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Revista Latino-Americana de História

Vol. 1, nº. 3 – Março de 2012


Edição Especial – Lugares da História do Trabalho
© by RLAH

Trabalho escravo na região de Missões (Vila de São Borja, primeira metade


do Século XIX)1.

Leandro Goya Fontella*


Max Roberto Pereira Ribeiro **

Resumo: A finalidade deste texto é apresentar, por meio de uma análise serial, alguns
indicativos sobre a conformação socioeconômica da região missioneira na primeira metade do
século XIX. Para isso, recorremos aos inventários post morten abertos na Vila de São Borja.
O critério utilizado para este estudo considerou o número de cativos arrolados nos inventários
por faixas de tamanho de escravarias. Por conseguinte, os dados quantificados foram, quando
possível e pertinente, comparados com os verificados em outras regiões da Província de São
Pedro do Rio Grande do Sul. Esta análise integra-se a uma pesquisa de mestrado, a qual se
encontra em estágio inicial, que tem buscado analisar o processo de construção das relações
escravistas na região missioneira ao longo da primeira metade do século XIX. Neste sentido,
através de uma abordagem serial, aliada a análise qualitativa das fontes, pretende-se inserir
esta pesquisa nos debates propostos pela História Social da Escravidão, que desde a década de
1980 vem reinterpretando o sistema escravista brasileiro.
Palavras-chave: Escravidão. Inventários post-mortem. Quantificação.

Abstract: The purpose of this text is present, through a serial analysis, some indications about
the conformation of the socioeconomic region missionary in the first half of the nineteenth
century. For this, we used the post mortem inventories opened in the village of San Borja. The
criterion used in this study considered the number of slaves listed in inventories by size
ranges slaves. Therefore, the data quantified were, where possible and
relevant, compared with those seen in other regions of the province of Rio Grande São Pedro
do Sul. This analysis is part of a master's research, which is in early stage which has sought

1
Este texto é fruto de comunicação proferida nas VI Jornadas Regionais Mundos do Trabalho – ANPUH-RS –
Lugares da História do Trabalho, realizada na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), entre os dias 6 e 8
de outubro de 2011. Agradecemos a todos debatedores pelas pertinentes correções, sugestões e indicações de
45

literatura, em especial ao Profº. Ms. Jônatas Caratti, coordenador da mesa I “Enterrado no cemitério do passado?
Trabalho indígena e trabalho escravo”, e ao Profº. Drº. Luís Augusto Ebling Farinatti (UFSM). Naturalmente,
Página

somos os únicos responsáveis pelos eventuais equívocos e inexatidões deste texto.


*
Mestrando pelo PPGH/UFRGS, bolsista CNPq. Endereço Eletrônico: leandro-goya@hotmail.com;
**
Mestrando pelo PPGH/UFRGS, bolsista CNPq. Endereço Eletrônico: maxrpribeiro@gmail.com
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to analyze the process of building relationships in the slave Misiones region along
the first half of the nineteenth century. In this sense, through a serial approach, combined with
qualitative analysis of documents, we intend to place this research in the debates proposed by
the Social History of Slavery, which since the 1980s has been reinterpreting the brazilian
slave system.
Keywords: Slavery. Post-mortem inventories. Quantification.

Introdução

Foi, em significativa medida, por meio das interpretações feitas a partir dos relatos do
naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire que se erigiu o amplo consenso historiográfico,
qual seja, de que ao longo do século XIX, na região onde outrora fora as Missões Orientais do
rio Uruguai – atual região oeste do Rio Grande do Sul –, a presença de escravos de origem
africana2 teria se constituído de forma residual. Todavia, tal consenso esteve coligado a quase
completa inexistência de pesquisas sobre a presença da escravidão africana naquele espaço.
Até então, poucas foram as investigações que além das narrativas de viajantes e
contemporâneos3 também lançaram mãos de análises sobre séries documentais produzidas no
decorrer daquele período.4 Segundo Paulo Afonso Zarth ([1994] 2002), as origens desse
consenso estão em fragmentos da obra do naturalista francês, tais como:

RINCÃO DE SANCLÓN, 6 de fevereiro [1821], 4 léguas [...] os


estancieiros desta região que não têm escravos aproveitam a emigração dos
índios para ficar com alguns como peões. Os guaranis são, segundo
testemunho geral, muito indicados para esse serviço; montam bem a cavalo,
gostam imensamente desse exercício e muitos sabem domar cavalos. Sua
perfeita docilidade é outra condição que os faz procurados para trabalhar nas
estâncias (SAINT-HILAIRE, [1821] 2002, p. 249).

