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5 Santiago
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Evaristo
19 28
34 40 46
Glória Paiva
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ensaio a imagem de
fotográfico de capa e as fotos
Marcel ao longo da
Fernandes edição são de Editorial 3 | Lista de autores publicados 80
- os editores
cavalodadá
nem sempre lembro de aparar as unhas
desato mistérios c/ a msm entrega
no céu aberto da boca
o rapto do peixe no bucho da gaivota
a semente se abriu c/ o raio
bonito é o cheiro d cerveja d manhã na rua
luzente 1 esquina sem coveiros neste
cemitério
instintiva fé
d q o universo todo é só
1 tatuagem
na concha preta e pérola
do umbigo d meu bem
veio
cedo
o dom
da rápida mudança
o ritmo q a morte marca
o ritmo q a morte rompe
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tira a sandália abre a asa
desata o caroço do cadarço
nem sempre é fácil
atravessar a rua
nem disse tchau
fiquei
a boca muda
sei 1 atalho pra tua estrela
reviro os olhos no voo d’abelha
acendo teu nome na cinza do skank
acordo a saudade nossa pena doce
o saci assombrado
brinca de roda no meu olho pasmo
teu umbigo calma cura
veloz e livre danço = 1 grilo
febril e firme sou a terra dura
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d vz em qd a areia me visita
rasante sacana serpente translúcida
urubus reviram o meio da ilha
longes lobos guarás assoviam
boto fogo no corpo a pé na ponte
astronauta a pé no gargalo do dia
n’areia crispada d’ovos d tartaruga
quem vem ali atrás da nuvem?
teu olho infarta clara perda
se vieres venhas alegre
c/ cervejas
ao Danniel Costa
músico e amigo
em memória
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no fim que diferença faz
algumas horas a mais
ou uma vida inteira de espera
quando alguns sentimentos simplesmente perduram
atados imóveis eles se mantêm ali
como um céu suspenso
pesado a conter silenciosamente a chuva
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mas é claro que há a espera
mesmo enquanto fecham-se as portas
a tarde que parte
tudo muda
repassar o café em percepções agora
sentar-se no corredor enquanto a janela intacta continuamente aberta
cadeiras de praia grita
vento ao caber no vai e vem
dos cabelos pela moldura os olhos em foco eu mudaria até o fim do poema desta vez
usaríamos todos os verbos no pretérito imperfeito é que amanhã é setembro
para que não houvesse então a necessidade hoje a tarde cortou e não há preenchimento sem procura
dos planos futuros neste incompletar-se que nos habita
ainda que se antecipassem as mesmas falas
os sonhos engraçados qual memória
sendo contados me diz
de bom humor exatamente qual
é que eu se repete
tenho sido tão diferente, entende? ou se ata?
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lista nº mil
em maio comprar enquanto as meninas me fazem rir e me desprender de todas
remédios para alergia comprar as listas
protetor solar nulas de obrigações que se perdem voam ventam sob meu
porque maio já é frio mas tem sol - como sempre - corpo que habita
e o sol como sempre mesmo em maio multiplica retilíneo a janela da sala em maio
as sardas as rugas será meu primeiro mês de maio vivendo neste apartamento
(porque não usei protetor solar no verão e quem sabe em maio quem sabe o último quem sabe em maio eu aprenda
eu consiga recuperar a amar de novo
a pele dos vinte e três) depois de uma noite de sono longa e leve
sprays para o nariz eu sempre me esqueço os nomes no amanhecer de uma tarde curta e fria
são importantes porque maio já é frio a poeira já invade mas por hora,
toma todo o sistema respiratório com seus ácaros de outono ainda o retrato oco dos seus dentes e da mata atlântica por trás,
revivendo esta eterna sinusite rinite infinito plano de fundo.
que só se manifesta a partir de maio sua boca gigante ecoando a mesma pergunta de quase anos
em maio talvez atrás:
visitarei as escadas coloridas doídas da cidade onde várias
vezes nasci — onde será que estaremos em abril?
inclusive a primeira
sentirei saudades tristeza melancolia eu, aqui. bem aqui.
lamentarei o sono o suor a sede planejando sobre maio.
molharei a bochecha direita a bordo de um avião você?
e os pés, os dois,
na beira do mesmo oceano atlântico azul e você?
e de novo voltarei
e de novo será tarde longe.
em maio quem sabe te esquecerei completamente
te apagar com uma borracha faber castell capa verde não consigo lembrar em exatidão
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a data precisa da quebra
talvez ela simplesmente permaneça
contínua ainda existindo
em rec memória monocromática em ritmo acelerado que já
não consigo alcançar corre cada vez mais difusa
você seu filme todo seu cheiro todo sua convulsão noturna
suas manias duras e a minha mágoa num rio onde sempre
se alcança o outro lado se chega sempre na outra borda e foi
ali onde você afundou o caiaque
eu fiquei com os pés sangrando a te esperar na outra margem
ali arquitetado chuvoso templo da espera em silêncio em vão
era quando o passear dos ponteiros mais se parecia com uma
facada
rasgando o peito
mas agora
há tempos não me lembro da cicatriz
mas agora
já é quase maio
sa que Zaíta gostava muito. De manhã janela, fez um sinal para que ela entras- Rio de Janeiro, Editora Pallas, 2014, pag 71-75.
