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DIÁLOGOS ENTRE DEMOCRACIA, AGROECOLOGIA E

JUVENTUDES DO CAMPO

Resumo

O artigo propõe uma reflexão a respeito do papel que vêm desempenhando as juventudes
do campo na luta por ampliação da democracia no Brasil, a partir de observações
realizadas no IV Encontro Nacional de Agroecologia (IV ENA), realizado em Belo
Horizonte, em maio de 2018. Toma-se por base o conceito de democracia tal como
introduzido nas discussões propostas por Carlos Nelson Coutinho e Jacques Rancière,
considerando-se a aproximação entre as duas perspectivas no que concerne ao caráter
inconcluso e de permanente participação que caracteriza sua construção histórica. Nesse
sentido, as juventudes do campo são compreendidas como sujeito coletivo importante no
momento presente da história brasileira, por seu ativo papel, fruto de conquista do
movimento social organizado.

Palavras-chave: Democracia. Agroecologia. Juventudes do Campo.

DIALOGUES BETWEEN DEMOCRACY, AGROECOLOGY AND RURAL


YOUTH

Abstract

The article proposes a reflection on the role played by rural youth in the struggle for the
expansion of democracy in Brazil, based on observations made at the IV National Meeting
of Agroecology (IV ENA) held in Belo Horizonte in May, 2018. The concept of democracy
as introduced in the discussions proposed by Carlos Nelson Coutinho and Jacques Rancière
is taken into account, considering the approximation between the two perspectives
regarding the inconclusive character and permanent participation that characterizes its
historical construction. In this sense, the rural youths are understood as an important
collective subject in the present moment of Brazilian history, for their active role, fruit of
the conquest of the organized social movement.

Keywords: Democracy. Agroecology. Rural Youth.

DIÁLOGOS ENTRE DEMOCRACIA, AGROECOLOGÍA Y JUVENTUD


DEL CAMPO

Resumen

El artículo propone una reflexión sobre el papel que vienen desarrollando la juventud del
campo en la lucha por la expansión de la democracia en Brasil, desde observaciones

1
hechas en el 4 º Encuentro Nacional de Agroecología (IV ENA), celebrado en Belo
Horizonte en mayo de 2018. Fundamentado en el concepto de democracia como en los
debates propuestos por Carlos Nelson Coutinho y Jacques Rancière, teniendo en cuenta el
acercamiento entre las dos perspectivas sobre el carácter inacabado y permanente
participación que caracterizan su construcción histórica. En este sentido, la juventud del
campo es comprendida como un sujeto colectivo importante en la actualidad de la historia
brasileña, por su papel activo, el resultado de los logros del movimiento social organizado.

Palabras-clave: Democracia. Agroecología. Juventud del campo.

1. Introdução
Em maio de 2018 foi realizado em Belo Horizonte – MG o IV Encontro Nacional
de Agroecologia (IV ENA). O evento foi convocado pela Articulação Nacional de
Agroecologia (ANA), uma rede nacional formada por organizações, redes regionais e
movimentos sociais do campo, da floresta, das águas e das cidades, de abrangência
nacional e regional, juntamente com outros fóruns e articulações que atuam em torno de
pautas como o feminismo, a soberania e segurança alimentar e nutricional, saúde coletiva,
economia solidária, direito à cidade e justiça ambiental, com as quais a ANA vem
estabelecendo um processo de diálogo e convergência na ação política.
Dentre os sentidos políticos que nortearam a realização do IV ENA identificamos,
na carta convocatória do encontro, o objetivo de “[...] reafirmar os sentidos da democracia
e situar a agroecologia no campo de disputa por uma nova sociedade e promover um
diálogo entre campo e cidade” (CARTA CONVOCATÓRIA DO IV ENA, 2018, p. 2).
Sentido que ficou expresso no lema do encontro: “Agroecologia e democracia, unindo
campo e cidade”. A participação em alguns momentos desse encontro nos estimulou a
refletir mais sobre esta relação entre agroecologia e democracia, e de como as juventudes
do campo presentes no encontro se inseriram nesse debate.
Nesta reflexão procuramos dialogar com dois autores que abordaram a temática da
democracia. São eles: Carlos Nelson Coutinho, que no final da década de 1970 publica um
artigo defendendo a democracia como valor universal; e Jacques Rancière, que publica em
seu ensaio “Ódio à democracia”, uma análise de temas de grande complexidade que
envolvem as sociedades ditas “democráticas” na atualidade.
Procuramos, inicialmente, situar as reflexões destes dois autores em torno da
questão da democracia, mas, também, esclarecer o referencial adotado no tratamento de
outras duas categorias centrais neste artigo, quais sejam: “Agroecologia” e “Juventudes do
Campo”. A seguir, procuramos fazer uma reflexão sobre os sentidos de democracia, ou da
“luta democrática”, adotados pelos participantes do IV ENA em seu esforço de articular a
luta pela agroecologia como sendo, também, uma luta para o aprofundamento da
democracia. E finalmente, a partir do que presenciamos neste encontro e do conteúdo da
carta política da plenária das juventudes realizada durante o mesmo, procuramos identificar
os posicionamentos das juventudes do campo e levantar algumas questões neste debate,
antes de finalizar com algumas considerações gerais em relação ao tema do artigo.

