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Pc ur ite ect ra obstaculos, a transicao tem avancado pe OER onttar tits A Transicao — da Constituinte 4 Sucessao Presidencial, de Luiz Wemeck Vianna, analisa, em 13 Bc UeCu eC eeee: Cente CRE een tenet Conan utrectinnve tity ert ee POOL) Sucessao Presidencial Se ort te Cerra ? Coster tani teateew ee Ponce ence item PS Cee roe Arse een Cate Pease Cai aTy Pcl ee scr Diet esser tet Cee een tte ent Cheeni eerste Ltd civil a partir de uma logica de mercado e utilitaria e que ainda nao encontrou por parte da esquerda uma Po Renin new nae te Vee eer Ree eet Sucessdo Presidencial é um livro que Deca eect eee tr tet Cresent ents s A PRANSICAO. SERIE PENSAMENTO BRASILEIRO roid TS) Bi Editora Revan eon ay Pree ene tad uma série de publicacoes denominada “Pensamento Perse Pocieeenae ney eee et ToPeee iene) Pee Tere cty eeu nd Pepe etter ee Tt desafia as instituicoes erent cerned ere oe Sentry ry Sieecnratt Peeinneenrnt ererrnee Been eo eee) Cenc tnd CEG) eect eee ery Seer oe cteetacy eee tT ny eae tay logica do mercado, dos Peet despolitizacao do mundo eames Tratam ainda de como ee ore TS eee coerce Drea ots | ATRANSICAO | | | LUIZ WERNECK VIANNA _ ATRANSICAO Da Constituinte 4 Sucessao Presidencial SERIE PENSAMENTO BRASILEIRO Rio de Janeito - 1989 Copyright® 1989 by Luiz Wenneck Vianna Coordonaeso Eaters! Lian MG. Lopes Producto Grétics Foimundo Aves oe Souza Ance-Finat Ricardo Gost Reviséo Lilian MG. Lopes! Miguel Vitlets cops Petrcie Balboa Monn CCIP-Brasi.Catalogacdo-ne-onte Sindicato Nacional dos Eaitores do Livros, Fu Vianne, Luis Werneck VerIt “A wransglo " da Constitute & sucessio presiden ie Werneck Vianna. ~ Rio de lanivo: Reven, 1989. ISBN 85-7106.0185 1. Brasil Politica e governo, 1885- I. Titulo, cop - 20.981 890759 cou — 321811 EDITORA REVAN LTDA. Praca Maus, 13/7° ~ PBX {021) 269-0063, (CEP 20081 ~ Caixa Postel 21210 — Rio de Janeiro — Rd Sumario Apresentacdo 9 PARTE | 1, A ameaga corporativa e a democracia 15 2. A esquerda do PMDB e a solucdo democratica da transigéo 19 . A ruptura esté na Constituinte 31 Problemas modernos na construgao da hegemonia 37 Vantagens do moderno, vantagens do atraso. 47 . Pacto social e democracia 65 Problemas concretos para a construcdo da democracia 69 Pacote versus programa: projeto ou processo de luta antiinflacionéria 83 9, Elites contra partidos 87 10, Seis teses sobre a conjuntura da transigo 91 11, O buraco negro da politica e da transiggo 108 12, A esquerda eo caminho de Damasco 109 sagee = PARTE I! 13, Questo nacional e democracia: 0 ocidente incompleto do PCB 121 A crise orgénica que vem acompanhando a constit ¢do_da_ordem burguesa no pais comeca a encontrar © mo- mento e a forma do seu desenlace. Ela vem de longe, endo é facil datar 0 inicio do projeto e do processo que vao insta: lar, sob 05 trépicos, a cultura e a civilizagao burquesa moder- nas. A década de 70, com os primeiros sinais da decadéncia Politica do Império, poderia consistir num marco, ja presen- tes a transi¢go para o trabalho livre, a disseminaeo das re- laces sociais de carter mercantil e a determinago do obje- tivo da modernizacdo burguesa na elite intelectual. Mas os dois anos criticos que viram nascer a AbolieSo e a Republi- a, pela conveniéncia de se evitar uma discusséo académica, Podem bem servir para indicar 0 conjunto de transforma: Ges que institui a ordem burguesa e a consagra na Carta de 91, Repablica sem povo, democracia representativa sem re- presentacio e sem partidos reais, plebe urbana e massa de trabalhadores agrarios submetidos a relagdes de clientela e de parentela, patrimonialismo em politica e ordem burguesa sem industria, classes, sindicatos e operdrios, Forma liberal 8 das instituigées, prevaléncia da dominacdo pessoal a0 fun: do, virtudes de patriciado romano entre as elites postas a servico da liberdade mercantil dos modernos, vai-se para a modernidade como os portugueses se faziam eo mar porque navegar é preciso, num movimento em que a idéia do mo- derno é mais forte que a sua necessidade. tema politico que exclui, ordem econdmica e social aberta & diferenciacdo e construgdo de novas identidades politicas, @ Repiblica, como se vai. dizer em 30, ndo podia ser liberal. Mas tinha de ser moderna. € uma Nago se inven- ta pela ago disciplinar do Estado. Enquadrar o real e de- signar para ole uma finalidade — corporacdes, ética do traba- Iho, industrializa¢do, modernizacao, grandeza nacional. 0 ‘nacional-popular é burgués, 0 Chefe da Nacdo esta em relacéo de comunh&o com seu povo, a politica, apenas uma instancia de potencializacdo da sua vontade, cassada a possibilidade dos interesses dos grupos e classes sociais se elevarem ao plano da atividade politica. Elites patricias moldam pela intervenco na esfera p- blica @ ordem burguesa e a propria burguesia, ser inconcluso que no se pe no mundo por si so. A Nagao subsumida a0 Estado deve consistir numa comunidade moderna, onde ndo deve haver individuos sem uma funcéo social definida. C dadania de Estado em que no existem operarios, e, sim, tra- balhadores, nem capitalistas, mas empresdrios, todos funcio- narios cooperativas do progresso, vista a imposiedo da or- dem burguesa como um negécio piblico a ser realizado no lugar da sociedade civil © povo ordenado e politicamente motivado ao trabe Iho € a Repiblica. Mas a moderniza¢ao traz 0 modemno, a sociedade industrial de massas, a expansao das cidades © os, seres sociais novissimos do mundo do trabalho e das ativide- des urbanas. Ainda cidadaos de Estado, estes seres s6 podem ser objeto de uma dominagao consensual em seu proprio no- me — 9 populismo, O populismo controla, mas incorpora a0 reconhecer os direitos sociais dos trabalhadores, prende, mas, emancipa porque evidencia sua fora e confessa precisar dela. Mais uma homenagem do vicio a virtude, © populismo se constitui na politica de uma burguesia que ja se defronta com adversérios, internos e externos, na conduggo do seu 10 projeto de modernizacao, e por isso se apresenta como na: cional. 6xito da coalizéo nacional-populista na expansio das forcas produtivas e no poderio crescente da acéo sindical cria a expectativa de um capitalismo de Estado emancipador no econdmico e justiceiro no social. Mas este éxito nao se I mita a legitimar a esfera piblica e as instituicBes representa- tivas dos interesses, como os sindicatos, a ela coligados. For- talece também a ordem privada, que inicia um movimento tendente a sua autonomizacdo face a esfera publica. Sob os regimes militares, a ordem privada se apropria ablica, converte o Estado em instrumento particular progressivamente obstaculiza a antiga capacidade desta iltima de se fazer prevalecer sobre a sociedade. Aberta a via da transi¢go para a democracia politica, convocada a Constituicgo, pela primeira vez na historia republicana faz- se possivel a democratizago do piblico com suas numero- a8 agéncias de intervenco sobre os dominios do economi- co e do social. A ordem privada, consolidada em seu pode- rio, principalmente em Sao Paulo, retruca com a alternativa da ordem, neoliberal a fim de reconstruir 0 pais e sua cultu ra politica pelo mercado. E assim que © moderno burgués rompe com seu passa- do, cuja marca foi a de se aproveitar da politica, da violéncia politica e da subordinacdo do atraso como alavancas para sua realizagdo como classe. Afrouxam-se os lagos que soli darizavam a burguesia com a corporao militar, a Igreja, a estrutura corporativa sindical, as praticas politicas da clien- tela @ do populismo. ‘A racionalidade do célculo burgués se torna, entim, a sua verdadeira natureza, investindo num audacioso movi mento hegemdnico, na conversio de outras classes e grupos sociais aos seus valores. Favorece 0 sindicalismo de resulta- dos, interpela a economia submersa — fonte pura do espirito da “livre iniciativa’” —, denunciando o publico como regiéo satanizada dos cartorios e da corrup¢3o. A esquerda, cuja historia esteve associada a construgéo do pubblico, a base do suposto de que 0 capitalismo de Esta- do tenderia a agucar as contradi¢des da Naco com o impe- rialismo, vé seu pasado voltar-se contra si com a apropria- co do Estado pelos regimes militares a servico dos interes- " ses do grande capital, e com aperestroika que desmistificou as raizes jacobinas da sua concepego do mundo. As novas formagSes de esquerda, que comecam sua historia com a agonia e a critica ao socialismo de Estado, a0 enveredarem pelo caminho da agragacdo de interesses se deixam especiali- zar nisto, e ndo tém encontrado a perspectiva da politica e da valorizacio da esfera publica. ‘Os textos que compéem esta coleténea tentam falar desta circunstancia nove. Tratam de como o argumento neoliberal pretende estabilizar a ordem burguesa no contex- to do sistema da democracia representativa, recriando a Re: piblica a partir da légica do mercado, dos valores utilitaris- tas e da despolitizagdo do mundo dos interesses. Tratam ainda de como os atores e os temas tradicio- nais @ politica brasileira vem tendo seus significados alte- rados. Moderno, atraso, vantagens relativas de um ou de ou- tro, relagdes entre Estado e sociedade civil, politica e eco nomia, esfera publica e privada, s80 questdes que assumern, agora, uma nova identidade a exigir respostas de novo tipo. E visam contribuir para uma nova tomada de posigdes por parte da esquerda, particularmente a de orientago marxis- ta, que a credencie como ator moderno e a capacite para democratizar a sociedade e 0 Estado, atualizando e concreti- zando a via democrética de transic¢ao a0 socialismo. Parte | Sinaeeteen=— ieee eea 1. A AMEAGA CORPORATIVA E A DEMOCRACIA ‘A marca da sociedade brasileira de hoje tem sido a cor- porativizaco e a fragmentago do corpo social. Marca que expressa @ heranca de pelo menos cinco décadas de autoritarismo, mas que também inclui certos processos so- ciais recentes, como abaixo feremos mengdo. Assim, fomos conduzidos & industrializag’o por meio de uma ideologia avessa & politica, aos partidos e ao livre conflito de interes ses, As associacdes sindicais foram submetidas & tutela do Estado, convertidas em verdadeiras agéncias paraestatais, e, sucessivamente, diferentes profissdes regulamentadas pela lei e vinculadas, de alguma forme, a0 Estado. ‘A modernizacdo autoritaria, caminho que nos trouxe 0 capitalismo, marginalizou a sociedade civil, baniu os parti- dos ¢, quando os admitiu, manteve-os sob controle. Alguns deles, como 0 PSD eoPTB, nasceram, em 1945, como figu- ras estatais, a0 apagar des luzes do Estado Novo, e outros, como a Arena e 0 MDB, foram criados para substituir arbi trariamente a estrutura partidéria do pré-64. Aqui, a opinido, a ideologia portada pelos partidos no ‘teve como se encontrar com 0 mundo dos interesses. E isto 15 Porque os interesses, pela legislagSo repressiva da CLT, so- mente podiam-se fazer expressar no interior da estrutura corporativa, a qual estava destinada precisamente a separar 25 classes subalternas da politica e a impedir que manitestas sem livremente. suas reivindicagdes. Em razio desta separa- 0 entre opiniao e interesses, 0s partidos — nos momentos em que tém podido existir — assumem caracteristicas de simples legendas eleitorais, sem condicdo de funcionamento Permanente e sem relagdes reais com as massas trabalha- doras. Mais recentemente, a velha forma de corparativismo de Estado se tem feito acrescentar uma outra, e que se exprime nnestas novas modalidades de vida associativa que se afirmam entre nds,_deque 0 associativismo de moradores é 0 melhor exempla. Fendmeno importante, carregado de promissoras possibilidades para a democratizacdio da vida social, especial- mente porque so 0s primeiros germes daquilo que se deverd tornar — esperamos — nossas primeiras instituicdes de uma democracia participativa. Contudo, na medida em que entre estas associagées e 0 Estado no ha qualquer instancia significativa de mediacdo, elas se acham sob a ameaca de se verem cooptadas por este Ultimo. Sobretudo problematica sera a situago que trouxer dentro de si a combinacao entre a velha formula corporativa de Estado e esta nova que surge. Na eventualidade, se faria atar_um cerrado n6, deixando o Estado como Gnico perso- nagem com capacidade de decisso politica, tornando inécuo © sistema de representaco e abafando, no nascedouro, isto que poder ser o embriao de uma democracia participativa. resultado Sbvio seria o da “estatizacéo” da sociedade fadida capilarmente por um diversificado conjunto de agéncias e intervengées estatais. Este 0 perigo que deve ser reconhecido nesta hora da Constituinte @ fim de que o afastemos na elaboracdo da nova Carta. Para tanto, cumpre remover 0 corporativismo da estrutura sindical e da organizacdo da vide das profis- s6es, definir um campo livre para as novas formas de asso- ciao, mudangas que implicam novo tipo de relagdes entre Estado e sociedade civil 16 Numa sociedade como a brasileira, é bom frisar, ndo havera oportunidade para as instituicdes da democracia par- ticipativa sem prévio e/ou concomitante desenvolvimento da democracia representative. Publicado originalmente em Doss Consttuinte If, io Paulo, Centro Eeumént 0 de Dacumentaedo Informacso, 1887. 