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CENTRO PAULA SOUZA

FACULDADE DE TECNOLOGIA DE TATUI


CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM PRODUÇÃO FONOGRÁFICA

ANANDA RODA DE MIRANDA


EDUARDO HENRIQUE RIBEIRO TEGAMI
LETÍCIA DA MOTA OLIVEIRA

IDENTIDADE SONORA DO ALAÚDE RENASCENTISTA

Tatuí/SP
1º Semestre/2019
ANANDA RODA DE MIRANDA
EDUARDO HENRIQUE RIBEIROTEGAMI
LETÍCIA DA MOTA OLIVEIRA
1

IDENTIDADE SONORA DO ALAÚDE RENASCENTISTA

Projeto de Trabalho de Graduação


apresentado à Faculdade de Tecnologia
de Tatuí, como exigência parcial para
obtenção do grau de tecnólogo em
Produção Fonográfica, sob orientação do
Prof. Me. José Carlos Pires Júnior

Tatuí/SP
1º Semestre/2019
2

ANANDA RODA DE MIRANDA


EDUARDO HENRIQUE RIBEIRO TEGAMI
LETÍCIA DA MOTA OLIVEIRA

IDENTIDADE SONORA DO ALAÚDE RENASCENTISTA

Projeto de Trabalho de Graduação


apresentado à Faculdade de Tecnologia
de Tatuí, como exigência parcial para
obtenção do grau de tecnólogo em
Produção Fonográfica, sob orientação do
Prof. Me. José Carlos Pires Júnior

( ) APROVADO ( ) REPROVADO
Com média:..............
Tatuí, .............. de .......................... 20........

___________________________
Prof. ..........................................
FATEC – Tatuí
___________________________
Prof. ..........................................
FATEC – Tatuí
___________________________
Prof. ..........................................
FATEC – Tatuí
3

RESUMO

O presente trabalho visa identificar e elencar qualidades sonoras do alaúde


renascentista - instrumento da família das cordas dedilhadas que se popularizou na
renascença europeia - através de pesquisa histórica e organológica. A pesquisa
contextualiza o leitor para que possa compreender como a técnica e repertório do
alaúde foram desenvolvidos. É feita uma análise de sua sonoridade em diferentes
ambientes acústicos e como se dá a interação do som do alaúde nestes locais,
contando com a visão de profissionais atuantes na área (alaudistas) sobre aspectos
importantes da performance do instrumento. Para se por em prática, foram feitas duas
gravações em ambientes contrastantes, o que conclui-se que mesmo sobre os
mesmos parâmetros, o ambiente tem um papel fundamental na sonoridade, e que por
meio de parâmetros básicos pode-se extrair sons melhores dependendo do
posicionamento onde se toca.
Palavras-chave: Alaúde, sonoridades, repertório, gravação
4

ABSTRACT

The present work aims to identify and list the sound qualities of the Renaissance lute
- instrument of the plucked string family that became popular in the European
Renaissance - through historical and organological research. The research
contextualizes the reader so that they can understand how the lute technique and
repertoire were developed. An analysis is made of its sound in different acoustic
environments and how the interaction of the lute sound occurs in these places, relying
on the view of professionals working in the area (allaudists) on important aspects of
the instrument's performance. To put into practice, two recordings were made in
contrasting environments, which concludes that even under the same parameters, the
environment has a fundamental role in the sonority, and that through basic parameters
can produce better sounds depending on the positioning where you touch.
Word Keys: Lute, sonority, repertoire, recording
5

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Maria Madalena tocando alaúde, autor desconhecido. Observe a posição


da mão direita, em especial o dedo polegar e indicador, essa posição de mão indica o
uso de figueta e não mais o plectro, característica do alaúde renascentista. ............. 8
Figura 2 - Alaúde Renascentista ............................................................................... 12
Figura 3 - Modelo do manuscrito para alaúde solo de Vidal, de 1517. A tablatura abaixo
é do tipo italiana. ....................................................................................................... 13
Figura 4 - Condução harmônica indicando já na segunda nota do primeiro compasso,
a primeira inversão do acorde de Lá menor, sendo representada pelo número 6. ... 15
Figura 5 - Uso da ornamentação em intabulações, através da comparação do início
do arranjo de Spinacino para o Christie da Missa Si Dedero de a versão Obrecht com
original. ...................................................................................................................... 16
Figura 6- O triunfo da igreja sobre a sinagoga (detalhe) de um seguidor de Jan Van
Eyck (ca. 1430. Repare na mão direita do garoto, se utilizando o plectro ................. 19
Figura 7- “Alaudista”, de M. Lasne (1590-1667). Geementemuseum, Haia .............. 22
Figura 8– Gravura retratando o alaudista Jean Ulric Haffner, feita por Stör no ano de
1730. Repare na unha sobressalente de seu dedo polegar. ..................................... 24
Figura 9- Projeto de sala ideal para grupo musical, feito por Thomas Mace, do
manuscrito Musick’s Room. A preocupação dos intérpretes e de sues mecenas com o
aspecto acústico rendeu obras como está abaixo. .................................................... 25
Figura 10- Além da perspectiva, o quadro Monalisa, de Da Vinci, expressa os
contornos de Lisa sem traços rígidos, se utilizando do sfumato. .............................. 28
Figura 11- Igreja de Toddington, com formato retangular. A câmara de reverberação
se encontra na lateral. ............................................................................................... 29
.Figura 12- Antecâmara de ressonância onde se encontram os túmulos da família. 29
Figura 13 - Capela Real de Versailles. ...................................................................... 30
Figura 14- Página inicial da Fantasia X, em tablatura italiana. A obra conta com mais
quatro folhas.............................................................................................................. 34
Figura 15- Cripta da Sé ............................................................................................. 35
6

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 7
1.1 JUSTIFICATIVA ................................................................................................ 9
1.2 OBJETIVOS .................................................................................................... 10
1.2.1 Objetivo Geral ................................................................................................ 10
1.2.2 Objetivos Específicos ................................................................................... 10
2 REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................................. 11
2.1 HISTÓRIA DO ALAÚDE .................................................................................. 11
2.2 TÉCNICAS DE EXECUÇÃO ........................................................................... 16
2.3 QUESTÕES SONORAS .................................................................................. 22
3 MATERIAIS E MÉTODOS .............................................................................. 32
3.1 ALAUDISTA..................................................................................................... 32
3.2 MATERIAIS ..................................................................................................... 33
3.3 GRAVAÇÕES .................................................................................................. 33
3.4 MÉTODO DE ANÁLISE ................................................................................... 36
4 RESULTADOS DE DISCUSSÃO .................................................................... 38
5 CONCLUSÃO ................................................................................................. 40
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 42
7

1 INTRODUÇÃO

O alaúde renascentista é um instrumento de cordas dedilhadas históricas do


século XVI, feito de madeira, e seu elemento vibrante são as cordas. Seu formato é
piriforme (forma de uma pera partida ao meio) e foi sendo alterado à medida que se
difundiu pela Europa, adquirindo qualidades que permitiam que ele tivesse
sonoridades bem particulares. A quantidade de ordens (par de cordas) foi se
alargando à medida que o repertório foi mudando, e eram pulsadas inicialmente com
um plectro (espécie de palheta de pena animal), mudando para dedilhados com os
dedos da mão.
O alaúde foi inicialmente executado em salões de castelos, salas e quartos de
palácios, até casas de aristocratas de menor porte, pequenos teatros ou capelas.
Estes ambientes eram geralmente construídos de pedra e madeira, e para os mais
nobres, mármore. Era um instrumento de passatempo da nobreza e saber dominá-lo
denotava erudição, sendo figura indispensável em festas e confraternizações. Seu
auge (que compreende tanto o desenvolvimento mais refinado de repertório quanto o
de intérpretes prodigiosos), se passou na Inglaterra entre os anos de 1550 até 1630,
conhecido como a “Era de Ouro” do alaúde.

A partir de Henrique VIII, uma preferência pelo alaúde surge na Inglaterra,


despertando o interesse de compositores, instrumentistas profissionais e
amadores. Alaudistas entram a serviço da Casa Real, bem como de nobres,
exercendo tanto a função de entretenimento, como didática. Uma demanda
de música e de métodos para o instrumento é sentida, atingindo seu apogeu
ao redor de 1600, no auge do período elisabetano (ZWILLING, 1996, p. 10).

Seu repertório inicialmente era de acompanhamento para ensembles


(conjuntos de instrumentos) ou canto, e passou a ganhar um vultoso conteúdo solo à
medida que foi aperfeiçoando sua técnica. Tinha como textura a polifonia, que é o
diálogo de igual importância de todas as linhas melódicas em todos os registros
(havendo exceções com a monódia e as peças mais homofônicas). A priori, o
repertório do alaúde era composto de intabulações (arranjos instrumentais feitos a
partir de peças sacras vocais), mas estas só se popularizariam no século XIV, devido
a tradicional transmissão oral de conhecimentos musicais, o que significa que muitas
das informações do instrumento, seja técnica ou postura, vieram para a posteridade
através da iconografia.
8

Figura 1 - Maria Madalena tocando alaúde, autor desconhecido. Observe a posição da mão
direita, em especial o dedo polegar e indicador, essa posição de mão indica o uso de figueta e não
mais o plectro, característica do alaúde renascentista.