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2. Democracia, Agroecologia e Juventudes do Campo.
Necessário se faz, logo de início, evidenciar o entendimento adotado e o referencial
teórico utilizado em relação a algumas categorias chave presentes nesta análise, a saber:
“Democracia”; “Agroecologia” e “Juventudes do Campo”.
A concepção de democracia, na qual nos baseamos neste trabalho, parte das ideias
de Carlos Nelson Coutinho que, no período de abertura democrática, ainda na década de
1970, final da ditadura militar no Brasil, vem defender a democracia como um valor
universal. Independente do fato de que o conjunto das liberdades democráticas, em sua
forma moderna, tenha tido sua gênese histórica nas revoluções burguesas (mais
precisamente nos amplos movimentos populares que terminaram por abrir espaço político
necessário à consolidação e reprodução da economia capitalista), sua validade permanece,
mesmo quando temos em mente a construção do socialismo (COUTINHO, 1979).
Coutinho (1979) desenvolve seus argumentos exatamente procurando mostrar que o
vínculo entre socialismo e democracia sempre marcou, desde a sua origem, o pensamento
marxista, gerando calorosos debates entre aqueles que viam a democracia apenas como
tática, uma vez que não passa de uma nova forma de dominação da burguesia, e aqueles
que sustentam que as inúmeras objetivações ou formas de relacionamento social, que
compõem o arcabouço institucional da democracia política, não perdem seu valor.
Destacando que muitos dos institutos da democracia política vigentes nas
sociedades capitalistas foram decorrentes da luta dos trabalhadores e movimentos sociais
organizados, Coutinho (1979) nos diz que, tanto no período de transição, quanto no
socialismo já realizado, sempre haverá interesses e opiniões divergentes sobre inúmeras
questões concretas, e é necessário que haja uma forma de representação adequada para tais
interesses divergentes. O autor afirma:
A pluralidade de sujeitos políticos, a autonomia dos movimentos de massa (da
sociedade civil) em relação ao Estado, a liberdade de organização, a legitimação
da hegemonia através da obtenção do consenso majoritário: todas essas
conquistas democráticas, portanto, continuam a ter pleno valor numa sociedade
socialista. (COUTINHO, 1979, p. 36)
Em função disso, Coutinho propõe a democracia como valor estratégico
permanente, porque ela é condição, tanto para a conquista, quanto para a consolidação e
aprofundamento dessa nova sociedade. Aprofundamento que irá exigir “[...] novos
institutos políticos que não existem, ou existem apenas embrionariamente, na democracia
liberal clássica” (COUTINHO, 1979, p. 37). Neste sentido, não é somente a socialização
dos meios de produção que se deve buscar no socialismo, mas também uma progressiva
socialização dos meios de governar, através de uma crescente articulação entre
mecanismos de participação popular direta e indireta, que permita ampliar o grau de
representatividade na medida em que essa participação se torne um local de síntese política
dos vários sujeitos coletivos. Essa síntese seria necessária para que esses sujeitos coletivos
não fiquem reféns da defesa corporativista e de interesses puramente grupais e

3
particularistas, porque a sociedade civil dessa forma atomizada serve objetivamente à
dominação burguesa.
Por outro lado, buscamos dialogar, também, com outra referência no debate mais
atual sobre a democracia: a contribuição do filósofo franco-argelino Jacques Rancière em
seu ensaio “Ódio à democracia”, publicado na França em 2005 e lançado no Brasil em
2014, em um contexto de muitos questionamentos sobre os caminhos da democracia no
país. Rancière parte de uma análise histórica e crítica acerca da democracia e problematiza
os dilemas contemporâneos relacionados a esse modo de vida social e político, para além
de uma forma de Estado.
O ódio à democracia, para Rancière (2014), é um fenômeno de longa duração, não
sendo novidade, mas tão antigo quanto a própria noção de democracia. Isso porque essa
noção colocou em xeque a ideia de que o poder seria destinado, de forma natural ou divina,
ao governante. O filósofo chama a atenção para aquilo que considera essencial na
experiência histórica ateniense: a introdução do sorteio, sobrepondo-se aos títulos de
nascimento ou decorrentes de atributos especiais. Os setores privilegiados da sociedade
nunca aceitaram de bom grado a ausência de títulos para governar, ou para ingressar nas
classes dirigentes. E esta é a principal implicação prática do regime democrático na esfera
política, que deriva do principal atributo da democracia, da sua essência: a pressuposição
da igualdade entre os cidadãos.
Contudo, Rancière (2014) nos alerta sobre um novo sentimento antidemocrático,
que emergiu nas décadas finais do século XX, ainda mais perturbador, segundo o qual se
diz que um governo democrático é ruim “[...] quando se deixa corromper pela sociedade
democrática que quer que todos sejam iguais e que todas as diferenças sejam respeitadas”
(RANCIÈRE, 2014, p. 10). Por outro lado, se diz que um governo democrático é bom
quando “[...] mobiliza os indivíduos apáticos da sociedade democrática para a energia da
guerra em defesa dos valores da civilização” (RANCIÈRE, 2014, p. 10), para expandir a
“democracia” aos países com regimes “totalitários”, “fundamentalistas”. Isto posto,
Rancière (2014, p. 11) formula uma tese simples que resume esse novo ódio à democracia:
“[...] só existe uma democracia boa, a que reprime a catástrofe da civilização democrática”.
Rancière (2014) retoma, então, a crítica aos princípios do modelo democrático
representativo, entendido como um regime de funcionamento do Estado com base
parlamentar e constitucional, mas edificado principalmente para garantir o privilégio das
elites que queriam governar em nome do povo, mas sem a sua participação direta.
Justificado como imperativo em sociedades complexas, onde seria impossível uma
participação direta do povo no governo, esse sistema, ao ser elaborado pelos legisladores e
intelectuais modernos, se baseava na “cidadania censitária”, onde só alguns eram
considerados cidadãos, com a clara intenção de priorizar a participação das classes
proprietárias. Somente com muitas lutas populares, travadas em variados âmbitos,
permitiu-se uma gradual expansão para outros segmentos sociais, até se chegar ao sufrágio
universal. Neste ponto, podemos ver uma convergência com o ponto de vista de Coutinho