2. AESQUERDA DO PMDB__ E A SOLUGAO DEMOCRATICA DA TRANSIGAO A transig&o brasileira parece se revestir de uma curiosa singularidade — cada avango no seu percurso serve mais para indicar um recuo do que o alcance da sua concretizacao. Tormentos de mitologia, pois com quanto maior forga em: purramos a pedra da transicéo morro acima, experimenta- mos 0 risco de vé-la desabar sobre nossas cabecas. Assim com essas eleicdes de novembro de 1986, em principio um triunfo claro da centro-esquerda, a partir dos resultados elei torais no eixo Sio Paulo-Bahia-Pernambuco-Rio Grande do Sul, mas que se quer apresentar, apés a edi¢ao do chamado Cruzado Il, como circunsténcia propicia para um governo de centro-direita. Mundo de realidades magicamente canceladas, em que © voto das urnas se torna uma cartola com resultados de fan- tasia, esta nossa transi¢&o retorcida no distingue o ontem do hoje e fecha os othos para o futuro. Desde a eleicdo de Tancredo, por transicao ‘devemos entender processo social da_transigo mais governo da transicéo. Mas, qual a poli ‘ica do governo da transic&o? Nao ter politica alguma, pois ha dois anos coexiste com as instituiges do antigo regime, 19 promete 0 que no pode cumprir, como 0 congelamento de pregos, cumpre 0 que ninguém pediu, como o Cruzado II, e stimula impasses para ter o que fazer com sua administra- ‘go. O governo da transi¢go confia é na fortuna, ¢ por isso se solta 80 regime dos ventos. Nisto, seu engano e seu mérito, porque tudo que suge- re apatia, omisséo e imobilismo na operaco do governo, se transmuta em energie e vivecidade quando se toma o angu- lo da sociedade civil, Nela vige 0 processo social da transi- 0, cujo vigor se manifesta quer em grandes demonstrapdes massivas, como no apoio inicial 0 Cruzado I, nas eleicdes € na greve quase geral de 12 de dezembro, quer através de conquistas moleculares, no plano das lutas cotidianas, em que uma cidadania emergente tateia em busca da conscién- cia de si e do seu destino. Mérito, em razo das inéditas I berdades civis e piiblicas — mesmo que s6 parcialmente ins titucionalizadas — gozadas pelo pais a partir da instalacéo do governo da transigao. Engano, dado que a movimentac3o social que libera se exprime de modo desajustado em rela- 980 8 sua politica, quando ndo em confronto aberto com ela E a auséncia de uma politica definida para a transi¢a0 que nao permite a0 governo colher os frutos daquilo que, em parte, € obra sua — 0 processo social da transicéo — objeto de tentacao, pela sua inorganicidade e imaturidade, ara os cavaleiros da fortuna e as interpelagdes da demago- gia populista. No que tem éxito, este nao o favorece. Ao contrério, conspira contra sua estabilizacéo. Se 0 compro: misso da transigo € com a democracia, como fantasier que, num pais de tradic&es autoritérias como este, ela encontre realizagdo sem uma vontade politica que imponha sua pas- sagem? Somos _o resultado de um processo vertiginoso de modernizagio autoritéria, o de maior impacto entre os pat ses do terceiro mundo. Em apenas cinco décades, tornamo: nos uma economia capitalista de porte médio, confiante nas suas possibilidades de expansio, inclusive ao nivel do siste- ma internacional. Foreados @ ocidentalizag3o por meio de um projeto de Estado, cuja forma nasce moderna e em opo: sigdo @ uma sociedade agréria, particularista e escravocrata, experimentamos a moderniza¢o sem jamais termos tido 20 eee eee acesso 3 modernidade. Disto, ficou-nos a seqtiela da estra nheza com 0 contemporaneo: as elites dirigentes do Estado sempre aplicadas & prospeccdo do futuro, concebido como momento de adaptacZo 20 modelo dos paises de desenvol- vimento capitalista originério, hostis 8 realidade emp/tica 20 seu redor, diante de uma sociedade condenada a chegar com atraso 8 consciéncia das transformagdes que sofre. Tensionados para um continuo ir a frente, tudo vale para romper com um tempo presente vivido como situacdo de oprébrio, ausente de valores e motivo de humilhagzo nacional. O liberelismo do Estado-Nacionel emergente se compatibiliza com a escravido, e a Repiblica vai ignorar a prética da democracia e de suas instituicBes. O industriali- mo, imposto pelo Estado através da férmula corporativa, consiste no primeiro momento em que as elites reconhe: cem a existéncia de novos seres sociais e politicos de extra eo moderna, numa sociedade civil que se transformava ra- pidamente, 20 admitirem que so portadores de direitos so- ciais. Este reconhecimento da sua cidadania, porém, vem junto com seu estrito controle pelo Estado, mediante a re gulago corporativa das relagdes entre Estado e sociedade civil e das associagdes — os sindicatos — em que estes novos seres controem sua identidade coletiva. Elites que se recompdem a cada alteraedo na forma do politico — do Império & Repiblica, e desta ao Estado Cor- porativo — e em cada novo patamar atingido pelo processo da modernizagao autoritaria. Desconhecemos um ancien régime com sua carga de interesses e concepgies do mundo legitimadas pele tredi¢8o. Daf ignorarmos o confronto entre ‘© mundo tradicional e o impulso para a modernizaggo como foco de contradicées revolucionérias. Leitmotiv que orienta elites antigas e novas, a modernizacéo ndo ensejou a configu- ragio de uma polarizaco antagonistica entre elas, restrin- gindo seus conflitos a uma disputa pela hegemonia no inte- ‘ior das coelizdes que detinham o poder estatal, salvo esca- Tamugas episédicas, como no caso do movimento politico- militar de 1930. ‘A modernizagéo recria a sociedade, num processo de diferenciagZo social afetado por poderosas alterages de- mogréficas, ocupacionais e na estrutura de classes. De int- cio, 0s novos seres produzidos pela modernizagio séo conti- a dos persuasivamente pela malha corporativa e pelas institu: Bes e legislacao sociais que os convocam 2 participagio — embore controlada — na nova ordem burguesa. Seré, contudo, a propria légica da modernizagio, a0 criar um mercado nacional e ao transformar as bases do sis- tema produtivo, que vai estar na raiz da construgo de novas identidades e na postulagéo por autonomie que crescente- mente irdo expressar. Serdo elas que vo se chocar com as antigas instituigSes de controle social e com as concepgdes praticas que tém fundado a via da modernizagdo autorité- ria, em sua crénica incapacidade de incorporar 20 sistema da ordem uma nova e livre cidadania. A modernizaco autoritéria, enquanto corrida contra 0 tempo rumo a ocidentalizaeéo, projeto de futuro que néo Pode se curvar as pressdes do aqui e agora, vai esbarrar na modernidade do tempo presente. A maximizacdo da centra- liza¢o do poder politico e econdmico, que ela representa, encontrar © desafio do mundo conereto dos interesses. A situagdo se inverte: o Estado de vocagSo historia ocidentali Zante se orientalize no despotismo; a sociedade, superando seu legado de inarticula¢o @ passividede, é quem agora se ocidentaliza. Modernizagao e modernidade realizam uma contradiedo: institucionalizacio da democracia politica, li- vre manifestago dos conflitos de interesses, envolvimento das massas na questéo econémica, particularmente na demo- ratizaeao do acesso 4 terra, reforma democréitica do Estado € da sua politica social — cerne da modernidade da nove so- ciedade civil — no s6 denunciam o anacronismo da tradicio- nal forma do Estado, como o inviabilizam como agéncia de realizacdo de fins econdmicos autoritariamente impostos. Em termos genéricos, disto vai derivar 0 proceso de ‘transicgo ainda em curso. Como a economia se constituiu ra linguagem dominante de modernizagao autoritaria, a politica se torna o campo privilegiado da modernidade, com a busca do controle da tempo presente pelos novos sujeitos através da conquista de instituigdes que expressem suas no. vas identidades. De passagem, a ambigiiidade do Partido dos Trabalhadores radica exatamente nisto: se sua forma de par- tido € moderne, enraizada nos movimentos sociais e no em bate de interesses, acaba por se confundir com o atraso € 0 tradicionalismo politico do velho tronco terceiro-mundista, 2 20 subestimar 0,tema da democracia politica como central na luta contra a moderniza¢o autoritaria. Mas, se a resolucio democratica da transi¢o pressu- pée a derrota da via da modernizacao autoritéria e a eleva- Go da sociedade 2 um estatuto de sujeito da sua moderni- dade, por af se indicam, a um s6 tempo, a sua necessidade e uuldades da sua realizag3o. Pois, na sociedade, hé um dissidio aberto sobre o entendimento do que é modernida- de. Os empresérios preconizam que o moderno implica a pri- ‘vatizag3o do mundo, entendendo por isto no 86 a diminui 0 do tamanho do Estado, mas sobretudo seu recuo como ‘agéncia de intervenc%o sobre 0 econdmico e o social. O si dicalismo, os movimentos sociais e as instituigées da socie- dade civil que com eles se foram vinculando ao longo das lu- ‘as de resisténcia contra 0 autoritarismo, por outra parte, concebem a modernidade como democratizacdo da esfera ‘iblica. peel lst empata a transicio, dramatizando cada tomada de decisio por parte do governo sobre uma questo relevante. Particularmente no que se refere a politica eco- ndmica, desde o problema da industria da informatica a re- forma agréria, da gestéo da divida externa aos rumos para a intensificagao das atividades produtivas, E ingénuo imaginar que a transic¢Go se limita a uma mera atualizacao das in: tuicBes juridico-politicas a uma economia modernizads. Longe disto, ela significa 0 campo da disputa sobre se tere- ‘mos ou no uma reordena¢o democrattica das relagées entre Estado e sociedade civil ¢ a incorporago de novos setores sociais a uma livre e plena cidadania politica, econémica e social 9 E preciso reconhecer que entre 0 coro privatistico ‘que agora se faz ouvir e 0 antigo regime se estabelece uma linha de continuidade. O Estado autoritério praticou uma’ politica bifronte: de um lado, portava uma ideologia de |: grandeze nacional, 0 que 0 conduziu 2 uma ampliaggo da esfera publica sem paralelo na historia do pats, em busca da. realizagdo de seus fins de maximizag0 do poder nacional; de outro, através das cdmaras corporativas que criou ou re- criou, abria-se aos interesses privatisticos do empresariado. Sob regime autoritério, uma certa dimenséo do piblico se constituiu no reino encantado do empresariado — 0 priva- 23 ———es ee ee do revestia-se de uma fungo publica, era exercido em nome dos interesses nacionais e 0 sindicalismo se via prisioneiro do controle estatal. Como se sabe, desta situacdo acabou por resultar uma dificuldade de previsao e célculo por parte dos empresérios, num contexto de uma economia cada vez mais orientada para @ consecugo de fins politicos, levando-os a engrossar a politica de abertura que culminou com a conquista do go- verno da transi¢ao. Com esta peculiar tradi¢o, a privatizagéio do mundo desejada por uma fracdo significativa do empresariado néo se identifica com uma genuina vocacao liberal. Diversamen te, consiste na ponte que os empresérios deitam para o reen- contro com préticas do antigo regime, quando exerciam controle ou larga influéncia sobre as agéncias governamen- tais que implementavam a politica econdmica. Editorial de um jornal carioca que exprime esta linha "A crise brasileira decorre, antes de mais nada, do excesso de governo que inviabiliza as relagdes entre a socie- dade e 0 poder piblico.” E, adiante, ameagador: “E preciso urgentemente reduzir a quota de governo na vida brasileira e liberar espagos 8 sociedade |...}. Democracia, politica ou economia no se faz com restrigdes & capacidade de inici tiva. Nem com a intimidagao dos que sabem exatamente co- mo se monta uma chantagern — quase sempre onde comeca a faltar @ liberdade — mas no sabem quando 6 a hora de arar. Tero que aprender."’ (Jornal do Brasil, 18/1/87.) Reduzir “a quota de governo”, o que significa este fraseado de langorosa actistica neoliberal? Claro ests que no constitui uma mera solugo econbmica entregar 20 mercado a questéo social, simular que a questio agréria se resolve por uma politica agricola modernizada, frustrar as expectativas de redistribuigao de renda, de plena e livre ci dadania dos milhdes de deserdados que assumiram cons- ciéncia dos seus direitos nas lutas contra 0 autoritarismo, ras diretas j@, na eleig&o de Tancredo e em tudo 0 mais que s@ tem seguido no processo da transigo. E simples a tradu- so politica do enunciado: a panacéia do mercado esconde o gato, mas Ihe deixa 0 rabo de fora — o que se diz ortodoxia liberal se reencontra com o antigo regime, expurgado de sua ideologia de grandeza nacional. Forma que pretende Ihe de- 24 Fr volver vida, através do controle coercitivo da sociedade e da vida associativa das classes subalternas, em nome da liber dade econdmica e mediante modalidade reformada do exer. cfcio autoritério do poder, que agora se quer sob hegemo- ria de uma ordem privada fortalecida. Tal impasse & que paralisa 0 governo da transic&o, ele préprio consistindo na sua encarnacéo concreta: 0 conser vantismo de um PFL, partido de dominancia da fracdo pri vat{stica dos empresdrios no interior do antigo regime, es- corado na direita do PMDB, mais as foress mudancistas Tepresentadas majoritariamente no interior deste dltimo e demais partidos a ele coligados. Porém, como vimos, 0 pro- ‘cess0"social da transi¢o obedece a um outro ritmo. Embo- ra seu dinamismo no seja de nenhum modo indiferente & politica do governo de liberalizago da vida associativa e re- baixamento real do nivel de coeredo exercido sobre a so dade, entre um e outro se institui um hiato que, em certos setores, j4 resvala para o terreno da desconfianca ou mesmo da hostilidade aberta. © Plano Cruzado | consistiu numa tentativa de solida- sr governo € processo social da transico. Soluco emi- nentemente tecnocrdtica, através dele se estabeleceu um acto implfcito entre governo e sociedade em nome de obje- tivos de justiga social e de desenvolvimento econémico. Le- var, contudo, algumas das promessas veladas no Cruzado | — mas de sinal claro na compreenséo da populacdo — as dlti- mas conseqiléncias, reiterava 0 dissidio que corréi 0 gover- no da transigfo, dado que importava uma politica de duro enfrentamento com um empresariado que via nas novas me- didas econdmicas o fim do mercado e 0 triunfo do interven- cionismo estatal. Cumprir 0 Cruzado | — com o sentido politico que as- sumiu, independentemente da sua inspirago econdmica ori- ginal — era realizar a ruptura democratica, 2 comegar pela aplicagéo da lei delegada n° 4 e pelo estimulo a participacéo das massas no controle da vida econémica. Como abandoné- lo, 0 que se deu com 0 chamado Cruzado II, significou re- verter 20 status quo ante. E no a-toa, a partir dat, se fize- ram presentes as vozes que pretendiam a “‘correcao" das eleicdes de 86 com a composicéo de um governo de centro- direita 25 A derrocada do Cruzado | e mais a greve quase geral de 12 de dezembro devolveram o pats 8 conjuntura de feve- reiro de 1986, quando 0 governo da transicao parecie se sus tentar no vazio. Mais uma vez, ameacado age e, agora, num terreno especificamente politico, formalizando @ proposta de um pacto social e politico — até entio limitadamente so cial. Sem diivida um avanco, uma vez que revela uma desis- ‘téncia do governo da transi¢30, a0 menos momenténea, em seguir operando numa escala carismatica e de messianismo ilustrado. O que qualificamos de processo social da transi- 80, com as negociagdes do pacto ainda em andamento, pas- sa a se constituir em voz ativa e influente no governo da transiggo. Qualquer que seja o resultado das negociacdes, o que se concebe como pacto social no