esses mesmos momentos, e é

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tênue a linha que separa as duas atitudes de compor e interpretar, nesses e em tantos outros casos, apesar
da aparente percepção ilusória de que elas são apenas consecutivas.
Mas, por essa perspectiva, o que ocorre então quando a composição chega ao “outro lado”, o lado
de quem recebe e, consequentemente, processa informações e dados musicais pré-elaborados? Aquele que
a absorve, interpretando-a, confronta toda uma combinação também de conhecimento e experiências
prévias individuais, com esse composto de informações musicais, composto esse que pode chegar ao
interpretador através de áudio, visual ou audiovisual. Esse interpretador pode manter (ou tentar manter)
para si a impressão-resultado desse confronto entre composição de outrem e sua própria interpretação mas,
se um compositor não pode deixar de lado a interpretação, sob pena de perder controle sobre sua obra (se
é que em algum momento o tem), não estaria um interpretador, com sua respectiva criação interpretativa,
gerando uma nova entidade, não necessariamente musical (apesar de que, como poderia deixar de ser
musical, se é uma interpretação baseada em música?), mas com, no mínimo, características de uma
composição? Uma definição interessante do resultado dessa composição–virando–interpretação talvez
pudesse ser a do próprio compositor: ele a tomaria como um interpretador, que é, de sua obra (ou como
compositor que é), vislumbrando mais um campo de possibilidades transformando-se em escolhas.
Nesses rebotes de ações e reações criativas, pode-se notar a riqueza de possibilidades e escolhas de
materiais lato sensu à mão do compositor–interpretador (ou do interpretador-compositor), proporcional aos
problemas que dessa imersão surgem—e que por ele devem ser solucionados.

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dasddasd
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Instante I Solo para Clarinete em Bb

Salatiel Costa Ferreira

A execução da obra será feita pelo clarinetista Hudson Ribeiro


Compositor – Salatiel Costa Ferreira
2013 (obra inédita)
Clarinete solo (equipamento necessário: uma estante de partituras)
Três minutos de duração
Gravação
https://www.youtube.com/watch?v=pOFfuh3tQhA&feature=youtu.be

Descrição Técnica
A obra Instante I para clarinete solo foi escrita em 2013 e é uma homenagem ao Prof. Dr. Joel
Barbosa. A peça é baseada nos princípios dodecafônicos, entretanto, não possui um dodecafonismo estrito
e é estruturada em A-B-A. A parte A, possui um caráter melodioso e lírico e pode ser dividido em duas
subseções, onde primeiramente é apresentado uma série do tema original e suas variações e posteriormente
na segunda parte o ritmo é executado de forma espelhado. A seção B possui um caráter mais enérgico e de
maior dificuldade técnica, principalmente quando é utilizado o registro agudo. No retorno para A, os
elementos são reapresentados com modificações rítmicas em sua primeira parte, mas, mantendo a
característica melodiosa. Na segunda, a uma amálgama de ritmos de A e B, que pode funcionar com uma
espécie de cadência para assim concluir a peça.
Instante I para clarinete solo em Bb, foi escrita em 2013 como resultado de pesquisa, onde, para
entender uma obra serial dodecafônica, o autor decidiu escrever sua própria peça, buscando utilizar as
diversas possibilidades de construção de uma obra escrita na técnica dos doze sons.
A peça que motivou a composição de Instante I, foram os Três Estudos para Clarinete Solo (1942) do
compositor amazonense Cláudio Santoro, que com seu dodecafonismo não ortodoxo e apenas a versão
inversa e retrógrada da série original desenvolve cada um dos três estudos.
Instante I, está estruturada na forma ternária A-B-A. A seção A, pode ser dividida em duas subseções;
sendo que na primeira, a série na sua forma original é utilizada para iniciar a peça, e possui uma característica
melódica, lírica e de ritmo sincopado; posteriormente na segunda parte o ritmo é executado de forma
espelhado e concluindo a seção com a transposição inversa da série original. A seção B são utilizadas
transposições da série original e retrógrada e, ao contrário de A, é de caráter mais enérgico, vigoroso e com
velocidade, a dificuldade técnica é maior, principalmente quando é utilizado o registro agudo com notas
lidadas. No retorno para A, os elementos são reapresentados, porém, modificados ritmicamente em sua

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primeira parte, mas, mantendo a característica melodiosa. Na segunda, elementos rítmicos de A e B


misturam-se em um diálogo que pode funcionar com uma espécie de cadência para assim concluir a peça
em mais uma transposição da série original.
Assim como nos Três Estudos para Clarinete Solo de Santoro, Instante I está baseada num
dodecafonismo não estrito, onde foram feitas algumas adaptações nas transposições da série pois,
funcionam melhor ao discurso melódico. A obra é uma homenagem ao Prof. Dr. Joel Barbosa.

Anais do 5º Simpósio Internacional de Música na Amazônia


Belém-PA. ISSN 2447-9810
- 637 –
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