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História da Tensão1

Por Aldous Huxley

O título deste artigo é de certa forma, enganoso, pois, falando estritamente, não
existe tal coisa como uma história da tensão. Tensão é uma forma de doença, e as doenças
como tais, estão além do âmbito da história. Não existe, por exemplo, tal coisa como dor de
estômago medieval, nem uma infecção focal especificamente neolítica nem uma neuralgia
caracteristicamente Vitoriana, ou ainda uma epilepsia do “New Deal”. Até onde diz respeito
ao paciente, os sintomas de sua doença são uma experiência inteiramente pessoal – uma
experiência para a qual são totalmente irrelevantes a vida pública das nações, os fatos
registrados nas manchetes ou comentados nas revistas científicas e resenhas literárias. A
política, a cultura, o andamento da civilização, todas as maravilhas da natureza, todos os
triunfos da arte, da ciência e da tecnologia – são coisas que só importam aos sadios, e não
ao doente. Os doentes se importam apenas com suas misérias e dores pessoais, apenas com
o que ocorre dentro das quatro paredes do “quarto da doença”. Para eles, o infinito universo
se reduziu quase a um ponto. Nada resta dele, a não ser seus próprios sofrimentos, suas
próprias mentes atormentadas ou confusas. A doença como uma experiência real é mais ou
menos completamente independente de tempo e espaço. Conseqüentemente, não é possível
uma história da doença como experiência; só pode existir uma história da medicina – em
outras palavras, uma história das teorias sobre a natureza das doenças e das receitas
empregadas, em diferentes épocas, para seu tratamento, juntamente com a história das
formas pelas quais as sociedades organizadas têm reagido aos problemas de doenças dentro
da comunidade.
Embora a tensão, como doença psicossomática, não possua história, ao menos
algumas de suas causas são de domínio público e podem tornar-se objeto de um estudo
histórico. O mesmo se aplica aos procedimentos consagrados por várias sociedades para a
prevenção e alívio da tensão. O assunto é vasto, meu espaço é limitado e minha ignorância
é enciclopédica. Portanto, não pretendo comentar todos os fatores históricos associados à
tensão, mas me limitarei àqueles que são mais maleáveis, e ao mesmo tempo, mais
relevantes aos problemas com que nos defrontamos hoje em dia.

Causas históricas da tensão

Permitam-me começar com aquilo que não discutirei. Não comentarei, exceto
incidentalmente, as causas históricas da tensão. Isto implicaria a discussão de dois temas
vastos e complexos – a transformação dos padrões culturais e as relações subsistentes entre
uma determinada cultura e os indivíduos que hão crescido dentro dela. Mesmo correndo o
risco de indulgir naqueles Pecados Originais do intelecto, a supersimplificação e a
superabstração, permitam-me resumir todo este tema em uma grande e abrangente
generalização. A tensão, eu diria, surge em pessoas que, por alguma debilidade congênita
ou adquirida, são incapazes de assimilar certas situações angustiantes. Estas situações são
produzidas por um conflito – entre, por um lado os impulsos fundamentais de auto-
1
Este artigo é baseado num discurso feito por ocasião da Conferência sobre Meprobamato e outros agentes
utilizados em distúrbios mentais, na Academia de Ciências de Nova Iorque em 18 de outubro de 1956 e
publicado na revista The Scientific Monthly em julho de 1957.
afirmação e sexo, e por outro lado o impulso igualmente fundamental de gregariedade. O
impulso gregário é canalizado pela sociedade, consagrado pela tradição, e racionalizado em
termos de religião e filosofia; o que acarreta a intromissão de fatores históricos numa
situação, a qual, entre animais, seria simplesmente biológica. O transtorno de tensão parece
ter ocorrido em todas as condições culturais - em culturas de vergonha como em culturas de
culpa, em culturas primitivas não menos que em culturas altamente desenvolvidas – e
mecanismos fundamentalmente similares para aliviar a tensão têm sido desenvolvidos em
todas as sociedades das quais temos algum conhecimento. É com estes mecanismos para o
alívio da tensão que me preocuparei neste artigo.

