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espaço de formação
são PAulo
2012
Reitoria
Diretora:
Profa. Dra. Mariângela Spotti Lopes Fujita
Vice-Diretor:
Dr. Heraldo Lorena Guida
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
Ana Maria Portich
Antonio Mendes da Costa Braga
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Marcelo Fernandes de Oliveira
Maria Rosângela de Oliveira
Mariângela Braga Norte
Neusa Maria Dal Ri
Rosane Michelli de Castro
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação – Unesp - campus de Marília
P379 PEJA Rio Claro como espaço de formação : nossas práticas, nossas his-
tórias / Maria Rosa Rodrigues Martins de Camargo, Felipe Ferreira
Joaquim (organizadores). – São Paulo : Proex ; São Paulo : Cultura
Acadêmica ; 2012.
196 p. ; 23 cm
Inclui bibliografia.
ISBN
Editora afiliada:
Prefácio............................................................................................................. 7
Apresentação..................................................................................................... 9
Palavra e Imagem Como Pontes Para a Escrita de Si e do Mundo
Eliane Aparecida Bacocina; Silvio Ricardo Munari Machado;
Maria Rosa Rodrigues Martins de Camargo......................................................... 11
Um Percurso entre Realidades: Passeando pela 29ª Bienal de Artes de São Paulo
Luiza Teixeira Bussius......................................................................................... 69
Prefácio
Apresentação
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N
este texto, a partir de pesquisas desenvolvidas no PEJA – Projeto de
Educação de Jovens e Adultos, da Unesp-Rio Claro, nos aventuramos a pensar
o processo de construção da leitura e da escrita de educandos que frequentam
programas de educação de jovens e adultos. Paralelamente buscamos acompanhar
a discussão e contribuir para a reflexão sobre a formação do educador nessa
travessia.
Nossa discussão se iniciou num processo que até hoje nos atravessa: a
narrativa de uma ponte. Construir essa narrativa e pensar sobre ela, desde o início,
tem gerado profundos diálogos entre nós, autores. Falaremos mais sobre essa
construção no decorrer do texto. No momento, compartilhamos essa narrativa
com você, leitor, a quem convidamos a caminhar conosco.
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Sem saber muito bem onde está, finalmente vai tomando consciência. Bem
à sua frente, existe uma ponte. Uma ponte, a seu ver, estreita e assustadora,
que representa para ele algo novo, uma experiência diferente de tudo o que já
viveu. Isso gera expectativa, e ao mesmo tempo, resistência, medo. “E se eu me
desequilibrar, cair da ponte? E se a ponte cair?” – assim pensa o sujeito dessa
experiência que, embora simples para alguns que já a atravessaram, para ele
representa uma grande aventura. Seus medos vão dos mais simples: desequilibrar-
se e cair da ponte, aos mais improváveis, como a possibilidade de a ponte quebrar
e cair. Como atravessar a ponte? Atravessar ou não a ponte? Reflete um instante,
e decide: “Sim, apesar do medo e da insegurança, vou aceitar o desafio!”
Palavras, tantas... imagens, infinitas... a ponte, talvez, seja a matéria
concreta.
O início do exercício de caminhar sobre um lugar tão novo, que ele
enxerga estreito, instável e perigoso, é o mais difícil. O caminhante, porém, vence
o medo, e consegue dar o primeiro passo. Esse primeiro passo, assim como os
que logo o sucedem, são apoiados na experiência já existente. O sujeito que está
a caminhar utiliza-se dos pontos de apoio que foi adquirindo ao longo de suas
vivências anteriores, ao recordar de momentos vividos, momentos em que teve
de pisar nas pedras, e sobre elas, momentos em que teve de aprender a subir nas
árvores para vencer os perigos... ao recordar também de momentos de alegria em
que, após dias caminhando debaixo do sol quente, encontrou riachos com água
fresca e cristalina para molhar os pés, ou que caminhou cantarolando debaixo
de árvores frondosas. Enfim, ao chegar à ponte, o sujeito traz consigo desejos,
anseios, temores, angústias, enfim, tudo o que viveu por entre os tantos caminhos
que atravessou. E é essa a bagagem de experiência que vai lhe dar sustentação
para esse novo desafio.
Porém, a experiência que agora se impõe, difere em alguns
sentidos das demais já vividas. Fazia-se necessário ser cuidadoso, como nunca
fora antes. Fazia-se necessário também aprender a lidar com a vertigem. Mas
aos poucos, o caminhante vai deixando de lado o medo. Olha para os lados,
e percebe outros que, como ele, também têm o mesmo desafio de atravessar
pontes. E fica surpreso. Como estava tão preocupado, tão ansioso com seu
caminho, com a ponte tão extensa à sua frente, ele não havia se dado conta das
outras pontes ao seu lado, e de tantos outros que caminham ao seu lado. Tantas
veredas possíveis... E pensa: “Como é ampla essa ponte! Não é tão estreita como
eu pensava quando cheguei aqui.” Percebe também que as pontes se cruzam, e
que não existe um único caminho a seguir, mas possibilidades múltiplas de se
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locomover ali. Esse cruzamento de pontes faz com que se cruzem, também, os
sujeitos sobre elas, que vão, aos poucos, se aproximando, de forma que novas
relações vão se estabelecendo. Surgem espaços para pequenas conversas, e esses
caminhantes, que vão e vêm sobre diferentes pontes, vão se transformando em
companheiros de jornada. Compartilham-se olhares de incentivo, palavras de
encorajamento, relatos de experiências – tais como batalhas travadas contra
monstros, ou a visão de belíssimas paisagens encontradas depois de fortes
tempestades. Compartilham-se também formas diferentes de ver a ponte. Alguns
contam que no início a acharam tenebrosa, por ser ampla, diante da dificuldade
de reconhecer tantas coisas ao mesmo tempo, e escolher o caminho a seguir;
para outros, ela é assustadora porque eles a sentem estreita tal como uma corda
bamba sem ter certeza de sua possibilidade equilibrista. Ao ouvir essas diferentes
versões sobre o lugar em que caminha, nosso sujeito fica confuso, porém, segue
sua travessia.
Diversos encontros vão surgindo, cada um acrescentando algo diferente
à sua gama de experiências, aumentando ou diminuindo sua potência de vida.
Um dos caminhantes se torna um grande amigo. Assim como ele, julga-se incapaz
de atravessar a ponte. Outro, desiste, fala até em pular... e repensa... pois um pulo
da ponte também acaba levando ao desconhecido... Outro, totalmente tomado
pela vertigem, atira-se ponte abaixo. É um momento marcante, que impregna
todo o campo com forças despotencializadoras. Muitos passam a pensar se não
valeria a pena encurtar a travessia e... pular também.
Mas há ainda os que contam que já atravessaram muitas pontes,
encorajando os demais. Um deles relata que não há melhor sensação que chegar ao
outro lado. Outro, viciado em atravessar pontes, conta como foi a primeira vez em
que passou por tal situação. Diz ele que continuou caminhando e nem percebeu
que a ponte chegara ao fim; só depois de muito tempo percebeu onde estava,
quando a paisagem mudou completamente. Outros apenas caminham entre eles,
ouvindo as histórias de cada um e transmitindo apoio. Um outro, com jeito de
conselheiro, conta um segredo, sugere uma estratégia: não olhar para baixo.
De repente, o amigo, também receoso, tem uma ideia:
– Por que não caminhamos de mãos dadas?
E assim se fazem, ambos, amigos. O medo diminui. E a ponte? Essa já
não é mais o foco da atenção dos caminhantes. Eles riem, conversam, admiram
a paisagem, contam piadas, enfim, vivem a experiência de olhar o mundo com
outros olhos, com olhos de viajantes que veem as coisas pela primeira vez. Após
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Assim também, acreditamos, venha a ser o mestre da escrita.
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Abraços!
Eliane
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Ler estas palavras depois destes anos me deixou com desejo de escrever
um novo texto a respeito dos educadores, dos educandos e das pontes. Mas desta
vez escrever a respeito de outro tipo de construção das pontes: um mutirão.
Penso que esse desejo tem relação com uma das linhas que constituem
o texto e que representa quão diferentes são os educandos com que tínhamos
contato na época em que o redigimos.
Ao mesmo tempo, tive uma forte sensação de que quisemos representar
o educador de jovens e adultos como alguém que se coloca ao lado dos educandos
na busca pelo conhecimento, mas não como alguém que detém o conhecimento.
Minha ânsia é por radicalizar esse processo: se todos temos diferentes
saberes e vivenciamos diferentes experiências, por que a construção da ponte e da
experiência pedagógica não pode ser vivenciada coletivamente?
Há um longo parágrafo de Maurice Blanchot (2010) a respeito do
diálogo que sempre me inquieta:
É que o diálogo é fundado na reciprocidade das palavras e na igualdade dos
falantes; somente dois “Eus” podem estabelecer uma relação dialogal; cada um
reconhece ao segundo o mesmo poder de falar que a si próprio, cada um se
diz igual ao outro e não vê nele nada mais do que um outro “Eu”. É o paraíso
do idealismo conveniente. Mas, por um lado, sabemos que não existe quase
nenhuma espécie de igualdade em nossas sociedades (p. 140).
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Silvio Munari
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Maria Rosa
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Referências bibliográficas
BLANCHOT, M. A conversa infinita. Tradução Aurélio Guerra Neto. São Paulo: Escuta, 2010.
DELEUZE, G.; PARNET, C.. Diálogos. Tradução de Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Escuta,
1998.
______. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 2005.
FOUCAULT, M. A escrita de si. In: ______. Ditos e escritos: estratégia, poder-saber. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2006. Págs.: 144-162. (vol.V)
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 28 ed. São Paulo:
Cortez, 1993.
LARROSA, J. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Tradução de João Wanderlei
Geraldi. Revista Brasileira de Educação. ANPED, jan-abr, n. 19, 2002. p. 20-28.
______. Nietzsche e a educação. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
______. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. Belo Horizonte:
Autêntica, 2003.
