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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas


Programa de Pós-Graduação em História

GUSTAVO BIANCH SILVA

A UREMG/UFV E SUAS RELAÇÕES COM O PODER:


MODERNIZAÇÃO, DITADURA E CONVÊNIOS
INTERNACIONAIS (1952-1979)

Belo Horizonte
2019
GUSTAVO BIANCH SILVA

A UREMG/UFV E SUAS RELAÇÕES COM O PODER:


MODERNIZAÇÃO, DITADURA E CONVÊNIOS
INTERNACIONAIS (1952-1979)

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-


graduação em História da Universidade Federal de Minas
Gerais como requisito à obtenção do título de Doutor em
História.

Área de concentração: História e Culturas Políticas

Orientador: Prof.º Dr. Rodrigo Patto Sá Motta

Belo Horizonte
2019
Dedico esta tese ao meu filho, o pequeno Rafael. Seu nascimento no meio desse
percurso coloriu completamente o cenário dessa minha trajetória.
AGRADECIMENTOS

À Deus devo toda minha vida. Tenho total convicção que toda minha trajetória
tem as marcas do Autor da vida.
Sou muito grato à minha família. Minha esposa, Bárbara, que sempre, em todo
tempo, me deu todo apoio. O primeiro ano de doutorado foi muito complicado. Morar
em Viçosa e fazer disciplinas em Belo Horizonte me exigia muita disciplina e coragem,
afinal, o caminho para capital é cheio de curvas e perigos.
No meio do doutorado, veio o Rafael para abrilhantar essa trajetória. Entre
choros, fraldas trocadas e muito colo, aproveitei todo tempo possível para continuar
com essa pesquisa. Quantas vezes eu esperava ele dormir para só depois começar os
trabalhos. Ainda bem que o Rafa foi/é um bebê tranquilo e que dormia muito bem. Isso
me garantiu energia para levar a pesquisa adiante.
Sou grato também aos meus pais – Maria Isabel e Nivaldo - e meu irmão
Fabiano, pelo apoio incondicional e incentivos. Meu irmão, mesmo não sendo da área,
sempre me indicava leituras e conversava sobre o tema dessa tese. Agradeço também
aos meus sogros, cunhada e cunhado que também me apoiaram e incentivaram.
Sou eternamente grato à minha formação como historiador que começou na
UFV. Tanto na graduação como no mestrado em Extensão Rural, levo comigo as
marcas dos professores e colegas que contribuíram muito com minha formação. À
minha turma de doutorado, sou grato pela caminhada, ainda que curta. Nos primeiros
meses de disciplinas na UFMG, trocamos ideias, leituras e, sem dúvidas, isso contribuiu
muito para esse trabalho.
Agradeço ao Eduardo, funcionário do Arquivo Central e Histórico da UFV. Sem
ele esse trabalho não seria possível. Também sou grato ao Henrique Sena, que fez parte
da Comissão da Verdade de Minas Gerais. Grande parte da documentação analisada
nessa pesquisa foi indicada por ele.
Sou grato aos colegas do ST de movimento estudantil e ditaduras, que frequentei
nas Anpuhs de 2015 e 2017. Posso dizer que as discussões e reflexões nesses
congressos serviram de grande inspiração para esta pesquisa. Também, as reuniões do
grupo de pesquisa de Culturas Políticas e do Núcleo de História Oral me abriram o
horizonte.
Os amigos Fabiana e Bruno, que compartilharam comigo as agruras da vida
acadêmica, sobretudo porque também viveram no trajeto Viçosa-Belo Horizonte por
alguns anos. Ao amigo e historiador Mateus Andrade, pelas conversas que também
contribuíram com esse trabalho.
Ao Rodrigo Motta, toda minha gratidão pela orientação. Senti-me imensamente
honrado por ter sido orientado por uma das maiores autoridades no tema que pesquiso.
Agradeço pelo empenho e ajuda nessa caminhada. Não poderia ficar de fora as queridas
professoras Angélica Müller, Kathya Braghini, Juliana Filgueiras e Miriam Hermeto,
que contribuíram ricamente com esse trabalho na banca de avaliação desta tese. Sou
muito grato pela disposição e ajuda.
À Capes, pela concessão da bolsa de pesquisa, sem a qual eu dificilmente teria
condições de prosseguir neste trabalho.
RESUMO

Essa tese de doutorado tem como finalidade compreender a relação da Universidade


Federal de Viçosa, em sua trajetória institucional, com o campo político. A tradição
fundamentada na excelência acadêmica e no interesse do desenvolvimento agrícola do
país, contribuiu para a criação de um ethos institucional que afastou as lideranças
acadêmicas de maiores embates com o poder. Este aspecto, ficou mais evidente no
contexto do regime militar brasileiro. O discurso da modernização econômica dos
governos militares que projetava uma agricultura moderna, criou um ponto de
interlocução entre universidade e Estado. A hipótese aqui desenvolvida associa a cultura
institucional local a um tipo específico de relação com o poder, a saber, com inclinação
à negociação e adesão. Por outro lado, ainda que as lideranças acadêmicas buscassem
estratégias conservadoras para a manutenção do capital científico, a universidade não se
tornou locus único de adesão aos ditames do Estado. Foram identificadas nesta
pesquisa, diferentes posturas na instituição em sua relação com o político, o que afasta
qualquer reducionismo quanto à atuação do campo científico em relação ao político.

Palavras-chave: Ditadura, modernização, campo científico, Universidade Federal de


Viçosa, ethos institucional.
ABSTRACT

This doctoral thesis discusses the relationship of the Universidade Federal de Viçosa, in
its institutional trajectory, with political power. The tradition based on academic
excellence and the interest of the agricultural development of the country contributed to
the creation of an institutional ethos that moved the academic leaders from greater
conflicts with the power. This aspect was most evident in the context of the Brazilian
military regime. The speech of the economic modernization of the military governments
that carried out the modern agriculture, created an interlocution between university and
State. The hypothesis developed here associates the local institutional culture with a
specific type of relationship with power, namely with a tendency to negotiate and join.
On the other hand, although the academic leaderships looked for conservative strategies
for the maintenance of the scientific capital, the university did not become unique locus
of adhesion to the dictates of the State. It was verified through this research, different
positions in the institution in its relationship with the politician, which removes any
reductionism regarding the performance of the scientific field in relation to the political.

Key-words: Dictatorship, scientific field, modernization., Universidade Federal de


Viçosa, institutional ethos
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Contra o comunismo ............................................................................................ 43


Figura 2 - Marco da integração ........................................................................................... 177
Figura 3 - Marco da integração ........................................................................................... 177
Figura 4 - Placa fixada no marco da integração .................................................................. 178
Figura 5 - Negócio da China: minério radioativo em troca de leite em pó ........................... 258
Figura 6 - “Usaid e Abusaid” ............................................................................................. 259
Figura 7 - (...) se deixa governar por gorilas? ..................................................................... 259
Figura 8 - Se Israel fosse pro céu, S. Pedro pediria demissão .............................................. 260
Figura 9 - O povo na luta vence a ditadura ......................................................................... 265
Figura 10 - Fora imperialistas ............................................................................................. 265
Figura 11 - Viva a UNE ..................................................................................................... 266
Figura 12 - Abaixo a repreção (sic) da ditadura .................................................................. 266
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Professores da ESAV nomeados com cargos públicos ........................................ 69


LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Procedência familiar dos graduandos ..................................................................... 73


Tabela 2 - Profissão paterna dos graduandos .......................................................................... 73
Tabela 3 - Objetivos profissionais dos alunos da ESAV de 1937 .......................................... 74
LISTA DE ABREVIATURAS

ABI – Associação Brasileira de Imprensa


ACAR -Associação de Crédito e Assistência rural
ACH-Arquivo Central e Histórico da Universidade Federal de Viçosa
AI-5 – Ato institucional número cinco
AP – Ação Popular
ANL - Aliança Nacional Libertadora
Arena – Aliança Renovadora Nacional
ASI – Assessoria de Segurança e Informações
ASPUV – Seção Sindical dos Docentes da UFV
APUREMG - Associação de Professores da Universidade Rural de Minas Gerais
CFE – Conselho Federal de Educação
DCE – Diretório Central dos Estudantes
DOPS – Departamento de Ordem Política e Social
DPF - Departamento da Polícia Federal
DSI – Divisão de Segurança e Informações
ESA - Escola Superior de Agricultura
ESAV - Escola Superior de Agricultura e Veterinária
ESV - Escola Superior de Veterinária
ETA -Escritório Técnico de Agricultura Brasil-Estados Unidos
EUA – Estados Unidos da América
FAO - Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação
Funrural – Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural
JUC – Juventude Universitária Católica
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
ME – Movimento estudantil
MEC – Ministério da Educação e Cultura
SNI – Sistema Nacional de Informações
SNA - Sociedade Nacional de Agricultura
SRB - Sociedade Rural Brasileira
UEE – União Estadual dos Estudantes
UFES – Universidade Federal do Espírito Santo
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
UFV - Universidade Federal de Viçosa
UnB – Universidade de Brasília
UNE – União Nacional dos Estudantes
UREMG - Universidade Rural de Minas Gerais
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
USAID – United States Agency for International Development
USP – Universidade de São Paulo
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 14
O objeto ............................................................................................................................... 14
Referências teóricas................................................................................................... .............. 17
As Universidades, modernização econômica e ditadura. ....................................................... 19
Metodologia de pesquisa e documentação. ........................................................................... 26
Divisão da tese. .................................................................................................................... 27
1 DA ESAV À UREMG: O “ESPÍRITO ESAVIANO” E O SEU LEGADO NA
FORMAÇÃO POLÍTICA INSTITUCIONAL ................................................................. 29
1.1 Introdução ...................................................................................................................... 29
1.2 As origens: a formação e consolidação do “espírito
esaviano”............................................. .................................................................................. 31
1.3 As reuniões gerais. ......................................................................................................... 38
1.4 O internato................................................................................................................. ........ 46
1.5 O “espírito esaviano” entre os estudantes ....................................................................... 47
1.6 O espírito esaviano e o seu legado: a influência política. ................................................ 58
1.7 Esavianos varguistas?. .................................................................................................... 72
1.8 Da ESAV à UREMG: a consolidação do “espírito esaviano”. ......................................... 83
1.9 Considerações finais do capítulo .................................................................................... 93
2 A UNIVERSIDADE E A DITADURA: PONTOS DE INTERLOCUÇÃO .................. 97

2.1 Introdução ...................................................................................................................... 97


2.2 Debate historiográfico. ................................................................................................... 99
2.3 Entre a adesão e a resistência. ....................................................................................... 101
2.4 A universidade e a ditadura: afinadas com o projeto de modernização da
agricultura...................................................................................................................... ........ 106
2.5 O convênio Purdue-Viçosa e a ditadura. ....................................................................... 120
2.6 A crise da UREMG, o Convênio Purdue e o campo político. ........................................ 136
2.7 A UFV e o Projeto Rondon. ......................................................................................... 148
2.8 Considerações finais do capítulo. ................................................................................. 151
3 A UFV E A DITADURA NO COTIDIANO INSTITUCIONAL ................................ 153
3.1 Introdução .................................................................................................................... 153
3.2 A adesão à ditadura na UFV e em outras universidades. ............................................... 156
3.3 A matriz política que aproximou a universidade do regime militar. .............................. 163
3.4 Saudação à “revolução”, aos militares e seus aliados. ................................................... 167
3.5 A repressão política na UFV e a ASI. ........................................................................... 179
3.6 O Comando da Polícia Militar. ..................................................................................... 197
3.7 Associação docente: Entre a luta pela valorização da profissional e o medo da
repressão. ........................................................................................................................... 202
3.8 Considerações finais do capítulo. ................................................................................. 212
4 O MOVIMENTO ESTUDANTIL DA UFV ................................................................. 215
4.1 Movimento estudantil: da ESAV à UREMG................................................................. 215
4.2 Historiografia: A esquerda e o movimento estudantil. ................................................... 232
4.3 Os estudantes de Viçosa e a crítica ao “sistema”. .......................................................... 238
4.4 Os estudantes e o regime militar. .................................................................................. 248
4.5 O modus operandi do movimento estudantil da UREMG/UFV na ditadura. ................. 267
4.6 Considerações finais do capítulo. ................................................................................. 283
CONCLUSÃO .................................................................................................................. 285
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 290
14

INTRODUÇÃO

O objeto
Nos dias de hoje, na entrada da Universidade Federal de Viçosa 1, há uma grande
placa que indica a missão histórica da instituição: “sempre a serviço da pátria”. A
insígnia foi encomendada em virtude da comemoração do aniversário de 90 anos, em
2016. Isso evidencia a finalidade da UFV em sua trajetória, neste caso, servir o país com
a produção de conhecimento. Somado a isso, de forma implícita, servir a pátria significa
também contribuir com o desenvolvimento econômico, na compreensão da ciência
como fonte de engrandecimento do país. A longa duração desse lema institucional
caracteriza a perseverança da universidade em transformar o Brasil em potência. Mesmo
com as dificuldades inerentes a qualquer instituição pública, com os percalços políticos
e econômicos enfrentados, acima de tudo, a universidade se coloca em um projeto
grande e ambicioso.
A tradição da antiga Escola Superior de Agricultura e Veterinária (ESAV),
fundada em 1926, sobrevive na construção do espaço da atual Universidade de Viçosa e
se solidifica nos lugares de memória da instituição. Cada metro percorrido no campus é
recheado de placas e menções honrosas a ex-alunos e outros personagens que
edificaram a história da instituição. Mais do que um lugar de aprendizado e formação
profissional, a UFV tornou-se um museu a céu aberto, um espaço que pulsa história,
memória e narrativas que remontam a experiências que estão entre o passado e o
presente contínuo.
Calcada nos valores dos Land Grant Colleges americanos, a ESAV foi fundada
para promover uma educação que associasse o conhecimento científico ao saber prático.
Em contraposição ao estilo bacharelesco das faculdades que existiam no Brasil, a ESAV
adotou o modelo que buscava conduzir o ensino juntamente com a pesquisa e extensão.
A divulgação científica e o conhecimento difundido além das “quatro pilastras” 2
desafiavam os cientistas locais a colocar em funcionamento a transformação do
panorama produtivo por meio da ciência e da tecnologia.

1
É importante ressaltar minha relação pessoal com a UFV. Fui estudante da instituição na graduação em
história (2005-2009) e também no mestrado em extensão rural (2012-2015). A minha vivência na
instituição como estudante me permitiu escutar em diversas ocasiões, que a universidade teve um
comportamento político bastante conservador no decorrer de sua história institucional. Isso me levou aos
questionamentos que estarão presentes nesta tese.
2
Na principal entrada da Universidade, existem quatro pilastras que marcam simbolicamente a separação
entre a instituição e a cidade.
15

Assim, com o passar dos anos, o projeto “esaviano” foi ampliado. Ao


transformar-se em Universidade Rural de Minas Gerais (UREMG) em 1948, a
instituição cresceu e alcançou patamares maiores. Novos cursos, novas estruturas e,
consequentemente, novos desafios. Os impulsos da urbanização e a acentuada mudança
nos padrões de comportamento alteraram a rotina da Escola que virou universidade. A
tradição esaviana e seu modelo de desenvolvimento sobreviveriam aos novos ventos da
modernidade? Governos são trocados, guerras são deflagradas em várias partes do
mundo, crises internacionais são generalizadas, novas constituições são implantadas no
país e a UREMG continua.
A necessidade de sobrevivência diante das crises suscita novas parcerias. Os
convênios internacionais dão fôlego à continuidade da produção científica da
universidade. Nos anos 1950, a pequena Viçosa ganha em suas ruas novos sotaques: os
norte-americanos da Purdue University “invadem a UREMG”. Por meio do convênio
entre as duas universidades, os professores e cientistas brasileiros dividiram seus
espaços com os americanos, que contribuíram com a promoção de pesquisas e
auxiliaram na construção do primeiro programa de pós-graduação do Brasil em 1961 3.
De acordo com Rodrigo Patto Sá Motta, “o projeto mais bem-sucedido na visão da
Usaid foi o convênio entre a UFV e a Universidade de Purdue” (MOTTA, 2014, p.
143).
Em prosseguimento às novas necessidades do desenvolvimento institucional, a
UREMG é federalizada, tornando-se a Universidade Federal de Viçosa em 1969 4. O
crescimento que a universidade iniciou no final dos anos 40 é potencializado nas
décadas seguintes. O mundo já não é mais o mesmo e o Brasil tampouco. Nesse ínterim,
em 1964 um golpe de estado depõe um governo legítimo e institui uma ditadura militar.
De que forma o “dia que durou 21 anos” afetou a normalidade da vida na Universidade?
Entre protestos, adesões e acomodações ao novo regime, a vida seguiu. Entre
condecorações aos militares e manifestações contra a ditadura, o processo de
crescimento institucional foi em frente. Interpretar essas ambiguidades está no horizonte
desta pesquisa.

3
O primeiro programa de mestrado do Brasil e da UFV foi inaugurado em 1961, com o programa de
Horticultura e Economia Rural, porém esses programas ainda não haviam sido reconhecidos oficialmente
pelo MEC.
4
No contexto nacional, as federalizações significaram o aumento da rede federal de universidades. Antes
da ditadura, houve federalizações pontuais, que foram aumentando progressivamente até o início dos anos
1970.
16

Diante disso, o objetivo desta tese é compreender a relação da comunidade


universitária com os órgãos governamentais e internacionais e seus impactos no
cotidiano institucional. Em meio às novas oportunidades conjunturais como o
incremento de recursos, mudanças na legislação educacional, modernização das
universidades, aumento dos convênios internacionais, nosso questionamento é
direcionado às formas de construção do protagonismo desses atores em relação ao
campo político. Dessa forma, como a instituição elabora seu modus operandi político?
Como os cientistas acionam as instâncias de poder para fazer valer seus interesses? E
em relação à ditadura, qual foi a postura assumida pelos atores no meio acadêmico?
Essa pesquisa significa a continuação da minha dissertação de mestrado,
defendida em 2014. Naquela ocasião, foi estudada a contribuição dos cientistas na
construção da modernização da agricultura no contexto da chamada Revolução Verde.
Com a perspectiva teórica do ator-rede de Bruno Latour (2012), analisei a relação dos
pesquisadores em uma complexa rede de atores interessados na produção científica na
UFV. Esse processo de produção de conhecimento foi dado pela investigação das
relações entre os cientistas e a universidade, os políticos interessados, as empresas e os
convênios firmados entre as instituições. Dessa forma, um dos resultados da pesquisa
foi mostrar as estratégias dos atores locais para tirar maior proveito das oportunidades
decorrentes dos convênios internacionais. Longe de se tornarem apenas coadjuvantes
nesse processo e, assim, subsumidos diante da “dominação” dos setores estrangeiros, os
professores utilizaram a presença norte-americana para potencializar seus projetos.
Muitos fizeram cursos no exterior e tiveram seus laboratórios e projetos de pesquisa
financiados. Somadas a isso, as oportunidades alcançadas pela interação com os
cientistas estrangeiros proporcionaram a promoção de muitos professores aos cargos
diretivos da instituição, além do alargamento da rede científica envolvendo outras
instituições nacionais (SILVA, 2014).
Outras questões surgiram após a pesquisa feita no mestrado. Embora tenha sido
identificada a promoção da ciência em rede, ao invés de simples intervenção americana
na universidade, não foi investigado o comportamento político dos atores nesse
contexto dos convênios internacionais. Especificamente no contexto da ditadura,
também não foi aprofundada, no meu trabalho anterior, a relação dos cientistas com o
regime militar, período de maior fortalecimento dos vínculos com as instituições
estrangeiras. Tampouco as estratégias desses atores para a construção do seu
comportamento político foram descortinadas, seja considerando os professores ou o
17

movimento estudantil. Por isso, as relações dos cientistas com o poder e seus reflexos
na instituição fazem parte do tema central desta tese.
Para delimitar a periodização desta pesquisa, o recorte temporal escolhido é
entre 1952 a 1979, que vai do primeiro convênio firmado com a Universidade de Purdue
– para a construção da Escola de Ciências Domésticas – até o fechamento da década, em
19795, período de profundas mudanças no país com a abertura política do regime
militar, acompanhado por uma recessão econômica sem precedentes, que atingiu o
orçamento das universidades. Ressalve-se que não está no horizonte investigativo deste
trabalho abordar as minúcias da vida universitária em tão largo espaço de tempo. A
relação da instituição com o poder estatal, portanto, é o fio condutor que perpassa todo
esse contexto e permanece como objetivo central neste esforço investigativo.
Embora o marco temporal desta pesquisa esteja circunscrito às décadas de 1950
a 1970, a leitura dos documentos nos levou para os anos anteriores, para o contexto da
fundação da universidade. A hipótese aqui desenvolvida identifica que a tradição da
instituição criou um tipo específico de relação com o poder. Em outras palavras, não
poderiam ser deixadas de fora as implicações da continuidade das práticas políticas que
funcionaram como o “DNA” da universidade. O ethos institucional, neste caso,
denominado de “espírito esaviano” 6, envolvia a criação de uma liderança especializada
em utilizar o conhecimento científico em prol dos ganhos produtivos. A comunidade
acadêmica deveria assimilar o conhecimento científico, associá-lo à prática e, acima
disso, munir-se dos mais altos valores morais aprendidos no cotidiano da instituição.
Sem dúvidas, essa particular visão moral contribuía para a formação de uma prática
política específica, a saber, sempre ao lado daquele que governa.

Referências teóricas
A abordagem de Pierre Bourdieu 7 a respeito do campo científico influenciou
diretamente o nosso olhar em direção às relações da universidade com o político. Para

5
Nesse contexto, os convênios internacionais com a UFV já haviam se esgotado – o Convênio Purdue foi
finalizado em 1973.
6
O “espírito esaviano” representa a identidade do sujeito que compõe a comunidade acadêmica da antiga
ESAV. Típico discurso de afirmação profissional, esse “espírito” estava associado ao compromisso do
indivíduo em relação à escola, ao trabalho no campo e também ao país. Com esse argumento, os
esavianos normatizaram práticas e dramatizaram a força da ESAV no campo científico.
7
A opção pelo uso de conceitos do autor Pierre Bourdieu não faz desta tese uma obra tipicamente
bourdiana. Tampouco, o objetivo do uso dessas categorias teóricas não significa aprofundar em escala
microssocial os pormenores da vida científica na universidade. Em uma escala maior, será analisado aqui
a relação do campo com o poder.
18

Bourdieu, o campo científico como microcosmo social tem relativa autonomia diante
das outras esferas da sociedade, tais como o campo político ou o campo econômico. No
entanto, o autor rechaça qualquer tentativa de imaginar o campo científico como
independente de pressões e imposições do macrocosmo social. Pelo contrário, os
conflitos científicos não estão circunscritos apenas ao aspecto intelectual. Na sua
concepção,
(...) não há “escolha” científica – do campo da pesquisa, dos métodos
empregados, do lugar de publicação (...) que não seja uma estratégia política de
investimento objetivamente orientada para a maximização do lucro
propriamente científico, isto é, a obtenção do reconhecimento dos pares
concorrentes (BOURDIEU, 1983, p. 126-127).

Dessa forma, o campo científico, por meio sua lógica de funcionamento e de


suas necessidades intrínsecas, admite um tipo específico de capital valorizado pelos
cientistas, neste caso, o capital científico 8. Porém, as relações com os outros campos
também influenciam o modo de ação dos cientistas em seu cotidiano, o que Bourdieu
chama de refração das “influências externas”. Para o autor, o grande desafio é
compreender qual a natureza das pressões externas ao campo e saber as formas de
resistência que caracterizam a autonomia do campo científico. Em outras palavras,
entender “quais são os mecanismos que o microcosmo aciona para se libertar dessas
imposições externas e ter condições de reconhecer apenas suas próprias determinações
internas” (BOURDIEU, 2004, p. 21). Quanto menor a autonomia do campo científico,
maior a necessidade de aproximação com o campo político para a manutenção da
produção acadêmica. Para Bourdieu, “a heteronomia de um campo se manifesta pelo
fato de que os problemas exteriores, em especial os problemas políticos, aí se exprimem
diretamente” (BOURDIEU, 2004, p. 22).
No contexto aqui estudado, principalmente no tocante às universidades públicas,
a necessidade de recursos para a gestão dos campi e também para a condução dos
trabalhos acadêmicos demandava, por parte dos cientistas, uma verdadeira “força
tarefa” para garantir a manutenção das universidades. Isso gerava a necessidade de
maior interlocução entre o campo científico e o campo político, o que, obviamente,
variava de instituição para instituição. No caso da UFV, o convênio Purdue-Viçosa

8
O capital científico, para Bourdieu, é uma espécie de capital simbólico que consiste no reconhecimento
(ou no crédito) atribuído pelo conjunto de pares concorrentes no interior do campo científico. O exemplo
dado pelo autor é da busca pelos intelectuais de reconhecimento acadêmico por meio de prêmios
acadêmicos (como o Nobel, por exemplo), citações em periódicos renomados, traduções de suas obras em
outros idiomas etc. (BOURDIEU, 2004, p. 26).
19

conferia oportunidades de incremento do capital científico existente, à medida que


recursos, novas agendas de pesquisas, bolsas de fomento, titulações e até premiações
conferiam a valorização do universo acadêmico. Com essa pesquisa, questionamos o
quanto a relação entre a UFV e a Universidade de Purdue contribuiu para a autonomia
do campo científico no setor agrícola, em especial, na universidade de Viçosa, e para a
construção do seu capital científico.
À medida que estudamos a relação do campo científico com o poder,
questionamos até que ponto existe um comportamento político uniforme entre as
diferentes instituições de ensino superior e o Estado autoritário, na busca de
compreender as relações entre o contexto geral e as especificidades do objeto desta
pesquisa. Embora o foco desta pesquisa seja a Universidade Federal de Viçosa, na
medida do possível, estabeleceremos um ponto de contato com outras instituições no
mesmo contexto deste estudo.

As Universidades, modernização econômica e ditadura


Os anos 1950 foram marcados por uma grande intensificação do processo de
modernização da economia brasileira. A internacionalização da economia, o incremento
do parque industrial nacional e a racionalização do serviço público redimensionaram o
Brasil no mercado internacional e, consequentemente, exigiram mudanças no setor
educacional. À medida que a urbanização se consolidava como fenômeno social cada
vez mais presente no país, a demanda pela escolarização da população pressionou o
poder público a aumentar a oferta de vagas em todos os níveis educacionais. No entanto,
a contradição nítida ficou marcada no governo desenvolvimentista de Juscelino
Kubitschek. Segundo Sérgio Montalvão (2010), o Plano de Metas, empenhado em
acelerar o desenvolvimento econômico nacional, pouco havia deixado para a educação,
restando a este setor apenas 3,4% dos investimentos previstos e uma única meta relativa
ao ensino técnico.
Para tornar esse panorama econômico ainda mais complexo, os canais de
ascensão social típicos da classe média foram progressivamente afetados. Luiz Antônio
Cunha aponta que, antes da monopolização da economia, o caminho mais usual para a
mudança social estava relacionado ao pequeno capital. Isso explica por que a
escolarização até então permanecia em baixa procura no país. Com o crescimento das
grandes corporações, os melhores empregos estavam associados ao topo das burocracias
públicas e privadas. De acordo com o autor, como essas burocracias “utilizam os graus
20

escolares como requisitos de admissão e promoção aos diversos níveis de poder,


remuneração e prestígio, houve uma demanda de escolarização em todos os graus”
(CUNHA, 2007, p. 43). No entanto, o aumento da procura pelo ensino superior não foi
acompanhado do aumento da oferta de ensino, tendo ocorrido na década de 1960 – em
especial nos anos da ditadura – o aprofundamento da chamada crise universitária.
Os estudos acadêmicos que abordaram as relações entre as universidades e o
Estado se iniciaram na própria ditadura militar, período em que o descompasso entre
desenvolvimento e escolarização alcança maior contradição. Os trabalhos de Darcy
Ribeiro (1969), Bárbara Freitag (1978) e José Arapiraca (1979) abordaram a crise
existente no sistema educacional da década de 1960 e interpretaram as ações
empreendidas pelos governos militares em busca da solução do problema. A crise, nesse
aspecto, está associada ao aumento de potenciais estudantes em relação à pouca oferta
de vagas existente na época. Além disso, havia uma infinidade de problemas na
estrutura do sistema universitário, como a baixa produção científica, o regime
centralizado nas cátedras, os baixos salários, a ausência de concursos públicos para a
contratação de professores, entre outros.
Para os autores citados, a crise foi potencializada pela ditadura militar, pois ela
importou práticas e valores dos países desenvolvidos e tentou transformar o sistema
educacional para ser coerente com os interesses econômicos das grandes potências –
leia-se Estados Unidos da América. Ou seja, de acordo com essa linha interpretativa, a
subordinação dos interesses nacionais aos ditames externos deu a tônica das políticas
educacionais formuladas na ditadura.
Na visão de Luiz Antônio Cunha (2007), a Universidade por muito tempo se
pautou pela combinação “de arcaísmo técnico e conformismo político” (CUNHA, 2007,
p. 210). O espaço para a crítica de si mesma resultou de fissuras que se “abriram no seu
interior quando as contradições que cindiam a sociedade brasileira levaram os
professores a assumir posições políticas cada vez mais explícitas” (CUNHA, 2007, p.
210). Em outras palavras, a crise universitária possibilitou condições para que
professores e estudantes questionassem a conjuntura política da época e lutassem por
reformas do ensino superior.
Não obstante, embora a Universidade mantivesse em seu interior um espírito
questionador no tocante aos problemas estruturais que a envolviam, o golpe de 1964
significou um retrocesso nas propostas de renovação do sistema educacional. Na
concepção de Cunha (1988), “o processo de reforma do período 1964/1968, definido no
21

contexto do esforço de subordinação política e econômica do país, foi responsável pela


edificação da universidade no Brasil” (CUNHA, 1988, p. 11), tendo sido o modelo
norte-americano o padrão a ser seguido. Neste aspecto, Luiz Antônio Cunha está de
acordo com os autores citados anteriormente: a modernização do ensino superior
brasileiro seguiu os ditames do capitalismo. Porém, Cunha se diferencia dessa literatura
ao mostrar que não foi a ditadura que protagonizou sozinha a reforma do ensino, pois a
modernização da educação já se encontrava em curso nos anos anteriores, com os
serviços de consultoria dos norte-americanos e doações ou empréstimos pontuais.
Nos anos 2000, novas abordagens contribuíram para interpretar as relações entre
as universidades e o poder. Diversos autores se empenharam em analisar os embates
entre burocratas do Estado e as instituições sob um viés relacional, pautado pela
negociação, conflito e também pela acomodação9. No trabalho de Cynthia Greive
Veiga, as reformas do ensino feitas pelos militares tiveram repercussões eivadas de
ambiguidades. Em vez de interpretar o fenômeno da reforma universitária como
subordinação de interesses exclusivos da burguesia ou dos setores estrangeiros, Veiga
identifica outro pressuposto. Segundo a autora, as reformas também representaram parte
“dos anseios de mudanças educacionais de setores representativos da sociedade, ao
menos em termos da reestruturação do ensino, foram instituídas num contexto de
autoritarismo (...)” (VEIGA, 2007, p. 309). O viés das reformas congregava interesses
diferentes, que significava até mesmo a incorporação de elementos almejados pelos
setores progressistas no campo educacional. A pressão pela condução das reformas
vinha de todos os lados, seja da base de apoio, da oposição, do movimento estudantil
etc.
A tese de Alexandre Tavares do Nascimento Lira segue essa mesma perspectiva.
Todo processo legislativo na composição das leis educacionais é o desdobramento da
luta de interesses antagônicos. Para Lira, isso “nos obriga a fazer uma história que
entenda a legislação como resultado de um processo de lutas iniciadas na sociedade
civil, que perpassa o Estado em toda a sua extensão” (LIRA, 2010, p. 11) Nem os
militares se satisfizeram com condução das políticas educacionais, tampouco a oposição
concordava com os rumos tomados. De acordo com Lira, “a própria produção do

9
De acordo com Rodrigo Motta, entre a adesão ao regime e a resistência à ditadura, existiam as atitudes
intermediárias, nominadas por ele de jogos de acomodação: “muitos procuraram maneiras de se acomodar
ao novo sistema de poder, sem que isso significasse, a seus olhos, qualquer compromisso com a ditadura”
(MOTTA, 2014, p. 310). Isso incluía uma gama de concessões – tanto do lado do Estado quanto da
sociedade – para a sobrevivência do sistema.
22

aparato legal e a ação política sobre educação são resultados de uma situação
conflituosa e de um intenso debate político na sociedade” (LIRA, 2010, p. 14).
Por fim, a análise de Rodrigo Patto Sá Motta das universidades e o regime
militar significaram uma pesquisa de amplo espectro, com análise de diversas
instituições educacionais no contexto da ditadura. Houve um olhar mais geral sobre a
modernização da educação e sobre como os atores empreenderam diferentes estratégias
para, juntamente com a crítica ao regime autoritário, aproveitar as oportunidades
oriundas dos governos militares para a promoção do desenvolvimento científico em
suas universidades. O viés interpretativo do autor foi a cultura política brasileira. O
recurso à conciliação de interesses e a busca por evitar os conflitos redundaram em
práticas intermediárias entre a resistência e a adesão 10. Segundo ele, por meio da
conciliação, “procura-se acomodar os interesses de grupos em disputa, em um jogo de
mútuas concessões, para evitar o conflito agudo, sobretudo quando os contendores
principais pertencem às elites sociais” (MOTTA, 2014, p. 14). Esse jogo era duplo na
medida em que forçava ambos os lados a flexibilizar suas propostas. Tanto o Estado
estabeleceu compromissos e buscou atender projetos diferentes, quanto as universidades
assumiram posturas de não oposição aos governos para, sobretudo, contar com as
benesses da modernização do ensino superior. Para Motta,

Esse jogo complexo e, às vezes, ambíguo nos sugere análise mais sutil do
impacto do autoritarismo nas universidades, capaz de iluminar processos que
não se encaixam no tradicional par repressão/resistência. Houve também
arranjo entre repressão/acomodação, repressão/negociação e
repressão/cooptação (MOTTA, 2014, p. 18).

