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Reitora
Dora Leal Rosa
Vice-reitor
Luiz Rogério Bastos Leal
Diretora
Flávia Goulart Mota Garcia Rosa
CONSELHO EDITORIAL
CRACK:
CONTEXTOS, PADRÕES E PROPÓSITOS DE USO
Salvador, 2013
EDUFBA
Drogas: Clínica e Cultura
CETAD/UFBA
Revisão Digitação
Wagner Coutinho Alves Ana Cláudia Lima Portela
ISBN 978-85-232-1068-7
CDD – 616.863
CDU – 615.099
CR
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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DIREITOS REPROGRÁFICOS
L
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Editoras Universitárias O DI REI TO A
de América Latina y el Caribe
Prefácio
Edward MacRae ............................................................................ 11
Diálogo com Dr. Antonio Nery Filho, George Gusmão Soares, Maria
Eugênia Nuñes e Edward Macrae sobre o crack
Antonio Nery Filho
George Gusmão Soares
Maria Eugenia Nuñez
Edward MacRae ............................................................................ 27
busca de reforçar ou criar uma rede que possa dar conta dessa
questão de maneira mais integrada. Vários desses programas
e serviços já têm uma longa tradição de atendimento ambu-
latorial a droga dependentes e de trabalhos junto a usuários
de substâncias psicoativas lícitas e ilícitas entre setores caren-
tes da comunidade. Procuram fazer frente à epidemia de HIV/
AIDS, assim como de outras doenças infecciosas, a exemplo
das DSTs e hepatites, através de campanhas voltadas à preven-
ção e à redução de riscos e danos. Historicamente têm enfati-
zado a importância de se prestar mais atenção à subjetividade
do usuário do que à farmacologia da substância psicoativa em
uso e atentar para o contexto sociocultural em que ocorre esse
consumo.
A partir desses posicionamentos históricos e dos traba-
lhos realizados em campo, nas próprias comunidades de ori-
gem dos seus pacientes, há alguns anos vêm desenvolvendo
conceitos e métodos de trabalho que têm fugido das visões es-
tereotipadas divulgadas pelos meios de comunicação de massa
e por outros setores que se prestam a disseminar um clima de
pânico na sociedade, muitas vezes na busca de ganhos polí-
ticos e econômicos. Detectam, por exemplo, que, ao contrário
do que se divulga, o uso de crack tem uma multiplicidade de
possíveis consequências.
Apesar de ser dotado de uma “competência de dano” con-
siderável, não é verdade que o uso dessa substância inevitavel-
mente leve, de maneira homogênea, o usuário a uma total su-
jeição, implicando na perda de controle sobre sua vida e numa
morte rápida. Terapeutas, pesquisadores e trabalhadores em
campo dessas instituições baianas vêm detectando, ao contrá-
rio, que existem diferentes padrões de uso de crack. Alguns
aparentam ser completamente compulsivos e sequestradores
da subjetividade, mas encontram-se também outros, em que
Edward MacRae
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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NIDA. National Institute of Health. Infofacts: cocaine. Disponível
em: <http://www.drugabuse.gov>. Acesso em: 24 maio 2009.
2 Controle social “viciado”, já que se continua a bater nessa mesma tecla não
dando atenção à escrita que se repete. A guerra às drogas foi deflagrada
oficialmente em 1970 pelo presidente esta dunidense Richard Nixon com
o objetivo de erradicá-las e, decorridos quarenta e um anos, resultou num
gasto de um trilhão de dólares. Nesse período o consumo aumentou subs-
tancialmente, assim como a violência agregada à condição de ilegalidade.
médico, aqui você vai curar essa ferida com a fé”. O usuário
disse que imediatamente pegou seus pertences e foi embora.
Dias depois foi para o CAPS onde relatou o episódio: – “sou
usuário de drogas, não sou maluco. Fé nenhuma vai curar esse
ferimento!”. Esse breve relato mostra como mesmo um usuário
abusivo de crack consegue manter seu discernimento e a ca-
pacidade crítica para administrar sua vida, fugindo da imagem
propagada pelos defensores da internação compulsória.
Relatos de ex-internos servem para desvendar um pouco
as condições de vida e os métodos a que são submetidos nas
comunidades terapêuticas, realidade raramente accessível ao
grande público e até a especialistas em Saúde Mental. O relato
de outro usuário que passou pela mesma Instituição abre mais
a perspectiva:
Entrevistador: – E porrada?
Tem que ficar recluso. Você não pode sair pra trabalhar.