ROLNIK, S. Geopolítica da cafetinagem. Texto mimeografado.
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Redações
16/03/2011
A mudança na minha vida após os estudos
Há mais ou menos uns dois anos atrás, a minha vida mudou, depois que
eu conheci o PEJA. Jamais imaginei que fosse ter esse percurso, estou escrevendo
e lendo bem, minha letra melhorou bastante e estou a um passo de terminar os
estudos.
Graças ao PEJA, voltei a estudar na escola durante à noite, comecei na
quinta série, fiz as provas de classificação e passei para a sexta série.
Neste ano, estou na sétima e vou concluir a oitava, para pegar o meu
diploma.
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28/11/2011
Os direitos humanos e a escravidão
A igualdade para todos
Os direitos humanos foram criados para manter-se a paz, a harmonia e
a igualdade entre as pessoas, sem importar com a sua raça, cor, religião, cultura
ou nacionalidade, mas na realidade não é isso que acontece, e esses direitos são
válidos no papel, porque em prática, eles são esquecidos e desrespeitados.
Mas esse fato vem ocorrendo desde o início da humanidade, e passa de
geração em geração, e a cada ano, década que passa, vem aumentando a violência,
a desigualdade e a exclusão social.
Para que então foram inventados os direitos humanos, se eles não
são cumpridos e respeitados pela própria lei? Se muitas vezes os poderosos têm
partilhado de muitas ilegalidades: a escravidão, a guerra, a época da ditadura que
se era proibido o direito de se expressar e opinar sobre vários assuntos e a livre
escolha de ser quem você é, de ser você verdadeiramente, de ter seus próprios
gostos e crer naquilo que achar melhor para si mesmo, era proibido. Poder ser
você mesmo é um dos maiores privilégios de sermos humanos.
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03/12/2011
Homenagem
O PEJA fazendo parte de nossas vidas
Mais um ano que se acaba e outro que se inicia, e com ele também fica
na memória os bons momentos com os nossos verdadeiros amigos, conselheiros
e que consideramos como se fossem membros da nossa família.
Uma das coisas que aconteceram, que mudou completamente, a minha
vida, foi ter conhecido e participado do PEJA.
O PEJA para mim foi muito importante, porque mudou a minha
maneira de pensar, de agir e aprender sempre a conviver adquirindo cada vez
mais conhecimento e o aprendizado.
Os educadores são muito atenciosos, carinhosos e estão sempre nos
incentivando a lutarmos para realizar os nossos sonhos e nunca desistir dos
nossos objetivos.
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06/12/2011
Para sempre...
Querido diário, ontem dia 07 de dezembro de 2011, fomos ao passeio,
na fazenda de São Carlos, Santa Maria do Monjolinho.
Chegando ao destino, a turma do PEJA, da Unesp e do Bonsucesso,
conhecemos a senzala, a praça e entramos na belíssima fazenda ao lado de um
agente de turismo simpático.
Quando entramos, fiquei admirada ao ver tanta beleza e eu imaginei
estar no século XVIII. Foi uma viagem e tanto, porque eu vi diversos objetos
daquela época, que hoje é algo muito raro de se ver.
Mas o que me chamou a atenção foi uma vitrola que eu vi numa das
salas da fazenda. Foi fascinante, pois eu só tinha visto uma vitrola em filmes e
novelas.
Depois disso, fizemos um piquenique na praça da fazenda e conversamos
sobre o que tínhamos visto e a emoção que sentimos.
Tirei várias fotos da fazenda e do pessoal, e fiz amizade com uma pessoa
parecida comigo, inclusive o seu primeiro nome é igual ao meu, temos os mesmos
gostos, pensamos parecido e trocamos telefone e endereço e com certeza eu irei
visitá-la em sua casa.
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11/12/2011
A formatura... quando escrevo...
Querido diário, quinta-feira dia 08/12/2011, tivemos o ensaio para a
formatura.
Foi muito bom, a direção da escola e os professores fizeram uma festinha
surpresa para todos nós da 8ª série, com direito a tortas, salgados e um pavê que
estava deliciosíssimo, pela primeira vez, eu pude ver e experimentar o pavê que
eu tinha ouvido falar, rolou músicas da década de 80 e 90, que eu curto bastante.
Na sexta dia 09/12/2011, aconteceu finalmente a esperada formatura.
Todos ficaram muito emocionados desde os professores até os alunos.
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Teve a entrega dos diplomas, depois ocorreu a leitura dos textos que eu
produzi, a Graça leu o texto “A homenagem aos professores”, e eu li o texto “O
dom de viver a vida”.
Quando eu fui chamada para ler o texto, fiquei muito nervosa, abaixei
a minha cabeça e li o texto sem olhar para os lados e não olhei para ninguém.
Quando terminei de ler tive uma surpresa, eu vi as pessoas chorando de
emoção e então percebi que as redações que eu escrevo, frases e poemas tocam
profundamente as pessoas, porque quando escrevo, eu passo todos os sentimentos
emoções no papel, tiro do meu coração o mais puro sentimento e daí que as
coisas acontecem e consigo obter um resultado bom com isso.
Fizemos a homenagem a Luciana e a Josiane. Tirei muitas fotos, fiz mais
um texto bem bonito, coloquei os meus mais sinceros sentimentos, coloquei
num cartão vermelho que eu mesma fiz e entreguei para a Josiane.
Ela ficou bem feliz e me deu um longo abraço. Também havia lhe levado
um vasinho com uma rosa dentro que eu achei a coisa mais linda e entreguei-o a
ela, mas por acidente o vasinho caiu e quebrou. O que ela não sabe é que nesta
semana estarei levando outro vasinho igual e entregarei para ela.
A formatura, o cenário, as músicas, enfim, tudo ficou muito lindo,
fui prestigiada por todos os professores, pelo meu 1º lugar na redação jornal
Cidade, o Vitor ganhou do professor Vinícius um lindo caminhão cegonheira de
presente, e ficou todo feliz.
Esse dia vai ficar para sempre na minha memória, como muitos dias
maravilhosos que eu vivi nesta semana, e este dia foi muito especial para mim.
07/06/12
Os contos de Cordel e cada uma das pessoas que tem o espaço reservado no
meu coração
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simpática e eu achei muito bonita essa homenagem que fizeram para ela, gostei
muito da festa porque eles tocaram músicas que eu gosto e que fazem parte do
meu estilo.
No começo dessa semana eu escrevi duas cartas, uma para a Maria
Carolina e a outra para a Patrícia, e ontem escrevi mais uma carta para a Luiza, e
espero que elas possam receber logo e que me mandem as suas correspondências.
Gostei muito da ideia da Flávia de escrever essas cartas para elas, porque
são pessoas que eu gosto muito e cada uma tem o espaço reservado no meu
coração.
Na segunda feira da semana passada, eu fiz duas entrevistas com a
Flávia, uma sobre a migração e outra sobre o passeio a Bauru, fiquei tímida,
nervosa e meio sem jeito por expor as minhas sensações e desejos e sentimentos,
porque sou uma pessoa bastante reservada, não gosto de falar muito dos meus
sentimentos, me sinto melhor em colocá-los numa folha de papel como escrita
que é o meu forte, mas tudo saiu bem afinal.
05/06/2012
... No PEJA o que eu mais gostei de aprender foi inglês, que é uma
matéria que eu gosto bastante e utilizo no meu dia a dia pelas músicas que escuto
e, em breve, pretendo utilizar na profissão que vou exercer.
06/06/2012
Depoimento
Já faz quatro anos que eu estou no PEJA. Durante esse período, a
minha vida mudou e progrediu bastante, porque voltei a estudar e terminei o
ensino fundamental, participei de vários concursos de redações, conheci museus
e fiz diversos passeios, dos quais eu gostei muito, e fiz amizades com muitos
professores do PEJA e EJA, e tenho boas lembranças de tudo que vivi, porque
eu considero esses profissionais como amigos e mais do que isso, para mim eles
fazem parte da minha família, porque são amigos e companheiros e muitas vezes
confidentes, porque nos dão conselhos para resolvermos os nossos problemas.
Também têm aqueles que nos conquistam com seu carisma, e com o
tempo vão embora, e nos deixam muita saudade e nos emocionam com a sua
partida.
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O que eu quero dizer é que eu agradeço por esses quatro anos que
conheci o PEJA, que vocês continuem sempre a estimular as pessoas a não
desistirem de seus objetivos e ideais e que dessa forma como eu fui tratada eu só
presenciei aqui com vocês educadores do PEJA.
Agradeço também à educadora Flávia Priscila Ventura por passar para
o computador as palavras do meu diário, redações e o depoimento presentes
nesse capítulo, e à Maria Rosa e ao Felipe, que organizaram este livro, pela
oportunidade.
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Introdução
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Os professores do PEJA são alunos de cursos de licenciatura da Unesp, coordenados por um docente do campus. Há
aqueles que recebem bolsa da Pró-Reitoria de Extensão da Unesp, enquanto que outros são voluntários.
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Reuniões pedagógicas
Inseridas na proposta de um programa de atividades dinâmico para
jovens e adultos estão as reuniões entre professores e coordenador do PEJA,
ocorrendo semanalmente. Nesses encontros são realizados estudos sobre pontos
teóricos da educação, resgate e análise dos registros e, finalmente, a proposta das
atividades seguintes.
Quanto aos pontos teóricos, discute-se Paulo Freire; o estudo experimental
do desenvolvimento dos conceitos de Vigotski; a interdisciplinaridade como
matéria de ensino, desfragmentando as áreas do conhecimento; a obtenção do
certificado do ensino fundamental e médio, propósito de muitos educandos,
mas não de todos; entre outros assuntos que permeiam a Educação de Jovens e
Adultos.
O resgate e análise dos registros são realizados pela leitura dos registros
feitos por todos ou por alguns educadores, sendo comentados conforme a
narrativa acontece. E, finalmente, durante os comentários, em um movimento
dialético, resgatando-se inclusive registros de atividades passadas, propostas de
atividades são criadas. Posteriormente, os educadores planejam as próximas aulas.