2
Neste texto, as expressões escravos de origem africana e escravidão africana se referem tanto aos cativos
nascidos na África, e que, portanto, passaram pela experiência dos navios negreiros, quanto os cativos nascidos
no Brasil.
3
Além dos relatos de Auguste de Saint-Hilaire, destacam-se também as narrativas de Arsène Isabelle e Nicolau
Dreys.
4
Considerando o amplo território anexado aos domínios luso-brasileiros em 1801, os trabalhos que direta ou
46

indiretamente fizeram referência e demonstraram a importância da escravidão na estrutura produtiva estabelecida


neste vasto território são: ZARTH ([1988] 1997; [1994] 2002); OSÓRIO ([1999] 2008); FARINATTI ([2007]
Página

2010); FOLETTO (2003); GARCIA (2005); DARONCO (2006); ARAÚJO (2008); MATHEUS (2010). Estes
três últimos são historiadores sociais da escravidão. Os demais se caracterizam como historiadores da chamada
História Agrária.
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Zarth ainda aponta que, foi a partir da leitura de passagens como esta, feita por
Fernando Henrique Cardoso, que se difundiu largamente a ideia da inexistência de cativos de
origem africana na região de Missões. Cardoso ([1962] 1991) acabou interpretando estas
passagens de Saint-Hilaire de maneira literal. Logo, concluiu que o grosso da mão-de-obra
empregada nas estâncias, estabelecidas nas áreas incorporadas à economia sul rio-grandense
após 1801, teria sido composta por guaranis, os quais em grande medida seriam
remanescentes das missões. Por sua vez, Mario Maestri Filho (1984; 1993; 2002) endossou os
argumentos de Cardoso. Retomando o argumento de Décio Freitas (1979; 1980) sobre a
inviabilidade da manutenção de um aparato de vigilância e coerção na atividade pastoril em
regiões de fronteira, Maestri Filho argumentou que, sempre que possível, os guaranis
missioneiros e os gaúchos castelhanos foram incorporados às práticas pastoris.5
Na verdade, o consenso sobre a ausência de escravos nessa região, forjado com base
nos relatos de Saint-Hilaire e das interpretações de alguns autores, foi elaborado a partir de
uma vulgar generalização temporal. É importante lembrar que Auguste de Saint-Hilaire viajou
pelo Rio Grande de São Pedro do Sul – incluindo a província de Missões – e pela então
Província da Cisplatina (1820 – 1828) – atual República do Uruguai – entre os anos 1820 e
1821. Entretanto, a partir de seus depoimentos acabou se produzindo um consenso histórico
para todo o período escravista do século XIX.
Anexada as possessões luso-brasileiras no início do Oitocentos, o território
missioneiro esteve imerso em um contexto de endemia bélica por boa parte deste século.
Genericamente, pode-se considerar que o constante estado de alerta, e até mesmo de
mobilização de tropas, frente à possibilidade do envolvimento em guerras internas ou com os
estados platinos perdurou até o fim da década de 1860 com o fim do Conflito da Tríplice
Aliança ou Guerra do Paraguai. Além disso, até fins da década de 1820 as fronteiras eram
incertas, isto é, não se tinha a certeza que a região missioneira continuaria fazendo parte dos
domínios luso-brasileiros. Somente após 1828, com o fim da Guerra da Cisplatina, os limites
na região platina se tornaram mais concretos – ainda que não categoricamente definidos –, e,
por conseguinte, pôde ocorrer a efetiva ocupação brasileira da região de Missões com o