Fonte:Pixels 1

Uma particularidade importante da época era o fato de que não havia senso
comum na forma de se tocar, isso no que tange desde a execução das obras
(interpretação, dinâmicas), até afinação ou postura das mãos (dedilhado ou plectro),
e esse fator é importante de ser levado em consideração porque conclui-se que a
forma como pode ser tocado e como o alaúde pode soar é muito variável. Esse fato
se evidencia com a existência de mais de um tipo de forma de se dedilhar as cordas
com a mão direita, que são utilizadas de acordo com a região geográfica em que se
encontravam.

Estes famosos alaudistas tocam com o polegar para fora: na Alemanha,


Gregório Huwet, o inglês Dowland (Dulandus Anglus), quem sem dúvida,
começaram [os dois citados] a tocar com polegar por dentro. Na Itália,
Laurencini em Roma, Hortensius em Pádua. Na França Bocquet, o polaco
Mercurio e outros mais (STÖBAUS, 1619, apud BARROS, 2005, p.108)
.

1 Disponível em: https://pixels.com/featured/mary-magdalene-playing-the-lute-master-of-the-


female-half-lengths.html. Acesso em: 2019
9

A forma como o executante interpreta o discurso sonoro é geralmente muito


influenciado pelo ambiente em que ele se encontra, pela qualidade de seu instrumento
(madeira ou cordas) e, naturalmente, pelo seu nível técnico. No tocante ao ambiente
acústico, um lugar propicio é aquele que enalteça equilibradamente todas as linhas
melódicas, mas com uma ressonância que possa suprir sua falta se sustentação
suficiente para não embolar o som (mescla ininteligível do som). Para se chegar a
este resultado, muitos tipos de ambientes podem enquadrar, desde os com mais
reverberação e grandes, até os menores, mas mais secos.
Portanto, o presente trabalho apresentará as técnicas e características sonoras
do alaúde embasados num estudo de cunho histórico e de repertórios, além de
pesquisas e comparação de sonoridades, segundo profissionais da área, baseados
em gravações.

1.1 JUSTIFICATIVA

O estudo da técnica do alaúde renascentista, sua execução e particularidades


sonoras é de capital importância para poder prevalecer, ao ser feita uma captação do
instrumento, suas qualidades particulares, podendo então assim ser feito um trabalho
mais preciso e fidedigno - por parte da produção fonográfica - da sua sonoridade,
sendo útil para os profissionais da área de produção, como uma forma de capacitação
dos mesmos em relação a esse tipo de instrumento. Levando-se em conta que se
passaram aproximadamente 500 anos desde o fortalecimento do alaúde renascentista
na História, muitas pesquisas têm sido feitas rumo a uma concepção média de como
proceder em uma execução do instrumento, mas pouco se tem levado em conta sobre
o ambiente e seu resultado sonoro numa gravação.
Ao se ouvir um instrumento histórico (especialmente o alaúde, de pouca
projeção), devido as qualidades físicas e do repertório, espera-se do ouvinte uma
imersão e não somente o ato de se ouvir. O ato de se reajustar o ouvido do ouvinte
contemporâneo que está continuamente exposto a ruídos externos agressivos (que
em comparação ao do homem renascentista é brutalmente diferente) é uma tarefa
que exige do instrumentista, do ambiente e da captação um refinamento condizente
com as qualidades deste belo instrumento.
10

Consequentemente como resultado de um bom trabalho de produção, facilita-


se a difusão da música antiga, pois quanto mais profissionais especializados no ramo,
melhor o trabalho se desenvolverá, mais oportunidades surgirão do trabalho a ser
reproduzidos e mais criteriosos e embasadas os profissionais se tornarão para
poderem reproduzir gravações a captação do tipo.

1.2 OBJETIVOS

1.2.1 Objetivo Geral

O objetivo geral dessa pesquisa é demonstrar, através de pesquisas e estudo


histórico, as técnicas e sonoridade do alaúde renascentista, gravações em lugares
acusticamente contrastantes e comparação sonora, respeitando suas características
físicas e embasadas em depoimentos de instrumentistas.

1.2.2 Objetivos Específicos

O presente projeto tem como objetivos específicos:


a) fazer uma análise histórica, morfológica, organológica e de repertório do alaúde
renascentista, a fim de contextualização e entendimento do instrumento;
b) fazer análise da técnica utilizada para a execução do instrumento;
c) pesquisar sonoridades possíveis do alaúde e sua relação com os ambientes;
d) executar a gravação do alaúde em dois ambientes acusticamente diferentes e
analisar os resultados; coletar depoimentos de instrumentistas e pessoas
ligadas ao ramo
11

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 HISTÓRIA DO ALAÚDE

A Renascença foi um período marcado por transição de pensamento do ser


humano, do teocentrismo para o antropocentrismo. É um retorno dos valores e
princípios da antiguidade clássica da Grécia, com a grande exploração dos temas de
natureza, racionalidade e ética. Foi uma era de se redescobrir valores e reformar os
paradigmas, seja no campo social e econômico com a obsolescência do feudalismo e
a ascensão de burgueses no mercantilismo; o decaimento do poder e influência da
igreja e a reforma protestante; o fim das guerras na Europa e o estabelecimento de
uma cultura de mecenato com alto investimento em artistas que apareceram em
profusão. Com o fim das guerras e invasões na Europa, os edifícios que até então,
em sua maioria, foram pensados acima de tudo a serem fortalezas de pedra por
proteção de invasores passam a serem construídos também agora com o quesito
beleza estética.
O alaúde renascentista é um instrumento de cordas dedilhadas históricas do
século XVI. Ele descende de uma longa linhagem de instrumentos árabes,
especialmente o Oud’ árabe (“a madeira”, faz referência ao material do instrumento),
que chegou na Europa durante a Idade Média, pela invasão dos mouros e sarracenos
na Península Ibérica a partir do século VII d.C. Estima-se que a primeira
representação de sua família foi através de uma placa de terracota em meados do II
milênio a.C. Com o passar do tempo, o Oud’ árabe foi sofrendo muitas alterações,
chegando ao alaúde renascentista. Ao longo do século XVI, o instrumento foi
adquirindo cada vez mais importância em sua época. “Os árabes, grandes
transportadores de cultura, foram os responsáveis pela enorme difusão de diversos
tipos de alaúdes, desde a Indonésia até a Península Ibérica” (ANDRADE, 1981, p.54).
Construído em madeira e com formato piriforme (formato de uma pêra cortada
ao meio), o alaúde tem como elemento vibrante as cordas duplas. Cada par de cordas
é denominado “ordens”; o renascentista possui 6 ordens, sendo cinco duplas e uma
simples (a mais aguda, chamada de chanterelle). Durante os séculos foram se
acrescentando novas ordens, surgindo assim novos instrumentos, construindo-se
então famílias inteiras com afinações diferentes que pretendiam imitar os diversos
registros da voz humana. A estrutura do casco é muito fina, sendo assim um
12

instrumento leve e delicado. O instrumento é composto por três partes fundamentais:


corpo, braço e cravelhame. O corpo é formado por uma caixa de ressonância convexa.
Seu fundo é abaulado e composto por lâminas de madeira (aduelas, com cerca de 1,5
mm), geralmente feitas de sicômoro, que são dobradas sobre um molde através da
aplicação de calor e coladas entre si, dando o formato de uma concha assimétrica. No
interior do tampo são coladas uma série de barras transversais da mesma madeira
usada nas lâminas do corpo para reforçar e determinar a sonoridade final do
instrumento e também para evitar que a tensão das cordas deforme o tampo,
geralmente construído em abeto. O entalhe da roseta (boca do instrumento) é
ornamentado e pode apresentar crivos muito complexos. A roseta atua como abertura
de ressonância e é a parte decorativa do instrumento, sendo assim uma marca
registrada do artesão. Quanto a composição das cordas, eram feitas de tripa de
carneiros ou de macacos, o Vieil ton (afinação antiga) do grave para o agudo: sol, dó,
fá, lá, ré, sol. Atualmente utiliza-se também tripas sintéticas ou nylon. O braço é
relativamente curto e dividido com trastes (ou trastos), que geralmente possuem dez
seções, normalmente separadas entre si com tripa ou nylon (nos tempos atuais). O
cravelhame característico possui um ângulo de quase 90° em relação ao braço
(construído assim para dar mais tensão as cordas), recolhe as cordas e permite sua
afinação através de cravelhas laterais. O cavalete é responsável por transmitir sua
vibração à caixa de ressonância.