passa de uma trégua de pra- zo curto, a fim de manter sob sursis a disputa em torno do controle da transigdo. Pretende-se evitar que os atores do proceso social da transi¢go, como nas greves de 12 de de- zembro, invistam numa légica de apo que instabilize 0 go- verno, numa conjuntura de reorientacdo da economia. Deste erspectiva, 0 pacto que se procura celebrar no indica que © governo da transigao tenha se inclinado pelo partido das mudancas. Contudo, a diferenea da situac3o que conduziu a0 Cruzado |, 0s atores que querem as mudancas so agora partes legitimas através das centrais sindicais para a determi: ago das linhas mestras do planejamento econdmico. Af, 0 esbogo do novo mapa da mina, porque se 0 governo vive prisioneiro das circunstancias que Ihe deram origem, sua ex: posi¢do direta ao sindicalismo e aos movimentos sociais, que trazem consigo a idéia da transi¢go como uma conquis: ‘ta democrética de aprofundamento continuo, faz com que se confronte com novas alternativas, novos quebra-cabecas € novas possibilidades de solugo. Porque a resolucdo da transigo em favor da democra- cia depende mais dos atores da sociedade civil que visam este objetivo que do governo da transigéo. Muito direta: mente das forcas de esquerda de todos os partidos — com énfase, no momento atual, da esquerda do PMDB —, que tornaram viavel @ conquista da transicéio e que devem atuar no sentido de conclui-la por meio de uma ruptura democré ‘tica. Para que se credenciem a este papel, porém, a constru- 26 ‘go das suas identidades coletivas tem que corresponder 8s exigéncias de modernidade dos novos movimentos sociais e da prépria sociedade. A recusa ao corporativismo, o empe: ho no fortalecimento das instituigdes da democracia repre- sentativa, 0 desenvolvimento deste promissor embriéo da democracia participativa que se desenvolve entre nés, a ins tituigdo de nexos fecundos entre estas duas, a regulacdo de- mocrética de sua vida interna e o envolvimento vivo e con- creto com os movimentos sociais e suas associagdes do pos- ‘tulados minimos para tal credenciamento A imobilizago da transigSo também deriva da forma de intervencao dos atores politicos. Confinados quase que inteiramente ao papel da representacéo parlamentar, o PMDB e forcas coligadas nao contraem vinculos com os movimentos sociais e no se constituem em partidos ou numa coligaco capazes de dirigir grandes massas. Desam- parados nesta nova sociedade civil que Ihes é estranha, se agerram ao Estado como néufragos em tabuas de salvacdo. Decorre que as energias soltas pelo processo social da tran- sido, sem encontrar nos partidos comprometidos com a politica da transigao democrética uma instancia expres da modernidade da sociedade civil, ou sdo neutralizadas pela auséncia de perspectivas sobre o que fazer, ou entdo, Capturadss por partidos de forma mais moderna, como o PT 2 0 PDT, adversérios figadais da transi¢o. Por cima ou por baixo, a transicao néo anda. © partido da transi¢go € o partido-frente PMDB. So- mente @ realizacdo da transiggo — fora as especulagées ca tastrofistas — pode cancelar ou relativizar seu peso no sis- tema politico — e estas sto duas hip6teses entre outras, por- que € sempre possivel imaginé-lo como um partido quase Gnico, numa sociedade paralisada pelo empate entre suas ferentes forgas. Os setores da esquerda que o abandonaram em favor datese doutrinaria danitidez p pretexto para 0 exerci “‘corporativismo de partido”, a rigor contribuiram, por erro de avaliagao politica, para o distanciamento entre ospartidos que sustentama transi¢o e os movimentos sociais, No caso do @ involugdo por que tem passado — de um va crescentemente nas bases, assu 2 mindo uma feiggo de funcionamento permanente, agrupan- do sua intelectualidade na Fundagio Pedroso Horta e edi tando uma revista de certa importancia, retroage para a for- ma elementar de um comité de notéveis, condominio de po- der entre 2 executiva nacional ¢ os seus 22 governadores. E 9 empobrecimento do PMDB, como é notério, no impor- tou engrandecimento dos partidos “n/tidos” de esquerda. Um deles, na methor das hipéteses, nada mais 6 do que uma legenda eleitoral, vazia de votos, de contetdo partidério rogramatico. Evidente que 0 avan¢o da transigfo suscita a exigénci por _diferenciagao politico-ideolégica. A questéo politica ‘consist no tempo — que é um tempo politico — em que aquilo que & uma tendéncia, deve-se manifestar realmente. Um feto para se transformar numa crianga leva nove meses, e no adianta querer, como ironizava Gramsci, antecipar 0 resultado. A ultrapassagem do PMDB por partidos que bus- assem suas identidades nfo poderia dispenser uma certa previsio por parte deles, de que, assim, “‘nitidos”, estariam em condigdes de interpelar os principais movimentos so ciais. Como ocorreu, perderam eles, o PMDB e o prépri rocesso da transicdo. Sem esquecer que 0 jogo de direita tem, como um dos seus movimentos principais, a implosio do PMDB ou o expurgo (ou abandono) da sua esquerda provocando 0 deslocamento do centro politico para a dire! ta no propésito de viabilizar 0 predominio conservador na concluséo da transicéo. Equ(voco pensar que ao PMDB cabe realizar as tarefas, de uma etapa “liberal”, enquanto a esquerda acumula for- gas “classistas” para intervir posteriormente no momento da “etapa” socialista. E no minimo curioso como nao se da conta de que é este, a0 fim e a0 cabo, um dos prine/pios informadores da politica do PT. A transigéo se conclui em favor da democracia, ou no. Ela pode-se perverter numa auto-teforma do antigo regime, ainda vivo nas instituigées, no préprio governo e principalmente no sistema de poder. Realizada democraticamente, ela se abre para intervengées, que progressivamente aprofundem a transformaco do Es- tado e da sociedade, pondo, af sim, no concreto, a questo do socialismo como referéncia crucial para os atores sociais, e politicos. 28 atest. Enquanto mesmo com voto de massd, 0 PMDB € incapaz de operar solitariamente a transi- So. E a ocupacao por ele de um centro politico derivado a ‘eaquerda vai depender de como ird enfrentar a tarefa decisi- va de se constituir num partido permanente, democratico e de massas. Ademais, em nosso pais, o liberalismo politico, com a implantag’o de uma democracia representativa solida- mente sustentada por uma estrutura pai e a emanci: aco do sindicalismo da tutela estatal, esta além das for- Gas e mesmo dos desejos destes que se intitulm defensores da ortodoxia liberal. Aqui, como ficou demonstrado na luta contra 0 antigo regime, a luta pela realizacao pratica do libe- ralismo politico envoive a aco convergente de diferentes concepgdes democraticas — democratas liberais, radicais, s0- cialistas, comunistas, as varias correntes cristés, especial- mente a Igreja Catdlica. O “etapismo”, esta doenga senil da esquerda pré-mo- derna brasileira, cai na recidiva de erros de sempre: de direi- ta, porque entrega sem disputa a hegemonia do processo da transie¢do as foreas de centro, no suposto de que a institu- cionelizago democrética — tarefa no seu entendimento de matriz liberal e a ser cumprida pelos liberais — & neutra no que se refere 8 questo social; de esquerda, a0 afastar as forgas da transformacéo do cenério concreto onde a tran- siglo se decide, conduzindo-as a um isolamento que somen- te acha consolo no doutrinarismo estéril e ritual. Recordar como 0 “etapismo”, na década de 50 e no comeco dos anos 60, induziu 4 mesma prética pervertida na luta pela “ques- 180 nacional”, ao confiar a hegemonia burguesia na- cional e aquilo que falsamente se compreendia como o seu Estado, enquanto se brandia a consigna de um poder na- clonal e democratico sob direcéo da classe operdria. Na ver- dade, 0 “etapismo" de hoje, apesar de reverenciar textual- mente o teme da democracia politica, subestima-o nos fa tos, deixando de perceber a complexa e rica dialética, que se manifesta nos intimos vinculos entre conquista de uma institucionalizag3o democrética e encaminhamento da ques- ‘to social. Alids, ndo é por outra razdo que 0 governo da transigo no opera (ow no pode operar) a mudanga das antigas instituicdes — exatamente porque o tema institu- cional transcende uma solugao de forma, 20 A transi¢ao democrética ndo se fard sem a atuagao con: vergente das forcas que querem abrir caminho para as mu: dangas, O impasse que a imobiliza deve ser rompido pela ago dos partidos que criaram as condicBes para a imposi- 930 do seu proceso. A condi¢o para ¢ ruptura depende da solidarizacdo destes com os movimentos sociais, impulsio: nando suas demandas e assim estabelecendo uma nova dind- mica politica em que o que hoje aparece como problema, como a reforma agréria, possa se converter em solugéo. Diante das massas, 0 PMDB é o depositério da esperanca de mudangas. Aboli-lo supde um movimento que vise realizé- lo — 2 questo da esquerda, atual e futura, nao pode ignorar © papel de centralidade que ele ocupa na conjuntura da tran- sigdo. E procurar realizé-lo é realizar, no seu interior, a es- querda do PMDB, visando empenhé-lo na luta pelas mudan 688 © na sua constituicdo como partido permanente, demo- ‘rdtico e de massas. Na sorte do PMDB se joga no sé o futuro da estrutu- ra partidéria, mas, principalmente, da democracia. A mo- derna esquerde brasileira, presente em varios partidos — in- clusive fora do eixo da politica da transi¢ao, entre esquerdas minoritérias no interior do PT e do POT — s6 se tornaré uma possibilidade, com a expresso (ou expressdes) partidé. ria que vier @ ter, a partir do movimento desencadeado pela entativa concreta de realizar o partido-frente PMDB como dinamizador da transico, incorporando as masses 20 pro- cess0 politico, redefinindo-se o campo da politica para toda a esquerda, no contexto de debates e lutas que nela afirmem @ hegemonia de uma estratégia radicalmente democratice, No mais, como se dizia antigamente, 0 caminho se faz an- dando. Publicado originaimante om Presenea, n° 9, Ro de Janeiro, Centra de Passuiss fe Difusdo Curtual, 1986, 3. ARUPTURA ESTA NA CONSTITUINTE Fora do dicionério 0 que significa a transigao? Ponte entre uma situacdo autoritaria e qual outra? Como saber se estamos no comeco do caminho, ou em que lugar dele, ou se se trata de um labirinto do qual s6 podemos sair voltando sobre nossos proprios pasos? Ponte é 0 que queremos que seja, mas decerto sua natureza é estranha 8 da engenharia, construgdo que sempre se dispde entre uma margem e outra, 8 pronta para: ser atravessada, Pois esta nossa é destas que edificamios enquanto passamos. E bom frisar que do fato de estarmos numa conjun- tura de transicao nao se extrai dai que rompemos com < perfodo orgénico da modernizacao conservadora, cujo mar- co recua bem além de , tal Momento, significando uma quebra na forma do politico, consistiu nu: ma retomada — sem solucgo de continuidade, mas sob in- tensa aceleragio — do padrdo de desenvolvimento do capite: lismo autoritério imposto ao pais nos anos 30 e preservado nas décadas posteriores, inclusive durante o regime da Carta de 46, Noutrosartigos publicados na revista Presenga te- mos sustentado que uma das possibilidades de desenlace para ln os ee @ conjuntura em andamento pode ser a da perversao da transi 80 numa auto-reforma do antigo regime. Trivial que a transieSo da ditadura 8 democracia po ttica no se apresenta como um puro problema formal — a institucionalizago juridica e politica, cuja resolucdo depen- da de uma progressio linear no decurso de um certo tempo. Ela nao € neutra quanto aos termos substantivos que defi: nem 0 cardter do processo cepitalista no pals, e que deri vam, em altima andlise, do exclusivo agrério e do exercicio autoritério do dominio politico pelo Estado, principalmente sobre a vida associativa das classes subalternas. Democracia politica e democratizagdo do Estado e de sua politica eco: émica se manifestam como dimensdes que se reforcam mu: ‘tuamente, apesar do esforco da esquerda de matriz populista em aparté-los como realidades estanques 2o afirmar a preva- lencia do social sobre o institucional, este dltimo anacroni camente compreendido como um formalismo. Esta a légica que impée & transie’o uma conclusio por via de rupture. A medida em que se avanga no campo da democracia politica derroga-se a tradicional e autoritéria forma de articulacdo entre o Estado e a sociedade civil, emancipe-se a movimentago sindical e a circulagdo da livre opinigo através de uma estrutura partidéria aberta, e através delas vém 3 luz as demandas da cidadania emergente entre as classes subalternas do campo e da cidade, Demandas cujo atendimento pdem em perspectiva democrétice a questo do desenvolvimento econdmico, que, por sua vez, supdea nacio- nal, Dai que o nome real da rupture se chame conquista da democracia politica, estabelecendo um divisor de éguas entre 0 longo periodo orgnico da modernizaco conser- vadora @ uma nova articulaglo na formagdo econémico-so- cial radicalmente diversa da que até entdo prevalece. No momento atual, porém, 0 processo de transico ainda se encontra mais préximo da margem que the serviu de ponto de partida — as circunst&ncias que presidiram a derrota do antigo regime na sucesséo presidencial — do que daquele em que queremos aportar. Completé-lo importa certo tipo de intervengo politica que conduza a transi¢ao 0 resultado da ruptura com a institucionalidade politica do autoritarismo, e assim interrompendo a reproduggo da mo- dernizacéo conservadora. Qual? 32 Na esquerda populista — no seu veio cedico terceiro- mundista e estatista, ena sua nova expresso de raiz no cor- porativismo societal e na ideologia de “ida a0 pov” do testemunho catélico — vige a concepedo de que a transie30 consiste numa farse encenada para escamotear o fato de que a Nova Repiblica no passa de uma forma branda do antigo regime. E neste sentido que o slogan diretas j, manipulado como um fetiche, recobre demagogicamente a disputa recor- rente, a partir de 1964, no interior da resisténcia ao regime: frente democrética versus frente de esquerda. A organiza¢o do MDB, a posterior conduc&o de Ulysses Guimarges 3 sua lideranga, 0 resultado do VI Congresso do PCB — com todos 05 limites nele observados — constituiramse, no campo da resisténcia, em opcSes afirmativas da estratégia democréti- a, cortando 0 passo 20 foquismo, ao aventureirismo poli- tico e as canhestras interpretacBes da realidade brasileira que motivaram o guevarismo bovariano da época