“Seu Eu Suado”2

Como todas as outras doenças, a tensão tende a reduzir a consciência do paciente,


até que, em casos extremos, o paciente é consciente nada mais que de si mesmo. As
doenças graves mudam profundamente a personalidade de suas vítimas. Esta personalidade
mudada pela doença, a fixação da consciência em si mesmo, induzida pela doença,
rapidamente se torna quase normal, e passa a ser considerada como natural. A tensão não é
uma doença grave e, aqueles que a sofrem, estão bem o bastante para sentir e sofrer o
doloroso ensimesmamento imposto por sua desordem psicossomática. Eles são como
aquelas almas perdidas, cujo castigo é “ser seus Eus suados, mas pior”3, nas palavras do
grande poeta católico Gerard Manley Hopkins. A vítima da tensão percebe e é agudamente
angustiada por esta sensação de ser “seu eu suado, mas pior”. E aqui podemos enfatizar que
mesmo as pessoas sadias são, amiúde, angustiadas pela percepção de que estão condenadas
a ser aqueles indivíduos separados e isolados como inexoravelmente o são. Os neuróticos
detestam serem “seus Eus suados, mas pior”. Os indivíduos normais apenas detestam ser
serem “seus Eus suados”, e ponto. Um dos sintomas mais desagradáveis da tensão é
simplesmente a angústia normal de ser um universo isolado elevado, por assim dizer, a
máxima potência. O homem é um egotista que se auto-adora, mas um egotista que às vezes
sente um intenso desgosto pelo objeto de seu culto idólatra.
Juntamente com este desgosto pelo eu amado, existe em todos os seres humanos a
necessidade imperiosa de autotranscendência, um desejo de escapar da prisão da
personalidade, um anelo de tornar-se alguma outra coisa ainda maior, que o Eu tão familiar,
uma suscetibilidade a uma nostalgia por um mundo superior, ou pelo menos diferente, do
tedioso e doloroso universo da realidade cotidiana. O homem religioso atribuiu esta
imperiosa necessidade universal de autotranscendência a uma inata e profundamente
localizada ânsia pelo divino. O biólogo vê o problema de modo algo diferente e atribui o
desejo humano de autotranscendência aos efeitos de sua gregariedade inata. O indivíduo
anseia por ser parte da manada, mas está por demais autocentrado para ser capaz de realizá-
lo completamente e demasiado autoconsciente para ser capaz de manter a tentativa por
muito tempo. Ele é, portanto, condenado a viver num estado de insatisfação crônica,
constantemente buscando algo que, pela própria natureza das coisas, jamais poderá ter.
Estas duas explicações não são mutuamente excludentes, e eu me inclinaria a pensar
que são ambas parcialmente corretas. Seja como for, os fatos dos quais elas pretendem dar
conta são fatos genuínos. Existe um imperativo de autotranscendência, e junto com ele, um
2
No original “His Sweating Self”.
3
No original: “to be their sweating selves, but worse”
desgosto pelo ego isolado – desgosto este que, nas vítimas da tensão, se torna agudo e
agoniante. Em toda cultura humana tem sido desenvolvidos e sistematicamente
empregados, certos procedimentos para alcançar uma autotranscendência provisória e dessa
forma, aliviar a tensão. Estes procedimentos podem ser classificados em alguns poucos
grupos abrangentes. Existem os métodos químicos, os métodos musicais e “ginásticos”, os
métodos que dependem da submissão de indivíduos isolados a influência das multidões, os
vários métodos religiosos e finalmente os métodos cujo objetivo é a autotranscendência
mística – os diversos exercícios yoga e espirituais de tradição Oriental e Ocidental. Seriam
necessárias horas para fazer justiça a todos estes métodos, e devo limitar-me a uma
discussão de somente dois deles, o mais popular e àquele que poderia ser chamado de o
“método da multidão”.