Figura 2 - Alaúde Renascentista

Fonte: Cultura2

2 Disponível em: https://cultura.culturamix.com/curiosidades/o-que-e-alaude. Acesso em 2019


13

À medida em que se difundiu pela Europa, seu repertório e formato foi sendo
alterado e adquirindo qualidades que permitem que ele tenha sonoridades bem
particulares: as cordas duplas geram mais harmônicos e um som mais incorporado. A
quantidade de ordens foi se alargando à medida que o repertório foi mudando.
Inicialmente as cordas eram pulsadas com um plectro (espécie de palheta de pena) e
foi mudando para dedilhados com os dedos da mão, dando lugar à novas técnicas
interpretativas e adaptando-se aos novos repertórios. Com essa mudança, foi
inventado o sistema de notação que permite identificar facilmente quais as cordas que
devem ser tangidas em cada momento: a tablatura. Existem quatro tipos: a italiana, a
francesa, a espanhola e a alemã.

Figura 3 - Modelo do manuscrito para alaúde solo de Vidal, de 1517. A tablatura abaixo é do
tipo italiana.

Fonte: Wikipédia3

A função da tablatura, acima de qualquer coisa, era indicar a exata posição do


dedo no espaço da escala, o que significa que ela tinha por função indicar
especificamente uma posição de dedo, e não um determinado som.

3 Disponível em: www wikipedia.com Acesso em: 2019


14

The reason for the undeserved obscurity of the lute repertory lies in the form
of notation used for lute music. Tablatures were used for a number of
instruments, but nowhere as effectively or consistently as for the lute. Rather
than producing a notation representing the pitches and durations of the music,
tablatures were basically a form of instructions telling the player where to
place his fingers, but not what sounds to expect when he struck the notes.
Modern notation represents the sounds the player should expect to hear, but
not how to obtain them (MCFLEELY,1999).

Nesse meio tempo, os instrumentos ganhavam muita força fora do ambiente da


Igreja, porque a música secular (profana, que não era proveniente de rituais religiosos)
passou a ganhar autonomia. Assim, o alaúde foi inicialmente executado em salões de
castelos, salas e quartos de palácios, pequenos teatros ou capelas e até em casas de
aristocratas de menor porte. A arte passou a ganhar mais relevância no cotidiano
doméstico das pessoas, especialmente a música, feita para divertimento da família,
que tanto conotava erudição pessoal do executante, quanto era um meio de prover
confraternizações. Numa época de pouca velocidade de informação e maior tempo
livre por parte da nobreza, o lazer era algo a ser pensado e organizado com muita
seriedade. Foram nesses ambientes que o alaúde se popularizou.
O instrumento era ensinado por músicos de classe mais baixa (não era
considerado uma profissão nobre). Nos primeiros tempos de orquestração, o alaúde
era quem dava uniformidade harmônica ao conjunto, exercendo muitas vezes o papel
de baixo contínuo. O contínuo é um naipe de instrumentos com função de
acompanhamento harmônico, e geralmente de registro mais grave. Neste naipe
encontram-se o cravo, cordas dedilhada no geral (teorba, arquialaúde, guitarra
barroca) viola da gamba e violone (antecessor do contrabaixo). A escrita do baixo
contínuo é dividida em baixo cifrado e não cifrado. O primeiro refere-se a uma
codificação que mistura notação musical tradicional (notas numa pauta de com claves
de Fá ou Dó) com números que simbolizam inversões de acordes e passagens
melódicas a serem adicionadas. Há vários tipos de numeração, mas os mais comuns
são o número seis, indicando a primeira inversão de uma tríade; o número seis e cinco,
indicando a primeira inversão de uma tétrade, além do número quatro, seguido de
três, resolvendo a dissonância, que indica uma passagem melódica, geralmente em
cadências perfeitas. É importante lembrar que a dissonância nesse caso é sempre
executada mais forte, para que seu efeito possa ser ressaltado, seguido de sua
15

resolução (o três), mais fraco; há também os sinais de sustenido ou bemol, em caso


de passagens com alteração da natureza do acorde, como segue no exemplo:

Figura 4 - Condução harmônica indicando já na segunda nota do primeiro compasso, a


primeira inversão do acorde de Lá menor, sendo representada pelo número 6.

Fonte Brainly 4

Em relação ao baixo não cifrado, este atende aos instrumentos não harmônicos
(que são menos possibilitados de fazer acordes devido a sua estrutura natural, com
exceção parcial da gamba, que pode executar acordes, mas de forma não tão natural
quanto as cordas dedilhadas) e é baseado apenas nas notas graves escritas em
notação musical tradicional, tocadas melodicamente. É importante frisar que o baixo
contínuo (especialmente o cifrado) pede, de forma implícita, passagens melódicas
feitas de improviso a fim de suprir possíveis espaços em vazios, dos quais já se
esperava que eles aparecessem (lembrando, mesmo que isso não estivesse escrito
na partitura). Essa prática de ornamentação é proveniente das intabulações. Estas,
como já falado, são arranjos feitos a partir de obras sacras vocais. Como o alaúde é
um instrumento pinçado e não possui a possibilidade de sustentação de notas de
forma contínua, como acontece com o canto, essas passagens melódicas são uma
forma de suprir essa falta natural, e de certa forma, sustentado e revitalizando
compassos que tenderiam a soar vazios. Essa prática e diminuir notas longas
(semibreve e mínima) com outras de menor tamanho (colcheias e semicolcheias) é
conhecida como diminuição.

Contudo, a impossibilidade de sustentação de notas longas no alaúde ainda


representava um obstáculo para a transcrição de obras vocais. A solução
encontrada para tal problema foi o uso de ornamentação, substituindo as
notas longas da obra original por outras de menor duração, uma prática
também empregada nas intabulações para instrumentos de teclado. As
texturas resultantes levaram ao desenvolvimento de um estilo de composição
próprio da música instrumental, diferente do já estabelecido estilo vocal
(voltaremos a tratar deste aspecto mais adiante) (WOLFF, 2003).

4 Disponível em: https://brainly.com.br/tarefa/7247948. Acesso em 2019


16

Esta prática é extremamente comum e necessária na condução do contínuo,


por parte das dedilhadas e pinçadas no geral. Não possuem regras muito estritas, mas
geralmente são passagens melódicas conduzidas em grau conjunto (sem intervalos
maiores que de uma segunda), de forma ascendente ou descendente, mas varia,
dependendo do estilo.

Figura 5 - Uso da ornamentação em intabulações, através da comparação do início do arranjo


de Spinacino para o Christie da Missa Si Dedero de a versão Obrecht com original.

Fonte:The New Oxford History of Music5

No final do século XVII, foi perdendo força em detrimento de outros


instrumentos. As orquestras, óperas e salas de concerto eram cada vez mais
predominantes e não eram adequadas para um instrumento com baixa potência
sonora.

Várias foram as causas, artísticas e sociológicas, para esse declínio. O


instrumento não possuía volume para enfrentar o inchaço das salas de
concerto e as demandas da música de câmara (ZANON, 2004, p.5).

Seu desaparecimento não foi total, conseguindo sobreviver até o final do século
XIX, época em que começou seu movimento de recuperação e que perdura até hoje.

2.2 TÉCNICAS DE EXECUÇÃO

Como resultado dos fortes princípios filosóficos em que a sociedade vivia a


música sofreu influências graduais, mas profundas, sendo manifestadas através do
desenvolvimento expressivo da polifonia entre as vozes (rompimento com o
pensamento medieval da monofonia), clareza, equilíbrio e tratamento de dissonâncias