Uma característica sublime dessas reuniões são os depoimentos dos
educadores, que são ouvidos por todos os presentes. É um momento de reflexão
sobre os fatos ocorridos em aula. Tais depoimentos, certamente, estão associados
à percepção e à sensibilidade de cada educador. É quando os sucessos e os
pontos de tensão percebidos e ou sentidos durante a realização das atividades são
colocados; casos particulares de cada educando são pontuados e observados com
diligência. Destaca-se que na educação de jovens e adultos um ponto fundamental
é o respeito às dificuldades do educando. Cada pessoa tem um ritmo próprio de
aprendizagem que deve ser levado em consideração na elaboração das atividades.
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Considerações finais
Feita a explanação da proposta de como conduzir um programa de
atividades em educação de jovens e adultos, é possível resumi-lo em uma única
palavra: a arte. A arte no sentido da criação, do inesperado, do surpreendente...
da flexibilidade, da mobilidade, da mutação..., isto é, o programa de atividades
tem “vida própria”, não é engessado. Este é embasado no dia a dia, estando em
constante transformação. Vale-se da sensibilidade dos educandos e educadores.
“O método de educar deve basear-se na arte” (COMÉNIO, 1985).
Assim, fugimos da visão de que o currículo é uma lista de
conteúdos a serem aprendidos em determinados períodos de tempo. Para
expressar a importância de um currículo que contemple essa dimensão, Valdo
Barcelos apresenta o cotidiano escolar a partir dos próprios sujeitos que nele
aprendemensinam (FORTUNATO, 2010). Valdo defende um currículo que
é constituído na própria relação que educadores e educando estabelecem no
cotidiano escolar.
E, dessa forma, a aprendizagem se mostra como um processo
transformador da experiência da vida dos educandos e educadores no decorrer
do qual se dá a construção do saber. E, dentro da proposta adotada pelo PEJA
de Rio Claro, seu sucesso está vinculado aos eixos ora discutidos neste trabalho:
atividades educativas em que se valorizam as trocas entre educandos e educadores,
o registro das ocorrências, as análises dos fatos ocorridos em aula embasados em
discussões teóricas e o planejamento de atividades com resgate das vivências dos
educandos.
Agradecimentos
Agradeço a Fábio Pereira Nunes, pelas discussões que moveram o
presente capítulo e por trabalhar ao meu lado como educador do PEJA de Rio
Claro. Também sou grato a Débora Aparecida Machi Gabriel e Karina Vieira pela
revisão deste manuscrito. Agradeço a outros ex-bolsistas do PEJA de Rio Claro,
que trabalharam comigo nos primeiros anos do projeto, por contribuírem com
discussões, registros de ocorrências e planejamento, entre os quais gostaria de
mencionar: Aline di Thommazzo, Andreza Barboza e Denis Eduardo Bianconi.
Sou grato também à profa. Dra. Maria Rosa Rodrigues Martins de Camargo,
pelo convite para participar deste livro e orientação, enquanto coordenadora do
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PEJA de Rio Claro. E, finalmente, aos educandos do PEJA de Rio Claro com os
quais tenho aprendido sobre a Educação de Jovens e Adultos.
Referências bibliográficas
COMÉNIO, J. A. Didáctica Magna: Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. 3 ed.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 28 ed. Coleção
Questões da Nossa Época, v. 13, São Paulo: Cortez, 1993.
______. Pedagogia do Oprimido. 32.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
FAZENDA, I. C. Interdisciplinaridade: História, teoria e pesquisa. Coleção Magistério:
Formação e trabalho Pedagógico. Campinas: Papirus, 1994.
FORTUNATO, I. Educação de Jovens e Adultos. Revista de Estudos Universitários, Sorocaba,
v. 36, n. 3, p. 281-284, dez. 2010.
GABRIEL, V. A.; CAMARGO, M. R. R. M. Indagações, Comentários e Saberes dos Educandos
– Jovens e Adultos – na Construção do Conhecimento Científico: contribuições da Biologia.
Educação: Teoria e Prática, Rio Claro, v. 11, n. 20-21, jan-jun/jul-dez. p. 23-28, 2003.
LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo:
EPU, 1986.
OLIVEIRA, M. K. Jovens e adultos como sujeitos de conhecimento e aprendizagem. Revista
Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 12, p. 59-73, set/out/nov/dez. 1999.
RODRIGUES, N. Educação: da formação humana à construção do sujeito ético. Educação &
Sociedade, São Paulo, n. 76, p. 232-257, out, 2001.
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Mariana Bortolazzo
Acta sunt verba volant (as ações permanecem, as palavras voam), costuma-se
dizer. Mas não é certo. São as ações, em muitos casos, que voam. (...) Uma
jornada de trabalho em que enfrentamos muitas exigências (...) passa em
um piscar de olhos. As pegadas que deixa são muito fracas (...) dali a pouco,
tudo desaparece, e as lembranças e imagens que restam são demasiadamente
vagas e imprecisas para conceder-lhe atenção. As palavras, em troca, podem
permanecer. Principalmente se estão escritas. Se fizermos esse pequeno esforço
suplementar de usar alguns minutos no final do dia para reconstruí-lo e narrá-
lo, as palavras do diário se tornam “reservatório” da experiência, em garantia
de sua conservação. E poderemos voltar sobre elas quantas vezes queiramos
para relê-las e nos reler. (Miguel Zabalza)
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1
O Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) tem como objetivo avaliar as
habilidades e competências básicas de jovens e adultos que não tiveram oportunidade de acesso à escolaridade regular na
idade apropriada. O participante se submete a uma prova e, alcançando o mínimo de pontos exigido, obtém a certificação
de conclusão daquela etapa educacional. O exame é aplicado anualmente e a adesão das redes de ensino é opcional. Fonte:
www.mec.gov.br.
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que, “embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e
quem é formado forma-se e forma ao ser formado (...). Não há docência sem
discência”. (FREIRE, 1999, p. 25).
Em meio a tantos acontecimentos cotidianos, uma das características
presentes desde o início das atividades do PEJA-Rio Claro é o permanente
esforço de produzir registros que contribuam para a escrita da história deste
Projeto, construindo-se assim um reservatório de memórias, material possível de
ser utilizado em pesquisas; ainda, que os próprios registros – realizados tanto por
educandos quanto por educadores – sirvam como instâncias formativas, a partir
da reflexão possível de ser realizada na leitura de escritos próprios, defendida por
diversos autores que se dedicam a compreender a formação de professores. Além
disso, é possível olhar para tais registros como documentos oficiais de um projeto
institucional com mais de dez anos de existência, que podem oferecer elementos
para análises e reflexões sobre a condição da Educação de Jovens e Adultos no país.
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doam seus materiais para arquivos e pesquisas. Esse acervo tão completo merece
ainda um estudo mais refinado e aprofundado, dado a diversidade e riqueza de
relatos que vão além da funcionalidade – que é fundamental – do registro.
O contato com tais materiais do PEJA revelou outras possibilidades
de registro: há alguns cadernos coletivos, nos quais educandos e educadores
faziam relatos das aulas; há cadernos de anotações somente de educadores que
compartilhavam o mesmo espaço para anotações de aulas e reuniões de estudo,
assim como cadernos compartilhados somente pelos educandos; há também os
cadernos individuais, que embora não sejam diários íntimos, compreendem, em
muitos casos, uma escrita pessoal que tinha a intenção de documentar fatos,
acontecimentos, emoções e aprendizagens que ocorriam nos encontros.
A partir das análises destes cadernos, é possível traçar, com base em
alguns registros mais particulares e outros coletivos, alguns fatos da história
do PEJA, que pode ser contada por seus próprios protagonistas, através de
seus escritos. Neste texto, procuro tecer breves comentários sobre cadernos de
registros de educandos e educadores participantes do PEJA e sobre a importância
desse material, tanto para a formação de ambos quanto para o próprio Projeto,
apresentando trechos bastante representativos do conjunto maior.
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Registros dos educandos e educandas: o que, para que e para quem escrever?
São múltiplos os suportes de escrita utilizados pelos educandos do
PEJA: há os cadernos de registros de atividades das aulas – que também não
deixam de ter registros mais pessoais – os papéis avulsos de atividades, textos,
poesias, além de cartas e um livro de um educando falando sobre sua trajetória
como funcionário da Unesp e aluno do PEJA, entre outros.
Os mais representativos e mais numerosos são os cadernos de registros
individuais ou coletivos, que geralmente são produzidos em momentos das
aulas ou, como acontece em muitos casos, em outros espaços e tempos, sempre
que a pessoa sente-se instigada a escrever. Um registro bastante interessante é
o da educanda M. Ap., que nessa ocasião não utilizou seu caderno de registros
individual para acomodar sua escrita:
Hoje foi falado sobre o modo de falar. Porinxemplo, na letra da música asa
branca está escrito óios enves de olhos. A C. [nome da professora] também
disse que ouvir ou escutar são a mesma coisa. Eu hoje acordei as cinco horas
da manhã arrumei a marmita, depois lavei roupas e fiz almoço e depois, limpei
minha casa, e depois vim para a escola. A M.J [nome de uma outra aluna]
disse que lá no norte se diz tomar uma pinga é tomar um ‘mé’. Toda a vez
que terminar um asuto e for começar outro, temos que deixar o paráfrafo
[parágrafo] para que o texto fica correto. A N. e a Dona O. leu no jornar que
o arroz está gustando R$9,49 centavos a marca do arroz e prato fino p. de
5k. Dona O. disse que o arroz colhido no mesmo ano, é mais ruim para fazer
porque ele vira papá o arroz para ficar soltinho tem que ficar na tulha, de um
ano para outro. Também foi falado sobre os onibus que si agente não tiver,
cinco centavos para pagar a passage nos não entramos no onibus mas eles pode
ficar com os nossos trôcos (Registros do PEJA. Caderno de C., 2004. Registro
feito pela educanda M. Ap. 25/11/2004).