Substâncias químicas para autotranscendência

Alguns compostos químicos produzem algumas mudanças na consciência e dessa


forma permitem certo grau de autotranscendência e um alívio temporário da tensão. Pelo
tanto, as assim chamadas “drogas tranqüilizantes” são meramente as mais recentes de uma
longa lista de substancias químicas que vem sendo usadas desde tempos imemoriáveis para
mudar a qualidade da consciência e dessa forma tornar possível algum grau de
autotranscendência e um alívio temporário da tensão. Permita-nos sempre lembrar que,
embora a farmacologia moderna nos tenha provido miríades de novos sintéticos, não tem
realizado descobrimentos básicos no campo das drogas naturais; ela apenas aprimorou os
métodos de extração, purificação e combinação das mesmas. Todos os sedativos,
narcóticos, euforizantes, alucinógenos e estimulantes existentes na natureza foram
descobertos milhares de anos atrás, antes da aurora da civilização. Certamente, este é um
dos fatos mais curioso existentes no longo catálogo de improbabilidades conhecido como
historia humana. O homem primitivo, evidentemente, experimentou toda raiz, caule, folha e
flor, toda semente, castanha, fruto e fungo em seu meio ambiente. A farmacologia é mais
velha que a agricultura. Há uma boa razão para acreditar que, mesmo nos tempos
paleolíticos, enquanto ainda era um caçador e coletor, o ser humano matou seus inimigos
humanos e animais com flechas envenenadas. Já pelo fim da idade da pedra, o homem se
intoxicava sistematicamente. A presença de botões de papoula em sambaquis de habitantes
do Lago Suíço mostra quão cedo em sua história o homem descobriu as técnicas de
autotranscendência mediante o uso de drogas. Havia adictos bem antes de existirem
agricultores.
Aqui, permitam-me mencionar um fato de alguma importância. Para aliviar a
tensão, um composto químico não precisa ter as características de um tranqüilizante. O
álcool por exemplo, está longe de ser um tranqüilizante, ao menos nas fases intermediarias
da intoxicação. Porem, o álcool vem aliviando a tensão desde que Noé fez seu
descobrimento histórico. A autotranscendência pode ser conseguida tanto através de um
excitante quanto por meio de um narcótico ou um alucinógeno. A tensão é aliviada, não
apenas por drogas contemplativas tais como o ópio, peyote, kaya e a ayahuasca, mas
também por intoxicantes causadores de extraversão tais como o vinho, o haxixe, e o soma
da Índia antiga. Algumas drogas são muito menos prejudiciais que outras, tanto fisiológica
quanto socialmente, e por tanto são as preferíveis. Mais tais considerações meramente
utilitárias nunca pesaram para o usuário de drogas. Para ele, qualquer coisa que produza
certo grau de autotranscendência e alivio lhe parece bem. Enquanto a droga funcione aqui e
agora, quem se importa com o que pode acontecer mais tarde?
Sobre este assunto, uma consideração altamente significante foi feita por William
James em seu “Varieties of Religious Experience”: “a influência do álcool sobre a
humanidade é inquestionavelmente devida ao seu poder de estimular as faculdades místicas
da natureza humana, usualmente pulverizadas pelos fatos frios e pelas críticas secas da hora
(momento) sóbria A sobriedade reduz, discrimina e diz "não”; a embriaguez expande, une e
diz ‘sim’. É de fato a grande estimuladora da função “Sim” do homem. Ela traz seus
devotos da gélida periferia das coisas para o centro radiante. Ela torna o homem,
momentaneamente um com a verdade. Não é por mera perversidade que o homem a
procura. Para os pobres e iletrados ela ocupa o lugar dos concertos sinfônicos e da
literatura. A embriaguez, que tantos de nós experimentamos como algo que exala e brilha e
que imediatamente identificamos como excelente apenas em seus estágios iniciais e
fugazes, mas que em sua totalidade é tão degradante quanto um veneno, faz parte do mais
profundo mistério e da tragédia da vida. A consciência em estado de embriaguez é uma