4
(1979), de que os institutos da democracia política só avançaram em decorrência da luta
dos trabalhadores.
Também para Rancière (2014, p. 70) não faz sentido “[...] opor as virtudes da
democracia direta às mediações e aos desvios da representação, ou apelar das aparências
mentirosas da democracia formal diante da efetividade de uma democracia real”. Nas
democracias, as formas jurídico-políticas não repousam sobre uma única e mesma lógica,
mas há sempre uma forma mista, fundamentada inicialmente no privilégio das elites, mas
que é desviada, ao longo do tempo pelas lutas democráticas, de sua função. O sufrágio
universal é justamente uma forma mista, nascida da oligarquia, desviada pelo combate
democrático.
Há outro argumento colocado por Rancière (2014, p. 72), importante para a análise
que pretendemos neste artigo, que diz respeito à privatização da esfera pública. Seu
argumento parte da constatação da existência de uma esfera pública “[...] que é uma esfera
de encontro e conflito entre as duas lógicas opostas da polícia 1 e da política, do governo
natural das competências sociais e do governo de qualquer um”, e que a tendência dos
governos tem sido de estreitar essa esfera pública, tornando-a um assunto privado e,
portanto, restrito a grupos específicos. Assim:
[...] a democracia, longe de ser a forma de vida dos indivíduos empenhados em
sua felicidade privada, é o processo de luta contra essa privatização, o processo
de ampliação dessa esfera. Ampliar a esfera pública não significa, como afirma o
chamado discurso liberal, exigir a intervenção crescente do Estado na sociedade.
Significa lutar contra a divisão do público e do privado que garante a dupla
dominação da oligarquia no Estado e na sociedade. (RANCIÈRE, 2014, p. 72).
Rancière (2014) propõe, deste modo, uma concepção de democracia como valor
desvinculado de instituições governamentais específicas, com seu caráter inconcluso e sua
permanente e urgente necessidade de ampliação da esfera pública pelos sujeitos políticos.
Buscaremos, agora, delimitar nosso entendimento e nossas referências sobre a
categoria “agroecologia”. O uso contemporâneo do termo data dos anos 1970, no entanto,
o conhecimento e a prática da agroecologia remontam às origens da agricultura. Na medida
em que pesquisadores exploravam as agriculturas indígenas – as que são relíquias
modificadas de formas agronômicas mais antigas – ficava notório que muitos sistemas
agrícolas desenvolvidos em nível local incorporavam mecanismos para acomodar os
cultivos às variáveis do meio ambiente natural. O estudo das chamadas agriculturas
tradicionais, indígenas ou camponesas, revelou sistemas agrícolas complexos, porém
adaptados às condições locais (HECHT, 2002), descortinando estratégias adaptativas com
base em conhecimentos tradicionais gerados durante muitos e muitos ciclos produtivos,
transmitidos entre gerações.
Com o avanço do conhecimento sobre essas culturas tradicionais, foi perdendo
força a ideia, preconcebida pela sociedade industrial-urbana, de que suas práticas agrícolas
eram primitivas e insuficientes. Afirmou-se, em contraposição, a ideia do caráter adequado

1
O sentido de “polícia” aqui, seguindo Rancière, é o de conjunto de leis e disposições cujo objetivo é
assegurar a ordem, a moralidade e a segurança física e patrimonial em uma sociedade.