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E assim viviam os habitantes “Das Asas de Anjo”, um povo os habitantes da mansão, com ajuda dos cientistas (fedologistas,
ignorando o outro. Entre as mansões e os puxadinhos nenhuma fumagiologitas e outros gistas) chegavam a conclusão de que
relação de vizinhança, embora muitos dos que habitavam as ca- algo estranho empesteava o ar. E resolveram contratar pessoas
sinhas especialmente as mulheres, trabalhassem nas mansões para explorarem a área. Porém como eles já haviam gastos ver-
imponentes do lugar. Os homens, muitos também. Eram os jar- bas e mais verbas com os cientistas, decidiram usar os trabalha-
dineiros, os porteiros, os motoristas e os seguranças das casas dores locais, aqueles que já tinham funções juntos a eles. A or-
ao lado. Havia também os offices boys, pequenos aprendizes, dem foi dada, que saíssem e vasculhassem toda a mata. Os dos
que experimentavam seus primeiros empregos nas empresas puxadinhos perplexos e temerosos descobriram então quem
comandadas pelos moradores das grandiosas moradias da área. era vizinho de quem. E antes mesmo de chegarem na metade
Entretanto, essas pessoas nunca se cruzavam fora do trabalho, da expedição recuaram e informaram aos das mansões que não
cada qual seguia seu rumo sem tomar conhecimento umas das tinham encontrado nada, a não ser a moradia deles próprios. A
outras, cada qual vivia em seu quadrado. Um dia, porém, uma guerra então foi declarada e a culpa imputada à população dos
situação provocou o encontro/desencontro entre elas. Assim puxadinhos. Esses, temerosos com a ameaça constante de que
tudo se deu. seriam mandados embora da área, pois havia algo de podre não
Depois de alguns dias em dormência, a exalação mal-chei- ar, mesmo com a convicção de que não eram eles os culpados,
rosa irrompeu repentinamente o ar e veio acrescida de outro foram tomados pela síndrome da assepsia compulsória (SAC).
elemento, uma pesada nuvem de fumaça. E com o passar de Vítimas então de um estado de espírito, um misto de medo e
um poucos dias, a nuvem dançando no ar, se tornou tão espes- de culpabilidade, apesar de serem inocentes, passaram a lavar
sa, que encobriu a visão de todos para a paisagem lá embaixo. exageradamente, noite e dia, seus puxadinhos, seus corpos e
Desespero total. Agora não se tratava somente do incômodo seus pertences. Os das mansões continuaram a insistir em seus
causado pelo fétido cheiro, havia o pior, a ausência da água nos novos motivos de reclamações. Diziam que uma torrente águas
olhos, como se o espaço plano, lá em baixo, fosse só um deserto fétidas descia das casas dos indesejáveis moradores dos puxa-
só. Os das mansões mobilizaram repórteres, políticos, cientis- dinhos. E assim foi durante anos. Um dia, porém, as mansões e
tas (mais uma vez), na vã tentativa de parar o acontecido. Os seus habitantes foram soterrados pelas espumas que desciam
dos puxadinhos movimentaram seus santos, suas orações de fé, do banhar das pessoas e coisas dos puxadinhos, enquanto es-
seus temores diante do inexplicável e a certeza de que alguma ses deslizando nas próprias espumas, como crianças brincando
coisa precisava ser feita. Não poderiam ficar esperando nada de em terreno escorregadio, caíram direto no mar. Dizem que foi
ninguém, pois se ficassem, morreriam à míngua de uma beleza um momento de rara beleza quando as espumas das águas dos
que eles haviam construído o direito de apreciar. Enquanto isso, puxadinhos se confluíram com as espumas das águas do mar.
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E dizem mais ainda. Dizem que os moradores dos puxadinhos,
até hoje, de dia brincam no mar e de noite voltam para o mor-
ro. E de lá de cima, quando o sol cansado, como eles, começa se
esconder para o preparo de um novo dia, canções e passos rit-
mados são ouvidos. São eles cantando e dançando diante da vi-
são das longínquas águas marítimas. Águas que, vistas de longe,
pode-se supor para elas, lagoa, tal é a aparente calmaria.
EVARISTO, Conceição: Histórias de leves enganos e parecenças, Contos,
Conceição Evaristo, ficcionista e ensaísta. Mestre em Literatura Brasileira/ PUC/Rio, Doutora em Literatura Comparada/UFF.
Sua primeira publicação (1990) foi na série Cadernos Negros, grupo Quilombhoje, coletivo de escritores afro-brasileiros de /SP.
Participa das antologias: Schwarze prosa e Schwarze poesie (Alemanha); Moving beyond boundaries: international dimension
of black women’s writing; Women righting – Afro-brazilian Women’s Short Fiction, (Inglaterra), Finally Us: contemporary black
brazilian women writers; Fourteen female voices from Brazil (Estados Unidos); Chimurenga People (África do Sul). É autora das
seguintes obras individuais: Ponciá Vicêncio (romance) traduzido para o inglês, francês e espanhol; Becos da memória (ro-
mance) traduzido para o francês; Poemas da recordação e outros movimentos (poesia) Insubmissas lágrimas de mulheres (con-
tos) Olhos d’água (contos) e Histórias de leves enganos e parecenças. Em 2015, foi agraciada com o Prêmio Jabuti, na categoria
contos. Contemplada com o prêmio Faz a Diferença – Globo, 2016, na categoria prosa.