fração da consciência mística e nossa opinião final a seu respeito deve encontrar seu lugar
em nossa opinião sobre esse todo maior.”4
Noutro lugar em seu Varieties, James cita o dito de um de seus amigos médicos:
“Não há cura para a dipsomania excetuando a religiomania”. Estas palavras, de certa forma
algo bastante epigramáticas, expressam uma verdade que a experiência coletiva dos
Alcoólicos Anônimos tem confirmado amplamente. A experiência mística se coloca frente à
embriaguez numa relação do todo para a parte, da saúde para a doença. Para o alcoólico
assim como para o místico, existe uma abertura de portas, um drible naquilo que eu
denominei “válvula cerebral redutora”, função normal do cérebro que limita nossos
processos mentais a uma consciência na maior parte do tempo, do que é biologicamente
útil. Para ambos, há um lampejo de algo transcendente ao mundo da experiência cotidiana –
esse estreito mundo utilitarista que nossa consciência autocentrada seleciona a partir da
infinita riqueza das potencialidades cósmicas. Aquilo que o bêbado visualiza nas fases
iniciais da intoxicação é imediatamente identificado como excelente. O que não é excelente
é o método específico empregado para lograr esta experiência transcendental.
O álcool é uma das drogas mais antigas e certamente a mais utilizada entre todas as
drogas modificadoras da consciência. Infelizmente, é um tanto ineficiente e um quanto
perigosa. Existem outras, e melhores, formas do que embriagar-se para lograr esses
mesmos resultados intrinsecamente excelentes. Algumas destas formas são químicas, outras
são psicológicas. Outras envolvem o jejum, a insônia voluntária e varias formas de
autotortura. Todos estes procedimentos modificam a química normal do corpo e assim
facilitam o contorno da válvula cerebral redutora e um escape transitório da prisão da ilhada
individualidade. Algum dia, quando a psicologia se tornar uma ciência genuína, todos estes
4
No original: “The sway of alcohol over mankind is unquestionably due to its Power to stimulate the mystical
faculties os human nature, usually crushed to earth by the cold facts and dry criticisms of the sober hour.
Sobriety diminishes, discriminates and says No; drunkenness expands, unites and says Yes. It is in fact the
great exciter of the Yes function in man. It brigns its votary from the chill periphery of things to the radiant
core. It makes him for the moment one with truth. Not through mere perversity do men run after it. To the
poor and the unlectered it stands in the place of symphony concerts and of literature. It is part of the deeper
mystery and tragedy of life that whiffs and gleams of something that we immediately recognize as excellent
should be vouchsafed to so many of us only in the fleeting earlier stages of what in its totality is so degrading
a poison. The drunken consciousness is one bit of the mystic consciousness, and out total opinion of it must
find its place in our opinion of that larger whole”
métodos tradicionais para produzir auto-transcendencia serão examinados sistematicamente
e seus respectivos méritos e defeitos serão precisamente determinados. Por agora devemos
contentar-nos com tal conhecimento fragmentado assim como é disponível atualmente.
A caracterização do álcool por William James como um excitante das faculdades
místicas é confirmado contundentemente pelo que os próprios místicos têm falado de suas
experiências “extasiantes”. Na literatura mística do Islã, metáforas derivadas de vinho e
bebedeiras são empregadas constantemente. Metáforas precisamente similares podem ser
encontradas nos escritos de alguns dos maiores santos cristãos. Assim, São João da Cruz
chama sua alma de “la bodega interior de mi amado” - a adega interior do meu amado. E
Santa Tereza de Ávila nos conta que ela considera “o centro de nossa alma como uma
adega, na qual Deus nos admite quando e como Lhe agrade, para intoxicar-nos com o
delicioso vinho de Sua Graça”.