Quer arrumar um emprego? Se você sair pra botar um currícu-
lo, você tem que sair da “casa”. É foda! Não dá certo! Usuário
de droga não é uma pessoa [...] perdida pra sociedade, não. Ele
é capaz de trabalhar. Produzir alguma coisa, produzir [...]. Ele
pode ser um bom pedreiro, um bom pintor. Ele cumpre as obri-
gações dele normalmente e pode fazer o tratamento dele, não se
isolando do mundo, trancafiado.
10 E nesse sentido vale ressaltar que o oxi nada mais é do que o crack prepa-
rado com outros solventes. O pânico moral em torno do oxi é mais um me-
canismo de controle social para fazer as pessoas acreditarem que as drogas
são os problemas maiores que levam ao crime e a exclusão de uma popula-
ção desassistida.
REFERÊNCIAS
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Folha de São Paulo, São Paulo, 25 jun. 2011.
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configurações entre usuários de drogas numa cultura de consumo.
2010. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade Federal
da Bahia, Salvador, 2010.
3 “Dar um tiro”: expressão utilizada pelos usuários que significa inalar pro-
fundamente a fumaça através de uma tragada.
[...] comentaram que era ruim, mas que a onda era a bi-
cha mesmo e a viagem diferente de qualquer outra droga
[...] (J., homem, 26 anos, Centro Histórico).
[...] não sei explicar a loucura, a gente sai do ar, foi gos-
toso [...] (I., mulher, 26 anos, C. Histórico).
[...] o crack pede líquido, cachaça crua, pura [...] (D., mu-
lher, 30 anos, Centro Histórico).
[...] o crack corta. Mas eu vou pra rua todos os dias; faço
sexo com o que rola, mulheres, homens. Tenho trocado
dinheiro por sexo para comprar crack, comida, para tudo
[...] (S., mulher, 26 anos, Centro Histórico).
[...] o crack não incha, não dói e nem broca como a droga
injetável [...] (I., mulher, 34 anos, Centro Histórico).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BECKER, H. Uma teoria de ação coletiva. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1977.
CENTTRO DE ESTUDOS E TERAPIA DO ABUSO DE DROGAS –
CETAD. Relatório da clínica. Salvador, 1993.
Estratégias de autorregulação
Compartilhando cachimbos
Pitilho
Resina ou borra
Já botei uns dois viados pra chupar já, não vou mentir.
Ele Me pagou [...] cada um me deu R$ 50,00. Agora eu
nunca fiz. Além disso, porque eu não gosto nem de viada-
gem. Fiz e depois fiquei arrependido pra caralho, porque
eu fico com uma raiva da porra, não gosto de negócio
de muita viadagem. Gosto de ser amigo, tá ligado: colé,
falar, coisa e tal, pô! mas, se envolver [...] na onda o cara
pra usar, o cara apareceu eu disse: é chupa aí veio, aí
pronto (Homem, 28 anos).
O uso do preservativo
Eles exigem?
Até no boquete?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
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2003.
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Informações sobre Drogas Psicotrópicas: UNIFESP – Universidade
Federal de São Paulo, 2001.
DOMANICO, A. Craqueiros e cracados: bem vindo ao mundo dos
noias, estudo sobre a implementação da estratégia de redução de
danos para usuários de crack nos cinco projetos-piloto do Brasil.
INTRODUÇÃO
Aqui não tem erro, sabe como é? Aqui não tem tempo
ruim. A área é minha, guardo carros aqui há muito tem-
po, o pessoal do comércio já me conhece, já sabe que
qualquer coisa é só me chamar. Eu carrego peso, faço de
tudo, mas eu sou mesmo é guardador de carro sabe como
é? Meu ponto ninguém toma. Ganho um dinheiro legal
para me sustentar.
11 Esta categoria foi apropriada do termo erudito. Esta apropriação deve ter
ocorrido através do contato que estes indivíduos tiveram com profissionais
de saúde, já que estes, no seu jargão profissional, se referem a eles como
“usuários”.
A pessoa pode até sentir, mas o sono que é bom não vem,
só depois que a pessoa usa, se fumar um baseado, certo?
Eu acho que o pitilho não deixa o pânico de querer mais
como fumando crack no cachimbo deixa, [...] eu não [...]
eu já experimentei umas vezes e percebi que não deixa
a pessoa no pânico de usar mais. A lombra é outra, é
diferente, não deixa a pessoa tão no pânico como usando
no cachimbo, o crack. E é totalmente diferente do pitilho,
porque até a lombra bate de outro jeito, deixa a pessoa
relax mesmo, a pessoa se quiser fumar outro fuma mas
[...] Tem o autocontrole, mais seguro do que no cachim-
bo. (Jorge).