Tem participação em vários eventos internacionais como convidada, proferindo palestras em diversas Universidades nos
Estados Unidos, no México, em Costa Rica, em Cuba, em Moçambique, em São Tomé e Príncipe, na França, Inglaterra e Áustria.
A produção de Conceição Evaristo é ampla, se inscreve no campo da poesia, da prosa e ainda no ensaio literário. A escritora
escreve sobre assuntos relacionados á educação, gênero e relações étnicas na sociedade brasileira. Tanto a sua obra literária,
como a ensaística tem sido pesquisada por estudiosos de vários campos de conhecimentos.
Além de participar de eventos propostos nos meios acadêmicos, Conceição Evaristo tem marcado a sua presença nos mo-
vimentos sociais, notadamente nos que se relacionam com a luta dos afro-descendentes. Ela tem se apresentado ainda em
vários eventos, contando histórias de sua própria autoria, assim como de outros/as autores/as, buscando inspirar-se na ora-
lidade da cultura afro-brasileira.
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André
Lasak
Microcontos #01
Cola Quente
Acordou cedo. O calor não deixava ficar mais tempo dentro da
barraca.
Átomo
Sentiu-se um dia tão pequeno que se anulou em si mesmo.
Esteban Sonha
Num acorde é tango. Num acordo usa tanga. Acorda.
Dormente
Sentia-se sufocado. Um trem que para no trilho não sabe o peso
que sente o seu apoio.
Deveras
Havia muitos deles.
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Mela-cueca
Aquela música incomodava Catarina.
Passagem
Com muita dor, de criança sublimou adulto.
Caminho
Perdeu a razão de existir ao entrar num desvio proibido.
Flor
Sem pétalas desfolhada chorava pólen.
Destino
Um dia ele veio.
País
Sem ele, despátria.
Estado
Deplorável.
Estrume
Pisou aleatoriamente em campo minado.
Coração
Bomba que implode quando desiste.
Conto
Instrumento que se autoescreve.
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Microcontos #02
Sandice! Conserva
Disse Eva ao enaltecer a verdade. Dona Eulália dormia envolta em panos embebidos em sangue
virgem.
Sanidade
Administrando plenamente de suas faculdades mentais, Serpente
suicidou. Num só movimento, agarra sua presa e apressa-se a inocular
pecado.
Teoria
Um gato dentro de uma pequena caixa fechada com um pote de Rosca
veneno está meio vivo e meio torto. – Dê-me confeitos e tornar-te-ei donnut!
Modos Tesla
Sentada de saia com as pernas abertas, Alice admirava-se no Uma máquina engenhosa que se fragmenta em tempestade.
espelho.
Vigário
Ternos Padre Everaldo adorava aquele conto.
Um preto, um cinza e um azul marinho era tudo o que seu Deo-
Sinuca
dato guardava no velho baú enterrado.
Retirou o chapéu e saiu fazendo bico.
Tempero
Religião
Com sal salgamos o que de doce não se pode comer.
Com um só olhar foi apedrejado por uns e martirizado por
nenhuns.
Sexo
Foi masculino e feminino: hoje fudeu.
Fim
A justificativa para quase todos os meios.
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Microcontos #03
Semente Delírio
– Você falta com a verdade! Deixei meu cérebro passear no museu enquanto fiquei em casa
assistindo TV.
Poente
Um dia aquele belo dia acabaria. Partido
Se a ideia não é inteira, como a política dará certo?
Sucesso
Era só dele, para desespero e inveja de outros. Jogo
Pedra! Papel! Tesoura! Ganhei!
Tese
Patos são exímios nadadores. Harmonia
Sua falta desanda de músicas a relacionamentos.
Antítese
Patos são exímios voadores. Vento
Acelerou o cata-vento que moveu o barco de Jezebel até seu mais
Síntese
sublime momento.
Patos são bons assados.
Agora
Rãs
A ágora é do povo como a terra prometida é do Hebreu.
Pernas serelepes que dançam até mortas.
Tempo
Pão
Vilão dos adultos, amigo das crianças, justificativa para o relógio.
Expertise milenar no café da manhã.
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Microcontos #04
Praticidade Direção
O auvorecer era explêndido. O amanhesser era esselço. A ma- Não sabia se seguia o traslado de cima ou o de baixo.
nhã era bonita.
Cerveja
Prazo Um sinal da existência de Deus.
Tudo aquilo que acaba antes do tempo destinado à sua realização.
Circuncisão
Coleira
Doutor Olavo foi expulso do hospital após o Parkinson.
Marinalva não entendia o real significado daquela gargantilha.
Sedentarismo
Numeral
Uma vez meu pai disse que estava fazendo a Dieta Etapa: mais
Faltaram dois segundos para ser o primeiro.
de você em você mesmo.
Natural
Era de sua índole matar recém-nascidos para o café da manhã. Agorafobia
Seu Amadeu morava no porta-malas de seu Fiat 147.
Setembro
Primavera de outonos ao avesso.
Cravo
Insistia que algo daquele tamanho nunca caberia numa lapela.
Trevo
O de quatro folhas é uma aberração genética – logo, seu azar
traz sorte –.
André Lasak. Redator-
Mariola peregrino. Viciado na arte
Doce de suspiros sêxtuplos siameses. da letra. Na construção
das palavras. Na musicali-
Sobrancelha dade das frases. Na remis-
O que sobra ao fecharmos os olhos. são dos pecados. Na vida
eterna. Amém.