Drogas que provocam mudanças na consciência e Religião.

A experiência de autotranscendência, e o alívio da tensão, produzidos pelo álcool e


outras substâncias químicas que modificam a consciência, é tão maravilhoso, tão ditoso e
uma tal benção que os homens tem considerado muito natural identificar as drogas, às
quais devem sua felicidade momentânea, com um ou outro de seus desuses. “A religião é o
ópio do povo” falou Karl Marx. Seria quase tão certo dizer que o ópio é a religião do povo.
Alguns poucos místicos tem comparado o estado de Êxtase com o da embriaguez; mas são
inúmeros os bebedores, fumantes, mastigadores e “cheiradores” que tem logrado uma
forma de liberação extática mediante o emprego de drogas. As qualidades supranaturais
desse estado mental têm sido projetadas às drogas que o produzem. Assim, na Grécia, o
vinho não era meramente consagrado a Dionísio; o vinho era o próprio Dionísio. Baco era
denominado Teoenos – deus do vinho –, uma única palavra que iguala o álcool com a
deidade, a experiência da embriaguez com o espírito santo. “Nasce um Deus”, disse
Eurípides, “Bacchus é derramado em libações aos deuses, e através dele os homens
recebem o bem”. Esse ‘bem’, de acordo com os gregos, era de vários tipos – saúde física,
iluminação mental, o dom de profetizar, o sentido extático de ser um com a verdade divina.
Similarmente, na Índia antiga, o suco da planta soma (seja lá o que tenha sido essa planta)
não era meramente sagrado para Indra, o deus-herói das batalhas; era a própria Indra. E ao
mesmo tempo era o alter-ego de Indra, um deus propriamente dito.
Muitos exemplos similares desta identificação de uma droga modificadora da
consciência com algum deus do panteão local poderiam ser mencionados. Na Sibéria e na
América Central, várias espécies de cogumelos alucinógenos são consideradas como
deuses. Os índios do sudoeste dos Estados Unidos identificaram o cacto “peyote” com
deidades nativas e, mais recentemente, com o Espírito Santo da teologia Cristã. Nos tempos
clássicos, os bárbaros do norte que bebiam licor de malta adoravam sua cerveja sob o nome
de Sabazius. A cerveja era também um deus para os povos celtas, assim como o hidromel
era considerado divino para os Escandinavos e os Teutones. Na Anglo-Saxônia, a idéia de
catástrofe, de pânico, o cúmulo do horror e do desastre era veiculado por uma palavra cujo
significado literal é “falta de hidro-mel”.
Praticamente em todo lugar o consumo de drogas que modificam a consciência
tem sido associado, em um momento ou outro, com o ritual religioso. Beber, mastigar,
inalar, cheirar têm sido considerado atos sacramentais, validados pela tradição e
racionalizados em termos da teologia prevalecente. No mundo muçulmano, o álcool era
proibido, mas a urgência de auto-transcendência não pôde ser suprimida, e existiam e ainda
existem lugares no mundo muçulmano onde o consumo de Cannabis indica não só é
aprovado pela sociedade, como tem se tornado uma espécie de rito religioso. Certos autores
maometanos enxergaram no haxixe o equivalente ao pão e vinho sacramental dos cristãos.
Entre os judeus, muitos esforços foram realizados para dar uma sanção religiosa à atividade
de beber vinho. Jeremias se refere ao “cálice da consolação”, o qual era administrado aos
aflitos. Amos fala aos homens que bebem vinho na casa de seu Deus. Miquéias tem
algumas palavras duras para aqueles que, em sua época, tinham o costume de profetizar sob
a influência do álcool. Isaías denuncia os sacerdotes e profetas que haviam “vagado através
de bebidas fortes”. Eles vagaram, diz ele, “em visão”. Tradicionalmente, Dionísio era o
deus da profecia e da inspiração, mas, caramba, as revelações do álcool não são totalmente
confiáveis.