5
Em recente dissertação de mestrado, Thiago Leitão de Araújo (2008) – com o foco na Vila de Cruz Alta (1834
– 1884) –, refutou de forma pertinente as teses de Cardoso, Freitas e Maestri Filho, as quais sustentavam a
47

inviabilidade da utilização em grande escala de escravos de origem africana em regiões onde o pastoreio havia se
constituído na principal atividade produtiva. Por meio de diversas séries documentais como, por exemplo,
Página

inventários post-mortem e cartas de alforrias, Araújo demonstrou que não há porque pensar que a escravidão de
origem africana em regiões pastoris e de fronteira na Província do Rio Grande de São Pedro do Sul tenha sido
residual.
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consequente estabelecimento da matriz produtiva agropastoril e escravista. Desse modo,


percebe-se que aquele cenário – de ausência de escravos de origem africana – descrito por
Saint-Hilaire não poderia ter sido tomado como parâmetro para todo o século XIX, visto que,
a região de Missões – se é que realmente não havia escravos neste espaço naquele período –
estava bastante vulnerável às vicissitudes geradas por diversos fatores como a guerra, a
fronteira – em constante disputa – e o povoamento luso-brasileiro recente.
Em um dos raros trabalhos que fazem referência a escravidão na Vila de São Borja,
Paulo Afonso Zarth ([1994] 2002) deixa claro que, não existem motivos para supor que os
estancieiros da região não empregassem escravos.6 Zarth coloca que seria bastante estranho
que, numa mesma província, numa mesma atividade econômica, houvesse dois sistemas
distintos de relações de trabalho. Ao contrário, as fontes levantadas por ele revelaram a
presença regular de cativos nos estabelecimentos da região. Para o autor, o escravo era tão
fundamental para qualquer grande proprietário, tal qual se sucedia no Nordeste açucareiro ou
nos cafezais paulistas e fluminenses. Frente a insuficiência de uma sólida oferta de
trabalhadores livres, os estancieiros não tinham outra alternativa a não ser recorrer à compra
de escravos. Além disso, deve-se considerar ainda que, na zona missioneira, devido a
proximidade com a Argentina, a possibilidade de fugas era uma situação constante e,
seguramente, inibia a aquisição de escravos. Circunstância essa que, para Zarth, antes de
negar, reforça o argumento de que eram realmente fundamentais para atender à demanda de
mão-de-obra local.
Por meio de correspondências e documentos elaborados pela Câmara Municipal de
São Borja, 7 Zarth comprovou a existência e a relevância da mão-de-obra escrava na pecuária
e nas pequenas indústrias artesanais naquela localidade no fim dos anos 1850, período no qual

6
Em dissertação de mestrado defendida em 1996, em que buscou analisar como ocorreu, em São Borja, o
processo de passagem de um modo de produção comunal para um modo de produção mediado por relações de
mercado e propriedade privada, João Rodolpho Amaral Flôres, no tocante a presença de cativos de origem
africana, apenas reproduziu as versões de Cardoso, Freitas e Maestri Filho. Nas palavras de Flôres, na Vila de
São Borja havia “um número pouco expressivo de escravos negros” (1996, p. 7); em outra passagem, se
referindo mais especificamente as atividades produtivas, o autor coloca que: “em relação aos negros, utilizados
como mão-de-obra escrava, envolvidos nas lides agropastoris, não foram, nessa área, um contingente
populacional elevado. O predomínio social foi dos luso-brasileiros, representados pelos proprietários de terras,
48

suas famílias e agregados” (1996, p. 190).