5 Disponível em: www.global.oup.com. Acesso em 2019


17

(simbolizando a racionalidade da cultura grega e a divina harmonia que, segundo os


gregos, supostamente rege o universo), além do desenvolvimento da música
puramente instrumental. Todos esses aspectos foram determinantes para a impulsão
de um repertório novo.
Ao se adentrar mais na questão de estética renascentista, que é baseada em
um debate vocal, o texto possui papel secundário - apesar da métrica e da prosódia
(técnica de se atribuir os tempos fortes às sílabas tônicas das palavras, acentuando-
as corretamente) serem respeitadas. Para este tipo de repertório, onde todas as vozes
possuem igual importância na obra, a observação do público deve se atentar à
disposição dessas vozes e a seus tratamentos, no sentido de resolver notas
dissonantes, conduzindo-as para as consonâncias nos tempos corretos. Nesta época,
consonâncias eram os intervalos musicais de oitavas, quintas, terças e sextas (estas
últimas duas consideradas consonâncias imperfeitas), enquanto que dissonâncias
eram os intervalos de segundas (maiores ou menores), quartas e sétimas. Esta
técnica de escrita era conhecida como primma pratica, termo italiano que diz respeito
ao discurso vocal que abrange tratamento de dissonâncias e primazia da música em
relação ao texto das obras musicais. Esse estilo vem da ideia de que a voz humana
representa o que há de mais elevado na expressão artística, e por isso a tentativa dos
instrumentos musicais imitarem sua sonoridade.
O alaúde, por sua vez, é um instrumento que possui bastante brilho, por ter um
registro agudo. Possui uma extensão de três oitavas, variando de acordo com o
período. Tem pouca intensidade sonora pela delicada estrutura que o compõe e sua
faixa de extensão dinâmica também não é grande, muito provavelmente devido a
tocabilidade do instrumento, centralizada geralmente em blocos - devido às
dificuldades técnicas - e ao repertório polifônico que executa, que é bem estável e
trabalha geralmente com uma mesma margem de intensidades, variando pouco
(ainda porque naquela época não havia se desenvolvido o senso de dinâmica que
para os ouvidos da atualidade já soam naturais). O apelo ao forte/piano e técnicas de
dinâmicas teoricamente não eram utilizados (ao que se tem notícia ao menos, com
exceção do manuscrito de Vitale (1517), na figura 3. Este é o único manuscrito que
possui indicação de piano, tipo de dinâmica que sugere ao instrumentista tocar com
menos potência sonora). Esse fato acontece, como já mostrado, devido á cultura de
educação oral, como cita BARROS:
18

No século XV, o movimento humanista italiano do período influencia


claramente a teoria, composição e interpretação musical da época. A
ausência de obras grafadas contrasta com a proeminência do alaúde
contemporâneo em fontes iconográficas e literárias da época, cujo papel na
‘tradição não escrita” do período é destacado por Douglas Alton Smith
(BARROS, 2015, p. 107).

Isso, portanto pode indicar que não se pode ter certeza se era uma prática
recorrente ou não. O que pode também se concluir do repertório é que havia de fato
uma fluidez e continuidade do discurso, de certa forma homogêneo para todas as
vozes do diálogo, sem pontos culminantes muito contrastantes.
É um instrumento que tem por elemento vibrante as cordas, portanto é a partir
da pulsão delas com os dedos que se faz vibrar, e essa vibração percorrerá o interior
do instrumento até ser projetada para fora. Na mão direita, para se ferir as cordas usa-
se a figueta, que em sua tradução literal significa posição de mão, mas convenciou-
se a ser entendida como a técnica de cruzar o dedo polegar com o indicador (como
se formando uma figa). Na época medieval o alaúde era tocado com o plectro, espécie
de palheta feita com pena de animais, já que nessa época este instrumento possuía
funções de acompanhamento melódico, além de ser tocado com o acompanhamento
de outros instrumentos, como flauta, grupos de alaúdes em outras tessituras e mesmo
a voz. Devido o formato do plectro, com sua ponta saliente, a sonoridade é mais
brilhante e cortante, enquanto que se consegue extrair mais som dado a facilidade
que a posição do plectro proporciona á mão.
19

Figura 6- O triunfo da igreja sobre a sinagoga (detalhe) de um seguidor de Jan Van Eyck (ca.
1430. Repare na mão direita do garoto, se utilizando o plectro

Fonte: Caslab6
Com a mudança de repertório e a abrangência do número de vozes, o plectro
foi substituído gradualmente pelo dedilhar da mão, que intercalava acordes com
arpejos, e passagens rápidas melódicas com a figueta. A técnica de figueta segue o
princípio thesis e arsis (terra e ar), que é o movimento natural de se tocar para baixo
e cima. Como resultado disso, pela própria ação da gravidade, há a acentuação do
primeiro tempo (thesis), e enfraquecimento do contratempo (arsis). Essa abordagem
é feita no alaúde pelo dedo polegar, no tempo forte (também conhecido como batteri),
e o indicador no tempo fraco (conhecido como levare), pois o primeiro é o dedo que
dispõe de mais força. A manipulação e escolha correta de dedilhado é feita
dependendo da intenção da música no sentido de pulso (seu andamento e
acentuação). Portanto, em uma típica peça renascentista, é natural se ouvir sempre,
em passagens melódicas, o intercalar de polegar e indicador, deixando nítido o
tempo/contratempo. Em passagens que há a necessidade de ênfase, utiliza-se então
uma repetição de dedos, o que anula o efeito forte/fraco, igualando a duração em
todas as notas em que se aplica este dedilhado.

6 Disponível em: www.caslab.case.edu/medren/medieval-intruments/lute-medieval/. Acesso em 2019


20

O polegar deve pulsar para fora, não para dentro, como fazia a geração mais
antiga, e comumente os holandeses e antigos alemães, já que tem sido
provado que é muito melhor pulsar com o polegar para fora. Assim, a
sonoridade e é mais clara, viva e brilhante. O outro (…) resulta mais débil e
apagado (BARROS, 2015, pg 113).

A técnica da figueta, medida que foi se expandindo pela Europa foi tomando
formas diferentes de acordo com a região que o alaúde era executado. Devido a
dificuldade da velocidade da informação, diferentes repertórios e necessidades não
existiam consenso entre os países de qual posição usar. Significa que desde o
começo as escolas de alaudistas já divergiam. No total, ao que se tem registro, quatro
tipos diferentes de figuetas foram utilizados, e foram se desenvolvendo à medida que
o repertório foi mudando. As figuetas são as seguintes: estrangera, castelhana,
dedilho a usual posição que utiliza os dedos polegar, indicador, médio e anular (está
última é a atual posição utilizada por violonistas). De forma cronológica as figuetas
estrangera e castelhana foram as primeiras a se popularizarem. Ambas intercalavam
o polegar e o indicador em quase todas as passagens de uma peça, enquanto que
para acorde ou arpejos utilizavam os demais dedos (médio e anular). Além disso,
ambas utilizavam o dedo mínimo, apoiado no tampo, no espaço entre a roseta e
cavalete, para dar sustentação á mão especialmente em passagens rápidas. A
diferença entre as duas é que a castelhana posicionava o polegar para fora, e era
mais comum na Espanha. Na estrangeira o dedo polegar após ferir a corda, se
posicionava dentro da palma da mão, sendo a mais comum no resto da Europa. Já o
dedilho é uma técnica deriva do plectro, onde se utiliza o dedo indicador sem intercalar
com outros dedos, num movimento para baixo e para cima (como a ação de uma
palheta). Também utiliza o dedo mínimo no tampo, e confere ao interprete grande
velocidade. A última técnica de posição é cronologicamente mais recente,
desenvolvida e popularizada na virada do século XVI e XVII. Foi talvez a primeira
técnica utilizada com um consenso entre as escolas de alaúde da Europa. Isso porque
com a mudança do repertório e a música se tornando cada vez mais polifônica e
também homofônica não era mais possível que com as técnicas de figueta castelhana
e estrangeira pudessem reproduzir todas as notas. Como consequência a única forma
de suprir essa necessidade técnica do instrumento, era dando liberdade e função aos
demais dedos. Proporcionando então como resultado a possibilidade de se feris todas
as cordas e notas de novo repertório (más não significa que as duas primeiras técnicas
citadas tivessem caído em desuso. Apenas que essa nova técnica foi agregada).
21

Henestrosa enumera quatro maneiras distintas de redoblar” (tocar escalas).


O dedilho, realizado pelo indicador segundo o teórico espanhol, é derivado
da ação do plectro, alternando movimentos para cima e para baixo deste
dedo. Na descrição da segunda e terceira técnica, são diferenciadas as
metodologias de instrumentistas ibéricos e europeus (não ibéricos). A quarta
alternativa (indicador e médio) seria nas primeiras décadas do século XVII
adotada universalmente pelos alaudistas europeus (BARROS, 2015, p. 110).

A mão geralmente é posicionada entre a roseta e o cavalete, variando de


acordo com o som que o instrumentista queira extrair. Mais próximo ao cavalete tende
a soar mais metálico por causa da tensão das cordas. No outro extremo, mais junto
ao braço, soa aveludado, mas com menos som. A posição mais comumente usada é
a do meio termo. Para a mão esquerda, o trabalho é o de pressionar os espaçados
entre os trastes (as casas).
A postura do alaudista, é variável. Em geral toca-se sentado (há alaudistas que
conseguem tocar de pé graças ao uso de uma fita que é atada entre o cravelhame e
um pino de madeira, colado na outra extremidade do alaúde, conseguindo assim
prendê-lo ao seu corpo). Ao se sentar o alaudista pode tanto cruzar as pernas, quanto
deixa-las descruzadas, apoiando o instrumento em uma de suas coxas. O instrumento
pode ficar tanto posição horizontal em relação ao corpo do instrumentista quanto um
pouco mais angulado. Há também o uso de um apoio de perna (também conhecido
como banquinho, como na figura 7), posicionado tanto de baixo de um só pé, quanto
dos dois pés, variando de acordo com o conforto do músico. É importante lembrar
que não há uma regra fixa. Tudo depende do tamanho e da anatomia do
instrumentista, da forma como ele se sinta confortável.
22

Figura 7- “Alaudista”, de M. Lasne (1590-1667). Geementemuseum, Haia

Fonte: Unirio7

2.3 QUESTÕES SONORAS

À parte do virginal, o alaúde renascentista tornou-se o principal instrumento


para todo tipo de música de câmara. Seu som era suave, íntimo e raro - o
parceiro ideal para acompanhar a voz humana, uma combinação perfeita com
outros instrumentos de sonoridade suave, e o instrumento mais eloquente
entre todos os solistas (ZWILLING, 1996, p. 11).