Notério que, em 1974, 0 caminho da frente democré- tica se impos como hegemdnico na esquerda, cothendo o partido da coalizio das forcas de resisténcia ampla meioria eleitoral em vérias unidades da federacdo, principalmente em Sao Paulo. Ao contrério das extravagantes concepgdes esquerdistas, comprovou-se que as eleigdes € que consistiam na forma superior de luta, As eleigdes e a luta pelo progres vo fortalecimento das instituigdes democréticas remanes- centes, esta Gltima na base das manifestagdes de massa, i ciadas pelos estudantes em 1977, e aprofundadas pelo ciclo de greves operérias comegado em 1978 no ABC paulista e que colidiafrontalmente com a legislacdo repressiva da CLT. No interior do movimento em favor das diretas j8 mais uma vez se fez presente @ disputa entre frente democrética e de esquerda: a primeira visava derrotar o regime numa am- pla coligago com as forcas do centro politico, incluindo, aind, os dissidentes do entigo regime; a segunda, derrubé- lo a partir de setores socialmente avancados, pondo em cid@ncia 0 objetivo da luta contra o regime e a conquista de um poder popular. Antes, naquele momento, como agora, © divisor entre as duas posigdes se estabelecia em torno da questo do centro politico e da alianga com os liberais. E por isto que esta esquerda populiste, terreno confu- 50 em que se agregam liderancas de estilo classicamente oli- 33 garquico, teologias totalitérias, sobrevivéncias arqueolégi cas do stalinismo, préticas corporativas, a militancia de es- querda que passou pela militarizacdo da politica, a que nfo falta 0 toque elegante e pés-moderno das novas exigéncias comportamentais das camadas médias, recusou a solugdo Tancredo e vem revelando uma siderdrgica incompreenséo sobre o caréter da Nova Republica. Em fevereiro de 86, ds. vvésperas do plano Cruzado, voltaram a carga, logo soterradas pelo clima de esperanca de entéo. Neste final de semestre de 87, com a frustracao do plano Cruzado, imaginam afinal ter encontrado sua hora e sua vez para subordinar a esquerda e a opinigo democrdtica as suas fantasias politicas. Mas, se @ via democratica, ao longo destas duas dltimas décadas, se vem impondo 4 estreiteze sectaria da frente de esquerda, hoje, esta é uma realidade amea¢ada: quer porque se dissemina acriticamente a idéia de que ja vivemos numa democracia, 0 que impliceria a dispensa da estratégia da transi¢o como superada pelos acontecimentos; quer pela gravidade da crise econdmica, que pode comprometer o alinhamento politico da sociedade, expresso nas tltimas eleigdes em defesa da Nove Repiblica. A Constituinte, porque se trata de um momento acir rado de uta pela hegemonis, qualifica dramaticamente a conjuntura da transigdo. Os liberais, também cindidos entre © neoliberalismo conservador & Reagan € os liberais-demo- cratas, complicam a identificaedo precisa do lugar do centro politico. Imprensada entre o privatismo particularista do eoliberalismo conservador (Delfim, R. Campos, Simonsen, Dornelles, a banda de masica da UDR) e a explicitacao des. politizada do social (PT, PDT, movimentos corporativos), 2 coalizéo que agrupa liberais e esquerda experimenta difi- culdades que no podem ser subestimadas. Especialmente Porque a esquerda de estratégia democrética se encontra Pateticamente isolada dos movimentos sociais. Q deslocamento atual — movido em nome da frente de esquerda, mas com inequivoco apoio da direita — do ,tema da Constituinte em favor da duraco do mendato pre- sidencial, se ndo for interrompido, pode cristalizar 0 que, hoje, ainda & apenas uma tendéncia: a captura do centro pela direite eo conversio do governo Sarney de um governo de transigfio @ democracia para um governo de conclusio da 34 “obra revolucionéria’”’ de 64. Na situaco presente, a inten- ‘go da direita consiste em quebrar a coalizéo democratica, cancelar @ natureza de transi¢&o do governo, submeter a eco: nomia aos ditames do capitalismo internacional, criando as- sim condigdes favoréveis para imprimir sua marca conser- vadora na redago da Constituinte. A resposta do campo democrético néo pode se fazer esperar, reiterando a via de‘passagem que descobriu e inven tou para viabilizar a transigo: coalizo de centro-esquerda, defesa do governo da transigéo através da mobilizacdo de massas que o impulsione a fim de realizar as mudangas, aprofundamento da institucionalizaggo democratica. Agora, © cenério para onde este esforco deve convergir & da Consti- tuinte. A questéo do mandato, nas circunstancias atuais, é false e diversionista. Basta reparar na derivago & direita das orcas liberais e do préprio governo nas subcomissies da Constituinte a partir do momento em que o tema da dura- co do mandato comecou sua escalada na configuracgo da conjuntura, Nao haveré, entretanto, politica que resista a0 tormen- to dos fatos se no se proceder a uma decidida mudanca de rumos na economia, pondo-se um paradeiro na inflag’o e devolvendo 20 pais confianga no seu futuro imediato. Tem se 2 expectativa de que 0 chamado Plano Bresser possa se constituir numa alternative eficaz de combate & inflacdo sem recessio e capitulagdo as financas internacionais. Como tam- bém no haveré santo que nos valha se a esquerda de estraté. gia democratica nao se tornar capaz de dirigir os movimen tos sociais, enfrentando com energia e lucidez este barbaris- mo politico que grassa por af. Publicado erginalmente em Prenea, n° 10, Rlo de lensro, Centro de Pesquise ¢ Difusdo Cultural, 1987 36, 4, PROBLEMAS MODERNOS NA CONSTRUGAO DA HEGEMONIA Os anos 80 tém sido prodigos em questdes novas e mesmo na inverséo de significados de outras que pareciam ter seu sentido jé consagrado. E de ver como 0 liberalismo | do welfare state sofre 2 dentincia da ideologia neoliberal, reduzido @ um sistema negador da livre iniciativa e da ordem | privada. E também como 0 socialismo de Estado, fruto da | coletivizagio forcada e da revolucdo pelo alto stalinista, cede lugar &s concep¢des autogestionérias, concebido 0 povo | ‘como © proprietério direto dos meios de produgdo. Produz- se, 16 e 04, um acerto de contas com préticas dominantes desde os anos 30, numa evidente retomada dos princ/pios , »., de_suas utopias. Recupere-se 0 Lénin & Rousseau da con- cepcdo dos sovietes, lugar de exercicio da democracia direta, » €.0 de 0 Estado e a Revolugao que preconizava a gradual ex- tingdo do Estado. Os libersis revisitam Hobbes, primeiro grande arquiteto do seu mundo, nostdlgicos de uma situa- do de mercado despolitizada e aberta & livre iniciativa indi- vidual. Longe de fecharmos o século com o fim das utopias, “ jedlogos positivistas dos anos 50, o&sisti 37 see mos ao seu renascimento. A liberdade se vé associada a Ii Bropriedade, ¢ © socialismo associedo.s partcicote ne Parte de uma cidadania investida em seus plenos direines hum caso noutro o Estado representando @ antiutopia com sua ébvia carga coercitiva © experiéncia contemporsnes de invasio disciplinadora da sociedade civil, A crits & te Tocracia, & ineficiéneia, 20 parasitismo social, 20 corporn vismo cartorial, comum aos dois campos ideolégicos, aperes na aparéncia aproxima estes contrérios. Pois, na verdede, & 2 oposigdo entre eles que se radicaliza, na medida em que li beralismo e socialismo so remetidos de encontro sce sex Bectivos postulados fundadores, extremando as diferences Sobre a compreensio do individuo, da natureza humana ede sociedade. Note-se, ali EnIre © capitalismo do segundo pésguerra e 0 socialismo Desde a verso positiva de Hegel, e a partir da crit demolidora de Marx, 0 Estado sors desententede ten mente, como na visio desesperancada de um Poulantzas ¢ de Foucault: Mais recentemente, num Habermas, que o identifica 2 uma insténcia da razéo instrumentalisadora © inibir 9 espago propriamente humano da convivéncie, Nao atoa Gramsci, que produziu a melhor sociologia politics do nosso tempo, inovou o conceito de sociedade civil mar, Xista, deslocando-a da infra-estrutura para a instancia supra. estrutural, concebendo-a como um momento do Estado ampliado (sociedade politica + sociedade civil). Teorics Mente desencantado, o Estado ser, contudo, glamourizade Brsgmaticamente em Keynes, no nazi-ascismo, no corpo Fativigmo latino @ na deformaggo stalinista, ‘orporativismo, solidarismo cristo, a pr Sepedo de ardem da social democrci, s¢ acon hejenon veramente confrontados pela emergéncia do temério ¢ praticas neoliberais. Como noutra ponta, 0 socialismo este, {ista esbarra com a revitalizacdo da utopia comunista con. Guzida por Gorbatchov. Se o capitalismo importou a ver dadeira revoluego antropolégica que se manifestou na auto, nomizaedo da esfera da economia da politica e da religigo Marx, Polanyi —, 0 capitalismo monopalista eo socialismo 38 de Estado recompuseram, cada um a seu jeito, a unidade antiga entre estas duas dimens6es. A economia, como obser: vou Lénin, tornou-se a expresso concentrada da politica, Durkheim, a doutrina social da lgreja desde a Rerum Novarum de 1891, 2 ideologias corporativo-fascistas, 0 New Deal, Keynes, influéncias diversas presentes nesta sorte de espiritualizag3o da economia capitalista, e que Ihe impu- seram a regulagao juridica e a realizaco de fungées ético: sociais. O alargamento progressivo do Estado, seu papel re: gulador do mercado, intervengdo direta e indireta no sistema produtivo — da indistria pesada as financas, aos meios de comunicaggo e 3 constituicdo do sistema previdenciério — permitiram a incorporacao social e politica da classe operd ria e demais setores subalternos, base da paz social de fato reinante no Ocidente europeu neste pés guerra, : A perda de autonomia da economia e a ideologizago do mundo operada pelo Estado, principal agéncia de repro: dugio da ordem capitalista, levaram, a um tempo, a0 pro- cess0 de esvaziamento da utopia liberal e da socialista, como se a socialdemocracia sob hegemonia burguesa consistisse no avango possivel das demandas e exigéncias dos setores su- balternos emergentes nas economias capitalistas maduras, Embora conquistas dos trabalhadores, a politica social do Estado e 0 Direito do Trabalho tém sido campos de organi zagdo da hegemonia politica burguesa, na sempre renovada intenc3o de compatibilizar os novos direitos com o direito oficial, burgués. Como tem sido observado, porém, a adm: nistrago politica do mercado e da questo social implicou pesado Snus para 0 proceso de expansao da acumulacgo, desde os custos crescentes do aparelho previdenciério 8 ma: hutenc&o de um sistema produtivo em obsolescéncia, entra. vando @ introdug3o de novas técnicas intensificadoras da produtividade do trabalho. A despolitizaco da economia, tema subjacente 3 chamada desestatizacdo, visa igual mente deslocar a pressio que a classe operéria exerce sobre a for- mag&o estatel, subordinando-a a processos especificamente econmicos. E é neste sentido que o adversério imediato do neolibe ralismo, no capitalismo maduro, se constitui na social-ce- mocracia, denunciada como antecdmara do socialismo de 39 Estado e incapaz de devolver énimo expansivo a0 capitalis mo. Conhecida a énfase dos neoliberais na valorizagao dos mecanismos de mercado, no individuo acumulador e na livre iniciative. Projeto de hegemonia que prevé uma nova forma de articulagio do Estado com a sociedade civil, estabelecida em torno da prevaléncia da ordem privada sabre a publica, Se a socialdemocracia sob hegemonia burguesa tem como objetivo garantir a reproducao da ordem capitalista pela ‘a¢ao organizadora de um Estadio que se amplia sobre a socio. dade, os neoliberais assumem proposta inversa; para eles, trata-se de recriar a sociedade civil burguesa, tendo como pa. radigma a concep¢éo fordista de capitalismo popular. A pe- sade, complexa e intrincada préxis social-democrata, opdem um discurso populista de capitalismo de todo o povo através 2 | Gemocratizagio do capital acionério das grandes em- esas. a,_onde @ incidéncia do neolibera- sm re importancia, seu impacto se acha qua- icado por algumas singularidades relevantes. Sabido que 0 beralismo, neste lugar do mundo, nunca foi uma plena rea- lidade, nescido em compromisso com a servidio e a escrav’ do, fato recente a propria criagdo de um mercado nacional. Aaui, € no Brasil em particular, assistimos a0 desenvolvi- mento das forcas produtivas burguesas no contexto de um rocesso de larga supremacia do piblico sobre o privado, de induzimento politico da ordem econémica do capitalismo. Amparada e mesmo suscitada através de cdmaras cor- Porativas no interior do Estado, protegida do sindicalismo Por uma institucionalidade que vinculou e subalternizou os Sindicatos 20 Estado, nossa burguesia é de origem cartorial @ desconhecemos, salvo as tais excecdes que dizem salvar a Fegra, 0 empresério como um herdi social. O exercicio da cidadania, por outro lado, néo é pleno e nem universaliza- do. Os assalariados urbanos foram incorporados a ordem burguesa de modo regulado via instituigdes corporativas, que suprimiram a autonomia de sua vida associative, e 08 trebalhadores do campo somente agora ingressam no movi- mento de postulapo por uma livre e plena cidadania, Resulta que o neoliberalismo, neste subcontinente, nao Se apresenta como reago a social-democracia, mas, sim se Pe em continuidade, em condicdes novas, com o padréo 40 j t — excludente e autoritério que presidiu a formagio das socie- dades latino-americanas, Padréo ameacado de reprodugao pelo processo generalizado, a partir dos anos 80, de transi 80 do autoritarismo 4 democracia, cuja légica, pela nature- za dos conflitos ¢ atores envolvidos, conduz a um mo vimen- to de democratizagao e ampliacdo da esfera piblica e de iné- dita influéncia do associativismo das classes subalternas sobre ela. A expansSo autocrética do piblico, cuja funcao foi a de promover a ordem privada e por as classes subalter nas sob controle estrito, no caso de vitoriosa a democrat: zagio em curso, tende @ se tornar no conitrério do princfpio que informou a sua organizagao. E contra isto que o neoli beralismo reage. ‘A fantasia de um capitalismo popular se reveste de co: notacdes de humor negro nas nossas sociedades, cuja larga maioria ¢ de exclufdos e marginalizados. Para a consciéncia triunfalista dos neoliberais isto néo importa tanto. O popu lismo neoliberal se extrema e vai buscar inesperadas bases de sustentaco na denominada economia submersa. Curiosa Feversio: os “marginais” das periferias dos grandes centros metropolitanos, agentes