7
Os documentos são os seguintes: Relação das estâncias que contém o termo de São Borja com as declarações
Página

dos nomes de seus proprietários, número de crias vacuns e cavallares que marcarão no anno de 1857, e as
pessoas empregadas com capatazes e piães e o Mappa demonstrativo das officinas, estabelecimentos e fábricas
no município de São Borja.
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se desenrolava a chamada diáspora guarani. 8 Entretanto, entendemos que na segunda metade


do Oitocentos, devido a dispersão dos guaranis, a Vila de São Borja, como também outras
povoações em Missões, distanciavam-se cada vez mais das especificidades as quais
caracterizavam aquela região na primeira metade do século XIX.9 Ou seja, após 1850, o
número de indivíduos guaranis, e por consequência a sua própria matriz cultural, estava
rapidamente se tornando mais exígua no espaço territorial oriundo das Sete Missões Orientais
ao rio Uruguai. Circunstância a qual justificaria o fato dos proprietários de estabelecimentos
produtivos da região terem recorrido a escravos de origem africana.
Contudo, as informações contidas nos inventários post-mortem mostram que mesmo
antes da diáspora dos guaranis missioneiros, ou seja, ainda na primeira metade do século XIX,
a escravidão de origem africana configurou-se em uma forma de mão de obra compulsória
largamente difundida na região de Missões, e por consequência, na Vila de São Borja. Logo,
o argumento da dispersão guarani não explica as razões da existência de escravos naquele
espaço ao longo da primeira metade do Oitocentos, haja visto que, neste período havia
significativa população guarani que ainda o habitava.
Neste texto, por meio de uma análise serial dos escravos arrolados nos inventários post
morten abertos na Vila de São Borja entre 1828 e 1849, procuramos apresentar alguns
indicativos sobre a conformação socioeconômica da primeira metade do século XIX. O
critério utilizado para este estudo considerou o número de cativos arrolados nos inventários
por faixas de tamanho de escravarias. Os dados quantificados foram, quando possível e
pertinente, comparados com os verificados em outras regiões da Província do Rio Grande de
São Pedro do Sul.10 O exame desta documentação integra-se a uma pesquisa de mestrado, a
qual se encontra em estágio inicial, que tem buscado analisar o processo de construção das
relações escravistas na região de Missões ao longo da primeira metade do século XIX. Devido
a isto, as argumentações feitas ao longo deste texto de forma alguma podem ser tomadas

8
Foi o fluxo migratório que reduziu consideravelmente o número de indivíduos desta população na região de
Missões, entretanto, cabe ressaltar que muitos guaranis ainda permaneceram naquele espaço.
9
Além da significativa presença de guaranis missioneiros, o que chamamos de contexto missioneiro se
caracterizava também devido ao povoamento luso-brasileiro recente, as fronteiras instáveis e o estado de
endemia bélica. Esses elementos, fortemente presentes na região missioneira no decorrer da primeira metade do
século XIX, foram gradativamente desaparecendo ao longo da segunda metade do Oitocentos, graças ao
enraizamento do povoamento brasileiro, a estabilização dos limites fronteiriços, o arrefecimento das hostilidades
49

bélicas na região e a própria diáspora guarani.


10
Embora saibamos da existência de pesquisas para o período colonial em que foram utilizados procedimentos
Página

semelhantes aos quais lançamos mão neste artigo, devido às dimensões exigidas para este texto, preferimos não
estabelecer comparações com eles. Referimos-nos, especialmente, aos estudos de Helen Osório ([1999] 2008) e
Silmei Petiz (2009).
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como conclusões categóricas ou definitivas, já que, com o desenvolvimento da pesquisa


possivelmente venham a ser reavaliadas. Esperamos que as reflexões e os dados preliminares
aqui expostos nos permitam ao menos apresentar a pesquisa e lançar algumas hipóteses que
venham a auxiliar no desenvolvimento da investigação.

1. Estrutura de Posse de Escravos

Fonte: Adaptação de Mapas Temáticos do Rio Grande do Sul:


Divisão Municipal – 1841; Miron Zaions, 1979.11

Ao tratarmos da estrutura de posse de escravos a primeira importante informação que


precisamos expor, diz respeito à representatividade da própria fonte que estamos explorando.
Assim, dos 101 inventários post-mortem abertos na Vila de São Borja, 56 deles continham
escravos. Em percentuais este número representa que 55% dos inventariados eram
proprietários de escravos.12 Para um período muito semelhante ao que tratamos neste estudo
(1831-1850), mas para um espaço-contexto relativamente distinto (o município de Rio
Grande), Jovani Scherer (2008) averiguou que aproximadamente 89% dos inventariados