Entrando no nosso objeto de pesquisa propriamente dito, o estudo específico da


Universidade Federal de Viçosa é bastante emblemático por algumas razões. A criação
da instituição influenciada pelos land grant colleges americanos, juntamente com os
diversos convênios firmados entre a universidade e instituições estrangeiras,
desenvolveu desde os tempos de Escola Superior de Agricultura e Veterinária o apreço
pela pesquisa e extensão. Anualmente, dezenas de professores eram enviados aos
Estados Unidos para cursar pós-graduação. O incremento do know-how por meio desse

10
Assumimos a preferência pelo conceito de adesão à ditadura ao invés do termo “colaboração”. De
acordo com Rodrigo Motta, pelo fato de no Brasil ter ocorrido ocupação de forças estrangeiras como em
grande parte da Europa nos anos 1940, o termo “colaboração” parece deslocado. Dessa forma, o autor
aponta ser mais coerente afirmar que as pessoas simplesmente apoiaram ou aderiram ao regime
autoritário (MOTTA, 2014, p. 301).
23

intercâmbio científico potencializou uma abordagem moderna da agropecuária nacional,


balizada pelo uso intensivo da terra, insumos químicos e mecanização. A modificação
do panorama tradicional para o paradigma moderno da produção foi altamente
valorizada na UFV, o que resultou em significativa aproximação com os setores
associados ao latifúndio 11.
Dessa forma, o convênio com a Universidade de Purdue, as subvenções
provenientes da Fundação Ford e Fundação Rockfeller, os contratos firmados com a
USAID e o Banco Interamericano, enfim, ofereceram oportunidades de
desenvolvimento da pesquisa científica. Não obstante, esses vínculos poderiam alterar a
dinâmica política da instituição diante do Estado brasileiro? Por isso, as estratégias de
negociação utilizadas pelos pesquisadores diante do poder público são objeto desta
análise. A ação política empreendida pelos cientistas tinha como finalidade o equilíbrio
de seus interesses com as imposições e pressões das instituições públicas e privadas
envolvidas com o trabalho científico na Universidade, em especial, por meio do
convênio Purdue-UREMG/UFV. Portanto, há necessidade de pesquisas que
investiguem o fenômeno da ajuda externa americana ao Brasil, levando em
consideração as múltiplas negociações entre os atores sociais envolvidos no campo
científico.
No contexto da ditadura militar, a retórica desenvolvimentista dos militares,
associada à integração do setor agropecuário à indústria, posicionou a universidade em
um patamar jamais visto, uma vez que os projetos de modernização da agricultura foram
encampados pelo governo federal. Ajuda externa, investimentos estatais, integração
com a iniciativa privada, enfim, tudo isso contribuiu para a transformação da
universidade em instituição dotada de alto nível de competência acadêmico-científica.
Isso indica que os convênios internacionais criaram elos significativos entre a
universidade e os governos militares. Inclusive, houve significativa participação dos
americanos do Convênio Purdue no processo de federalização da UREMG em 1969 12.
Havia, portanto, um canal evidente de interlocução entre o Estado e a UFV.
Entender as nuances dessa relação nos levou a historiar esse comportamento político na

11
A junta administrativa, órgão consultivo e deliberativo acima da Congregação da ESAV, tinha diversos
representantes da classe produtora. Depois que a Escola foi transformada em Universidade, a Federação
das Associações Rurais do Estado de Minas Gerais passou a ter representatividade no Conselho
Universitário.
12
A primeira referência do governo estadual à federalização da UREMG em 1969 foi em reunião com
técnicos americanos do Projeto Purdue-UREMG e pessoas ligadas à Secretaria de Agricultura do estado.
(SILVA, 2014)
24

sua dinâmica interna. Neste caso, a política institucional local e a externa, ou seja, a
relação com o Estado, com as lideranças políticas e também com as organizações
internacionais que se conveniaram com a universidade. Buscamos compreender o
processo de construção de uma prática política que se desenha ao longo da história
institucional e atinge seu ponto de culminância na ditadura. As razões dessa
identificação que resultaram em adesão ao projeto de modernização conservadora13
serão analisadas nesta pesquisa. Um exemplo bastante elucidativo dessa questão foi a
contribuição da UFV para o desenvolvimento do campus avançado do Projeto Rondon
em Altamira14, em 1971, que certamente cooperou com o projeto de modernização dos
militares na região.
Portanto, nossa hipótese associa diretamente a tradição institucional –
denominada “espírito esaviano” – às expectativas econômicas do regime militar, que
propiciaram um comportamento político imbricado aos interesses da ditadura. Mais do
que isso, o conceito de campo científico de Bourdieu nos direciona a interpretar as
negociações entre a universidade e o poder, uma vez que a busca pelo capital científico
tipifica uma relação pragmática com o Estado, o que envolve atitudes diversas em torno
do político, oscilando entre a adesão de projetos, a acomodação de interesses e, em
determinadas situações, a resistência.
Portanto, é necessário problematizar a chamada Universidade crítica citada por
Luiz Antônio Cunha, em ela se abre à crítica do seu papel na sociedade e ao
questionamento dos rumos políticos do país. O estudo das relações entre a UFV e o
poder nos direciona a relativizar esse viés contestador pela constatação da complexidade
das aproximações entre as instituições educacionais e o político, marcadas por conflitos,
negociações e acomodações. Se a universidade foi crítica de si, esse elemento não era
uma realidade inequívoca em todo sistema. O caso da UFV fortalece esse argumento,

13
O conceito de modernização conservadora aqui utilizado foi cunhado por Barrington Moore Jr. De
acordo com Motta, “esse autor defendia o argumento de que os processos de modernização seguiriam
trilhas diferentes em alguns países, nos quais as tendências modernizadoras poderiam se mesclar a forças
conservadoras. Essencialmente, o modelo destacava a formação de alianças reunindo burguesia e
proprietários rurais, que, tangidos pelo medo da revolução social, iniciariam processos de modernização
conservadora conduzidos pelo Estado” (MOTTA, 2014, p. 11).
14
O projeto Rondon consistiu na tentativa dos militares de engajar os estudantes em projetos de extensão
no interior do Brasil. Tachado como assistencialista por desenvolver atividades nas férias escolares, na
década de 1970 o Projeto foi incrementado com a criação dos campi avançados. As universidades das
regiões centro-sul do país criaram campi de extensão em regiões estratégicas no centro-oeste, norte e
nordeste do país. Os estudantes eram direcionados para essas áreas e prestavam serviços para a população
necessitada. Cada Campus era dirigido por uma universidade da região centro-sul, sendo a UFV
responsável pela extensão em Altamira, no Pará. Conferir: (LIMA, 2015)
25

uma vez que, em sua trajetória, a proximidade com o poder prosseguiu como elemento
tradicional do comportamento político da instituição.
Não obstante, havia fissuras nesse sistema, o que redundava em grupos e
indivíduos que criticaram o status quo institucional. O movimento estudantil da
Universidade, atuante desde os primeiros anos da instituição, em diversos momentos
contrabalanceou o ímpeto conservador dos dirigentes, sobretudo por meio da imprensa
estudantil, tendo os diretórios acadêmicos utilizado a escrita para questionar, propor
soluções e até analisar a conjuntura nacional do país. No recorte temporal aqui
delimitado, obviamente que o movimento estudantil passou por diversas fases,
alternando períodos de maior cooperação com a direção da universidade e momentos de
maior espírito crítico, inclusive com episódios que tiveram repercussão nacional, como
o caso Hans Rappel15 e a manifestação pela demissão do professor catedrático Alexis
Dorofeeff16.
Por outro lado, nos anos 1960, houve maior aproximação dos diretórios
acadêmicos com a UEE e a UNE. A presença de militantes estudantis de Belo Horizonte
na formação política dos membros dos diretórios acadêmicos, a participação mais
assídua nos congressos nacionais e a acidez nos textos dos jornais demonstram uma
guinada política à esquerda. Na ditadura, os embates dos estudantes com a direção da
universidade foram frequentes. A crítica à legislação que cerceou o movimento
estudantil, aos convênios MEC-USAID e, principalmente, em relação à repressão,
transformou a universidade em um espaço “perigoso” na visão dos órgãos repressivos
do Estado. Alguns estudantes foram presos, outros, expulsos da universidade, a Marcha
Nico Lopes17 foi proibida, houve invasão militar no campus, enfim, a universidade na
pequena Viçosa se tornou palco para embates contra os donos do poder. Não obstante,
a imprensa estudantil foi bastante benevolente em relação ao estabelecimento do
Convênio Purdue na universidade. Também, muitos discentes participaram do Projeto

15
O aluno de agronomia Hans Alfred Rappel, em 1954 escreveu um texto no jornal Tribuna Universitária
tecendo críticas à direção da Escola Superior de Agricultura da UREMG. Depois disso, ele foi expulso da
instituição e, por esse motivo, surgiu um movimento grevista apoiado pela UNE em solidariedade ao
estudante.
16
Os estudantes de agronomia da UREMG decidiram, em assembleia, decretar greve interna para forçar a
demissão do professor catedrático Alexis Dorofeeff, em 1963. O movimento foi apoiado pela UEE e a
UNE, o que gerou muitos embates entre o movimento estudantil e o Conselho Universitário. (LAN-
SANCHEZ, 006)
17
A Marcha Nico Lopes surgiu em 1930 por iniciativa dos estudantes da ESAV. A ideia inicial era uma
marcha até o bar do Sr. Nico Lopes, em que os calouros marchavam junto com os veteranos portando
fantasias e cartazes repletos de sátiras e deboches. Com o passar dos anos, a Marcha ganhou cada vez
mais conotação política, o que despertou a reação da ditadura em 1968, que proibiu o evento.
26

Rondon18, encarado por muitos oposicionistas do governo como instrumento de


legitimação da ditadura e cooptação de estudantes para o ideário nacionalista do regime
militar. Ou seja, as ambiguidades e contradições inerentes às relações entre universidade
e o poder se manifestam em todo o período deste estudo.
Além do movimento estudantil, a organização da associação docente da
Universidade também será analisada. Atualmente, faltam trabalhos acadêmicos sobre as
associações dos professores no contexto do seu surgimento nos anos 1960 e 1970.
Atuantes na luta pela redemocratização, as associações docentes estiveram presentes nas
manifestações pelo fim do AI-5 e pela lei de anistia (1979). Em Viçosa, a associação
nasceu antes da ditadura, em 1963, sendo a segunda organização docente do país 19.
Algumas questões nortearam a leitura das fontes sobre a Aspuv (Seção Sindical dos
Docentes da UFV), neste caso, qual o papel da associação na luta pelos interesses da
classe docente? A existência de uma associação docente em tempos de ditadura
cooperou com a luta contra o autoritarismo?

Metodologia de pesquisa e documentação


O trabalho de pesquisa aqui proposto exigiu a leitura de uma gama documental
bastante ampla e heterogênea. O Arquivo Central e Histórico da UFV (ACH) mantém
um acervo histórico da instituição bem organizado e catalogado. Desde as atas do
Conselho Universitário até as cartas, relatórios do convênio Purdue-UREMG/UFV,
textos informativos, folhetos explicativos, revistas científicas e periódicos discentes,
enfim, um diversificado material que nos permitiu analisar as práticas e estratégias da
instituição foi utilizado para análise. A documentação da USAID, pelo menos no que
tange aos convênios com o Brasil e principalmente em relação à Universidade de
Viçosa, também foi investigada. Parte desta documentação está disponível on-line para
pesquisa.
Foi bastante complicado encontrar documentos que referenciassem a repressão
política da ditadura no campus. Em 1971, foi instalada na UFV a Assessoria de
Segurança e Informação (ASI), braço do Serviço Nacional de Informações (SNI) para
investigação interna de possíveis casos de subversão na Universidade. Essa

18
Como a UFV era responsável pelo Campus Avançado em Altamira, diversos alunos da instituição
foram enviados para o projeto.
19
A primeira organização docente foi na USP, com a Associação dos Professores Auxiliares de Ensino
em 1956. O interesse dessa primeira associação estava, como o próprio nome sugere, em defender os
interesses dos professores auxiliares que, naquele contexto, tinham menos direitos quando comparados
com os catedráticos. Conferir: http://www.adusp.org.br
27

documentação não foi encontrada no ACH, o que resultou na busca de alternativas para
o aprofundamento no tema. Isso nos levou a buscar na documentação da Polícia Federal
(DPF) e no acervo da ASI de outras instituições que tinham inquéritos de pessoas
ligadas à UFV. Graças ao trabalho de digitalização produzido pelo Arquivo Nacional, o
Fundo SNI e DPF puderam ser investigados para esta pesquisa. Também o acervo do
DOPS no Arquivo Público Mineiro (APM) e a documentação do “Brasil: Nunca Mais”
foram essenciais para a identificação dos atingidos pelos aparatos repressivos.
Como nosso objetivo está circunscrito ao comportamento político dos atores
sociais envolvidos com a Universidade em Viçosa, foram selecionados alguns
periódicos da grande imprensa para analisar a repercussão da universidade em suas
relações com as lideranças políticas e com as organizações internacionais. Jornais como
O Globo, O Estado de São Paulo, Folha de S. Paulo e Revista Veja foram pesquisados
para a interpretação das representações da grande mídia no tocante à UFV.
Neste aspecto, esta pesquisa significou, também, a tentativa de tornar conhecidos
outros personagens importantes da história da universidade, mas que são negligenciados
pela história e memória oficial. A UFV costuma lembrar-se dos “grandes” construtores
da tradição da instituição, enquanto muitos estudantes e professores envolvidos na luta
contra as injustiças não tiveram seus nomes eternizados nas páginas memorialísticas da
instituição. Compreender as escolhas e as justificativas para o uso dessa memória
triunfante no presente tornou-se um dos objetivos da tese.

Divisão da tese
Para a organização desta tese, o texto foi dividido em quatro capítulos. O
primeiro, Da ESAV à UREMG: o “espírito esaviano” e o seu legado na formação
política institucional, tem como objetivo historiar as relações da ESAV com o poder.
Afinal, o modus operandi político institucional foi construído desde os primórdios até
sua transformação em Universidade a partir de 1948. No segundo capítulo, A
universidade e a ditadura: pontos de interlocução, será investigada a natureza dos
vínculos entre a universidade e a ditadura. Quais os canais de interlocução existentes
entre a instituição e o Estado? Neste capítulo, conceitos como adesão e acomodação
serão operacionalizados para compreender o comportamento político dos cientistas em
contexto de autoritarismo, convênios internacionais e modernização da agricultura.
O terceiro capítulo, A UFV e a ditadura no cotidiano institucional, que
complementa o anterior, abordará as consequências da adesão política à ditadura no
28

cotidiano da universidade, o que evidenciou um rol de atitudes que fizeram da


universidade um espaço inóspito para a oposição à ditadura e, por outro lado, propício
para manifestações de apoio ao regime autoritário. No último capítulo, O movimento
estudantil da UREMG/UFV, será abordada a progressiva politização dos estudantes da
universidade até o contexto da ditadura. O protagonismo assumido na luta contra o
autoritarismo encontrou forte oposição dos dirigentes da universidade. Compreender os
imbróglios das relações entre os estudantes, a universidade e o poder está no horizonte
deste capítulo.
Em resumo, a perspectiva desta tese é compreender a construção do
comportamento político da comunidade acadêmica da UFV no contexto da
modernização da agricultura e do próprio aparato científico da instituição (1952-1979).
Será investigada, neste aspecto, a influência da tradição institucional na aproximação
dos dirigentes da universidade no tocante às lideranças políticas, juntamente com a
contribuição dos convênios internacionais para o aprofundamento da adesão da
universidade ao projeto de modernização do regime autoritário de 1964. Embora se
buscasse também a autonomia do campo científico, paradoxalmente, a aproximação
com o poder torna-se um grande trunfo para a conquista do capital científico.
29

1 DA ESAV À UREMG: O “ESPÍRITO ESAVIANO” E O SEU LEGADO NA


FORMAÇÃO POLÍTICA INSTITUCIONAL

Laranjeiras em filas paralelas subindo os flancos dos morros; laboratórios modernos;


tratores; um grupo de professores inteligentes; doutor Griffing, acolhedor, e doutor
Rolfs olhando a Escola com ares paternais; campos cultivados; alunos transbordando
vigor físico e curiosidade intelectual: homens e máquinas, animais e plantas, ciência,
natureza e técnica, se fusionam, na harmonia da forma e sentido. O vegetal recebe do
homem traços de disciplina quase consciente e dá-lhe, por sua vez, lições de fixidez,
estabilidade e amor a terra. Juntos, aprendem a domar o solo para lhe arrancar
tesouros: e nisso está a grandeza do nosso futuro. Como brasileiro e mineiro, exaltei,
sinceramente, ao ver isto aqui!...20 (Guimarães Rosa)

1.1 Introdução
O objetivo deste capítulo é compreender o ethos institucional da ESAV,
conhecido como “espírito esaviano”, e analisar a influência dessa cultura na prática
política da instituição. Com o crescimento da Escola e sua transformação em
Universidade, os laços estreitos que envolviam estudantes e professores foram
alargados. O “espírito esaviano” teria deixado algum legado para as gerações
subsequentes? A ideia de uma cultura institucional contribuiu para a formação de um
tipo ideal de relação do estudante/professor com o poder?
Para além da questão local, o campo científico tem uma característica intrínseca
à sua natureza, a saber, a necessidade de se manter autônomo dos outros campos da
sociedade. Para tanto, sua relação com o político tem como objetivo conquistar o capital
científico, o que envolve um comportamento bastante pragmático. Obviamente, cada
escola ou universidade tem variáveis distintas, o que nos afasta de tipificar
categoricamente a forma de conexão com o poder vivenciado na ESAV como tipo ideal.
Pelo contrário, embora o campo científico de forma geral tenha tendência em negociar
com o poder para obter ganhos para a produção científica, existem elementos
específicos de cada instituição que geram variadas matizes nessa relação entre
universidade e o campo político.
Em relação ao nosso objeto de estudo, grande parte da produção memorialística
e também historiográfica sobre a UFV está ligada à sua origem como Escola Superior
de Agricultura e Veterinária (ESAV). A tentativa de explicar o caráter moderno da
instituição e ressaltar a criação de uma cultura institucional sólida e resistente às

20
Texto escrito por Guimarães Rosa sobre a antiga ESAV, em 1937, em virtude de sua visita à
instituição. O chamado “Livro de Ouro” da UFV abrigou as impressões de diversos visitantes ilustres à
universidade. Ver: UFV Informa, 26 de fevereiro de 1976.
30

intempéries do tempo levou a enfatizar as bases fundadoras da universidade. Dessa


forma, os estudiosos retomaram os pormenores da construção da ESAV e o processo de
formação do chamado “espírito esaviano”.
Na década de 1920, o presidente do Estado de Minas, Arthur Bernardes, propôs
ao Congresso Estadual a construção de um instituto educacional que atuasse na
qualificação da mão de obra para a agricultura. Para alcançar esse intento, foi elaborado
um convênio com o governo norte-americano para promover a vinda de um especialista
que atuasse como primeiro diretor e idealizador da Escola. A vinda do professor Peter
Henry Rolfs, portanto, representou a tentativa do governo estadual de se inspirar no
modelo das escolas agrícolas americanas para implantar em Minas um centro irradiador
da modernização da agricultura, inaugurando a instituição em 1926. Depois desse
período de construção e inauguração, começou a ser ofertado o curso fundamental
(duração de 1 ano) em agricultura, juntamente com o curso profissionalizante (nível
médio, de 2 anos). Em 1928, deu-se início ao curso superior de Agronomia e, em
seguida, foi aberto em 1932 a primeira turma de Medicina Veterinária.
Os chamados land grant colleges que ofereceram o padrão a ser seguido pela
ESAV têm como pressuposto o famoso “aprender fazendo”. De acordo com Ribeiro,
“certas características básicas destas instituições, elas podem ser identificadas: a
pesquisa aplicada e a difusão da escolarização e do conhecimento” (RIBEIRO, 2006, p.
108). Associar a ciência ao saber tácito aplicado à agricultura era uma aposta de Rolfs
para atrair os alunos para a ESAV. Para a isso, a Escola deveria ser uma verdadeira
“fazenda” para os estudantes, em que os livros, os instrumentos científicos e as
ferramentas agrícolas se imiscuíssem em direção a terra: estudantes e professores
deveriam, sim, sujar seus pés e mãos de barro.
Portanto, o panorama ideal concebido pelo presidente Bernardes, P. H. Rolfs e
os primeiros dirigentes da ESAV consistia em modificar a economia por meio do
desenvolvimento no setor agrícola. A modernização do campo e os esforços
educacionais da Escola valorizariam a mão de obra, aumentariam a produtividade,
elevariam os ganhos econômicos do estado e contribuiriam com o desenvolvimento do
país. Ressalte-se que esses planos não levaram em conta a situação de conflito no
campo, tampouco as condições de marginalização dos trabalhadores rurais frente à má
distribuição de terra e da dominação da elite agrária.
A construção de uma cultura institucional objetivava, entre outras coisas,
solidificar a importância dos profissionais envolvidos diretamente com o trabalho
31

agrícola, principalmente os agrônomos e médicos veterinários. Somado a isso, envolvia


também o enobrecimento do trabalho agrícola e a criação de uma liderança
especializada em utilizar o conhecimento científico em prol dos ganhos produtivos. O
sujeito formado na ESAV estaria apto, de certa forma, a intervir na produção agrícola.
Também, com sua formação completa, o estudante formado na instituição seria
igualmente íntegro no aspecto da cidadania, elemento certamente esperado de um
legítimo “esaviano”.
A hipótese desenvolvida neste capítulo conecta a vivência existente por meio do
“espirito esaviano” com uma prática política pragmática e sempre ao lado do poder, que
além disso, sobreviveu ao tempo e teve ressonância durante várias gerações na
instituição. Em outras palavras, o ethos institucional foi além do aspecto da formação
profissional do agrônomo para impulsionar um tipo específico de ação política. Com um
campo científico ainda em formação, a autonomia na ESAV era ainda incipiente, o que
resultava em maior dependência do campo político.

1.2 As origens: a formação e consolidação do “espírito esaviano”


O modelo preconizado pelo movimento “Escola Nova”, sobretudo na década de
1930 no Brasil, balizou o caráter pedagógico da ESAV. Marcus Cunha (2000) analisou
a influência do escolanovismo na educação das primeiras décadas do século XX. A
rigidez da escola tradicional foi revisada. O disciplinamento punitivo e repressor
causava traumas e afetava os estudantes. A modernização do ensino significava colocar
o educando em condição de responder aos requisitos da nova sociedade. Nessa
concepção, “com apoio do conjunto de saberes e técnicas permitia conhecer as
particularidades individuais e controlar objetivamente os fatores envolvidos no processo
de ensinar e aprender” (CUNHA, 2000, p. 456).
De acordo com Rita Souza (2006), a Escola Nova surgiu na Europa no fim do
século XIX. Como movimento, buscava transformar os indivíduos do povo em cidadãos
civilizados, de forma a cooperar com a transição da sociedade de bases agrárias para
uma sociedade urbana. Isso significava a substituição do arcaísmo cultural que
supostamente assola essas populações para a difusão da cultura letrada. Adaptada ao
contexto brasileiro, essa concepção levou educadores como Anísio Teixeira e Fernando
de Azevedo a fundamentar teoricamente o movimento e trabalhar para a generalização
desse modelo em várias partes do país.
32

Com um ensino menos punitivo, a Escola Nova preconizava uma situação


intermediária e, ao mesmo tempo, contraditória, neste caso, entre a valorização do
indivíduo e as exigências das normas sociais. O sujeito não era desprezado como na
escola tradicional, porém a tentativa de adequar o indivíduo aos valores modernos
criava um ambiente normativo na instituição educacional. Conforme acentuou Cunha,
“a renovação educacional necessária e almejada no país devia compor-se sobre o
trinômio saúde, moral e trabalho” (CUNHA, 2000, p. 457), e esses elementos são
fielmente desenvolvidos na ESAV, principalmente na formação do “espírito esaviano”.
De acordo com Baía (2006), Ribeiro (2006) e Silva (2007), a criação da escola
agrícola em Viçosa constituiu a tentativa do governo mineiro e das elites rurais em
superar o atraso econômico e resolver as carências produtivas do estado. Por meio de
um ideário de desenvolvimento que valorizava a produção agrícola, parte dos problemas
econômicos locais resultava da carência de mão de obra qualificada e, portanto, da falta
de conhecimento técnico para lidar com os problemas práticos do cotidiano produtivo.
Neste aspecto, o baixo índice educacional dos trabalhadores, associado à sua
baixíssima remuneração, contribuía para a insuficiência produtiva do estado.
Conforme descrito por Guy Capdeville (1991), o contexto de criação da Escola
relaciona-se diretamente com a crise produtiva do Brasil das primeiras décadas do
século XX. Sobretudo no contexto da Primeira Grande Guerra, a grande ênfase da
agricultura estava na produção de matéria-prima para exportação, sobretudo para
abastecer os países envolvidos no primeiro conflito mundial. A pressão sobre o aumento
dos preços causava grande inflação, o que, consequentemente, gerava protestos da
população. A criação de escolas agrícolas e cursos técnicos e superiores de agronomia
poderia contribuir com o crescimento da oferta de alimentos e a redução das
possibilidades de conflitos sociais.
Após a abolição da escravatura em 1888, a maior oferta de mão de obra
assalariada e a precariedade das relações trabalhistas contribuíram para a depreciação do
trabalho agrícola. De maneira geral, o setor primário brasileiro tinha baixo fator
tecnológico, associado à desqualificação para o trabalho, obviamente a baixa
produtividade era evidente. Segundo Capdeville, “a atividade agrícola era, deste modo,
considerada um ofício para o qual não se precisa de treinamento algum. Qualquer um
poderia exercê-lo; daí seu desprestígio” (CAPDEVILLE, 1991, p. 230). Somado a isso,
de acordo com Silva, o agricultor “renegou o trabalho compulsório da produção cafeeira
33

e preferiu viver de uma economia de subsistência e da renda de poucos trabalhos que


prestavam esporadicamente” (SILVA, 2007, p. 36).
Além do quadro mais amplo, a necessidade de instituir uma escola com
características modernizadoras relacionava-se diretamente à situação problemática da
economia mineira, principalmente na região da Zona da Mata. Com grande ênfase no
cultivo do café, inclusive a própria Viçosa, a região não desfrutava do mesmo poder
econômico de antes. Para Ribeiro, “a criação da ESAV parece ter vindo no sentido de
evitar a catástrofe que se anunciava para a economia da região” (RIBEIRO, 2006, p.
111).
Neste contexto, o estabelecimento da Escola decorria da interpretação que os
líderes políticos faziam da crise econômica do estado. Mendonça (2006) aponta que a
responsabilidade pela baixa produtividade no campo recaía sobre o agricultor,
considerado incapaz de utilizar os métodos modernos de produção. Nesta perspectiva, o
Ministério da Agricultura, ainda nas primeiras décadas do século XX, utilizou das
instituições de formação da mão de obra para o campo – os Aprendizados Agrícolas e
os Patronatos Agrícolas – com a finalidade de difundir as práticas modernas e reduzir o
arcaísmo no manejo da terra. Obviamente, estavam fora de cogitação os efeitos danosos
da concentração de terra e da informalidade nas relações de trabalho no campo. Ainda
de acordo com Mendonça, “a conjuntura histórica marcada pelos efeitos da crise de
1929, pelo crescimento populacional e pelo desenvolvimento da industrialização junto à
economia e à sociedade brasileira, tornaria imperioso alterar o sistema de ensino”
(MENDONÇA, 2006, p. 95). Nos anos seguintes, houve maior institucionalização do
ensino agrícola, com a criação de escolas de ensino técnico e, sobretudo, com o
reconhecimento federal das escolas superiores dedicadas à agricultura.
A educação agrícola, neste sentido, ajudaria na formação de um quadro de
trabalhadores dotados de técnicas e munidos de conhecimentos para alterar a
composição do cenário produtivo. Mais do que isso, os agricultores seriam habilitados
considerando uma nova mentalidade, a concepção moderna de viver. Assim, estariam
“regenerados”, prontos para o trabalho e, consequentemente, mais produtivos, porém a
realidade encontrada ainda nos primeiros anos de construção da instituição demonstrava
que o desafio era maior do que a idealização imaginada pelos dirigentes. No início da
primeira república, “a população contava com mais de 80% de analfabetos” (BAÍA,
2006, p. 43). Mas em Viçosa o problema era ainda mais agudo entre os operários que
34

construíram a ESAV, chegando a 92% o número de pessoas que não sabiam ler nem
escrever (BORGES, 2006, p. 23).
Essa concepção modernizadora não se restringiu apenas ao ensino na Escola
Superior. O segundo diretor da escola, João Carlos Bello Lisboa, aplicou os princípios
da instituição nos operários que se envolveram na obra de construção da ESAV. Em
relatório21 escrito em 1932, o diretor descreve um cenário de pobreza muito grande
entre os trabalhadores. Foram encontradas, além do imenso índice de analfabetismo,
pessoas que viviam em habitações precárias, alimentavam-se mal, inclusive com grande
estado de desnutrição e com diversos problemas de saúde. O antídoto empreendido pelo
diretor foi a escolarização dos operários pela alfabetização e pelo ensino dos valores
cívicos, morais e higiênicos. Segundo Lisboa,

Pela dificuldade da obra, têm os professores e professoras que regeram as


escolas, merecido a gratidão do autor e da sociedade pela perseverança do
trabalho difícil de alfabetizar a indivíduos, muitas vezes de cérebros
endurecidos pelo hábito de trabalhos braçais e completa incapacidade de
pensar, recebida dos antepassados e aumentada por eles próprios22.

O papel regenerador da escola é percebido nas palavras do diretor, assim como o


ambiente vivido pelos trabalhadores é interpretado como degradante ao intelecto.
Apesar de todos os problemas inerentes à pobreza rural, tudo poderia ser transformado
por meio dos princípios científicos empregados. O sujeito não estava predestinado ao
obscurantismo, pelo contrário, não havia problema sem solução, desde que o
conhecimento científico fosse utilizado da maneira correta. Por isso, a ESAV se fixou
em relacionar a educação formal aos princípios morais. Na avaliação de Bello Lisboa,

(...) depois de decorridos dez anos de funcionamento das escolas, que a


princípio foram mantidas pelos próprios operários, por sua caixa beneficente,
pode-se afirmar: “querer o nosso povo se instruir e se educar, desde que seja
convenientemente conduzido”23.

Diante da “ilha de modernização” que significa a ESAV em meio à pobreza


rural, os idealizadores da Escola se empenharam na criação de uma cultura institucional
que reforçasse os princípios modernizantes almejados. O “espírito esaviano”, portanto,
resulta nesta tentativa de inculcar os valores cívicos, científicos e humanos que

21
O povo quer se aperfeiçoar: resultado de dez anos de observação na ESAV, por J. C. Bello Lisboa.
ACH/UFV.
22
Ibidem.
23
Ibidem.
35

envolviam a formação na instituição. O aluno matriculado deveria assimilar o


conhecimento científico, associá-lo à prática e, sobretudo, encampar-se dos mais altos
valores morais aprendidos no cotidiano escolar.
Neste aspecto, “ser esaviano correspondia ao comprometimento com o cultivo
de uma postura ‘correta’ em direção aos valores de progresso, cooperação, honestidade,
higiene, fazer prático/científico e conduta disciplinar” (SIMONINI, 2014, p. 254). Em
outras palavras, assumir a identidade da escola representava reunir todas as
características de um bom cidadão, que utiliza do amplo conhecimento aprendido na
Escola e o transforma em prática no meio social. O “espírito esaviano” significava,
também, a existência de uma cultura capaz de convergir os interesses de toda a
comunidade escolar. Segundo Baía, a apropriação do discurso “esaviano” induziria a
todos a contribuir com as finalidades gerais da ESAV como instituição, neste caso,

Em formar trabalhadores e dirigentes para a agricultura; formar missionários


que propagarão seus conhecimentos e seu nome; promover a formação moral,
intelectual e física; colaborar com o desenvolvimento econômico (BAÍA, 2006,
p. 71).

Em entrevista ao jornal A Batalha, do Rio de Janeiro, o diretor da ESAV (1930 a


1935) declarou que as intenções da Escola iam muito além da preparação técnica e
acadêmica dos estudantes. Segundo Bello Lisboa, esse processo de autoformação é uma
originalidade da Escola, pois, “ao contrário dos outros estabelecimentos superiores,
preocupa-se com a constituição física, mental e moral do homem” 24. Formar o “espírito
esaviano” cumpria com o intuito de desenvolver uma juventude que encara a vida com
seriedade. De acordo com o diretor,

E ainda neste particular, observando os que a frequentam, vejo como injustas


muitas das críticas que se fazem à nossa mocidade, que não é, como se
proclama, constituída de fúteis. Não. Moços há – e não são poucos – que muito
cedo se voltam para as questões sérias da vida, estudando e aplicando-se ao
trabalho com dedicação exemplificadora25.

A formação extremamente pragmática dos estudantes da Escola não descartava


os elementos morais que ajudariam na construção do “espírito esaviano”. Pelo contrário,
em vez de se dedicarem à formação dos valores institucionais por meio de uma
disciplina específica do currículo, a construção do “esaviano” se dava por meios

24
A Cidade de Viçosa, 27 de agosto de 1933, n. 1838.
25
Ibidem.
36

informais na própria lida diária da relação professor-aluno. Assim, os preceitos morais


eram transmitidos aos estudantes pelo procedimento que pode ser descrito como
“educação pelo exemplo”, sendo o professor o modelo a ser seguido.
Neste aspecto, a vivência do “espírito esaviano” relacionava-se diretamente à
tentativa da Escola em valorizar o profissional das ciências agrárias, mais
especificamente, o engenheiro agrônomo e o médico veterinário. De acordo com
Lidiany Barbosa, “contra a retórica dos bacharéis os engenheiros lançavam mão do
conhecimento científico que argumentavam receber em seus centros de formação”
(BARBOSA, 2004, p. 29). Nesta ótica, a engenharia era associada à ciência em
oposição aos bacharéis por sua cultura livresca. No entanto, os melhores postos de
trabalho ainda pertenciam aos bacharéis.
Ainda na década de 1920, no contexto da crise econômica impelida pela queda
do preço do café, o ensino agrícola foi sugerido, entre as classes políticas, como indutor
do desenvolvimento econômico. Na perspectiva de Uyguaciara Castelo Branco (2005),
o lobby político em torno do investimento estatal na educação agrícola estava revestido
de uma “ideologia do progresso e da modernização”. Dessa forma, a ciência aparece
como “forma mais sofisticada para a recuperação de solos já cansados e a mecanização
da lavoura, para uma agricultura mais racional” (CASTELO BRANCO, 2005, p. 125).
Essa justificativa demandava a criação de um perfil específico de profissional envolvido
com a ciência agronômica, neste caso, a autora afirma:

“A escola agrícola buscava desenvolver no aluno qualidades morais, tornando-


o um forte, um bravo e um patriota, veiculando, também, a identificação entre
o agricultor (na verdade, o proprietário) e o agrônomo, como sinal claro da
dependência estreita entre o domínio da ciência agronômica e a obtenção da
propriedade” (CASTELO BRANCO, 2005, p. 126).

Por isso que a ESAV primou em, juntamente com a ênfase no ensino prático,
estabelecer um padrão cultural supostamente compatível com o profissional formado na
instituição. De acordo com Sônia Mendonça (2010), existia uma ambiguidade no
tocante à valorização da ciência agronômica no Brasil. De um lado, havia o caráter
extremamente prático do ensino agrícola e do trabalho aplicado à produção rural.
Porém, esse “saber aplicado” não tinha o mesmo prestígio social quando comparado à
cultura “bacharelesca”, que valorizava a atividade intelectual em detrimento das práticas
manuais. Segundo Mendonça,
37

Para contornar esses impasses e afirmar-se nos campos intelectual e político, os


agrônomos se empenharam em constituir uma matriz discursiva que,
exacerbando a cientificidade de sua atividade, lhes garantisse legitimidade e
reconhecimento sociopolítico (MENDONÇA, 2010, p. 127).

Essa matriz discursiva citada pela autora, no caso da ESAV, foi denominada na Escola
de “espírito esaviano”.
No que tange à valorização profissional, na década de 1930 a situação dos
engenheiros começa a se modificar. Com a modernização do serviço público, os
engenheiros progressivamente ocuparam espaços de trabalho na burocracia estatal. De
acordo com Barbosa, a conjunção entre os técnicos e a política “foi impulsionada em
grande medida pela crença que caberia ao técnico produzir informações seguras que
dariam suporte às novas necessidades do Estado e da sociedade” (BARBOSA, 2004, p.
42). Porém, essa talvez seja uma grande contradição vivenciada na ESAV: a valorização
da profissão contava com o investimento do Estado, embora o setor agrícola estivesse
em baixa diante do crescimento dos setores urbanos. Segundo Barbosa, “de um lado, o
contexto lhe abria portas para a atuação profissional, mas, por outro, no pós-1930, foi
posto em questão o predomínio da ordem política, econômica e social típica da Primeira
República” (BARBOSA, 2004, p. 53).
O “espírito esaviano”, dessa forma, incutia no profissional formado na ESAV as
características morais compatíveis com o sujeito moldado pela ciência. Em adição, as
características desse perfil correspondiam ao ethos do profissional das ciências
agronômicas. De acordo com o prof. Edgard de Vasconcelos,

não é preciso possuir senso divinatório, nem poder de devassar o futuro, numa
análise dos acontecimentos presentes para se sentir a predestinação ciclópica da
ESAV como centro de preparação da futura ‘elite rural’ que dirigirá, amanhã,
os destinos do Brasil26.

Quando se percebe que o agricultor era considerado inculto e arcaico, o papel


desempenhado pelos agrônomos consistia em induzir a transformação das práticas
agrícolas no meio rural. Características como liderança, persuasão e comprometimento
tornavam-se obrigatórias para o modo de ação do profissional revestido de
conhecimentos científicos. Assim, a Escola também pretendia formar uma “elite rural”
portadora de valores cívicos. A ambição da Escola consistia não somente em formar

26
Revista Seiva, nº 13, Agosto-Setembro de 1943. Ano IV
38

engenheiros agrônomos ou médicos veterinários, mas transformar indivíduos em


profissionais capazes de contribuir para a regeneração do país.

1.3 As reuniões gerais


Para fortalecer os preceitos dessa cultura institucional, foram criadas na Escola
as reuniões gerais, que significavam encontros diários com a finalidade de “juntar ao
ensino técnico lições de moral, civismo e cultura” (BORGES, 2006, p. 26). Isso indica o
significado da formação humana para a Escola, que, paralelamente ao saber técnico e
científico, instituiu um espaço específico para desenvolver junto aos alunos o
fortalecimento do espírito. Segundo Simonini,

Foram nas Reuniões Gerais que (...) difundiu-se o ideário de perfeição e


conduta correta que interferiu na vida de muitos jovens e na condução futura da
Escola. Naquelas reuniões, realizadas no Salão Nobre do Prédio Principal da
ESAV, um professor era convidado a fazer uma preleção a todos os
participantes da instituição sobre um tema livre que poderia englobar tanto
questões mais técnicas, quanto também crenças pessoais do docente acerca da
melhor condução da vida cívica, moral, acadêmica, religiosa, entre outras
(SIMONINI, 2014, p. 256).

A ideia de modificar a maneira de viver do estudante para a adoção de práticas


modernas associava diretamente o “espírito esaviano” à concepção modernizante da
Escola Nova.
O esaviano deveria, ao cingir-se de seu papel de indutor do progresso e da
modernização agrícola, contribuir para a transformação vivencial do homem do campo.
Nesse ponto, a reunião geral significava a instrumentalização do conhecimento, uma
vez que associava o aspecto técnico ao componente civilizatório, portanto, capaz de
modificar tanto a produção quanto o espírito humano. Como o objetivo da escola
envolvia a aplicação do conhecimento, nada adiantaria o saber técnico sem a associação
com os valores civilizatórios que envolviam a formação do esaviano. De acordo com
Oliver,

Com isso, buscavam desenvolver em seus alunos não só mentes que soubessem
entender o porquê científico dos processos agrícolas, mas que soubessem o
valor moral de sua atuação para aconstrução da verdadeira civilização do
campo. O diplomado pela ESAV era aquele que não só levava os
conhecimentos, mas que escutava e compreendia os males do agricultor, que o
cativava e tentava estabelecer entre o agricultor e a escola uma ponte (...)
(OLIVER, 2005, p. 76)
39

Neste aspecto, o esaviano deveria ser um extensionista por excelência. Criar essa
interlocução entre o agricultor e o conhecimento científico estava fixado no DNA da
Escola. O regulamento da ESAV, de 1932, aponta os principais objetivos da Escola em
relação ao público:

Ministrar o ensino direto aos agricultores e seus filhos; conduzir trabalhos de


economia doméstica; auxiliar com serviços de fomento e assistência relativos à
saúde vegetal e animal; preparar agricultores com conhecimentos científicos
necessários à exploração do solo; formar administradores para os diferentes
serviços públicos e particulares, relacionados com a vida agrícola 27.

Sendo assim, as reuniões gerais fortaleceriam esses ideais. O professor deveria


conscientizar os alunos a desempenhar suas funções na Escola e, principalmente, no
meio rural com a exemplificação de situações cotidianas e das possibilidades de
intervenção no cotidiano dos agricultores.
Como os professores conduziam as reuniões? Em uma carta endereçada ao corpo
docente da Escola, o diretor J. B. Griffing discorre sobre a importância da Reunião
Geral e admoesta seus pares quanto à melhor execução do encontro com os alunos. Para
Griffing, a reunião oferece oportunidade de despertar a “força psicologia social, que,
quando bem dirigida, torna o assunto de tal preleção mais intenso, mais potente, e os
alunos gravam durante mais tempo nos espíritos do que em qualquer outra ocasião” 28.
Na carta, o diretor aponta que os objetivos da exposição dos professores são, neste caso,
o levantamento do ânimo dos alunos “combatendo o egoísmo pessoal e guiando a
atitude dos alunos no sentido de torná-los úteis à comunidade e ao Estado”29. O outro
objetivo envolvia expandir o horizonte cultural dos alunos com “narrativas, viagens e
experiências fora do estado”30.
A execução correta desse programa resultaria na formação do “espírito
esaviano” no corpo discente. Os alunos então desenvolveriam habilidades suficientes
para a melhor conduta na instituição e, sobretudo, estariam aptos para a convivência na
sociedade. Também, o oferecimento de oportunidades para aumentar o capital cultural
dos estudantes significava equipará-los aos padrões culturais modernos, inclusive com a
descrição de realidades sociais muito além do cenário local. Para tanto, o diretor

27
Regulamento da Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais (1932), s/p.
ACH-UFV, Caixa 67.
28
Reuniões gerais. 20 de março de 1937. Griffing. ACH/UFV.
29
Ibidem.
30
Ibidem.
40

formula diretrizes didáticas para melhorar a eficácia da transposição das ideias para os
estudantes:

Suponhamos que o assunto seja a honestidade e que orador discorra com


monotonia acerca das excelências desta virtude. Enquanto ele discorre sobre
isso a assistência bocejará e, ao terminar a palestra, estará certamente
dormindo. Ao contrário disso, suponhamos que o orador não declare o seu
tema e comece narrando algum incidente dramático, ou alguma passagem da
vida de um grande homem ou mesmo um passo da história que sintetize uma
lição de honestidade. Nesta ocasião, os ouvintes estarão possuídos, certamente,
de maior interesse31.