5
e sofisticado dos mesmos em relação ao manejo do ecossistema e sua importância para
melhorar os sistemas atuais (ALTIERI, 2002). Fortemente vinculada a fontes ancestrais de
conhecimento, a agroecologia revaloriza o saber popular (tradicional ou indígena) como
fonte de inspiração para modelos que possam ter validade nas condições atuais. A
valorização desses conhecimentos não desautoriza os achados do método científico, ao
contrário, considera a grande importância das duas fontes e a relação positiva entre elas.
Para Caldart (2016), a agroecologia surge enquanto resultado das próprias
contradições do modo capitalista de se fazer agricultura e, de forma dialética, produto
também da resistência histórica de camponeses que não se sujeitam à lógica de reprodução
do capital, e promovem a reprodução ampliada da vida ancorados em conhecimentos
tradicionais, mediados pelo trabalho camponês. A relação orgânica entre a agricultura
camponesa e a agroecologia “[...] vem se tornando uma referência fundamental para se
pensar a reconstrução ecológica da agricultura no mundo, desde um referencial político e
epistemológico vinculado ao polo do trabalho” (CALDART, 2016, p. 308).
Portanto, adotamos aqui o conceito de agroecologia como ciência, prática e
movimento (WEZELL et al., 2009). Como ciência, a agroecologia se caracteriza por ser
multidisciplinar, aportando as bases do novo paradigma científico, que procura ser
integrador, sistêmico. Foi a partir do diálogo entre cientistas e camponeses, na diversidade
de conhecimentos e de técnicas desenvolvidas na agricultura camponesa que se
desenvolveu a abordagem da agroecologia enquanto ciência (CALDART, 2016). Como
prática, a agroecologia resgata e ressignifica práticas tradicionais de manejo dos
agrossistemas com uso de recursos locais (recursos biológicos, naturais e também
conhecimentos) que promovem a autonomia dos camponeses (PLOEG, 2008). Como
movimento, a agroecologia se vincula às lutas pela construção da agricultura camponesa
no século XXI, a qual abarca a socialização da propriedade da terra (e a reforma agrária
popular), a diversidade cultural dos povos do campo e as diferentes formas de trabalho
camponês (CALDART, 2016).
No Brasil, esse “movimento agroecológico” tem como uma das formas mais
importantes de expressão e incidência política a constituição da Articulação Nacional de
Agroecologia, que, dentre outras ações, realizou quatro encontros nacionais, envolvendo
um conjunto amplo de sujeitos do campo2 (MONTEIRO; LONDRES, 2017). Esse
movimento tem uma identidade, que se contrapõe a sujeitos políticos que constroem um
modelo de desenvolvimento baseado no agronegócio, que tem contribuído para organizar e
conscientizar a sociedade a partir de sua própria experiência, que busca articular um
2
Na carta política do IV ENA, são identificados os seguintes participantes no encontro: trabalhadores e
trabalhadoras do campo, das florestas, das águas e das cidades, portadores de diferentes identidades
socioculturais (povos indígenas de 31 etnias, quilombolas, agricultores e agricultoras familiares, camponesas
e camponeses, extrativistas, pescadores e pescadoras artesanais, faxinalenses, agricultoras e agricultores
urbanos, geraizeiras e geraizeiros, sertanejos e sertanejas, vazanteiros e vazanteiras, quebradeiras de coco,
caatingueiros e caatingueiras, criadores e criadoras em fundos e fechos de pasto, seringueiros, representantes
de comunidades ribeirinhas, de povos tradicionais de matriz africana e povos de terreiro, técnicos e técnicas,
educadores e educadoras, pesquisadores e pesquisadoras, extensionistas e estudantes), além de gestores
públicos, representantes da cooperação internacional e de aliados da agroecologia vindos de 14 países da
América Latina e Caribe e da Europa. Com a presença majoritária de trabalhadores e trabalhadoras rurais.

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projeto de vida e de sociedade no qual a agroecologia ocupa um lugar de destaque, enfim,
que apresenta um ideário civilizatório que coloca como horizonte a construção de uma
sociedade democrática3.
Finalizando pela categoria “juventudes do campo”, é necessário deixar claro de que
juventude estamos falando, dado que o termo assim genérico dá margem a diferentes
interpretações sobre o que consideramos como “juventude” e especificamente como
“juventudes do campo”. Juventude é uma categoria controversa, sendo difícil se chegar a
um acordo sobre sua delimitação (CASTRO, 2009; LEÃO; CARMO, 2014;
WEISHEIMER, 2015). Para Weisheimer (2015) juventude é uma categoria que resulta de
uma construção social, cultural e histórica complexa e que resiste a simplificações, não se
constituindo e explicando somente por princípios naturais e determinações biológicas. O
período compreendido como juventude é representado na sociedade com uma variedade de
significados e de definições que podem ultrapassar as determinações de faixa etária, uma
vez que abrangem as relações sociais que estabelecem com o mundo e o papel que ocupam
nos espaços sociais que a permeiam.
Castro (2009) também adverte que definições de juventude com base na faixa etária
costumam ser homogeneizadoras e, por isso, não devem ser naturalizadas. Considerar a
juventude como transitoriedade, entre a infância e a vida adulta, demonstra e reforça as
relações desiguais de poder que culminam em hierarquias sociais, assim como expressado
por ela:
Privilegiar a característica de transitoriedade nas percepções sobre juventude
transfere para aqueles assim identificados, a imagem de pessoas em formação,
incompletos, sem vivência, sem experiência, indivíduos, ou grupo de indivíduos
que precisam ser regulados, encaminhados. Isso tem implicações desde a
dificuldade de conseguir o primeiro emprego, até a deslegitimação da sua
participação em espaços de decisões (CASTRO, 2009, p.188).
Portanto, não se usa aqui o termo juventude como fase de transição, subordinada à
hierarquia social (CASTRO, 2009), mas optamos por referir as juventudes no plural, isto é,
com múltiplas identidades (de gênero, classe social, raça, etnia, sexualidade, origens e
lugares onde vivem) na construção e transformação do presente, como atores políticos e
como sujeitos de direitos (NOVAES, 2007).
Optamos, ainda, pela categoria juventudes do campo em função de a juventude
rural, como categoria aglutinadora, carregar uma perspectiva homogeneizadora, reflexo da
disputa pela constituição de identidades políticas, que obscurece a diversidade dos povos,
territórios, modos de produção e de vida (CASTRO, 2015). Consideramos essa diversidade
essencial em uma análise que busca articular essa categoria com a agroecologia e
democracia. Ainda segundo Castro (2015, p. 287), “[...] juventude do campo é sem dúvida
uma categoria que contribui para a problematização das múltiplas realidades e identidades
do campo”, permitindo recortes identitários e que dizem respeito às contradições do
desenvolvimento no campo.
3
Portanto, o “movimento agroecológico” é assumido aqui como um movimento social, tal como propõe
Gohn (2011, p. 335), como “[...] ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam
formas distintas de a população se organizar e expressar suas demandas”.