Intoxicar-se de rebanho

Da autotranscendência mediante substâncias químicas, passamos agora a


autotranscendência através do meio social. O indivíduo faz contato direto com a sociedade
por duas maneiras: como membro de algum grupo familiar, profissional ou religioso, ou
como membro de uma multidão. Um grupo é estruturado e tem um propósito; uma
multidão é caótica, não serve a nenhum propósito individual, e é capaz de qualquer coisa,
excetuando uma ação inteligente. Empregando uma analogia que não é tão enganosa,
podemos dizer que o primeiro grupo é um órgão do corpo político e a segunda é um tipo de
tumor, geralmente benigno, mas algumas vezes terrivelmente maligno.
Grande parte da vida da maioria das pessoas transcorre em grupos. A participação
em atividades de massa é relativamente rara. Por sorte isso ocorre, pois os indivíduos em
uma multidão são diferentes, e de todas as formas piores que, os indivíduos isolados ou
dentro de grupos organizados com um propósito. Um homem em uma multidão perde sua
identidade pessoal, e isto obviamente, é a razão pela qual ele prefere estar em uma
multidão. A identidade pessoal é justamente aquilo que ele deseja transcender ou fugir de.
Infelizmente, os membros de uma multidão perdem mais do que apenas sua identidade
pessoal; eles perdem também o poder de raciocinar e sua capacidade de escolha moral. Sua
sugestionabilidade aumenta a um ponto no qual, eles perdem qualquer julgamento ou
desejo próprio. Eles se tornam muito excitáveis, eles perdem todo o senso de
responsabilidade individual ou coletiva, eles estão sujeitos a súbitos e violentos acessos de
raiva, entusiasmo e pânico, e tornam-se capazes de realizar os atos de violência mais
monstruosos e mais completamente destituídos de sentido, usualmente contra outros, mas
algumas vezes contra si mesmos. Em uma palavra, um homem em uma multidão comporta-
se como se tivesse ingerido uma enorme dose de algum intoxicante poderoso. Ele é vítima
do que poderia ser chamado de intoxicação pelo rebanho. Assim como o álcool, o tóxico da
multidão é uma droga ativa e extrovertida. Ela modifica a qualidade da consciência
individual na direção de um frenesi e torna possível um elevado grau de autotranscendência
descendente. O indivíduo intoxicado de multidão foge da sua isolada individualidade em
direção a um tipo de inferioridade mental sub-humana.
Desde o início, os homens têm realizado seus trabalhos e atravessado o negócio
sério de viver em grupos com objetivos. As multidões têm lhes proporcionado férias
psicológicas. Nutrimentos obtidos do grupo tem sido sua comida essencial; o tóxico da
multidão tem sido seu delicioso entorpecente. A religião tem sancionado e racionalizado em
todo lugar a intoxicação pelo veneno da multidão, assim como tem sancionado e
racionalizado o uso de substâncias químicas que modificam a consciência. O
pronunciamento de Alfred North Whitehead de que a “religião é o que o indivíduo faz com
sua solidão” é verdadeiro apenas se escolhemos definir a religião como algo que,
historicamente falando, nunca existiu, exceto para uma pequena minoria. E o mesmo seria
verdade a respeito de uma definição da religião como algo que o indivíduo faz com sua
experiência de estar num grupo pequeno, dedicado, tal qual a reunião Quaker, ou os “dois
ou três que se juntaram em meu nome”, aos quais Cristo se referiu no evangelho.
A espiritualidade de grupos pequenos é uma forma muito elevada de religião;
Porém, não é a única nem sequer a forma mais comum – é simplesmente a melhor. Não em
vão, Cristo prometeu estar entre um grupo de dois ou três. Ele não prometeu estar presente
em uma multidão. Onde dois ou três milhares ou duas ou três dezenas de milhares estão
reunidos, o fator motivador geralmente é de um tipo muito diferente e não-Cristão. Não
obstante, as atividades multitudinárias como a festa da ressurreição e a peregrinação são
sancionados e até encorajados ativamente pelos líderes religiosos hoje em dia, assim como
foram no passado pagão. A razão é simples. A maioria das pessoas acha mais fácil alcançar
a autotranscendência e o alívio da tensão numa multidão do que quando estão sozinhas ou
num pequeno grupo. Estas intoxicações de rebanho em nome da religião não são
particularmente benéficas. Eles proporcionam meramente breves feriados da auto-
consciência isolada.
A história dos esforços humanos para encontrar a auto-transcendência em multidões
é longa e, por toda sua estranheza, por todas suas aberrações esquisitas, profundamente
monótona. Do potlatch e do corroborre às últimas explosões do rock´n roll, as