Essas reuniões objetivavam estreitar os laços dos estudantes com seus


professores. Obviamente, isso não oferecia um contato entre iguais, pelo contrário,
Azevedo ressalta que esses encontros reforçavam as hierarquias dentro da instituição e
colocavam alunos e professores nos seus devidos lugares, que “demarcam as posições
de autoridade, dos detentores do saber e do poder no estabelecimento, explicitando e
reforçando a visibilidade e a capilaridade do poder disciplinar instituído” (AZEVEDO,
2005, p. 156).
Aspectos como o assento fixo no local da reunião no salão nobre do prédio
principal e a adoção de uma pequena avaliação após a preleção do professor mostram a
seriedade das Reuniões Gerais para a formação do esaviano. A catequização moral e o
aprendizado de aspectos cívicos preparavam esses alunos para a grandeza da vida na
Escola. Azevedo (2005) faz uma grande lista das principais temáticas que foram
trabalhadas nas muitas reuniões realizadas:

Das preleções de temática disciplinar, educacional e moral, merecem menção


as seguintes: Programa da Escola, consequência do erro, a cola, educação e
instrução, o cultivo da alegria, educação e formação da personalidade, falar
muito em poucas palavras, a liberdade, o problema do casamento, julgamento –
suas condições, entretenimento, cumprimento do dever e pontualidade nos
compromissos, conduta dos alunos no cinema, os vícios – evitá-los em
princípio, a Escola – sua atuação e irradiação dos seus trabalhos pelos ex-
alunos, evitar os boatos, tomar atitude depois de julgamento maduro, a força do
hábito, saber falar, saber ler e escrever, perguntas durante as aulas,
responsabilidade dos que educam e dos que se educam, força de vontade para
combater os vícios, ensino eficiente – escola nova, novíssima e velha,
oportunidades e aproveitamento da conversação, melhores homens e melhor
produção, o ideal da Escola, o valor das definições, decoreba X compreensão e
interpretação, o estudo da Matemática, motivos da brigas: gênio mal
contido/educação fraca, excesso de intimidade, intrigas, ciúmes, inveja e
despeito, intromissão em questões alheias, negócios mal feitos, divisas mal
estabelecidas, “aguadas”, higiene da alma – jovialidade, bom humor, erros

31
Ibidem.
41

comuns nos métodos de estudo, previdência, ceticismo, o espiritualismo e sua


pretendida destruição pela doutrina de classe. (AZEVEDO, 2005, p. 159).

Em relação ao conteúdo ministrado, alguns textos preparados pelos professores


para a preleção nas reuniões gerais foram preservados. Infelizmente, a maior parte do
material escrito pelos palestrantes não foi assinada. Dificilmente sabemos quem são os
autores, apenas em casos em que os textos foram publicados em algum jornal ou revista
discente. Uma exceção a essa regra é um rascunho de Bello Lisboa de 1930. Seu
pequeno texto mostra o teor moral da palestra conduzida. A temática desenvolvida foi
bem simples, neste caso, “sobre os motivos de brigas”. Para desenvolver melhor o tema,
Lisboa dividiu a palestra em tópicos, explicando didaticamente quais os principais
motivos que causam desordem entre as pessoas: “1- Gênio mal contido. Educação fraca.
2- Excesso de intimidade. 3- Intrigas. 4- Ciúmes 5- Inveja e desrespeito. 6- Intromissão
em questões alheias. 7- Negócios mal feitos. 8- Coisas mal estabelecidas”32.
Outra preleção sobre a moralidade desejável ao aluno esaviano começa de uma
maneira pouco convencional. O professor externaliza aos estudantes sua dificuldade no
preparo da palestra. Segundo ele, “a minha dificuldade para fazer essa preleção foi a
falta de assunto; não consegui, mesmo até ontem, não consegui vencê-la, me vi então na
contingência de, na última hora, alinhar para impingir aos senhores uma verdadeira
miscelânea”33. Por mais que existisse grande formalidade no contexto das aulas, as
reuniões gerais admitiam certos comportamentos menos formais quando comparados às
aulas comuns. Na falta do que tratar sobre o “vício do cigarro” e uma anedota sobre não
fugir das responsabilidades34.
Outra modalidade de preleções proferidas nas reuniões gerais foi a prática da
cidadania. Indicar aos estudantes o “caminho” a ser seguido fazia parte do “espírito
esaviano”. Neste aspecto, o dever cívico é associado diretamente ao voto. Segundo o
autor, “a democracia é o governo em que o povo exerce a soberania, e esta soberania é
corporificada no exercício consciente do direito do voto”35. O apelo do professor é que
seus alunos divulguem essas ideias para as regiões rurais com a quais eles têm ou terão
contato. Segundo ele,

32
Rascunho, Bello Lisboa. 14 de outubro de 1930, ACH/UFV.
33
Reuniões gerais. 10 de maio de 1935, ACH/UFV.
34
Preleção, 10 de maio de 1935. ACH/UFV.
35
Preleção, 10 de setembro de 1934. ACH/UFV
42

(...) quero apelar para os senhores para que nas fazendas, nos lugares em que
irão agir, sejam paladinos dessa campanha. E que, ao lado da bandeira da
alfabetização, que daqui muitas vezes já tem sido pregada aos senhores, como
complemento, a formação dos eleitores conscientes. No seu exercício, porém,
jamais queiram se transformar em “cabos eleitorais”, isso é, naqueles que
exigem dos que lhe são subordinados que votem em determinados candidatos36
(...)

De certa forma, o estudante esaviano é formado para utilizar os conceitos cívicos


adquiridos na Escola associados à prática profissional no campo. Seu compromisso
cidadão envolve contribuir com a alfabetização e a formação de novos eleitores e,
sobretudo, com o afastamento do proselitismo político inerente à prática do “cabo
eleitoral”. Outras formas de associação política como em partidos, por exemplo, não são
ressaltados pelo professor.
Nesta esteira, as reuniões gerais significavam a formação política dos estudantes.
Isso incluía a pregação do anticomunismo. De acordo com um dos professores-
preletores, “na distribuição das palestras sobre o comunismo, que aqui vem realizado
com tanto brilhantismo para honra nossa, convém falar aos senhores sobre o comunismo
ateu”37. É notório nessa exposição que a advertência contra o comunismo fazia parte do
“curriculum” das reuniões gerais. Alertar o estudante quanto aos males das teorias
marxistas fazia parte do processo de formação do cidadão esaviano.
O contexto de produção desse discurso na reunião geral coincide com um
período de grande histeria anticomunista no Brasil. O anticomunismo, que já era uma
realidade na década anterior, porém, encontrou sua primeira grande concentração em
termos de engajamento nos anos 1935 a 1937. Nesse aspecto, de acordo com Motta, “o
crescimento da influência comunista se fez sentir através da eclosão de uma série de
greves, que afetaram as principais capitais brasileiras” (MOTTA, 2002, p. 225). O PCB
juntamente – ou por meio – da Aliança Nacional Libertadora (ANL) alargava sua
atuação na luta contra o fascismo e em prol da revolução. Contra essa movimentação, a
imprensa, a Igreja Católica, os militares e o próprio governo Vargas encamparam uma
verdadeira guerra ideológica contra o comunismo. O desdobramento dessa disputa
redundou na conhecida Intentona Comunista de 1935 e no golpe do Estado Novo em
1937.
Após o insucesso da insurreição organizada pelos aliancistas e comunistas,
houve grande influxo na produção de imagens e discursos anticomunistas e na

36
Ibidem.
37
Preleção, 9 de outubro de 1937. ACH/UFV.
43

perseguição de militantes. O congresso aprovou o estado de sítio, a Lei de Segurança


Nacional também foi colocada em vigor e o Tribunal de Segurança Nacional obteve
“carta branca” para atuar na repressão ao comunismo.
O jornal varguista da cidade, a Gazeta de Viçosa38, divulgou uma espécie de
curso preparatório contra o comunismo. Em parceria com a Polícia do Rio de Janeiro, a
prefeitura de Viçosa colaborava com o regime em preparar os cidadãos na luta contra as
chamadas “ideologias extremistas”. Confira na imagem abaixo tirada do jornal (Figura
1).
Figura 1: Contra o comunismo (Gazeta de Viçosa)

Fonte: http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/

Voltando à palestra da reunião geral, o professor aponta o cristianismo como o


antídoto do comunismo. Em sua visão, as doutrinas materialistas objetivavam acabar
com o catolicismo. E a fonte de inspiração para o enfretamento do comunismo estaria
justamente nos documentos da Igreja. Nesta perspectiva, o autor ressalta que,

no Brasil, cuja população em maioria é católica, são as encíclicas papais e,


particularmente, a “divini redemptoris”, exclusivamente dedicada pelo atual
pontífice Pio XI, demonstrando cabalmente a doutrina e a consequência do
comunismo ateu, a que se reduz o homem e a família ao terrorismo e tantos
outros males (...)Na encíclica acham-se expostos os remédios e meios de
combate, tais como: a renovação da vida cristã, o desapego aos bens terrenos, a
caridade cristã, a justiça social, a pregação contra as ciladas comunistas, a
administração sabia e prudente e outros caráteres essencialmente católicos 39.

38
Gazeta de Viçosa. 6 de março de 1938. N 1, ano XIV.
39
Preleção, 9 de outubro de 1937. ACH/UFV.
44

A citação da encíclica papal mostra diretamente o viés católico do


anticomunismo apregoado na reunião geral. A novidade do texto religioso consiste na
declaração de guerra frontal ao comunismo, em contraste com a postura até então pouco
belicosa da igreja contra o marxismo. Para Rodrigo Motta, “o aspecto mais importante
da Encíclica (...) não é tanto o conteúdo dos argumentos apresentados, mas a ênfase que
dá à importância de combater os inimigos” (MOTTA, 2002, p. 41).
Em resposta à convocação papal na luta contra o perigo comunista, o preletor
finaliza sua palestra com a leitura de um trecho do Manifesto da “Frente Universitária
contra o Comunismo”40. Terminar a exposição com o pronunciamento de uma
organização estudantil em marcha contra o comunismo tinha um papel pedagógico
considerável. Era um verdadeiro convite ao “engajamento” contra o marxismo.

Eis a que nos propomos, organizando-nos contra o comunismo: a) a


desenvolver nos meios estudantinos, por excelência, uma ação anticomunista
em todos os sentidos e por todos os meios; b) cultivar um espírito de
indissolúvel solidariedade humana, reservando-nos o direito de defender o
Brasil, em qualquer terreno, direta ou indiretamente; c) defender o governo
constituído e estar ao lado dos defensores da ordem; d) prepararmo-nos moral,
intelectual e mesmo materialmente para o efeito de nosso objetivo. E para isso
os concitamos a formar conosco, colegas e patriotas41.

Em uma palestra proferida na Esav, Griffing esclareceu aos estudantes a


“catástrofe” causada pela revolução comunista na China. Na verdade, de acordo com
um documento intitulado “A Escola de Viçosa e o Combate ao Comunismo”, a direção
da Escola promoveu, em 1935, uma série de palestras contra o comunismo. Na
perspectiva do palestrante, ele argumentava que sabia do caráter dos estudantes da Esav
e do seu não envolvimento com as ideias marxistas. Porém, a palestra servia de alerta
para “todos os estudantes a cerrar fileiras ao lado dos poderes constituídos e a orientar
os menos esclarecidos ao combate ao comunismo” 42.
Neste aspecto, o anticomunismo como temática ministrada na reunião geral
correspondia com o envolvimento das autoridades da cidade, governada por aliados de
Vargas. Um exemplo disso está no inquérito policial que um professor assistente da

40
Não foi encontrada nenhuma referência dessa associação em livros sobre os movimentos estudantis
conservadores. Na perspectiva de Motta (2002), as organizações anticomunistas tinham caráter
extremamente efêmero e, portanto, criadas com finalidades tão específicas que eram desorganizadas com
grande facilidade (MOTTA, 2002, p. 177).
41
Preleção, 9 de outubro de 1937. ACH/UFV.
42
A Escola de Viçosa e o Combate ao Comunismo, 1935. ACH/UFV.
45

ESAV sofreu no final de 193543. Por esse motivo, a Escola também abriu um processo
interno na junta administrativa para apurar o caso. Dessa forma, é perceptível que o
bom cidadão, dotado de civismo e civilidade, formado na concepção moderna, se
afastaria dos “extremismos” típicos das “ideologias de esquerda”44.
Na palestra intitulada Biografia Agrícola, Edson P. Magalhães descreve a
mudança no cenário científico brasileiro no tocante às publicações de estudos sobre a
agricultura. Enquanto nos primeiros anos do estabelecimento das escolas superiores
grande parte dos estudos vinham da Europa, o professor mostra que, nos dias atuais,
muitas pesquisas têm sido feitas no Brasil, inclusive na própria ESAV. Não obstante, o
palestrante afasta a influência do “Velho Mundo” e sugere que:

(...) a consequência de tal literatura europeia, eminentemente teórica e


fabricada ao sopro de um ambiente ecológico inteiramente diverso do nosso,
tem repercutido, ainda hoje, de maneira assaz prejudicial, atrasando o
desenvolver da nossa economia agrícola pela má orientação das pesquisas e
dos trabalhos agropecuários aqui realizados45.

Essa dependência da produção europeia foi substituída, de acordo com


Magalhães, pelas investigações de técnicos brasileiros e também estrangeiros no país.
Para finalizar seu raciocínio, Magalhães exalta a influência americana em detrimento da
europeia e mostra que essa mudança de direcionamento na prática científica brasileira
veio, diretamente, da América do Norte:

Muito de propósito, deixamos, até agora, de fazer qualquer referência ao tópico


essencial desta preleção. De fato, nenhum estudo, hoje, sobre questões
agrícolas, pode ser conduzido sem referências ao maior celeiro de informações,
que é a América do Norte. Na verdade, a posição de Tio Sam é de tal modo
proeminente que se destaca de todos os outros países como fornecedor dessa
mercadoria tão essencial aos mercados de estudos 46.

Certamente, a naturalização da presença americana na Escola e o reforço dos


laços com os ianques eram estratégicos para os esavianos. Como parte da história da
ESAV, os Estados Unidos eram o maior destino dos professores que buscavam se
qualificar com a pós-graduação. Somado a isso, o estudante era levado a se inspirar no
pragmatismo americano e, também, no ideal civilizatório desenvolvido naquele país.

43
Junta administrativa. Processo nº 360, 1935. ACH/UFV.
44
Ibidem.
45
Revista Seiva, nº 14, Setembro-Outubro de 1943. Ano IV.
46
Ibidem.
46

A frequência da Reunião Geral foi modificada a partir de 1940. Os encontros


diários transformam-se em semanais, mas a intenção em difundir a cultura institucional
consubstanciada no chamado “espírito esaviano” prosseguiu até 1951. O encerramento
das atividades relaciona-se à falta de espaço no salão nobre, uma vez que, com o
crescimento da instituição e sua transformação em Universidade, o formato das reuniões
tornou-se insuficiente e incapaz de reunir toda a comunidade universitária.

1.4 O internato
Outro elemento formador do “espírito esaviano” foi o internato. Desde os
primeiros anos da Escola, a moradia dos estudantes dentro dos limites da instituição
contribuía para a solidificação dos princípios morais almejados pela direção. Até então
no Brasil, as tentativas de criação de internatos não tinham obtido êxito (BORGES,
2006). A experiência pioneira em Viçosa foi considerada um sucesso, haja vista a
permanência de alojamentos estudantis até os dias atuais na Universidade. Porém o
sistema de internato tal qual planejado na ESAV recebeu algumas críticas durante os
anos iniciais da instituição. A experiência negativa de outras escolas, como a Escola da
Baía e a Escola em Piracicaba (ESALQ), mostrava o risco de colocar tudo a perder 47.
A sociabilidade desenvolvida pelo internato tornava-se essencial para o
desenvolvimento da cultura institucional. A capacidade de manter os alunos envolvidos
integralmente com a Escola fortalecia a adaptação dos estudantes ao padrão moral
preconizado pelos fundadores. Na visão de Simonini, a permanência dos alunos nos
limites territoriais da ESAV permitia que fossem expostos ao modelo de ser “humano
esaviano fomentado no cotidiano escolar: indivíduo de caráter forte, autodisciplinado,
que realizava suas obrigações por livre vontade e por amor à Escola e à Pátria”
(SIMONINI, 2014, p. 257).
Havia um rígido controle de condutas para os moradores do internato, que
buscava homogeneizar condutas e controlar possíveis desvios comportamentais, mas o
sistema disciplinar vigente não correspondia ao modelo baseado em castigos, que eram
muito comuns nas primeiras décadas de século XX. Para Denilson Azevedo, existe uma
contradição entre a “recusa em adotar um regime de força, com base nos princípios
marciais, ao mesmo tempo em que se advoga e legitima o emprego de dispositivos para
controlar os ‘sentimentos de liberdade dos alunos’” (AZEVEDO, 2005, p. 155).

47
Revista Seiva, N.2 Outubro-Novembro de 1940. Ano I
47

Enquanto o estudante se mantinha dentro dos limites da Escola, sua


sociabilidade na cidade ficava comprometida. A própria distância do campus em relação
ao município e o preço da passagem de ônibus eram impeditivos para evitar o quase
confinamento do aluno esaviano. Para a Escola, importava, acima de tudo, uma correta
ambientação do estudante diante dos valores ensinados na instituição.
Por outro lado, isso reforçou a identificação do estudante com a Escola,
inclusive após a formatura. Oliver (2005) argumenta que em comparação com as outras
escolas superiores de agricultura do período, os ex-alunos esavianos permaneceram com
maior contato em relação à Escola após a formatura. De acordo com a autora, muitos
“mantiveram um constante laço afetivo com a instituição, uma vez que a maior parte
deles frequentou o curso como internos” (OLIVER, 2005, p. 76).
Nesse aspecto, a narrativa de Lam-Sanchez sobre o internato da antiga ESAV é
eivada de saudosismo e muita recordação positiva. Segundo o ex-professor, “o
alojamento era a nossa casa, e, como todo lar adotado, a boa convivência imprimia em
nós um sentimento fraternal” (LAM-SANCHEZ, 2006, p. 286). Diante das “chacrinhas”
dos alunos e da proximidade entre eles, o autor cita a amizade desenvolvida com os
funcionários que trabalhavam nos alojamentos – os quarteiros.
Na Revista Seiva, uma propaganda do internato exemplifica a importância da
moradia estudantil para os esavianos: “Internato: neste lar forja-se uma mentalidade
própria – “o Espírito Esaviano” – árvore frondosa que evolui contínua e silenciosamente
para felicidade nossa, da agricultura e da pátria” 48. A vinculação do ethos institucional à
pátria mostra o caráter cívico esperado nos estudantes da Escola, que, imbuídos da
mentalidade esaviana, desempenhariam coerentemente seu papel no país.

1.5 O “espírito esaviano” entre os estudantes


O movimento estudantil na ESAV surgiu oficialmente em 1929, com a fundação
do Centro de Estudantes49, transformado em Diretório dos Estudantes em 1942. Essa
instituição organizava eventos acadêmicos, esportivos e culturais que movimentavam
bastante a Escola. Entre suas atribuições mais importantes, a promoção de palestras
contribuía com a identificação dos recém-chegados em relação ao “espírito esaviano”.
Além disso, o Centro criou em 1940 um periódico discente, a Revista Seiva, que

48
Revista Seiva, n. 6. Outubro–Novembro de 1941. Ano II.
49
Revista Seiva, n. 6. Outubro–Novembro de 1940. Ano I. A. Secundino S. José. Em 1942 o Centro
Estudantil se transformou em Diretório Estudantil.
48

representava mais do que a exposição de notícias de interesse estudantil, uma vez que a
divulgação científica se tornou o “carro chefe” do periódico.
As palestras organizadas pelo Centro de Estudantes correspondiam à formação
do “espírito esaviano”. O objetivo maior consistia em fazer o jovem, inclusive aquele
que ingressava recentemente à Escola, se identificar com o status quo vigente. Para
exemplificar, o professor e diretor da ESAV Antônio Secundino S. José afirmou:
“havendo recebido um convite do Centro de Estudantes para inaugurar as palestras do
ano de 1941, (...) achei bom alvitre tecer alguns comentários em torno da nossa ‘alma
mater’”50. Sendo assim, o Centro de Estudantes tornava-se ponto chave diante do
objetivo da Escola em formar do indivíduo moldado pelas características cívicas
esperadas de um “bom esaviano”. Para complementar, o professor associa esse ethos
institucional ao sentimento patriótico:

(...) Sempre que oportunidade se me apresenta, tenho repetido com absoluta


convicção essa verdade: a nossa ESAV tem uma alma e um espírito que não
morrem e que não morrerão nunca, enquanto existir um esaviano de boa
vontade sobre a face da terra. (...). Sejamos sempre esavianos de alma e de
coração, e honremos sempre a nossa ESAV, dentro e fora dela. (...) Esavianos!
A nossa Escola precisa de nós. Precisa de nosso apoio, da nossa inteligência,
do nosso espírito de sacrifício, do nosso amor. O nosso espírito é baseado no
que há de mais lindo, mais puro e mais sólido em matéria de patriotismo.
Sejamos dignos dos nossos antepassados, certo de que, assim procedendo, a
causa augusta da nossa pátria e reforma do país pela reforma do homem da
lavoura51.

Em outra palestra organizada pelo Centro de Estudantes, o preletor foi


convidado a relatar sua experiência nos Estados Unidos e, principalmente, abordar o
estilo de vida dos estudantes estadunidenses. Essa identificação reforçava a cultura
americana como referência para os alunos da ESAV. Posteriormente, os convênios com
instituições norte-americanas se tornariam rotina dentro da universidade. Esse fato será
naturalizado pelo trânsito quase permanente de professores que escolheram os Estados
Unidos como lugar de formação e, ao retornar, divulgavam na Escola suas experiências:

O departamento cultural do Centro dos Estudantes, sob operosa direção de


Silvino Melo, vem proporcionando à Escola e à cidade, magníficas palestras.
Assim é que a 16 de junho, o prof. J. Quintiliano de A. Marques proferiu uma
interessante conferência sobre a “Vida Universitária americana”, abordando o
assunto com rara felicidade, o ilustre conferencista disse do que vira e sentira

50
Revista Seiva, n. 6. Outubro–Novembro de 1940. Ano I
51
Ibidem.
49

na terra do Tio Sam. Sua palestra foi uma imagem viva dos estudantes
americanos52.

Neste aspecto, percebe-se que o Centro de Estudantes mantinha uma relação


próxima à Escola, seja por meio dos professores como palestrantes e participantes dos
seus eventos, mas, sobretudo, através da promoção dos valores que eram relevantes
desde a fundação da instituição. O excerto seguinte tipifica essa relação entre o
estudante e a instituição:

As nossas aspirações visam ao nosso bem, ao de nossos sucessores e à


grandeza da ESAV. Essa Escola tem feito tanto sacrifício por nós que não nos
seria possível recompensá-la com a maior verba que nos cobrasse. A instrução
que dela recebemos, o caráter que ela nos molda e a personalidade que nela
adquirimos, foram o que a ela devemos... E como pagar essa infinita dívida?
Com o testemunho de nosso amor e gratidão... Qual é esse testemunho? É
aquele que daremos mantendo-nos sempre ligados a ela de maneira ativa e
construtora. O nosso desejo é que ela cresça. E ao sair, continuaremos
esavianos para sempre. Passaremos para a Associação dos Ex-alunos, por meio
da qual nos ligaremos ao “segundo lar materno”. (...) E é por meio desta
conjunção de forças que vamos iniciar a construção da nossa sede 53.

O tom de bajulação do texto acima reflete o caráter devedor do estudante diante


daquilo que a instituição fez por ele durante seus anos de estudos. Em troca, o aluno
devolveria à Escola sua gratidão em forma de um envolvimento intrínseco a ela, seja na
atuação no Centro de Estudantes ou, após a formatura, através da Associação de Ex-
Alunos. Mas o mais importante vem depois, quando, finalmente, o autor do texto mostra
sua intenção: a construção da sede da entidade estudantil. Assim, o aspecto quase
religioso do texto revela seu lado pragmático, afinal, o Centro, acima de tudo, buscava
convencer a Escola da importância dessa construção. Nada melhor do que externalizar
toda devoção à ESAV como meio de obter favor da direção.
Dessa forma, não parece correto supor que o Centro de Estudantes atuasse
apenas como reprodutor do ethos institucional. Havia também uma interlocução entre a
direção da Escola e o Centro estudantil, de forma que os estudantes também se
utilizavam dessa aproximação para obter ganhos, não apenas como porta-voz
instituição.
No jornal O Bonde, os editores criaram o hábito de fazer elogios às gestões de
diretores e reitores da instituição. Como exemplo, na matéria de capa do jornal de 20 de
outubro de 1945, os editores saúdam o diretor Dr. José de Melo Soares de Gouvêa:

52
Revista Seiva, N.8. Maio–junho de 1942. Ano II.
53
Revista Seiva. N. 5. Agosto – Setembro de 1941. Ano II.
50

“acreditamos que não poderíamos tomar atitude mais justa, desde que, este jornal é um
órgão que interpreta o sentimento geral dos alunos da ESAV, e o nosso tributo não é
senão um reflexo do que vai no íntimo de cada esaviano” 54. No restante do texto, há
várias menções à competência do diretor e das muitas escolhas acertadas de sua gestão,
principalmente o apoio dado aos estudantes na fundação do jornal. Matérias de
semelhante consideração e apreço aos gestores são encontrados nos anos de mudança de
direção. Porém, houve momentos de pressão dos estudantes em relação à direção em
muitas publicações.
Embora em certo aspecto o Centro de Estudantes e, posteriormente, o Diretório
dos Estudantes, fosse um órgão que prestava alguma colaboração com a Escola,
algumas de suas ações representavam pouco o conservadorismo da instituição. Em 1929
foi criada a Marcha Nico Lopes. Esse evento, a princípio, tinha como função
recepcionar os calouros com uma passeata pela avenida principal da instituição. Eram
formados blocos temáticos que satirizavam situações do ambiente escolar e, com o
passar dos anos, questões políticas foram adicionadas ao ambiente festivo do evento.
Na lida diária cercada de formalidades que o padrão moral esaviano exigia, o aluno
encontrava na Marcha um espaço de extrapolação do cotidiano com algumas doses de
“subversão moral”.
Em adição, no jornal O Bonde, alguns textos expressaram as referências do
espírito esaviano, neste caso, associadas ao sistema educacional dos Estados Unidos. De
acordo com J. M. Pompéu Memória 55,

Uma formação intelectual sozinha, não alicerçada por boa formação moral,
patriótica e humanística, desenvolve mentalidades inadaptadas ao meio social.
(...) Sem dúvida, devemos isso à nossa formação nos moldes universitários
norte-americanos. O “espírito esaviano”, que tem sido preservado e transferido
de geração em geração, nada mais é que uma tradução a nosso modo de
espírito universitário americano. Os norte-americanos, com sua mentalidade
pragmática, reconheceram desde cedo a função social da escola e têm se
esforçado continuamente à procura de resolver satisfatoriamente essa questão56.

Conforme demonstrado, a associação entre o “espírito esaviano” e a formação


nos “moldes americanos” representa a naturalização da presença norte-americana na
comunidade escolar. Somada a isso, a formação moral é colocada no patamar da
formação intelectual, sobretudo para atuar na transformação da mentalidade do sujeito.

54
O Bonde, 20 de outubro de 1945, n. 8. ACH/UFV.
55
Extraído de http://www.personagens.ufv.br/?area=joseMariaPompeu: 26/08/2017.
56
O Bonde, 2 de outubro de 1948. ACH/UFV.
51

O interesse do autor é reforçar a identificação da cultura escolar na ESAV referendada


pelo padrão estadunidense de qualidade científica e também moral. Outro elemento
reforçado no argumento acima é o valor da preservação do “espírito esaviano” e seu
caráter de transferência geracional, o que fortalece o poder desse discurso na construção
do tipo ideal de estudante.
Diante disso, outra marca dessa cultura institucional são a cooperação e o senso
de fraternidade dos estudantes. Segundo outro articulista do jornal O Bonde, “quando,
ainda, não pertencia a esta Comunidade e apenas por informações conhecia a ESAV, já
ouvira falar do espírito esaviano”. Fazer chegar os valores da instituição para além das
“quatro pilastras” era bastante desejado entre os dirigentes da Escola. O autor ainda
prossegue que “a cooperação era o esteio que mantinha de pé o bom nome e o conceito
desta Escola”. Porém, em sua narrativa, ele mostra que esse espírito começava a
declinar. Uma palestra organizada para os alunos contava com a presença ilustre de um
ex-esaviano. Mas o baixo número de participantes encheu de tristeza o articulista que,
indignado, reconhece que a tradição estava em decadência. Nas palavras do autor,

Não é necessário ser veterano para notar que o tão decantado espírito esaviano
está desaparecendo. Não teremos nós, também, a ventura de, ao deixarmos esta
Casa, espalhar aos quatro ventos aquilo que sobre ela ouvimos, antes de dela
sermos filho? Isto cabe tão somente a nós mesmos. Cooperando com tudo
aquilo que sirva para engrandecer o nome da ESAV; deixando de lado a
mesquinhez das diversões mundanas, poderemos, com orgulho, dizer que
reforçamos aquele esteio prestes a ser derrubado, e que aquele espírito que
regia os que antes se assentaram nos bancos que hoje ocupamos continua
inabalável, para maior glória dessa mãe carinhosa que, deste modo, mais se
orgulhará de seus filhos57.

Neste caso, o “espírito esaviano” é retomado como referência das práticas


morais na universidade. As condutas que não se adaptam ao padrão moral elevado da
Escola são desprezadas. Neste aspecto, evocar o “espírito esaviano” configura o mesmo
que exaltar a tradição da ESAV em detrimento das “novidades” que chegavam com o
passar do tempo. Enquanto a tradição vigente requeria uma postura cooperativa dos
alunos com os eventos locais, a ausência significava o aposto óbvio, ou seja, a quebra
da tradição que sempre representou a grandeza da Escola. Esse é um recurso discursivo
que defendia determinados valores por meio da nostalgia. Em outras palavras, a

57
O Bonde, 18 de junho de 1949. ACH/UFV.
52

glorificação do passado apontava normas de comportamento que, quando descumpridas,


arranhavam a imagem da instituição e abalavam a cultura normativa da Escola.
Na visão de Simonini (2014), O Bonde tinha um caráter completamente
descomprometido com o posicionamento de “coisas sérias”. Talvez isso se aplique aos
textos humorísticos, o que torna essa afirmação do autor incompleta. Em diversas
edições do periódico – que serão analisadas aqui posteriormente – algumas posições
políticas foram expostas e problematizadas. No entanto, entre outras facetas, estão
incluídos o enaltecimento da grandeza da Escola e o repúdio às formas estranhas de
vivenciar o chamado “espírito esaviano”. Por sua vez, diversas dimensões do cotidiano
escolar são captadas por esses estudantes, que expunham situações e práticas não aceitas
dentro da alta moralidade da Escola.
Filho e Ferrari (2015) identificaram que, por meio do jornal O Bonde, os
estudantes buscaram normatizar até mesmo o comportamento sexual dos seus pares.
Com textos de cunho debochado, o Jornal exprimiu o padrão esaviano de ser, neste
caso, o homem viril. Todo sentimento ou atitude associada à sensibilidade ou meiguice
era relegada ao universo feminino e, quando apropriado por homens, automaticamente
apontado como afeito à homossexualidade. Sendo assim, “a fronteira entre o que é
típico de homem e de mulher como opostos acaba organizando a classificação e imersão
das homossexualidades” (FILHO; FERRARI, 2015, p. 52).
Em outra situação, a Associação de Ex-alunos58 da ESAV lança mão do “espírito
esaviano” para cobrar as anuidades atrasadas dos seus associados. Assim, a cultura
institucional é evocada como parâmetro comportamental. A atitude de um “verdadeiro
esaviano” deveria ser honesta e, portanto, coerente com os valores aprendidos e
difundidos na Escola:

Apelamos para o seu espírito esaviano e lhe afirmamos que a Associação


somente será de fato uma organização perfeita, capaz de cumprir com o seu
programa quando contar com a solidariedade moral e material de cada um e de
todos os ex-alunos59.