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3. Os sentidos da democracia para os participantes do IV ENA
Para buscarmos um diálogo com as análises realizadas por Coutinho (1979) e
Ranciére (2014), acerca da concepção de democracia e dos desafios a que esta se vê
confrontada, é preciso, em primeiro lugar, considerar o contexto em que se realiza o IV
Encontro Nacional de Agroecologia, que leva seus organizadores a definirem como lema
do encontro: “Agroecologia e Democracia: unindo campo e cidade”.
No Brasil, o chamado “movimento agroecológico” percorreu uma trajetória de
acúmulo em sua capacidade em estabelecer diálogos cada vez mais densos com outros
movimentos sociais e com a sociedade no sentido mais amplo. Isso tornou-se possível a
partir de uma inovadora prática política assentada na realização de leituras compartilhadas
sobre os conflitos e projetos em disputa no campo brasileiro; na sistematização
participativa de experiências que evidenciam a contribuição da agroecologia no importante
papel que a agricultura familiar camponesa e populações tradicionais cumprem para o
conjunto da sociedade; na realização de caravanas agroecológicas e culturais, dentre outras
atividades coletivas. Além de dar visibilidade aos impactos positivos das experiências,
assim como aos conflitos que ameaçam ou limitam a expansão da agroecologia, tais ações
contribuíram para o movimento agroecológico tecer alianças políticas importantes com
outras redes e movimentos da sociedade civil4 (MONTEIRO; LONDRES, 2017).
Como resultado da maior articulação e visibilidade de suas propostas, o movimento
pela agroecologia logrou incidir na formulação da Política Nacional de Agroecologia e
Produção Orgânica - PNAPO, que envolveu vários ministérios e teve dois Planos
Nacionais implementados (PLANAPO I e II), respectivamente em 2012 e 2015. A
instituição da PNAPO é um marco histórico de grande relevância para o movimento
agroecológico, tendo a ANA desenvolvido um processo muito rico e mobilizador na
construção das propostas que foram apresentadas ao governo federal (MONTEIRO;
LONDRES, 2017), processo este que contribuiu sobremaneira no fortalecimento da
identidade e coesão do próprio movimento agroecológico.
Entretanto, o golpe parlamentar-jurídico-midiático que destituiu Dilma Roussef da
presidência da república, em 2016, trouxe consigo um enorme retrocesso no plano dos
direitos sociais e humanos, assim como das políticas públicas duramente conquistadas nos
anos recentes. Nesse novo contexto sociopolítico, de perplexidade, de criminalização dos
movimentos sociais, de baixa capacidade política e operacional das organizações, a luta
pela democracia assume grande centralidade política na pauta dos movimentos populares.
Para aqueles que se posicionam junto à classe trabalhadora é importante disputar a leitura
da natureza da crise vivenciada na atualidade e as possíveis saídas. Torna-se necessário

4
Tais como: Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia); Fórum Brasileiro
de Economia Solidária (FBES); Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA); Fórum Brasileiro de
Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN); Grupo de Trabalho de Saúde e Ambiente
da Associação Brasileira de Pós Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO); Rede Alerta contra
o Deserto Verde (RADV); Marcha Mundial das Mulheres (MMM); Articulação de Mulheres Brasileiras
(AMB).

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pensar sobre novos passos nas diferentes esferas da vida social degradadas pelo
capitalismo, buscando ampliar as possibilidades contraditórias de lutas contra-hegemônicas
que as crises carregam.
Na Carta Política produzida no IV ENA, podemos identificar o significado desse
encontro nacional na continuidade da ação política do movimento agroecológico, quando
menciona que os diversos eventos preparatórios do encontro “[...] contribuíram para
fortalecer nossas articulações e redes locais, estaduais e regionais e para atualizar a nossa
identidade em torno a valores, princípios e práticas que convergem para uma mesma
direção: Democracia e Bem Viver” (CARTA POLÍTICA DO IV ENA, 2018, p. 1). A carta
traz denúncias relativas à “[...] violência e o autoritarismo do latifúndio, dos monocultivos,
da mineração, das obras de hidrelétricas e demais projetos do grande capital” (p.1), e ao
“[...] sistemático apoio político, econômico e ideológico dado pelo Estado brasileiro a esses
projetos” (p. 2), como conflitos existentes no país já há algum tempo. Entretanto, o
documento coloca em evidência o retrocesso decorrente do golpe de 2016, assim como a
centralidade do debate sobre a democracia nesse contexto, o que se evidencia nos seguintes
trechos da carta:
Essa trajetória virtuosa marcada por conquistas, mas também por profundas
contradições, sofreu uma ruptura com o golpe parlamentar-jurídico-midiático
que destituiu em 2016 o governo eleito com mais de 54 milhões de votos. Após o
golpe, assistimos ao mais poderoso cerco contra conquistas democráticas desde o
Golpe Civil-Militar de 1964. No plano institucional, o efeito imediato dessa
ruptura perpetrada por forças usurpadoras da democracia foi o desmonte
sistemático de políticas públicas duramente conquistadas pela sociedade
brasileira nos últimos 30 anos, desde a promulgação da Constituição Federal de
1988” (CARTA POLÍTICA DO IV ENA, 2018, p. 3).
Permaneceremos mobilizados a partir de nossos territórios na luta para que a
agroecologia e o protagonismo da sociedade civil organizada sejam reconhecidos
e promovidos pelas políticas públicas do Estado em todos os níveis e esferas de
poder. No imediato, isso significa nossa defesa enfática da realização de eleições
livres e democráticas. Significa também somarmos nossa voz em defesa da
liberdade do ex-presidente Lula” (CARTA POLÍTICA DO IV ENA, 2018, p. 5).
Tendo em vista a similaridade do contexto em 2018 com aquele no qual Coutinho
(1979) publicou seu texto (período final da ditadura militar), pelo menos em relação aos
retrocessos vivenciados na democracia representativa no país 5, podemos dizer que há uma
certa convergência do posicionamento atual do movimento agroecológico com o que este
autor propunha, naquela época, em termos de ação prioritária: derrotar o regime autoritário
de exceção implantado no país e lutar para o restabelecimento de institutos democráticos.
“[...] A questão da democracia, inclusive em seus limites puramente formal-liberais, é
assim a questão decisiva da vida brasileira de hoje” (COUTINHO, 1979, p. 41). Na
atualidade, a retomada da normalidade das regras democráticas significa, para o