52
53
3
Livro: Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach. Publicado em 1970.
54
55
56
Referências bibliográficas
ALVES, N. Diário de classe, espaço de diversidade. In: MIGNOT, A. C. V.; CUNHA, M. T. S.
(org). Práticas de Memória Docente. Série Cultura, Memória e Currículo. São Paulo: Cortez,
2003. v 3.
CHARTIER, R. A história cultural. Entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.
DI PIERRO, M. C.; JOIA, O; RIBEIRO, V. M. Visões da Educação de Jovens e Adultos no
Brasil. Cadernos Cedes. Ano XXI. n. 25. nov 2001.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez,
1993.
_______, P. Pedagogia da Autonomia. 12.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
_______, P. Educação como prática da liberdade. 29.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.
IRELAND, T. A EJA tem agora objetivos maiores que a alfabetização. Revista Nova Escola.
Edição 223. jun 2009.
ZABALZA, Miguel. Diários de Aula: um instrumento de pesquisa e desenvolvimento
profissional. Tradução: Ernani Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2004.
57
Caminhar...
Caminhando, o encontro Encontrando, a experiência
Experimentando, o aprendizado Aprendendo, o
questionamento Questionando, a busca Buscando... o
caminho.
Introdução
59
60
O caminhar
Peripatéticos. Assim queremos começar. Como os discípulos de
Aristóteles que, ao ar livre, saíam a caminhar. De forma ambulante, confluente,
itinerante: passear, aprender e ensinar. Temos uma missão, um percurso pela
frente. O que vislumbramos: recordar certas trajetórias, revisitar imagens e
processos, reler. Caminhantes no presente, pelas trilhas da obra Minha Unesp,
entrever, no registro, a memória.
Pelo filme. Que pós-feito é visto e revisto. A obra ainda em aberto.
Os sujeitos em construção. A estrada experimental do audiovisual, trilhada em
consonante ação entre educandos e educadores do PEJA em 2008, continua
habitada. Momento outro, novos olhares, permanente dinâmica. Educandores e
obra reencontram-se. Confluência. O filme segue.
Em cena, educadores e educandos a caminhar. A registrar os caminhos.
A tocar nas folhas. E a vivenciar os espaços da educação de jovens e adultos.
Refletindo sobre esses espaços e sobre si, engendram a gravação do
vídeo. Imagens e ações em conjunto seguem no filme. Segue o fazer. Através dos
momentos, variadas mãos seguram o olhar pela câmera. A ela, olhares outros
se dirigem; e as palavras vibram pelas cenas: significâncias de um grupo em
experimentação.
Novos quadros sucedem. A aventura dos caminhos educativos
suscita criatividade nos sujeitos que se envolvem. E vice-versa. O enredo
espontâneo se desenha enquanto é vivido, registrado, pulsante.
Essas aventuras narradas, que ao mesmo tempo produzem geografias de ações
e derivam para os lugares comuns de uma ordem, não constituem somente
“um” suplemento aos enunciados pedestres e às retóricas caminhatórias. Não
se contentam em deslocá-los e transpô-los para o campo da linguagem. De
fato, organizam as caminhadas. Fazem a viagem, antes ou enquanto os pés a
executam (CERTEAU, 1994, p. 200).
1 Convencionamos que as citações literais extraídas do filme serão acompanhadas dos momentos (mm:ss) nos quais as
falas se iniciam.
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O lugar, os espaços
Eu gostei muito de vir para esse curso, porque eu nem sabia que ele existia. Estou
aprendendo, relembrando aquilo que aprendi há cinquenta anos atrás. (Minha
Unesp, 03:18).
Não conhecia nem onde é que era a Unesp; nem sabia que existia a Unesp. (Minha
Unesp, 03:34).
A Unesp era um lugar, assim, somente para os estudantes, muito reservado.
E agora não, abriu as portas para as pessoas de bom senso. (Minha Unesp, 04:03).
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63
Os aprendizados, os ensinamentos
Em O mestre ignorante, Jacques Rancière (2002) nos conta a história de
um excêntrico professor, Joseph Jacotot, que ensinou o que ignorava. Partindo
de uma inusitada experiência com estudantes holandeses, a de ensinar francês
desconhecendo o idioma local, Jacotot tornou-se o fundador do método do
Ensino Universal, pautado na igualdade das inteligências humanas. Assim, e
pelos variados percursos que se seguiram desde então, o professor abdicou de
suas explicações e fez-se mestre ignorante.
Que tal aproximar dois legados, os ensinamentos de Jacotot com as
experiências de Minha Unesp, e entrever o que ambos têm a comunicar para o
outro?
Ah, eu não sei. Eu achava que iria ser complicado. Que eu não iria acompanhar.
Que vocês iam exigir da gente o que eu não sabia. Eu falei – ‘como que eu vou, eu
parei na oitava...’– entendeu? (Minha Unesp, 15:35).
Não digas que não podes. Tu sabes ver, tu sabes falar, tu sabes mostrar, tu
podes te lembrar. O que mais é preciso? Uma atenção absoluta, para ver e
rever, dizer e redizer. Não procures me enganar e te enganar. Foi bem isso que
viste? O que pensas disso? Não és um ser pensante? Ou acreditas ser apenas
corpo? (RANCIÈRE, 2002, p. 34, grifos do autor).
Em geral, o adulto que não pôde estudar quando criança teve sua vida
atrelada, ainda muito jovem, ao trabalho; ou seja, tinha participação efetiva,
direta ou indiretamente, na geração da renda familiar. Mas, sem dúvida, ainda
que não tenham passado por um processo formal de educação, esses sujeitos
formaram-se, constituíram o seu caráter e aprenderam a interpretar o mundo que
habitam, segundo as suas próprias experiências de vida.
Entretanto, tendo em vista as demandas da atual “sociedade da
informação”, essas pessoas podem se deparar com situações que exigem certos
64
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66
nossos encontros que ficamos instigados a ler Paulo Freire, Milton Santos,
Jacques Rancière e tantos outros. Que refletimos sobre as nossas práticas, que
nos indagamos sobre o nosso posicionamento no mundo; é por onde se aflora
o desejo, a ânsia, a coragem para sairmos à luta por um mundo ético e com
oportunidades para todos.
Somos jovens e ignorantes. Mestres? Não sabemos. Nossa incumbência
é despertar o interesse e viabilizar o acesso ao conhecimento. Como?
O que o mestre ignorante deve exigir de seu aluno é que ele prove que estudou
com atenção. É pouco? (RANCIÈRE, 2002, p. 42).
***
67
Referências bibliográficas
BENJAMIN, W. Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem humana. Lisboa: Relógio
D’água, 1992.
CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
FOUCAULT, M. Las meninas. In: ______. As palavras e as coisas: a arqueologia das ciências
humanas. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 3-21.
MATURANA, H. R. VARELA, F. J. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da
compreensão humana - São Paulo: Palas Athena, 2001.
Minha Unesp. Direção: Antonio Roberto Achel, Arthur Bernardo Cruz Bernardes, Felipe Ferreira
Joaquim - Rio Claro: UNESP-IB, 2011.
RANCIÈRE, J. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo
Horizonte; Autêntica, 2002.
SANTOS, M. A natureza do espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4. ed. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
SILVEIRA, M. L. Totalidade e Fragmentação: o Espaço Global, o Lugar e a Questão Metodológica,
um Exemplo Argentino. In: SANTOS, M et al. (Orgs.). O Novo Mapa do Mundo. São Paulo:
Hucitec/Anpur, 2002. p. 201-209.
68
O percurso pela 29ª Bienal de São Paulo foi idealizado por integrantes
do projeto PEJA (Projeto de Educação de Jovens e Adultos) e realizou-se
como fechamento das atividades educativas do ano de 2011. Encontro entre
educadores e educandos. Entre as diferentes turmas que compõem o projeto.
Entre saber científico e saber popular. Entre cidades. Salientando a criatividade
possível na educação e a importância de percorrer diferentes espaços para ampliar
os horizontes das práticas educativas e aprendizados.
Saímos numa sexta-feira chuvosa pela manhã, bem cedo. O destino
era São Paulo. A exposição reuniu cerca de 850 obras de artistas do mundo.
Situada no pavilhão Ciccillo Matarazzo no Parque do Ibirapuera, a Bienal de Artes
preocupou-se com uma atuação significativa no campo educativo, realizando ao
longo do ano formações e encontros de educadores interessados em aproximar-se
e aprofundar-se no universo da arte contemporânea.
O tema central da Bienal 2011 foi a impossibilidade de separar arte
e política. Nesse sentido o título dado à exposição é um verso do poeta Jorge
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de Lima, de sua obra Invenção de Orfeu: “Há sempre um copo de mar para um
homem navegar” (FARIAS & ANJOS, 2010).
O percurso possibilitou algumas reflexões sobre a prática educativa,
como a questão da troca de realidades, ou seja, a oportunidade de, através da
educação, experienciar realidades diferentes das que os sujeitos educandos e
educadores estão imersos cotidianamente, que carregadas de práticas, relações e
paisagens repetitivas, moldam nossas rotinas e consequentemente nossas vidas,
muitas vezes, impedindo-nos de enxergar outras perspectivas de existência e
atuação. O contato, o percurso, a troca de realidades pode proporcionar novas
relações entre saber, experiência, contextos socioeconômicos, culturas e etc.
Visitar a Bienal. Aprender a palavra Bienal. Pois esse vocábulo era
inexistente na vida dos educandos, e talvez ainda seja na vida de grande parte
da população brasileira. Linguagens, paisagens, sentimentos, memórias que não
fazem parte do universo diário de cada um de nós. O contato com aspectos,
conceitos, palavras e formas novas e diferentes reafirma a importância de
percorrer, adentrar, explorar, sentir, trocar experiências inusitadas e possíveis de
serem revolucionárias, ou talvez, inovadoras, por realidades distintas das que
estamos habituados.