substitutivos, na década de 60, de uma classe operéria 8 Marcuse que teria perdido cardter ‘ransformador, séo agora metamorfoseados no principal objetivo de invocaco da retorica neoliberal. E ver a argu- mentag3o de Hernando Soto (Economia Subterrénea, uma analise da realidade peruana, Globo, 1987), bem servida por um espertissimo prefécio de Varges Llosa, por coincidéncia candidato a candidato & Presidéncia do Peru, em oposicao & democratizaco do sisteme financeiro empreendida pelo atual governante Alan Garcia. neoliberalismo de Vargas Llosa néo teme a audécia, néo Ihe sendo dificil apontar em Hernando Soto um defen sor da liberdade econémica que reduziria a ‘eros desplen: tes retéricos boa parte das criticas radicais ou marxistes pu: blicada atualmente sobre a condi¢o do mundo subdesenvol vido”. Nos “marginais” marcusianos, que deviam cercar as cidades, como novos bérbaros, para invadir estes bastides do capitalismo, 0 grande capital, atinal, em terras bizarras da ‘América Latina, imagina descobrir a raiz social para seu novo projeto de hegemonia com base na sociedade civil. “A opeo dos ‘informais’ — a dos pobres — no 6 oreforcoe am- a1 pune Pliage do Estado, mas a diminuigSo radical de sua inter. feréncia e poder. Nao é 0 coletivismo planificado e regimen- tado, mas a devolugdo a0 individuo, & iniciativa e 4 emprese Privada da responsabilidade de dirigir @ batalha contra o atraso e @ pobreza. Quem diria? Esses humildes desampars. dos dos arrabaldes, esses enxames de ambulantes, para quem & capaz de escutar a mensagem profunda de seus atos con, Gretos, nfo falam daquilo que em seu nome predicam tantos ideblogos terceiro-mundistas ~ a revolucdo, a estatizardo, 0 socialismo —, mas da democracia genuir éntic scielaro es cracia genuina e da autentica 0 Jornal do Brasil, até ent3o autor de reincidentes edi: toriais contra o descalabro das ruas trades pele economin submersa, no fez ouvidos de mercador 8 nova sinalieerse dos neoliberais. E, assim, no editorial "Passado e Futons’ de 3 de novembro de 1986, descobre o informal como signo da modernidad “E, ent 0 mito do Estado onipotente 6 Uma estdtua de pés de barro. Os burocratas cerceiam a mo dernidade; mas a modernidade aparece do contrabando, é vendida nas calgadas de Copacabana, nas feiras livres,” | (stifo nosso, | Na tradiggo fepublicana brasileira, temos conhecido a Prevaléneia do jpiblico sobre o privado, quer sob uma for. ma autocratica impura — como na 1% Repdblica — quer Pura — 1937 a 1945; 1964 a 1985 —, quer, ainda, sob mo. dalidade populista, como no interval de tempo compreen- dido entre estes dois Gltimos perfodos. Marcas da formagio burguesa brasileira se expressam no cartorialismo, burocra. tismo, corporativismo, privatizacao aberta ou velada do pi blico — prética iniciada na po! ica cafeeira de comeco do século. Nossa chamada experiéncia liberal-democrat como ja identificada ad nauseam pela bibliogratia, nBo Sia ficou senio a continuidade de fundo, sob roupagem liberal das instituigdes do Estado Novo. A politica desenvolvimen. tista de JK, por exemplo, passou a0 largo do Parlamento, defi la no interior de grupos de trabalho por tecnocratas do Estado e liderancas empresariais, © P6s-64, uma retomada ampliada do estadonovismo, pondo sob tutela ordem dos Atos In: tima a si mesma" 42 as instituigdes da liberal-democracia pela stitucionais — “uma revolugdo que se leg) =, exponenciou tal modelo de relagées entre 0 Estado e 2 sociedade civil, Expandiu-se em escala inédita a capacidade regulatoria do Estado, seu tamanho e seu papel empresarial, Expansio que, longe de amesquinhar a ordem privade, esteve 2 seu servigo, impulsionando suas taxas de acumulagao. As lutas politicas e sociais que impuseram o processo da transigZo, com a derrota politica do antigo regime nas eleigdes presidenciais de 1985, suscitaram uma larga movi- mentago pela democratizacéo do piblico, nisto que poderé ser uma ruptura democrética com a. préxis autocrética da tradigao republicana. Este, alids, o problema-chave da atual Constituinte, questéo esclarecedora sobre a natureze dos conflitos na atual conjuntura, e néo, como se quer dar a en: tender, @ dura¢o do mandato presidencial e/ou o regime de governo. No interior da Constituinte disoutam a hegemonia trés grandes correntes: a da tradico republicana, centralist, corporativa, autocratica, a da renovagio republicana, cuja orientagSo & a de preservar a instancia do pUblico para democratizé-la, e a dos neoliberais, privatistas que preten- dem recriar as instituigdes & imagem e semelhanca da order burguesa emergente nestas dltimas décadas. Para a corrente democritica, pois, a luta se define em duas frentes e a reveste de um duplo risco: nem a defesa do patriménio pUblico pode se confundir com a preservacio do cartorialismo, do burocratismo, do gigantismo estatal e da malha corporativa através da qual o Estado controla tutelar: mente a sociedade, e nem a deniincia destas perversées, de esto absolutamente necessérie, pode se por a servigo do privatismo antidemocrético. Dispensével a referéncia sobre ‘as bases sociais e a influéncia politica da tradi¢o autocrati- a republicana, mas obrigatério um registro sobre os neoli: berais. Em primeiro lugar, 0 protagonismo de que hoje des- frutam deve-se, como é trivial, 20 avango do capitalismo e a imposigao da légica que Ihe é especifica, com as naturals re- ercussées sobre uma maior autonomia do grande capital diante do Estado. Sé isto, no entanto, néo the facultaria a influéncia politica, que se deve, isto sim, & capacidade que vem demonstrando em interpelar todo um conjunto de Rovos seres sociais, na cidade e no, campo, origindrios do aprofundamento e expanséo do capitalismo. A multido de a8 Imicroempresas surgidas com o Plano Cruzado & bem um exemplo deste pracesso. Da critica & ineficiéncia e & corrupeéo presentes no Estado e da formulagdo de altarnativas de polities: pdbli- Fat eta © Micro, pequeno e médio empresério, urbano e ru. {al 6 que as novas liderangas neoliberais tam extra/do subs Yancia para @ universalizacdo e ideologizagéo dos interence ‘as de como se organizar a tentativa hegemo- nica do grande capital. E de se observar, ainda, a pene gio, nada desprezivel, do neoliberalismo em sindicetes co fmportancia estratégica, altamente facilitada, de um lado, pelo Posicionamento complacente do sindicalisma. major: Garo quanto & menutenedo, pela Constituinte, do ceme suc define @ institucionalidade sindical corporativa, e, de outro, Pela partidarizaggo sem freios dos sindicatos. ‘Ao lado, portanto, da velha direita, truculenta ¢ milita- {jzada, especialmente nos latifimdios, surge uma nova, mo. dema @ “‘civiizada”, que, adespeito de nao abendonar Tecurso @ violencia, torna-se capaz de uma intervengdo efi. Caz no campo da politica institucionalizada, inclusive con, {ando com expressgo eleitoral. Nasce, entre nds, um projet de hegemonia burguesa a partir da sociedade eivi Fare do Blano da retérica, seu adversério real nao esté ne velha tradi, $80 republicana, de cujo tronco autoritério descende dircts mente, ¢ sim, neste movimento, nem sempre Idcido coe bites” ¢as gue avanca, © que visa a democratizago do pu. blico © © empenho direto do Estado no desenvolvimere, #condmico e na questio social, A esquerda, especialmente @ de extracéo opera nao rompe com sua tradico de conceber'a politics Estado ~ cujas raizes estdo no anacronismo de uma bore cepedo de revolucdo nacionatlibertadora —, ndo teré come Spor ume alternativa & nova politica dos setores hegemo. hcos do grande capital. Ruptura que deve deslocar © ehvy ia sua orientaedo para e sociedade civil, particularmene 44 E que ndo pode deixar de incluir as demandas dos se- tores do micro, pequeno e médio capital, rural e urbano, que exigem a democratizapgo do Estado irene 2 juros baixos da produgio, fixacao de pregos alent ete Nao basta se par a0 lado do proletariado agricola e do ca pesinato semterra, A questo agraria, do ponto de vista dos requerimentos do movimento democrético de hoje, inp uma politica de defesa do campesinato médio. No naa io, outra execs sonata mums arden recs 90 Borativsm @ ne sua abertura real vida des bases operdies Auta compreansio da economia sores a beara iati uulares as duras ce Ge abalone pode sr anculda ce ume plea eons mica democrética. Os novos interesses emergentes na socie- dade, fruto do desenvolvimento desigual e excludente do ee pitalismo brasileiro, no podem ser ignorados por uma po tica marxista renovada. Agore, a luta pela hegemonia se i fine em campo novo = ou a privetizago do pablo ou a sua democratiza¢ao, pondo em perspective continuados ¢ ite gressivos avangos para submeté-lo a pleno controle por parte da sociedade. Publicado originelmente em Presenza, n° 11, Rio de Janel, Cantro de Pesquisa ‘eDifusso Cultural, 1987 45, 5. VANTAGENS DO MODERNO, VANTAGENS DO ATRASO A formula¢o de uma via revoluciondria que procura extrair vantagens politicas do atraso se constitul numa tra- digo cléssica da esquerda, muito conhecidas as posicdes dos revolucionérios russos pré-marxistas que, em meados do século passado, defendiam ¢ possibilidade de um salto da co- muna rural russa para 0 socialismo, evitando assim os horro- res da desoryanizacio de uma sociedade basicamente agréria sob 0 impacto da modernizaco capitalista. Os populistas, como eram chamados, adotavam uma perspectiva'eslavofila € seu projeto implicava a criacao de uma via de passagem es- pecificamente russa para a ocidentalizacdo. Sobre a hipdtese do salto, o préprio Marx vai participar do debate, interpelado por Vera Zasulitch, uma importante ° revolucionaria de origem populista e que veio a se ligar & corrente social-democrata de Plekhanov. Em sua resposta a Vera, Marx vai estudar uma caudalosa bibliografia — a esta altura ja lia 0 russo — sobre a realidade deste pais, conside- ado por ele, em 1882, no ultimo prefacio que produziré para 0 Manifesto Comunista, “como @ vanguarda do mo mento revolucionario na Europa”. 47 Joma peauena carta, antecedida por longos esbocos B20 publicados em vida, Marx limitou-se a abservar, runs araumentard0 cuidadosa, que expropriaedo do campesina {0 consistiu numa “fatalidade historica”” ~ as aspes sao dete emp aneneS paises do ocidente europeu. Na andlise que Smbreendeu em O Capital néo se encontrariam “razdes nen; 2 favor nem contra a vitalidade da comuna rural” aerescrn 2 erate dela, de que “esta comuna é 0 ponto de apoio pers 2 fegeneraedo social na Russia”.” Concluindo, afastare © Garg, sso do inglés, que Ihe servira de paradigma para a pro cugdo de O Capital, e enfatizava a viabilidade do stteco ‘mudangas sociais, cuja sorte dependeri 5c imungas soci, cu dependeria de uma revolucso Assim, 6 © proprio Marx quem nega, no inicio da dé Gade de 80, uma resposta aos revolucionstios russos a party ge sue obra maior ~ “restringida aos patses da Europe Oe dental”. Contudo, os marxistas russos que se vlo corning 0 liltimo decénio do séeulo, na social-democracia, estebeie populistas, na sua exaustiva © implacdvel demonstracso de Gus © capitalismo 8 prevalecia como modo de produgso de, minante na Rssia, também vai ter como referéncie de base 2 pbraprima de Marx para sustentar 9 impossibilidade oy Salto do pré 20 pés-capitalismo no seu caso nacional, Mas 0 deslocamento da teoria do salto nao implicow igual deslocamento do tema do atraso como vantagom E de ont’ © tardio Plekhanov e a ala menchevique, forgan. lo um viés eurocémtrico para a Russia, preconizsvan on, A oar carta exter Rub César Fernandes, Dimas do Soci mo, Rio, Pez e Tarra, 1982 a errences ls Se Bee 48 Com isto, desqualificavam 0 atraso como vantagem, admi- tindo a remociio das velhas marcas sociais e politicas da Rus- sia agraria, tradicional e autacrética pele intervenc3o moder- nizante da burguesia. 0 etapismo, pele propria légica do argumento, nfo po- dia dispensar a exigéncia de uma ruptura com o antigo regi. 7° ‘me russo, concebida sob lideranca da burguesia como ator democrético. Lénin, depois Trotski,” prineipalmente o pri- meiro, a0 aprofunderem a andlise sobre a particularidade russa, e discutindo as condiedes de sua democratizacao,con servaram, por meio de uma solucSo original, o tema do atraso, que, como ja se viu, provinha de uma outra tradig&io revolucionaria. Preliminarmente, rejeitavam a nogdo de etapas — por seus limites historicos, a burguesia russa no consistiria ume forea revolucionéria, Se vencedor, o caminho burgués, Jonge de importar uma radical descontinuidade com o auto. eratismo, 2 nova ordem tenderia a buscar sustentaedo poli tica e social em foreas do antigo regime, configurando um tipo prussiano de desenvolvimento capitalista. Sob hegemo- ia burguesa, a modernizagao no acarretaria o liberalismo Politico e as instituicées da democracia politica, preservan- do-se formas repressivas de controle da forca de trabalho, es. pecialmente no campo. De outra parte, para que a modernizagio e a derrota do sistema autocrético significassem uma ruptura democrat ©, $e fazia necesséria a derrubada do antigo regime por meio de ums coalizgo operdrio-camponesa, criando-se um governo proviséria e uma nova situaggo de poder que favo: receria a transi¢do ao socialismo. Aqui, também nega-se 0 etapismo, As demandas modernas da classe operdria por re- formas se deviam potencializar com a carga dramatic do campesinato em suas lutes por terra, cujo éxito dependia, em que pese a natureza intrinsicamwente conservadora desta categoria social, da sua participacao numa revolucao politica contra a autocracia.? Vantagem do moderno, vantagem do atraso, combina- ‘edo que maximizava, sob a hegemonia da classe operdria, as 7 Yer, de Lénin, Dust Tica (1, n Obras Escothides, vol. 1, Sd0 Paulo, Alfa Omega, 197 49 contexto de um capitalismo ainda imat ia do “salto” dava lugar & formula poli gob modalidade revolucionéria, 0 pro la ocidentalizaga 7 4 Scienza uss Neste proceso o seu “Oriente’” ~ iré desempenhar papel di rnecenclo Sustentagdo& uta contre aautotseee Mane fOF Dupla vantagem concedida pel demnizacéo econdmica suscitar belie ‘deo avango da mo. ues do Capital, processo que supée a ex; tees eee nee virtual da expropriagi inte penetragao do cap rescentep Jo caprtats ean Sociais e pollticas de Tesisténei sireunsténcia que propiciou sap, vs revolucionérios da classe operaria, site 3 Raeoluctio Tussa, 0 deslocamento inesperad ce poeta revoluciondria do Ocidente = i Tanto, Procipaimente em