Devido a sua composição delicada e ao material de suas cordas – feitas de


tripa animal, especialmente de vísceras de carneiro, ou mesmo tendões, mas estes
eram menos populares - o alaúde é um instrumento de pouca potência e projeção
sonora. A escolha do material das cordas era deliberada: já havia naquela época o
aparecimento de cordas de aço, como cita Sebastian Verdung em seu famoso Tratado
para Instrumentos Musicais, o Musica Getutsch, de 1511:

7 Disponível em: http//seer.unirio.br. Acesso em 2019


23

Mas alguns outros instrumentos têm cordas de latão e alguns têm cordas de
ferro. Não será possível que essas cordas de metal sejam usadas no alaúde,
pois se alguém pressionar as cordas de metal nos trastes de tripa com os
dedos nus, as cordas de metal não soarão tão bem quanto se alguém as
parasse com trastes de ferro ou madeira. Você deve, portanto, conhecer a
diferença entre tipos de cordas e atribuir a cada instrumento o tipo que
pertence a ele e a nenhum outro.(VERDUNG, 1511 p. 152)

Apesar disso (e mesmo com o fato de as cordas de tripa terem altos custos)
ainda assim a escolha das cordas de tripa era unânime, isso porque, primeiro, pela
delicada construção do tampo, extremamente fino e sem muita sustentação interna,
um material mais tenso como o aço imputaria a ele um peso que o mesmo dificilmente
resistiria; o outro e mais importante motivo reside no quesito sonoridade. As cordas
de tripa atribuíam ao som do alaúde sua famosa sonoridade intimista, doce e delicada,
que combinavam perfeitamente com a voz humana, em duos, formação essa muito
em voga na época, devido as influências dos humanistas, seguindo o conceito dos
gregos da Lira de Orfeu (voz e instrumento somente), enriquecida pelos harmônicos
consequentes de suas cordas duplas, que estavam lá não á toa. Segundo o mesmo
Verdung, eram duplas pois “embora fossem “grosseiras” e grandes, não se pode ouvir
à distância as cordas grandes soando quase tão altas ou tão fortes quanto as cordas
pequenas ou as mais altas. Por esse motivo, adiciona-se as oitavas, de modo que as
três ordens são ouvidas da mesma forma como as outras”.
Em relação as tocabilidade da mão direita, a sonoridade do plectro era bastante
diferente da feita com os dedos das mãos: ao se ferir a ponta da palheta nas cordas,
extraía-se um timbre mais estridente e brilhante, ao passo que com mais volume
sonoro devido a maior facilidade que o movimento do plectro permite (sempre
cima/baixo), facilitando assim se tocar com fluidez e mais som. Mas, para que os
alaudistas pudessem acompanhar a mudança de repertório, a obsolescência do
plectro foi irremediável. Com os novos estilos de tocar (as figuetas), ferindo o som
com a polpa do dedo, automaticamente o som se tornou mais suave e delicado e
aveludado, fatalmente com menos projeção sonora devido à dificuldade técnica.
Naturalmente que a maioria dos instrumentistas cortavam as unhas da mão direita
para que pudesse ferir as cordas duplas de forma homogênea, com igual força. A
técnica usada é a de se afundar o dedo nas cordas para depois beliscá-las, pois desta
forma consegue-se pressionar ambas da mesma forma (é exatamente esse
24

procedimento que garante que o som se torne mais aveludado e encorpado, ao passo
que tende a perder velocidade). Mas mesmo com o fato de a maioria preferir tocar
sem as unhas, é sabido (sempre graças a iconografia) que havia interpretes que
deixavam crescer as unhas de alguns dos dedos, em especial o polegar, para que
pudessem conseguir tocar as cordas duplas igualmente.

Figura 8– Gravura retratando o alaudista Jean Ulric Haffner, feita por Stör no ano de 1730.
Repare na unha sobressalente de seu dedo polegar.

Fonte: Vanedwards8

As características acústicas da sala certamente influenciam o resultado sonoro.


Nesse novo ambiente socioeconômico, tem-se uma maior preocupação com a
construção de edifícios voltados para a execução musical.

8 Disponível em: www.alamy.com/stock-photo/haffner.html?blackwhite=1. Acesso em 2019


25

Figura 9- Projeto de sala ideal para grupo musical, feito por Thomas Mace, do manuscrito
Musick’s Room. A preocupação dos intérpretes e de sues mecenas com o aspecto acústico rendeu
obras como está abaixo.

Fonte: Quod9

Internamente, os espaços eram revestidos com madeira (material isolante


térmico, que é também um bom refletor e difusor de som) e mobília geralmente
pesada, revestida com pelos de animais, devido ao frio, além de tapetes e cortinados.
Esse balanço entre uma estrutura externa altamente reverberante e uma interna
amenizada pelos revestimentos criou um ambiente de acústica de reverberação
mediana (não muito seco), mas com muita clareza que proporcionava inteligibilidade
entre vozes. Deve-se frisar que em consorts (grupos de instrumentos), a tendência
era de o alaúde ser executado em lugares maiores, seja em salões ou teatros. Quando
solo, era geralmente nos ambientes menores.
Sobre o quesito inteligibilidade, vale também citar o artigo Sound and Domestic
Space in fifteenth-sixteenth century - Italy., de Flora Dennis, que trata da distribuição
da arquitetura e distribuição de espaço nos ambientes domésticos na Renascença, e
da provável inclinação que as pessoas tinham na época de ouvir com mais careza
certas frequências, devido a menor poluição sonora, o que poderia de certa forma
explicar como os ouvidos das pessoas eram naturalmente capazes de ouvir o diálogo

9 Disponível em: https://quod.lib.umich.edu/e/eebo/A50198.0001.001?view=toc. Acesso em:


2019
26

das polifonias com maior naturalidade e mesmo com instrumentos mais delicados
como o alaúde:

Trabalhos recentes nos campos da musicologia e dos estudos literários e


culturais enfatizaram que o ambiente sonoro pré-industrial, ou paisagem
sonora, era radicalmente diferente do atual. Hoje, tanto os altos níveis de
decibéis quanto o ruído branco (sons constantes compostos por uma ampla
faixa de frequências) são familiares, e juntos eles mascaram ruídos de baixa
frequência e reduzem a distância em que esse extremo do espectro pode ser
ouvido. A ausência desses sons no Renascimento significava que as pessoas
podiam ouvir uma faixa mais ampla de frequências em uma área maior,
emprestando ao som uma maior especificidade e significado físico. Como
resultado, os sons eram mais legíveis e podiam ser entendidos ou lidos em
um contexto de conhecimento local. (DENNIS, 2008, p.8)

Em ambientes com muita reflexão sonora (reverberação) ou ressonâncias


muito grandes, pode haver o risco de se perder a clareza e inteligibilidade do som
devido ao choque de todas as reflexões sonoras da reverberação, mas é muito boa
uma sala com um nível moderado de reverberação, que auxilia a dar sustentação para
o som do alaúde, que já tem pouca projeção, pouca sustentação e muito ataque. A
velocidade da peça (quantidade de notas tocada por uma quantia de tempo) é
diretamente influenciada pelo ambiente em que é executada, devido a este fato da
inteligibilidade. Em verdade, o entendimento disso foi fundamental para o molde de
novas composições musicais, como cita Bagenal no livro de BERANEK, ao explicar
como a mudança de um ambiente muito reverberante para um menos reverberante
influenciou diretamente as composições de Johann Sebastian Bach:

A redução da reverberação nas igrejas luteranas pelas galerias inseridas,


permitindo assim que as partes das cordas fossem ouvidas e distinguidas e
permitindo um tempo mais rápido, foi o fato único mais importante na história
da música, porque levou diretamente à paixão de São Mateus e à missa em
Si menor.”(BERANEK, 2004, p. 31)