Percorrer cidades. De Rio Claro a São Paulo, muita observação pode
ser feita. Observar paisagens, sentir cheiros, passar calor, suar. Viver. Conhecer o
além. Além-mar. Lembrança de que há sempre um copo cheio de mar para cada
um de nós.
Mares internos. Mares externos. Ondas nos assolam. Trazem-nos
esperanças e levam-nas outra vez. A prática educativa é repleta de angústias,
cabe a nós ter criatividade para contornar essas dificuldades e possibilitar novos
olhares. Adentrar em novas categorias. Produzir vanguarda.
A importância do ampliar horizontes para educação, para vida (por
que não?). O mundo amplia-se a cada passo que damos. A cada quilômetro
percorrido. Estradas. Cidades. Regiões. Fronteiras. Climas. Culturas. Realidades.
E a arte nisso tudo? A arte esconde-se e flutua por cada palavra. Ela
está lá, fechada na Bienal. Aberta ao público. Esperando para ser vista. Servindo
para refletirmos sobre o que somos. Onde estamos. Quais as possibilidades
temos e ao mesmo tempo negamos tudo isso. Subvertendo as ordens. Causando
estranhamentos. Construindo indagações. Sensações que estão adormecidas pelo
cotidiano. Pela moral. Pela dureza da vida.
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Referências bibliográficas
FARIAS, A. e ANJOS. M. Há sempre um copo de mar para um homem navegar. In: Catálogo
da 29ª Bienal de São Paulo: Há sempre um copo de mar para um homem navegar. Curadores
Agnaldo Farias, Moacir dos Anjos. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2010.
BARBIERI, S. Lugar de respirar. In: Há sempre um copo de mar para um homem navegar. In:
Catálogo da 29ª Bienal de São Paulo: Há sempre um copo de mar para um homem navegar.
Curadores Agnaldo Farias, Moacir dos Anjos. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2010.
71
73
Educanda da Turma do Bonsucesso, que acontece no Núcleo ArteVida, na periferia de Rio Claro.
Navega pela escrita ao trabalhar com as atividades do material da Bienal de Artes de 2010.
74
expandem os horizontes.
O lápis até pode furar a folha,
mas ela não reclama; aguarda
a escrita de uma vida repleta de esperança.
Uma lista de compras. Lápis, borracha, o cotidiano e a leveza do olhar. Educanda da Turma do
Bonsucesso.
Lista de compras
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Trabalho proposto a partir do eixo temático ‘Florestas’: diferentes trajetórias pelo Horto Florestal
de Rio Claro; trocas de experiências; tinta, cartolina e pincel. Educanda da Turma da Comunidade
– que acontece nas dependências da Universidade – pinta suas impressões dos encontros.
76
Deixa, por um instante, seu material de trabalho (cortador de grama, pá, enxada...); pega o seu
violão e vai se apresentar no anfiteatro da universidade em um evento do projeto. Educando da
Turma dos Funcionários da Unesp.
Aquilo sim que era vida
Aquilo sim, que vidão
Com uma viola no peito
Tirava uma canção
Com o acorde na batida
Solto o meu vozeirão
Canto bonito
Porque vem do coração
Plantava milho, arroz e feijão
Pescava de linha lá no ribeirão
Domingo saia no meu alazão
No ritmo do Gonzagão
Encontro a rima pra Educação
E sigo nesta apresentação!
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Paulinho, Maria Lúcia e Rafael. Bienal de Artes, São Paulo. Numa cidade de aço e concreto,
pequena parada para observar a linda paisagem no Parque Ibirapuera. (Maria Lúcia, educanda da
Turma da Comunidade).
Enfim, chegamos!
Renovam-se os ânimos
Ao observar a paisagem
Após uma longa viagem.
78
Olhares que tocam, sujeitos que dialogam e se movem; a experiência de educandas e educadoras
da Turma do Bonsucesso.
79
80
Ler e escrever.
Que mistério há nisso?
Buscamos uma escrita consciente
Sem erros ortográficos e atraente
Que mostre o desenvolvimento do raciocínio
E que, portanto, seja coerente.
Então que tal
Um tema legal?
Em que o contexto
Se misture no próprio texto
...
Mas espera aí,
Por que e pra quem se escreve mesmo?
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- Dia!
- Dia! Cê tá sabendo que ele bateu o carro?
- Tamem né, o pão tá gamado na moça.
- Sei não, acho que ele só quer perder a cabacinha.
- Será? Tem é que tomar cuidado pra moça não ficar embuchada.
...
- Chega de falar da vida dos outros. Comprei uma bengala, tá na cozinha.
- Vamo comer porque daqui a pouco é hora da jardineira...
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A proposta era reconstruir a casa da infância. A maquete foi o meio de fazê-lo. Os cenários foram
vários. Esta é uma delas. Maquete ou infância?
84
85
Referências bibliográficas
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 41.ed. São Paulo:
Paz e Terra, 1996.
VIOLA, P. Acústico MTV. Sony/BMG, 2007. Acervo de fotos do Projeto de Educação de Jovens
e Adultos (PEJA).
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Andava na enxurrada
mesmo ficando encharcada,
da cabeça até os pés.
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Contava as estrelas,
caçava borboletas.
Colhia maravilhas
e rezava a Ave-Maria!
O menino químico
Era uma vez um menino chamado Hélio, ele era um menino Estanho.
De vez em quando jogava bola com seus amigos, Túlio, Germânio, Arsênio,
Lawrêncio e Irídio.
Seu pai Einstêncio Berquélio gostava de ouvir Rádio, para saber se o Ouro e a
Prata estavam em alta.
Para aguentar o tranco comia uma banana todo dia por causa do Potássio, e
tomava um copo de leite, rico em Cálcio.
Ele era um garoto muito Césio e ao mesmo tempo muito peralta; se machucava
com sua espingarda de Chumbo. Sua mãe, dona Platina cuidava dos ferimentos
com Mercúrio e Iodo.
Sua brincadeira favorita era brincar de Índio, e ontem mesmo caiu de um
Gálio, mas nem reclamou.
Eita, o menino parece de Ferro!
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O tempo
O tempo passa.
Para mim já se passaram cinquenta e quatro anos.
Nasci, cresci, vivi, aprendi, mas ainda encontrei tempo para aprender o que
ainda não aprendi.
Já pensou que maravilhoso seria o tempo para as pessoas que dizem que não
têm tempo?
O tempo para mim está sendo o agora, e estou feliz por ter essa oportunidade
nesse tempo de duas horas de aprendizado, que jamais pensei em tê-lo. Está
muito bem aproveitado esse tempo.
Também agradeço a Deus o tempo não só meu, mas o tempo dos professores
que ensinam, discutem e aprendem a todo tempo.
Precisamos aproveitar: horas, minutos e segundos. Só assim iremos ter
responsabilidade ao caminhar para o futuro do progresso.
E que o PEJA continue a ensinar a todo tempo.
89
Visita à Bienal
No dia 3 de dezembro de 2010, nos reunimos em frente à portaria da
Unesp com a professora Maria Rosa, educadores e colegas do PEJA e partimos
para São Paulo.
Foi uma viagem gostosa com os jovens muito animados.
Alegria total em estar fazendo piquenique no ônibus.
Chegamos ao parque às 13hs e 40m.
Esse evento acontece a cada dois anos na cidade de São Paulo, por ser
um local de grande população.
As obras de artes que estão expostas lá refletem a vida das pessoas no
seu dia a dia.
Eu pude perceber isso, pois os artistas usaram na criação das obras
materiais comuns como: terra, semente, jornais, madeira, arame, tecido, colchão,
metais, televisores e temperos. A mistura disso tudo resultou em várias esculturas
coloridas, que nos tocaram dando boas sensações ou não, podendo causar
sentimentos diversos ou nenhum. Mas, a que eu mais gostei foi a da lousa.
Na minha opinião, o artista quis com essa grande arte que não tenham
mais pessoas sem saber escrever e ler.
Cinthia Marcelle, “Sobre Este Mesmo Mundo”, 29ª Bienal de São Paulo
90
1
Por questões éticas o nome dos educandos é mantido em sigilo, e refiro-me a eles como educandos
ou educandas somente.
91
92
93
94
95
Referências bibliográficas
BANDEIRA, M. Bandeira a Vida Inteira. Rio de Janeiro: Editora Alumbramento, 1986, p. 90.
LARROSA, J. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Tradução de João Wanderlei
Geraldi. Revista Brasileira de Educação. ANPED, jan-abr, n. 19, 2002. p. 20-28.
______. Sobre a lição. In: Pedagogia Profana: Danças, piruetas e mascaradas. P.A.: Contrabando,
1998.
BOGDAN, R.C.; BIKLEN, S.K. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à
teoria e aos métodos. Tradutores: Maria João Alvarez [et.al.]. Porto: Porto Editora, 1994. Cap. I,
II e IV, p. 47-62 e p. 169-180.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 50ª ed. – São Paulo:
Editora Cortez, 2009.
LOURENÇO. P. R. Percepções de uma educadora aprendiz em busca da compreensão
da escrita significativa na EJA. 2011. 82 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Licenciatura Plena em Pedagogia). Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio
Claro, 2011.
96
Introdução
97
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99
As palavras geradoras
Primeiramente é válido ressaltar que a educação não deve ser imposta,
deve haver uma contínua troca entre o educando e o educador, conduzindo a
pesquisa, dessa forma, a uma redução da diferença entre os dois.
O que está prestes a ser descoberto não são simplesmente palavras,
nestas falas estão sentimentos, realidades, experiências de mundo contidas no
sujeito. Segundo Brandão (1981, p. 26), “o vivido e o pensado que existem vivos
na fala de todos, todo ele é importante: palavras, frases, ditos, provérbios, modos
peculiares de dizer, de versejar ou de cantar o mundo e traduzir a vida”.