58
A Associação dos Ex-alunos da UFV surgiu em 1935, ainda nos tempos de ESAV, e permanece até os
dias de hoje. O objetivo dessa organização é, de acordo com seu estatuto, “congregar os ex-alunos da
UFV e os das instituições anteriores a ela, procurando manter seu espírito e suas tradições, robustecendo
os vínculos entre seus ex-alunos e a Universidade”. Extraído de: http://www.ufv.br/exaluno. Sua
atividade principal consiste na organização de um baile anual que atrai a presença de ex-alunos de todos
os períodos da história institucional.
59
Carta. Associação de Ex-alunos da ESAV. Viçosa, 15 de março de 1943. ACH/UFV.
53

Ainda no aspecto da moralidade, o “alto” padrão moral difundido entre os


esavianos envolvia a aversão à trapaça nas avaliações, conhecida entre os alunos como
“cola”. Nas memórias do ex-aluno e ex-professor Alfredo Lam-Sánchez, “o curso de
Agronomia tinha por norma, tanto no nível dos professores como no dos alunos, não
aceitar a ‘cola’” (LAM-SÁNCHEZ, 2006, p. 94). O autor aponta que, em muitas
situações, os professores saíam da sala e deixavam os alunos fazendo a prova sem
problema algum. O autor ainda afirma que porventura, quando havia “cola”, algum
aluno entre os outros se “levantava e, em voz clara, dizia alguma coisa como ‘assim não
dá para manter o espírito universitário’”.
Porém, em O Bonde, a prática da “cola” parecia assombrar a Universidade e
ameaçar o “espírito esaviano”. De acordo com o articulista, “a ESAV sempre teve um
orgulho. Orgulho justo e merecido, orgulho de gente boa que sabe do prazer da
honestidade. ‘Na Escola não há ‘cola’, a responsabilidade individual é um fato’” 60. O
valor da honestidade aparece no discurso do autor como “maior tradição” da Escola e,
neste caso, a grande ameaça da trapaça nas avaliações é atingir o valor máximo da
cultura esaviana. Na perspectiva do articulista, o maior problema da cola “não se
resume na desmoralização do indivíduo. O nosso problema da ‘cola’ é que ela está
tentando desmoralizar a Escola”.
Nas páginas do pasquim discente há sempre um sentimento de saudade dos
tempos de outrora. Em virtude da comemoração dos 10 anos de O Bonde, o editorial
ressalta que “O Bonde é lembrado com carinho, com saudade, porque ele é o único
capaz de trazer de volta os bons tempos de estudante, os bons tempos de ESAV” 61. No
texto também há o reconhecimento de que o periódico contribuiu com a formação
cultural do esaviano: “não só, nos de O Bonde, mas também todos os esavianos,
devemos muito a estes artistas abnegados que muito concorreram e concorrem para a
expansão de nosso humorismo e, o que é de muito mais importância, para a formação de
nossa cultura”. Neste caso, a referente cultura aferida pelo autor representa o próprio
“espírito esaviano”.
Parte dessa cultura institucional remete ao culto dos mitos fundadores do modo
de viver e pensar do esaviano. Nas páginas de O Bonde, há um artigo que faz menção ao
professor Peter Henry Rolfs pela sua imensa contribuição com a criação da Escola. O

60
O Bonde, 13 de abril de 1958. ACH/UFV.
61
O Bonde, 1 setembro de 1955. ACH/UFV.
54

autor se queixa por não presenciar nenhum tipo de comemoração referente ao dia de
nascimento do professor americano. De acordo com o articulista, “é pena que a ESAV
tenha silenciado a esta data. É pena porque P. H. Rolfs não morreu; ninguém morre
depois de uma obra tão bela! Seu aniversário deveria ser comemorado” 62. As
consequências do esquecimento dos protagonistas de sua história são lastimáveis na
versão do autor. Para ele, “nosso mastro nos dizia que a ESAV esquecera seu patrono.
Esquecer P. H. Rolfs é divorciar-se de nossas tradições, é não lembrar do próprio
espírito da ESAV que ele representa”63.
Neste aspecto, a narrativa desses estudantes contribui para identificar uma
cultura institucional resistente ao tempo, porém ameaçada pela ferocidade dos novos
costumes. Mas seria esse tal “espírito esaviano” tão unânime? Nossa hipótese parte de
outra perspectiva. Na verdade, considerando a leitura das fontes e a análise da história
da ESAV, o “espírito esaviano” aparece também como recurso discursivo. Neste caso,
os estudantes faziam uso da tradição para legitimar determinadas práticas ou para
criticar certas posturas de outros alunos.
Além disso, nem todos seguiam os padrões morais elevados defendidos pela
Escola. Na documentação do Arquivo Central da UFV, encontramos algumas
sindicâncias contra professores e estudantes, inquéritos policiais e alguns documentos
referentes aos problemas disciplinares de membros da comunidade escolar. De certa
forma, isso mostra que a cultura institucional não dava conta de circunscrever toda a
comunidade escolar em suas práticas.
Um inquérito policial64 foi aberto em 1937 para apurar o disparo de um tiro de
revólver por um estudante da ESAV. Diante da investigação, foi provado que o tiro foi
acidental, uma vez que a arma do aluno caiu acidentalmente e efetuou o disparo. Ainda
que esse episódio seja pequeno e quase insignificante, a Escola tinha muita preocupação
de solidificar sua imagem na cidade. Porém, de certa forma, a instituição não tinha
controle das ações de seus alunos na cidade.
Em inquérito interno, aberto pelo diretor Bello Lisboa em 1930, há uma longa
investigação de um caso de embriaguez, seguido de confusão envolvendo alguns alunos
da escola. Segundo um dos investigados, o estudante Carlos Piza havia tomado “apenas
um copo de cerveja, no Hotel do Sr. Pereira, em companhia de seus colegas. Disse mais

62
O Bonde, 28 de abril de 1956. ACH/UFV.
63
Ibidem.
64
Delegacia de Polícia Especial do município de Viçosa, 22 de abril de 1937. ACH/UFV.
55

que há mais de 2 anos passados, dava-se ao uso do álcool, bebendo umas 2 ou 3


cervejas, chegando a se exceder em algumas vezes 65. O outro interrogado, Geraldo
Jacob, informou ao diretor que além da cerveja foi ingerida pelos estudantes uma dose
de aguardente. Depois de jantarem no referido hotel, saíram para dar uma volta e depois
retornaram para suas respectivas residências. O último a ser questionado pelo diretor, o
estudante Alfredo de Fonseca, deu outra versão do fato. Primeiramente, os estudantes na
verdade tomaram duas doses de aguardente no bar do João Português, foram ao hotel do
Sr. Pereira, jantaram e, por fim, tomaram de 6 a 8 garrafas de cerveja. Segundo o
estudante, “em estado de embriaguez, dirigiu-se à casa de mulheres de vida fácil, donde
regressou à Escola, chegando antes das 9 horas da noite. Na casa acima aludida foi em
companhia do Sr. Geraldo Lopes Jacob”. Declarou também ter pago as despesas sem
maiores problemas.
O filho do proprietário do hotel afirmou que os estudantes chegaram bastante
embriagados para o jantar, e ainda por cima pediram mais cerveja. Ele aconselhou os
rapazes a ir embora, pois o Sr. Quintino pedira uma arma emprestada. Depois desse
fato, os colegas se retiraram e foram para outro bar, “fazendo alarido”. Um dos
estudantes, neste caso, Carlos Piza, ao sair do bar, tocou o sino da cadeia velha da
cidade, provocando muito barulho. Algumas testemunhas confirmaram ter visto o
referido aluno e disseram que ele não tinha boa fama na cidade, sendo conhecido como
farrista. Não foi encontrada no arquivo nenhuma resolução referente a este caso, porém
é muito emblemático perceber que, a despeito da rigidez do “espírito esaviano”, alguns
comportamentos fugiam completamente do padrão moral esperado de um verdadeiro
esaviano.
A Congregação da Escola, em 1937, identificou uma lista de estudantes66 que
tinham problemas e deveriam ser admoestados pela direção. Resultado do estudo de
alunos feito em Congregação de 4 de abril de 1937. De acordo com a lista, o aluno
Edson Potsch de Magalhães – futuro reitor da Universidade – foi considerado
convencido; Francisco Severino Moraes Correa, infrequente em Zoologia; Raul Briquet
Junior, pouco interessado em aula de desenho e faltoso às aulas; Jorge Oliveira Viana,
faltoso em Matemática, Construções Rurais, Zootecnia e Laticínios; Athair L. Rezende,
faltoso às aulas de Construções rurais; José Gomes Fialho, Halley Barroso, Gentil

65
Inquérito, 26 de novembro de 1930. ACH/UFV
66
Resultado do estudo de alunos feito em Congregação de 4 de abril de 1937. ACH/UFV
56

Paulino Costa, Fracisco Tabosa, alunos considerados fracos; José de Souza Costa,
possuidor de conduta irregular em geral, em especial nas aulas de agronomia. Todos
esses estudantes deveriam ser chamados à diretoria e observados pelos professores.
Em uma sindicância67, o Prof. Diogo Alves de Mello, um dos mais conceituados
da antiga ESAV, foi investigado pela Comissão de Inquérito. O professor foi
denunciado à Congregação por diversos estudantes da instituição, acusado de: ter sido
desrespeitoso com pessoas estranhas à Escola e ligadas à administração do país; fazer
menção a políticos durante às aulas; fazer críticas aos colegas de trabalho durante as
aulas e também de tentar enfraquecer a diretoria da ESAV. No tocante à política, de
acordo com seus delatores, Mello afirmou em sala de aula que os políticos chegam ao
poder para roubar, inclusive citando nome de políticos como Arthur Bernardes -
chamado de usurpador do dinheiro da nação -, Washington Luis e Epitácio Pessoa.
Disse que o filho do Arthur Bernardes, ao deixar o poder comprou o jornal do Comércio
por 3.000 contos por meio de dinheiro público e, ainda por cima, vivia viajando de
Viçosa ao Rio de Janeiro às expensas do dinheiro público. Em sua defesa, o professor
argumentou que não era político, não seguia partido algum, nunca votou e só discutia
esse tipo de coisa em momentos extraclasse. Negou, sobretudo, a crítica ao presidente
Bernardes, simplesmente por ser responsável pela existência deste estabelecimento,
quando é fato que ele mesmo se considerava um admirador e defensor de Bernardes.
Somado a isso, o professor também negou que tenha criticado seus colegas ou que
trabalhe contra a instituição. No fim das contas, a Comissão de Inquérito acatou as
denúncias contra o professor, porém reconheceu que ele não utilizou os espaços de aula
para proferir suas opiniões, tampouco tenha conspirado contra a direção da Escola.
Principalmente nos primeiros anos da instituição, tornou-se prática comum da
Congregação da Escola a discussão entre os dirigentes a respeito da melhor prática
disciplinar para os alunos. Para moralizar a reputação da instituição em relação à
comunidade, os desvios de conduta eram tratados de forma enérgica, o que envolvia
punições de acordo com a prática desviante do aluno, podendo ser advertências,
suspensão por um ano e até mesmo o desligamento da Escola. Certamente que o espírito
de harmonia apregoado pelos esavianos encontrava limites na realidade cotidiana, uma
vez que casos de subversão do ethos institucional não eram raros. Na reunião de 13 de
dezembro de 1932,

67
Sindicância. ESAV, 12 de julho de 1930. ACH/UFV.
57

Foram submetidos à apreciação dos presentes os nomes de todos os alunos da


Escola, a fim de verificar quais os que, por sua conduta social-irregular, falta
de aplicação e aproveitamento nos estudos, se tornaram indesejáveis ao
estabelecimento, e deverão ser afastados, salvaguardando-se assim o bom
nome, a integridade e a segurança desta instituição68.

Os alunos punidos para o ano de 1933 teriam praticado uma série de condutas
consideradas desviantes para a Congregação da Escola e, consequentemente, avessas ao
“espírito esaviano”. A proposta teve por fundamento:

1) Mau procedimento em aula, 2) Desrespeito às autoridades da Escola 3)


Desrespeito ao material da Escola; 4) Alguns por deficiência de apreensão 5)
Por estarem aquém do padrão da Escola 6) Por incapacidade de bem servirem a
carreira agrícola69.

De certo modo, o avesso do “espírito esaviano” sempre existiu na ESAV e


perpassou os tempos de UREMG e UFV. As peripécias dos transgressores eliminam a
homogeneidade da cultura institucional e, por sua vez, demonstram os limites do
espírito esaviano na normatização dos valores cívicos e morais propagados pela Escola.
Uma cultura centrada no companheirismo e na ausência de conflito agudo entre as
partes certamente não abarca a realidade complexa do cotidiano institucional.
O sentido do tão enfatizado caráter cooperativo do “espírito esaviano” relaciona-
se com uma determinada postura política, neste aspecto, de cunho mais conservador.
Para Azevedo, o sentido da cooperação no discurso esaviano “traz a ideia do trabalho
em conjunto, mas ornado com uma pureza política, como forma de harmonização da
convivência” (AZEVEDO, 2005, p. 144). O autor ainda prossegue na significação do
ethos da instituição como circunscrito à “domesticação dos comportamentos”, que, de
alguma forma, normatizava as práticas do cotidiano e buscava prever problemas
disciplinares.
Portanto, se por muitos anos os alunos utilizavam o discurso do “espírito
esaviano” para normatizar determinadas condutas dentro da instituição, os idealizadores
dessa cultura tiveram bastante sucesso em reforçar as características científicas, cívicas
e morais do sujeito que estuda ou trabalha intramuros da Escola. Esse legado foi
continuado. Por outro lado, o recurso discursivo oculta as características subversivas ou
transgressoras da cultura institucional. Neste âmbito, fica evidente que os idealizadores

68
Atas da congregação, 1932. ACH/UFV.
69
Ibidem.
58

podem até se orgulhar do legado construído, porém ele sempre será um vulto diante da
heterogeneidade das práticas no interior da comunidade escolar. As reminiscências têm
o mesmo tamanho das descontinuidades. Entre a tradição e o novo, sempre houve
espaço para o imprevisível.

1.6 O “espírito esaviano” e o seu legado: a influência política


As forças políticas que contribuíram para a fundação da ESAV estão ligadas a
Arthur Bernardes70. Embora a instituição não se ligasse explicitamente ao projeto
político do líder mineiro, sua vinculação histórica a Bernardes torna-se mais do que
óbvia. O próprio esforço do então presidente do estado de Minas Gerais para a
construção da Escola na Zona da Mata relaciona, além dos interesses econômicos para o
desenvolvimento da agricultura regional, existir também interesse na arregimentação
eleitoral do ex-presidente em direção à sua terra natal.
Certamente, na instituição existem diversas imagens referentes à figura de
Arthur Bernardes como patrono da ESAV. A transformação do presidente em símbolo
da Escola é evidente. Na publicação oficial da UFV sobre sua história institucional, os
autores mostram o legado do presidente para a universidade e o êxito de seu governo em
contribuir para a resolução dos problemas da agricultura mineira. Para Maria do Carmo
T. Paniago, Bernardes “caminhou à frente de seu tempo”. Fundou a ESAV e “lançou as
bases para a solução do angustiante problema da agricultura mineira da época”
(PANIAGO, 2000, p. 49). A autora também destaca o sucesso do governo de Bernardes
no incentivo à produção agrícola, na indústria e comércio (PANIAGO, 2000, p 50).
Talvez, o ponto alto da sua argumentação resida na identificação do político
mineiro como um democrata e avesso a qualquer forma de ditadura. A autora argumenta
que Bernardes participou da revolução de 1930 em rompimento com os valores
autoritários da república velha e rompeu com Vargas em 1932 em nome da Revolução
Constitucionalista. Preso e exilado, Paniago reforça que o ex-presidente retorna ao

70
Em 1952, Arthur Bernardes participou da colação de grau da UREMG como paraninfo. Seu discurso,
também publicado no livro que remonta à história oficial da instituição, reforça a transformação no
panorama agrícola mineiro por meio da fundação da ESAV. Somado a isso, o ex-presidente desfila
diversas críticas aos seus adversários políticos que cogitaram transformar a instituição em quartel militar.
Após denunciar aqueles que tentaram acabar com a Escola na década de 1930, Bernardes novamente
reforça a tese de que as dificuldades passadas pela instituição naqueles tempos redundavam das disputas
políticas em torno do seu legado. Segundo ele, “em política, a emulação entre competidores deve consistir
na prestação de maior soma de serviços à coletividade, e nunca em destruírem uns o que outros
realizaram. Além de prejudicar o Estado e a nação, seria isso revelar mesquinhez de espírito e
preocupação de obscurecer a auréola por outros conquistada” (BERNARDES, 2006, p. 58).
59

Brasil em 1934 como vitorioso, coroado posteriormente como o deputado federal mais
votado do país (PANIAGO, 2000, p. 51).
No entanto, a vinculação da imagem de Arthur Bernardes à ESAV não implicou
alinhamento definitivo da direção da Escola às ideias do fundador da instituição. O
pragmatismo nas negociações políticas com as instâncias do poder que, na década de
1930, estava nas mãos de Vargas – o maior adversário de Bernardes – não permitia à
Escola o mesmo apreço pelo ex-presidente que encontramos na narrativa
memorialística. Pelo contrário, há muitos indícios de que a figura do presidente Vargas
era simpática na instituição, o que mostra o caráter político ambíguo da comunidade
universitária frente ao complexo panorama político nacional e estadual.
Neste aspecto, depois de fundada e inaugurada, a ESAV deveria buscar junto às
autoridades estaduais os recursos necessários para sua manutenção. O trabalho dos
diretores e da junta administrativa consistia, entre outras coisas, em negociar com as
instâncias governamentais a atração de verbas para o desenvolvimento das atividades
ordinárias da entidade. Mesmo que o ensino público nesse momento não fosse
completamente gratuito, as despesas não eram cobertas exclusivamente pelas taxas e
mensalidades dos estudantes, sendo necessário investimento do poder público estadual.
Nos primeiros anos da Escola, não havia autonomia administrativa para gestão
dos recursos, conforme foi acentuado por Azevedo (2005). A autonomia da Escola era
relativa porque não havia uma lei específica que regulamentasse a vinculação dos
recursos públicos para a instituição. De acordo com Azevedo, a Escola era
completamente “dependente dos recursos orçamentários do Estado, que não apresentava
nenhuma regularidade no envio das verbas, o que acarretava constantes reclamações e
apelos da Junta” (AZEVEDO, 2005, p. 92). Essa falta de constância redundava em
atrasos de salários e também em grande “malabarismo” em negociar os interesses da
ESAV diante dos arranjos políticos estaduais e nacionais.
Neste contexto, Azevedo cita que, a partir de 1935, a situação parecia melhorar,
uma vez que, por meio de um decreto, a Escola “foi reconhecida como oficial pelo
governo do Brasil, sendo-lhe conferidas as prerrogativas e direitos que assistem por lei,
aos Estabelecimentos Superiores Federais de Ensino” (AZEVEDO, 2005, p. 95). Houve
grande celebração por parte da ESAV diante desse acontecimento. Por outro lado, o
reconhecimento legal não foi acompanhado por uma prática efetiva. Os atrasos nos
repasses financeiros prosseguiam como nos anos anteriores, o que resultou em novos
esforços para manter os compromissos em dia.
60

Essa situação de instabilidade gerou bastante repercussão na imprensa local. O


jornal Cidade de Viçosa publicou a transcrição do discurso do deputado perremista
(Partido Republicano Mineiro – PRM) Jorge Carone na bancada da Assembleia
Legislativa do estado. A reclamação do congressista refere-se à suposta tentativa de
cassação da autonomia da Escola por meio de mudanças específicas na lei orçamentária
e no desmembramento da instituição. Segundo o deputado, “prepara-se calculada, fria e
criminosamente a cassação da autonomia desse instituto, com o desmembramento de
seus serviços, quebrando assim o ritmo da sua seção, sacrificando sua finalidade” 71 e
também a “cassação da autonomia consiste em que o governo retém a dotação que devia
fazer à Escola a fim de que esta, por si mesma, se encarregue da respectiva
administração”72.
A questão colocada pelo deputado perremista, na verdade, refere-se à Lei
Estadual nº 15, sancionada por Benedito Valadares no dia 13 de novembro de 1935.
Fonte de grande reclamação na ESAV, o orçamento de 1936 tinha sido programado com
uma determinada lista de despesas que, por força da nova legislação, não poderia ser
executado completamente. De acordo com o art. 3, “são nulas e não serão executadas
todas as verbas da despesa, aumentando vencimentos ou dispondo sobre serviços não
criados em lei”. Dessa forma, o diretor Bello Lisboa, em nota publicada pelo jornal
oficial da ESAV, fez a seguinte declaração:

Com tal dispositivo, o poder legislativo decretou e o executivo sancionou,


infelizmente, a própria falência da autonomia financeira da ESAV, sobre a qual
se firmava a autonomia administrativa e, em consequência, a unidade da
orientação didática seguida por esta casa de ensino (...) Confiando no critério
do governo do Estado, espera-se o melhoramento da lei, na parte prejudicial a
esta Escola tão útil a Minas e ao Brasil73.

As dificuldades da direção para sanar os problemas financeiros da Escola e


resolver os imbróglios com o estado tinham natureza política. Desassociar a imagem do
presidente Bernardes à ESAV não era tarefa fácil, e todo esse desenrolar simbolizava o
embate de um governo associado a Vargas na direção de uma instituição marcada pelo
“bernardismo”, ou seja, carimbada pela oposição ao presidente Getúlio Vargas e seus
aliados no estado de Minas.

71
A Cidade de Viçosa, 24 de novembro de 1935, n. 1879.
72
Ibidem.
73
Folha Rural. 20 de novembro de 1935, n 33, ano I. ACH/UFV.
61

A atuação de Bernardes como coligado aos paulistas na Revolução


Constitucionalista de 1932, seu exílio após o conflito armado contra o Governo
Provisório e sua posterior atuação parlamentar bastante combativa ao governo
constitucional de Vargas mostram a insistência de Bernardes na luta contra a atuação
política do presidente. Mais do que isso, o governo provisório buscava reduzir a todo
custo a influência de Arthur Bernardes no cenário político mineiro. De acordo com
Bomeny, “o período de 1930-33 foi marcado pela instabilização da política mineira, por
uma prática de agressividade ao bernardismo e, simultaneamente, pelas múltiplas
reações dessa facção” (BOMENY, 1980, p. 142).
Em virtude do episódio da revolução citada anteriormente, a participação dos
bernardistas da Zona da Mata mineira foi bastante relevante. As tropas revoltosas se
deslocaram para a região da serra de Araponga, município vizinho de Viçosa. No
entanto, a colaboração da Escola no movimento foi nula. Em carta enviada à Junta
Administrativa da ESAV, o diretor Belo Lisboa faz um pedido para o adiamento do
início das aulas:

Devendo se verificar a reabertura dos cursos desta Escola, a 1º de agosto,


próximo, venho consultar a VV. SS. sobre sua conveniência, por motivo de
movimento revolucionário que, infelizmente, perturba a tranquilidade da
Nação, presentemente74.

O pedido do diretor foi aceito e as aulas foram suspensas. Certamente, a


repercussão de uma guerra civil em solo mineiro motivou o afastamento de Belo Lisboa
do movimento constitucionalista em que Bernardes estava engajado. Somado a isso, o
custo político da aproximação aos sediciosos era alto demais para o diretor. Isso é
perceptível na constatação de Lisboa de que a revolução afeta diretamente a
tranquilidade do país. Diante da situação, a Escola fundada por Arthur Bernardes não
encampa o chamado do ex-presidente na luta contra o varguismo. De acordo com
Azevedo,

A deflagração desse movimento na região deveu-se à repercussão do manifesto


de adesão lançado pelo ex-presidente Arthur Bernardes ao movimento paulista,
em 8 de agosto de 1932. Tal manifesto trouxe grande impacto, particularmente
nas cidades circunvizinhas a Viçosa, que, sob influência política do ex-
presidente, apoiaram o levante de São Paulo em prol de uma constituição,
formando uma cidadela na Serra de Araponga, o que trouxe muita apreensão na
região, pela possibilidade de acontecer um conflito entre os seguidores de

74
Carta à Junta Administrativa, Carlos Belo Lisboa, 1932. ACH/UFV.
62

Bernardes e os batalhões da polícia mineira, destacados de Juiz de Fora para a


região. Após alguns confrontos nas cercanias de Viçosa, o ex-presidente é
preso em 22 de setembro, data do reinício das aulas na instituição, e levado
para o Distrito Federal, de onde parte para o exílio em Portugal, em dezembro
do mesmo ano (AZEVEDO, 2005, p. 167).

Nos anos posteriores ao conflito de 1932, a Escola era admirada por seu
potencial de contribuir para o desenvolvimento agrícola do país, o que era reverberado
inclusive na imprensa nacional. Em palestra proferida pelo presidente da Associação
Comercial do Rio de Janeiro, publicada pelo jornal A Cidade de Viçosa, a ESAV foi
exaltada com muitos qualificativos, inclusive no reconhecimento do seu “papel
preponderante, pela ação eficiente e modelar na preparação em moldes científicos e
práticos, nos quais encaminha os futuros obreiros da regeneração da população rural” 75.
No entanto, seu potencial ficava restrito às querelas políticas, que impediam seu
crescimento. De acordo com o Hannibal Porto,

(...) a qual constituindo, embora, matéria-prima de superior qualidade, não


preenche, infelizmente, toda potencialidade de que é susceptível a sua
capacidade, pela falta de educação e instrução, das quais – é triste confessá-lo –
a política e a administração, - se tem lamentavelmente descuidado, voltando de
preferência suas vistas e proteção para as superfluidades adiáveis e as
preocupações partidárias, na estreiteza de uma política condenável pela miopia
de seus propósitos subalternos e egoísticos 76.

Durante os anos da presidência de Benedito Valadares (1933-1945) à frente do


governo mineiro, conforme ressaltado anteriormente, a ESAV passou por grandes
problemas financeiros. É muito comum a constatação de intensas reclamações na
imprensa local sobre as dificuldades enfrentadas nessa época. O grande embate
existente entre a direção da Escola e a administração do estado se referia ao grau de
autonomia que a instituição deveria ter diante da estrutura governamental.
Somado a isso, o diretor da Escola recebeu em 1933 77 convite do presidente do
estado para assumir a pasta da Secretaria da Agricultura de Minas, o que foi recusado
por Belo Lisboa. Azevedo relata que, de acordo com ex-professor e ex-reitor Edson
Potsch, “o então Governador Benedito Valadares considerou uma ofensa a recusa do
diretor da ESAV em aceitar o convite para ser seu Secretário de Agricultura e ficou

75
A Cidade de Viçosa, 24 de setembro de 1933, n. 1843.
76
Ibidem.
77
Bomeny (1980) descreve o contexto conturbado da sucessão política do estado de Minas após a morte
do presidente Olegário Maciel. A escolha por Benedito Valadares como interventor representava a
tentativa de Vargas de manter Minas como cliente do poder central.
63

muito magoado” (AZEVEDO, 2005, p 97). A consequência dessa recusa para a relação
entre o governo mineiro e a Escola parece não ter sido positiva.
No seu livro de memórias, o ex-governador relata o convite feito a Lisboa e o
possível motivo para sua recusa. Quando convidado, Belo Lisboa não estava no Brasil,
mas, sim, em Roma. A negativa veio por telegrama. E Valadares recebeu a informação
de que o invitado “fora informado de que o governo não duraria vinte dias”
(VALADARES, 1966, p. 60). Não é possível saber a veracidade dessa informação que
chegou até o governador. A aparência de boato com o objetivo de semear contenda é
grande. Porém, essa notícia associa diretamente a recusa de Belo Lisboa à legitimidade
do novo governo.
De qualquer forma, as notícias das dificuldades financeiras da Escola e sua
relação com o governo do estado chegaram também à imprensa nacional. O jornal A
Cidade de Viçosa publicou uma transcrição do periódico carioca Correio da Noite, que
relata a crise financeira da ESAV e seus problemas em razão dos cortes orçamentários
feitos pelo governo. De acordo com o texto,

A notícia de que o governo do Estado está com o propósito de cortar as


principais verbas para o custeio da Escola Superior de Agricultura e
Veterinária tem provocado, como é natural, interessantes comentários (...) O
orçamento apresenta, em relação à ESAV, um desconcertante ‘corte’. Afirma-
se que o propósito do governo, por intermédio do Sr. Israel Pinheiro, é afastar
da direção da Escola o Sr. J. C. Bello Lisboa, que, apesar de vir dando à mesma
um excepcional relevo (...), é considerado ‘bernardista’78. [Grifo nosso]

De fato, em Viçosa havia uma grande polarização entre o PRM de Arthur


Bernardes e o apoio ao presidente Vargas e ao interventor mineiro. No município, havia
dois jornais que refletiam esse embate. De um lado, o Cidade de Viçosa, que na década
de 1920 havia sido dirigido pelo próprio Bernardes, em cuja capa anunciava “Órgão do
partido republicano”. De outro, a Gazeta de Viçosa, que desde o início do século já
rivalizava com o periódico bernardista e logo declarou em seu número de reabertura em
1938: “nesse caminho seguiremos sempre altaneiros, defendendo o regime que
adotamos”79.
O autor da notícia citada anteriormente relaciona diretamente a crise da ESAV
ao problema político com o estado. Por mais que Bello Lisboa fosse bernardista, sua

78
A Cidade de Viçosa, 24 de novembro de 1935, n. 1878.
79
Gazeta de Viçosa. 6 de março de 1938. N 1, ano XIV. De acordo com o jornal, a Gazeta de Viçosa foi
fundada em 1912, tendo suas atividades suspensas em 1919.
64

atuação como diretor não permitia grandes manifestações em direção ao ex-presidente


da república e fundador da instituição. Pelo contrário, havia, da parte de Lisboa, um
grande esforço em “despolitizar” seu trabalho à frente da Escola e nunca criticar o
governo estadual ou central pelas dificuldades da Escola.
Somado a isso, a questão política ganha maiores proporções quando o jornal
associa a crise da Escola à política municipal. A insistência em afastar o diretor partia,
segundo o texto, do prefeito da cidade, Antonelli Bhering, que, por sua vez, era aliado
de Benedito Valadares. De acordo com o jornal viçosense, “no fundo de toda essa trama
contra o ilustre Dr. Bello Lisboa está o Sr. Antonelli Bhering, prefeito deste município,
pondo em prática seus conhecidos métodos de delator”80.
Nessa trama política, o deputado classista Clovis Pinto proferiu no jornal Minas
Geraes, de acordo com o Cidade de Viçosa, “graves insinuações à honestidade da
administração de Dr. Bello Lisboa na diretoria da Escola Superior de Agricultura e
Veterinária”81.O mais interessante é que a crítica do jornal viçosense não foi
propriamente ao discurso do deputado, na verdade, o que incomodou foi o fato de
nenhum deputado do Partido Progressista, ou seja, do grupo governista ter defendido o
diretor:

Nenhum deputado pepista defendeu o diretor desse estabelecimento oficial do


Estado. Mas o deputado perremista dr. Jorge Carone, legítimo representante do
povo mineiro na Assembleia Legislativa do Estado, proferiu uma excelente
defesa da Escola82.

A postura de Lisboa como diretor da Escola é surpreendente diante dos


problemas políticos em que a instituição estava envolvida. Na ocasião da formatura da
primeira turma de graduandos em Medicina Veterinária, Belo Lisboa expõe parte de sua
interpretação sobre o progresso da ESAV no decorrer dos anos. Entre menções dos
sucessos construídos e dos percalços encontrados, o diretor dá todo mérito ao governo
pela reforma no âmbito agrícola e pela forma moderna de ensino:

Feliz realização, pela reforma agrícola já implantada, em Minas Gerais,


notada pelo aumento e melhoramento da produção, graças à confiança e à
estima com que cercam a instituição, os agricultores brasileiros e, de modo

80
Ibidem.
81
Ibidem.
82
Ibidem.
65

especial, os mineiros, procurando as luzes do saber moderno de agricultura, nas


fontes desta instituição83. [Grifo nosso]

Somado a isso, Lisboa reconhece a cooperação da classe política com a


instituição desde sua fundação até o momento de sua participação como dirigente.
Omitindo-se diante das disputas políticas locais, o diretor reconhece o legado de
Benedito Valadares e Getúlio Vargas, apesar de serem adversários políticos de
Bernardes, o fundador da ESAV:

Os nomes gloriosos dos estadistas mineiros que criaram, mandaram construir e


contribuem para a manutenção da instituição, a partir de Arthur Bernardes, o
seu fundador com segura visão, a Benedito Valadares, atual governador deste
Estado e que nos primórdios do seu governo, quis, por legítima bondade, elevar
tão alto este educandário, e destacando-se entre os demais, Olegário Maciel, o
presidente que bem compreendeu o dever de conceder a necessária autonomia
a esta instituição, para que melhor pudesse servir à agricultura, devem ser
citados com respeito. A nossa gratidão ao governo da República, pela
assistência que nos últimos tempos, vem dando à instituição, que bem se pode
compreender com o grande ato de reconhecimento oficial da Escola, e que
fiquem gravados nas lapides da nossa história os nomes de grandes brasileiros
como Getúlio Vargas, Odilon Braga e Humberto Bruno84.

Aparentemente, a citação parece apenas um gesto de formalidade do diretor em


direção dos políticos que detinham o controle do governo estadual e federal. Diante da
seriedade da cerimônia de formatura, poderia Lisboa citá-los de maneira discreta, sem
oferecer de forma incisiva os louros pelas conquistas da Escola. Porém, o “espírito
esaviano” parece falar mais alto. Mesmo que a atitude de Lisboa representasse a
formalidade exigida na ocasião, esse gesto é recheado de intenções. Mencionar
Bernardes, reconhecer o esforço de Valadares e homenagear Vargas sinaliza o esforço
do diretor da ESAV em omitir conflitos e mostrar-se aberto às possibilidades para todos
os lados possíveis.
Diante da imprensa, os gestos de Lisboa também eram bastante cuidadosos. O
diretor da Escola evitava críticas e buscava sempre manter-se neutro politicamente. Em
entrevista ao jornal carioca A Batalha em 1933, Bello Lisboa foi questionado a respeito
da pequena quantidade de alunos na instituição em detrimento do grande espaço físico
existente. A resposta do diretor foi politicamente sagaz:

83
Discurso de Carlos Bello Lisboa. Formatura 1935. ACH/UFV.
84
Ibidem.
66

(...) posso adiantar ser pensamento do governo estadual duplicar a sua capacidade
escolar. Deve fazê-lo, porque qualquer quantia que empregue em desenvolvê-la,
retornará mais tarde, aos cofres públicos, com juros acumulados 85.

A situação da ESAV se complicou a partir da Lei Estadual nº 146, de 11 de


novembro 1936, que “aboliu as prerrogativas da Junta Administrativa na Escola e
subordinou-a novamente à Secretaria de Agricultura, Indústria, Comércio e Trabalho do
Estado de Minas” (AZEVEDO, 2005, p. 96). Ao reduzir a capacidade da Escola de gerir
sua própria renda, parecia haver um esforço do governo do estado em controlar a
instituição e reduzir cada vez mais sua influência política.
Na imprensa local, a disputa entre perremistas e os pepistas envolvia diretamente
a Escola. O jornal bernardista A Cidade de Viçosa divulgava notícias da crise financeira
da ESAV para mostrar a suposta ineficiência do interventor mineiro aliado do
presidente Vargas. Em uma matéria que denunciava o grande atraso salarial de seis
meses, o periódico local acusa o governo de despender dinheiro público para alimentar a
máquina eleitoral do estado, em detrimento da instituição que sofria com a falta de
recursos:
Entretanto, o governo dispõe de recursos para manter a sua máquina eleitoral
em todo o Estado, e fazer face a despesas supérfluas, o que chega a constituir
uma afronta ao funcionalismo que está quase a morrer de fome. Tivessem os
nossos administradores a compreensão exata das necessidades da máquina
administrativa e, sem agravar os impostos que oneram a população, saberiam
encontrar – as novas fontes de renda que permitissem ocorrer as despesas com
os serviços públicos86.

Somado a isso, a propaganda dos bernardistas no município tratava de


desclassificar o trabalho do governo apoiado por Vargas no tocante à política agrícola.
De acordo com os opositores do interventor e do prefeito pepista, os governos atuavam
sem privilegiar a produção agrícola, agindo de forma corrupta e com aumento excessivo
dos impostos. De acordo com o Jornal a Cidade de Viçosa,

Estás contente com os atuais governos? Com a baixa de preços dos produtos da
lavoura? Com as proibições do plantio da cana e do café? Com as roubalheiras
do Departamento e do Instituto Mineiro do Café? Estás satisfeito com os
últimos impostos? Sabes que uma saca de café paga de impostos 90$000 e o
fazendeiro vende por 69$000? Ajuda a salvar o teu Estado e tua Pátria, votando
no PRM!87

85
A Cidade de Viçosa, 27 de agosto de 1933, n. 1838.
86
A Cidade de Viçosa. 17 de maio de 1936. N 1889.
87
A Cidade de Viçosa. 31 de maio de 1936. N 1901, ano XLIV.
67

Após o período de direção de Bello Lisboa, em 1936 o coronel Sócrates Renan


de Faria Alvim ficou à frente da administração da Escola e, em 1937, ele foi substituído
pelo americano John B. Griffing. Nesse contexto, as relações entre o governo e a ESAV
pareciam ser melhores, ainda que o “fantasma” dos atrasos salariais fosse recorrente.
Benjamin Hunnicut88, agrônomo influente na época, após visitar a ESAV nos tempos de
Griffing, enviou uma carta a Israel Pinheiro, Secretário da Agricultura do Estado, a fim
de elogiar a gestão do americano e fazer recomendações quanto ao suprimento das
necessidades da instituição.
A primeira menção de Hunnicutt ao secretário da agricultura refere-se à
recuperação da ESAV como instituição prestigiosa: “fiquei deveras impressionado com
as possibilidades do reerguimento da mesma ao seu prestígio de outrora” 89. Dessa
forma, torna-se perceptível que de fato a Escola passou por momentos de crise nos anos
anteriores. E grande parte disso pode ser devotado aos problemas políticos com o
governo estadual, porém, obviamente, o missivista omite essa questão em sua carta. E
segundo ele, “o Estado de Minas tem na pessoa de J. B. Griffing um segundo Dr.
Rolfs”.
O segundo ponto da carta tem um teor mais crítico ao governo do estado.
Novamente a questão da autonomia administrativa vem à tona. De acordo com
Hunnicutt, “parece-me que, se o governo do Estado estivesse pronto a entregar a direção
completa e ampla da Escola ao Dr. Griffing, ele faria maravilhas para o progresso da
agricultura do Estado. Esta é minha convicção sincera e desinteressada” 90. Somado a
isso, Hunnicutt aponta a necessidade de resolução de um dos maiores problemas da
instituição: “outra coisa há na escola, para a qual nem há necessidade de chamar a vossa
atenção: o atraso dos vencimentos dos professores e funcionários” 91.
No período da gestão do diretor americano citado, um aspecto bastante
característico da prática política da Escola eram os elogios de seus diretores aos
ocupantes de cargos de governo a despeito dos atrasos salariais e da falta de recursos.
Mesmo diante do histórico de dificuldades de manutenção da autonomia institucional
em relação ao governo, o diretor se “esquece” dos problemas e saúda o governo. Em
virtude da solenidade de abertura do ano letivo na ESAV, a diretoria da instituição

88
Sobre Benjamin Hunnicut, conferir em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Benjamin_Harris_Hunnicutt
89
Carta. 25 de fevereiro de 1937. ACH.
90
Ibidem.
91
Ibidem.
68

promoveu uma sessão solene. Em seu início, Griffing, deu uma pequena palestra e
aproveitou para se colocar à disposição do governo de Benedito Valadares. De acordo
com o jornal Gazeta de Viçosa,

Tecendo considerações sobre a fase de reorganização e de reajustamento


financeiro por que atravessa o Estado de Minas, mostrou a necessidade de se
auxiliar o governo na obra patriótica que vem realizando, no sentido de colocar
o Estado numa situação invejável, em face dos demais estados da Federação92.

Neste aspecto, o posicionamento pragmático de Griffing é justificado pelo


discurso patriótico. Mais uma vez, a ESAV é posta a serviço da nação, e isto apaga
qualquer aparência de oposição ou choque com as forças políticas. Esse
comportamento, tal qual encontrado também na postura de Bello Lisboa tende a
“despolitizar” a relação da instituição com o poder. Assim, a direção se apresentava
como uma gestão completamente técnica, como se a Escola estivesse, na verdade, ao
lado do país, independentemente do governo estabelecido.
Em uma excursão à ESAV, dezenas de secretários da pasta de agricultura dos
mais diferentes estados do Brasil compareceram à instituição para conhecer a
experiência em Viçosa. O jornal A Cidade de Viçosa prontamente reconheceu a
presença de tantos políticos em solo viçosense e enalteceu a instituição justamente por
ter sido fundada por Arthur Bernardes. Neste aspecto, o mérito do crescimento
institucional e a contribuição para a produtividade no setor agrícola recaíram sobre
Bernardes, o patrono, e sobre João Carlos Bello Lisboa, o diretor, chamado de
bernardista, que conduziu a Escola ao triunfo.

(...) Homens de quase todos afeitos aos problemas da agricultura no Brasil


souberam dar o devido valor à notável instituição fundada pelo nosso eminente
conterrâneo Dr. Arthur Bernardes, a qual é, sem dúvida, um dos mais belos
patrimônios do ensino técnico nacional93.

Nessa ocasião, o ex-diretor João Carlos Bello Lisboa recebeu o convite do secretário da
agricultura de Pernambuco para fundar uma escola de agricultura em seu estado. De
acordo com a notícia, “o governo de Pernambuco dá, dentro do Brasil (...), o devido
valor ao grande educador patrício e perfeito conhecedor dos problemas agrícolas do
Brasil, que é o ex-diretor da ESAV de Viçosa” 94.

92
Gazeta de Viçosa. 20 de março de 1938. N 3, ano XIV.
93
A Cidade de Viçosa. 20 de setembro de 1936, n 1911.
94
Ibidem.
69

Na verdade, grande parte dos professores da ESAV e, posteriormente, da


UREMG e UFV foram convocados para compor cargos políticos em diferentes
instâncias, seja em órgãos estaduais ou federais. Embora a desconfiança com a política
fosse real, os cientistas vislumbravam oportunidades de trabalho na burocracia estatal,
já que necessitavam da aproximação com os detentores do poder. Essa ambiguidade
acompanhou a instituição em toda sua história. O quadro 195 registra alguns professores
da ESAV que ocuparam cargos na esfera estatal.

Quadro 1: Professores da ESAV nomeados com cargos públicos


Professor Cargo na Cargo público
ESAV
Peter Henry Primeiro Coordenador técnico de Agricultura do Estado de
Rolfs (1927- diretor da Minas Gerais (1929)
1929) Escola
João Carlos Segundo Nomeado prefeito de Ubá e Uberaba; Coordenador
Bello Lisboa diretor da do Setor de Agricultura da Coordenação da
(1929-1936) Escola Mobilização Econômica; Secretário da Agricultura,
Indústria e Comércio do Rio de Janeiro (distrito
federal)
Humberto Chefe do Diretor da Produção Vegetal do Ministério da
Bruno (1928- Departamento Agricultura, governo de Getúlio Vargas
1934) de Horticultura
Alexis Dorefeeff Professor No Espírito Santo, foi Diretor da Estação
(1931-1969) catedrático Experimental de Goitacazes, da Diretoria de
Agricultura, Indústria e Comércio. Diretor de
Agricultura e Comércio (1935, cargo
interino). Chefe da Seção de Irrigação e Drenagem,
com sede em Condado, Paraíba, 1936-1937. Chefe
do Serviço de Fomento de Algodão da Secretaria de
Agricultura, Indústria e Comércio de Minas Gerais,
(1937-1938)
Geraldo Ex-diretor da Chefe do Departamento Animal da Secretaria da
Gonçalves Escola (1940- Agricultura de Minas Gerais e da Divisão de
Carneiro (1931- 1944) Experimentação Animal e, depois, diretor do
1944) Instituto de Zootecnia
Edson Professor e ex- Nomeado prefeito de Ervália (1945); Secretário de
Magalhães reitor Estado da Agricultura do Estado de Minas Gerais
Potsch (1934- (1965-1966)
19??)