Na opinião deste grupo, a reverberação é fundamental para a interpretação de


certos repertórios mais lentos que precisam do retorno natural da sala para serem
valorizados, aliando a característica principal do alaúde que é a condução das vozes
com seu brilho natural preservando assim a linguagem polifônica do repertório. É
interessante relembrar que como o ideal dos instrumentos naquela época era o de
imitar as vozes humanas, o alaúde tinha como necessidade suprir a falta de
sustentação do seu som - qualidade essa que a voz tem naturalmente. Em seu
27

repertório mais tradicional, datando de 1500 a 1630, o papel do alaúde era o mesmo
que o do coro: conduzir a trama sonora em constante diálogo.
Do ponto de vista do intérprete, a sonoridade do instrumento muda muito por
questões do seu posicionamento em relação ao instrumento, no que diz respeito a
proximidade à ele (estando naturalmente colado ao instrumento para poder executá-
lo, o instrumentista ouve detalhes que geralmente escapam ao público, como certos
sons de mudança de posição de dedo no braço do instrumento e sons de unhas ou
mesmo o ruído estalado do choque entre as cordas). Um ambiente de reverberação
mais acentuada, onde o som ganha o retorno natural da sala - mas sem exageros,
propicia uma sustentação harmônica que dá ao alaúde um encorpamento de som.
Com isso, cada nota ganha uma espécie de apoio, como se criasse uma ligadura entre
elas, e mesmo os problemas citados de proximidade entre instrumento/intérprete se
amenizam. Sendo o alaúde um instrumento de pouca intensidade sonora, de ataque,
e com decaimento muito curtos, a ligadura de som entre as notas dificilmente polui o
som tirando sua inteligibilidade (a menos que a acústica seja demasiadamente
reverberante). Esta ligadura torna o som menos nítido, mas ainda assim inteligível,
como se o mesmo soasse esfumaçado.
Essa técnica de esfumaçado, onde o fim de um som ou traço (depende da
natureza da arte) se confunde com o começo de outro é conhecida no ramo da pintura
como sfumato. Um dos pioneiros em sua execução é Leonardo da Vinci,
revolucionando a pintura na renascença. No sfumato, os contornos não são
delineados claramente com um traço feito pelo pincel, mas tornam a obra bastante
realista e menos rígida.

Sfumato foi uma técnica desenvolvida por Leonardo da Vinci, em que ele
conseguia reproduzir com fidelidade a textura da pele humana, através de
uma série de camadas de tinta que davam um efeito de
esfumaçado.(IMBROISI, 2018)
28

Figura 10- Além da perspectiva, o quadro Monalisa, de Da Vinci, expressa os contornos de


Lisa sem traços rígidos, se utilizando do sfumato.

Fonte: Imigrantebrasileiro10

Segundo depoimento a esta pesquisa, pelo professor e alaudista americano


William Carter, um bom ambiente para se executar o alaúde é o que possui clareza, e
a madeira é um bom material para interiores que contribui para se extrair esse
resultado. Para ele, um bom exemplo de ambiente é o Teatro de Versailles, que possui
as características citadas, além de ser bom para se fazer discursos. Segundo ele, uma
boa sonoridade para o alaúde é quando se encontra um equilíbrio entre clareza e
ressonância. Igrejas pequenas tendem a ser boas para o alaúde, devido as
proporções não muito grandes (o que poderia espalhar demais o som sem ter o
retorno de reverberação desejado). Segundo Carter, “a Igreja de Toddington (interior
da Inglaterra) “é famosa por ser palco de gravações para alaúdes: é retangular, mas
o que a torna especial é a câmara da capela da família ao lado do altar. Esta foi
construída por esta família aristocrática possivelmente em meados dos anos de 1200,
mas depois ficaram sem dinheiro antes de terminarem a construção, gerando um
espaço vazio que essencialmente funciona como uma grande câmara de ressonância.
Acrescenta corpo ao som, mas porque está fora, ao lado, não o torna embolado.”

10 Disponível em: https://imigrantebrasileiro.wordpress.com/2017/11/15/quanto-vale-o-quadro-da-


monalisa/. Acesso em: 2019
29

Figura 11- Igreja de Toddington, com formato retangular. A câmara de reverberação se


encontra na lateral.

Fonte: Stgeorgetoddington11

.Figura 12- Antecâmara de ressonância onde se encontram os túmulos da família.

Fonte: Stgeorgetoddington12

Já um exemplo de lugar com acústica ruim, segundo o mesmo músico, é


também em Versailles, na Capela Real, pois possui muito mármore (material que gera

11 Disponível em: http://www.stgeorgetoddington.org.uk/. Acesso em: 2019


12 Disponível em: http://www.stgeorgetoddington.org.uk/. Acesso em: 2019
30

muita reflexão e de todas as frequências), teto alto e estreito, que pode gerar gaiolas
de reverberação, tornando-se muito reverberante, o que embola e torna o som pouco
claro.

Figura 13 - Capela Real de Versailles.

Fonte: Peapix13

Além da visão do professor Carter, o grupo elaborou uma pequena pesquisa


voltada para alaudistas amadores e profissionais, que elencou quais aspectos sonoros
seriam essenciais na performance de um alaúde num ambiente ao vivo. A pesquisa é
a que segue:
Há um interessante conceito criado pelos romanos concernente à identidade
dos ambientes: o genius loci. Segundo eles, este conceito, que em sua tradução literal
significa “espírito do lugar” cria um elo entre o espaço físico do ambiente e com as
pessoas que o habitam, e que estas últimas influenciariam na atmosfera resultante
(não se trata necessariamente da composição física da qual o ambiente é construído
pelo homem que o habita ou frequenta, mas sim de valores invisíveis. O genius loci
seria uma espécie de guardião do ambiente, e é reflexo das qualidades morais e
espirituais de quem convive nele). Isso significa também que a atmosfera influenciaria
as pessoas das quais passassem por ela, e então dependendo de seu status, essa
influência poderia ser positiva ou negativa. Pensando desta forma, como muito se foi
trabalhado na renascença baseado nos ideias greco-romanas, o genius loci foi um
conceito que não ficou de fora na construção e arquitetura de seus ambientes. A
exploração do belo através de pinturas, arquitetura, além de ambientes acústicos que

13
Disponível em: https://peapix.com/photos/23988. Acesso em: 2019
31

favorecessem a execução de grupos musicais marcaram as construções daquela


época, e não é a toa que muitos desses locais (ao menos os que resistiram com o
tempo) são referências tanto para performance de instrumentos quanto para a
visitação no geral.
Apesar de ser um campo que trabalha com o hipotético e não comprovável é
interessante analisar sob esse ponto de vista, pois muito do rendimento de um artista
se dá pela interação dele para com o ambiente, e pensar que parte do rendimento do
artista vem especificamente de um local que por questões as vezes metafisicas
interfere tanto em sua performance.
Em suma, baseado na visão de alaudistas profissionais e de conclusões deste
grupo, a sonoridade ideal leva em consideração as seguintes qualidades: boa
inteligibilidade de graves, agudos e médios; projeção do som de forma suficiente a
preencher todos os espaços da sala; limpeza de som; articulação e dinâmicas claras
e fidedignas à peça executada e fluidez nas frases e ideias.
32

3 MATERIAIS E MÉTODOS

Em pesquisa feita pelo grupo para alaudistas e estudantes de alaúde, foi


coletado informações sobre quais seriam os cinco aspectos musicais prioritários do
alaúde numa performance. A pesquisa foi feita com Dagma Eid (alaudista e violonista),
Alexandre Ribeiro (alaudista e violonista), Aria Rita (alaudista, arqui-alaudista), Ivan
Oliveira (alaudista e teorbista), Paulo Freitas (alaudista, luthier) e Christiane Napoleão
(alaudista e violonista). O resultado foram os seguintes elementos:

1. Articulação (dinâmica)
2. intensidade sonora
3. coerência estilística (ornamentação específica etc.)
4. fluidez nas frases e ideias
5. limpeza de som

Essas pesquisas foram coletadas individualmente, para cada instrumentista, e


foi importante para nortear os critérios de avaliação do grupo nas gravações feitas
para esta pesquisa.

3.1 ALAUDISTA

O presente grupo optou por realizar esta pesquisa por questões de afinidade
musical, aproveitando o ensejo de ter entre um de seus integrantes uma alaudista
profissional. Considerando também o alaúde um instrumento muito rico de timbres, a
oportunidade de fazer as gravações em dois ambientes, e assim comparar os
resultados sonoros foi um estímulo extra para que se pudesse realizar este trabalho.
Ananda Roda de Miranda é alaudista e violonista formada no Conservatório de
Tatuí. Iniciou seus estudos na música no ano de 2007, em Cuiabá (MT). Foi aluna e
bolsista de violão no Projeto Guri nas cidades de Santos e Araçatuba. Ingressou no
Curso de Violão Erudito no Conservatório de Tatuí em 2010, formando-se em 2016, e
em Cordas Dedilhadas Históricas em 2014, finalizando em 2018, tornando-se a
primeira aluna a concluir o curso. Atuou como bolsista no Grupo de Performance
Histórica do Conservatório de Tatuí nos anos de 2017 e 2018. Primeira brasileira a
participar do intercâmbio musical.
MOVE Project (na Noruega e Malawi), onde pode lecionar e apresentar
músicas no violão e alaúde entre esses países.
33

3.2 MATERIAIS

Os materiais escolhidos para a gravação foram selecionados a partir das


necessidades da gravação de um alaúde renascentista. O instrumento ficou a cargo
do músico, sendo conferido ao grupo deste projeto ficar encarregado de toda captação
de áudio, nos dois ambientes, sendo eles a Cripta da Catedral da Sé e o estúdio
principal da Fatec Tatuí. As características do alaúde objeto de estudo: Alaúde
Renascentista de oito ordens, modelo Hans Frei, feito no Brasil pelo construtor
Joaquim Pinheiro, ano 1984. Madeiras: Fundo de grevílea e imbuia, escala de
jacarandá e imbuia, cravelhame de pau marfim e tampo de cedro rosa.
Equipamentos:
 Software Protools 12
 Gravador digital H4N SP, Handy Recorder – Zoom
 Cartão SD Seagate
 Estante de partitura
 Tapete emborrachado para aderência
 Cadeira comum com encosto, sem apoio de braços

Não foi nenhum tipo de efeito nas músicas captadas, somente o áudio puro,
para que se pudesse fazer uma análise auditiva comparativa com um mesmo
parâmetro.