As palavras geradoras abrem espaço para a criação de procedimentos
de trabalho adaptados aos mais variados contextos culturais, preservando seus
valores no tempo presente, e dando um objetivo a ser atingido naquele processo
de aprendizagem.
Segundo Paulo Freire, as palavras devem servir para dois focos de leitura,
a leitura da língua e a releitura coletiva da realidade social onde a língua está
inserida, seguindo a três critérios de escolha: aquela que apresenta uma riqueza
fonêmica, uma semântica e uma pragmática (FREIRE apud BRANDÃO, 1981).
As fonêmicas devem incluir todas as dificuldades de pronúncia e escrita,
mas deve carregar também uma carga afetiva, assim como as demais devem conter
esse caráter existencial explícito.
No caso das alunas do Bonsucesso, as palavras seguiram à risca aquilo
que permeia suas vidas e as trajetórias percorridas, palavras como dificuldade,
vontade, medo, coragem, são algumas daquelas palavras que nortearam o trabalho,
talvez pelas semelhanças encontradas entre algumas delas no que se diz respeito aos
relacionamentos pessoais, a questão de ser migrante, o trabalho, entre outros.
100
Os resultados do trabalho
As atividades de leitura e escrita mostraram sensibilidade para a escolha
das palavras geradoras que estivessem no referencial das alunas, como foi o caso
do assunto relacionado à família. A atividade solicitou a participação de todas,
respeitando as regras e estimulando a consciência invadida de símbolos. Ficam
notáveis as marcas características de cada pessoa, elaboradas na maneira de pensar,
transmitir e constituir seus textos, e esse processo de apreensão e compreensão
da memória viva consegue determinar com exatidão o espaço ao qual pertence
aquela pessoa, suas relações com o mundo e o desenvolvimento do espírito crítico
por meio das discussões e trocas de experiência.
101
Considerações Finais
Ao finalizar este texto, pode-se afirmar que o trabalho com as palavras
geradoras, estimulando um estudo da memória e da experiência, permite uma
visão de uma educação que amplia o diálogo, favorece a leitura crítica da realidade
102
103
Referências bibliográficas
BRANDÃO, C. R. O que é método Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense, 1984, 113p.
EINSTEIN, A. Como vejo o mundo. Tradução de H. P. Andrade. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1981.
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Associados, Cortez, 1983.
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GARCIA, R. L (org). Novos olhares sobre a alfabetização. São Paulo: Cortez, 2001.
LARROSA, J. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Tradução de João Wanderlei
Geraldi. Revista Brasileira de Educação. ANPED, jan-abr, n. 19, 2002. p. 20-28.
104
Introdução
105
(...) o conhecimento não se estende do que se julga sabedor até aquêles que se
julga não saberem; o conhecimento se constitui nas relações homem-mundo,
relações de transformação, e se aperfeiçoa na problematização crítica destas
relações (FREIRE, 1980, p. 36).
1
Anos: 2009/2010/2011.
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109
ano de atividades com uma visita a uma antiga fazenda de café, Santa Maria
do Monjolinho, no município de São Carlos, onde visitamos a senzala e a casa
grande e as lembranças da infância dos educandos vieram à tona, os objetos
materiais da fazenda permitiram um regresso no tempo, passando pela história
do café, dos moradores da fazenda e dos escravos.
As imagens, carregadas de sentido, registram momentos da história
e associá-las à dimensão pedagógica é reconhecer as potencialidades dessas na
subjetivação, no pensamento. Em nosso trabalho no eixo temático, as imagens
contribuíram para elucidar alguns termos desconhecidos pelas educandas, como
quilombo, cujo significado marca a história de resistência dos negros.
A percepção, que passa de uma descrição física da imagem para uma
interpretação subjetiva, é apresentada a seguir no texto de uma das educandas:
110
111
112
Considerações finais
O fazer pedagógico no PEJA não é estanque, a criatividade, a cooperação
e o trabalho em grupo, o encontro entre educadores e educandos teve e tem
singular contribuição para minha formação como educadora.
Os desafios gerados do contato com os educandos suscitam reflexões e
práticas, algumas aqui apresentadas e outras tantas que já surgiram e continuarão
a surgir. Pensar sobre elas, agir com compromisso como uma educação que liberta,
que transforma, tem sido o objetivo a ser seguido e perseguido no fazer diário.
113
Referências bibliográficas
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RAMOS, G. Vidas Secas. Rio de Janeiro: Record, 2006.
114
115
116
117
118
119
Cópia da página do caderno do educando Ezequiel, em que ele registrou a letra da música
(primeira parte)
120
Cópia da página do caderno do educando Ezequiel, em que ele registrou a letra da música
(segunda parte).
121
Cópia da página do caderno do educando Ezequiel, em que ele registrou a letra da música (última
parte).
122
Referências bibliográficas
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WRIGHT, J. K. Terrae Incognitae: the place of the imagination in Geography. Annals of the
Association of American Geographers, v. 37, p. 1-15, 1947.
123
Márcia Marques
125
era ou se já foi, dentro deste órgão pulsar chamado coração, eu não sei, só sei que
é amor.
Amor, que faz com que grandes escritores busquem metáforas,
atravessem os oceanos, vão à lua, viajem nas estrelas, ultrapassem todas as regras
da linha da imaginação.
Naveguem em mar de pensamentos, peguem carona com vidas passadas,
busquem dentro das histórias bem resolvidas, ou nos maiores conflitos de dor, eu
não sei, só sei que é amor.
Não importa se sou anônima, sem grandes expressões linguísticas, sem
menor experiência científica, sem diploma, sem nenhum histórico de família
importante, não sei, importa que eu ame.
Pois, pense que o amor é livre, pra mim não importa aquilo que chamam
de regras tradicionais que nunca chegam a um final feliz.
Só se chegam no final pessoas frustradas, limitadas, medrosas e cheias
de crenças, como donos das verdades, solitários e infelizes.
Isso também não sei, só sei que é amor.
Importa que seja livre como o amor é, capaz de atravessar barreiras que
ele sabe, mas não as mede,
Amor, muitos precisam da Consumação mesmo que não encontrem
nenhuma realização de prazer.
Outros, quem sabe, muitos, ou poucos, precisam apenas da ilusão, para
sentir na pele o maior prazer, pelo simples toque de um beijo,
Numa simples saudação.
Importa que eu ame!
Adolespausa
Lá do canto da sala que nem vidraça tinha
Com seus olhos esvermelhados
Da chaminé entupida, a fumaça da cozinha vinha
Ainda assim seus olhares vagueavam
Longe, longe... além da cerca vizinha.
126
127
Passou o tempo...
A mãe a levou pra bem longe
Dos sonhos daquela menininha
Coisas que agora entende
O que outrora não conhecia
Aquelas sensações estranhas
Nas calcinhas de rendinha.
128
1
Márcia é educanda no PEJA – Projeto de Educação de Jovens e Adultos.
129
E
ste percurso teve início com uma busca. Estava em processo de
formação, cursando Pedagogia na Universidade Estadual Paulista, campus de Rio
Claro. Contudo, entre as disciplinas cursadas e atividades acadêmicas realizadas
buscava uma atividade complementar, um projeto, que me possibilitasse ter um
outro aprendizado e, por que não dizer, um sentido outro à minha formação.
Nesse momento, conheci através de um amigo o Projeto de Educação
de Jovens e Adultos – PEJA, em 2005. Encantada com a proposta de trabalhar
com adultos, iniciei minha tímida e insegura participação nas aulas juntamente
com outros universitários de vários cursos oferecidos pela Unesp. Conheci os
alunos, os participantes e assisti às aulas ministradas pelos graduandos com o
objetivo de entender melhor a proposta do projeto baseada em Paulo Freire.
Cito um trecho do livro “A importância do ato de ler”, no qual a ideia
de alfabetização de Paulo Freire se faz compreensível.
A um ponto, porém, referido várias vezes neste texto, gostaria de voltar,
pela significação que tem para a compreensão crítica do ato de ler e,
consequentemente, para a proposta de alfabetização a que me consagrei. Refiro-
me a que a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura
desta implica a continuidade da leitura daquele. Na proposta a que me referi
acima, este movimento do mundo à palavra e da palavra ao mundo está sempre
presente. Movimento em que a palavra dita flui do mundo mesmo através da
leitura que dele fazemos. De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe
e dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo
mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de
transformá-lo através de nossa prática consciente (FREIRE, 2008, p. 20).
2
Os trechos retirados dos escritos da educanda Márcia mantêm a escrita original da aluna.
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131
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1
EJA – Educação de Jovens e Adultos.
Pesquisa foi desenvolvida no período de março de 2007 a setembro de 2009 com o apoio da CAPES – Coordenação de
2
133
Esses textos, criados por Márcia, dizem de pessoas que ela conhece,
outras que não, mas que tomou contato com estas de alguma forma, mesmo
134
135
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Referências bibliográficas
CAMARGO, M. R. R. M. de. Cartas e escrita. 2000. 148 f. Tese (Doutorado em Educação) -
Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000.
CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. v.1.
CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez,
2008.
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. 8. ed. São Paulo: Ática,
2001.
PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.
COTT, J. História das Mulheres. In: BURKE, Peter. (Org.) A escrita da história: novas
perspectivas. São Paulo: Editora da Unesp, 1992, p. 63-95.
SURIAN, T. Mulheres escritoras relatam sua condição de mulher enquanto escrevem. 2006.
52 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Pedagogia) - Instituto de Biociências,
Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2006.
SURIAN, T. Um estudo das práticas da escrita de mulheres (escritoras ou não). 2009. 154 f.
Dissertação (Mestrado em Educação) - Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista,
Rio Claro, 2009.
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Caro Silvio,
Inicio a escrita deste e-mail numa manhã fria, mas ensolarada aqui
em Portugal. Aliás, desde que cheguei por essas bandas do hemisfério norte,
descobri que aquele papo que aprendemos na escola sobre o Sol ser uma esfera
incandescente que transmite calor é a maior balela. Prefiro pensar neste astro
como uma bola amarela, pois calor mesmo ele deixa a desejar… E olha que
Portugal nem é tão frio se compararmos com outros países deste continente.