95
Esse quadro foi composta por meio do site personagens históricos da UFV.
70

Antônio Professor, ex- Secretário da Agricultura, Viação e Obras Públicas


Secundino de diretor da do Estado da Paraíba (1941), assessor técnico da
São José (1933- Escola Comissão Brasileiro-Americana de Produção de
Gêneros Alimentícios, ligada ao Ministério da
Agricultura.
Amaury H. da Professor Colaborador do ETA - Escritório Técnico de
Silveira (1940 a Agricultura Brasil - Estados Unidos, de 1958 a
1953) 1971; químico agrícola nomeado do Quadro
Permanente do Ministério da Agricultura, de 1945 a
1971; Diretor-geral do Departamento de
Administração do Ministério da Agricultura, 1964.
Erly Dias Professor Codiretor do ETA – Projeto 55, Assessor da
Brandão (1935- catedrático, Comissão Nacional da Pecuária Leiteira,
1973) Ex-diretor da especialista da Divisão de Análises de Projetos
Escola Sociais do Banco Interamericano de
Desenvolvimento
Joaquim Braga Professor, ex- Chefe do Departamento de Produção Animal do
(1932-1956) reitor Estado de Minas. Chefiou também o Gabinete do
Secretário da Agricultura Dr. José de Melo Soares
Gouveia (1847-1947).
José de Melo Comissionado Superintendente da Produção Vegetal do Estado de
Soares de como diretor Minas Gerais (1944), Secretário de Agricultura de
Gouvêa da Escola Minas Gerais(1946)
(1939-1940;
1944-1946)
Octaávio de Professor Instituto Agronômico de Minas Gerais (1945-
Almeida 1960); Ministério da Agricultura, DNPEA e
Drumond (1935- Embrapa.
1945)
José Maria Professor Consultor Estatístico da Comissão Nacional de
Pompeu Pecuária Leiteira (1953); estatístico na Organização
Memória (1938- das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura
1953) – FAO (1966); Assessor do Departamento Técnico-
Científico Embrapa (1978-1979) e chefe da
Assessoria de Cooperação Internacional (até 1985).
Joaquim Professor, Diretor da Fazenda Regional de Criação de Pedro
Mattoso (1939- diretor da Leopoldo, ligada ao Ministério da Agricultura; é
19 Escola Assessor Técnico da Secretaria de Agricultura do
Superior de Estado de Minas Gerais; Coordenador Geral de
Agricultura. Pecuária da Embrater.
Hermann Professor Inspetor da nova Inspetoria Regional do Fomento
Rehaag (1927- catedrático da Produção Animal do Departamento Nacional de
1933) Produção Animal (DNPA) (1933-1954)
71

Edgard de Professor Deputado estadual (1963-1967), diretor técnico do


Vasconcelos catedrático Instituto de Florestas
Barros
José Marcondes Professor Diretor da Divisão de Bioengenharia da Comissão
Borges (1945- catedrático Executiva do Plano Lavoura Cacaueira (1966);
subdiretor do CEPEC e diretor da Divisão de
Bioengenharia da Ceplac (1969).
João Moojen de Professor Pesquisador do Ministério da Educação e Cultura e
Oliveira (1933- do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista (1938-
1938) 1946). Trabalhou na fundação do Jardim Zoológico
em Brasília no contexto de sua construção (1959-
1963).
Paulo de Tarso Professor Diretor científico da CEPLAC.
Alvim (1941-
1950)
Fonte: Borges et al. (2006); http://www.personagens.ufv.br

Portanto, conflitos políticos certamente influenciavam a relação entre o governo


do estado e a direção da ESAV. Porém a necessidade de diversificação econômica no
contexto da gestão de Benedito Valadares divide o foco no desenvolvimento agrícola
com o investimento em indústrias. Somado a isso, Daniel Barbosa (2012) sinaliza que
havia necessidade de estancar a crescente crise financeira do estado, sobretudo pela
reorganização da máquina pública, o que poderia redundar em contenção de gastos.
Neste aspecto, Lidiany Barbosa (2004) acentua a necessidade de a instituição “encontrar
lugar em cenário de forte expansão de economia nãoagrícola” e também de “reverter
sua identificação com projeto perremista” (BARBOSA, 2004, p. 120). Ou seja, questões
econômicas associadas aos problemas políticos influenciavam diretamente a condução
administrativa da Escola.
Contudo o comportamento político da Escola em relação ao governo Vargas ou
à administração dos interventores de Minas Gerais não foi de oposição. O legado de
Bernardes não redundou em alinhamento político irrestrito. Parece óbvio que em um
contexto em que as instituições dependem quase exclusivamente da “boa vontade” dos
políticos para a liberação de recursos, a aproximação com os “inimigos” de Bernardes
era mais que necessária. Acima de tudo, a conduta da direção da Escola era coerente
com o pragmatismo do “espírito esaviano”, neste aspecto, por meio de uma estratégia
conciliatória que substitui o conflito pela negociação e evita, ao máximo, qualquer tipo
de embate público com os donos do poder.
72

1.7 Esavianos varguistas?


A despeito da influência de Arthur Bernardes na ESAV, as páginas da Revista
Seiva registram dezenas de homenagens e menções honrosas ao presidente Vargas e
também à gestão de Valadares em Minas. Isso mostra que o “espírito esaviano” vai
além de uma característica comportamental dentro da Escola. A conduta política
implícita no “espírito esaviano” valoriza o recurso da negociação em detrimento do
enfrentamento. Estar mais próximo do poder e obter ganhos pela persuasão e barganha
fazia mais sentido na administração local do que admitir qualquer tipo de oposição
política.
Obviamente, por se tratar de uma revista discente, as declarações sobre o
governo são de total responsabilidade dos estudantes. Porém, a existência de tão
intensos elogios a Vargas e Valadares aponta uma tradição política de grande
flexibilidade em relação ao poder. Os problemas enfrentados nos anos anteriores são
“esquecidos” e o varguismo é vivenciado com naturalidade, pelo menos no discurso da
imprensa estudantil.
Algumas questões são necessárias para problematizar esse mergulho dos
estudantes em direção ao nacionalismo e à figura do presidente Getúlio Vargas. Qual o
perfil do alunado da ESAV? A origem social desses estudantes explicaria sua
identificação com Getúlio Vargas? Por que os estudantes saudaram com tamanha ênfase
o governo Vargas? A hipótese aqui levantada relaciona diretamente o “espírito
esaviano” a essa escolha pelo nacionalismo e o “varguismo”.
Na dissertação de Lidiany Barbosa, encontramos uma descrição do perfil social
dos estudantes da ESAV no período de 1928 a 1948, inclusive com a localidade de
origem e a profissão dos pais. A documentação consultada refere-se à pasta dos
discentes e ao livro de matrícula dos alunos. Na ficha de matrícula, o estudante
preenchia seu endereço de origem e, entre outros elementos, informava a profissão
paterna, mas Barbosa sinaliza que “nem todas as fichas remanesceram nas pastas e,
entre as que foram conservadas, encontram-se lacunas na prestação das referidas
informações” (BARBOSA, 2004, p. 93). Tentamos encontrar no Arquivo Central da
UFV a documentação citada por Lidiany Barbosa e não obtivemos êxito. Por isso
optamos em citar os dados analisados por ela em sua pesquisa 96.

96
No período em que Lidiany Barbosa fez sua pesquisa no Arquivo Central da UFV, a documentação
estava extremamente desorganizada. Não havia um arquivista para organizar e catalogar o acervo. Nos
73

O universo de estudantes que tiveram seus endereços expostos nas fichas de


matrículas não é grande, totalizando 213. Em primeiro lugar, a maioria dos estudantes
da Escola pertencia aos estados vizinhos de Minas Gerais. Apenas 40% dos
matriculados eram de Minas (87 alunos), enquanto o restante se dividia entre Rio de
Janeiro, São Paulo, Espírito Santo e, em menor proporção, provinham de outras regiões
do país (Tabela 1).
TABELA 1 – Procedência familiar dos graduandos
em Agronomia da ESAV (1928-1948).
Estado/região Nº de alunos Porcentagem (%)
Minas Gerais 87 40,8
Rio de Janeiro 52 24,4
Espírito Santo 15 7,0
São Paulo 13 6,1
Norte/Nordeste 32 15,0
Sul 4 1,9
Centro-Oeste 4 1,9
Estrangeiros 4 1,9
Sem informação 2 0,9
Total 213 100,0
Fonte: Dissertação de Lidiany Barbosa (2004).

No quesito origem social, a profissão dos pais torna-se um possível indicador


para compreender o perfil dos estudantes. De acordo com Barbosa, a maior parte dos
pais dos alunos de Minas Gerais trabalhavam em atividades agrícolas. No entanto,
grande parte dos alunos eram filhos de agricultores e lavradores, sendo a minoria
formada por filhos de fazendeiros (Tabela 2)

TABELA 2 – Profissão paterna dos graduandos


em Agronomia da ESAV, 1928-1948
Minas Gerais Nº % Outros Estados Nº %
Fazendeiro 10 10,5 Fazendeiro 12 10,5
Lavrador 9 9,5 Lavrador 7 6,1
Agricultor 29 30,5 Agricultor 20 17,5
Profissional 14 14,7 Profissional liberal 16 14,0
liberal

últimos anos, esse acervo passou a ser organizado, porém algumas dessas pastas utilizadas anteriormente
foram realocadas para o Registro Escolar da Universidade. Sendo assim, não conseguimos acesso a essa
documentação, o que praticamente nos “forçou” a utilizar as tabelas produzidas pela pesquisadora citada.
74

Comerciante 10 10,5 Comerciante 27 23,7


Funcionário 3 3,2 Funcionário Público 9 7,9
Público
Militar 2 2,1 Contabilista 2 1,8
Empresário 1 1,1 Tabelião 1 0,9
Tabelião 1 1,1 Guarda-livro 1 0,9
Banqueiro 2 2,1 Sapateiro 1 0,9
Guarda-livro 1 1,1 Ourives 1 0,9
Marceneiro 1 1,1 Industriais 4 3,5
Corretor 1 1,1 Professor de Engenharia 1 0,9
Escriturário 1 1,1 Proprietário 2 1,8
Professor 1 1,1 Ferroviário 1 0,9
Guarda-livro 1 1,1 Sem identificação 9 7,9
Sem 8 8,4 Total 114 100,0
identificação
Total 95 100,0

Fonte: Dissertação de Lidiany Barbosa (2004)

Do total de estudantes catalogados, 8,4% não têm identificação da profissão


paterna, o que dificulta um pouco a análise. Os dados mostram aparentemente um
equilíbrio muito grande entre origem rural e urbana, pois 50,5% dos estudantes são
filhos de pais com profissões agrícolas e 41%, de pais com profissões não agrícolas. A
classificação dessas profissões é bastante complexa. Muitas dessas atividades
classificadas aqui como “não agrícolas” poderiam ser vivenciadas no meio rural, uma
vez que nas décadas de 1930 e 1940 as diferenças entre o rural e o urbano ainda não
eram tão acentuadas. Quando comparado com os dados dos estudantes oriundos das
outras regiões do país, o perfil muda consideravelmente, com a maioria dos familiares
em atividades não agrícolas, compondo um total de 57%. Percebe-se por esses dados
que o corpo dissente da ESAV era heterogêneo, com um número levemente maior de
alunos provenientes do meio urbano.
A Tabela 3 mostra uma variável que possibilita interpretar os dados anteriores.
Em uma pesquisa interna entre os alunos, os professores buscaram dimensionar o
interesse dos discentes de agronomia no tocante a seus objetivos profissionais. A
maioria dos alunos colocou no seu horizonte profissional a aplicação dos conhecimentos
científicos à agricultura e também a pesquisa científica sobre o tema (Tabela 3).

TABELA 3 - Objetivos profissionais dos alunos da ESAV de 1937


Conhecimentos científicos de agricultura aplicados nas propriedades 60%
Pesquisas sobre agricultura 16%
75

Magistério 8%
Objetivo não definido 8%
Sociologia rural 4%
Funcionalismo público 4%
Fonte: ACH/UFV, pesquisa com os estudantes, 1937.

Dessa forma, não é possível afirmar que existia um tipo sociológico dominante
ou que a origem urbana de uma “pequena maioria” justificasse a atração desses
estudantes pelo governo Vargas. O interesse pela agricultura e, consequentemente, pelas
questões ligadas ao campo era substancialmente superior aos outros quesitos. Somada a
isso, a expectativa dos estudantes em permanecer no campo e aplicar seus
conhecimentos no meio rural comprova que, apesar da origem urbana de muitos, a
ligação com o meio rural era preponderante. Dessa forma, a variável explicativa
relacionada ao interesse sobre o varguismo recai sobre outros aspectos que serão
abordados aqui.
Se Getúlio Vargas era o inimigo natural do Partido Republicano Mineiro (PRM)
e de Arthur Bernardes, mesmo assim sua figura foi “venerada” na ESAV, sobretudo no
contexto da Segunda Guerra Mundial. Na formatura de 1940, o aluno que discursou na
cerimônia foi enfático em afirmar que os formandos foram brilhantes em convidar o
governador Valadares como paraninfo:

Brilhante, enfim, porque simboliza um dever que todos nós possuímos de


brindar aquele que tem feito de Minas, nestes últimos anos, o Estado mais
progressista da União. A ideia se cristaliza, senhores.... Hoje, honrando como
nunca o nome de nossa escola, temos junto de nós, sob este mesmo teto amigo,
a figura ilustre do grande estadista mineiro. Manifestando-lhe nossa simpatia,
convidando-o como paraninfo, porque sentimos, na grandiosidade de suas
realizações, o vigor moço de seu patriotismo97.

Quem presidiu a cerimônia foi Benedito Valadares. Porém, infelizmente, seu


discurso não foi publicado pela Revista.
Em 1942, Dr. Israel Pinheiro, secretário da agricultura do Governo de Minas,
também foi o paraninfo dos formandos de agronomia. No discurso do orador da turma,
há um reconhecimento expressivo ao papel desempenhado por Pinheiro no
desenvolvimento da agricultura. Segundo o estudante-orador, “o vosso dinamismo e a
vossa capacidade de trabalho, que vos fazem um prolongamento da personalidade do

97
Revista Seiva, N.2 Outubro-Novembro de 1940. Ano I.
76

imortal João Pinheiro, serão, pela vida a fora o farol por onde procuraremos nos
orientar”98. A palavra de Israel Pinheiro é uma defesa do governo Vargas e também da
gestão de Valadares em Minas. De acordo com o secretário do governo,

A ação renovadora do regime, praticada no Brasil pelo presidente Getúlio


Vargas e em Minas pelo Governador Benedito Valadares, vai anulando
progressivamente as forças da rotina e do atraso, orientando todas as energias,
antes dispersas, para o engrandecimento econômico do Brasil. Hoje, os
agrônomos que se formam não sentem as necessidades e reclamos de antes99.

Na mesma edição, a Revista Seiva faz uma homenagem ao aniversário do


presidente. O texto destaca que nunca na história nacional foram vistas tantas
manifestações positivas em relação a um governante, ou seja, que “recebessem tamanha
demonstração de confiança e de solidariedade do nosso povo”100. O autor ainda
completa que tanto o exército quanto os jovens “desfilaram nas grandes cidades,
secundadas pelos trabalhadores nacionais, para aclamarem o nosso maior reformador
político”101.
A menção honrosa à Vargas é completada pelo louvor a tantas benfeitorias
praticadas pelo governo citado, a saber, “a marcha para o oeste, a instituição das leis
trabalhistas, o desenvolvimento da lavoura, da pecuária, da indústria siderúrgica, a
reorganização das nossas forças da terra, mar e ar (...)”. Para completar, o autor finaliza
com a homenagem da Revista Seiva ao presidente:

Seiva – a palavra escrita do moço esaviano – por intermédio de sua diretoria,


quis prestar homenagem ao grande amigo da Agricultura, inaugurando seu
retrato na sede do Centro dos Estudantes da ESAV, em uma memorável sessão
solene, à qual compareceram, além de estudantes e professores, famílias e
autoridades civis e militares de Viçosa102. (...)

Além das homenagens já mencionadas, outras referências a Getúlio Vargas são


encontradas na Revista Seiva. Certamente, as notícias da Segunda Guerra Mundiale o
posicionamento do Brasil junto aos aliados fomentavam o imaginário patriótico da
juventude quanto aos rumos da política externa. Sacudidos por uma onda de

98
Revista Seiva, N. 7 – Março-Abril de 1942. Ano II.
99
Ibidem.
100
Ibidem.
101
Ibidem.
102
Ibidem.
77

patriotismo, grande parte da juventude brasileira se engajou na luta contra o nazismo e


na campanha para a entrada do país na guerra.
Até a União Nacional dos Estudantes (UNE) se envolveu na campanha em prol
da entrada do Brasil na Segunda Guerra. Embalada pelo discurso nacionalista e pela
aversão completa ao fascismo, a entidade estudantil contribuiu para pressionar o
governo Vargas, em pleno Estado Novo, a se posicionar contra os países do eixo e se
alinhar aos aliados. Na verdade, Saldanha (2005) salienta que, inicialmente, a UNE fez
coro ao discurso da neutralidade. Porém, o apelo de combate ao fascismo e o avanço das
tropas aliadas levaram os estudantes a encapar a campanha em prol da entrada na
Segunda Guerra, sem esquecer o impacto causado pelo afundamento de navios
mercantes brasileiros por submarinos alemães. Araújo (2004) e Poerner (2004) narram
em suas obras o envolvimento dos estudantes com o conflito mundial, sobretudo pelos
alistamentos voluntários, e o direcionamento de parte da liderança nacional do
movimento para ingressar na Força Expedicionária Brasileira, tendo alguns sido
aproveitados pelo exército.
No que se refere ao movimento estudantil além das fronteiras de Viçosa, os
estudantes engajados na UNE tiveram uma relação ambígua com o governo Vargas,
sobretudo no contexto da Segunda Guerra Mundial. Müller (2005) é enfática ao apontar
que, em primeiro lugar, havia uma “cultura estatista” em relação às instituições na
vigência do governo de Getúlio Vargas. Se por um lado a UNE buscava sua autonomia
no cenário político nacional, por outro, exigia do governo subvenções para a
manutenção de sua entidade. Dessa forma, a crítica ao governo estava diluída na
necessidade de afirmação do movimento estudantil, criando, assim, um comportamento
ambíguo do movimento diante do poder.
Internamente, a corrente política liderada pelos comunistas se postou ao lado de
Vargas, ainda que com ressalvas. O pensamento “etapista” do PCB interpretava no
governo características nacionalistas que seriam capazes de unir a classe trabalhadora
para, posteriormente, fazer a revolução. Notadamente, os estudantes comunistas eram
críticos à aproximação do governo com as ditaduras fascistas, o que não era suficiente
para compor uma oposição sistemática ao presidente. De qualquer forma, as demandas
estudantis alcançadas pela liderança do movimento se valeram da pressão direta junto
ao Ministério da Educação pelo contato direto com o ministro Gustavo Capanema.
Para Saldanha, a postura da UNE só se volta contra Vargas com o “aumento da
pressão interna pelo fim do Estado Novo e a proximidade do desfecho da II Guerra”
78

(SALDANHA, 2005, p. 24). Houve estudantes que promoveram intensa oposição ao


governo Vargas, sobretudo os paulistas, tendo organizado uma série de comícios e
passeatas contra o presidente, o que redundou em grande perseguição contra eles. De
acordo com Müller, “desde a Revolução de 1930, as oligarquias paulistanas se viram
afastadas do poder e, insatisfeitas com a política centralizadora do presidente, queriam
sua deposição” (MÜLLER, 2005, p. 102). Junto a isso, após o surgimento da União
Democrática Nacional (UDN), centenas de universitários apoiaram o candidato
brigadeiro Eduardo Gomes e se opuseram sistematicamente à presença de Vargas no
processo de redemocratização do país em 1945.
Entretanto, o comportamento político dos estudantes da ESAV não se
circunscreve às ambiguidades do movimento estudantil nacional. Aliás, não há menção
na documentação sobre a participação do Centro Estudantil ou posteriormente do
Diretório Acadêmico em partidos políticos. Poucos foram os eventos nacionais da UNE
que contaram com a participação dos discentes de Viçosa 103, ou seja, as diretrizes
nacionais do Movimento possivelmente não eram seguidas na ESAV.
Mesmo assim, em 1945, quando a ESAV conseguiu enviar dois participantes
para o VIII Congresso Nacional da UNE, a frustração foi documentada. O que os
estudantes relataram é que “em geral os estudantes de agricultura têm pouca voz nesses
conclaves, e que são os estudantes de Direito, Filosofia, Medicina, enfim, os das
capitais que dirigem esses conselhos” 104. O outro problema apresentado foi a menor
atenção dada à causa estudantil. O autor até reconhece que o contexto de guerra mundial
suscitava questões gerais, porém, para ele, o problema era maior: a abordagem política
em detrimento da causa estudantil. Vale a pena destacar as opiniões do estudante
registrada no jornal da ESAV.

Embora tenhamos a considerar que atravessamos um período de guerra do qual


os estudantes não podiam deixar de participar, pois se tratava de uma causa
nacional. No entanto, o que sempre há são grupos representando partidos
políticos, correntes isoladas cujos caudilhos mais ou menos esclarecidos
procuram saltar para as direções das UUEE ou da UNE. É o assédio dos
representantes dos Diretórios Acadêmicos para votar em fulano ou beltrano.
(...)Tudo isso é o que tem acontecido. E é devido a tais acontecimentos que
grande parte dos estudantes, mormente os do interior, têm manifestado seu
desinteresse pelo movimento universitário. É o caso dos esavianos que não
perdem seu tempo em avenidas nem estão acostumados com a mentira, o

103
Na verdade, há menções no Jornal O Bonde sobre eventos da UNE e da UEE que tiveram participação
de estudantes viçosenses, porém, a maioria nas décadas de 1950 e 1960.
104
O Bonde. 27 de outubro de 1945, ACH/UFV.
79

cambalacho e o monopólio do voto. Essas entidades estudantis não têm sido


em suma a expressão da vontade da massa dos estudantes brasileiros. Não
lançaram raízes nela, o que tem acontecido é o controle desses órgãos, a dizer
que retransmitem a voz dos estudantes do Brasil (...) É isto o que vem
acontecendo com a União Nacional dos Estudantes ultimamente. De qualquer
maneira, aquela casa ainda reporta tradições dignas de serem conservadas. É o
que precisa fazer. Um corpo diretivo de uma coletividade qualquer não pode
tomar atitude partidária. A linha a seguir deve ser a mais reta e clara
possível 105.

Portanto, não é possível afirmar que o apreço ao varguismo encontrado nas


publicações da Revista Seiva tivesse relação com a UNE. O Centro de Estudantes pouco
se conectava às diretrizes nacionais do movimento, sendo crítico ao aspecto político da
organização nacional.
Na Revista Seiva, as publicações mostravam o fervor do estudantado local em
relação à Grande Guerra e, consequentemente, o apoio ao presidente Vargas.
Certamente, a euforia demonstrada nas páginas do periódico refletia uma situação
nacional de contentamento em relação à guerra. Segundo o texto,

O Brasil, que sempre amou a liberdade, colocou-se juridicamente contra o Eixo


das tiranias: Eis, pois, o momento em que estão em jogo a nossa honra e
dignidade, em que precisamos mobilizar todas as forças: da boa vontade ao
sacrifício, da ordem à disciplina. Agora, mais do que nunca, precisamos formar
uma falange decidida ao lado dos heróis obscuros da produção. Trabalhar e
produzir, antes de tudo. “todas as formas de trabalho útil concorrerão para a
vitória, que será a vitória do Brasil”106.

Porém, como herdeiros do “espírito esaviano”, o serviço à pátria e a


convergência com os interesses das potências democráticas – principalmente os Estados
Unidos – refletiam uma postura otimista em relação ao governo Vargas e aos rumos da
guerra. Neste aspecto, a participação na guerra permanecia como uma escolha dos
próprios membros da instituição, identificada com os valores patrióticos do governo e
associados ao “espírito” que:

A ESAV melhora o homem, a semente e o animal, para engrandecer a Pátria.


Prepara soldados da produção que, com a semente e o animal melhorados, vão
pelo Brasil, fazendo sua emancipação econômica. E os soldados esavianos que
aprendem a cultivar, enriquecer e amar a terra, empunharão o fuzil com o
mesmo denodo e desassombro como o fazem com os instrumentos do trabalho
e do progresso. Trocarão, se preciso for, os campos agrícolas e os laboratórios
pelos acampamentos – para mostrar ao mundo o valor da Pátria brasileira, a
terra da Liberdade107.

105
Ibidem.
106
Revista Seiva, N. 7 – Março-Abril de 1942. Ano II.
107
Ibidem.
80

Por outro lado, estava completamente ignorado o caráter repressivo do Estado


Novo, principalmente o fato de existirem, no cenário político nacional, alguns
estudantes presos por sua participação em passeatas contra o governo e por seu
engajamento no Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Nessa mesma edição da Revista Seiva, é publicado um texto de Getúlio Vargas
sobre a posição do Brasil em relação à guerra. Após os episódios de torpedeamento dos
navios mercantes brasileiros pela Alemanha nazista e também pela negociação com os
Estados Unidos, o país declara guerra aos países do Eixo. A declaração de Getúlio
Vargas é publicada na Revista como se fosse uma resposta do presidente aos clamores
populares. O tom do discurso, marcadamente nacionalista, certamente criou um canal de
comunicação com as expectativas de muitos estudantes:

Qualquer inimigo que pise o solo pátrio, sobrevoe as nossas cidades ou infeste
o mar territorial, receberá o mesmo castigo infligido aos submarinos que, numa
prática de pirataria, investiram contra nossa navegação costeira e foram
afundados pelos intrépidos e eficientes pilotos das nossas forças aéreas. (...) Os
nacionais dos países com os quais estamos em guerra, que aqui vieram e
construíram seus lares de forma regular e honesta, nada devem recear enquanto
permanecerem entregues ao trabalho, obedientes à lei e prontos a colaborar nas
atividades defensivas do país. (...) O Brasil, como país jovem, de estrutura
social plástica, rico de possibilidades e com uma formação de equilíbrio
adaptável a todas as transformações, está naturalmente projetado para o futuro
e nele terá de encontrar a solução definitiva das equações de seu progresso.
Não deve, portanto, temer os dias vindouros e os sacrifícios inevitáveis que lhe
assegurarão o direito de colaborar nas renovações de ordem política e
econômica que resultarem desse tremendo choque de poderios, mentalidades e
culturas108.

De forma constante, há diversas menções na Revista Seiva sobre a Escola a


serviço da pátria. Conforme citado anteriormente, “a ESAV melhora o homem, a
semente e o animal, para engrandecer a Pátria” 109. Somado a isso, outro autor reforça
que, “continuando sua marcha pelo bem da agricultura e da pecuária nacionais, a ESAV
entrega neste fim de ano mais alguns moços ao Brasil para que eles se gastem servindo
à bela causa de tornar a pátria independente”110. Também, a associação entre a Escola e
a pátria é ressaltada em seu aspecto sublime, ou seja, na preparação do indivíduo que se
entrega ao país: “é só isso que a ESAV pede a seus filhos. Todos são tratados

108
Revista Seiva. N.9 – Agosto–Setembro de 1942. Ano II.
109
Ibidem.
110
Revista Seiva. N. 10. Outubro-novembro de 1942. Ano III
81

igualmente porque todos são brasileiros que amam carinhosamente sua pátria e, de
todos esforços, são capazes”111.
Após o fim do governo Vargas, a euforia em torno do seu legado já não era a
mesma. Não se vê nenhuma publicação a respeito do antigo presidente nas páginas dos
jornais ou revistas estudantis. Pelo contrário, na ocasião da formatura dos agrônomos
em 1947, uma referência mostra aversão aos quinze anos governados pelo chamado
“Pai dos Pobres”. Primeiramente, a crítica do orador reside na maior atenção dada por
Vargas ao trabalhador urbano em detrimento dos agricultores. Em segundo lugar, para
Antônio Dias Lopes, a “legislação social brasileira, que muitos decantaram, não chegou
a realizar a sindicalização das classes rurais (...) E embora as estatísticas confessem
sermos 80% agricultores, continuam os problemas de nossas agricultura” 112. E por
último, o orador dos formandos critica o orçamento irrisório para o Ministério da
Agricultura.
Não bastasse o julgamento negativo ao presidente Vargas em relação a seu
desempenho no que se refere à agricultura, o autor desfila elogios ao ministro do
governo do General Eurico G. Dutra, que estava presente na formatura dos estudantes
de agronomia. Segundo o autor,

(...) durante os sombrios 15 anos de ditadura, apesar do trabalho fecundo que


vinha se realizando aqui neste recanto de Minas Gerais, e do Brasil, nunca um
ministro da agricultura se dignou de vir até nós para observar de perto as
grandes realizações que levamos a efeito no terreno da agricultura e da
pecuária113.

Chama bastante a atenção a associação feita pelo estudante em relação ao caráter


ditatorial do governo Vargas. Anos antes, a própria Revista Seiva publicara diversos
artigos que exaltavam o sucesso de Vargas e seu caráter revolucionário à frente do país.
O contexto de repressão não foi evidenciado. Após a derrocada do Estado Novo em
1945, nos anos do governo de Dutra, ainda que contasse com o apoio do ex-presidente,
por que a euforia em torno de Vargas foi substituída pela crítica?
É notório, neste aspecto, que a cooperação com o governante era um
componente muito valorizado entre os “esavianos”. Fazia parte do ethos institucional a
colaboração com o poder em detrimento do enfrentamento. O estudante, enfim, termina

111
Revista Seiva, N. 11. Março-Abril de 1943. Ano III.
112
Revista Seiva. N. 26. Março–Junho de 1947. Ano VII
113
Ibidem.
82

seu discurso agradecendo a presença do ministro e, principalmente, exalta a postura do


novo governo no tocante à valorização da agricultura. De acordo com o autor,

A Escola se rejubila por isso, com a presença de V. Excia, porque sente a


necessidade de uma apreciação mais direta de sua obra. (...) Confiamos, pois,
em V. Excia., que tem mostrado tanta objetividade em suas ações e tanto
interesse no cargo que ocupa, como responsável pelo levantamento da
agricultura nacional, para cumprir a missão que hoje recebemos114.

Diante do exposto, é evidente que o “espírito esaviano” muito embora mostrasse


o fortalecimento de vínculos entre os estudantes com a instituição, como cultura
institucional, ao mesmo tempo contribuía para uma prática política de menor
enfretamento diante das estruturas de poder. O esaviano, preferivelmente, optava pela
negociação em lugar do confronto. A flexibilidade torna-se o recurso preferível diante
das opções disponíveis no jogo político. Por isso, uma instituição marcada pelo
“bernardismo” é capaz de manter lampejos de apoio a Getúlio Vargas.
É importante lembrar que a ESAV teve um crescimento significativo a partir da
década de 1940. Com o incremento na formação de seu quadro docente – inclusive com
o envio de muitos para a pós-graduação nos Estados Unidos – a prática da pesquisa se
consolidava entre os esavianos. Para o ex-reitor Edson Potsch Magalhães, essa inserção
dos professores em instituições do exterior contribuiu para impulsionar a transformação
da Escola em Universidade. Segundo ele, “ao retornarem, esses professores,
robustecidos pela filosofia dos Land Grant Colleges e imaginando que vinha chegada a
hora de a ESAV se transformar em Universidade rural, promoveram o empenho e a
movimentação necessários para colimar o objetivo já delineado” (MAGALHÃES, 2006,
p. 95). Somada a isso, a grandeza de seu campus apontava a necessidade do aumento no
número de alunos e, certamente, o acréscimo de novos cursos contribuiria para a
dinamização da produção científica.
Assim, em 1948, a Escola foi transformada em Universidade Rural de Minas
Gerais. A concretização dessa mudança possibilitou o fechamento de convênios com
instituições estrangeiras, inclusive com a Fundação Ford, Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) e Universidade de Purdue. O surgimento de novos cursos, o
retorno da Escola de Medicina Veterinária 115 à Universidade, a criação da Associação

114
Ibidem.
115
A Escola Superior de Veterinária foi transferida para Belo Horizonte em 1942 por um decreto-lei
assinado pelo então governador Benedito Valadares. Dessa forma, o curso deixou de ser da ESAV. Em
83

de Crédito e Assistência Rural (ACAR) 116 e sua relação com a universidade trouxe para
a UREMG mais recursos e, consequentemente, aumento do número de estudantes. O
patamar da antiga Escola foi elevado com toda essa transformação, conforme será
analisado nas próximas páginas.

1.8 Da ESAV à UREMG: a consolidação do “espírito esaviano”


Muitos daqueles que ingressaram no curso de agronomia da antiga ESAV
continuaram na instituição como professores. O crescimento da graduação e da própria
Escola demandava o ingresso de profissionais para área de ensino. Como existiam
poucos agrônomos com titulação maior que o bacharelado, muitos ex-alunos
prosseguiram com a pós-graduação em Viçosa e foram contratados como docentes.
Azevedo relata que o diretor que sucedeu P. H. Rolfs, Bello Lisboa, não foi a favor da
contratação de tantos professores “filhos da Casa”, isto é, formados na ESAV. Todos
eles foram bons alunos, isto é, com conduta moral ilibada e com notas acima da média.
A reclamação do diretor estava na falta de experiência dos novos professores.
Porém, a realidade foi outra. Nas memórias do professor Alfredo Lam-Sanchez
sobre os professores da UREMG dos anos 1950, havia 43 professores que lecionavam
para o curso de agronomia, sendo que 32 eram ex-alunos da instituição. Nesta mesma
perspectiva, Antônio Secundino de São José, que foi um dos primeiros ex-alunos que se
tornou professor, de 1926 até 1940, “já passaram por esta Escola, e saíram, por um
motivo ou por outro, nada menos de 84 professores, desses, apenas 5 eram ex-
alunos”117. Por outro lado, o autor prossegue, “no próprio corpo docente atual,
composto de 41 professores, 30 são ex-alunos desta casa, ou seja, 75% são ex-alunos”.
A predominância de estudantes que se tornaram professores no corpo docente tornou-se
estratégica para a instituição. Neste caso, tanto para manter a relevância do “espírito
esaviano” quanto evitar a rotatividade de profissionais na Escola.

1948, com a transformação da Escola em Universidade, o curso de Medicina Veterinária foi reintegrado à
UREMG. Mas houve uma reviravolta em 1961, quando a Escola de Medicina Veterinária é federalizada e
acoplada à UFMG. Só em 1976 que o curso será recriado definitivamente no campus em Viçosa. Ver:
(BORGES, 2006, p. 37).
116
A ACAR foi criada em 1948 em parceria com a AIA (American International Association). Fruto de
uma parceria do governo de Minas Gerais com os Estados Unidos, a criação da ACAR se fez necessária
pela constatação da baixa produtividade diante da grande capacidade produtiva do estado. De início,
Fonseca (1985) aponta que a ACAR funcionava muito mais como facilitadora de crédito, sem prestar
auxílio técnico aos agricultores. Essa ênfase foi alterada a partir de 1952, com o envio de técnicos
americanos para o Brasil e com a criação do Projeto ETA.
117
Revista Seiva, N.2 Outubro-Novembro de 1940. Ano I
84

Dessa forma, a existência de docentes com tamanha familiaridade em relação à


ESAV contribuiu para o fortalecimento da cultura institucional. De acordo com
Azevedo, “se a falta de experiência e maturidade desses docentes pode ter ocasionado
degenerescência, como temia o primeiro diretor da instituição, também é possível inferir
que eles tiveram papel relevante na reprodução do ethos institucional” (AZEVEDO,
2005, p. 131). Em outras palavras, os valores cultivados na instituição nas gerações
anteriores foram mantidos e reproduzidos no contexto de crescimento da universidade.
A narrativa memorialística de Lam-Sanchez, conforme acentuado anteriormente,
exalta um cotidiano repleto de experiências agradáveis. O ex-estudante e ex-professor
da instituição rememora “tempos que não voltam mais”, sempre com ênfase na
grandeza da Escola, nos laços fraternos existentes na comunidade acadêmica e na
competência dos professores. Seu livro é dividido em capítulos que narram sobre a
cidade de Viçosa, a ESAV e suas transformações históricas, os professores que
lecionavam no seu tempo de estudante, os colegas que dividiam as dependências na
instituição e as experiências dos estudantes nos múltiplos espaços existentes da
Universidade. No tocante aos professores que contribuíram com sua formação, há
sempre uma lembrança anedótica sobre o cotidiano da relação com o antigo docente e,
junto a isso, a exposição da relevância de tal professor para o autor e,
consequentemente, para seus colegas.
No discurso de Lam-Sanchez, o que separa a atual UFV e da antiga ESAV é o
sentimento de comunidade que existia nos tempos anteriores. O “espírito esaviano”
cimentava as relações entre estudantes e professores, o que resultava no fortalecimento
dos vínculos e sedimentava a tradição da instituição. Com o crescimento da Escola e sua
transformação em universidade, esses vínculos são substituídos por outras formas de
sociabilidade. Segundo o autor,

(...) uma das coisas que mais nos alegravam na Escola era o sentimento
fraternal que existia na comunidade. E, antes de tudo, existiam um grande
respeito e admiração pelos nossos mestres. Bem diferente do que se percebe
hoje nas universidades, podemos afirmar, sem o conhecimento direto, que na
UFV não existem mais esses traços de fraternidade (LAM-SANCHEZ, 2004,
p. 167).