manifestações de intoxicação de multidão mostram as mesmas características sub-humanas.
No seu melhor, tais performances são meramente grotescas em sua sub-humanidade; no seu
pior, elas são duplamente grotescas e horríveis. Pensa-se, por exemplo, nos festivais da
deusa Syriana, no decorrer dos quais, sob a influência enlouquecedora da intoxicação de
multidão e a sugestão sacerdotal, os homens castravam a si mesmos e as mulheres
laceravam seus próprios peitos. Pensa-se no menadismo grego, com seu esquartejamento
selvagem de vítimas vivas. Pensa-se nas saturnálias romanas. Pensa-se nas explosões nas
intoxicações de multidão durante a Idade Média – as cruzadas das crianças, as orgias
periódicas de flagelação coletiva e aquelas estranhas manias dançantes, nas quais a
autotranscendência mediante a intoxicação de multidão era combinada com a
autotranscendência por métodos ginásticos e a autotranscendência mediante a música
repetitiva. Pensa-se nos ressurgimentos das religiões selvagens, os estampidos frenéticos
daqueles que acreditavam que o fim do mundo estava próximo, o frenesi da iconoclastia em
nome de Deus, da destruição insensata em nome do “correto”. Estes são ruins o bastante;
mas há uma coisa muito pior – a intoxicação de multidão que é explorada pelo agitador de
massas ambicioso que age pelos seus próprios fins políticos ou religiosos.
Na primavera de 1954, enquanto eu estava ficando em Ismailia no canal de Suez, fui
levados por meus anfitriões ao cinema local. O filme, que estava atraindo recordes de
multidões, era Julius Caesar encenado em inglês, mas com subtítulos em árabe. Os
espectadores sentados em uma atenção encantada, seus olhos fixos na tela. Por que diabos,
eu fiquei me perguntando, deveriam árabes do século vinte estar tão apaixonadamente
interessados no relato de um inglês do século dezesseis sobre eventos que haviam ocorrido
em Roma no primeiro século A.C.? E repentinamente tornou-se óbvio. César, Brutus,
Antonio, todos aqueles políticos de classe alta lutando pelo poder e, nesse processo,
bajulando cinicamente e explorando a turba proletária, que eles desprezavam porém
necessitavam, eram figuras inteiramente familiares e contemporâneas àquela audiência
egípcia. O que havia sucedido em Roma logo antes e depois do assassinato de César era
muito semelhante ao que havia sucedido só umas semanas antes no Cairo, quando Naguib
caiu, ressurgiu triunfante, e foi uma vez mais derrubado por um rival que sabia como
manipular as paixões da multidão, como utilizar seu entusiasmo e sua violência
embriagantes para seus próprios objetivos. Olhando para a peça de Shakespeare, os
espectadores de Ismailia encontravam-se assistindo a um relatório não censurado do recente
coup d´état.
Sem dúvida, o maior virtuoso na arte de explorar os sintomas de envenenamento de
multidão foi Adolf Hitler. Os nazistas fizeram seu trabalho com uma meticulosidade
científica. Todos os recursos da tecnologia moderna foram empregados para reduzir o maior
número possível de pessoas ao mais baixo estado possível de autotranscendência
descendente. Fonógrafos repetiram slogans. Alto-falantes jorraram a música metálica e
acentuada, cuja repetição levava as pessoas ao delírio. Máquinas sonoras ocultas produziam
vibrações infra-sonoras na freqüência crítica, agitadora da alma, de 14 ciclos por segundos.
Métodos modernos de transporte foram empregados para juntar milhares de fiéis sob os
refletores de estádios enormes e a voz do arqui-hipnotizador era transmitida por rádio para
outros milhões.
“Era uma benção estar vivo naquela aurora”. Assim escreveu Wordsworth sobre sua
experiência da intoxicação de multidão nos primeiros meses de júbilo da revolução
francesa. No nosso tempo, milhões de homens e mulheres e milhões de meninos e meninas
entusiastas têm tido uma experiência similar. Para os membros da turba intoxicados de
multidão que são usados para fazer as revoluções e dar sustentação ao poder ditatorial,
mesmo a aurora do nazismo, mesmo do comunismo, parece uma benção. Infelizmente, as
auroras são sucedidas por dias e entardeceres laboriosos e a miúde infelizes. Nessas horas
tardias da história revolucionária, a benção tende a ser conspícua por sua ausência. Porém
no momento do amanhecer, ninguém imagina o que é provável que ocorra na tarde. Como
os alcoólicos ou os viciados em morfina, as vítimas da intoxicação de multidão estão
interessadas somente em liberar a autotranscendência aqui e agora. “Depois de mim o
dilúvio”, é o seu lema. E, seguramente, o dilúvio chega pontualmente.