5
Não há dúvidas sobre os retrocessos na democracia representativa no Brasil a partir de 2016 e de que
vivenciamos hoje, igualmente, um estado de exceção, quando uma presidenta legitimamente eleita é deposta
pelo congresso nacional, sob um argumento falacioso, e quando o candidato às últimas eleições presidenciais,
portador de elevadíssimo índice de preferência dos eleitores brasileiros, é preso a partir de um julgamento
eivado de irregularidades, denunciadas no país e no exterior, tanto por juristas como por diferentes
personalidades de renome.

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movimento agroecológico, a possibilidade de continuar lutando, no campo institucional,
para o aprofundamento das políticas públicas de promoção da agroecologia.
Em outros dois trechos da carta política, os participantes do IV ENA destacam
outras dimensões de sua ação, que vão além da luta institucional:
Apesar da gravidade dos riscos iminentes ao atual momento histórico, a
oportunidade de nos encontrarmos para debater os horizontes abertos à
democratização da sociedade a partir de nossas vivências nos dá a certeza que
somos portadores de boas notícias e de caminhos alternativos para a superação
da lógica do capital que dilacera a sociedade e dilapida a natureza. (CARTA
POLÍTICA DO IV ENA, 2018, p. 4)
Constatamos que nosso movimento se amplia e se enriquece pela construção de
alianças políticas e pelo crescente engajamento de outros movimentos e coletivos
que lutam pela democracia e pela sustentabilidade da vida [...]. (CARTA
POLÍTICA DO IV ENA, 2018, p. 5)

Percebemos, assim, que as ações e análises realizadas pelo movimento


agroecológico convergem em outros aspectos com aquilo que foi enunciado, não só por
Coutinho (1979), como também por Rancière (2014), na medida em que esse movimento
busca implementar uma estratégia de constituir uma esfera pública voltada ao debate sobre
os rumos desenvolvimento para o campo no Brasil. Debate esse ainda hegemonizado, no
Estado e na sociedade, pelo agronegócio, que propõe e implementa um modelo baseado na
monocultura e no latifúndio, orientado a explorar a natureza de forma predatória para a
produção de commodities e, segundo a carta política do IV ENA, “[...] ancorado no
chamado ‘livre mercado’, que concebe a terra de trabalho e de vida como uma mercadoria
como outra qualquer a ser transacionada nos circuitos do capital financeiro especulativo”.
(CARTA POLÍTICA DO IV ENA, 2018, p. 2)
Ora, essa não é uma questão de caráter particularista, que tem a ver somente com os
interesses dos agricultores, populações tradicionais etc. É uma questão que interessa a toda
a sociedade, que tem a ver a democratização do consumo de alimentos de qualidade, com a
segurança e soberania alimentar e nutricional da população brasileira, com a degradação
dos recursos naturais (solos, água, biodiversidade) e a contaminação do meio ambiente a
partir do uso abusivo de agrotóxicos, que afetam a vida de toda a população.
Coutinho (1979) já naquele período de abertura democrática, pós 1964, era enfático
ao colocar a necessidade de um processo de renovação democrática de “baixo pra cima”,
de ampliar a organização e a articulação dos vários sujeitos políticos coletivos de base,
lutando, ao mesmo tempo, por sua unificação, mas respeitando sua autonomia e
diversidade, formando um bloco democrático e popular capaz de disputar a hegemonia no
Estado e na sociedade.
Rancière (2014) nos aporta uma grande contribuição nesse debate, na medida em
que sua defesa também é pela ampliação da esfera pública, no sentido do reconhecimento
da igualdade dos sujeitos políticos, como forma de conseguir que seja reconhecido o
caráter público de tipos de espaços e de relações que são deixados à mercê do poder da
riqueza, dos interesses do capital. Essa ampliação significou, por exemplo, a possibilidade

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de lutar para que todos e todas pudessem participar de eleições, como eleitores ou
candidatos; mas implicou, também, todas as lutas para afirmar o caráter público de
relações, instituições e espaços considerados privados, mas que, na realidade, são uma
questão pública, pois dizem respeito à coletividade, e dependem de formas de ação
coletivas e da discussão pública. Significa, portanto, para o movimento agroecológico, a
possibilidade de seguir na sua luta, de demonstrar por que interessa à sociedade apoiar a
agroecologia. Significa, enfim, a possibilidade de constituição de um campo de relações
sociais que acenam para um elenco múltiplo de conflitos sociais e de novos atores para as
lutas, muitos deles silenciados até então, como as mulheres e os /as jovens do campo.