rerio das utss arte’, Pa2 © ae ae 2 persisténcia da tematica revolucionér ri nae nese do ae do pré ao pés-capitalismo e om vantagem. E nao s6 Z Sorrentes de situacdo eamponesa «det eeyetinicedes de- faceries ce antigo regime, como pele ime gaee em c no mundo asiéti 5 Hever non ea ico. O especifico caminho 0. Do ponto de vista da deslocamento consistiu, na 50 mento_do movimento revolucionério_em relagdo a0 para- digma de Marx em O Capital. A condicgo de penetragao do marxismo no Oriente vai estar na sua russificacao. © tema do atraso para se converter em vantagem — e esta era uma li¢go narodnik — importava numa aco tempes- tiva e vigorose desencadeade sobre um ponto débil por meio de uma organizagao de revolucionérios integrais. A perda da nogéo do tempo certo significava abrir a possibilidade de su: cesso pera a modernizagao reaciondria da burguesia. Seguia- se disto uma concepco extremamente tensa e dramatica da interveneo politica, alcada a uma insténcia fundadora do real. O Que Fazer?, de Lénin, cujo tom exageradamente polémico foi mais tarde denunciado pelo proprio autor, se vai constituir na principal literatura de arrimo para uma re- volueo que se concebe, sobretudo, como uma obra de arte da vontade politica A orescente “orientalizagéo” do movi mento revolucionério marxista, especialmente apos a it fluéncia de perverséo voluntaristica deStélin, tendea redu- Zir 0 marxismo_a um simples maquiavelismo, a politica tor- nada uma poténcia demidirgica, extremado 0 papel de in: telligentzia, condottiere coletivo da revolugao social. Na América Latina, a situagdo de dependéncia em re- taco aos centros hegemdnicos do capitalismo mundial, mais ,,, 2 predominancia do mundo agrério, faziam dela terreno pro- + picio para o transplante da praxis revolucionéria que se im- punha no Oriente. Aqui, vdo se tornar dominantes temas como 0 dos intelectuais ~ significando mais o papel de um segmento particular: a juventude estudantil —, 0 atraso co: mo vantagem, a exacerbacao da vontade politica enquanto dimenséo construtora do mundo. Perspectiva politica que implicava @ reedi¢o do pro blema “oriental” cléssico: a passagem do pré a0 pos-capita- lismo. Concepcao que se ajustava 8 noedo de uma feudalida de latino-americana, categoria que obviamente supunha um campesinato passivel de ser mobilizado para uma revolugo politica que 0 emancipasse da serviddo. Por esta ampla jane- la, abria-se a oportunidede para uma vizinhanca te6rica com temas originérios da revolugéo russa, principalmente os da sua fase populista. Via Oriente — revolugo nacionallibertadora de base agréria — 0 legado russo encontrava a forma de comunice 51 0 rar € eh eras or ail Latina. es at vinho u . produzida 8 dir se tc at ret tlie, embers orienta no subcontinente Na vik eee porsegande re? Ocidente se consttua coma iar wages Ge Um abe condita no surge como Imposte wey eset 2 crlagae athe 28 tradi¢do. Desde « Indeponeenen, e Sibilidede dene 228 Nacionais, se tinha descoperes om Tica do Teerc ae PS tiilzaed0 das institulgBes lado oor Gao econ talsmo com 0 sistema patrimonirac see ‘£27 2 cultura politica de matric ibéres os i ue fompem com o estatuto colonial to vel” ~ se a Presentassem como = ais a laritequi, em genial 19 i rm fenial artigo de 192. uncia 0 re artigo de 1924, i Buncla 0 Teacionarismo do nacionalismo ¢ dag eaten iza ede ' nnais: “‘Aqueles que a sustentam (a tese do nacionalismo cultural) demonstram, na verdade, muito pouca imagina 0 (...) Querem que se legisle para o Peru, que se pense @ se escreva para os peruanos e que se resolvam nacionalmente os problemas da peruanidade, anseios que supdem ameacados pelas infiltragées do pensamento europeu. Mas todas estas afirmagdes sdo muito vagas e genéricas. Ndo demarcam o | mite do nacional e do exdtico. Inovam abstratamente uma peruanidade que nao tentam antes definir.'"* A esquerda marxista latino-americana dos anos 20, antes da voga orientalista liderada pela III Internacional, no s compreende o fechamento das fronteiras culturais com 0 Ocidente como uma interdi¢éo levantada contra as idéias © movimentos democréticos europeus, como tam- bém, pela sua origem classista, operéria, moderna — com as conotagdes inequivocamente utilitaristas que estéo na origem do processo de constitui¢do de uma identidade ope- réria —, refuga as concepedes organicistas de sociedade das elites oligérquicas. Neste momento, & a esquerda operéria que_se_emancipa da matriz ibérica, afirmando-se como ocidental e valorizando os temas da modernidade, A singularidade que se expressa no idedrio das elites — 2 peruanidade, a democracia racial brasileira, 2 cordialidade do homem brasileiro, etc. — ndo passa de uma ficcdo. Aqui ""g realidade nacional esté mais unida 8 Europa e dela é mais independente do que supdem nossos nacionalistas. O Peru contemporéneo mave-se dentro da drbita da civiliza¢o oci dental. A mistificada realidade nacional néo é seno um seg- mento e uma percela da vaste realidade mundial” ‘A infuséo ideoldgica das elites, combinando a tradi¢o da sua cultura patrimonial com “os ideais civilizatorios do Ocidente”, inclui a Ibero-América num Ocidente idealizado, amputado de sua economia politica, do seu individuo e do seu cidado. Elas, sim, exéticas, instalam-se no moderno com seu Estado mercantil e suas concepcdes organicistas e comunitaristas, procurando evitar as influéncias democréti- ‘0 Exdtico, Manoel Belloto€ Ana Maris, S, Carlos Maristeui, O Nacional Gortta (orgs), Maristegu, Sao Pavio, Atics, 1982, p. 101. * td 53 as externas através de celebracdo do seu “ tendid este come padrio cultural superior eon ‘Sao estas primeiras décadas do século que véem tri far a modernizago descompanhada da ideologie de indua. ‘ialismo, e a expansio da vida urbana som o reconhecinan, 10 dos direitos de cidadania das classes subalternas, Gorn ton liberalismo corrompido pelo patrimonialismo, 0 moderne das oligarquias se esgota no verniz civilizatorio de lockers 6.0 seu “nacional” no culto esotrico, pare usermos uma ex Bressio famose de Carlos Real de Azde, da sua propris Salvo 0 caso mexicano, 0 dominio tradi i garquias ndo se interrompe por meio de procesen con liquem uma descontinuidade revolucionéria com a orden anterior. A modernizagdo especificamente capitalista — ¢ 6 Brasil nisto € exemplar — vai refazer o dorninio burgués deixando para trés o particularismo patricio do Estado olf, Gérquico, incapaz de incorporar & sua ordem politica o Novos seres politicos e sociais — classe operdria, camadee médias, empresérios industriais, militares ~ que emergiam com © sucesso das atividades agroexportadoras e seu in acto na expansio e diferenciago dos centros urbanos. A ova contiguragio do Estado vai se por a teste do esforco de_industrializagéo e da ampliagSo da cidadania, “especial- mente dos assalariados urbanos, que passam a ter seus di +08 sociais reconhecidos. cae Novo Estado, novas relagdes entre este e a valendo como paradigma o caso brasileiro, que edotoura ioe ‘mula corporativa com o triplice objetivo de (a) promover no Interior do Estado um largo compromisso entre as dferenter rages burguesas, de (b) depreciar primeiro, depois sup? mir as instituig6es da democracia representativa, tim de ‘maximizar sua capacidade de intervenco sobre a economia © de (c) administrar politicamente a cidadania das classes su, balternas urbanas por meio do sindicalismo tuteledo. Con vertido © Estado em agéncia de modernizacgo econdmica sua natureza 6 mercada pele ambigiiidade. Orientado pare Operar a mudanea na ordem burguesa, pde-se na defess de valores pretéritos, Estado que se sobrepde a ente fiador da continuidade da tradiego, 0.” smo" em oposedo 8 Infusncie do “exotico”, en nizago econdmica mais da perspectiva dos interesses de uma abstrata comunidade nacional, diante das pressdes su- bordinadoras dos paises de capitalismo hegeménico, do que pela realizaco dos interesses efetivamente manifestos no interior da sociedade ci ‘A incorporacao das classes subalternas ao sistema da ordem no se dé a partir do reconhecimento dos plenos di reitos de cidadania de um “outro”, mas @ condi¢ao de con textualizé-las numa comunidade nacional, instituindo-se lacos organicos @ autoritérios entre o Estado e o sindicalis- mo. Ambigiiidade do Estado, ambigtiidade do proprio pro caso de modernizacdo, dado que boa parte do seu impulso provém da cultura e de motivagées tradicionais da burguesia ligrquica, avessa & idéia de individuo € a0 utilitarismo ‘como concepgo do mundo. Sem trauma maior, 0 patrimo- nialismo oligarquico se transmuta num capitalismo certorial @ corporativo, a economia disciplinada pela politica, a socie: dade civil pelo Estado, contraditério aparelho consagrado a abrir passagem para o novo em nome de defesa do velho. 0 moderno se restringia a0 nacional, e este & imposi 0 da ordem industrial. Nacional que, pelos efeitos legiti madores da legislacdo social junto as classes subalternas, se Universaliza sob uma formula pervertida de nacional-popu- lar. © populismé vai consistir na pratica © no discurso de uma hegemonia burguesa comprometide, a um tempo, com (© passado eo futuro, hipotecada ao latifandio, repressora da forca de trabalho, antiliberal, antidemocrética, respondendo 8 diversidade social por meio da ideologia de comunidade nacional. Praxis que recobre e abafa o mercado, e com ele as, manifestacdes de conflitos de interesse, as greves, a livre or- ganizacéo sindical e politica da sociedade, particularmente das classes subalternas. ‘A contraface desta ambigiiidade vai estar no resultado da modernizagao sobre a estrutura social e a composics0, demogréfica do pais. Ao novo, que se afirma neste pro- cesso e poe sob tenséo 0 cardter autoritério do Estado, res- ponde-se com esforgos renovados para compreendé-lo no in- terior da malha do controle corporativo, visando-se impedir que ele assuma sua modernidade social ¢ politica, A revolu- ‘¢80-restauracdo burguesa que se exprime no processo da mo- dernizagSo autoritéria, mitificando 0 pasado, criando na 55 i is Heoloia nocionalite © espaco politico de uma iluséria co. |, somente r rulers admite 0 moderno para salvar valor Nat, burguesa que investe na modernizaggo co: laridade, or assed, ordem burguesa que radicaliza sua siroun ade “*nacional”” como forma de legitimagat _ . Nacionalismo, capitalismo autérquico, com a cultura politica orientalismo politico. Se a direita quer a ultra Pelo capitalismo, “saltando” nll name 2 democracia (com suas pres. : lo a politica {o pri- ma oo 1, de Subestimacao da democracia er mal Ache barriga”, na expresso da dire ‘ica; direitos abstratos, na da esquerda). ene: se, inft8 Sonverséncia que se realza sob he inclusive porque a esquerda se desi do_revolucion: “ori oe sgemonia burgue- te nin © CeCe foc ‘, ig ~ Salvo como recurso retéri¢ se. ‘sinato, ae ime », © tema da vantagem do atraso, em seu sentido classi. » f0i inteiramente deslocado. Sentido classi Ped passagem, qu reser PCa Se (2ue,esteve presente no Manifesto 56 Como se sabe, a0 abandono da orientacdo do Mani- festo de Agosto no sucedeu uma linha de alternativa demo- crética, optou-se por um heterodoxo caminho de coalizéo ‘com elites e frag®es burguesas nacionalistas, nacrenga de que © desenvolvimento do capitalismo nacional tendia inexore- velmente a intensificar os conflitos da Nagao com os obsté culos que entravavam: o imperialismo e o latifandio. Na pratica, com 0 caminho da coalizéo nacionalista opera-se uma mudanga de rota que impde a perda da perspectiva cléssica do atraso ~ o fundamento da luta pela emancipacdo no estave na alianga operério-camponesa, e, sim, na frente Gnica nacionalista Subsiste, entdo, a cultura politica do espectfico atraso burgués, uma via para 2 modernizago sem projeto de mo- dernidade, um capitalismo antiliberal e antidemocrético, re cheado de concepedes organicistas, do legado patrimonial, da idéia de Naco como um espaco de comunidade criado e preservado pela aco normative e coativa do Estado, No interior da coaliz30 nacionalista, e sob hegemonia burguesa, © atraso — atentar para 2 perspectiva dualista da época, opondo o moderno ao atrasado — surge como algo a ser re- movido pela penetracdo das modernas relagdes capitalists. E, nao, como um foco de tensio revoluciondria, com base 1na resisténcia do campesinato a invaso e desorganizacéo do seu mundo pelo capitalismo, tal como se apresenta na es querda, em sua tradi¢o russa e orientalista, O privilegiamento da questo nacional, esvaziado do ‘tema do atraso como vantagem, elimina a possibilidade — ‘no caso brasileiro, certamente que s6 em teoria — da esquer- da desencadear “por baixo", via alianca operério-campone- sa, 0 processo de lutas de libertacao. Por esta razdo, Oriente impotente. Por outra, Ocidente incompleto, na medida em que @ alternativa da coaliz4o nacionelista, embora tenha im plicado uma tética de valorizaco das instituicdes democré tticas — clara na Declaraco de Marco de 1958, do PCB —, ‘no consistia no terreno propriamente adequado para o es: tabelecimento dos fundamentos de uma definida estratégia demacratica de transicao ao socialismo. Deriva disto a per da da vantagem do atraso pela esquerda e, cumulativamen- te, a perda da vantagem do moderno, a0 incluir a classe ope: 87 aria e 0 sindicalismo num: Bo naci eae 1 coaliz0 nacionalista sob hege- 3 eae Dera que reverteré em ganho para a co Se aproveltord can burauesa especiticamente capitalista uc Outras ternece GO Populism, clientelismo, coronelisma ¢ Vantagens de ac ominatéo tradicional, a fim de extrais tein ce sen inclusive para efeito de sua acumulags0 Eorovertard tel E, Por motivos ve também se », dado que cada es. forgo bem- f se oneraigedido da coalizdo nacionalista — incluidas (jmportava a expansio do sis encontro das culturas poli- No contexto tedrico da ques. classe operdria ea esquerda — | ticas da esquerda e da direita, 80 nacional, no $6 vai subme! ago hegemonica da segunda, Brimir a moderidade da nova | Sxito de modernizago econdmi A hipoteca da es que tem concedido ‘Juerda 8 cultura politica do atraso é espaco B SAGO 20 conservantismo neoliberal, neste nova circunsténcia da transi¢éo do autoritarismo & de: mocracia e de autonomizagao politica das elites econémicas, para exercerem uma emergente influéncia sobre 2s camadas médias, a pequena e 2 média propriedade, urbana e rurel, inclusive o sindicalismo. Com isto, 0 grande capital tem con- seguido um efeito de universalizacao