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Marcus
Groza
Caruncho nas tábuas
Não ande de maneira convulsiva
Não materialize as coisas apontando-as com o dedo
Não vá até à praia só pra ver se as ondas dormem
Não tente argumentar que o medo é uma arma de destruição em massa
Não passe noites em claro reescrevendo os velhos malditos poemas
Não presentifique Deus fitando longamente coisas jogadas no chão
Não fume os farelos que sobram no fundo dos bolsos
Não diga que não deve haver clemência com a vítima que internalizou o feitor
Não chame de poda o que outros chamam de devastação
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Máquinas de lava
já não pronuncio seu nome permanece soando de não sei q arredores-nuvem
rebatizei você de mesmo se sangro em silêncio sem dominar a língua
Evapora mesmo se amenizo vim lhe dizer de quando
o meu nome não sei mesmo se lhe abençoo o verbo delira
mas pressinto arrasado tremendo e o homem
q como você ou não tem rosto
sou até o cerne poderia dizer q duas nuvens dissipa
litorais ouriçadas de insetos metálicos e continua
litros e litros somos não chove junto sempre
sou dois ímãs com defeito mas chove
de algo viscoso juntos sozinho-sozinha
no sentido de sendo um futuro rosto babando goza
e ando também isso e
mas se reparar não só diz sim
chovo digo mistura quando digo
eviscero e um um ova!
não cabemos nem isso sua minha
onde se meça muitos duas-uma
lavo e lava eh emulsão nossa
uma tempestade eh
eh o q podemos na coqueteleira do bar
despoluir a água o garçom nos embala
sem frear a máquina o bar tem uma cara retrô
isso exige fé e engenho uma balada
(fé q Saturno hoje não lhe concede? de mau gosto
joelho nítido q hoje não tenho?) você já está bêbada
a máquina de dissonâncias enquanto
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Nudez
usar a palavra
ainda sabendo
que feita
qual pele
para ocultar
e encobrir
com a palavra
poder aos poucos
transvestir
atrás da nudez
dos nomes
ousar a palavra
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Contradança
dançar nu em casas vazias
primeiro sozinho
depois tirar os ossos para dançar
ocupar toda a casa
emular com ombros pelves omoplatas
as primeiras mobílias
os futuros apoios
em que você vem se sentar
e descobre um menino rindo
escondido num canto
quando você se bunda contra o chão
e faz uma cara similar
Marcus Groza é poeta, dramaturgo e devoto do céu violado. Autor dos livros de poemas
Do buraco à Poça (Editora Patuá, 2013) e Sossego Abutre (Editora Patuá, 2015). Atualmente,
é doutorando em Artes Cênicas e co-editor da Revista Abate e da Revista Saúva.
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Manuela
Pérgola
fiz planos
tracei metas
percorri trajetos
mas apenas
tropeçando
caí
em mim.
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te vi te vi.
por entre as prateleiras da enorme livraria fui traída
meus órgãos internos pela miopia
localizados na altura do estômago e pelos óculos que uso
gelaram. desenfreadamente
a olho nu
meu cabelo se arrepiou nunca
e meu corpo inteiro teria visto
teve vida própria.
te vi.
te vi pensei em tudo o que eu queria dizer mas não diria
e avancei na direção oposta porque já não há mais nada a dizer
com medo do encontro: e as palavras quando alcançam este ponto delicado (de ex-amor)
seria terrível já não têm energia para acender
você me ver (ou ascender).
bem
sem te vi.
você. era uma miragem.
(graças a deus).
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começo a bordar
sem ter a garantia
de que o fio
irá durar:
amar
é alta costura.
gosto
de observar pessoas
desconhecidas
adivinhar suas dores
pelas marcas de expressão:
cada novo rosto
que miro
se transforma
em oração.
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algo em mim
se reajusta
às formas
de amar,
algo em mim
agora brilha
sem o peso
da dor diária
que eu estava
acostumada
a carregar:
seguro as pontas
pesadas
do fardo
de ser
feliz.
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agora
perto dos 30
vou sacando
do que se trata a vida
procuro
não brigar com ela
as nossas discussões
são pesadíssimas
e quase sempre
quem ganha Autora do livro de poesias Fragmensos
é a ordinária (Patuá, 2015), Manuela Pérgola acredita que
resistente as palavras podem curar a angústia irrevo-
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casa onde brincávamos na infância, que eu não vistava há pelo sempre dava S. As frutas sabem muito pouco sobre o alfabeto.
menos dez anos. Juliana tinha ido fumar um cigarro no quintal e gritou para
- Você lembra? A gente brincava de caverna debaixo desta eu ir lá ver. A piscina não estava mais coberta. Meu coração
escada. afundou, se escondeu em algum lugar entre o fígado e os rins.