4. Juventudes do campo em luta pela agroecologia e pela democracia


Dentre os sujeitos políticos que vêm crescentemente assumindo um papel
protagonista no movimento agroecológico estão as juventudes do campo, que têm
organizado sua plenária específica no espaço dos encontros nacionais desde o III ENA,
como forma de lutar, dentro do próprio movimento, para inclusão e debate de suas pautas
próprias. Não como pautas particulares, mas como questões a serem enfrentadas pelo
conjunto do movimento e pela sociedade.
As juventudes reunidas em sua plenária no IV ENA analisaram que o
reconhecimento da/o jovem como sujeito de direito é algo recente no Brasil. Ao nível
federal, somente a partir de 2005 ampliaram-se políticas públicas específicas para as
juventudes, especialmente aquelas relacionadas à educação (REUNI, PROUNI, Ciências
Sem Fronteiras, PROJOVEM, ENEM, Estações da Juventude, Residência Agrária,
PRONATEC, Juventude Viva etc.). Em 2013, a partir da luta e incidência política dos
movimentos sociais e das organizações juvenis, alcançou-se a aprovação do Estatuto da
Juventude e, com a Conferência Nacional de Juventude realizada em 2015, conseguiu-se a
aprovação do Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural, sendo este considerado um
importante momento de visibilidade das juventudes do campo, das águas e das florestas.
No entanto, os movimentos de juventudes, que já vinham pautando a real efetivação
dessas políticas públicas e seu aperfeiçoamento através de uma maior participação das/os
jovens em sua construção, execução e monitoramento, percebem que esse contexto de
conquistas, mas também de contínua luta e resistência, foi atravessado, também, pelo golpe
de 2016, que acelerou os processos de sucateamento e retirada de direitos das juventudes e
da sociedade como um todo.
Em suas propostas, enquanto sujeitos políticos do movimento agroecológico, as
juventudes do campo propõem ações em torno de três eixos centrais: formação,
mobilização e organização (CARTA PLENÁRIA DAS JUVENTUDES, 2018). São ações
voltadas tanto para dentro do próprio movimento agroecológico, quanto para a ampliação
do diálogo com a sociedade, especialmente com as juventudes das cidades, ou seja,
voltadas para a construção e ampliação de uma esfera pública onde se aprofunde o debate,
inclusive, das questões específicas das juventudes.

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Um aspecto que chama a atenção, na carta da plenária das juventudes, assim como
em suas manifestações durante o IV ENA, é a ênfase dada ao machismo e à discriminação
da juventude LGBT no campo, dando uma centralidade ao seguinte desafio:
Fazer o enfrentamento sobre essa perspectiva do machismo, do patriarcado,
sobretudo de dar visibilidades sobre o contexto da juventude LGBT no rural e no
urbano levando em consideração que o tabu é mais presente no campo,
fortalecendo a violência física e simbólica [...]. (CARTA PLEÁRIA DAS
JUVENTUDES, 2018, p. 1)

Estes são, sem dúvida, temas bastante sensíveis no debate sobre as juventudes do
campo, muitas vezes negligenciados, não só nos estudos sobre essas juventudes, mas
também, como indica o posicionamento dos jovens e das jovens presentes no IV ENA, no
próprio movimento agroecológico. O debate, no movimento agroecológico, acerca do
machismo e do patriarcado e sua relação antagônica com as propostas da agroecologia já
não é tão recente, o que pode ser visto nas cartas políticas dos encontros anteriores. Mas foi
um debate protagonizado pelas mulheres, adultas e jovens. A novidade é ser colocado
agora, também, pelos jovens, rapazes, que destacam ser esse um tabu, especialmente no
campo. Esses são temas extremamente relevantes quando se busca estabelecer um debate,
um diálogo, sobre a relação entre agroecologia e democracia.
Levantaremos, neste momento, algumas questões a serem aprofundadas, ou
desafios, relativos às análises e proposições feitas pelos jovens e pelas jovens participantes
do IV ENA, que remetem ao pensamento exposto anteriormente por Rancière (2014), mas
para os quais recorremos às contribuições de Sposito (2014).
Em primeiro lugar, é preciso que se faça uma reflexão sobre o significado dessa
emergente institucionalidade presente nos Conselhos de Juventude, expressa pelos jovens
participantes do IV ENA como um momento de avanço democrático, embora, de certa
forma, interrompido pelo golpe de 2016. Um movimento social pode contribuir para gerar
institucionalidades, mas uma forte institucionalidade não significa necessariamente a
existência de um movimento que seja ativo e capaz de sustenta-la. Esta é uma reflexão que
pode ser válida também em relação ao investimento feito pelo movimento agroecológico
na constituição do Conselho Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.
Sposito (2014) argumenta que a institucionalidade dos Conselhos de Juventude
deriva mais de uma conjuntura favorável criada pelo governo Lula do que propriamente da
capacidade de mobilização e de organização dos jovens, em seus vários movimentos. Este
é um tema complexo, uma vez que os organismos de participação criados não
necessariamente se constituam de fato em arenas de agregação e de disputa de coletivos
juvenis diversos. Pode estar ocorrendo um predomínio de grupos que já têm uma tradição
mais institucionalizada (juventudes partidárias ou de organizações da sociedade civil), em
detrimento de novas interações com atores coletivos emergentes. Segundo esta autora:
Se a conjuntura favorável criou um campo importante de disputa simbólica em
torno das representações sobre os jovens na sociedade brasileira, as relações
mais porosas entre governos e segmentos juvenis ainda não constituem
realidades que ofereçam elementos novos para a consolidação da democracia,