dos seus interesses, cre- denciando:se até como intérprete geral da sociedade na de- niincia do anacronismo do Estado. Importando o neolibe- ralismo um corte das elites econdmicas com a tradicgo repu- blicana autocrética, afasta-as de uma concepego da econo- ia como um empreendimento da razdo de Estado. Nova vocago que expressa as exigéncia atuais do capitalismo, re- define sua identidade como um ator moderno e esta na raiz do seu projeto de hegemonia. Projeto que se constitui na cerrada critica @ matriz ibérica, que presidiu @ constituicéo do Estado Nacional e 0 proceso de modernizagao subse- qiiente, e que toma corpo na adogao do utilitarismo como visio de sociedade e de natureza humana. A alternativa do neoliberalismo conservador consiste numa reordenagao das relagdes entre politica e economia autonomizando 0 lucro dos objetivos da ideologia de “gran- deza nacional” —, entre Estado e sociedade civil, a fim de emancipar 0 mundo dos interesses da esfera publica. Sua postulaco de hegemonia associe a idéia de liberdade & de propriedade e, embora ndo cesse de decretar o fim das ideo- logias, procura se escorar na ideologia de um capitalismo po- pular. Nisto, chega até como fazem seus mais tréfegos térpretes, a compreender como uma de suas bases de susten- taco, esdrixulo novo repositério do liberalismo, este uni: verso da estratégia de sobrevivéncia das classes subalternas que é 0 mercado informal. ‘Afrouxado o "abraco lusitano”” (R. Faoro), quebrada a légica dos mecanismos de cooptaga0 exercidos pelo Esta: do sobre a sociedade civil (S. Schwartzman), acertadas as contas da ordem privada emergente com o Estado cartorial que @ possibilitou, sob forma renovada 0 argumento neol beral se credencia a extrair, cumulativamente, vantage do moderno e do atraso. Como é trivial, sua sustentagdo est nos seres burgueses modernos — nos representantes do gran- de capital. Porém, como o movimento neoliberal se encon- tra animado por ume postulacao de hegemonia, ele se alarga 59 para interpelar a média e 2 pequ i lectuais,o sindicalismo, 2 economie submene eeripea ‘ldo publica em geral, que se procura mobilizar em torno da lenancia de ineficiéncae corrupeo do apartho stata Se a nova direita conquista posigs ornare screamin dra fialismo, corporativismo, autocratismo —, 2 esque ve imantém prsioneira do seu expecifico otro. Asseucnas Ge novidade apenes a postulagio de uma cidadania per dicitce socials, que se ewjota numa expressio corporative pre, Politica, tendendo a reforcar, aliés, 0 ergumento utilitarn da neoburguesia. oe Roberto Schwarz, nos excelentes ensaios do Oi tas S807, precisou 3 forga e a natureza do legado politico ao ssquerda. *Vejae (cath) 0 mode de sa este oe vindicado contra os valores puritanos de que se nutrem Sociedades capitalistas, além de ser concebido como ur trunfo (a vantagem do atraso, LWV) para a hipotese de nos integrarmos num mundo mais abert (socalsma?)."" O distanciamento furtive do. mund. r modern como. perda de una identidade “auieraey, 9 expectativanosibito, no espontaneo, no povo e néo ‘na clase, no perifrca €,marainal order capitalist e ndo na ua centralidade — o fabril —, na intuigao vine Aicagfo de uma dialética da ralendrayer antioegtalin constituem na qualificacao da cultura politica do atraso de esquerda. Na avaliacao de Schwarz, “o Brasil pré-burgues, Quase virgem do puritanismo e célculo econdmico, assimity de forma sébia e poética as vantagens do progresso, prefigu, rand Fande 4? humanidede pés-burguesa, desrecalcada tra ificando um passado de fantasia comuni uerda se torna contempordnea sem assumira dantcnde ok ovo ser das classes subalternas: uma vertente vai refazer o ideal de comunidade no Estado, lugar de defese dos “velo. ‘es nacionais”, expressando, mesmo quando néo 0 quer, continuidade com a tradi¢ao estatista das antigas elites au ratices, outra, refazendo aquele ideal em sujeitos, novos ¢ R. Schwere, Press (Que hora so? 7 dem, p. 13 60 estos, Slvo engana, de Disiétice de Malandrager, in velhos, da sociedade civil, como etnias, minorias raciais, mo- radores, até grupos de interesses, etc.; a énfase desta Ultima vai recait no tema da autonomia dos movimentos sociais, de uma congénita autenticidade destes a ser preservada da contaminagdo da politica e dos partidos; nela, os partidos so compreendidos como uma colecdo arbitréria de interes: ses corporativos, agregados mecanicamente, vista a mudan- {¢2 social como 0 resultado da livre manifestaggo da “alma popular”. Eleva-se a “desordem” ao estatuto de uma potén- cia politica, como na mistica greve geral soreliana, em que se patenteiam o protesto e a vontade revolucionaria das mas- impermedveis aos degradados e desumanos valores do capitalismo. Quer por sua vertente de alinhamento “nacional” ou sta € uma esquerda que néo estabelece sua erspectiva a partir do mundo do trabalho, do operariado fabril e da modernidade deste ser. Isolado do mundo, repri- ‘tmido por uma cultura da “desordem” que visa instrumen: ializé-lo, 0 ser moderno vivenciado pelo proletariado fabri! indo se constitui como central na orgenizacdo da resistén- Gia — e de uma eventual ofensiva ~ das classes subalternas: Contido 0 sindicalismo nos temas de defesa econdmico- corporativos, vive e atua num universo estranho a questo popular. Embora as favelas, como as do Rio, sejam predo- minantemente habitadas por trabalhadores, a maioria ocupa da no setor formal, elas so tratadas como lugares de vide comunitéria, expresso da “alma popular”, galéxia distante anos-luz das fabricas, dos sindicatos e dos valores reinantes, ai, de dignificagéo do trabalho e do trabalhador. ~*""Tome-se 0 caso do PT, partido origindrio de um movi- mento sindical da ponta do setor fabril — o ABC paulista. Com suas rafzes derivadas de acdes coletivas tipicas do ope- rariado moderno, a que ngo faltou um forte — e legit mo — componente utilitarista, logo que se constitui como partido, inicia um proceso de submerséo da sua moderni dade operéria na cultura do atraso. Sue temética, de inici operéria, progressivamente regride no sentido de se confun- dir com valores pré-capitalistas, exorcizando fantasmas sore- lianos, messiénicos, 0 boverismo guevarista, 0 anacronismo populista de tipo narodnik, a ingenuidade da crenca no papel revolucionério do banditismo social. 61 Perspective do otraso, que tem sua marca politica na subestimago, ou no mero uso instrumental, da democracia Politica suas instituigBes. A reiterago desta perspective, em que pese ter-se completado 0 processo de modernizacae sob hegemonia burguesa, e numa situago dominada pela emergéncia de seres politicos @ sociais de extracao moder. me, € que tem favorecido os éxitos da nova burquesia de orientaco neoliberal no seu atual esforco hegemonico, Hoje, a situacdo de atraso que.se conhece nfo corres- onde 8 sua modalidade cléssica, e, sim, aquela que & pro. duzida pelo desenvolvimento desigual do capitalismo. Dis. 10 resulta que as massas postas em situago de “‘atraso’” ndo se constituem nas chamadas classes pretéritas sob ameoca iminente de terem seu mundo desorganizado pelo avaneo do capitalismo. Tal é 0 caso, por exemplo, desta atipica catego ria de “camponés_semterra’’, posi¢éo particular de classe que supée, de um lado, ums expropriagao jé efetivada dos meios de produgio do produtor direto, e, de outro, a per. sisténcia de uma “mentalidade" camponesa que coexists com a mutacdo “objetiva" sofrida por esta categoria social, Exemplo que também vale para as classes populares dos cen. tros metropolitanos, ditas “marginais” no enfoque cultura. lista da bibliografia usual, cuja estranheza — no majorité. ria — em relacdo ao mercado formal nao cancela seu crucial Papel na reproducao da ordem capitalista, No caso cléssico, o atraso das classes pretéritas se epre- sentava para a classe operdria como uma externalidade devendo © campesinato ser interpelado por ela — numa alianca entre forgas sociais e politicas distintas — a partir da historia e motivagdes peculiares a esta categoria social. A Principal delas, a propriedade da terra, antitética ao ideal de Socializaeao dos meios de produgdo. As classes populares, diversamente, se constituem numa parcela do proletariado, sendo, jé, um resultado da aco do capital. Proletariado no inteiramente submisso a0 capital por insuficiéncia de desenvolvimento deste. Mas se as lutas das lasses populares podem néo ter — geralmente no tém — a Persona do capital como opositor direto, significam, em contrapartide, movimentos que criam presses sobre o Esta. do burgués no sentido da sua democratizacdo — concessio ¢ 62 ampliagdo de direitos sociais, reforme urbana, crie¢do de equipamentos sociais para a populaedo, etc. Uma das caracteristicas distintivas das classes popula- res reside no fato de que sua aco politica incide sobre o nivel da formago econdmico-social, no estando seu per- tencimento de classe determinado por uma inscriego defini dda na organizagio do sistema produtivo capitalista. A eco: nomia submersa, por exemplo, representada por sua ativi dade no mercado informal, pode evoluir, dependendo da politica e da democratizacgo da politica econdmica, para ma situagio de pequena burguesia ou ficar estagnada, num contexto “*marginal”” de estratégia de sobrevivéncia de um setor do proletariado, Tal dependéncia das classes popula: res 4 politica pode redundar na coopta¢o dos seus movi- mentos sociais por parte do Estado, ou por formagées par- tidérias de origem estranha as classes subalternas, quer pela via do clientelismo, quer mesmo pelos mecanismos usuais taco. “Tapert pert de rgreentpteoperdtadorinefa mente 08 de tradigo marxista, 2 questo de hegemonia se define, entre outros temas, pela sua capacidede de exprimir as demandas ¢ lutas associadas & situaedo especifica de atraso induzida pelo desenvolvimento desigual do capitalis- mo. Construcio de hegemonia que também se define pela incorporacdo de temas e personagens associados & cultura poles do_staso barjuts_desle que expurmados da sus ‘ganga original autoritéria, especialmente através da sul o inten de chamada queso nacional & demoerttion » da elevacdo das centrais sindicais dos trabalhadores a0 papel de um ator determinante dos rumos do desenvolvimento eco- PP Ua eohaiems pate se ln cero Pepin Tee tipo se credencie a0 exercicio da hegemonia esté na eman- cipago da classe operdria de uma pauta econdmico-corpo rativa. Pauta que a isola como simples personager do mun- do do trabalho, impedindo-a de invadir a formagSo econé- mico-social como representante geral das classes subalter- nas e da questéo democrética. Outra, 2 de que este movi- mento da classe operéria em direcdo aos temas gerais da for- mago econdmico-social no implique perda ou esvaziamen- ae ea er ular”. © indieador de éxito do seu esforeo hegeménico ode ser avaliado pela irradiacéo do niicleo fundamental dos seus valores — étice do trabalho, principio de acao coleti: Va — na cultura popular. Novos valores que se devem acres- centar a esta sem desorganizar sua tradicional singularidade Singularidade que deriva de uma certa tradiggo cultural nas classes populares, que desconhecem a influéncia purita 1n@ e 0 papel disciplinador do universo fbril e das relagdes, de calculo ¢ de previsibilidade prevalescentes no mercado formal. Nelas, persistem e devem encontrar meios de repro- ugio os tragos originérios da matriz ibérica que presidiu a nossa formacdo — com estes limites, R. Morse tem inteira razdo_na sua anélise. Tracos que, de algum modo, ainda ‘apontam pera @ primazia de comunidade em detrimento de uma concepeo moderna de individuo, consistindo num foco de resisténcia cultural, implicito mas renitente, aos va- lores propriamente capitalistes. Observacdo que no pode vir solta da ressalva de que, entregue a si mesma, esta cultura do atraso ndo se torna parte ativa na construcao democratica, Particularmente neste momento de renovada expanséo da Ordem burguesa = no apenas em sua dimensio econdmi- ca, mas sobretudo politica e social —, na tentativa de se apropriar do mundo das classes subalternas para domes: ticé-lo © democratismo 8 Rousseau, ainda para ficar numa imagem de Morse, que vagueia nos valores populares, ndo é inocente e, muito menos, arredio & crescente influéncia da matriz utilitria e dos valores capitalistas. O benditisma o ganizado das favelas cariocas, por exemplo, € um negocio capitalista. "~Democratismo” que até pode permanecer com a folclorizecéo das comunidades populares, mas destitufdo, Por isto mesmo, de qualquer impulso verdadeiro pare um agit empenhado na mudanca social. Se este Rousseau” existe, somente poderé subsistir se apoiado nos sélidos om bros de Marx e na dura e moderna cultura da resistencia operdria, ° 12, Plo de Jansiro, Centro de Pesquisa 6. PACTO SOCIAL E DEMOCRACIA No fundo da crise econdmica esta a crise polftica. Fald- cia de pescadores de aguas turvas conceber o ja vertiginoso proceso inflacionario como derivado de singelas variveis econémicas. O pais produz, no hé recessio, 0 capitalismo agrario exibe um desempenho exuberante. Adotam-se novas tecnologies no parque industrial e, nunca como agora, con- tamos com tantos recursos para a pesquisa e a formacéo de quadros qualificados na fronteira estratégica da ciéncia, E nova a insercao do pais no sistema internacional, novissi mos 08 papéis que exerce no contexto latino-americano, na Africa, no Mercado Comum Europeu e na competente e ne- cessaria abertura para o Leste. Pois @ a falta de Estado © exoesso dele — que provoca este efeito de transmutag3o da crise politica em econdmica. Paradoxo apenas aparente porque a ordem capi: ‘alista brasileira no conhece um Estado burgués que se institua como relativamente auténomo dos interesses eco- niomicos das elites. E que, ademais, seja representative de uma esfera publica contraposta a ordem privada, credencian- do-se na qualidade de fiador da ordem capitalista em geral 65 O Estado que temos, fruto de uma solugio emergencial imposta nos anos 30, néo passa de um instrumento ad hoc irigido para 0 fim de forcar passagem & modernizacao eco- nOmica do pais por meios autoritarios. Estado que guarda, aliés, intima continuidade com o patrimonialismo ibérico que herdamos da colania, o qual, por sua vez, foi preserva- do em suas linhas gerais no Império ena 12 Repiblica Nominalmente piblico, ndo foge 8 observagio do ana- lista sério que tal Estado néo significa algo diverso do que cimaras corporativas