3.3 GRAVAÇÕES

Na presente pesquisa, foram realizados dois experimentos com alaúde


renascentista: a gravação em dois ambientes com acústicas diferentes que resultam
em um contraste considerável na sonoridade do instrumento, sendo eles a Cripta da
Catedral da Sé e o Estúdio da Fatec Tatuí, para que assim se pudesse fazer uma
observação e em seguida, uma comparação. As gravações feitas na Cripta foram
realizadas no primeiro semestre de 2019, já no estúdio da FATEC Tatuí, no segundo
semestre de 2019. Foi escolhida a peça “Fantasia X”, de Alonso de Mudarra, obra
feita originalmente para vihuela, (encontrada no manuscrito “Tres libros de musica en
cifras para vihuela”, de 1546), mas por ter a mesma afinação e linguagem que o alaúde
34

se tornou um repertório standart para este último instrumento. Nesta peça, a escrita
musical utilizada é a tablatura italiana, como mostra a figura 14.

Figura 14- Página inicial da Fantasia X, em tablatura italiana. A obra conta com mais quatro
folhas.

Fonte: Johannthebard14

A primeira gravação foi realizada no dia 04/05/2019, em um recital executado


na Cripta a convite da curadoria da série “Dedilhadas na Sé”, (famoso circuito de
música erudita com o enfoque em instrumentos dedilhados), pela alaudista Ananda
Roda, e por ser um ambiente favorável para o alaúde ser tocado sem necessidade de
ser microfonado. A gravação foi feita em performance ao vivo. O ambiente possui
grande reverberação natural e uma distribuição equilibrada do som em todo o seu
interior, que é composto por um salão principal centralizado no altar, e antecâmaras
laterais onde se encontram lápides de clérigos notáveis (pois é uma cripta). Seu teto
é feito com várias abóbadas e os materiais de sua construção são uma mescla de
tijolos, mármore, concreto e pedra, vide figura 12. O resultado desse ambiente cria

14 Disponível em: https://www.johannthebard.com/period-music/music-transcriptions-and-


composers-2/mudarra-tres-libros-1546/. Acesso em: 2019
35

uma acústica bastante favorável ao alaúde, permitindo que mesmo com o som
delicado e de pouca projeção, possa ser ouvido bem.
Figura 15- Cripta da Sé

Fonte: Elaboração própria

A alaudista foi também a pessoa responsável pela gravação. Foi feito antes do
recital em si um aquecimento da mão da instrumentista, também para fazer passagem
de som. O gravador foi colocado já no começo da passagem de som para se poder
garantir um melhor posicionamento do equipamento. O gravador (H 4n) foi disposto a
uma distância de 1,20 m da fonte sonora, de frente, mas deitado. A escolha deste
equipamento se deu por conta da praticidade (não é necessário levar interface ou
quaisquer outros tipos de equipamento acoplado a ele para seu funcionamento,
apenas utiliza um cartão SD para salvar o conteúdo) e por ter captação sensível e de
boa qualidade (microfone condensador). Foi colocado debaixo de um suporte de
plástico para que não ficasse em contato direto com o chão, o que poderia acabar
captando ruídos de frequências mais graves (como o metrô, do qual passava ao lado
da Sé). O grupo não possuía um suporte especial para colocar o gravador de pé, por
isso a escolha de colocá-lo deitado. Pode-se notar ao ouvir a gravação que mesmo
com o suporte não foi possível evitar captar frequências graves de ruído externo.
A alaudista foi posicionada com suas costas voltadas para o altar principal, de
frente para o público, ao centro, como mostra a figura 8. Tocou com suas pernas
36

cruzadas, apoiando o instrumento na perna direita, para assim conseguir mais


estabilidade. Utilizou também um tapete emborrachado disposto debaixo do alaúde,
na região de encontro do instrumento com a perna da artista, para evitar que este
último deslizasse, dando aderência e consequentemente firmeza para seus
movimentos.
A afinação do alaúde neste dia foi feita com Lá em 415 Hz (afinação
convencional da música historicamente informada) por necessidades da alaudista, o
que significa que as obras soaram meio tom abaixo da afinação moderna comum (em
geral, 440 Hz, dependendo da formação). Além disso, por se tratar de uma gravação
feita em recital aberto, é possível notar ruídos gerados pelo público, como cadeiras
arrastando e pessoas tossindo. A peça gravada para o experimento foi a última a ser
tocada dentro do programa apresentado (sem levar em consideração o “bis”), devido
ao seu alto grau de dificuldade (em recitais é comum o artista deixar as peças
tecnicamente mais difíceis e “animadas” para o fim, normalmente porque o artista já
está bem ambientado e aquecido).
No segundo ambiente, o Estúdio principal da Fatec Tatuí, foi gravado (no dia
23/09/2019) com o mesmo equipamento e posição, para que o mesmo parâmetro
fosse utilizado e a análise fosse justa. O lugar tem a acústica menos reverberante,
portanto é mais seca, dando então a oportunidade de se observar auditivamente o
comportamento do resultado sonoro e todas as suas consequentes diferenças. Neste
dia, o alaúde estava afinado com base na nota Lá 440 Hz

3.4 MÉTODO DE ANÁLISE

A análise dos resultados foi feita por comparação baseada na audição dos
participantes do grupo e do seu respectivo orientador. Os parâmetros utilizados para
a análise foram extraídos da pesquisa já citada (no capítulo “Sonoridades”) feita para
este trabalho, com foco em alaudistas amadores e profissionais, e também com
observação deste som com o resultado de sua interação com a acústica do local.
Nesta análise portanto, tanto a performance do intérprete quanto a acústica do
ambiente foram analisadas.
O método de análise foi realizado baseada em observação auditiva das duas
gravações (Cripta da Sé e Estúdio da Fatec Tatuí) da obra “Fantasia X” do compositor
Alonso de Mudarra. Ocorreu na sala de masterização da Fatec Tatuí, com o uso dos
37

monitores de referência Genelec, onde foi analisado tanto as características do


ambiente (quantidade de reverberação, ruído externo, possíveis ressonâncias ou
cancelamentos) quanto o rendimento do artista (baseados na pesquisa, como limpeza
de som). O grupo primeiramente se dispôs em frente aos monitores, a fim de se
posicionar no melhor ponto de audição das caixas, o chamado sweet spot, que em
sua tradução literal do Inglês para o Português é “ponto doce”. Seu conceito, segundo
definição do website da própria Genelec, é de ser “um termo usado por audiófilos e
engenheiros de gravação para descrever o ponto focal entre dois alto-falantes, onde
um indivíduo é totalmente capaz de ouvir o mix de áudio estéreo da maneira que
deveria ser ouvido pelo mixer".
Uma vez bem posicionados, ouviu-se primeiro a gravação feita na Sé, e logo
em seguida, a gravação do estúdio (com a pequena observação de as análises terem
sido feitas as cegas, com exceção da alaudistas (Ananda), também elemento do
grupo, e responsável por mostrar aos demais o material para que pudessem chegar a
suas próprias conclusões). Naturalmente que devido ao altíssimo contraste sonoro,
não foi difícil inferir qual ambiente pertencia a qual gravação. A partir deste ponto,
finalizando as audições, cada um do grupo revelou suas observações pessoais
baseadas nos aspectos, e foi feito uma lista de elementos contendo as observações,
que misturam tanto as qualidades acústicas, quanto as técnicas (puramente
musicais), mescladas com impressões emocionais por parte dos ouvintes do grupo.
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4 RESULTADOS DE DISCUSSÃO