Mas enfim, como combinado, chegou a hora de começar essa escrita
coletiva para o livro do PEJA da Unesp Rio Claro e penso que a forma encontrada
na nossa conversa por telefone de ontem foi realmente muito boa e muito
interessante. Talvez, o leitor que esteja percorrendo o nosso diálogo precise saber
que só decidimos a forma de escrita deste trabalho com menos de um mês para
a entrega do texto final.
Acho que precisamos contar o quanto demorou e quantos e-mails
trocamos nesse tempo para encontrar uma forma de escrever em parceria, que por
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Caro Marcelo,
Estou em Pirassununga. Ao contrário da manhã fria em que iniciou
a escrita do teu e-mail, aqui os dias e as noites são estupidamente quentes.
Vivemos cercados por desérticos canaviais das tantas usinas de açúcar e álcool.
Sinto que a vida se arrasta, que seu movimento é lento. Necessária uma alquimia
para transformar essa vida em algo mais fluido, mais próxima da velocidade do
nosso Rio Mojiguaçu: intenso, volumoso, veloz. Nestes escritos, quem sabe, a
possibilidade de aproximar-me do fluxo do rio, para além da monotonia das
plantações!
Você descreveu com precisão nosso acordo. Acrescentaria apenas duas
coisas.
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Silvio,
Demorei uns quatro dias para conseguir escrever alguma coisa após
a minha leitura do seu último e-mail. Cheguei a escrever vários textos, mas a
verdade é que não gostei de nenhum deles e agora volto mais uma vez ao exercício
de inscrever-me neste trabalho a partir das minhas experiências no PEJA. Gostei
do seu texto, principalmente da referência feita a nossa república, mas devido ao
espaço que temos pré-definido neste livro, vou tentar escrever mais a partir do
seu texto do que sobre o seu texto.
Bom, depois de muito refletir sobre a continuação deste trabalho, resolvi
priorizar neste e-mail uma característica muito forte do PEJA que em nenhum
momento havia passado pela minha cabeça quando propus-me a trabalhar
contigo neste espaço. Aliás, essa característica do PEJA reapareceu nas minhas
memórias graças à leitura do seu e-mail.
Mas para chegar até onde pretendo preciso confessar-lhe uma coisa: a
última linha do seu texto deixou-me com uma enorme enxaqueca nestes dias.
Quando li o seu e-mail, logo na primeira vez, fiquei muito angustiado, pois
depois de enviar o meu primeiro texto fiquei imaginando o que você escreveria
“no seu espaço”. Eu esperava que a partir da minha escrita você fosse contar
sobre o seu início no projeto, comentando um pouco sobre a nossa participação
na turma do Bonsucesso e por último, deixaria um fio condutor para que eu
retomasse “a minha parte”.
Entretanto, como você não fez nenhuma destas coisas, fiquei um pouco
desesperado e pensando o porquê da sua economia na escrita, além do trabalho
que eu teria para recomeçar a minha parte. Mas hoje, depois desses quatro ou
cinco dias de escritas e reescritas apercebi-me da importância do seu texto para o
meu entendimento de um trabalho coletivo feito com sinceridade!
De certa forma, comecei a pensar no meu segundo texto antes mesmo
de ler o seu e-mail e acredito que esse tipo de indução indireta impeça qualquer
possibilidade de trabalho coletivo, ainda que o discurso pedagógico de uma
escrita coletiva seja, por si só, consensualmente estimável nos textos académicos
mais inovadores.
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Desde a última vez que conversei com a Maria Rosa e ela contou
algumas de suas reflexões acerca da complexidade do pensamento do Paulo Freire,
comecei a ter a sensação de que muitas vezes levamos “os temas dobradiças”
para os educandos, mas quando publicamos os nossos trabalhos em congressos
académicos, apresentamos uma abordagem desenvolvida a partir da investigação
dos “temas geradores” e depois incluímos o Paulo Freire nas referências
bibliográficas do artigo.
Durante a minha formação inicial, eu penso que só experienciei esta
dimensão tão complexa dum trabalho coletivo na educação pelo PEJA, e não
nas inúmeras horas de estágio que fiz no curso de Pedagogia. Foi no PEJA que
despedacei-me por diversas vezes ao longo da minha formação inicial enquanto
educador. Despedacei-me com leituras de autores marginalizados e esquecidos
pelo curso de Pedagogia, como Philippe Ariès, Jorge Larrosa e Paulo Freire;
da mesma forma que despedacei-me durante minha atuação prática e política
nos encontros com as educandas, nas reuniões com a Maria Rosa e nas longas
conversas que tínhamos em nossa casa. E isso sem contar as vezes que tentamos
levar o PEJA para outros bairros de Rio Claro, ou, quando tentei apresentar o
PEJA para vários universitários durante o movimento de greve da Unesp em
2007.
Assim, corroboro de corpo inteiro com a sua expressão: “a nossa
verdadeira formação estava acontecendo fora das salas de aula da universidade –
nossa verdadeira formação estava acontecendo no PEJA!”.
Termino este e-mail com receio de ter extrapolado uma suposta divisão
matemática das nossas páginas, mas penso que podemos editar no final...
Com um abraço, e na esperança de ter causado algum incômodo.
Marcelo
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Marcelo,
Você escreveu que tinha dúvidas: até onde escutamos as pessoas com quem
trabalhamos e damos sentido ao que elas nos dizem, e até onde imaginamos o que
elas querem dizer e a partir daí classificamos isso como um espaço de troca numa
atividade educacional.
Essas palavras soaram mais forte que todas as outras. Ainda assim, optei
por responder o e-mail abordando outro assunto. E deixei para escrever, num breve
post scriptum, uma pequena observação relatando que compartilhava teu enigma
e não conseguia parar de pensar em duas falas do filme Clube da Luta (FIGHT...,
1999): As pessoas não ouvem mais. Elas apenas esperam a sua vez de falar.
Pois bem. Já havia escrito minha resposta. Assinado embaixo. Mas depois
de escrever o post scriptum apaguei tudo e recomecei. Não podia negligenciar a
força que tuas palavras tiveram em mim. Fui caminhar, colocar os músculos
para pensar, e pensar mais e mais sobre o assunto. Pouco consegui. Mas, feliz ou
infelizmente, algumas palavras de Nietzsche me atingiram com força total!
Apressei-me em voltar e encontrar o trecho. Saber se realmente tinha
conexão com teu e-mail e com tudo aquilo que havia despertado. E realmente
estava lá! Na seção Por que escrevo tão bons livros, escrevendo sobre a (im)
possibilidade da compreensão de suas obras pelos modernos, Nietzsche (2007)
escreve algo que oferece terríveis elementos para construir uma terrível resposta
para essa dúvida enigmática: não podemos ouvir nada que já não tenhamos
experimentado! Não podemos conhecer outrem, mas apenas refazê-lo à nossa
própria imagem! Eis o trecho:
Em última instância, ninguém pode escutar mais das coisas, livros incluídos,
do que aquilo que já sabe. Não se tem ouvido para aquilo a que não se tem
acesso a partir da experiência. Imaginemos um caso extremo: que um livro
fale de experiências situadas completamente além da possibilidade de uma
vivência frequente ou mesmo rara – que seja a primeira linguagem para uma
nova série de vivências. Neste caso nada se ouvirá, com a ilusão acústica de que
onde nada se ouve, nada existe... Quem acreditou haver compreendido algo de
mim, havia me refeito como algo à sua imagem - não raro o oposto de mim,
um ‘idealista’, por exemplo; quem nada havia compreendido de mim, negou
que eu tivesse que ser considerado (p. 53).
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Silvio,
O seu último e-mail apanhou-me numa semana bastante complicada
e somente hoje comecei a escrever qualquer coisa. Algumas ideias estiveram
fermentando neste tempo, mas optei por não utilizá-las. Eu gostaria de aproveitar
um pouco do que já conversamos até agora para abordar o tema da formação
inicial de educadores em EJA, que de certa forma caracteriza institucionalmente o
trabalho desenvolvido pelo PEJA enquanto um projeto de extensão universitária.
A leitura do seu último e-mail foi imprescindível para que os meus
pensamentos chegassem a esse tema da formação de educadores no PEJA. Após
a leitura do seu texto, um acontecimento bastante esquecido da minha memória
ressurgiu com muita vivacidade: recordei-me quando levamos a Tia Dag [Nota ao
leitor: Pedagoga Dagmar Garroux, idealizadora da Casa do Zezinho, uma entidade
não governamental localizada na periferia do município de São Paulo] para conhecer
o nosso trabalho do PEJA no bairro Bonsucesso. Lembro-me que logo depois do
almoço ela me perguntou: “E que metodologia de trabalho vocês utilizam neste
projeto?” Silvio, isso foi arrebatador para mim, pois naquela altura eu já estava há um
ano e meio participando do PEJA e não sabia qual era a nossa metodologia.
Tentei lembrar de alguma coisa que a Maria Rosa tivesse dito em alguma
reunião, mas não me veio nada à cabeça; também pensei em ficar enrolando até a
hora que você aparecesse para me ajudar, o que também não aconteceu; e como
alternativa C, pensei em arriscar no construtivismo, pois seria o jeito mais fácil
de agradar pedagogos e troianos. Mas sei lá por que, ainda que balbuciando em
alguns momentos, expliquei o nosso trabalho de forma muito próxima a sua
descrição feita no seu último texto. Falei com as minhas palavras sobre a sala com
poucos educandos, da proximidade com as pessoas que frequentavam o projeto e
da questão da diferenciação e da singularização.
Como devolutiva obtive: “Ótimo! Era isso mesmo que eu queria saber,
porque eu não me interessava em conhecer um projeto que vendesse ‘drogas’ para
uma comunidade” (não me recordo com precisão das palavras dela, mas a minha
memória resolveu guardar exatamente desta forma).