Quando Lam-Sanchez comenta a atuação do professor Clibas Vieira na


universidade, ele expõe seu pensamento sobre a dissolução progressiva da cultura
institucional inaugurada nos tempos áureos da ESAV: “lembro-me, ainda, que prezava
de modo especial o espírito esaviano. Segundo me informaram, lamentava muito que,
85

com a expansão da universidade, essa chama tende a extinguir-se.” (LAM-SANCHEZ,


2004, p. 120).
Na verdade, as memórias de Vieira confirmam a citação acima em relação à
lamentação pela diluição do “espírito esaviano” no mar de alunos que aumentava ano a
ano com a expansão da UFV. Na narrativa do ex-professor, o “espírito esaviano” é
marcado pelo caráter comunitário vivido pelos estudantes nos tempos de ESAV. O
compartilhamento da vida no cotidiano da Escola e o senso de pertencimento marcavam
essa cultura escolar. Para Clibas, mesmo com a transformação da Escola em
Universidade, o “espírito esaviano” continuou. As características da Escola não foram
modificadas completamente. Ainda que a expansão provocasse mudanças no ritmo da
vida no campus, a convivência entre os alunos no internato e a concentração das aulas
no prédio principal – atual Arthur Bernardes, conhecido como “Bernardão” –
contribuíam para estreitar os laços característicos da velha ESAV.
No entanto, para Vieira, a situação se deteriora após a modificação do sistema
universitário no final da década de 1960, mais especificamente, no contexto da Reforma
Universitária de 1968. Com a implantação do sistema de créditos, os alunos se
matriculariam em determinadas disciplinas, o que poderia gerar a desintegração de
grupos que, no sistema seriado, percorriam todos os anos juntos até o fim do curso. Fica
notório que para Vieira a marca do “espírito esaviano” são a sociabilidade, os laços
entre as pessoas e toda a experiência que envolve a relação entre os sujeitos que formam
a comunidade escolar.
Nesta perspectiva, o progressivo crescimento da universidade juntamente com a
federalização relegou o “espírito esaviano” apenas como marco memorial de um
passado que não existe mais. Os laços de outrora foram desfeitos, a integração se desfez
e todo o significado da antiga ESAV apenas povoa a memória de ex-esavianos que
assistem ao passar da História. A longa citação a seguir reforça o pensamento de Vieira
sobre a UFV:

Na verdade, porém, alguns fatores foram imprescindíveis para segurar o


espírito [esaviano] no passado. A federalização da Universidade no final da
década de 60 e a mudança da educação brasileira com a instituição do Sistema
de Créditos em substituição ao ensino seriado, que vinha sendo adotado desde
a sua fundação, fez com que a Universidade obtivesse um “boom” de expansão
e especialização, que proporcionaram uma modificação sem igual às velhas
estruturas esavianas. Os laços que uniam um estudante ao outro e cada um
à escola foram prejudicados por formas de conviver e estudar diferentes
em virtude do Sistema de Créditos. O companheirismo, a camaradagem e o
engajamento, características de “turmas” de colegas que compartilham suas
86

dificuldades e alegrias no dia a dia de suas vidas de estudantes, deixaram de


existir. Com as mudanças ocorridas, o “cada um por si, Deus por todos” passou
a valer mais que qualquer outra coisa. O professor João Moojem de Oliveira,
ao final de uma das Reuniões Gerais que se realizavam todos os dias na Escola,
discorreu sobre o Espírito Esaviano e cunhou a sigla ESAV como “Estudar,
Saber, Agir e Vencer”. O Espírito Esaviano nasce com a ESAV, o seu lema
nasceu de sua sigla. Quando a ESAV foi transformada em UREMG
(Universidade Rural do Estado de Minas Gerais) ele consegue ainda sobreviver
devido ao fato de as características da escola e da vida da escola não terem se
modificado radicalmente. Mas não resiste aos sucessivos golpes que vêm junto
com a federalização. A expansão, a especialização e as mudanças estruturais da
educação condenam o Espírito Esaviano a ser testemunha do passado. A
“árvore frondosa” que evoluía contínua e silenciosamente, como dizia o bordão
estampado em “Seiva”, teve que estagnar e parar de dar frutos. Dos frutos que
deu, a doçura ficou presente apenas na memória daqueles que os provaram
(BARBOSA, 2004, p. 55). [Negrito nosso]

É óbvio que o crescimento da universidade não comporta o mesmo tipo de


sociabilidade existente nos tempos passados. Porém, até a década de 1960, a maioria
dos professores a UREMG foram estudantes da antiga ESAV. Neste aspecto, eles
participaram das Reuniões Gerais, frequentaram as aulas dos professores pioneiros da
ESAV e assistiram ao crescimento juntamente com a transformação do campus.
Portanto, esses docentes, embora lamentassem o esmorecimento do “espírito esaviano”,
de alguma forma contribuíram para a sobrevivência dos fragmentos dessa cultura
institucional. Como porta-vozes do passado idílico da Escola, seus alunos foram
formados na tradição esaviana. Nos anos após a transformação da ESAV em
Universidade, o espírito esaviano também encontrou ressonância no cotidiano
institucional.
Os problemas no tocante à autonomia da Escola e as carências de recursos foram
amenizados com a mudança da instituição para Universidade. Para Maria das Graças
Ribeiro, “quando a ESAV foi transformada em Universidade Rural do Estado de Minas
Gerais (UREMG), pela lei n.272, os problemas pareciam estar superados” (RIBEIRO,
2006, p. 109). Juntamente com isso, Ribeiro salienta que os convênios internacionais
também contribuíram para superação das dificuldades: “foi um elemento decisivo para
tirar a instituição daquela crise o impulso oferecido por entidades norte-americanas que
com ela firmaram, a partir de meados dos anos 1940” (RIBEIRO, 2006, p. 109).
Porém, a constatação do desenvolvimento institucional após a transformação da
Escola em Universidade não significa que esse processo tenha sido natural e sem
conflitos. A nova organização da instituição em escolas subordinadas a um Conselho
Universitário demandava maior esforço político em harmonizar os interesses das
87

diferentes congregações internas e, também, a constante relação com as instâncias


políticas estaduais, federais e organizações internacionais.
A redemocratização política conduzida após 1945 com o fim do governo Vargas
e a ascensão do General Eurico Gaspar Dutra na presidência aparentavam indicar novos
rumos no cenário educacional. A nova constituição de 1946 enunciava a vigência de um
Estado democrático, e a legislação da época previa a autonomia das instituições
superiores (FÁVERO, 2006). Houve um crescimento significativo das universidades,
porém Fávero aponta que predominava entre elas a ênfase na “formação profissional,
sem idêntica preocupação com a pesquisa e a produção de conhecimento” (FÁVERO,
2006, p. 28).
O anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases para a educação (LDB) teve início em
1948 e chegou à sua formulação final em 1961. Entre as diversas demandas que
envolviam o processo legislativo da LDB, a questão da descentralização do ensino
tornava-se ponto divergente entre os líderes políticos. Neste aspecto, o desafio era
superar a “centralização dos procedimentos administrativos, que atingiu níveis máximos
durante o Estado Novo, prosseguindo pelo caminho da descentralização do ensino, de
acordo com a determinação constitucional” (MONTALVÃO, 2010, p. 22).
Nesse contexto, a UREMG experimentava a transformação progressiva do
panorama educacional e necessitava de adaptação às novas exigências legais. Nas atas
do Conselho Universitário, os representantes assumiam posturas com diversos matizes,
principalmente entre a reação às mudanças e a identificação de oportunidades para o
desenvolvimento da instituição e, porque não dizer, para o crescimento profissional de
cada sujeito envolvido. Durante os anos 20 e 30, identificamos um padrão político
comum na prática política da comunidade escolar diante das instâncias de poder. O
“espírito esaviano”, como comportamento político, optava sempre por uma atitude de
afastamento do conflito em direção à acomodação de interesses. No contexto de
consolidação da UREMG nos anos subsequentes, essa cultura institucional também
pode ser encontrada?
Para responder a essa questão, primeiramente, é necessário compreender o
processo decisório interno após a transformação da Escola em Universidade. Se os
problemas com o orçamento da instituição eram recorrentes na década de 1930, o
desafio de equilibrar os gastos era ainda maior como universidade. O novo Conselho
Universitário buscou, diante das autoridades do estado, aproveitar a nova situação
jurídica da instituição para atrair mais investimentos.
88

A transformação da ESAV em UREMG em 1949 foi acompanhada pela lei que


federalizou as instituições de ensino superior no ano seguinte. Ou seja, além de ter
deixado de ser uma escola superior, a instituição passou por um outro processo que
pegou a comunidade universitária de surpresa. De acordo com Borges et al. (2006), a lei
federal 1.254, de 4 de dezembro de 1950, surpreendeu a comunidade universitária, uma
vez que não houve qualquer consulta ou participação do Conselho Universitário nesse
processo. Nas atas do Conselho, os professores e conselheiros mostraram-se avessos à
sansão da lei e buscaram negociar com os governos a nova situação advinda com a
federalização. Borges argumenta que na UREMG “cultivava-se a ideia de que ela
haveria de se expandir e de se impor como uma grande universidade estadual,
paralelamente à do Estado de São Paulo, a USP” (BORGES et al., 2006, p. 106).
Uma carta do Conselho Universitário foi enviada ao governador Milton Campos,
de forma a apresentar os limites da federalização. O primeiro ponto exposto foi, como
citado anteriormente, a não participação da universidade nesse processo. Acima disso, a
reclamação foi além do aspecto local, afirmando que o processo foi elaborado “à revelia
do governo mineiro”. O segundo ponto enviado ao governador refere-se à ausência de
uma lei específica para regulamentar a legislação que federalizou as instituições
estaduais, sobretudo com a alegação de que “a constituição brasileira assegura à União
legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, mas não exclui a legislação
estadual supletiva ou complementar”. Em outras palavras, o Conselho Universitário
questionou a constitucionalidade da lei. O terceiro ponto, o Conselho sugeriu que a lei
poderia afetar “as características e princípios que forjaram a estrutura das suas escolas”
e também, que a instituição ambicionava “conseguir autonomia didática” 118.
O quarto e último ponto, na verdade, sintetiza todos os anteriores. A grande
reivindicação do Conselho se faz no quesito financiamento e dotação de recursos. Com
a federalização, todo patrimônio da instituição passaria a ser do governo federal sem
indenização. A outra questão é o valor da subvenção oferecida por meio da lei, neste
caso, de C$ 4.434.280,00. Na argumentação do Conselho, esse valor era insuficiente
diante das despesas da Universidade, uma vez que “o patrimônio da UREMG para o
exercício de 1950 foi de C$ 13.000.000,00”. Somado a isso, o número de professores
catedráticos também não contemplava a necessidade da Universidade. A proposta do
Conselho enviada para o governo estadual foi:

118
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 04/1950.
89

a) considerar que a federalização nos termos em que foi decretada merece


estudo para que não venha a atual organização da UREMG sofrer
consequências que possam prejudicar suas finalidades e propósitos com que
foi criada pelo governo de V. Excia; b) sugerir que seja nomeada uma
comissão composta de três elementos, da qual faça parte um elemento do
governo, um elemento de cada uma das congregações para realizar os estudos
necessários e devidamente cuidadosos sobre a [conveniência]de: a) aceitar a
federalização, conservando as características atuais da UREMG; b) manter os
direitos adquiridos até então pelos atuais servidores da UREMG; c) aceitar uma
subvenção anual em vez da federalização; conservar o total da verba de, no
mínimo, 19.000.000,00, anualmente119.

A congregação da Escola Superior de Agricultura também apresentou um


documento que repudiou o formato da federalização imposta pelo governo federal. Em
reunião com Mello Viana, o político mineiro que elaborou a lei, os professores da ESA
pressionaram o senador a encontrar uma saída para o caso da UREMG. A situação foi
agravada com a presença do senador Bernardes Filho, que, além de conhecer muito bem
a Universidade, tinha a cidade de Viçosa como reduto político. Esse episódio revela
grande habilidade política dos “esavianos”. A convocação do senador Bernardes Filho
para a reunião com Mello Viana mostrava que a universidade não estava passiva diante
do jogo político. De certa forma, os professores mostraram uma postura firme para com
o governo federal, porém contando com a compreensão do governo de Minas, seja por
meio do governador que recebeu a carta, ou pelo apoio de Arthur Bernardes Filho. Isso
não seria uma contradição ao “espírito esaviano”?
De fato, a impressão passada pelos membros do conselho era de que a
federalização foi completamente à revelia da instituição e do próprio estado de Minas
Gerais. Isso explica a forte reação do Conselho contra o governo federal, o que incluiu
uma argumentação em cima de números e exemplos do possível prejuízo que a
UREMG sofreria com a transformação em Universidade federal. Em contrapartida, o
Conselho ofereceu uma saída ao governo ao demonstrar que a subvenção anual seria
uma alternativa mais viável à federalização. O Conselho só tomou essa iniciativa ao
fazer um cálculo político, incluindo o senador Arthur Bernardes Filho como
interlocutor.
A postura negociadora avessa aos conflitos tinha limites. Acima disso, estava em
jogo o próprio legado construído desde os tempos de ESAV e, portanto, neste contexto,
era necessário o enfretamento. Junto a isso, os professores utilizaram de todo arsenal
político disponível naquele momento. Como a transformação da Escola em universidade

119
Ibidem.
90

havia sido elaborada a partir de intensa colaboração do governo estadual120, certamente


que essa influência foi utilizada para impedir a federalização e apresentar outra saída.
Após esse período conturbado, um dos pedidos do Conselho Universitário foi acatado
pelo governo. A UREMG não foi federalizada, porém permaneceu subvencionada pelo
governo federal.
O que estava em jogo, nesse episódio, era a proteção do campo científico. O
compromisso dos professores era com a sobrevivência de suas demandas científicas e,
consequentemente, com o correto funcionamento da instituição. A federalização,
naquele momento, foi considerada uma afronta à instituição. E assim, a atitude das
lideranças acadêmicas com o poder instituído não foi de submissão, obviamente.
Outro episódio ilustra bem a relação da instituição com a classe política. Em
1951, o Conselho Universitário, na pessoa do reitor, declara sua insatisfação pela
condução das políticas educacionais no Brasil. A referência do presidente do Conselho
Universitário não é direta. Não se sabe ao certo se sua crítica é endereçada à presidência
da república – ocupada pelo então presidente Getúlio Vargas – ou à gestão do
Ministério da Agricultura no tocante às universidades e escolas rurais. Porém o reitor
apoiou os alunos da ESA que fizeram manifestações “contra a decadência do ensino”.
Aparentemente, não existia, naquele momento, qualquer sintonia do governo federal
com a UREMG. A própria forma como foi iniciado o processo de federalização
desagradou a cúpula da instituição. O governador do estado, Juscelino Kubitscheck, que
substituíra Milton Campos (UDN), não tinha o mesmo prestígio de seu antecessor,
embora também não haja evidências de conflitos com o Conselho Universitário:

O Sr. Presidente, referindo-se ainda à aprovação do regimento, fez sentir o que


existe de desorganização nos meios responsáveis pela orientação do ensino no
país, mostrando-se mesmo desolado com o que lhe foi dado observar e com as
informações colhidas. Manifestou, entretanto, os seus aplausos pela atitude dos
alunos da ESA que, num gesto admirável, se uniram abnegavelmente,
disciplinadamente, para reagir contra a decadência do ensino, procurando
moralizá-lo121.

Mesmo com as críticas à suposta decadência do ensino no Brasil, a década de


1950 não começou mal para a UREMG. O próprio reitor repassou a informação para o
Conselho Universitário, “que a instituição teria certa tranquilidade em relação aos

120
No livro que narra a história oficial da Universidade, o autor reforça o grande apoio recebido para a
“estadualização” da Escola, por meio do governador Milton Campos, do secretário da Agricultura
Américo René Giannetti e do secretário das finanças José de Magalhães Pinto (BORGES et al., 2006).
121
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 05/1951.
91

recursos para suas necessidades imediatas” 122. Além disso, a UREMG experimentava de
forma especial a vinda de técnicos norte-americanos e recursos para a prática da
extensão rural e também a construção da Escola Superior de Ciências Domésticas.
Informou ainda sobre o “entendimento havido entre a Reitoria e o governo norte-
americano, por intermédio do governo do Estado, relativamente à vinda de técnicos
daquele país para o serviço de extensão e para a Escola de Economia doméstica” 123.
Esse primeiro contato redundou, no ano de 1952124, no primeiro convênio da UREMG
com a Universidade Purdue. Também foi firmado um acordo com a Fundação
Rockfeller. Essas aproximações com as entidades estrangeiras não foram feitas à revelia
do governo estadual. Pelo contrário, todo apoio político foi oferecido à UREMG para
possibilitar a vinda de técnicos e recursos de fora:

Para possibilitar o estudo do assunto, o Sr. Reitor informou ter enviado ao Dr.
Willer a solicitação oficial acompanhada de um ofício assinado pelo Sr.
Secretário da Agricultura contando a informação que do orçamento do
ministério da agricultura consignava uma verba de oitocentos mil cruzeiros
para as Escolas de Agricultura e de Veterinária no exercício de 1952 e ainda
que o governo de Minas se achava no propósito de prestar todo o auxílio
material que fosse necessário para satisfazer as exigências da Fundação
Rockfeller125.

Dessa forma, a universidade crescia e os desafios políticos também aumentavam


na mesma proporção. O Conselho Universitário buscou defender a instituição daquilo
que aparentava ameaçá-la, neste caso, a federalização. Obviamente, questões políticas
necessitavam de estratégias políticas para equalização desses interesses. Novamente, a
aproximação com políticos considerados parceiros da UREMG contribuiu para a
sobrevivência dos planos institucionais.
Sempre a questão dos recursos para a universidade aparecia como pauta urgente
nas reuniões do órgão máximo da UREMG. E a existência dos convênios internacionais
contribuiu para um melhor posicionamento da universidade frente às demandas
científicas. Havia uma nítida carência na estruturação de laboratórios, livros traduzidos,
bolsas de pesquisa e incremento na formação acadêmica dos professores. Além disso, a
instituição era composta, na sua grande maioria, por jovens pesquisadores. A vinda de
cientistas do exterior também contribuía com o incremento na prática da pesquisa.

122
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 06/1951.
123
Ibidem.
124
Esse primeiro acordo teve como objetivo único a formação da Escola de Ciências Domésticas da
UREMG. Só em 1958 que um amplo contrato vai ser efetuado entre as duas universidades.
125
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 08/1951.
92

Dessa forma, o fechamento de parcerias com a Universidade de Purdue, Fundação


Rockfeller e Fundação Ford era comemorado na UREMG como uma grande conquista.
Se em 1951 o reitor declarou ao Conselho Universitário a boa situação
financeira da universidade, alguns anos depois essa situação se reverteu. Na verdade,
essa era a dinâmica comum no meio acadêmico daquela época. Anos de alguma
bonança eram sucedidos por anos de penúria financeira. Nesse movimento de
indefinições, as lideranças acadêmicas tinham que se desdobrar diante do poder público
e clamar por mais verbas. Uma das soluções encontradas em 1955 foi pedir ao governo
federal que aumentasse a verba suplementar da universidade 126. Como a instituição era
mantida pelo estado, a União apenas complementava os recursos orçamentários.
Sem dúvida, os desafios que envolviam a luta da instituição pela sobrevivência
financeira resvalavam diretamente na reitoria. Por essa razão, em 1956, o reitor foi
acusado pelos membros do Conselho de não cumprir seu papel como interlocutor diante
do governo estadual, naquele momento, dirigido por Bias Fortes. Ele foi acusado de não
informar ao Conselho Universitário sobre sua atuação junto ao governo estadual. A
proposição lida na reunião do Conselho é longa. Para resumir, o texto assinado pelos
conselheiros critica a incapacidade do reitor de liderar o processo de desenvolvimento
da universidade. De acordo com o texto, o governador e outros membros do governo
sequer sabiam da real situação financeira da instituição “por estarem, talvez, recebendo
informações somente por parte do atual Reitor, por isto mesmo consideradas
unilaterais”127. Pode-se dizer que o elemento mais grave relatado no documento exposto
no Conselho foi a insinuação que o “atual reitor não vem informando o Conselho
Universitário de sua atuação em casos de vital interesse para a Universidade. Com
mantida reserva para com o Conselho e retido informações, contornando possíveis ações
deste”128.
A despeito desses problemas, a UREMG passou por um grande crescimento nos
anos 1950 e 1960. A permanência de ex-alunos no quadro docente contribuiu para
fortalecer o comprometimento desses profissionais com a instituição. O mito do
“esaviano” como sinônimo de um ethos institucional de excelência levou os cientistas a
valorizar muito suas relações com a universidade. Isso se somou à nova entrada de
recursos na universidade com a criação da Escola Superior de Ciências Doméstica, que

126
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 33/1955.
127
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 39/1956.
128
Ibidem.
93

contava com o curso técnico e superior e economia doméstica. Também a extensão rural
contribuiu para o crescimento da UREMG. O trabalho dos técnicos da ACAR era
desenvolvido em parceria com os cursos técnicos e superiores da universidade. Isso
fazia com que parte das pesquisas desenvolvidas chegasse até os agricultores e,
certamente, ajudava a criar demandas científicas para os pesquisadores. Sem contar que
essa parceria também atraiu recursos para a instituição.
Na outra ponta, os convênios internacionais, capitaneados pela relação da
UREMG com a Universidade de Purdue, também confirmam a boa fase da
universidade. A parceria das duas instituições foi, a princípio, sacramentada pelo então
recém-criado Escritório Técnico de Agricultura Brasil-Americano (ETA)129, em 1953.
Na perspectiva de Mendonça (2010), os acordos firmados entre o Ministério da
Agricultura e o Departamento de Estado Norte-Americano possibilitaram uma maior
inserção dos Estados Unidos na extensão rural no Brasil. Essa presença se deu por meio
de crédito subsidiado, atividades de extensão rural – com assistência técnica aos
agricultores – com a cooperação de cientistas e técnicos norte-americanos no país.
Certamente, a UREMG torna-se lócus privilegiado desse esquema, uma vez que o ETA
possibilitou a aprovação definitiva do acordo da UREMG com a Universidade de
Purdue, sacramentando o chamando Convênio Purdue-UREMG em 1958.
O convênio entre a Universidade de Purdue e a Universidade Rural de Minas
Gerais de 1952 a 1973, foi feito com o objetivo de potencializar a modernização da
agricultura em terras brasileiras. Em virtude das semelhanças institucionais e científicas
das duas universidades – ambas situadas fora dos grandes centros e com grande ênfase
na pesquisa em agropecuária – o intercâmbio científico consistiu na transferência de
recursos juntamente com a especialização de pessoal e know-how para a potencialização
da produtividade acadêmico-científica aplicada ao setor agrícola. Somado a isso, não é
segredo que os convênios entre universidades respaldadas pelas agências de ajuda
externa norte-americanas tinham como intenção maior erradicar a ameaça comunista no
país, potencializar a abertura de novos mercados e contribuir com a ajuda humanitária.
Adriela Fernandez (1991) pontuou que, além disso, esses programas ofereciam mais
oportunidades aos cientistas americanos de adquirir novas experiências em contato com

129
O ETA foi criado para coordenar as ações de extensão rural no Brasil. Como a prática extensionista
estava institucionalizada em Minas Gerais com a criação da ACAR, foi natural a aproximação do
Escritório Técnico com a UREMG. O ETA possuía uma diretoria binacional, com um diretor brasileiro e
outro americano. O escritório também contava com recursos dos dois países. Com a criação da Aliança
para o Progresso em 1961, o escritório ficou submetido à Usaid.
94

outros países. Também, as pesquisas também poderiam ser aplicadas na economia


americana, principalmente no que tange à agricultura.
A presença americana por meio de professores e técnicos na Universidade
possibilitaria suprir algumas carências nas diferentes áreas da instituição. O grande
problema estava na formação incompleta da maioria dos professores de brasileiros, haja
vista a baixa institucionalização da pós-graduação no Brasil. Os cientistas da
Universidade de Purdue tornaram-se peça-chave na orientação de pesquisas, na
organização e inauguração dos programas de pós-graduação, na produção de materiais
didáticos etc. Somado a isso, muitos professores da UREMG/UFV foram enviados para
a Universidade de Purdue a fim de cursar o mestrado ou o doutorado, de forma a
incrementar a formação dos pesquisadores locais.
O primeiro acordo em Viçosa foi firmado em 1952 para o estabelecimento da
Escola Superior de Ciências Domésticas. Na perspectiva de Fernandez (1991), com o
sucesso da parceria, os governos brasileiros e americanos assinaram outro acordo, em
1958, que estabeleceu o programa entre a Universidade Rural de Minas Gerais e a
Universidade de Purdue, o chamado Projeto ETA, com a assistência da International
Cooperation Administration (ICA) e o apoio da Fundação Ford. Esse contrato foi
renovado em 1964 e durou até 1973.
A pós-graduação na UREMG, a nível de mestrado, também teve participação
direta do Convênio Purdue. Em 1961, foi criado o curso de mestrado em Economia
Rural e também em Horticultura. Em 1962, foi fundado o curso de Nutrição Animal e,
em 1963, deu-se início ao Programa de Fitopatologia 130. Houve grande reconhecimento
na universidade em relação à estrutura advinda das parcerias e, sobretudo, por meio da
orientação dos cientistas americanos do convênio com os programas recém-criados:

Durante todos esses anos, a colaboração da Universidade de Purdue tem sido


eficiente e valiosa. Sem as publicações e o equipamento de pesquisa fornecidos
por essa universidade, teria sido muito difícil para a Escola de Pós-Graduação
conduzir seus cursos com eficiência.
(...)
Evidentemente que a maior contribuição da universidade de Purdue são os
professores que vêm trabalhar aqui. Além de lecionar, eles participam dos
programas de pós-graduação como orientadores de teses. 131.

130
Curso de Pós-Graduação da Universidade de Viçosa: origem, situação presente e perspectivas futuras,
1969. ACH/UFV.
131
95

De forma geral, pode-se dizer que o crescimento da UREMG, nesse período,


está conectado à capacidade de a instituição canalizar diferentes formas de recursos e
financiamentos. Na própria universidade, era comum o reforço desse discurso. De
acordo com documento produzido em 1963, “os obstáculos foram superados um por
um, por doações recebidas do governo de Minas e por recursos de várias organizações,
tanto públicas quanto privadas, que acreditaram na UREMG”132. Dessa forma, a própria
instituição analisa seu sucesso pela construção dessas parcerias. Ainda de acordo com o
texto, “pode-se dizer, sem medo de errar, que a UREMG construiu seu patrimônio
reunindo recursos de várias origens, em prova de confiança no seu destino” 133. Em
outras palavras, a busca pela autonomia do campo científico, pelo menos no caso da
UREMG, significava o esforço de conquistar formas diferentes de financiamento. Essa
faceta, que será analisada no próximo capítulo, acompanhou a universidade por muitos
anos.
Por outro lado, não foram apenas os recursos financeiros por meio de bolsas e
subvenções de pesquisa que alavancaram o capital científico local, a questão da
formação dos professores, que fizeram pós-graduação no exterior, certamente fez
bastante diferença no crescimento da universidade. Notadamente, a infraestrutura da
universidade foi incrementada nesse período. Novos laboratórios, centros de pesquisa e
experimentação em outras cidades – como em Capinópolis – aquisição de máquinas,
construção da biblioteca central etc. Entre essas melhorias, também é destaque a
construção da Vila Gianetti134, fundada nos anos 1950, que serviu de moradia para os
professores – inclusive para os norte-americanos que desembarcaram em Viçosa no
período de vigência do Convênio – e solidificou os laços da comunidade acadêmica
com a instituição.

Considerações finais do capítulo


Foram discutidas neste capítulo a constituição do ethos institucional da ESAV,
conhecido como “espírito esaviano”, e sua influência na prática política da instituição.

132
História, fatos e informação atual sobre a Universidade Rural do Estado de Minas Gerais, 1963.
ACH/UFV.
133
Ibidem.
134
O nome da Vila foi uma homenagem ao político Américo René Gianetti, que foi secretário da
agricultura do governo do Milton Campos e contribuiu para a transformação da ESAV em universidade.
Em relação às casas, a partir da década de 1990, a Vila Gianetti deixou de ser moradia de professores.
Atualmente, as antigas casas são ocupadas por repartições e projetos da universidade. Inclusive o Arquivo
Histórico, o Museu Histórico e a sede da Aspuv (Seção Sindical dos Docentes) estão na Vila Gianetti.
96

A construção de uma cultura institucional buscava solidificar a importância dos


profissionais das ciências agrárias, principalmente os agrônomos e médicos veterinários.
Somado a isso, envolvia também o enobrecimento do trabalho agrícola e da criação de
uma liderança especializada em utilizar o conhecimento científico em prol dos ganhos
produtivos. O esperado de um esaviano era aptidão de intervir na produção agrícola,
porém, igualmente íntegro no aspecto da cidadania esperada de um indivíduo formado
com a perspectiva moderna.
Dessa forma, conclui-se, diante da análise documental, que a prática política
vivenciada na Escola desenvolveu um estilo bastante pragmático e sempre ao lado do
poder. Avessos a qualquer tipo de conflito com a esfera governamental, os professores e
dirigentes acadêmicos costuraram todo tipo de aliança política possível, de modo a
evitar críticas públicas aos dirigentes políticos e manter em aberto os canais de
interlocução com o Estado, inclusive em momentos de crise. Até mesmo o movimento
estudantil mostrou em suas publicações atitudes ambíguas, tendo durante a vigência do
governo Vargas apoiado o presidente, porém, após esse período, tecido críticas ásperas
ao regime. Esse legado será continuado e vivenciado nas próximas páginas da história
da instituição, que de Escola Superior se transformará em Universidade em 1948.
O campo científico, na sua necessidade de manter coeso o campo e seus
interesses, em diversas situações se vê ameaçado pelas pressões da sociedade, em
especial do campo político. No entanto, as soluções encontradas para refratar as
investidas externas não estão internamente na universidade. A própria negociação
política, com a interlocução de indivíduos e instituições que também têm interesses pela
instituição educacional, é utilizada para equacionar os dilemas relacionados ao meio
acadêmico. No caso da UREMG, a solução encontrada foi fechar parcerias com
políticos que de alguma forma tinham algum interesse na região de Viçosa e na própria
universidade, como o deputado e senador Arthur Bernardes Filho. Além disso, em
alguns casos, os professores fizeram “jogo duro” para alcançar seus interesses, abrindo
mão da cordialidade tão presente na cultura institucional da universidade. Ou seja, mais
importante que o estilo político conciliador era a sobrevivência do campo científico. E
em alguns (poucos) momentos, o embate foi necessário.
97

2 A UNIVERSIDADE E A DITADURA: PONTOS DE INTERLOCUÇÃO

Ao visitar a Universidade Federal de Viçosa, por ocasião das comemorações do


Centenário de Nascimento do Presidente Arthur Bernardes, fui tocado por intensa
emoção cívica. Pela magnífica realidade presente na visão do futuro, que sempre
norteou o comportamento do Presidente Bernardes, a UFV tem dilatado, pela
capacidade e abnegação de seus ilustres mestres, as fronteiras da ciência e da
tecnologia em nosso país135. (Aureliano Chaves. Ex-governador de Minas Gerais.
Político da ARENA).

2.1 Introdução
O objetivo deste capítulo é analisar os pontos de interlocução entre a
Universidade Federal de Viçosa e o regime militar. Como a ditadura estabeleceu um
canal comunicativo com as instituições superiores? E como a UREMG/UFV vai
responder às expectativas do regime autoritário? Portanto, compreender as conexões
entre os cientistas e as lideranças políticas nos motivou a interpretar o comportamento
político da instituição em um contexto extremamente controverso. De um lado, o Estado
estava desde 1964 sob controle de governos militares, que utilizavam da máquina
repressiva para, entre outras coisas, silenciar a população e reduzir o espaço da
oposição. Por outro, existia uma face modernizadora nesses governos que impulsionava
o desenvolvimento com um volume de recursos jamais visto. A despeito dos paradoxos
inerentes a essa modernização – concentração de renda, êxodo rural, entre outros - a
Universidade se tornava lócus privilegiado nesse esquema, pois a necessidade de
produção de tecnologia induzia a valorização do meio acadêmico nacional.
No contexto da ditadura, as instituições educacionais passaram por
transformações significativas com a modernização das universidades.
Consequentemente, houve aumento significativo de recursos para pesquisa, valorização
da carreira docente, incremento da pós-graduação, parcerias com instituições
internacionais etc. O governo militar assumia, dessa forma, a necessidade de
profissionalizar os quadros internos das universidades, desde a formação acadêmica dos
professores, melhorias no planejamento educacional, até o investimento em
infraestrutura e equipamentos.
Por outro lado, esse processo preteriu a participação dos docentes e do
movimento estudantil na construção da reforma universitária, além de incentivar

135
Texto escrito por Aureliano Chaves, em 1975, na ocasião da comemoração do centenário de Arthur
Bernardes. Esse pequeno texto foi publicado no “Livro de Ouro” da UFV. Ver: UFV Informa, 26 de
fevereiro de 1976. ACH/UFV.
98

enormemente o crescimento das instituições privadas. A modernização contraditória das


universidades também significou o expurgo e aposentadoria compulsória de centenas de
docentes considerados subversivos pela ditadura. Pesquisas foram descontinuadas e
outras tantas acabaram ameaçadas por uma debandada significativa: muitos cientistas
partiram para o exterior em busca de maior liberdade para a condução de suas práticas
cientificas. Como afirmou Hidelbrando Pereira da Silva 136:

A comunidade acadêmica foi, guardadas as devidas proporções, o setor da


sociedade brasileira que mais sofreu com a violência repressiva da Ditadura
Militar, não apenas como vítima da tortura, assassinato e desencaminhamento
profissional de seus jovens estudantes, em particular os que optaram pela via
armada para o combate à ditadura - como pela demissão, expulsão e
perseguição de professores, pesquisadores e outros profissionais das
Universidades e Instituições de Pesquisa (SILVA, 2014, p. 63).

Apesar dessas contradições e paradoxos, Motta (2014) identificou um


determinado padrão no comportamento político da categoria docente nos “anos de
chumbo”. Embora a adesão ao projeto de modernização da ditadura e a resistência
militante ao sistema existissem nas mais diferentes instituições, a acomodação tornou-se
uma opção bastante frequente diante do cenário político em vigência.
Porém, os estudos concernentes à Universidade de Viçosa indicaram um padrão
diferente do usual entre as universidades brasileiras, neste caso, caracterizado pela
acomodação e pela “resistência sutil” 137 dentro do sistema. Por meio desta pesquisa, foi
percebido que a adesão ao projeto de modernização deu o tom das relações entre os
dirigentes da UFV e as lideranças políticas. Obviamente, a universidade é um
microcosmo social bastante diversificado e com muitos matizes de pensamento e
práticas. Dentro de uma mesma instituição, certamente existem vozes dissonantes que
questionam e enfrentam o status quo, o que será discutido em outro capítulo. Da mesma
maneira, afirmar que a instituição como um todo se aliou ao regime autoritário seria
uma injustiça. Porém, neste capítulo, será analisado particularmente o comportamento
preponderante da universidade na sua relação com o poder e como o regime militar

136
O cientista Hidelbrando P. da Silva foi um dos atingidos da ditadura nas universidades. Porém, para se
afastar da ameaça de repressão, acabou se demitindo da USP, além de ter ficado três meses preso. Ver
(MOTTA, 2014)
137
“Resistência sutil” seria a recusa de determinados cientistas a cooperar com a ditadura, porém sem
usar os canais tradicionais de protesto e enfretamento político, como publicação de textos, greves ou
participação de manifestações públicas contra o regime autoritário. Motta (2014) cita alguns casos em seu
trabalho sobre a ditadura nas universidades. Professores que se solidarizaram com colegas e acolheram
fugitivos da repressão em suas casas; reitores que fizeram vista grossa e pouco cooperaram para entregar
ao regime professores ou estudantes acusados de subversão.
99

obteve êxito em envolver determinadas instituições, como a UFV, em seu projeto de


modernização conservadora, que tem como pressuposto modificar algumas estruturas
econômicas, mas sem alterar as estruturas sociais básicas.
Antes da análise das fontes, uma discussão historiográfica faz-se necessária para
situar esse trabalho e mostrar nossas escolhas para interpretar o fenômeno da adesão ao
projeto modernizador do regime. Em seguida, serão analisados os pontos de
convergência entre a Universidade de Viçosa e a ditadura militar, no aspecto da
modernização da agricultura, por meio dos convênios internacionais, e no contexto da
federalização da UREMG.

2.2 Debate historiográfico


Na sua obra Ditadura militar, esquerdas e sociedade, Daniel Aarão Reis
problematizou as relações entre ditadura e sociedade. Nessa perspectiva, o autor mostra
que a sociedade brasileira por meio da mídia e também da academia celebrou a
hostilidade à ditadura (REIS, 2000, p. 7). Desde o golpe, a consolidação do regime até a
abertura política, Reis aponta os caminhos da transformação discursiva dos atores nessa
trama política. Parte da dicotomia entre ditadura e sociedade vem do senso comum,
sobretudo com o clássico maniqueísmo que opôs de um lado a tirania residente na
ditadura e por outro a democracia e cidadania capitaneada pela sociedade.
Nesse esquema, Daniel Aarão Reis sugere que as esquerdas foram colocadas
como vítimas, e mesmo quando elas lutaram e desafiaram o regime através das armas,
elas o fizeram em nome da resistência. Na década de 1970, no contexto da distensão do
regime militar, a esquerda renasce, no plano discursivo, como moderada, democrática e,
portanto, vitoriosa nas “batalhas da memória” (REIS, 2000, p. 8).
Se de um lado a sociedade foi considerada relegada à tirania e ao obscurantismo
do regime, por outro lado, os militares receberam toda sorte de culpa pela interrupção da
democracia. Nessa perspectiva, a ditadura que se seguiu ao golpe foi resultante do
protagonismo dos militares, enquanto a população sofria com os desmandos de um
governo legitimado pela força e pela violência. Os grupos sociais que ofereceram apoio
ao regime foram negligenciados tanto na memória hegemônica quanto nos estudos
acadêmicos. A indiferença e apatia de outros grupos também foram desprezadas. Restou
o heroísmo dos que lutaram bravamente. Diante disso, Aarão Reis questiona: “como
explicar por que a ditadura não foi simplesmente escorraçada? [...] Como compreender
100

que permaneçam com tanta força lideranças e mecanismos de poder preservados e/ou
construídos no período da ditadura, pela e para a ditadura?” (REIS, 2000, p. 10).
Os questionamentos lançados pelo autor citado são importantes para
problematizar grupos ou instituições que de alguma forma aderiram ao regime militar.
De fato, pensar em uma sociedade vitimizada pelo Estado é superestimar o alcance do
aparato repressivo do Estado. De alguma forma, a ditadura foi eficiente em estabelecer
um canal comunicativo com a sociedade, de forma a atrair grupos que se convenceram
da viabilidade do projeto modernizador do regime.
Portanto, a dicotomia entre ditadura e sociedade contribuiu com uma percepção
distorcida no tocante à longevidade do regime. Rollemberg questiona o uso da memória
para qualificar a permanência da ditadura no tempo como consequência exclusiva “das
instituições e práticas coercitivas e manipulatórias” (ROLLEMBERG, 2011, p. 11).
Assim, a eficácia dos aparelhos repressivos do Estado, que, evidentemente, existiu, é
elevada a um patamar quase absoluto, atomizando o cidadão e sua prática política. Na
perspectiva de Janaina Cordeiro, essa visão silencia sobre o fato de a ditadura não ter se
“estabelecido unicamente por meio de instrumentos repressivos, mas que, ao contrário,
foi produto de parcelas significativas da sociedade e, em certa medida, uma demanda
destas” (CORDEIRO, 2008, p. 16).
Na concepção desses autores, o caráter da construção social dos regimes
autoritários não pode ser desprezado pelos historiadores. Em certa medida, parte da
sociedade concordou, respaldou e apoiou a ditadura. De alguma maneira a ditadura
fornecia elementos que convergiam com os interesses de determinados grupos sociais,
aquilo que foi chamado por Rollemberg de “criação de consensos”. Neste caso, as
sociedades percebem os ganhos em apoiar os dirigentes que tomam o poder. Segundo a
autora, cabe então ao historiador analisar “as acomodações de interesses [que] fizeram-
se em regimes autoritários através de mecanismos traduzidos em ganhos materiais e/ou
simbólicos para as sociedades” (ROLLEMBERG, 2011, p. 17).
Essa perspectiva historiográfica condena radicalmente a visão do Brasil ou da
América Latina como vítima do poder coercitivo do Estado ou das potências
estrangeiras. Para Rollemberg, ao “continente é atribuído uma história linear, sem
cortes, desde a chegada dos europeus até o imperialismo americano. Suas sociedades
seriam sempre manipuladas por governantes pouco preocupados com seus países”
(ROLLEMBERG, 2011. p. 24). Portanto, o aspecto da escolha dos agentes é bastante
101

valorizado por essa historiografia. As ações dos indivíduos são moldadas pelos seus
interesses, e não guiadas por agentes que os manipulam e guiam seus destinos.
Os trabalhos aqui citados demonstraram, entre outras coisas, que a construção do
autoritarismo no contexto da ditadura não foi exclusividade das ações militares. A
participação civil com a adesão de inúmeros indivíduos de diferentes segmentos sociais
ofereceu efetiva base de apoio para a longevidade do regime ditatorial, neste caso, um
espectro ambíguo de atitudes da sociedade diante de governos ditatoriais. Resistência e
colaboração atuaram juntas lado a lado: ora incomodaram a ditadura, ora reforçaram
laços que contribuíram para reforçar a permanência dos grupos que operavam no poder.