11
Somos gratos ao historiador Jonas Moreira Vargas pela gentileza de nos ter enviado a imagem deste mapa.
50

12
No conjunto destes 101 inventários estão os abertos no Distrito de São Patrício de Itaqui. Nesta localidade,
foram abertos 37 inventários, dos quais 20 deles continham escravos. Para a Vila de São Borja, excluídos do
Página

conjunto os 37 inventários abertos em Itaqui,, tem-se 64 inventários, dos quais em 36 foram arrolados cativos.
Vale ressaltar que não estamos trabalhando com amostragem, mas sim com o conjunto total de inventários
abertos na Vila de São Borja entre 1828 e 1849, ou seja, 101 inventários.
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possuíam escravos.13 Por sua vez, Luana Teixeira (2008), verificou que em São Francisco de
Paula de Cima da Serra, entre 1850 e 1871, os inventários que tiveram escravos arrolados
chegaram a 78%. Desse modo, Teixeira mostrou que, mesmo em uma região empobrecida e
caracterizada pela produção agropecuária de pequeno porte, a posse de escravos era
disseminada pelas unidades produtivas e dividia espaço com o trabalho livre e familiar. A
estrutura de posse elaborada por Melina Perussato (2010) para Rio Pardo revelou que, entre
1860 e 1869, escravos foram arrolados em aproximadamente 82% dos inventários abertos
naquela região. Para regiões mais próximas da que tratamos, contamos com as informações
dos estudos de Thiago de Araújo (2008), para a região de Cruz Alta, e Luís Augusto Farinatti
(2006), para a região de Alegrete. Araújo (2008) constatou que 73% dos inventariados em
Cruz Alta, entre 1834 e 1884, possuíam cativos. Já para Alegrete, entre 1831 e 1850, Farinatti
(2006), apurou que 84% dos proprietários inventariados eram detentores de escravos.14 O
quadro 1 abaixo expõe de forma resumida estas informações, vejamos.

Quadro 1 - Porcentagem de inventários com escravos


por localidade e período
% de inventários
Localidade Período
com escravos
Alegrete 1831 - 1850 84%
Cruz Alta 1834 - 1884 73%
Rio Grande 1831 - 1850 89%
Rio Pardo 1860 – 1869 82%

13
No segundo quarto do século XIX, o contexto socioeconômico do município de Rio Grande distanciava-se
bastante do qual tratamos para a Vila de São Borja. Primeiro, neste período, a povoação luso-brasileira em Rio
Grande aproximava-se de completar um século. Segundo, a condição de principal entreposto portuário da
província dotava a Rio Grande de uma significativa importância econômica. Devido a isso, este município
passava por um franco processo de urbanização. Estes dois elementos combinados possibilitavam que Rio
Grande fosse um dos municípios com maior dinâmica social, cultural e econômica da província. Por fim, cabe
ainda colocar que, no tocante a economia, além do comércio, estimulado compulsoriamente pelo porto, as
atividades charqueadoras também tiveram papel de destaque em Rio Grande no decorrer do século XIX. Ver
SCHERER (2008).
14
Cabe ressaltar que, a exceção de PERUSSATO (2010), todos os outros autores, com os quais estamos
51

estabelecendo comparações, construíram suas séries por meio de amostragens. Além disso, a posse de escravos
feita por FARINATTI (2006) foi feita em relação à estratificação econômica dos inventariados, utilizando como
Página

parâmetro a posse de cabeças de gado bovino. Assim, os dados da análise de Farinatti que utilizamos neste texto
são relativos a escravistas que possuíam criação de gado bovino, o que não necessariamente ocorre para os
trabalhos dos outros autores, inclusive para os dados apresentados para a Vila de São Borja.
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São Francisco de Paula


1850 - 1871 78%
de Cima da Serra
São Borja 1828 - 1849 55%
Fontes: Para Alegrete, FARINATTI (2006); para Cruz Alta, ARAÚJO
(2008); para Rio Grande, SCHERER (2008); para Rio Pardo,
PERUSSATO (2010); para São Francisco de Paula de Cima da Serra,
TEIXEIRA (2008); para São Borja, Inventários post-mortem da Vila
de São Borja (1828 - 1849), APERS.