Faço agora uma aceleração nesta linha temporal de recordações sobre
o PEJA e estaciono exatamente no dia da minha despedida do projeto, cerca de
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um ano e meio após o referido encontro com a Dagmar. Recordo-me bem que na
minha última fala durante o encontro anual de educadores e educandos do PEJA
Rio Claro, esse tema da metodologia e da nossa formação enquanto educadores
esteve mais uma vez presente nos meus pensamentos e explanei sobre essa reflexão
mais ou menos assim: “Despeço-me do PEJA sem saber exatamente que tipo
de professor eu sou. Não me considero piagetiano, vygotskiano, construtivista,
tradicionalista, foucaultiano e de qualquer outra corrente que aprendemos no
curso de Pedagogia, mas acho que consegui ajudar de alguma forma no PEJA”.
Escrevi tudo isso porque penso que a partir do momento em que
optávamos por essa metodologia um tanto inclassificável, desvirtuávamos
dos bons princípios da formação inicial de professores. Afinal de contas, que
professor “bem formado” inicialmente demostra-se incapaz “de produzir uma
grade curricular que atravesse o semestre”? Da mesma forma que não tentávamos
encaixar as educandas nos nossos esquemas imaginativos, acabávamos por fugir
de muitos enquadramentos propostos pelo nosso curso académico. E acredito
que a Maria Rosa teve um papel muito importante nisso tudo. Não me recordo
de ter que apresentar para ela a tal grade curricular ou qualquer coisa do gênero.
Vou além, no meu caso em específico, posso dizer que ela esperou uns
seis meses para me conhecer antes de deixar comigo o livro “O tempo da história”
de Philippe Ariès (1992). Aquela leitura sugerida disparou-me para pensar o
PEJA enquanto um espaço de investigação académica, pensar na História de um
outro jeito, pensar na educação de adultos de um outro jeito. E estranhamente,
esse livro orientou todo o meu TCC, ainda que eu só o tenha citado uma vez ao
longo do texto, quase que de propósito, para forçá-lo a aparecer nas referências
bibliográficas como uma forma de retribuição e de justiça.
Mesmo que a formação de professores em EJA se configure como um
dos objetivos do PEJA, eu penso que experimentamos o conteúdo da palavra
formação de maneira diferente da habitual ou da recomendada. Nós não nos
sentíamos prontos quando iniciamos a nossa participação no projeto e posso
afirmar que quase cinco anos após deixar o PEJA, eu ainda não me sinto pronto.
Penso que foi uma formação feita mais para nos entendermos “inconclusos”
(Freire, 1987) e “desconformes” (Larrosa, 2006) dentro duma ação permanente,
multifacetada, multivariada e híbrida, do que propriamente para alcançarmos a
certeza do sentir-se pronto e preparado.
Finalizo essa reflexão deixando o grande abraço que você merece!
Marcelo
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Silvio,
“Talvez… continuemos em alto mar, inconclusos e desconformes”.
Fizeste uma bela poesia com um punhado de palavras amarradas numa
frase, meu caro! E o fato de tê-la elaborado no plural despertou-me por completo
para registrar um último tema neste trabalho que vimos construindo até agora:
os educadores do PEJA!
Iniciei a escrita deste quarto e-mail com uma certa sensação de
tranquilidade e com alguma certeza de que este texto deve encerrar a minha
participação no nosso processo de escrita coletiva. Digo isso, pois assim que
terminei a leitura do seu texto senti uma vontade muito maior de reler todos os
e-mails que trocamos neste período do que propriamente em pensar novas ideias
para a continuidade do texto.
É verdade, em algum momento teríamos de parar este trabalho, tal como
você colocou. Assim como também é verdade que nunca esqueci a quantidade de
páginas estipuladas pelo Felipe e pela Maria Rosa. Entretanto, penso que a minha
sensação de tranquilidade pelo término desta travessia a qual nos propusemos
deve-se a outros motivos e a outras reflexões.
Neste exercício de releitura dos e-mails trocados, não só revisitei os
textos selecionados para a composição do trabalho até o momento, como também
recuperei todas as conversas “informais” que tivemos ao longo deste processo,
principalmente aquelas mais antigas, de quando ainda estávamos discutindo a
organização do texto. Gostei tanto dessa proposta de releitura do nosso debate
que peço licença para “colar” neste espaço um depoimento seu, feito quinze dias
antes de começarmos a escrever “oficialmente” o trabalho:
Sinto que estou distante demais daquele tempo. Muitas coisas eu me lembro e sinto
que são lembranças vagas demais.
Novamente, SINTO que estou mais apto a escrever sobre como a experiência
me deu a possibilidade der ser pedagogo fora da sala de aula, no meio dos
excluídos, quase um são francisco de assis freireano - mas sem o humanismo
(Silvio, 5/jan/2012).
155
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interessante é que cada educador do PEJA tinha uma forma bem peculiar de
expressar essa cumplicidade, particularmente sempre me lembro duma frase dita
pelo Arthur (Atum) numa reunião: “Eu não entendo como o PEJA não é disputado
‘no tapa’ pelos estudantes da Unesp”. E também recordo-me com vivacidade
de quando o Felipe (Close Up) foi até onde eu trabalhava em São Paulo para
mostrar-me o vídeo que eles tinham feito do PEJA após a minha saída do projeto
e depois confessou ter chorado ao ver a primeira exibição do trabalho final.
Aliás, fiz do meu último dia no PEJA uma novela mexicana, nem tinha
terminado de falar o que tinha programado e comecei chorar. Percebi que Atum
chorou junto, que a Míriam chorou também e depois disso só me lembro de
abraçar o Close Up e o resto do pessoal. Para completar o roteiro dramático,
tudo isso aconteceu bem no encontro de educadores e educandos do final do
ano… Mas sei que saí feliz do PEJA-Rio Claro e cheio de histórias para contar.
Na verdade para contar-te antes de contar para qualquer pessoa, mas até hoje não
consegui encontrá-lo com tempo exclusivamente para isso.
Agora, essas histórias acumularam-se com outras da minha vida pós-
PEJA, que também queria contar, mas acho que já esqueci muitas delas neste
período. Porém, o que me deixa tranquilo após essa troca de e-mails é ter a certeza
de que as nossas memórias do PEJA não se esgotaram e tampouco deixaram de
gerar outras (novas) reflexões, crises e indagações.
(Esse lance de colocar a palavra “outras” seguido pela palavra “novas”
entre parênteses é a marca da Maria Rosa, resolvi fazer uma média para atenuar o
nosso atraso na entrega do texto, veja se bola alguma coisa assim também).
Enfim, já exauri todas as minhas forças de escrita para este período
e espero que você termine o texto, mesmo que eu não te responda mais neste
processo, estarei ansioso para ler o seu texto e para ver os nossos nomes no livro
do PEJA-Rio Claro futuramente.
Um grande abraço,
Marcelo Pereira
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Ao mesmo tempo, sinto que fizemos tudo o que poderíamos fazer. Fomos
francos em nossos dizeres, radicais em nossa composição. Penso, sinceramente,
que produzimos algo novo e desafiador com essa breve experiência. Lembrando
que a proposta era que todos pudessem falar por meio destes escritos (educadores
e educandos), talvez tenhamos conseguido povoar estas páginas com muitas
vozes.
Enfim, como muitos (talvez milhões de vezes) já escreveram: é impossível
transformar estas experiências em palavras. Talvez seja, inclusive, impossível
teorizá-las! E, talvez, não se trate de uma dificuldade, mas de uma característica...
(aqui vai a minha parte para tentar compensar nosso atraso redigindo uma frase
tantas vezes e em tão variadas circunstâncias ditas pela Maria Rosa!).
Penso que todas essas nossas cartas eletrônicas poderiam ser seladas por
duas palavras: travessia e encontro. Travessia porque nossa república se chamava
travessia, porque a vida em Rio Claro era uma travessia e porque o PEJA foi uma
travessia e uma coisa que nos atravessou e nos transformou... Uma experiência, tal
como o texto do Larrosa (2002), que tantas vezes lemos, consultamos, citamos!
Encontro porque foi nos últimos meses de meu curso que conheci duas aulas de
Deleuze sobre Espinosa, por meio das quais conheci o quanto os encontros podem
ser vitais ou mortais, a depender dos afetos envolvidos. Vivemos, principalmente,
bons encontros, que nos aproximaram ao máximo de nossa potência de viver!
Gostaria, por fim, de agradecer esta última (?) parceria que realizamos
no âmbito do PEJA. Como poderíamos escrever isoladamente a respeito de
uma experiência que foi vivida também por meio de nossa parceria? Agradeço a
oportunidade de escrever estas duas dezenas de páginas contigo!
E que venham novas travessias e novos encontros!
Com ternura,
Silvio Munari
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Referências bibliográficas
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DELEUZE, G. Aula sobre Espinosa em 24/01/78, disponível em http://www.webdeleuze.com
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“FIGHT CLUB”. CLUBE DA LUTA. Direção de David Fincher. EUA: Vídeo Lar, 1999. 1
cassete (139 min): son.; 12mm., legendado, VHS NTSC.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
LARROSA, J. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Tradução de João Wanderlei
Geraldi. Revista Brasileira de Educação. ANPED, jan-abr, n. 19, 2002. p. 20-28.
______. Pedagogia Profana. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
NIETZSCHE, F. Ecce Homo: como alguém se torna o que é. 2.ed. Trad. Paulo César de Souza.
São Paulo: Editora Companha das Letras, 2007.
RANCIÈRE, J. O mestre ignorante: cinco lições sobre emancipação intelectual. Belo Horizonte:
Autêntica, 2002.
RESTREPO, L. C. O Direito à Ternura. 2.ed. Trad. Lúcia M. Endlich Orth. Petrópolis: Editora
Vozes, 2000.
160
Sobre os autores
161
Formato 16X23cm
Tipologia Adobe Garamond Pro
Tiragem 300
2012
Impressão e acabamento
Gráfica
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