2.3 Entre a adesão e a resistência


Não há dúvida de que a historiografia que questionou o “mito da sociedade
resistente” à ditadura contribuiu para ampliar a discussão a respeito das relações entre
ditadura e sociedade. Outros grupos sociais ganharam protagonismo e atores que até
então estavam silenciados pela memória hegemônica ganharam destaque 138. A
resistência deixa de ser a única via de interlocução entre o Estado e a população, sendo
a adesão do regime uma possibilidade que solidificou o modus operandi da ditadura.
Porém, algumas questões precisam ser levantadas para problematizar até que
ponto a questão da adesão e do consenso são facetas suficientes para explicar as
relações entre ditadura e sociedade. Os historiadores não estariam a criar uma memória
da resistência ao avesso, isto é, potencializando o caráter colaborativo da sociedade em
relação ao regime? Outras chaves explicativas não seriam mais eficientes para
desenvolver essa questão? Compreender a complexidade das ações dos indivíduos em
regimes autoritários envolve interpretar as razões de suas práticas e, sobretudo, as
representações a posteriori criadas para explicar o legado deixado por essa sociedade.
No entanto, encarar o colaboracionismo como um padrão de comportamento
generalizado torna-se tão problemático quanto afirmar que a sociedade em peso resistiu
ao regime militar.
O modus operandi da ditadura requer o uso de concessões. Neste caso, as
concessões envolvem as negociações às quais o Estado autoritário precisa recorrer para,
em primeiro lugar, manter coesa sua base de apoio. A cizânia dentro da caserna

138
Nos últimos anos, diversas pesquisas trouxeram à tona diferentes grupos sociais que, até então, eram
preteridos entre os historiadores. Os participantes da Marcha com Deus pela Liberdade, os políticos e
partidários da ARENA, os estudantes de direita etc. (PRESOT,2011; GRINBERG, 2011; LIMA, 2013).
102

representava os embates das diversas correntes políticas dentro das forças armadas, que
digladiavam por maior espaço no governo e, sobretudo, envolvia a disputa em torno do
controle da sociedade por meio da repressão e da limitação dos direitos individuais.
Conter o ímpeto dos generais dos ciclos mais autoritários e evitar rompimentos dentro
do próprio governo exigia bastante dos dirigentes do Estado.
Em segundo lugar, as concessões eram operacionalizadas para evitar ao máximo
as manifestações da oposição. A demonstração excessiva da face repressiva do regime
poderia alimentar os argumentos da oposição. No contexto dos embates entre o governo
de Costa e Silva e o movimento estudantil em 1968, a aprovação às pressas da Reforma
Universitária resultava na expectativa dos militares de reduzir o conflito com os
estudantes sem utilizar a truculência habitual. Afinal, o regime buscou a todo custo
provar sua legitimidade revolucionária perante a população. O aspecto democrático,
ainda que artificial, contrastava com a face autoritária da ditadura. O desafio dos
militares consistia em convencer a população de que a repressão, além de mínima, só
era reservada aos subversivos e inimigos do estado de direito.
E por fim, as concessões eram importantes para seduzir a opinião pública.
Construir a imagem de um regime legítimo, mantenedor da ordem e dos bons costumes,
competente no desenvolvimento econômico e ainda com o rótulo de governo
revolucionário e democrático. A própria insistência dos militares em afastar a aparência
de ditadura e manter alguns aspectos institucionais democráticos – a presença do
legislativo na aprovação de leis, a existência de uma constituição, a continuidade dos
sindicatos e de uma oposição política como o MDB – mostra a preocupação do regime
na busca por algum tipo de aceitação popular.
Dessa forma, o consenso e a adesão não são aspectos naturalizados, em que
apenas a existência do governo ditatorial já aciona nos indivíduos posturas de aceitação
para com o regime. Em outras palavras, a legitimidade do Estado precisa ser construída.
Ora, se a ditadura necessita se justificar para constantemente manter a tutela sobre sua
base de apoio e ao mesmo tempo afastar a oposição e afagar a opinião pública, a adesão
e o consenso não são comportamentos intrínsecos da relação entre ditadura e sociedade
tal qual a “historiografia do colaboracionismo” pressupõe. Pelo contrário, necessita-se
de esforço constante do Estado para garantir o apoio significativo de segmentos da
sociedade.
Na perspectiva de Marcelo Ridenti, a dominação não está vinculada apenas ao
uso da força. A busca por legitimidade e a feitura de acordos e negociações atuam para
103

construir a legitimidade dos governos ditatoriais. Assim, “a relação entre dominantes e


dominados, mesmo em regimes autoritários, deve ser compreendida não só com base no
confronto, mas também na negociação” (RIDENTI, 2014, p. 30). Poderíamos
complementar esse raciocínio com outra aferição. Neste caso, na ditadura, a
interlocução entre as partes (Estado e sociedade) implica “concessões aos adversários
(...) Negociar e conceder implica o reconhecimento do outro, levando em conta a
oposição, que assim precisa ser entendida em seu encadeamento com a situação”
(RIDENTI, 2014, p. 30). Para exemplificar, Ridenti mostra que o regime também
buscou legitimar-se pela ação dos sindicatos. No decorrer da ditadura, os sindicatos
oficiais aumentaram suas atividades ao mesmo tempo em que o governo “reprimia os
líderes mais combativos e incentivava os que se integravam à nova ordem e a seu
sistema assistencial” (RIDENTI, 2014, p. 41).
Rodrigo Motta parte do pressuposto de que a cultura brasileira explica, em parte,
o comportamento político contraditório reproduzido no regime militar. Segundo o autor,
existe certa “tendência à conciliação e à acomodação como estratégia utilizada para
evitar conflitos agudos” (MOTTA, 2014, p. 33). Neste aspecto, as relações entre
ditadura e sociedade são permeadas por “jogos de acomodação que não se enquadram
na tipologia binária resistência versus colaboração” (MOTTA, 2014, p. 33). As atitudes
intermediárias à resistência e a adesão estão em evidência nesse esquema explicativo.
Obviamente, a repressão existiu como atitude autoritária do Estado para conter o perigo
da “subversão” e prever os embaraços com a oposição. Por outro lado, a adesão ao
regime também esteve presente por parte de grupos simpáticos ao conservadorismo e ao
anticomunismo. O autor encontrou também bastante recorrência nas práticas
conciliatórias que redundavam na acomodação ao sistema de poder sem, contudo,
significar algum tipo de compromisso com a ditadura (MOTTA, 2014, p. 310).
Essas práticas de acomodação mostram o interesse do Estado de flexibilizar suas
ações para obter ganhos diante da sociedade. De acordo com Motta, “os atores sociais
aceitavam conviver com o regime militar, mas este também precisava fazer concessões,
de outro modo, o arranjo não seria possível” (MOTTA, 2014, p. 310). Os exemplos
problematizados pelo autor estão circunscritos nas relações entre o regime militar e as
universidades: professores que eram contra o regime militar tiveram cargos de
expressão nas universidades ou agências de pesquisa; a permissão do Estado para
docentes de “esquerda” estudarem em instituições do exterior; a recorrência de laços de
parentesco para reduzir punições a professores enquadrados nos órgãos repressivos; a
104

contratação de intelectuais de esquerda para trabalhar diretamente em órgãos do Estado


(MOTTA, 2014, p. 312-318).
Em perspectiva semelhante, Marcos Napolitano interpretou os canais de
negociação entre o Estado e a sociedade no contexto da ditadura, inclusive analisando a
coexistência de elementos tanto de resistência como de cooptação e colaboração com o
regime. Na perspectiva do autor, cooptação e resistência não se excluem. Às vezes,
convivem nos mesmos agentes. De certa forma, os militares buscaram na política
cultural a construção de canais de interlocução com a sociedade (NAPOLITANO, 2011,
p. 150). Havia grande discussão no meio artístico a respeito da aceitação ou não dos
subsídios do Estado para a produção cultural. Por um lado, existia o otimismo quanto à
provisão de recursos, pois, obviamente, isso possibilitaria um alcance maior da obra
artística no cenário nacional. Porém a aceitação do recurso criava um mal-estar em
relação à ditadura, afinal isso não seria um ato de colaboração com o regime? Para
Napolitano:

A convergência da expressão genuína de artistas engajados com os interesses


da indústria fonográfica foi menos uma concessão dessa ao “bom gosto”
musical e mais uma conveniente aliança para ambos: os artistas poderiam
chegar a um público de massa, impossível de ser atingido por meio do circuito
restrito das organizações partidárias, dos movimentos sociais e dos sindicatos,
que, por sinal, estavam duramente reprimidos desde o golpe militar
(NAPOLITANO, 2011, p.160).

A questão da “conveniência para os dois lados” faz muita diferença, uma vez
que desloca o viés da resistência e cooptação para o âmbito da negociação. De certo
modo, o Estado também precisa abrir mão de suas prerrogativas de dominação para
acatar as demandas da sociedade, pois a necessidade de construir uma política cultural
consistente demandava a aproximação de setores da esquerda envolvidos com a questão
artística. Em adição, muitos artistas e intelectuais acreditavam que poderiam conseguir
passar algum conteúdo (ainda que mínimo) politizado e crítico pela indústria cultural.
Isso traz à tona os jogos de acomodação analisados por Rodrigo Motta, na medida em
que as lideranças políticas também fazem concessões para concretizar seus interesses.
Em meio a isso, Napolitano ressalta o caráter ambíguo do Estado no tocante à
política cultural. Enquanto a oposição produzia suas obras artísticas inclusive com
objetivos de criticar o regime, a produção cultural estava inserida no mercado,
sobretudo com o apoio do Estado, que “controlava a produção cultural, via censura, mas
105

estimulava o crescimento do consumo cultural, por meio de subsídios e criação de um


mercado nacional de cultura” (NAPOLITANO, 2011, p.165).
Na mesma esteira, no trabalho de Gabriel Lima sobre a participação estudantil
no Projeto Rondon, em que os estudantes se engajaram nas expedições pelo interior do
país, os participantes não são tipificados apenas como resistentes, tampouco como
colaboradores da ditadura. A própria existência do projeto representava uma alternativa
dos militares em desenvolver o patriotismo entre os estudantes universitários. Ao
convocá-los para se envolver em excursões nos rincões do país para assistir as regiões
com alto nível pobreza, os militares planejavam substituir a influência socialista na
universidade pelo nacionalismo.
No entanto, entre a busca dos militares pela adesão dos estudantes e a prática da
resistência por parte dos discentes havia um grande leque de atitudes intermediárias que
não se enquadram necessariamente nos dois polos. Práticas contraditórias cercadas de
intenções que vão além da esfera política, participar do Projeto Rondon envolvia,
segundo Gabriel Lima,

(...) representar a oportunidade de uma viagem para o interior do Brasil; a


obtenção de uma experiência profissional; o engajamento em uma atividade
cívica e nacionalista, como alardeavam os seus gestores; passar as férias longe
do ambiente familiar; conseguir dispensa da disciplina Estudo de Problemas
Brasileiros na universidade; vivenciar experiências pelas quais não se passaria
em período “comum” de férias; ou até mesmo uma oportunidade para sabotar a
ditadura “por dentro”, em ações cotidianas no interior. Tornar-se um rondonista
durante os anos da ditadura era, enfim, uma escolha com motivações diversas
e, muitas vezes, ambíguas (LIMA, 2015, p. 35).

Passando à perspectiva deste trabalho de pesquisa, identificamos um padrão de


adesão na relação entre a universidade de Viçosa e a ditadura. O projeto de
modernização da agricultura, a subvenção às pesquisas, o apoio aos convênios
internacionais e a retórica de desenvolvimento econômico foram elementos que abriram
um canal comunicativo entre a universidade e o regime militar. Especificamente em
Viçosa já estava consolidado um estilo político próprio, com grande tendência de
aproximação com o poder a despeito de qualquer partido político ou estilo de governo.
Junto a isso, a busca pela autonomia científica demandava a negociação com o campo
político. E a concessão contínua do Estado aos interesses dos cientistas redundou em
adesão ao projeto modernizador da ditadura.
Portanto, compreender as razões do apreço institucional da universidade pelo
regime autoritário inaugurado em 1964 é uma tarefa multifacetada, com explicações que
106

transcendem respostas taxativas e unilaterais. Sugerir que a democracia não pertencia ao


repertório político das instituições no Brasil dessa época é reduzir a complexidade das
relações entre as universidades e o campo político. Dessa forma, o que se argumentará
nas próximas páginas é que a aproximação da UREMG/UFV com a ditadura militar
brasileira relaciona-se, sobretudo, à afinidade da instituição com o projeto de
modernização econômica do governo. A concepção de desenvolvimento agrícola
vivenciada na universidade tornou-se um verdadeiro ponto de interlocução da
instituição com o regime.

2.4 A universidade e a ditadura: afinadas com o projeto de modernização da


agricultura
Dentro do debate do desenvolvimento econômico nos países subdesenvolvidos,
a modernização da agricultura solucionaria um dos maiores problemas que induziam a
crise econômica. Havia sempre por parte da burocracia estatal um grande esforço para
combater a crescente inflação que incomodava desde o final da década de 1950. Com a
aceleração do processo de urbanização da década de 1960, a oferta de alimentos estava
aquém da crescente população urbana. Dessa forma, a necessidade de dinamizar a
produção significava modernizar o setor agrícola.
Mas afinal, qual era a concepção de modernização do campo preconizada pela
ditadura? Qual era o viés das políticas públicas direcionadas para o desenvolvimento
agrícola? O primeiro ponto a ser considerado é a grande valorização da mudança do
padrão tecnológico da produção em detrimento da questão da concentração agrária.
Mesmo com a pretensão de reforma agrária subsumida no Estatuto da Terra, na prática,
o discurso modernizador deu o tom das políticas de desenvolvimento do campo. Dessa
forma, o argumento de inúmeros economistas da USP, incluindo o ex-ministro da
fazenda Delfim Netto, colaborador do pensamento econômico que fundamentou o
regime militar, mesmo com a estrutura fundiária concentrada e as relações de trabalho
precarizadas, os elementos que compõem a agricultura moderna poderiam ser
preservados. Segundo Delgado, esses elementos seriam:

(...) a liberação de mão de obra a ser utilizada no setor industrial, sem diminuir
a quantidade produzida de alimentos; criação de mercado para os produtos da
indústria; expansão das exportações; financiamento de parte da capitalização
da economia (DELGADO, 2001, p. 161).
107

Os problemas identificados na agricultura brasileira, segundo essa lógica


modernizadora, incluíam a grande variação dos preços dos produtos agrícolas, somada
ao baixo fator tecnológico da produção e à completa desvinculação do setor primário da
indústria. Para acelerar a transformação da agricultura arcaica aos patamares modernos,
eram demandados grandes investimentos do Estado, da iniciativa privada e de
financiadores externos, tanto em forma de crédito para os grandes produtores quanto
para a produção de tecnologia. O próprio governo militar, em 1964, afirmou a intenção
de investir 100 bilhões de cruzeiros na agropecuária139.
Principalmente no contexto do chamado “milagre brasileiro”, a modernização da
agricultura encontra seu ápice. Alonso (2014) descreve esse processo demonstrando a
timidez da reforma agrária proposta pelo Estatuto da Terra. Ao invés de implementar
em larga escala a divisão de terras, na prática, o latifúndio foi mantido e modernizado
pelo crédito subsidiado. É exatamente nesse período que foi criada a Embrapa (1973),
que contribuiu com a produção de tecnologias para a integração da agropecuária ao
setor industrial. É perceptível nesse esquema a valorização da pesquisa científica.
Certamente que a UREMG/UFV juntamente com outras instituições educacionais
ganham relevância nos planos do regime militar.
Na grande imprensa, as inúmeras referências à UREMG/UFV estão pautadas em
sua contribuição para a modernização da agricultura. O desenvolvimento de novas
tecnologias e pesquisas em insumos químicos ou sementes melhoradas é quase
onipresente na identificação do projeto de modernização trabalhado na universidade.
Em maio de 1964140, o jornal O Globo publica uma pequena notícia sobre a inauguração
de dois laboratórios para a Escola de Ciências Domésticas na UREMG. É interessante
perceber a presença da esposa do embaixador Lincoln Gordon no evento, o que
representa fortemente as relações entre os Estados Unidos e a universidade engajada
nesse processo de modernização agrícola. De fato, os convênios da universidade em
Viçosa com as instituições estrangeiras possibilitaram a entrada de recursos que
resultaram no aumento de pesquisas. Centenas de professores 141 foram enviados para os

139
Folha de S. Paulo, 05 de agosto de 1964, página 11.
140
O Globo, 27 de Maio de 1964, Matutina, Geral.
141
Cientistas de outras universidades brasileiras também aproveitaram a oportunidade e fizeram pós-
graduação no exterior, principalmente nos Estados Unidos. No final da década de 1960, muitos
professores fizeram pós-graduação nos Estados Unidos por meio da Latin American Scholarship Program
of American Universities (LASPAU). De acordo com Ayala Pelegrine, “A LASPAU era uma organização
norte-americana de ‘aprimoramento docente’ que atuava em países latino-americanos. Ela estabeleceu
convênios de ‘ajuda’ com mais de quatrocentas instituições educacionais somente no Brasil”, o que
108

Estados Unidos para cursar pós-graduação, além do recebimento de bolsas de pesquisas


da USAID, Fundação Ford, Fundação Rockfeller, entre outras. Somado a isso, os
cientistas locais se envolveram em grandes projetos ligados à agricultura regional e
nacional, como o desenvolvimento do milho opaco-2 e o melhoramento da soja.
Após o golpe de 1964, as oportunidades de crescimento da pesquisa aplicada à
agricultura eram vislumbradas pelos cientistas da UREMG. Obviamente, antes da
ditadura também havia otimismo quanto às possibilidades de crescimento da ciência
aplicada à agropecuária. Porém, o discurso do novo governo em relação à modernização
do campo trouxe novas expectativas aos cientistas. Além disso, a necessidade de
modificar o panorama agrário com a promoção da reforma agrária possibilitou ao
campo político a discussão técnica ligada ao tema, resultando em uma aproximação
maior com o campo científico. De acordo com a Folha de S. Paulo, a nova lei agrária
terá “prioridade por determinação do presidente da república, que deverá acelerar os
estudos a esse respeito, pois o Estatuto da Terra deverá disciplinar todas a atividades
agropecuárias do país”142.
Nesse aspecto, a UREMG foi privilegiada na medida em que foi escolhida para
sediar o I Encontro dos Secretários de Agricultura para debater o Estatuto da Terra, que
estava em fase de preparação. Esse evento tinha como finalidade avaliar e propor
emendas ao texto original do Estatuto da Terra. De certa forma, ser o espaço de
condução do debate da reforma agrária e da modernização da agricultura faz da
Universidade parte integrante da discussão sobre os rumos da agropecuária nacional. De
acordo com a Folha de S. Paulo,

(...) as sugestões formuladas pelo PSD e pelo Congresso dos Secretários de


Agricultura em Viçosa foram incluídas no anteprojeto. Segundo fontes oficiais,
o Estatuto prevê emendas constitucionais permitindo desapropriações com
títulos da dívida pública143.

Grosso modo, a proposta inicial do Estatuto da Terra tinha elementos essenciais


para a modificação da desigualdade entre o setor rural e urbano. Ao interpretar o
latifúndio e o minifúndio como categorias associadas ao atraso, o Estatuto elegeu a
propriedade familiar e a empresa rural como os indutores do desenvolvimento no

incluía o envio para o exterior para pós-graduação, congressos, cursos etc. (PELEGRINE, 2016, p. 84).
Além disso, o convênio entre a ESALQ e a Universidade de Ohio também consolidou oportunidades de
pós-graduação fora do Brasil. (MOLINA, 2016).
142
Folha de S. Paulo, 18 de julho de 1964, página 1.
143
Folha de S. Paulo, 1º de setembro de 1964, p. 1.
109

campo. Nesta esteira, Mendonça (2014) aponta que o Estatuto da Terra era eivado de
ambiguidades, sendo ao mesmo tempo distributivista, com a divisão de terras, e
produtivista, com a ênfase na modernização da agricultura por meio do crédito farto aos
produtores e o investimento em tecnologia aplicada à produção, o que,
consequentemente, beneficiaria os grandes produtores (MENDONÇA, 2014, p. 51).
Por outro lado, as associações de classe como a Sociedade Nacional de
Agricultura e (SNA) e a Sociedade Rural Brasileira (SRB), a despeito do apoio ao golpe
de 1964, criticaram explicitamente o Estatuto da Terra aprovado pela ditadura. Embora
a SNA e a SRB conservassem divergências no tocante ao projeto de desenvolvimento
agrícola, ambas questionaram a temática da desapropriação de terras, ainda que fossem
devolutas do Estado ou por meio de indenização.
O Grupo de Trabalho (GRET) responsável pela construção do Estatuto da Terra
foi influenciado, de acordo com Rodrigo Motta (2006), pelo pensamento do IPES,
Aliança Para o Progresso e também por argumentos elaborados por técnicos e políticos
do governo de João Goulart. Por esse motivo, o governador Carlos Lacerda, apoiador da
“revolução”, disparou contra a política de reforma agrária do governo de Castelo
Branco, o que resultou em sua recusa em participar do evento em Viçosa. Segundo seu
argumento, a política de reforma agrária seguia a mesma linha do reformismo de João
Goulart. Além disso, o então governador da Guanabara também criticou o suposto viés
acadêmico do encontro para discutir o Estatuto da Terra: “não deseja o governo do
estado da Guanabara participar de tal reunião sem a garantia de que ela não será apenas
nova oportunidade para exames acadêmicos da chamada reforma agrária” 144. O mais
interessante é perceber o esforço do regime militar de legitimar suas práticas e afastar
qualquer proximidade com o reformismo de esquerda. De acordo com o relatório do
GRET, “ao perseguir os mais elevados desígnios no setor social sem sacrifício na esfera
econômica, o anteprojeto repudia, por inconsequente, a tendência para uma reforma
agrária radical”145.
O regime militar sofreu, portanto, o descontentamento da classe produtora diante
dos rumos tomados pelo Ministério da Agricultura e, principalmente, pelo teor do
Estatuto da Terra. Na verdade, o evento em Viçosa foi considerado por Regina Bruno
(1995), de certa forma, como elemento de pressão contra a política de reforma agrária

144
Correio da manhã, 28 de julho de 1964.
145
Fundo Paulo de Assis Ribeiro. Relatório de implantação da reforma agrária. Abril de 1964 a março de
1967.
110

do governo, considerada uma ameaça à propriedade privada pelos grandes produtores.


O Globo afirmou que “o governo mineiro vai apresentar uma tese contrária ao Estatuto
da Terra proposto pelo ministro do planejamento”146. Por outro lado, no relatório
composto pelo GRET sobre o fechamento do estatuto, parte das demandas discutidas no
Encontro foi incorporada, o que demonstra o quanto o governo precisou ceder para
agradar as classes produtoras147 e a classe política. Além disso, o documento final foi
deveras modificado, ganhando dezenas de versões até a sua implementação:

Com base nas últimas sugestões da reunião de Viçosa, com as novas emendas
julgadas úteis que foram apresentadas através dos partidos políticos e das
instituições com interesse especial no problema da Reforma Agrária, foram
sendo elaboradas novas edições dos anteprojetos de emenda constitucional e da
lei do Estatuto da Terra (...) Surgiram então, a 7 de agosto, a 7ª edição, a 15 de
agosto, a 10ª edição148 (...)

Para exemplificar os embates em torno da aprovação da nova lei, a poucos


quilômetros de Viçosa, na cidade de Ponte Nova, um movimento liderado por ruralistas
se dirigiu até à UREMG nos dias do evento para protestar contra o caráter
“confiscatório” da reforma agrária. A repercussão do movimento não foi desprezível,
uma vez que o Correio da Manhã publicou uma notícia que narrava o episódio:

Quatrocentas pessoas, entre as quais técnicos em agropecuária e secretários de


agricultura, aderiram ao manifesto lançado pelos ruralistas de Ponte Nova
contra o Estatuto da Terra, classificando-o de “confiscatório, socialista e
anticristão”. A coleta de assinaturas de adesão ao manifesto provocou atritos,
sendo que representantes do Ministério do Planejamento pediram ao reitor
Flamarion Ferreira a expulsão de alguns universitários149.

De certa maneira, o regime militar ofereceu aos cientistas da UREMG a


concretização de suas demandas. O Encontro dos Secretários e seus desdobramentos
atestam essa convergência de valores. O imbricamento dos interesses da Universidade e
da ditadura consistiu em uma postura de adesão de parte150 da instituição ao regime
militar. Neste ponto, a relação entre a Congregação da Escola Superior de Agricultura
da UREMG e o Ministério da Agricultura evidencia essa aproximação da Universidade

146
O Globo, 28 de Julho de 1964, Matutina, Geral, página 18.
147
Me refiro às classes produtoras, aos grandes produtores de commodities e pecuaristas.
148
Arquivo Nacional/Distrito Federal. Fundo Paulo de Assis Ribeiro. Relatório de implantação da
reforma agrária. Abril de 1964 a março de 1967.
149
Correio da manhã, 2 de agosto de 1964, página 22
150
Novamente, é importante frisar que seria injusto afirmar que toda universidade respaldou a ditadura
militar. Principalmente, foram os dirigentes que fizeram a interlocução da instituição com o regime
autoritário que melhor representam a adesão à ditadura.
111

com o regime. O jornal Diário da Tarde noticiou o apoio da Congregação da Escola à


gestão do ministro da referida pasta, Hugo Leme de Almeida. De acordo com o
periódico carioca,
A congregação da ESA, da UREMG, provou moção de apreço e
reconhecimento ao ministro Hugo de Almeida Leme por sua atuação no
Ministério da Agricultura. (...) O presidente da congregação expressou ao Sr.
Hugo Leme o reconhecimento da instituição e apoio que a ela vem dispensando
aquele titular. Agradecendo a manifestação, o ministro acentuou que o ato
demonstra mais uma vez que os professores da UREMG vêm acompanhando o
nosso esforço para dotar o país de uma agricultura avançada que atenda às
nossas necessidades de consumo e ao mercado externo151 (...)

O apoio da Universidade Rural de Minas Gerais ao ministro da agricultura


reforça o lado da instituição em relação ao projeto de modernização do governo Castelo
Branco. Embora diversos segmentos do setor agropecuário criticassem o teor
supostamente distributivista do Estatuto da Terra, a UREMG tratou de desfazer
publicamente qualquer aparência de oposição. Dessa forma, a universidade manteve o
entusiasmo com os rumos que a agropecuária tomaria nas mãos do governo Castelo
Branco, sendo o apoio ao ministro da agricultura bastante elucidativo. Mendonça afirma
que a reforma castelista previa, entre outros elementos, “a consolidação da grande
propriedade privada no campo, sob a égide dos princípios da técnica, racionalidade e da
ideologia do planejamento” (MENDONÇA, 2014, p. 50). Sem dúvida, a valorização
desses aspectos convergia com os interesses da UREMG, pois valorizava o fator
tecnológico como padrão produtivo.
A pressão sofrida pelo governo de Castelo Branco contribuiu para que, de
alguma forma, o caráter minimamente reformista do Estatuto da Terra fosse
estrangulado pelo aspecto modernizador direcionado a favorecer a grande propriedade.
Mendonça (2014) afirma que a desapropriação de terras para fins sociais ficou relegada
a segundo plano, juntamente com a má gestão dos órgãos responsáveis em conduzir a
divisão de terras, tais como o Instituto Brasileiro para a Reforma Agrária (IBRA) e o
Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA). Em contrapartida, os
generosos créditos para os grandes produtores e o investimento em insumos químicos e
mecanização agrícola permitiram a expansão do setor primário da economia, ainda que
mantivesse as desigualdades sociais no meio rural.
Após o congresso na UREMG, uma série de medidas foi tomada pelo Ministério
da Agricultura para acelerar o processo de desenvolvimento agrícola. O objetivo do

151
Diário de Notícias, 6 dezembro de 1964, página 8.
112

governo consistia em aumentar a produção de alimentos para reduzir a pressão


inflacionária, incrementar o setor de exportação e integrar a agricultura à indústria,
principalmente com a mecanização e também com o uso dos insumos químicos. Nessa
esteira, o MA definiu suas prioridades para o ano de 1965, estando grande parte delas
em consonância com o espírito do evento em Viçosa. Somado a isso, a pasta da
Agricultura convocava as universidades rurais e os institutos de pesquisa como parte
integrante da política agrícola do período e, obviamente, a UREMG não ficou de fora,
inclusive com a previsão de mais um encontro com secretários da agricultura dos
estados. De acordo com a Folha de S. Paulo, o plano do Ministério da Agricultura para
1965 foi delineado nas seguintes metas:

Incremento da produção de alimentos básicos destinados ao mercado interno.


Expansão da pecuária; culturas de exportação; implantação efetiva da
mecanização do país. Conservação do solo; irrigação e drenagem; formação e
treinamento de pessoal; expansão e aproveitamento adequado da rede de
armazéns e silos; aplicação de preços mínimos; modernização e reequipamento
dos órgãos do MA. Criação de prioridades visando à produção e produtividade
das culturas alimentares; Incremento da indústria nacional de tratores;
realização de estudos objetivos para aproveitamento racional da rede de
armazéns e silos, por outro lado, firmado convênio com a Usaid para
desenvolvimento de uma campanha nacional para difusão do paiol de tela (...)
Promoção de duas reuniões de secretários de agricultura, uma em Viçosa (MG)
e outra na Guanabara, para debater os problemas da agricultura e criação de um
plano de ação conjunta. Definição de uma política de desenvolvimento rural
através do Estatuto da Terra; Assistência direta aos agricultores, para o qual o
MA concorre com aproximadamente 60% dos recursos 152.

Dessa forma, ao participar do evento que discutiu o Estatuto da Terra e ao


desenvolver pesquisas de interesse nacional como os relacionados ao milho, à soja, ao
café, entre outros, a UREMG possibilitava a criação daquilo que denominamos aqui de
pontos de interlocução entre o campo científico e o Estado. Na Revista Ceres, periódico
de ciências agrárias da antiga Escola de Agricultura da UFV, um artigo é bastante
elucidativo na valorização das profissões agrárias no contexto da modernização da
agricultura. De acordo com os autores,

A possibilidade de expansão da oferta de engenheiros-agrônomos não deixou


de ser uma demonstração de que a sociedade brasileira começara a sentir que
havia algo de errado no processo de desenvolvimento econômico, que
negligenciara a agricultura, e que o engenheiro-agrônomo podia oferecer
contribuição apreciável à solução do problema153.

152
Folha de S. Paulo, 1º de janeiro de 1965, p. 14.
153
PANIAGO, Euter; CESAL, Lon; ALVES, Eliseu. Revista Ceres. Janeiro a março de 1970 –Vol. XVII,
n. 91
113

Em outro texto do mesmo periódico, o pesquisador reconhece o esforço dos


governos em estimular a produção do abacaxi. Embora seja uma declaração
aparentemente apolítica, fica completamente ignorado o caráter ditatorial do regime. A
afirmação dos autores é uma constatação técnica, porém, o pensamento subsumido é
pontual e pragmático: a produção é incentivada, a ciência é valorizada e, assim, a
agricultura segue rumo à modernização:

Nos últimos anos, o governo federal e o Estado de Minas Gerais têm


incentivado o aumento de produção do abacaxi, através de uma política realista
de estímulos financeiros, de renovação de máquinas e implementos agrícolas e
de auxílios técnicos, visando o comércio de frutos “in natura” e
industrializados, para a exportação154.

Na mesma esteira, Teixeira, Andersen e Cardinalli reconheceram a amplitude


dos investimentos dos governos e as consequências para a comércio agrícola. Segundo
eles,

O excelente preço que o produto vem obtendo no mercado, a instalação de


novas indústrias de suco no país, bem como os incentivos fiscais concedidos
pelo governo, têm, ultimamente, estimulado a instalação de novos pomares
comerciais em Minas Gerais e outros Estados, resultando em maior demanda
de mudas selecionadas155.

Além dos periódicos científicos, a imprensa oficial da UFV, por meio de


algumas notícias, também captou a afinidade da universidade em relação à agenda
econômica do regime militar. O aspecto privilegiado no discurso institucional é,
novamente, a modernização da agricultura. No contexto do governo do general Emílio
Garrastazu Médici, a euforia em torno do crescimento econômico também encantou os
cientistas. Daniel Aarão Reis (2000) usou a expressão “anos de ouro” no contexto
desenvolvimentista do governo do general Médici. Enquanto parte da sociedade sofria
com os efeitos do crescimento urbano desordenado, muitos outros usufruíram do clima
de progresso pelo maior volume de investimentos nos diversos setores da economia.
Aparentemente, essa complexidade se materializa na maior ambiguidade da época, neste
caso, a coexistência entre o momento de maior crescimento econômico concomitante
com o aumento da repressão.

154
Milgar; FONTES, LOUREIRO, José Maurício. Hanseniella SP. (Symphyla) Nova praga rizófaga de
Ananas comosus (L.) Merr., no Brasil. Revista Ceres, Maio a junho de 1972. N. 103.
155
TEIXEIRA, Silvio Lopes; ANDERSEN, Otto; CARDINALLI, Lúcio. Influência do período pós-
colheita das hastes de citrus sobre a qualidade das borbulhas para a enxertia. Revista Ceres. Setembro e
outubro de 1971, N. 99.
114

Janaina Cordeiro (2009) descreve um cenário de bastante otimismo pela


imprensa na década de 1970, a chamada época do “milagre econômico”, que conjugava,
entre outras coisas, o crescimento econômico, os vultosos gastos em infraestrutura, um
sistema de comunicações moderno e a integração nacional. Slogans como “ninguém
segura este país” e “este é um país que vai para frente” tornaram-se amplamente
divulgados.
Nessa perspectiva, o sesquicentenário da independência (1972), cujas
comemorações foram associadas ao desenvolvimento econômico no governo Médici,
“pode ser considerado uma ocasião importante para observar a adesão e o
consentimento social com relação ao regime” (CORDEIRO, 2009, p. 97). Diversas
associações civis marcaram presença nas comemorações e solenidades referentes à data
citada. Entidades religiosas, sindicatos, organizações de profissionais, enfim, parte da
sociedade se engaja na celebração da independência do Brasil, juntamente com a
burocracia do Estado. Na UFV, a formatura do ano de 1972 foi chamada de “formatura
do sesquicentenário”156 em alusão às comemorações nacionais capitaneadas pelo
governo Médici, o que também mostra certa afinação com o evento do regime. Na
formatura do curso de agronomia de dezembro de 1973, o orador da turma, em seu
discurso, corrobora essa perspectiva otimista:

“Como representante da maior turma jamais graduada por esta universidade,


apresento-me perante os senhores com a convicção de que esta
responsabilidade deverá ser cumprida com a mesma simplicidade e
determinação (...)”. Depois de afirmar que o Brasil está vivendo um período
ímpar em sua história, que assinala a transição do estágio de país
subdesenvolvido para a condição de potência de primeira classe, José
Rubens Cordeiro disse que a “candidatura do Brasil a grande potência não é
um mito falacioso, mas uma possibilidade palpável e próxima, que, todavia,
aumenta a responsabilidade histórica de cada brasileiro. E para isso, basta que
ele execute as grandes prioridades e metas setoriais estabelecidas no Plano de
Desenvolvimento Nacional”157. (Grifo nosso)

No discurso de posse da reitoria em 1974, o professor Antônio Fagundes de

Sousa expressou, em sua fala, a importância da universidade na formação de técnicos


capacitados para o setor primário, da sua tradição institucional ufeviana e do seu papel
no desenvolvimento da modernização da agricultura. Na sua posse em Brasília,
acompanhada do pelo ministro da educação Jarbas Passarinho, o reitor coloca a

156
UFV Informa, 15 de fevereiro de 1972. ACH/UFV.
157
UFV Informa. 15 de dezembro de 1973. ACH/UFV.
115

Universidade Federal de Viçosa ao lado do governo, no sentido de colaborar com o


desenvolvimento econômico do país. Segundo ele,

A UFV conta, sem dúvida, com uma das equipes mais bem treinadas do
hemisfério, sempre disposta a colaborar com as autoridades
governamentais, no desenvolvimento de uma tecnologia adequada às
condições nacionais, visando a enfrentar o grande desafio158. (Grifo nosso)

Na cerimônia que empossou o reitor na UFV, o tom do discurso foi semelhante.