Destacamos que o número percentual de inventariados que possuíam escravos na Vila


de São Borja ficou consideravelmente abaixo dos índices verificados para as outras regiões da
Província do Rio Grande de São Pedro do Sul. Contudo, entendemos que o índice de 55% de
proprietários de escravos entre os inventariados não é nada desprezível. No momento não
possuímos base empírica o suficiente para explicar as razões deste desvio, e o que ele e o
próprio índice podem significar. Talvez um indício de debilidade econômica da região? Ou
quem sabe uma pista sobre a possibilidade de que na Vila de São Borja outras modalidades de
mão-de-obra (livre ou compulsória que não a escravidão) acabaram sendo utilizadas de forma
mais recorrente do que nestas outras regiões? O estágio embrionário em que se encontra a
pesquisa ainda não nos permite responder estas questões. Lembramos que o principal objetivo
deste artigo é expor de forma sintética alguns dados básicos retirados da documentação
compulsada, e compará-los com outras pesquisas. Enfim, trata-se de um texto
preponderantemente expositivo.
Em relação à média de escravos por inventário, o quadro “2”, abaixo, estabelece um
panorama comparativo.
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Quadro 2 - Média de escravos por inventário


Localidade Período Média
Alegrete 1831 - 1850 10
Cruz Alta 1834 - 1849 7,5
Rio Grande 1831 - 1850 7,1
Rio Pardo 1860 - 1869 7,2
São Francisco de Paula
1850 - 1871 6,6
de Cima da Serra
São Borja 1828 - 1849 7,2
Fontes: Para Alegrete, FARINATTI (2006); para Cruz Alta, ARAÚJO
(2008); para Rio Grande, SCHERER (2008); para Rio Pardo,
PERUSSATO (2010); para São Francisco de Paula de Cima da Serra,
TEIXEIRA (2008); para São Borja, Inventários post-mortem da Vila
de São Borja (1828 - 1849), APERS.

Sobre as informações apresentadas no quadro “2”, não deixa de ser surpreendente que
após verificarmos que o menor índice de inventários em que se encontrou escravos (quadro 1)
foi encontrado na Vila de São Borja, nesta localidade a média de cativos por inventários
apresentou um número semelhante ao das outras localidades que tiveram uma maior dispersão
de cativos entre os inventariados. Além disso, a média de escravos encontrada em São Borja
foi superior àquela verificada por Jovani Scherer para a região de Rio Grande. Estes números
são no mínimo curiosos, haja vista que, dado ao já referido maior dinamismo econômico de
Rio Grande no século XIX, devido ao porto e as charqueadas, era de se esperar que naquela
localidade a média de escravos fosse consideravelmente mais alta que as médias encontradas
para espaços de menor vulto econômico como região de Missões.
Relacionando os quadros “1” e “2”, levando em consideração somente as informações
levantadas para a Vila de São Borja, os dados expostos até aqui nos levam a pensar que,
embora a participação dos proprietários escravistas no conjunto dos inventários abertos tenha
sido relativamente menor do que a verificada para outras regiões da Província (55%), a média
simples de 7,2 escravos por inventário que teve cativos arrolados pode indicar, entre outras
53

coisas que: os senhores da região produziam alternativas que lhes possibilitava a incorporar
braços a suas escravarias, seja por meio do mercado de escravos ou da reprodução endógena.
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Entretanto, esses argumentos ainda não passam de hipóteses que serão testadas no decorrer da
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pesquisa, e esperamos poder respondê-las na versão final da dissertação. Somente com o


enriquecimento da análise com outras variáveis como, por exemplo, a taxa de africanidade, a
razão de masculinidade, a concentração da posse de cativos em poucas escravarias,
conseguiremos sustentar argumentações mais conclusivas.
Para finalizar apresentamos no quadro “3”, o número de cativos arrolados nos
inventários por faixas de tamanho de escravarias. A partir destes dados poderemos ter uma
melhor dimensão de como se distribuía a posse de cativos entre os inventariados na Vila de
São Borja que possuíam escravos.