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tendo como ponto de partida os espaços onde de fato estão os jovens: nas
grandes e pequenas cidades, nas vilas, nos assentamentos rurais e nas
comunidades litorâneas da sociedade brasileira. (SPOSITO, 2014, p. 123)

Em segundo lugar, cabe uma reflexão sobre o desafio inerente à proposição, pelos
jovens, de temas considerados tabu no meio rural, como são a questão do machismo e,
especialmente, da discriminação da juventude LGBT no campo. Não se pode naturalizar
essa manifestação coletiva como portadora de uma radicalidade emancipatória, da mesma
forma que não se pode desconfiar e ser cético em relação à sua legitimidade enquanto
expressão desse coletivo de juventudes do campo. Trata-se de um tema novo e emergente
no movimento agroecológico e precisa ser tratado em sua complexidade.
Em sua reflexão sobre ação coletiva, jovens e engajamento militante, Sposito
(2014) nos alerta sobre uma armadilha a que estamos sujeitos na análise de práticas sociais
marcadas pela ambiguidade e por seu caráter inconcluso e que pode ser útil nesse desafio
em específico. A autora nos alerta sobre “[...] a valorização excessiva dos momentos de
visibilidade das manifestações coletivas como se eles assinalassem todas as dimensões da
luta social” (SPOSITO, 2014, p. 115). Essa atitude poderia nos levar, por um lado, a uma
ideia de que a questão trazida por esse coletivo de jovens se esgota nesse momento de
visibilidade do IV ENA, obscurecendo os momentos em que suas práticas estão submersas
e não visíveis.
Lembremos de que as mulheres do movimento agroecológico criaram momentos
específicos e de pouca visibilidade para que aflorasse, por exemplo, o tema da violência
doméstica a que estão submetidas no campo, para, em seguida, trazê-la como uma questão
política para o movimento agroecológico, denunciando sua incongruência com a proposta
da agroecologia. Da mesma forma, talvez os jovens e as jovens precisem criar as condições
de possibilidades na vida cotidiana para inventar novas formas de solidariedade e novas
capacidades de ação. Para Sposito (2014), não se deve negar a importância da
manifestação, da ocupação de espaços públicos e os conflitos, mas, para avançarmos em
nossa compreensão dessas questões, é preciso estarmos atentos aos momentos de aparente
silenciamento e da aparente ausência de ação.

5. Considerações finais
Uma questão importante a se destacar nestas considerações finais é o caráter
educativo da participação dos/das jovens no movimento agroecológico e na organização do
ENA. Se partimos de uma concepção ampla de educação, que não se resume à educação
escolar, é possível afirmar que este é um espaço de muitas aprendizagens e produção se
saberes. Saberes relacionados não somente aos conteúdos dos diferentes temas e
experiências compartilhadas e colocadas em debate, mas também aqueles que se
desenrolam no ato de participar do processo de mobilização e organização das juventudes,
no movimento e no próprio encontro. A forma como se organiza o movimento, e o
encontro, dando centralidade aos saberes e experiências dos sujeitos camponeses, em suas
diversas expressões, assim como à dinâmica horizontal de troca e construção de

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conhecimento, pode contribuir na formação de cidadãs e cidadãos democráticos, e na busca
de alternativas democráticas à construção da educação.
Ainda podemos dizer que a agroecologia, enquanto movimento, promove a
democracia, na medida em que esse movimento tem possibilitado a participação, a
formação e o protagonismo dos diferentes sujeitos camponeses que o constituem:
agricultores/as e populações tradicionais do campo, das águas e das florestas, estudantes,
técnicos/as, pesquisadores/as, homens, mulheres, jovens... Além disso, tem sido capaz de
ampliar continuamente uma esfera pública destinada a debater a importância da
agroecologia para o conjunto da sociedade, assim como a necessidade de políticas públicas
destinadas à sua ampliação e consolidação.
Também enquanto ciência e prática, podemos ver uma relação entre agroecologia e
democracia, na medida em que diferentes conhecimentos, oriundos da ciência e do saber
popular, são colocados em relação, em diálogo, re-significando práticas de manejo dos
agroecossistemas voltadas para a satisfação das necessidades da sociedade, de manutenção
da vida, e não só da reprodução do capital.
Entendendo democracia como um conceito que não se esgota nos mecanismos de
representação e nas formas institucionalizadas que constituem a sociedade capitalista e o
Estado burguês, o compromisso com sua construção nunca encontra um ponto de chegada.
A atenção, valorização e reflexão sobre as ações dos sujeitos sociais, aqui voltada para as
juventudes do campo, inserem-se nesse movimento que busca fortalecer as conquistas
democráticas na ampliação do espaço público.
Enfim, sem democracia não se valoriza e se fortalece o protagonismo das
juventudes do campo. Sem democracia não há agroecologia.

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