que abrigam os principais interesses privatisticos da nossa organizacdo econdmica. A dimensio Publica é assim apropriada por eles, que a pervertem a servi- {90 dos particularismos expressos por estes interesses, Nosso cartorialismo — @ bom que se diga —, se ja teve uma nature- za impositiva de cima para baixo, ao menos desde os anos 70, tem conhecido situagao inversa — agora 6 de baixo para cima Prisioneira de tantos e divergentes interesses, nossa forma anacrdnica de Estado nao detém capacidade de regu- lagio, esgotando-se em fornecer respostas topicas a pres s6es que vém do interior dela mesma. Trivial que a transiggo politica para a democracia, ain da em curso, no alterou este perfil torto de relacionamento entre Estado e sociedade. Ao contrério, agugou a competi- go dos interesses privados dentro de suas camaras corpora. tivas, e pelo simplorio motivo de que a baixa taxa de desen- volvimento tornou escasso aquilo que antes fora abundante. Noutra ponta, a modernizeedo da economia com suas natu- ‘ais exigéncias por previsibilidede, céleulo, légica de merca- do, impondo transparéncia na intervengo piblica, vem de- nunciando o obsoletismo deste Estado que ainda ai esté. Empatado, defasado, o Estado se paralise na sua artro- se institucional, impotente para agir de modo eficaz sobre variéveis econdmicas. Fica a iluso de uma economia a beira da catastrofe, e de qual muitos procuram se servir para extrair vantages para seus interesses particularistes. O ine passe @ politico precisarnente porque qualquer intervencéo econdmica de vulto — como 0 momento reclama — implica conceder primazia a uma das grandes correntes politicas em dispute, Grosso modo, so trés estas correntes de opinio, que se distinguem entre si por suas propostas de regulacdo da 66 a economia e de relagdes entre Estado e sociedade. Podemos qualificer a primeira como a da Tradico Republicana, ex pressando 0 governo e as FFAA e que visa, sob modalida: de reformada, preservar a condugao politica do desenvolvi mento econdmico por parte do Estado. Razdo do seu dissi- dio camuflado com a Carta de 88 e a concep¢do descentra- lizadora do poder nela presente. Outra, a neoliberal, afirma-se por sua utopia de um mercado auto-regulado, sua abertura a0 capital estrangeiro ‘em nome da modernizacao e por sua ideologia de capitalis- ‘mo popular, na pretensio, de um lado, de solidarizar os assa- lariados — Convertendo-os em acionistas — com a expansdo das empresas em que trabalhem, e, de outro, nesta valoniza- ‘cdo crescente do mercado informal. A terceira consiste na corrente dos democrate-liberais, ha pouco vitoriosa na Cons- tituinte e que se define pela democratizagao do liberalismo, embora ndo deixe de realizar uma habil composicgo com te ses € instituigdes caras 8 Tradi¢do Republicana e aos neo- liberais. N3o por acaso a nova Constitui¢éo se acha atacada por dois flancos — de uma parte, pelas forgas conservadoras da Tradigao Republicana, da outra, pelos neoliberais —, arris- cando-se a permanecer como mais um texto legal inécuo. A preméncia das circunstancias, que impe 0 pacto social, ‘obriga 2 que se imprima continuidade ao trabalho da Const tuinte. A questo do Estado e da condugo da economia passa da discusséo por parte da representagao politica para (© campo dos pesos pesados da politica brasileira — os en presérios, 0 sindicalismo e 0 governo. ‘Como nio hé vicio sem virtude, a virtude desta crise se constitui no fato de atualizar a logica da transieo para a democracia na esfera do Estado e da economia, até entéo impermeaveis a ela. Cortado o caminho da intervengao por “pacotes”, modo convencional da Tradi¢go Republican, ir- real 0 choque dos neoliberais, a arquitetura democratica dos constituintes encontra no pacto social a sua hora e a sua vez © efeito inesperado da chamada crise econdmica con- siste em por a nu a incapacidade deste Estado em intervir sobre ela e atuar como agéncia regulatoria, A inflagéo e mais a ameaca da hiperinflago evidenciam a faléncia de uma cer- ta forma de Estado. Sao elas que trazem @ boa nova dle mu- 67 68. ancas insttucionais que aprofundem 2 transi, afetando : dimenséo do poder politico e da economia. © pacto social Sianfica uma constituinte em ato, tornendo possivel acon S80 em reslidede dos principios 2 rc : ‘ncipios renovadores da Carte de 88 — valorizaedo da socedade diante do Estado, do sin jicalismo e democratizago da politica econdmica, 7. PROBLEMAS CONCRETOS PARA A CONSTRUGAO DA DEMOCRACIA Dizem que politica é como nuvem — mostra-se a cada visada com uma imagem diferente. Va ld, também é isto, € basta levantar os olhos para este céu — que ndo é de briga- deiro — para se notar que noves figuras so desenhadas no ar, a que no faltam prességios de mau tempo. Talvez de tempestade. De qualquer modo, faz um tempo de mudan- (¢25, desfeito 0 abafado mormaco em que, entre a cruz e 2 Caldeirinha, especulava-se se melhor sorte seria sofrer o gar rote vil com Janio Quadros ou a fogueira de chamas eternas ‘com Leonel Brizola. Foi 0 voto inesperado e insurgente de masses que des figurou tal insidioso cenério, zerndo 2 conjuntura anterior e criando outra, j4 marcada pelo protagonismo de novos ‘atores, e por novos problemas a requererem solucBes inédi- ‘as para 0 longo processo da transigéo em curso. O maquis velismo de mafia das elites urdira uma sinistra cilada para 0 movimento democratico: uma vez que o centro politico re. sistia 20 seu deslocamento para a direita — a prova foi o tex- to final da Constituigo —, assumiu-se 0 objetivo da sua im plosio. Evidentes os fins de con Ee contro polttic, inrodusinse um cline de “soovae evar com a ameaga do anacrénico populismo de Estado do PDT. Pela crete, deveram se fina bose estratigicas na capital a esperada vitéria de Malt f datura de centro-esquerda pela campants de Pr pel to Géloulo cartesiano, ambos os resultados abririam # pr fara 2 candiatura nio em nome da presornto do orden, lernizacdo neoliberal e do veto ao 1 seta asic wwe oom Gesmoralizagio politica da Carta de 88, A campanne pea re, \ws80, consttuctonal coined. com sucesso. 4 Pres Obvia a intengdo de folsifi partir, polerizando', 8 esquerda, mo pouiares Ce Ustae,&direita, ne fraedo burguesa neoliberal ponto de por. fa efetivo da candidatura Janio. Trivial também 0 céleulo de que, por fas ou por nefas, nas urnas ou fora delas, 0 pen. dio da vitéria ficaria no campo neoliberal. O processo de transi¢do culminaria com 0 coroamento da ordem burguesa moderna, estipuladas as condigdes de uma nova hegemonia de classe em que o mercado e a légica do lucro no meis co. nheceriam quaisquer limitagdes originérias de questGes como soberania nacional e justica social. O ideal era pose vel = neoliberalismo sem Pinochet, bafejado pelo cerisma das urnas, recriado 0 pats 4 imagem e semelhanca dos inte. ‘esses da emergent ordem privadse da nova drit, luem muito quer, tudo perde. Deu zebra, como se s0- be, Contiou-se dermis'na "pesividede dos grandes dine. Toso syposto de que aquilo que jziaimovel peristia como, tal. Som o peso da msauina do governo central com 42 mii orientada pare a destruiedo eleitral do centro pol ico, © absenteismo de governadores que confundem habili dade politica com esperteza de contos do vigério, o voto de ‘masses se sentiu livre. E, livre, deu expresso & sua frustr 0 com 0 plano Cruzado, & sua revolta com a inflacio, & yansomanso com 2 renressio militar 20s wabalhadores de Yat politica de Al Capone das elites morreu A insurgéncia néo-prevista do voto encontr radouro‘no PT, impondo una derota 20 moquiareleno 0 mafioso das elites, refazendo inteiramente as condigées do fazer politico no pais. Quaisquer que sejam as suas motiva des — © soguramente nao se identificam com uma opgao de- finida @ esquerda —, a manifestacdo eleitoral das massas transfigurou a conjuntura, afetando a posicao de cada ator e a propria natureza dos conflitos em jogo. Entre os vérios perdedores, 0 governo, os neoliberais, a candidatura Janio Quadros, 0 PMDB, e também 0 PDT, derrotado em Porto Alegre e vencedor com apenas 30% dos votos no Rio de Ja- neiro, numa eleigso onde ndo houve disputa real. Rol de derrotas a que néo falta o proprio PT, posto diante de um desatio, pelo menos até a esta altura dos acontecimentos, maior que ele. Quem pode ter ganho foi a transiga0, perto de dar uma passada de bota de sete léguas rumo 8 demo- cracia. Por que © paradoxo, uma vez que a vitéria eleitoral do PT parece apontar para uma polarizagao entre ordem bur- quesa e socialismo, to artificial e arbitréria quanto aquela que se queria construir entre 0 populismo de direita de Jénio — cavalo de Tréia dos neoliberais —e o dito de esquer- da de Brizola? Exatamente porque o que era falso foi denunciado como falso, impondo-se uma correcdo de rumos por parte dos atores politicos face & estrutura social € nos conflitos socials reais em jogo no pais. 0 PDT nao pode mais negacear sua identidade entre © estatismo populista e a social-democracia, entre o atraso terceiro-mundista e 0 moderno burgués, confiande apenas ‘no apelo carismatico do seu mentor; o PSDB, partido de in- telectuais sem contato com os movimentos sociais, 0 pode seguir simulando ser o partido da social-democracia moderna enquanto nfo possuir bases no sindicalismo e man- tiver seu ambiguo coqueteio com 0s neoliberais; estes, por sua vez, precisam procurar sua turma, arranjando-se, no caso de um projeto puro, com a UDR, a FIESP, a Bolsa de Valo- res de Sio Paulo e tantos intelectuais, que, para isto, nao fal- tam e, no caso de um projeto impuro, compondo-se com forcas politicas que j4 ocupam 0 centro; 0 PMDB, se € 0 partido democrético-liberal inspirador da Carta de 88, teré de romper com a tradicSo politica do atraso burgués, com © clientelismo, com @ oligarquizagio da maquina partidéria, PT que, finalmente, conhece a hora da verdade, no poders ser a frente heterdclita a abrigar tendéncias avangadas da so- cial-democracia, 0 populismo messidnico e 0 radicalismo re voltoso de esquerda maximalista; e a esquerda marxista ou se convence de que a estratégia democratica é para valer, no um discurso de casio, ou procura um canto para se encostar, como alguns precursores jé vac ir =e 6 vao fazendo no interior Evidente que ou se constroi uma estrutura partidéria com direita, 0 centro e seus diferentes matizes, e uma es- querda real — aqui, forcosamente pluralista —, ou, alternati vamente, se vai em marcha batida para mais um desastre da democracia. Tendéncias favordveis & democracia existem, Uma delas foi o resultado eleitoral, e no pode ser roubado de cena o fato crucial de que a intervengio vivificante do PT 86 encontrou sua possibilidade porque hé @ transigo. Com prova'se, ainda desta vez, e @ despeito do juizo formulado pelos préprios participantes do processo, que so as formas democréticas, como as eleicdes, que permitem 0 avanco po- litico e social, e no 0 grevismo revoluecionarista a Sorel Desde que a transigao se formalizou como um proces- 80 distinto, 0 que se inicia com a vitbria democrética de Tancredo Neves no colégio eleitoral da ditadura, a politica de coalizlo entre os liberais avancados e a esquerda de es- ‘tratégia democratica tem sido 0 alvo Principal da direitae da esquerda representada pelo PDT e pelo PT. As razées since- ras desta esquerda — porque ha outras, que a propria razdo desconhece — para 0 combate sem tréguas que move contra as forgas que abriram o processo da transi¢go se localiza na uestéo da ruptura, Para la, oua transigo significava a der rubada da ditadura, movida por uma frente popular que logo iniciasse um governo de largas reformas sociais, ou ela masceria sob 0 estigma da conciliag3o e do compromisso ‘conservador. Assim pensou, assim agiu, menosprezando, de inicio, a Constituinte, para depois, sob a invocagéo da sua soberania, procurar criar uma dualidade de poderes entre ela € 0 poder executivo, que quase a inviabiliza, para final mente, num principismo estéril de comego do século, culmi- Nar no voto contrério do PT ao seu texto final. Ou a rupture imediata, ou nada. nm A\, as rafzes da expansao da UDR, do deslocamento do governo para a direita — a questo abstrusa e sectéria da du: Tago do mandato presidencial em quatro anos —, a forma- 0 do Centro e, o que mais importa, a dissociacao da poli- tica democratica dos movimentos socials, facilitando a des- moralizagéo da politica como atividade e das institucdes re- presentativas. Isto, mais a inflagdo e a escalada da polarizagio, consis: tia no caldo de cultura que nos conduzia, como cegos em ti- roteio, para os desvos de uma saida golpista. A emergéncia das massas, depois de décadas de controle populista e clien- telista, combinada com a represséo do Estado, ora abranda- da, ora intensificada, veio @ luz falando apenas a linguagem dos seus interesses imediatos. Comportamento que, ainda reso aos longos anos de corporativismo e & cultura politica das elites autoritérias, encontrou confirmacao na praxis de uma esquerda que dissociava o mundo dos interesses da opi- nigo democratica. Sem sustentacéo material no interesse, 0 discurso da democracia politica caiu no vazio, falando-se nas ruas com nostalgia dos tempos da ditadura. Envoltos neste nevoeiro, pelo descaminho da hiperi flagdo, da construcgo artificial e perversa da polarizagdo entre Jénio e Brizola, da desqualificagéo da politica demo- crética, fazia-se, com inocéncia e com as boas intencées de praxe, o jogo da direita. Em perspectiva, a vitoria eleitoral dos neoliberais na sucesso presidencial, e, no caso de uma improvavel derrota, 0 desenlace, mais dia, menos dia, na forma de uma intervencdo militar. Com 0 voto de massas em novembro @ marcha pata 0 confronto deixou de ser uma conspiraco do destino. Con- fronto que se pée a vista, transparente e ao alcance da mao, & 56 pegar. Ou néo, Pegar e correr, porque so poucos os tontos que ignoram 2 quem pertenceria a vitoria numa situagdo como esta. Diz-se: pouco importa, é a nossa Comu- na de 71 que se anuncia; deixé-la vir, pois na luta é que se avanga, @ a burguesia francesa, embora tenha derrotado mi- litarmente os comunards, foi obrigada a incorporar a cidada- nia @ classe operdria francesa. Esquece-se, porém, que reali Zou a incorporagao de modo subordinado, caindo por igual no esquecimento o fato de que no descendemos de revolu- ‘ges burguesas radicais, e, sim, de prosaicos processos de 73

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