Soluções Parciais

Da história da tensão passemos, concluindo, ao presente e ao futuro. Claro está,


penso eu, que o problema da tensão só será completamente resolvido quando tenhamos uma
sociedade perfeita – isto é, nunca. Por enquanto, sempre nos resta a possibilidade de
encontrar soluções parciais e paliativos temporários. Consideremos alguns passos práticos
que seriam relativamente fáceis de realizar.
Primeiramente, poderíamos incorporar em nosso atual sistema de educação –
profundamente insatisfatório e frustrante – alguns cursos simples da arte de controlar o
sistema nervoso autônomo e a mente subconsciente. Da maneira que estão as coisas,
ensinamos às crianças os princípios da boa saúde, da boa moral e do bom pensar, mas não
lhes ensinamos como agir de acordo com estes princípios. Encorajamo-los a cultivar bons
propósitos, mas não fazemos nada que seja para ajudá-los a pôr em prática estes propósitos.
Uma origem fundamental da tensão é o fato de termos consciência de que estamos
falhando miseravelmente em fazer aquilo que sabemos que devemos fazer. Se fosse dado a
cada criança algum treinamento naquilo que Hornell Hart tem denominado
autocondicionamento, conseguiríamos muito mais em termos de decência geral e bons
sentimentos do que todos os sermões já proferidos. O próximo passo a ser dado tem caráter
profilático. Os humanos anseiam pela autotranscendência e embriagar-se do veneno-
rebanho é um dos métodos mais efetivos para tirar umas férias do “eu” isolado e do peso da
responsabilidade. Nenhum mal ocorre enquanto os humanos indulgenciam-se com
intoxicações multitudinárias em jogos de futebol, carnavais, festas tradicionais e comícios
de partidos políticos organizados democraticamente. Mas não devemos nunca nos esquecer
que os feiticeiros, os agitadores, os Hitlers em potencial estão sempre conosco. Não
devemos nunca nos esquecer que para esses homens, transformar uma orgia inocente em
um instrumento de destruição, em uma força cega e selvagem com o propósito de acabar
com a liberdade é muito fácil. Devemos estar perpetuamente em guarda para evitar que
esses homens explorem a intoxicação multitudinária para seus propósitos sinistros.
É duvidoso que um mundo habitado, por um lado, por potenciais Hitlers, e por
outro, por potenciais dependentes do veneno-rebanho, possa algum dia tornar-se
completamente seguro para a racionalidade e a decência, porém podemos, ao menos, tentar
torná-lo um pouco mais seguro do que atualmente é. Por exemplo, podemos dar às nossas
crianças, lições sobre os elementos de semântica geral. Podemos avisá-las a respeito dos
perigos horrendos do pecado intelectual, podemos fazê-los arrepiar diante de uma relação
exaustiva das conseqüências nefastas para a sociedade e os indivíduos, da
supersimplificação, supergeneralização e superabstração dos agitadores. Podemos lembrá-
las de viver no presente e de pensar concreta e realisticamente, em termos de fatos
observáveis. Podemos desvelar os segredos absurdos e desacreditáveis da propaganda e
ilustrar nossas conferências com exemplos retirados da história da política, religião e da
indústria publicitária.
Tal treinamento seria efetivo? Talvez – ou talvez não. O veneno-rebanho é um
intoxicante muito poderoso. Até mesmo homens sensíveis e retos, quando fazem parte de
uma multidão, tendem a perder sua razão e aceitar todas as sugestões – embora imorais e
sem sentido – que lhes são dadas. Tudo o que podemos esperar atingir é fazer com o que o
trabalho nefário do agitador torne-se bastante mais difícil.
O terceiro passo que devemos tomar será, na verdade, tomado, quer o queiramos ou
não. Uma vez que as sementes de uma ciência foram semeadas, elas tendem a brotar e a
desenvolver-se autonomamente, seguindo a lei de seu próprio ser e não de acordo com as
leis da nossa existência. A Farmacologia entrou, atualmente, num período de rápido
crescimento e parece bastante provável que serão descobertos, nos próximos anos, um
grande número de métodos para alterar a qualidade da consciência. No que concerne aos
seres humanos, esses descobrimentos serão muito importantes e mais genuinamente
revolucionários, do que as recentes descobertas no campo da física nuclear e suas
aplicações em tempos de paz.
A energia nuclear, se não nos destruir, nos proporcionará apenas mais daquilo que já
possuímos – energia barata, com seu corolário de bugigangas, maiores projetos de
irrigação, transporte mais eficiente e assim em diante. Todas estas coisas, proporcionadas
pela energia nuclear, terão um custo muito elevado – um aumento na quantidade de
radiação prejudicial com seu corolário de mutações prejudiciais e um tumulto permanente
no repositório genético humano. No entanto, os farmacologistas nos darão algo que a
maioria dos seres humanos nunca tiveram. Se quisermos alegria, paz e carinho, aqueles
podem dar-nos carinho, paz e alegria. Se quisermos beleza, eles nos transformarão o mundo
exterior e abrirão a porta para visões de riquezas e significações inimagináveis. Se nosso
desejo é por uma vida sempiterna, eles nos darão a próxima maravilha – eons de
experiência feliz milagrosamente telescopeados em uma única hora. Assim eles nos
presentearão sem, no entanto, exigir o terrível preço que no passado, os homens tinham que
pagar por recorrer tão freqüentemente àquelas drogas alteradoras da consciência tais como
a heroína ou a cocaína, ou mesmo o velho, bom e sempre à mão, álcool.
Já temos à nossa disposição, alucinógenos e tranqüilizantes cujo preço psicológico é
incrivelmente baixo, e parece haver razões para crermos que os aliviadores da tensão e
modificadores da consciência do futuro, realizarão seu trabalho de maneira ainda mais
eficiente e num preço ainda mais baixo para os indivíduos. Os seres humanos serão capazes
de alcançar, sem esforços, aquilo que no passado só podia ser alcançado com dificuldade,
através do auto-controle e de exercícios espirituais. Será isto algo bom para os indivíduos e
para as sociedades? Ou será algo ruim? Estas são perguntas para as quais não conheço as
respostas. Tampouco, poderia acrescentar, qualquer outra pessoa. Os esboços para estas
respostas podem, quiçá, começar a aparecer na próxima geração. Por enquanto, o máximo
que podemos predizer com algum grau de certeza é que muitas das nossas noções
tradicionais sobre ética e religião e muito dos nossos atuais conceitos sobre a natureza da
mente terão que ser reconsiderados e reavaliados no contexto da revolução farmacológica.
Será extremamente perturbador; mas será também, uma enorme diversão.

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