Nós brincávamos em todas as partes da casinha geminada, Não acabou. As tralhas preenchiam a piscina até a borda. Cento
inseparáveis como apenas crianças da mesma idade podem ser. e cinquenta metros cúbicos de lixo. Quis xingar tia Beta. Não o
Fazíamos tudo juntas. Às vezes dormíamos lá, nos sofás que tia fiz. É preciso esperar alguns meses depois do enterro antes de
Beta disfarçava de cama, conversando noite a fora. A vida adul- admitir que às vezes temos raiva das pessoas que amávamos.
ta ainda não tinha nos mostrado que não tínhamos nada em Peguei um novo rolo de sacos de lixo. Ajoelhada perto da bor-
comum, que dali a alguns anos ela me faria a mesma pergunta da da piscina, rasguei o picote, violenta, e esfreguei dois dedos
sobre o meu trabalho e eu a mesma pergunta sobre as crianças na borda do quadrado plástico, tentando achar a abertura. Não
em toda santa festa de família. abria. Por que essas coisas são tão difíceis de abrir? Grunhi e
- Será que ainda tem a laranjeira? amassei tudo. Juliana se agachou e abriu o saco em um movi-
Juliana tinha menstruado primeiro. Ela que começou a falar mento simples. Deixou-o ao meu lado e rasgou outro para si. Eu
sobre meninos, a roubar o batom da minha tia e a recortar atores jogava as coisas para dentro do buraco negro de plástico, sem
de cinema de revistas. Uma vez, Tia Alberta saiu para o quintal nem olhar. A escada da piscina, de metal carcomido, sumia en-
com uma faca e colheu duas laranjas, que descascou com cuida- tre caixas de sapato e torradeiras quebradas. A superfície era
do, sentada sobre um degrau, girando a fruta nas mãos, a faca a feita de bugigangas recentes. Latas vazias de biscoitos amantei-
desenhar uma longa espiral de casca, o cheiro impregnando a gados, cadeiras de praia, geométricos vidros de perfume.
pele. Nos deu a casca para brincar. Nunca jogava nada fora. Conforme eu e Juliana enchemos as barrigas brilhosas dos
A ponta da casca na mão pendia como uma fita. Fomos uma sacos de lixo (salvando pouco, uma caixa com fotos, um castiçal
de cada vez, para não misturar. Rodei a casca sobre minha ca- bonito), atingimos camadas mais antigas de entulho. Um tele-
beça como a tia mandou, gotículas caindo no meu cabelo, o sol fone de baquelite, tapetes enrolados e embalados. Agachadas na
acentuando o cheiro de laranja. Rodei até romper, um naco da beirada, não alcançávamos mais os objetos. Desci pela escadi-
casca voar e cair sobre a lona que cobria a piscina. Nós três de nha, tentando firmar os pés naquele chão desigual. Ia passando
pé, em torno de um pedaço de fruta. Tia Beta sentenciou: é um S, as coisas para as mãos estendidas de Juliana. Um espelho es-
o nome dele começa com S. A brincadeira servia pra adivinhar a curecido, a mesa de dobrar que ela montava aos domingos, o
inicial do menino que gosta da gente. Não tinha ninguém com S balanço que ela tinha pendurado no quintal para a gente, agora
na minha sala. A de Juliana também deu S. Depois descobrimos, um quadrado de madeira envolvido pela corrente, um carretel.
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Suada, com as mãos negras de poeira, caminhei para a ponta
mais funda da piscina. Alguma coisa cedeu debaixo do meu pé,
o tornozelo se dobrando em um rasgo de dor. Caí com o rosto a
centímetros de um ventilador desbotado, partículas de sujeira
se levantando, pousando na boca e no nariz. Ao lado dele, nos-
sos nomes riscados a caneta em uma caixa. Exausta, empurrei
o pacote para cima. Juliana rasgou a tampa e ia me mostrando,
dali de cima, todas as nossas coisas, dobradas, cuidadas, ensaca-
das. Pijamas de flanela e as xícaras em formato de bichos. Uma
grossa pasta com desenhos. Duas pequenas escovas de dentes.
Fomos esmagadas pelo peso do amor da Tia Beta. Chorei o sufi-
ciente para encher de novo a piscina.
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@Arroba ou Manual
para Bombar no Insta Perfeito. O vermelho do tomate sobre o prato preto, o ramo de
alecrim pousado na curva macia do pão. As paralelas dos talhe-
O click da câmera do celular corta o tempo em fatias finas, se- res pesados de inox. Levanta o corpo da cadeira, procura a dis-
quenciais. A mesma cara com mínimas variações: aqui, um tância certa que enquadrará, casualmente, uma ponta de guar-
olho meio fechado, nesta outra, a bochecha caída. Uma dobra danapo, o pequeno vaso de flores. O rosto da @mãe se acende
debaixo do queixo. Quem mandou acordar tão cedo? Ninguém na tela, um retrato do tamanho de uma imagem de escapulário,
é bonito às seis da manhã. Dá tempo antes de chegar ao 2S. Ajei- ao lado de uma notificação. Deve ser uma receita de dadinho
ta no ombro a mochila da academia. Prende a respiração, en- de tapioca. Espanta a notificação como uma mosca. Faz a tra-
cara o olhinho da câmera que aparece no espelho, flexiona o dicional, de cima, aquela no ângulo meio de baixo, que dá uma
peitoral. O Schindler desacelera, o @SeuBreno do oitavo afunda grandeza de pirâmide a qualquer pilha de panquecas. Outra
o elevador 2 cm só de pisar dentro dele. Não dá para tirar sel- de cima só para garantir, antes de afastar a tampa do pão com
fie com idoso de regata no fundo. Finge ler o anúncio do con- seus malditos carboidratos. A miniatura da @mãe pipocando
domínio. @SeuBreno desce no térreo, dois andares pra achar o no topo da tela. Uma receita de panetone de frigideira, com cer-
ângulo certo.Porque a câmera demora tanto pra abrir? Uma úl- teza. Enfia os dentes do garfo no hambúrguer, e sabe que a foto
tima enquanto o elevador está parado. A porta faz um rangido está bombando pelo quanto o celular treme. Não o pega. Deixa
quando abre. @DonaGiovanna só diz bom dia, mesmo achando os coraçõezinhos se acumularem. Come tudo o que estava entre
um pouco estranho pegar seu vizinho beijando o próprio bíceps. as duas metades do pão e traz à vida o aparelho. Pai no hospital.