Meu pai sempre me dizia que tudo nessa vida tem jeito,
só não tem jeito para a morte. Tudo se conserta, se arru-
ma e se ajeita. Quando ele morreu eu senti isso, queria
continuar vivo para consertar as coisas e foi aí que eu
comecei me consertando (risos).
A sua mãe optava por ter o filho fumando em casa, mesmo não
concordando com a atividade. Mas preferia fumar na casa de
Katicilene, mesmo que a mãe não gostasse, pois lá ficava mais
à vontade.
Jorge nasceu e se criou no Pelourinho, e me contou sobre
a sua vida nesse bairro. Aos doze anos de idade começou a usar
cola de sapateiro, substância muito apreciada pelos meninos
do Pelourinho naquela época. Usar cola de sapateiro era algo
que ele fazia aos fins de semana, quando poderia ficar na casa
dos amigos até mais tarde. A partir dos treze anos, em contato
com amigos mais velhos, conheceu outras drogas como ma-
conha, cachaça e cocaína. Quando tinha vinte e três anos de
idade, um amigo próximo apresentou-lhe a cocaína injetável.
Jorge relata que, por um tempo, tudo o que fazia era usar co-
caína injetável, passando a ficar dias na rua usando-a com os
amigos.
A narrativa de Jorge sobre a sua época de uso da cocaína
enche-lhe os olhos de lágrimas e ele se lembra do amigo que
lhe apresentara a sua primeira dose de cocaína injetável e que
havia morrido por “overdose”, segundo conta. Considera essa
época como “o fim dos tempos”, ele convivia corriqueiramente
com a morte de amigos próximos, devida aos seus usos abusi-
vos da substância.
Para ele, era difícil esconder o uso de drogas injetáveis;
as feridas nos braços eram a marca do estigma que carrega-
va. Nesta época, contraiu o vírus HIV, ocorrência que hoje ele
considera ter sido causado pelo compartilhamento de serin-
gas. De fato, pesquisas, realizadas no início dos anos 90 neste
território, revelam a grande prevalência do HIV entre usuários
de drogas injetáveis, apontando o compartilhamento de serin-
gas como o principal fator de transmissão do vírus (ANDRADE,
1996).
Aí o crack era para mim uma coisa assim [...] como quan-
do eu queria sair do feijão com arroz entendeu? Até hoje,
uso o crack para festejar, quando quero entrar no reggae.
Nos dias normais uso a ganja (maconha) que relaxa e faz
esquecer das coisas duras da vida.
fazer uso de álcool aos doze anos de idade e até os vinte e dois
anos não havia consumido nenhuma substância ilícita.
Aos vinte e três anos de idade, depois de terminar a sua
graduação em Relações Internacionais, começou a trabalhar
em um grande hotel do Centro Histórico de Salvador, na área
de Relações Humanas. Foi quando conheceu um jovem, um
dos filhos do dono do hotel, com quem começou a desenvolver
uma amizade.
Certa feita, quando tinha acabado de finalizar o seu tra-
balho e estava indo para casa, ele a chamou para tomar uma
cerveja em um dos quartos do hotel, e ela aceitou. No quar-
to, ele ofereceu uma quantia de dinheiro para que ela ficasse
com ele, fazendo-lhe companhia no seu consumo de crack. Ini-
cialmente, Vanessa desconhecia a substância que ele estava
consumindo e preferia tomar cerveja. Durante algumas noites,
Vanessa acompanhava o amigo no seu uso de crack e ficava
sempre muito curiosa em observar seu uso.
Motivada por curiosidade sobre o efeito da droga, Vanes-
sa pediu para experimentar. Depois da primeira noite de uso,
pediu para o amigo ensinar-lhe tudo, onde se vendia e princi-
palmente, como preparava a substância para o consumo. Ini-
cialmente, usava em copos de plástico de água mineral; logo
em seguida, quando começou a fazer uso regular da substância
aprendeu a fazer o próprio cachimbo. Aos vinte e quatro anos
de idade, já usava crack todas as semanas e começou a fre-
qüentar a Rua 28 de Setembro e o Gravatá.
Durante suas idas àquela rua, arranjou um namorado
que na época trabalhava com o tráfico de drogas. Nesse tempo,
Vanessa não conseguia controlar o uso da substância e chegou
a perder o emprego pois, ao invés de ir para a casa após o tra-
balho, ficava no Pelourinho com o namorado, usando crack até
o dia amanhecer. No dia seguinte, não agüentava ir ao trabalho
e ficava com o namorado em uma pousada.
tos com o padrasto, fugiu de casa aos dezessete anos e foi, junto
com algumas amigas, para o Pelourinho. O seu padrasto vivia
constantemente bêbado e muitas vezes chegava a espancá-la
e a mãe. Quando Katicilene conversava com a mãe, sugerindo
que ela deveria se separar dele, a sua mãe a respondia de forma
bastante irritada alegando que a única maneira que tinham
para se sustentar era através da renda que o marido lhe dava.