A visão dos integrantes do grupo foi no geral similar, devido ao evidente


contraste entre os ambientes. Em relação a sonoridade da acústica da Sé, foi
percebido a forte presença de reverberação, o que tornava o som não muito nítido
devido ao choque constante das primeiras reflexões com as tardias, mas que por elas
perseverarem no ambiente, amplificavam naturalmente o som (e é precisamente por
isso que o alaúde não foi amplificado. Ao assistir presencialmente o recital na Sé,
ouve-se o instrumento de forma equilibrada em todas as suas antecâmaras). Uma
observação: apesar do som não ser nítido, ainda é inteligível o suficiente para a
música ser compreendida, gerando uma sonoridade de alta qualidade. Por causa da
reverberação, tem-se também a maior impressão da espacialidade do ambiente. O
som se sustentando no espaço denuncia o tamanho do lugar. Outro ponto foi a
quantidade de ruídos captados pelo gravador (não levando em consideração o ruído
feito pelo público, pois este pode acontecer e não depende da interação com a sala).
Devido a região onde a Sé se encontra (a Linha Azul do metrô passa literalmente por
debaixo da catedral), os sons graves e subgraves que o metrô emitia ao passar,
podiam ser ouvidos através de frequências bem baixas, o que acaba diminuindo a
qualidade da gravação.
Em relação ao que foi percebido sobre o desempenho da intérprete, o que mais
chama atenção é a diferença do andamento da peça (o andamento seria a
“velocidade” em que a peça é executada). O andamento da “Fantasia x” na Sé foi mais
lento. É importante lembrar que a fantasia é um tipo de peça com caráter livre, tanto
no sentido de estrutura quanto na agógica, o que significa que a cada interpretação,
o andamento é feito de forma diferente, à escolha do intérprete, de acordo com a
ocasião e momento. A peça soou mais lenta justamente porque podia ser ouvida em
todos os ambientes de forma suficiente. O fraseado soou bem fluído e cantado (no
sentido de ser mais bem pontuado de acordo com a necessidade de cada nota),
apesar de mais lento.
O afeto da peça foi contemplativo e reflexivo, mais solene. Neste aspecto,
pode-se fazer uma conexão com o genius loci do ambiente, pois evidencia que apesar
das diferenças acústicas, existe uma atmosfera particular do ambiente que emana
uma identidade, possivelmente moldando a interpretação. Para os integrantes do
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grupo, esta acústica dialoga melhor com o instrumento, conferindo maior afinidade
com o som natural do alaúde.
A respeito da sonoridade da gravação realizado no Estúdio, por ser um
ambiente altamente controlado e acusticamente isolado, certos problemas que
ocorreram na gravação da Sé foram evitados, como o fator de ruído externo. Para os
integrantes do grupo a sonoridade foi bem mais seca, pois é um ambiente que contém
vários difusores de som. Possui uma reverberação bem mais baixa, se comparado
com a da Sé. O som soou muito mais nítido e consequentemente mais legível, as
frequências agudas ficaram mais proeminentes, enquanto que as graves sumiram um
pouco.
Em relação a diferença de interpretação da musicista, o andamento ficou bem
mais rápido, dando um afeto diferente para a peça: mais animosidade e vivacidade,
perdendo o caráter contemplativo que dialoga muito bem com a natureza do
instrumento. Esse resultado vai ao encontro do que cita Beranek.
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5 CONCLUSÃO

Ao se considerar os aspectos levantados pela pesquisa sobre o alaúde, timbre,


coloração, projeção sonora, repertorio, função, entende-se que é um instrumento que
possui um caráter geralmente associado a um estado de espirito mais contemplativo,
mas por ser um instrumento versátil, pode expressar através de seu som e técnica
afetos mais variados, o que confere a ele uma certa abrangência de performance, que
é limitada ou moldada dependendo do ambiente a ser tocado, do conjunto em que ele
estiver acompanhando, da técnica do instrumentista e da qualidade do alaúde. Pode-
se concluir pela pesquisa que a acústica dos ambientes possui influência direta no
desempenho do artista, que é baseada nas suas características físicas.
Ambientes com muita reverberação (feitos de mármore, pedra ou madeira sem
nenhum tipo de tapeçaria ou cortinado que possam absorver uma gama de
frequências, especialmente as agudas) devido a sua alta quantidade de choques de
reflexões, tendem a amplificar o som, mas ao mesmo tempo embolar as notas, tirando-
lhe um pouco de sua nitidez. Para o alaúde que é um instrumento de pouca projeção
sonora e com repertório que possui uma quantidade de notas que é
incomparavelmente menos intenso que de um repertório mais moderno (como peças
de piano ou violino que contém muitas notas, em grandes velocidades) o som ainda
assim tende a soar inteligível. Além disso, esse ambiente confere ao alaúde conforto
ao intérprete, porque retira a necessidade de se microfonar graças a amplificação
natural, garantindo seu timbre puro, sem a necessidade da leitura e reprodução do
som por intermediários (microfone e caixa de som). E com isso, pode-se concluir
através da comparação das gravações que quanto mais reverberação, mais lento a
pessoa tende a tocar, porque a reverberação e a sua consequente amplificação do
som garantem a sustentação das notas, suprindo assim certos silêncios inexpressivos
silencio, com isso o caráter da peça naturalmente muda, ganhando formas geralmente
contemplativas, induzindo os ouvintes a uma escuta mais meditativa. Já em um
ambiente menos reverberante onde não há sustentação dos sons no espaço, o
andamento da peça tende a ser mais rápido, pois o instrumentista naturalmente tende
a suprir os silêncios causados pela falta de sustentação das notas. Isso faz com que,
mudando sua agógica, o afeto da peça automaticamente se transforma
acompanhamento seu andamento. Seu caráter se torna mais enérgico e por vezes
mais alegre, perdendo um pouco sua solenidade e a atmosfera contemplativa.
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Pode-se então elencar alguns parâmetros de posicionamento tomados


conforme as características do ambiente, e podem serem manipulados de acordo com
a sonoridade que o alaudista queira e com a necessidade: fugir dos pontos de
ressonância de uma sala. Considerando que todos os objetos e espaços vibram em
uma determinada frequência e que se houver um encontro de frequências que são
simpáticas pode haver uma amplificação dessa frequência, tirando a qualidade das
demais, o que pode desequilibrar a sonoridade. É importante verificar se há objetos
que possam estar próximos, entrando assim em ressonâncias com uma das notas do
instrumento, causando ruídos indesejados; se posicionar direcionando o instrumento
de forma que evite locais que cortem frequências especificas, especialmente as
reflexões primarias, como paredes com cortinas ou qualquer superfície com material
mais absorvedor (a menos que se queira uma sonoridade mais opaca e mais seca,
nesse caso com ambientes com carpetes e cortinas favorecem uma reverberação
menor, secando muitas frequências ou, no caso da opacidade, cortando frequências
agudas). Evitar ambientes próximos de janelas abertas que possam trazer ruído
externo, além de diminuírem consideravelmente a reverberação do lugar. Janelas
fechadas auxiliam a manter a reverberação do som refletindo as ondas sonoras e
difundindo-as (o aspecto da reverberação está muito associado com a coloração do
som. Caso o instrumentista queira propositalmente um som mais ou menos seco,
dependendo de onde estiver pode amenizar até certos pontos certas qualidades da
sala baseados em seu posicionamento).
Portanto, a presente pesquisa finaliza com a conclusão de que devido a muitas
variáveis, a principais características que deve ser mantida no alaúde é a sua
delicadeza e timbre intimista e suave, persuadindo o ouvinte a ajustar seu ouvida a
sua intensidade sonora. Essas qualidades, quaisquer que sejam os ambientes devem
imperar em uma execução, e feito isso fatalmente cativaram os ouvidos da audiência
atenta.
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REFERÊNCIAS

AKI MÄKIVIRTA. The Sweeter Spot. 2018. (Finlandia) (Ed.). Disponível em:
<https://www.genelec.com/blog/sweeter-spot>. Acesso em: 15 jul. 2018.

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Editora Livramento, 1981. 85 p.

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CORDOFONES DEDILHADOS EUROPEUS. Rio de Janeiro: Revista Debates, v.
14, Junho 2015

BERANEK, Leo. Concert Halls and Opera Houses: Music, acoustics and
architecture. 2. ed. Cambridge: Springer Verlag, 2004. 661 p

DENNIS, Flora Sound and Domestic Space in Fifteenth and Sixteenth Century
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IMBROISE, Margaret. Técnica Artística: Sfumato. 2018. Disponível em:


<hhtps://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/técnicas-artistica-o-que-
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MACE, Thomas. Musicks's Monument: Or a remembrancer of the best practical


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WOLFF, Daniel. O uso da música polifônica vocal renascentista no repertório do


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ZWILLING, Carin. The Schoole of Musicke, de Thomas Robinson: Tradução


comentada e transcrição musical de um tratado do início do século XVII. 1996. 250
f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Programa de Pós-graduação em História,
43

Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,


Universidade Estadual de Campinas, 1996. Cap. 1.

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