#partiutreino #vaimonstro #nofilter #nopainnogain #bomdia Quarto 112. Kd vc? Kd vc???? #instafood #gordice #vivopraisso
#forçafocoefé #foodie #youarewhatyoueat #foodporn #forkyeah
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O quarto é longo. Compartilhado com uma senhora que res-
sona com um barulho molhado, e uma adolescente de cabelo
bem curto. A @mãe vem abraçar apertado. A irmã dele também
vem logo atrás. Infarto, Como o @vôNey1918. Por isso ele malha.
Para ensinar uma lição à genética. Foi suave, pouco mais que
um susto. Seu velho na cama lê uma Caras comprada na banca
na frente de hospital. Doentes adoram revistas. Não parece ligar
muito pra própria mortalidade, apenas suga um suco de uva de
caixinha. Sabe quanto açúcar tem em 200ml? Um veneno. Pega
na mão do @pai, enquanto as mulheres vão comer qualquer coi-
sa. Estão lá desde as onze da manhã. Fala com o médico, folheia
a revista, sorri com admiração quando a adolescente lhe mostra
o apêndice em um vidro. Baixa a guarda protetora da cama do
velho, pousa o quadril perto do dele e passa o braço por trás do
travesseiro. O melhor é Filtro Clarendon, pra ficar meio pálido
e amarelado. Ele dá um sorriso, mas bem pequeno, e o @pai faz
um joinha, com os catéteres presos no braço. Agora é só taguear.
#superaçao #guerreiro #meupaimeuídolo #forçapai #odeioin-
farto #saudeéoqueinteressa #orestonãotempressa #tamojunto
#instaclinicas
Deu like pra caralho.
50
Reserva deixa o corpo cair sobre a velha cadeira branca, que responde
Teteu
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A escritora é fruto de seu tempo, de sua geração e das várias
migrações que compõem sua história de vida. Filha de um cata-
lão exilado e de uma argentina da fronteira paraguaia, a jovem
decidiu sair do país motivada seja pelo aborrecimento, seja por
um coração partido. O conselho de um tio a iluminou: Barcelo-
na, uma cidade cosmopolita, mas não muito grande, onde você
“Sinto como se estivesse nascendo, nascendo com os olhos aber- poderá se sentir como em casa.
tos”. Com estas palavras a escritora argentina Ana Llurba, da sa- Hoje, ela hoje se divide entre a vida pulsante do bairro Gó-
fra de 1980, descreve seu momento. Após escrever “nas sombras”, tico e os fins de semana propositalmente isolados na casa de
como ela mesma diz, por muito tempo, a cordobense hoje faz um amigo em Canet de Mar. A cidade na costa catalã é, como
parte da nova geração de escritores estrangeiros que estreiam ela descreve, um “pueblito geriátrico”, onde Ana escreve, lê e
na Espanha e transformam o cenário literário deste país. imagina que os pescadores são “técnicos liliputianos com suas
Seu primeiro livro, Este es el momento exacto en que el tiempo geladeiras de astronautas”, enquanto o mar é um “colossal ma-
empieza a correr, um poemário intimista e cheio de referências mífero anfíbio”.
da cultura pop, chamou a atenção da crítica após receber o Prê- Por sua história de vida, Ana se define linguisticamente
mio de Poesia Jovem Antonio Colinas de 2015. Desde então, Ana como um camaleão. E esta capacidade mutante que assimila as
vem participando de coletâneas, trabalhando em futuras obras cores de seu entorno é também uma característica de sua pro-
e dedicando-se à edição independente com próprio selo, a Ho- dução literária, influenciada pelos gêneros de terror e ficção
nolulu Books, e a oficinas de escrita critiva. científica, as narradoras femininas, os fanzines e por sua pró-
Ana parece se divertir com o fato de ter recebido um prê- pria trajetória.
mio de poesia “jovem”, uma vez que seu livro tem como pano de Eu a conheci em um encontro de escritoras em Barcelona e
fundo uma série de reflexões confessionais impulsionadas pela seu sotaque cordobês me chamou a atenção. Tomamos um café
chegada aos 30 anos: os relógios biológicos, a família, o instinto um dia e ela me presenteou com seu livro de poesias e com uma
materno (ou a ausência dele), as expectativas da vida adulta, a porção de histórias. A seguir, apresentamos cinco poemas de
maturidade e a solidão são alguns do temas que ela aborda em sua autoria em uma tradução inédita para o português.