Aos dezessete anos de idade, começou a usar cola de sa-
pateiro e álcool; suas amigas, que eram bem mais velhas do
que ela, usavam maconha e cocaína inalada. Katicilene vivia de
prostituição e da venda de pequenas quantidades de cocaína.
Exercia todas essas atividades junto à sua rede de amigos, até
o dia, em que conheceu um “gringo”22 que lhe deu um valor
a mais para o programa. Suas amigas viram a quantidade de
dinheiro que ele havia dado para Katicilene e propuseram que
todas fossem fazer uma festa naquele dia. Foi quando experi-
mentou cocaína inalada, pela primeira vez.
Aos vinte anos de idade, Katicilene já fazia um uso oca-
sional de cocaína inalada, principalmente durante os progra-
mas, pois o uso da droga lhe auxiliava a agüentar ficar acorda-
da a noite toda. Nessa mesma época, começou a usar maconha
de forma constante e, em seguida se tornou usuária regular da
droga. Os efeitos buscados no uso da maconha eram o rela-
xamento do corpo e a sensação de sonolência e fome. No final
do dia de trabalho, fazia o seu ritual de “fumar o beck”23 que a
auxiliava a reduzir os efeitos estimulantes da cocaína.
Morava em um casarão abandonado, localizado na La-
deira da Preguiça, com suas amigas, com quem dividia as des-
pesas de casa. Nunca deixava de ter contato com a mãe, mas
a suas visitas sempre eram algo desagradáveis, pois sua mãe
22 Estrangeiro.
23 Fazer uso de maconha em formato de cigarros.
dizia que não queria que ela fosse visitá-la, pois sabia que ela
era uma usuária de drogas. Katicilene deixou claro que ficava
triste com a reação da mãe, e dizia sofrer com o preconceito
contra pessoas que usam drogas.
Aos vinte e sete anos, conheceu o homem, que viria a
ser o seu marido. Foi com ele que experimentou pela primeira
vez o crack, utilizando como cachimbo um copo de plástico. A
princípio não gostava muito do efeito do crack puro e recorria
ao uso do pitilho, pois era a forma de associar uma droga que
a deixava “ligada” com outra que a acalmava. Porém, como o
marido era usuário ocasional de crack puro, acabava fumando
para acompanhá-lo. Descrevendo o efeito da droga no seu cor-
po, Katicilene relatou:
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204.
Edward MacRae
Antropólogo. Bacharel em Psicologia Social pela Universi-
dade de Sussex (GB). Mestre em Sociologia da América Latina
pela Universidade de Essex (GB). Doutor em Antropologia pela
Universidade de São Paulo (USP). Atuou no Instituto de Medici-
na Social e de Criminologia do Estado de São Paulo (IMESC) e
no Programa de Orientação e Atendimento à Drogadependência
(PROAD/EPM/UNIFESP). Foi membro do Conselho Estadual
Luana Malheiro
Bacharel em Antropologia pela Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas (FFCH/UFBA). Especialização em Saúde
Coletiva/Mental pelo Instituto de Saúde Coletiva (ISC/UFBA).
Associada ao Grupo Interdisciplinar de Estudo de Substâncias
Psicoativas (GIESP/UFBA), ao Núcleo Interdisciplinar de Estu-
dos sobre psicoativos (NEIP) e da Associação Brasileira de Estu-
dos Sociais sobre o uso de Psicoativos (ABESUP). Sócio-funda-
dora do Coletivo Balance de Redução de Danos. Mestranda em
Saúde Coletiva pelo Instituto de Saúde Coletiva (ISC/UFBA).
Técnica do Ponto de Encontro (CETAD/UFBA/SESAB).
Tom Valença
Bacharel em Psicologia com formação clínica (UFBA).
Mestre em Ciências Sociais com concentração em Sociologia
(UFBA). Doutor em Ciências Sociais com concentração em An-
tropologia (UFBA). Docente nos cursos de Psicologia e Fisiote-
rapia (UNIJORGE). Ministrou aulas em cursos de pós-gradua-
ção (CRR-CETAD/UFBA e CRR-UFRB). Atua como antropólogo
no CAPS AD III Gey Espinheira. Pesquisador do Grupo Inter-
disciplinar de Estudos sobre Substâncias Psicoativas (GIESP-
-UFBA). Membro da Associação Brasileira de Estudos Sociais
do uso de Psicoativos (ABESUP) e colaborador do Núcleo de
Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP).
Formato 14,8 x 21 cm
Impressão EDUFBA
Tiragem 500