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"Ideologia emburrece"

Entrevista: Maria Sylvia de Carvalho Franco à Marcelo Carneiro, Veja (05/07/06)

A filósofa diz que Lula age como um tirano, afirma que Alckmin foi escolhido para
perder e denuncia o oportunismo de intelectuais de esquerda.

Professora dos departamentos de filosofia da USP e da Unicamp, Maria Sylvia de


Carvalho Franco passou os últimos quarenta anos de vida acadêmica nadando
contra a corrente. Durante o regime militar, entre optar pelo exílio – como fizeram
muitos de seus colegas que militavam em organizações clandestinas – e manter
aberta a cátedra da USP mesmo sob a vigilância da polícia, a decana da faculdade
de filosofia preferiu a segunda alternativa. Dava aulas para até 100 estudantes,
alguns deles investigadores policiais infiltrados. Começava ali um histórico de
polêmicas com boa parte da intelectualidade brasileira, à direita e à esquerda. Seus
trabalhos de pesquisa, em especial o clássico Homens Livres na Ordem
Escravocrata, de 1969, conseguiram desagradar a marxistas e liberais. Hoje, a
professora ainda cultiva o destemor ao refletir sobre o oportunismo na vida política –
tanto dos partidos quanto dos intelectuais, em especial os de esquerda.

Veja – Apesar de todas as denúncias contra o seu governo, e com o PT caminhando


para um encolhimento nas urnas, o presidente Lula continua com alta popularidade.
Como explicar esse fenômeno?

Maria Sylvia – Primeiro, isso se deu graças a uma política populista desenfreada e
ao uso desmedido do dinheiro público e da estrutura governamental para
propagandear essa política. Depois, ocorreu porque Lula é um sobrevivente,
exatamente como na definição do escritor Elias Canetti (búlgaro, prêmio Nobel de
Literatura em 1981 e autor do livro Massa e Poder). Para Canetti, os homens que
têm uma posição carismática, e de poder, terminam por criar um vazio em torno de
si. Exemplo disso é a capacidade que Lula tem de se livrar até dos auxiliares mais
próximos, quando isso é necessário. Ele sabe que o perigo o cerca de todos os
lados. Atento a isso, criou um deserto à sua volta. Tem mensalão, ministro que pede
demissão, outro que é acusado de corrupção, um monte de gente do PT envolvida –
mas, para cada um desses problemas, ele inventa uma desculpa. Ora diz que foi
traído, ora que não sabia de nada. Ou, então, se livra sem pudores dos auxiliares
mais próximos. Veja o (ex-ministro da Fazenda) Palocci. Lula o defendeu até o
último minuto. Quando ficou claro que o ministro estava comprometido, ele
simplesmente o tirou. O mesmo aconteceu com o José Dirceu. Esse é o destino do
tirano: ele acaba se isolando porque, para conseguir chegar ao poder, elimina
qualquer tipo de relação, seja ela política ou social, de amizade ou de confiança.
Tudo isso em proveito de si próprio.

Veja – Esse seria o traço mais forte da personalidade política do presidente?

Maria Sylvia – Lula é um fenômeno que guarda peculiaridades. Sua característica


mais evidente seria a esperteza. Ele tem um certo tipo de inteligência que pega o
momento oportuno e segue nesse rumo. Hoje eu não tenho mais dúvida de que,
mesmo no período em que era líder sindical, seu projeto era uma mudança de
classe. A mudança dele – já que, pela natureza do capitalismo, é impossível a
mudança estrutural de toda a classe operária. Ocorre que, quando indivíduos
isolados transpõem essa barreira, perdem a determinação da classe da qual saíram
e assumem a determinação de outra classe. Essa, aliás, é uma análise marxista.
Diz-se que, desde o período sindical, Lula fazia alianças com a burguesia. Era
agressivo no palanque e conciliador na mesa de negociação com os empresários. O
marco disso é o momento em que ele conseguiu se eleger. Houve uma mudança até
na sua aparência física. Hoje seria impossível distinguir Lula em uma reunião de
empresários – a não ser pelo fato de que ele talvez estaria mais bem vestido. Aquele
alfaiate dele é muito bom. Só não conseguiu mudar tudo, como se vê pelas gafes e
pelos erros de português que comete.

Veja – Mas os discursos o ajudam a tornar-se mais popular.