sua obra. Por Glória Paiva
Minha vida sem mim
Mi vida sin mí na casa de minha mãe
a umidade fez com que o teto cedesse
en la casa de mi madre sobre as caixas de papelão com meus velhos diários
la humedad ha hecho que el techo ceda onde minha irmã gêmea desconhecida
sobre las cajas de cartón con mis viejos diarios a que habita esse lugar quando não estou
donde mi gemela desconocida deixou escrito seu nome em letra cursiva
la que habita este lugar cuando no estoy
eu o soletro e me sinto uma encarregada pela
dejó escrito tu nombre en letra cursiva
manutenção de mim mesma
lo deletreo y me siento una encargada del
que persegue suas recordações escapulindo como
mantenimiento de mí misma
minúsculas lagartixas
que persigue sus recuerdos escabulléndose como
diminutas lagartijas
de uma porta a outra da mente
de una puerta a otra de la mente até tropeçar em um quarto onde minha mãe
hasta tropezar con una habitación donde mi madre divide um canto com minhas bonecas
comparte un rincón con mis muñecas estes cadáveres de crianças mumificados
esos cadáveres de niñas momificados e pinta rosas realistas
y pinta rosas realistas enquanto eu escuto CDs de autoestima
mientras yo escucho cedés de autoestima
e ondas do mar
y olas de mar
ajusto a camisola
me ajusto el camisón
com um fiozinho de pele morta
con un hilito de piel muerta
este mesmo que nos amarra
el mismo que nos ata
a este cuarto con humedades
a este cômodo com umidades
en la soledad sin fin na solidão sem fim
de la vida adulta da vida adulta
58
El espíritu de mi época O espírito da minha época
durante muchos años intenté sustituir mi apellido durante muitos anos tentei substituir meu sobrenome
por el nombre de un fantasma bonachón pelo nome de um fantasma bonachão
lo había encontrado en una nota al pie o havia encontrado em uma nota ao pé de página
de un libro de mi madre de um livro de minha mãe
y al igual que el espíritu de la Navidad e tal qual o espírito do Natal
me lo imaginaba sobrevolando los raros peinados nuevos o imaginava sobrevoando os estranhos penteados novos
de Byron, Hegel y Mary Shelley de Byron, Hegel e Mary Shelley
como si al fin hubiera entendido un antiguo secreto como se no final tivesse entendido um antigo segredo
descubrí al Zeitgeist enredado entre las cuerdas de un bajo descobri o Zeitgeist enrolado nas cordas de um baixo
y en una época de obediencia, sombra y resignación e em uma época de obediência, sombra e resignação
él se convirtió en mi guía espiritual: ele se transformou em meu guia espiritual:
tocaba su instrumento con dos dedos y sólo se manifestaba tocava seu instrumento com dois dedos e só se manifestava
ante los desconocidos que le ofrecieran para os desconhecidos que lhe oferecessem
un souvenir adornado de tantas estrellas brillantes um souvenir adornado por tantas estrelas brilhantes
diminutas bombillas fugaces como las que enmarcan minúsculas lampadinhas fugazes como as que emolduram
el rostro de la virgen María o rosto da virgem Maria
con la palabra generación com a palavra geração
ahora no es más que un mendigo ciego en una esquina agora não é mais do que um mendigo cego em uma esquina
un testigo de lo que sucede uma testemunha do que acontece
cuando no sucede nada quando não acontece nada
y nada e nada
no es la muerte não é a morte
oscura y gloriosa escura e gloriosa
separación del cuerpo y el alma, separação do corpo e da alma,
sino el desencanto mas o desencanto
esa medalla romántica esta medalha romântica
que ahora habita que agora mora
en sus ojos em seus olhos
59
De volta para o futuro
Uma vez viajei ao passado
para evitar que meus pais se conhecessem
Glória Paiva, 34 anos, é uma jornalista e tradutora brasileira que vive no sul
da Itália. Ela é filha da PUC Minas e mestre em Jornalismo Literário pela
Universidade Autônoma de Barcelona.
61
Marcel
Fernandes
Manchete
I.
o poema
rompe a atmosfera terrestre
há vida fora da terra
II.
após o poema romper a atmosfera terrestre
foi visto boiando no arquipélago de colón
nenhum agente literário conseguiu contato
63
Teoria X
a cosmologia pode explicar o nascimento do universo do mesmo jeito que explica o controle da gravidade sobre nossos corpos
até o ponto de colidirem
a partir da colisão
nada se explica
o fenômeno ainda é desconhecido pelos cientistas
quando dois corações colidem propagam tsunamis gravitacionais
nem beuys previu em terremoto no palácio tamanha energia propagada
os padrões vibratórios são frenéticos
astros se formam a partir da agitação das partículas
oscilações de luz ocorrem nos olhares com muita frequência e o movimento dos corpos no espaço se tornam imprevisíveis
Ponto de não-retorno
absurdos matemáticos
distorções entrópicas
não há linguística avançada que o descreva
fórmula física que o explique
matemática que o calcule
a velocidade da luz por ele é descartada
não há velocidade possível para libertar-se do seu campo gravitacional
chegando em seu horizonte de eventos
qualquer matéria será influenciada por sua força significante
haverá fricção significativa