Quadro 3 - Estrutura de posse de escravos da Vila de São Borja (1828 - 1849)

Faixa de Nº de escravos
Nº de % do nº de
tamanho de
propr. propr. M % F % T %
escravarias
1 a 4 (p. e.) 22 39% 27 52% 25 48% 52 13%
5 a 9 (m.e.) 23 41% 72 48% 77 52% 149 37%
10 a 19 (g. e.) 8 14% 70 59% 48 41% 118 29%
20 e mais de 20
3 6% 61 72% 24 28% 85 21%
(g. e.)
56 100% 230 57% 174 43% 404 100%
M: Masculino. F: Feminino. T: Total. (p. e.): pequena escravaria. (m. e.): média escravaria. (g. e.): grande
escravaria.
FONTE: Inventários post-mortem da Vila de São Borja (1828 - 1849), APERS.

Analisando o quadro “3”, é possível perceber que o número dos proprietários de


pequenas e médias escravarias atinge o índice de 80% dos proprietários, os quais detinham a
posse de 50% dos escravos. Em contrapartida, os outros 50% dos cativos estão nas mãos de
apenas 20% dos senhores, que formam os proprietários de grandes escravarias. Ao mesmo
tempo em que isso indica a disseminação da posse de escravos pelo tecido social, revela que
havia uma significativa concentração dessa posse em grandes escravarias. Entretanto, esses
54

dados preliminares da posse de escravos da Vila de São Borja precisam ser analisados sob a
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luz de outras informações que os próprios inventários post-mortem podem nos fornecer. Ou
seja, entre outras coisas, é necessário verificar se realmente a maioria dos proprietários dessa
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significativa parcela de pequenos escravistas se organizava em pequenos estabelecimentos


produtivos, onde o trabalho escravo dividia espaço com o trabalho familiar. Até o momento,
os dados dessa posse simples de escravos nos sugerem que, da mesma forma que em outras
regiões do Rio Grande de São Pedro do Sul,15 a escravidão era uma forma de trabalho
compulsório bastante difundida pela malha social, situação que produzia um
comprometimento da imensa maioria da população livre, e até mesmo liberta como demonstra
Aladrén (2008), com o sistema escravista.

Bibliografia

ALADRÉN, G. Liberdades negras nas paragens do sul: Alforria e inserção social de


libertos em Porto Alegre, 1800-1835. Rio de Janeiro: PPGH/UFF, 2008. (Dissertação de
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CARDOSO, F. H. Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional. 3ª. ed. Rio de Janeiro:
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DARONCO, L. À Sombra da Cruz: trabalho e resistência servil no noroeste do Rio Grande
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de mestrado).

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Araújo (2008) encontrou 80% de pequenos e médios escravistas, os quais detinham apenas 36% dos escravos
arrolados em inventário em Cruz Alta entre 1834 e 1849. Para São Francisco de Paula de Cima da Serra entre
1850 e 1871, Teixeira (2008) localizou 87% de pequenos e médios proprietários de escravos, que, por sua vez,
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acumulavam 57% dos cativos inventariados. Scherer (2008) verificou que em Rio Grande no período de 1831 a
1850, 83% dos proprietários eram pequenos e médios escravistas, e que estes concentravam 43% dos escravos
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relacionados em inventários. Já para Rio Pardo entre 1860 e 1869, Perussato (2010) averiguou números bastante
semelhantes ao veificados na Vila de São Borja, ou seja, 80% de pequenos e médios escravistas, os quais
possuíam 52% dos escravos inventariados.
Revista Latino-Americana de História
Vol. 1, nº. 3 – Março de 2012
Edição Especial – Lugares da História do Trabalho
© by RLAH

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Recebido em Setembro de 2011
Aprovado em Outubro de 2011

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