Maria Sylvia – Não sei se o ajudam, mas o fato é que isso não deveria ocorrer. Lula
teve trinta anos para se cultivar. Ou ele não fez isso porque é muito preguiçoso ou
porque explora essa falta de cultura como mais uma faceta da sua atitude esperta
diante do mundo. Ou é preguiça ou é canalhice. Na verdade, o bom português é o
mínimo que se exige de um presidente da República. Não aceito o argumento de
alguns lingüistas de que a língua falada é dinâmica. Existe uma gramática, com
significados definidos. São estruturas que têm de ser respeitadas, senão a língua
desaparece, vira um dialeto incompreensível.

Veja – A história da democracia no Brasil tem episódios de avanços e retrocessos.


Qual a explicação para o ressurgimento de um fenômeno populista como o lulismo
neste momento?

Maria Sylvia – O problema está na forma como o poder republicano se


institucionalizou no Brasil. A lógica da Presidência é imperial, de concentração de
poderes. Mas há também os defensores dos interesses regionais, que têm sua sede
no Parlamento. A função deles é garantir uma parte dos recursos que são sugados
para os cofres do governo federal. Nessa queda-de-braço, o presidente da
República dificilmente contará com um bloco muito fiel entre os deputados e
senadores. Em decorrência disso, passa a exercer pressão sobre o Congresso de
duas maneiras: fazendo a interlocução direta com as massas, e virando o pai dos
pobres, ou desviando dinheiro público para encher o bolso de parlamentares aliados
e, assim, garantir apoio. É Bolsa Família e mensalão.

Veja – Em que medida a tibieza da oposição ajudou o presidente Lula a passar ao


largo das denúncias e dar continuidade a esse projeto?

Maria Sylvia – A blindagem de Lula vem, em certa medida, dos interesses políticos
envolvidos. Por que o PSDB se cala diante das denúncias? Arthur Virgílio (senador
do PSDB do Amazonas), que vinha fazendo um grande ataque, no outro dia recua. A
mesma coisa acontece com as CPIs. A CPI dos Correios criou várias oportunidades
para que se pedisse o impeachment de Lula – por exemplo, quando foram
descobertos pagamentos de campanhas eleitorais em contas no exterior. Isso não
aconteceu porque os tucanos têm telhado de vidro – um pouco mais sólido, é
verdade. Se nada de significativo apareceu contra os tucanos até agora, foi apenas
porque eles têm mais experiência no poder, não são afoitos como esse pessoal do
PT, que se juntou com criminosos ligados a esquemas de lixo e a bingos.
Veja – Na sua opinião, quais as chances de o candidato tucano, Geraldo Alckmin,
vencer a eleição?

Maria Sylvia – Eu sempre imaginei que havia algo por trás dessa escolha de
Alckmin. Por que a opção por uma pessoa tão inexpressiva – sem carisma, sem
ligações importantes em lugar nenhum – para enfrentar um homem como Lula? Hoje
está na cara. Alckmin foi escolhido para perder.

Veja – Como assim?

Maria Sylvia – Aécio (Neves, governador de Minas Gerais) e Tasso (Jereissati,


presidente do PSDB) escolheram alguém para ser queimado. O projeto do PSDB é
para 2010. As chances de Alckmin são muito pequenas porque, inclusive, o tucanato
não vai se empenhar. Diz-se que Lula não tem herdeiros, daí o "Lulécio", o Lula com
Aécio. Meu marido (o filósofo Roberto Romano) tem uma expressão muito
adequada. Afirma que os tucanos são primos do PT e que, no futuro, vão se reunir
em família e dividir o bolo. Acho que haverá um ajuntamento entre Lula e esses
dirigentes mais novos, como Aécio. O único problema é o PMDB, um partido muito
forte e oligárquico. O Brasil é assim: de um lado, a força do governo federal; de
outro, o poder das oligarquias regionais. E quem congrega essas oligarquias é o
PMDB.

Veja – A senhora já disse que tanto Lula como Geraldo Alckmin têm traços
autoritários. Quais os exemplos de autoritarismo dos dois candidatos?

Maria Sylvia – Em Lula, há exemplos todo dia, como nessa frase de que é fácil
governar para pobre. Porque, segundo ele, pobre não protesta – então, é fácil de
dominar. Em Alckmin, o exemplo fundamental ainda é sua atitude na pré-
candidatura. Ele disse: "Eu quero ser candidato, e é para já" – apesar de todas as
indicações de que ele não ganharia a eleição.

Veja – A senhora acredita que, em caso de vitória por larga margem de votos no
primeiro turno, Lula se sentiria tentado a governar desprezando as instituições e
dialogando diretamente com as massas, como sugeriu o ex-petista e também
candidato a presidente, Cristovam Buarque?

Maria Sylvia – Acho possível, mas não temos muito que fazer, só rezar. Essa
reeleição do Lula é perigosa. Há um vazio político muito grande. Toda uma geração
está deixando a vida política e não há uma nova para assumir esse posto. Entre os
partidos, só vejo o PV, do Fernando Gabeira, e o PSOL.