o corpo será propulsionado ao ponto de não-retorno
essa ação fantasmagórica a distância
foi denominada pelos cientistas de amor
e figura entre os grandes mistérios da humanidade
64
Buraco negro
a culpa é desse medo é desse breu nos olhos
esse monumento caído repertório superficial
achando que é bandido armado girando sem eixo
desejando estourar nossos tímpanos a culpa são dessas
gargarejando obscenidades pedras brilhantes
desfazendo sonhos como castelos de areia virtudes escorrendo do peito
a culpa é desse peito frio a culpa é dessa coragem desvairada
dessa inércia momentânea melancólica prateleira vazia
estúpida a culpa é dessa comoção eterna
a culpa é desse pesadelo íntimo dessa gente bicho
que nos arranca as cicatrizes dessa consciência inexistente
que de nossas memórias a culpa é dessas bandeiras
faz sanfona territórios do poder
e se ergue completamente vazio maléficas fábricas de precipícios
a culpa não é nossa em corações desavisados
65
Céu
o azul predomina
não sei o motivo da delicadeza da cor
talvez seja a forma que preenche meus olhos
e todos os castelos lá fora
lembro do trajeto do vento
costeando as folhas
arrancando as casas do chão
talvez seja o chão
ou a substância magnética do beijo
ou a curva dos rios
a curva é uma boa aposta
o leito em que pousa o corpo
sinto que faltam pilares
verbos conjugados em alta tensão
hábitos tão pesados quanto
o espaço infinito no qual se movem os astros
ou esse abraço que me esmaga
66
Marcel Fernandes (1986) nasceu e resi-
de em Antonina/PR. Desenvolve uma
pesquisa visual sobre a relação entre
realidade e ficção, permeando as artes
visuais e a literatura (ou pensa que de-
senvolve). Já realizou diversas exposi-
ções individuais e coletivas, tendo desta-
que a exposição Poesia Agora no Museu
da Língua Portuguesa, em São Paulo;
Begira Photo Festival, em Durando; e,
Artistas Emergentes do Brasil, no Espacio
Menosuno, em Madrid. Tem publica-
dos seus poemas e fotografias em algu-
mas revistas literárias nacionais e in-
ternacionais, como Escamandro, Gueto,
Mallarmargens, Parênteses e as portu-
guesas Enfermaria 6 e Piolho. É gradu-
ado em Administração com Habilitação
em Gestão Portuária pela Universidade
Estadual do Paraná e Especialista em
Organizações Públicas pela Universidade
Federal do Paraná. Escreve no blog ht-
tps://marcelfernandes.wordpress.com.
Não sabe cozinhar, não arruma a cama
que dorme e não gosta de creme de lei-
te. Gosta de ler, voar e cuidar de estrelas
carentes.
Lista de autores já publicados
Adelaide Ivánova, Alan Kramer, Ana Guadalupe, Ana Salek, Alfredo Fressia, Alvaro Posselt,
Ana Kehl de Moraes, Ana Martins Marques, Ana Rüsche, André Oviedo, Andréa Del Fuego,
Aníbal Cristobo, Anne Sexton, Barbara Mastrobuono, Bruna Beber, Bruno Palma e Silva,
Carina Sedevich, Carol Rodrigues, Carla Kinzo, Cecilia Pavón, Charles Cros, Clarissa Comin,
Daniel Francoy, Daniella de Paula, Déa Paulino, Deborah Prates, Dimitri br, Edu Suppion,
Ellen Maria Vasconcelos, Elisa Andrade Buzzo, Érica Zíngano, Fabiano Calixto, Fabíola
Weykamp, Fabricio Corsaletti, Felipe Nepomuceno, Francesca Cricelli, Gabriela Ventura,
Gertrude Stein, Giuseppe Ungaretti, Glória Paive, Grazi Shimizu, Guilherme Damasceno,
Ismar Tirelli Neto, J.F. de Souza, Jimena Arnolfi, Juliana Amato, Júlia de Carvalho Hansen,
Juliana Krapp, Kenneth Koch, Luana Vignon, Jeanne Callegari, Joana Hime, Julia de Souza,
Julianna Motter, Laura Liuzzi, Leandro Jardim, Leo Ventura, Leonardo Gandolfi, Leonardo
Wittman, Lielson Zeni, Lilian Aquino, Livia Piccolo, Lubi Prates, Lisa Alves, Luca Argel,
Lucas Perito, Luci Collin, Ludmila Rodrigues, Lyn Hejinian, Marcos Vinícius de Almeida,
Maíra Ferreira, Maíra Matthes, Marcos Casadore, Mariana Botelho, Marília Garcia, Marcia
Pfleger, Matheus Hatschbach, Mirella Carnicelli, Miriam Adelman, Múcio Góes, Nathalie
Lourenço, Noemi Jaffe, Odile Kennel, Phillipe Wollney, Pierre Masato, Rafael Elfe, Rafael
Mantovani, Rafael Mendes, Raimundo Neto, Ricardo Domeneck, Rodrigo Garcia Lopes, Rosa
van Hensberger, Rubens Akira Kuana, Sergio Mello, Stephanie Borges, Tao Lin, Tiago Feijó,
Thiago Ponce de Moraes, Thiago Tizzot, Vanessa Rodrigues, Victor Heringer, Virna Teixeira,
William Zeytounlian.
Fotógrafos
Adelaide Ivánova, Ana Kehl de Moraes, André Lasak, Alexandre Santos, Carol de Andrade,
Camila Lordelo, Daniela Feder, Edu Suppion, Juliana Rocha, Julio Perestrelo, Karine Moura,
Kristiane Foltran, Marcel Fernandes, Mariana Caldas, Pedro Ferrarezzi, Raphael Bernadelli,
Rodrigo Sommer, Thany Sanches, Vanessa Carvalho.
Sobre as fotos
Flávio Freire é fotógrafo de histórias, do cotidiano, da vida na cidade. Dos cinzas às cores. Faz da
câmera fotográfica não só uma ferramenta de trabalho, mas sim uma extensão do próprio braço
e continuação dos seus olhos, onde transpassa sua visão de tudo ao mundo. Infinito, assim como
Choc Documental
Edição
Bruno Palma e Silva
Lubi Prates
Fotos
Flávio Freire
Projeto gráfico
Bruno Palma e Silva
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