Veja – Mas o PSOL, além de uma visão de mundo ultrapassada, traz alguns vícios
idênticos aos do PT.

Maria Sylvia – Sei disso. Sei que há também demagogia e oportunismo, todos os
males da política brasileira. Mas é preciso que um partido de oposição sobreviva. O
PMDB não vai fazer oposição, é visceralmente conciliador. O PSDB está mostrando
a cara: concilia também, e muito. O PFL é outro conciliador. Quando se trata de
repartir o poder, eles estão todos juntos. Não há nada mais flexível do que a espinha
de um político brasileiro.
Veja – A senhora é conhecida por distribuir críticas a pensadores tanto do PT quanto
do PSDB. Há alguma diferença entre um intelectual petista e um tucano?

Maria Sylvia – No PT, há dois tipos de intelectual. O primeiro é correto, mas tem um
fanatismo exacerbado. São pessoas que não tiram vantagem nenhuma de apoiar o
PT, às vezes dão de si e do próprio bolso, sem receber nada em troca. Mas são
capazes de cortar relações com você só porque você faz críticas ao PT. É um apego
ideológico, e ideologia emburrece. O segundo tipo é o intelectual de um oportunismo
atroz, como Marilena Chauí. Uma pessoa com a formação dela não pode dizer que,
quando Lula abre a boca, o mundo se ilumina. É uma professora universitária que
diz que o mundo é iluminado por alguém que faz a apologia da ignorância, que é
capaz de dizer "minha mãe nasceu analfabeta". Alguns membros do PT fazem essa
apologia.

Veja – E o intelectual tucano?

Maria Sylvia – É cultivado, até mais do que os do PT, mas tem uma certa
desvinculação da estrutura partidária. Os tucanos são mais individualistas e têm
uma capacidade maior de ajustamento às circunstâncias.

Veja – Qual a origem desses dois grupos?

Maria Sylvia – Os dois grupos são formados por intelectuais originados da ortodoxia
marxista. Houve um bom período de domínio hegemônico dessa corrente na
universidade. Os partidos comunistas mais ortodoxos sustentavam grupos
universitários de poder, controlando cargos acadêmicos, formação de colegiados e
até publicações. Nem precisava ser membro de algum desses partidos para ter essa
sustentação, bastava ser uma linha auxiliar, um simpatizante. Essa
instrumentalização hoje se mantém, ainda que com menor vigor. Esses monopólios
são difíceis de ser quebrados.

Veja – Para quem olha de fora, parece que a intelectualidade marxista continua bem
forte nas universidades brasileiras.

Maria Sylvia – Sim, mas o fato é que já foi bem mais dominante. Além da ortodoxia
marxista, outra corrente acadêmica muito forte era aquela com raízes românticas,
representada principalmente pelo Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982). Raízes
do Brasil, por exemplo, é um livro de fundamentos românticos.

Veja – Quais as conseqüências da predominância dessas duas correntes na vida


acadêmica?

Maria Sylvia – Elas produziram grupos extremamente conservadores. Do


romantismo você não pode esperar outra coisa. É uma posição pacificadora. Hoje
em dia ninguém acredita no homem cordial do Sérgio Buarque, em uma sociedade
harmoniosa, mas essa idéia persiste e passou pela antropologia americana, pela
Igreja, pelas comunidades eclesiais de base, pelas organizações não
governamentais e deu origem a um vocabulário próprio. Você, por exemplo, não
pode mais falar "favela", tem de falar "comunidade".
Veja – Seu livro Homens Livres na Ordem Escravocrata, lançado em 1969, hoje é
um clássico. Mas levou dez anos para ser publicado. Qual a razão da demora?

Maria Sylvia. – Ele foi resultado de uma tese de doutorado e, na ocasião, era contra
todas as interpretações correntes no Brasil. Desagradava tanto aos ortodoxos
marxistas quanto aos liberais. Essas dificuldades do período inicial da minha carreira
persistiram até não faz muito tempo. Os estereótipos, as idéias feitas, principalmente
quando são propostos por intelectuais de importância, têm uma força enorme.

Veja – Por quê?

Maria Sylvia – Porque são grupos de poder que se instalam e que têm uma
circulação interna de auto-sustentação muito grande. Em seus trabalhos de
pesquisa, as pessoas se citam reciprocamente, e abundantemente. Se você
procurar a literatura publicada imediatamente depois do meu livro, não encontrará
nenhuma citação. Isso só foi ocorrer anos depois. A censura ideológica neste país é
muito grande.

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