Sintonizar a universidade aos “interesses nacionais” tornava-se a meta da instituição
para o seu mandato. Não há descompasso entre o que foi proferido na posse em Brasília
e a cerimônia em Viçosa. A visão de “colaboração com as autoridades governamentais”
e a “sintonia com os altos interesses nacionais” expressam que a visão estreitamente
técnica e apolítica dos cientistas é altamente enganosa. Existe um projeto político
consubstanciado nos programas de desenvolvimento agrícola. E a sintonia da UFV com
esse projeto é evidente:

Antônio Fagundes disse estar convicto de que, “sob o comando de uma equipe
meticulosamente por ele constituída, trabalhando sintonizada com os altos
interesses nacionais, a UFV continuará desenvolvendo, com eficiência, a
tarefa que lhe cabe no processo do desenvolvimento econômico e social, que
vem projetando o Brasil no conceito dos povos civilizados” 159. (Grifo nosso)

Na mesma esteira, o professor Eduardo Del Peloso, diretor da ESA, prossegue


com o otimismo pela política econômica do regime militar. De acordo com o referido
docente em discurso de posse em 1977,

O Brasil, cujo progresso econômico de 70 a 74 acusou índices dos mais


elevados no mundo inteiro, viu-se envolvido nas malhas da inflação e do
desacerto da política internacional do petróleo, mas, felizmente, conta com
alternativas viáveis para livrar-se do impasse e retornar à senda do
desenvolvimento, graças à agricultura, à sua industrialização, ao seu mercado
interno (...) Aí está a agricultura a nos socorrer naquilo que mais estrangula
nosso desenvolvimento, cumprindo-nos incentivá-la e incrementá-la (...)160

O otimismo do professor não se assenta nos indicadores de crescimento


estimulados pelo governo. Mais do que isso, a opção pela agricultura como indutora da
recuperação econômica do país é utilizada nesse discurso como um importante ponto de
interlocução entre o regime militar e a universidade, com forte tradição na pesquisa

158
UFV Informa. 13 de fevereiro de 1974. ACH/UFV.
159
UFV Informa. 8 de março de 1974. ACH/UFV.
160
UFV Informa. 20 de abril de 1977. ACH/UFV.
116

agrícola. O diretor ainda completa seu raciocínio, atribuindo ao presidente e a seu


ministro da educação os méritos do desenvolvimento do país:

Apresento meu aplauso aos nossos governantes, principalmente ao Exmo.


Presidente da República Gal. Ernesto Geisel e ao Dr. Ney Braga, ministro da
educação, que tão firmemente e sem ódios, dirigem os destinos do País, e a
quem agradeço a confiança da escolha161.

Compreender o sentido desse discurso otimista em relação ao progresso da


agricultura exige interpretar o papel ocupado pela agropecuária na política de
modernização econômica da ditadura, potencializado no governo do General Médici.
Mais do que um elemento de estímulo ao crescimento econômico, o setor primário
também recebeu investimentos para incrementar a legitimidade do governo frente à
população. O governo Castelo Branco e seu ministério do planejamento, liderado por
Roberto Campos, não tinham como plano a inclusão de direitos sociais. Isso muda
sensivelmente na gestão de Médici, inclusive, com o Fundo de Aposentadoria dos
Trabalhadores Rurais (Funrural) e o Programa de Redistribuição de Terras e do
Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste (ProTerra). Enquanto os trabalhadores
urbanos seguiam protegidos com uma legislação própria desde a década de 1930, os
agricultores até então eram contemplados apenas parcialmente com as políticas
públicas. A guinada em direção ao campo pelos governos militares ocupou um espaço
no meio rural historicamente dominado apenas pelas elites produtoras. Obviamente, a
política de reforma agrária do governo e suas políticas sociais foram modestas,
conforme assinalaram Alonso (2014) e Mendonça (2014). No entanto, para parte das
populações rurais, o modesto certamente era melhor do que nada.
No outro lado da moeda, havia também as classes produtoras. Inicialmente
indignadas com a política de reforma agrária da ditadura militar, não se pode dizer que
elas não foram assistidas pelos governos militares. Aliás, a modernização conservadora
subsidiou produtores com créditos bancários generosos, limitou a distribuição de terras
e ainda contribuiu para a “transferência de tecnologia” para os setores ligados à
produção das grandes commodities. A integração da agricultura com a indústria foi
efetivada, ainda que concentrada na região centro-sul do país, gerando um desequilíbrio
regional sem precedentes.

161
Ibidem.
117

O relativo sucesso da integração da agricultura brasileira ao capitalismo recebeu


o reconhecimento norte-americano. O jornal Folha de S. Paulo publicou uma matéria
que cita o incremento da produtividade no campo e as principais ações governamentais
no mandato de Médici, que possibilitaram esse crescimento:

A produção agrícola brasileira em 1972 poderá atingir níveis recordes (...)


afirma em seu último número a revista “Foreign Agriculture”, Departamento
de Agricultura dos EUA. A revista ressaltou “uma ascensão espetacular”;
“aumento da safra é sem dúvida autêntico”. Ao mesmo tempo, procura-se abrir
novas áreas de cultivo, com incentivos fiscais, reduções de taxas de exportação
e facilidade de créditos, para aumentar as taxas162.

Na retórica do governo, a agricultura era encarada como prioridade. Investir no


campo significava conter o êxodo rural e evitar os desequilíbrios populacionais. De
acordo com Rubens Vaz da Costa, presidente do Banco Nacional da Habitação (BNH),

A reforma agrária e os programas de colonização e irrigação que se realizam


no país, especialmente no nordeste, têm, além de suas implicações econômicas
fundamentais, a importância de deter a migração de 1 milhão e 200 mil pessoas
que anualmente se deslocam do campo para os centros urbanos. (...) O governo
tem dado prioridade para a agricultura, disse o ministro163 (...)

O discurso citado contrasta com a dura realidade da urbanização acelerada da


época. Porém o mais importante era que a mensagem passada para a população consistia
em mostrar o trabalho do governo tentando evitar esse mal. Dessa forma, a ditadura foi
eficiente em acessar o interesse dos mais diferentes grupos sociais, sem deixar de lado a
faceta autoritária do regime, que sofisticou seu aparato repressivo e ampliou o alcance
da contenção da oposição e crítica à ditadura.
De todos os empreendimentos relacionados à agricultura brasileira, um dos que
ganharam maior incentivo financeiro do regime militar foi o desenvolvimento da soja.
Era do interesse do Estado o aproveitamento das terras do cerrado para a expansão do
mercado da soja no país. No entanto, com solos pouco propícios, o desenvolvimento
dessa oleaginosa dependia de pesquisas para correção dos solos e também do
melhoramento da espécie 164 para possibilitar a mecanização. Neste aspecto, a UFV

162
Folha de S. Paulo, 29 de agosto de 1972, página 23.
163
Folha de S. Paulo, 09 de setembro de 1972, p. 14.
164
A soja é uma planta relativamente baixa, o que impossibilitaria o uso intensivo de grandes máquinas.
O projeto realizado na UFV possibilitou uma nova espécie de maior porte, que se adaptou perfeitamente
às grandes colheitadeiras.
118

atuou juntamente com a Embrapa e com o apoio da Usaid e Fundação Ford em um


grande projeto de pesquisa para a expansão da soja no cerrado.
A expectativa em torno da produção da soja era imensa. Nos informativos do
Convênio para a comunidade universitária da Universidade de Purdue, os chamados
reports, as pesquisas em relação ao melhoramento da soja enchiam os cientistas de
otimismo. Esse projeto definitivamente coroava o Convênio Purdue no Brasil:

Eles providenciarão um excelente e forte de óleo vegetal e a mais necessária


proteína para consumo humano e animal. Em adição, a soja tem um mercado
de exportação pronto e poderia ser um importante contribuinte para os ganhos
do Brasil no mercado internacional165.

Contudo, o empenho estatal em promover a subvenção da soja causou alguns


atritos entre governo e a classe produtora. Em matéria na Folha de S. Paulo, o ministro
da agricultura de Médici defendeu a política da oleaginosa frente aos ataques sofridos,
com a insinuação de que a soja receberia maior volume de recursos do que outras
culturas. De acordo com o jornal, o ministro “Delfim Neto classificou de ‘uma tolice
muito grande’ a afirmação, frequente nos últimos tempos, de que o aumento da
produção da soja poderá sufocar a expansão de outras culturas tradicionais, resultando
daí prejuízos pra a economia do país” 166. Esse tema causou furor no governo, segundo
as páginas do jornal citado. O ministro da agricultura, Moura Cavalcanti, não deu
declarações sobre as críticas. O presidente Médici também não quis falar com os
repórteres e proibiu seus assessores de fazer o mesmo. Devido às polêmicas, Cavalcanti
ainda precisou cancelar a viagem que faria a Viçosa, onde participaria de um congresso
sobre Fruticultura167.
Por seu lado, os cientistas da UFV não tinham o que reclamar dos recursos para
as pesquisas. Em 1978, uma matéria do jornal O Globo expôs o crescimento da UFV no
cenário nacional. O então reitor da instituição, Mário del Giudice, comentou sobre o
problema do setor agrícola que, em sua opinião, estava na falta de mão de obra
qualificada. E por esse motivo, o reitor anunciava uma parceria com o governo federal
para erradicar esse problema, com a criação do Centro Nacional de Treinamento em
Armazenagem (Centreinar), “visando a promover a formação de recursos humanos, em

165
REPORTS, 29 janeiro de 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais. Viçosa-
MG. ACH/UFV.
166
Folha de S. Paulo, 10 de julho de 1973, p. 17.
167
Ibidem.
119

todo o país, desde o nível elementar até o superior”168. Somado a isso, o reitor ressalta
que o sucesso na produção de sementes modificadas de milho e soja fez com que a
Universidade garantisse seu nome no cenário nacional como grande contribuinte para o
desenvolvimento agrícola e, também, para a redução da fome e da miséria com a maior
oferta de alimentos a baixo custo:

(...) muito do desenvolvimento agrícola do país pode ser creditado à


Universidade Federal de Viçosa. Muitas variedades de produtos agrícolas
foram desenvolvidas, melhoradas e adaptadas às condições brasileiras através
de pesquisas realizadas por seus professores e alunos169.

Para coroar o nível de excelência da universidade e, sem dúvida, ressaltar o bom


relacionamento da instituição com o poder, alguns professores da UREMG/UFV foram
convidados a ocupar cargos no ministério da agricultura e em outras instâncias do setor
público. No governo do estado de Minas Gerais, José de Alencar Viana foi secretário da
agricultura (1964-1965) e, em seguida substituído pelo reitor Edson Potsch Magalhães
(1965). No governo federal, o secretário geral da pasta da Agricultura foi Paulo Afonso
Romano (1974-1979), enquanto Antônio Fagundes de Sousa tornou-se membro do
CFE.
Na Universidade Federal de Viçosa, a aproximação com as esferas governativas
rendeu muito mais que recursos para a área de pesquisa e cargos políticos para
dirigentes influentes. A afinidade com a ditadura contribuiu para o fortalecimento do
Colégio Universitário (Coluni) em um contexto de quase extinção da própria escola. A
tese de Hollerbach (2016) abordou os meandros da consolidação do Coluni na UFV e a
composição da excelência acadêmica desenvolvida na instituição. Fundado em 1965, o
colégio deveria se adaptar à nova legislação educacional promulgada em 1971, a lei
5.692.
De acordo com lei citada, os colégios universitários não poderiam ofertar o
terceiro ano do antigo 2º grau. A prioridade das escolas residiria, portanto, no ensino
técnico. Em relação à preparação dos estudantes para as disciplinas do ensino superior,
o ciclo básico das universidades, proposto na reforma universitária de 1968, alcançaria
os objetivos de nivelamento dos alunos ao conteúdo ministrado. Dessa forma, o Coluni
deveria adaptar-se à nova legislação, ou seja, com a introdução de cursos técnicos e

168
O Globo, 26 de Maio de 1978, Matutina, Economia, página 23.
169
Ibidem.
120

eliminação do terceiro ano. Porém o Colégio Universitário manteve toda a estrutura


didática anterior à lei e prosseguiu na ilegalidade até 1982. De acordo com Hollerbach,

A despeito de todo rigor e vigilância do regime militar, no Colégio


Universitário da UFV, além da certificação irregular, não houve nenhum tipo
de profissionalização até 1981. O que ocorreu foi o caminho inverso. Durante
esse período (1965-1981), o argumento que o manteve vivo na UFV foi o
desempenho de seus alunos no vestibular e na graduação (HOLLERBACH,
2016, pp. 46-47).

No argumento de Hollerbach, a permanência do Coluni como colégio


universitário sem ao menos se adaptar às novas exigências legais pode ser explicada
pela convergência da universidade com a ditadura. A situação do colégio não passaria
incólume não fosse a rede de contatos dos dirigentes com o governo. Além disso, o
nível de excelência alcançado pelos alunos e seu desempenho no ensino superior
contribuíam para o aumento da “vista grossa” do Estado em relação ao colégio. De
acordo com a autora, “atendia aos interesses locais, preparava bem os candidatos aos
cursos superiores e supria a determinação de criação do Ciclo Básico. Atendia
plenamente às necessidades da Instituição” (HOLLERBACH, 2016, p. 80).

2.5 O convênio Purdue-Viçosa e a ditadura


Dessa forma, são perceptíveis os muitos pontos de interlocução entre a
universidade e o regime militar, principalmente no tocante à agricultura. Além dos
pontos mencionados acima, os programas internacionais vivenciados na UREMG/UFV
contribuíram, certamente, para aumentar os laços com os governos militares.
Modernização econômica, desenvolvimento científico aplicado à agricultura e ajuda
externa são elementos que convergem para o convênio Purdue-Viçosa e o regime
militar. Isso não significa que essa parceria foi planejada e gestada pelos governos
militares, pois, como foi mostrado, desde a sua fundação a instituição mantinha laços
estreitos com pesquisadores norte-americanos. Porém, a ditadura conseguiu conectar os
interesses da pesquisa agropecuária existente em Viçosa com sua política econômica,
elevando a cooperação internacional a novos patamares. Portanto, a hipótese levantada
neste tópico associa o desenvolvimento do Convênio Purdue-Viçosa com os propósitos
econômicos da ditadura militar. Qual seria o desdobramento do convênio para as
relações entre Universidade e o Estado autoritário?
121

Compreender a dinâmica da modernização conservadora e o projeto de


desenvolvimento econômico da ditadura elucida a importância dos convênios
internacionais para o projeto de desenvolvimento do regime militar. De acordo com
Marcos Napolitano, as lideranças militares chegavam à conclusão de que havia
necessidade de “uma urgente modernização do Estado e da economia, em moldes
capitalistas, visando a facilitar a vida dos investidores e grandes corporações nacionais e
multinacionais” (NAPOLITANO, 2014, p. 75). Dentro da estratégia de modernização,
esses convênios movimentavam grandes somas de recursos e, além disso,
possibilitavam contatos com possíveis clientes de tecnologias produzidas
nacionalmente.
Na própria perspectiva da Usaid, os convênios implementados no Brasil
poderiam contribuir, sobretudo, para reduzir os pontos de estrangulamento do
crescimento econômico do país. De acordo com a agência, esses pontos seriam: a
inflação, produção agrícola arcaica e ineficiente, o baixo nível de poupança e
investimentos, um sistema educacional aquém das necessidades da industrialização,
taxa alta de crescimento populacional e proliferação de doenças170. A ajuda externa,
portanto, buscava proporcionar a regulação dos mercados brasileiros. Quanto maior a
estabilidade da economia nacional, melhores as chances de negócios para os norte-
americanos.
Para operacionalizar seus programas no Brasil, a agência americana fez uma
série de empréstimos a setores estratégicos e doações pontuais de recursos. Outro aporte
que resultou, inclusive, no Convênio Purdue-Viçosa, foi o investimento nos programas
ligados à agropecuária, sobretudo, com o objetivo de “melhorar os níveis de consumo
locais, ajudar a balança de pagamentos do Brasil e promover o desenvolvimento”171.
Especificamente no setor primário da economia, a Usaid priorizou seis áreas, a saber:
pesquisa aplicada à agricultura; crédito aos produtores; desenvolvimento da indústria de
sementes; educação agrícola; mercado agrícola; e programas de fertilizantes 172.
Em 21 anos de projeto, Fernandez aponta que vieram para Viçosa em torno de
155 cientistas e técnicos americanos, somados com 40 consultores que também
auxiliaram nos trabalhos (FERNANDEZ, 1991, p. 70). De início, o convênio Purdue-

170
USAID/BRAZIL: Questions and answers regarding the program. Extraído de
https://dec.usaid.gov/dec/home/Default.aspx
171
Ibidem.
172
Ibidem.
122

Viçosa estava sob o comando do ETA. Após a renovação do convênio, o programa entre
as duas universidades ficou submetido diretamente à Usaid sem intermédio do ETA.
De forma geral, Fernandez mostra que o objetivo maior do convênio consistia
em “ajudar as universidades brasileiras e as organizações governamentais, na criação de
sistemas mais efetivos de ensino, pesquisa e extensão em agricultura” (FERNANDEZ,
1991, p. 101). Obviamente, no tocante às universidades rurais, a ênfase se concentrou
quase exclusivamente na UREMG/UFV. Outro ponto a ser destacado é a aproximação
do convênio com os governos, que significou a proposição e mediação de agendas
políticas e pautas para o desenvolvimento agrícola. De forma mais específica, o
relatório semestral de 1970 destrincha com minúcias as finalidades do convênio:

Desenvolver a pós-graduação na UREMG/UFV; desenvolver a Escola de


Ciências Domésticas e Ciências Florestais; organizar a Estação Experimental
de Pesquisa, de maneira a incrementar a qualidade das pesquisas; fortalecer o
serviço de extensão na Universidade com o objetivo de disseminar o resultado
das pesquisas; melhorar a competência técnica dos membros da equipe,
trazendo maior eficiência no ensino (graduação e pós-graduação), pesquisa e
extensão; Criar relações de benefícios mútuos entre a Universidade e outras
organizações ligadas à agricultura173.

É evidente que a participação dos norte-americanos por meio dos convênios não
resultava apenas na transferência de recursos tampouco implicava passividade do lado
brasileiro. O envolvimento era propositivo, tanto que o convênio tinha dois diretores:
um brasileiro e outro americano. Em todas as atividades de pesquisa e em reuniões
estratégicas, a presença de ambos era obrigatória 174. Junto a isso, a equipe
periodicamente se reunia com políticos e autoridades interessadas no desenvolvimento
rural. Conforme salientou Rodrigo Molina, que analisou o convênio entre a ESALQ e a
Universidade de Ohio,

(...) o objetivo dos estadunidenses era firmar parcerias que envolvessem a


participação direta de seus técnicos e intelectuais na gestão estatal brasileira,
não somente emprestar dinheiro e know-how. Em última instância, além de
ajuda técnica, os dólares chegariam com o fim de aumentar a influência
política, econômica e cultural dos EUA no Brasil (MOLINA, 2016, p. 192).

Na tese de Adriela Fernandez, existe um quadro com a divisão das metas do


Convênio através dos contratos vigentes. No primeiro contrato, de 1952, a meta foi

173
RELATÓRIO SEMI-ANUAL, 1970. Purdue-Brazil Project. Universidade Federal de Viçosa.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
174
Em Viçosa, até o processo de federalização da UREMG contou com a participação de membros do
Convenio Purdue-Viçosa, conforme análise no próximo tópico deste capítulo.
123

simples: auxiliar a construção da Escola de Ciências Domésticas e desenvolver


programas de extensão rural. Já em 1958, houve maior ambição do projeto, até porque
havia mais recursos juntamente com o apoio de outras instituições. Dessa forma, era
ambicionada a adoção da filosofia do “land grant college”, com a maior integração do
ensino, pesquisa e extensão. Na prática, isso significava propor programas de pesquisa e
criar ferramentas para disseminar seus resultados para os produtores. Para o contrato
renovado em 1964, a Universidade de Purdue trabalharia, junto à UREMG, em ações
para desenvolver a competência profissional e técnica do seu corpo docente, sobretudo
com ênfase na pós-graduação (FERNANDEZ, 1991, p. 106).
Em nossa dissertação de mestrado (SILVA, 2014), foi demonstrado que, embora
o Convênio Purdue tenha sido desenhado na década de 1950, a concepção de
modernização da agricultura subjacente ao programa binacional já existia na instituição.
De certa forma, a opção pelo relacionamento com programas de assistência técnica e
financeira dos norte-americanos “representava determinada coerência com as raízes que
fundamentaram a própria fundação da UREMG como polo irradiador da modernização
em Minas Gerais” (SILVA, 2014, p. 71).
Ficou demonstrado na pesquisa de mestrado que os cientistas da UREMG
aproveitaram o programa com os norte-americanos para solucionar os entraves para o
desenvolvimento da pesquisa na instituição. Dessa forma, o Convênio Purdue foi
encarado no âmbito local como meio para alavancar ganhos pessoais, como através do
incremento da formação acadêmica e ganhos institucionais, seja com o aumento de
bolsas de pesquisas ou outros recursos para a universidade. Não estava no horizonte
desses profissionais qualquer reflexão relacionada à possível submissão aos ditames
estrangeiros. Pelo contrário, os interesses americanos, na verdade, eram encarados como
interesses “uremgianos”, afinal, a convergência na modernização da agricultura e o
desenvolvimento institucional eram, em sua perspectiva, idênticos.
Neste aspecto, a noção de dominação exclusiva de setores dominantes ligados ao
capital estrangeiro fica, em certa medida, diluída na conexão de múltiplos interesses
envolvidos. Certamente, o papel ocupado pelos americanos no campo científico sugeria
seu poder de convencimento diante dos cientistas locais, uma vez que o apoio técnico e
financeiro pressupunha uma relação de liderança. Porém, mesmo em posição de suposta
fragilidade dos cientistas brasileiros diante do contato com as instituições estrangeiras, o
poder de barganha foi acionado pelos pesquisadores para fazer valer seus interesses,
portanto, não apenas a submissão aos ditames norte-americanos.
124

Além disso, conforme analisado anteriormente, era de interesse dos


estadunidenses o fortalecimento dos vínculos com a América Latina. A concorrência
comercial e os embates ideológicos com a União Soviética pressionavam os Estados
Unidos a não perder espaço na região sul do Continente. Isso possibilitou, de certa
forma, que o impulso dominador da potência norte-americana fosse relativizado diante
da ameaça de seus interesses. Por esse motivo, a intransigência tão comum nas ações
diplomáticas e comerciais na América Latina teve que ceder espaço, em diversos
momentos, à negociação.
Diante disso, não há como negar que os programas de ajuda externa americana
foram incrementados após o fim do governo de João Goulart. A interpretação dos norte-
americanos sobre a postura de Jango em relação à política externa é bastante conhecida,
a saber, a associação do presidente ao comunismo. Segundo James Green, inicialmente
Kennedy deu um voto de confiança para Goulart. Em 1962, em reunião com Lincoln
Gordon, o embaixador americano sugeria fortalecer a relação com os militares, uma vez
que o presidente estava entregando o país aos comunistas. Enquanto a intervenção não
se tornava realidade, os americanos investiram no financiamento da oposição política e
na Aliança para o Progresso, que, neste caso, fortalecia a “boa imagem americana”
(GREEN, 2009, p. 56).
Assim, o golpe de 1964 alterou profundamente a orientação brasileira em
relação aos Estados Unidos, o que seria razoável pensar que os convênios no Brasil
tenham auferido alguma vantagem com isso. No governo de Jânio Quadros e também
de João Goulart, a orientação diplomática brasileira consistia na condução das relações
com os países sem um compromisso taxativo com os Estados Unidos. Essa nova
orientação foi chamada de Política Externa Independente (PEI). Porém, no governo de
Castello Branco, na necessidade de alterar qualquer semelhança com a política de seu
antecessor e alentar parte da base apoiadora do golpe, o retorno à cooperação com os
norte-americanos deu o tom da política externa brasileira. De acordo com Saraiva e
Vigevani, “a PEI foi descontinuada, substituída pela estratégia do governo Castello
Branco, sinalizando uma decidida inserção no mundo ocidental e o estreitamento das
relações com os Estados Unidos” (SARAIVA; VIGEVANI, 2014, p. 222).
Cabe ressaltar que a própria Usaid declarou que, a partir do golpe, chamado por
eles de revolução, a condução das políticas para o desenvolvimento ocorreu de outra
maneira. De acordo com a agência de ajuda externa americana, “nos primeiros anos da
Aliança para o Progresso no Brasil, o desenvolvimento econômico brasileiro e a
125

formulação de metas da Aliança foram frustradas por políticas econômicas criadas


naquele momento”175. Implicitamente, existe uma crítica ao trabalho de João Goulart à
frente do país, o que foi solucionado prontamente com o golpe militar. Segundo o
documento,

[...] desde a revolução de março de 1964, o governo brasileiro tem buscado


programas coerentes de desenvolvimento, reforma e estabilização. A Aliança
para o Progresso tem como finalidade apoiar os esforços brasileiros para a
consecução desses objetivos176.

O convênio entre a UREMG/UFV e a Universidade de Purdue fazem parte desse


conjunto.
Dessa forma, os convênios com os programas norte-americanos de ajuda externa
ganharam maior relevância com a proximidade do primeiro governo militar com
Washington. De acordo com Arapiraca, “a intensificação desse programa de ajuda foi
possível após o fato político relacionado com o movimento armado que tomou o poder
no Brasil, em 1964” (ARAPIRACA, 1979, p. 150). Dezenas de acordos foram assinados
entre o Ministério da Educação (MEC) e a Usaid, a saber, os conhecidos Acordos MEC-
Usaid177.
Conforme citado anteriormente, antes do golpe já havia outros programas e
convênios operacionalizados entre os dois países. Muitos recursos foram enviados para
estados e regiões de políticos com tendência liberais e opositores de João Goulart.
Porém, no prosseguimento do regime militar, a dinâmica de funcionamento desses
programas foi potencializada com a política de abertura ao capital americano no
contexto do regime militar. Especificamente no caso mineiro, o governo do José de
Magalhães Pinto (1961-1965) também facilitou a boa convivência entre americanos e
brasileiros no estado. Os técnicos de Purdue tinham prestígio com a gestão udenista, o
que facilitou o fechamento de vários convênios com outras instituições internacionais
no estado, como Fundação Ford, Fundação Rockfeller, Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), Organização das Nações Unidas para Alimentação e
Agricultura (FAO), entre outras.

175
USAID/BRAZIL: Questions and answers regarding the program. Extraído de:
https://dec.usaid.gov/dec/home/Default.aspx
176
Ibidem.
177
Esses acordos foram assinados na gestão do ministro Suplicy Lacerda em 1965 até a década seguinte.
O objetivo desses acordos incluía a modernização da gestão educacional brasileira tanto na educação
básica quanto no ensino superior.
126

De forma geral, o convênio Purdue-UREMG/UFV mostrou estar afinado aos


interesses econômicos da ditadura. Aproximar a realidade da agropecuária com o
sistema industrial era ambicionado pelos militares. Dessa forma, a própria relação com
os Estados Unidos e as oportunidades abertas por meio da associação com Usaid e
outras organizações financeiras sinalizavam que os objetivos do convênio
ambicionavam a modernização da produção agrícola nacional, associada ao
desenvolvimento institucional local. Na proposta apresentada à Usaid para renovação de
vínculos entre a Universidade de Purdue e a UFV, os autores foram enfáticos ao mostrar
o caráter nacional das consequências positivas do convênio:

Uma das conclusões que a comissão atingiu foi que o Projeto Purdue-UFV
vinha sendo e é um empreendimento altamente bem-sucedido. Contribuiu de
maneira significante para o crescimento e desenvolvimento da Universidade. O
projeto tornou possível à Universidade contribuir mais para o
desenvolvimento da agricultura brasileira do que teria de outra forma
ocorrido178 (grifo nosso).

Os outros dois motivos que se relacionam diretamente ao desenvolvimento da


agricultura nacional são pontuados pela comissão que avaliava o programa. Um deles
dizia respeito à “necessidade futura da agricultura brasileira em termos de cientistas
treinados em agricultura e conhecimento científico útil, para fornecer serviços em
quantidades grandemente crescentes”179. Somado a isso, os autores afirmam a
necessidade de “desenvolver esses serviços específicos em áreas extremamente
prioritárias relacionadas com a necessidade de modernização da agricultura
brasileira”180.
A atuação da Usaid por meio do programa entre as duas universidade chamou a
participação de outras instituições americanas para investir em programas semelhantes
em outras escolas agrícolas brasileiras 181. Isso mostra o êxito que o projeto alcançava na
percepção dos parceiros do norte do continente. Segundo o texto que apresentava à
Usaid a proposta de renovação de vínculos, os objetivos do projeto, na concepção da
própria agência americana, consistiam em “aumentar sua capacidade de servir o setor
agrícola de Minas Gerais e da região; [e] aumentar sua produção de técnicos e

178
Proposta apresentada à Agência Norte-Americana para o desenvolvimento internacional para Revisão,
Extensão e Financiamento do Projeto da Universidade de Purdue/Universidade Federal de Viçosa, 1971.
179
Ibidem.
180
Ibidem.
181
Ibidem.
127

cientistas”182. O incremento da pós-graduação e o financiamento de bolsas de pesquisas


direcionavam essa meta a patamares mais ambiciosos.
Em complemento, a formação de cientistas objetivava elevar a “capacidade
profissional dos pesquisadores, ligando seus programas de maneira eficaz ao trabalho de
outras instituições públicas e privadas dedicadas ao desenvolvimento da agricultura
brasileira”183. Alguns elementos chamam a atenção nessa meta ambicionada pela Usaid.
Em primeiro lugar, a ênfase na formação profissional do corpo docente. Incrementar a
formação dos cientistas era colocado como prioridade dentro do programa, haja vista,
conforme citado anteriormente, a concessão de bolsas e o investimento na pós-
graduação, que foram compatíveis com essa proposta. Em segundo lugar, era prevista a
associação do conhecimento acadêmico a outras organizações que se vincularam ao
desenvolvimento da agricultura. Pensar na conexão entre instituições públicas e
privadas convergia com o interesse do regime militar em diversificar suas fontes de
financiamento e angariar parcerias que racionalizassem custos e associassem a
universidade a uma rede de contatos para além das fronteiras do campo científico.
Ainda no tocante aos recursos, as formas de financiamento dessas atividades
alinhavam-se aos interesses da ditadura. A continuidade do convênio seria feita com
“recursos da Usaid através da Universidade de Purdue e investimentos complementares
por organizações locais e internacionais, como as Fundações Ford, Rockefeller, a FAO
e outras mais”184. Encontrar um programa que atuasse na promoção da modernização
econômica e, ao mesmo tempo, buscasse recursos em formas viáveis e acessíveis de
financiamento parecia perfeito para o planejamento econômico do Estado. Em tempos
de austeridade como os vividos na presidência de Castello Branco, alargar a rede
econômica e permitir doação de recursos e empréstimos com juros baixos favorecia a
política financeira dos governos. Somado a isso, fortalecer parcerias com a iniciativa
privada animava os setores liberais que haviam apoiado o golpe e almejavam novas
oportunidades de negócios.
Afinal, não é demais lembrar que a crise econômica contribuiu para o
aprofundamento das disputas políticas no governo de Jango e a consequente derrubada
da ordem constitucional com o golpe de 1964. Assim, a promoção da modernização
econômica em um contexto inflacionário e com alta recessão fazia com que convênios

182
Ibidem.
183
Ibidem.
184
Ibidem.
128

com as instituições americanas fossem uma estratégia de desenvolvimento a baixo


custo, pelo menos teoricamente185. Dessa forma, para obter ganhos para aquisição de
recursos, a Universidade associou-se a instituições de ajuda externa.
Em reportagem que incluiu uma entrevista com o diretor americano do Convênio
Purdue-UREMG, a Universidade de Viçosa é encarada como referência no
desenvolvimento agrícola do Brasil. O diretor, na verdade, lamenta que no Brasil a
UREMG ainda não tenha o real reconhecimento de sua grande contribuição para o
progresso da agropecuária nacional. Na sua concepção, por esse motivo, “não só os
governos como as entidades privadas precisam acionar aquele centro de ensino”186.
De fato, algumas empresas mantiveram grandes contatos com a UREMG/UFV,
especialmente a Agroceres. Especialista em produção e comercialização de sementes
melhoradas, alguns projetos entre as duas instituições foram desenvolvidos com o apoio
do governo. Uma notícia da Folha de S. Paulo elucida este negócio. Na ocasião da
execução de um programa desenvolvido no Nordeste para o desenvolvimento da região
às margens do Rio São Francisco, “o presidente da Agroceres manteve encontros com
técnicos da UFV. O projeto recebeu apoio do sistema operativo liderado pela Secretaria
da Agricultura”187. Dessa forma, com o suporte do governo estadual, investimentos da
empresa de sementes e atuação técnica dos cientistas da UFV, as estratégias para
operacionalização de pesquisas tinham várias frentes, como convênios internacionais,
parcerias com empresas e órgãos estatais.
Além disso, a atuação da UREMG/UFV e dos convênios estabelecidos na
instituição também significava expandir o modelo modernizador para a população rural,
em especial, para o grande produtor. Não bastava produzir tecnologia aplicada ao
campo. Fazer com que o agricultor interiorizasse os princípios modernizadores se
tornava essencial para a naturalização dos padrões de consumo modernos. O trabalho da
extensão rural consistia em convencer os agricultores e produtores a adotar as novas
tecnologias de produção e, sobretudo, adquirir um estilo de consumo urbano, com o
consumo de produtos industrializados:

O centro de publicações técnicas da Aliança para o Progresso – Usaid –


publicou o manual de alimentação, para ser usado pelas extensionistas em

185
José Arapicaca (1979) mostra que grande parte do investimento americano nos convênios foi feita por
empréstimos, que geraram a ilusão do dinheiro fácil e maior dependência econômica.
186
O Globo, 30 de Dezembro de 1966, Matutina, Geral.
187
Folha de S. Paulo, 09 de setembro de 1972, p. 14.
129

economia doméstica rural, bem como para os educadores em geral. O volume


foi preparado por técnicos do ETA, com participação da ACARESC, e revisto
pela Dra. Virginia White, da Universidade de Purdue e assessora da Escola
Superior de Ciências Domésticas188.

Dessa forma, o convênio entre a Universidade de Purdue e a UREMG/UFV não


significava uma simples relação bilateral. Em nossa dissertação de mestrado, mostramos
que a parceria entre as instituições tomou forma de uma rede científica, com
participação de dezenas de outras organizações. Imersa em um fluxo de múltiplos
interesses, o convênio possibilitou a participação de atores que também desejavam
contribuir e intervir na promoção da pesquisa em agropecuária através da Universidade.
Cada instituição citada ocupou um determinado papel na promoção da modernização
agrícola, fosse na captação de recursos para bolsas de pesquisas, empréstimos, doações,
aquisição de equipamentos, negociação política com as instâncias superiores, formação
técnica de professores e estudantes, auxílio na capacitação de agricultores com
assistência técnica e extensão rural, enfim, a atuação desses grupos foi imprescindível
para a dinamização das práticas científicas na UREMG/UFV.
Obviamente, é bastante questionável a real necessidade dos convênios
internacionais para a economia brasileira, ou pelo menos a forma como foram
operacionalizados. A base do apoio financeiro acionado pela Aliança para o Progresso
consistia em empréstimos, não apenas transferência de recursos. Embora a doação de
dinheiro e equipamentos não fosse incomum, o governo brasileiro financiou essa
parceria. Molina (2016) faz em sua tese a discussão do legado negativo dos convênios e
afirma que sua contribuição na redução da desigualdade social foi insuficiente:

No decorrer da ditadura militar, os funcionários do Government Accountability


Office (GAO), órgão responsável pela auditoria, avaliações e investigações do
Congresso dos Estados Unidos, ao estudar o histórico dos programas ligados à
“Aliança para o progresso” no Brasil, diagnosticaram que pouco foi feito para
reduzir as desigualdades sociais, uma das grandes promessas dos
estadunidenses com a implantação de seus programas no país, ao mesmo tempo
que havia denúncias de que os repasses de dólares aos brasileiros não estavam
sendo investidos na educação pública, mas, sim, no sistema privado (...)
(MOLINA, 2016, p. 229-230).

Porém, na imprensa, a UREMG representava o sucesso da atuação da Aliança


para o Progresso no Brasil. Apesar das críticas endereçadas à presença de convênios
internacionais no país – principalmente em relação aos famosos MEC-Usaid –, a

188
Folha de S. Paulo, março de 1965, página 2.
130

UREMG progressivamente colhia os frutos dessas parcerias, e seus ganhos eram


expostos nos jornais de grande circulação nacional. No jornal O Globo, a Universidade
foi apontada como obtentora de “resultados excelentes, dentro do espírito de cooperação
que norteia a Aliança”189. Ainda segundo o jornal, “uma série de acordos estabelecidos
entre a USAID e a Universidade de Purdue vieram a beneficiar a UREMG” 190. Para
exemplificar, parte do orçamento da Universidade contava com o apoio da Fundação
Ford, com o envio de 500 milhões de cruzeiros, sendo que o Ministério da Agricultura
enviou apenas 50 milhões191. O reitor ainda reforçou que o crescimento da universidade
está ligado aos convênios, que, segundo ele, “graças ao generoso auxílio externo a
UREMG tem desenvolvido, nesses dois anos e meio, impressionante ‘rush’ de novas
obras.”192.
Um dos projetos desenvolvidos conjuntamente com professores da UFV e os
pesquisadores de Purdue relaciona-se com a produção do milho. Mostramos em nossa
dissertação de mestrado que a associação entre o cultivo do milho e a erradicação da
pobreza é recorrente na justificativa para a produção dos grãos. Dentro do programa de
desenvolvimento do milho, muitas variedades de sementes foram produzidas, sobretudo
com maior teor de proteína e maior valor nutricional. O chamado supermilho ou opaco-
2 foi bastante utilizado na alimentação humana e animal.

“O principal emprego da nova variedade – esclareceu o Dr. John Anderson,


diretor do programa – residirá na alimentação de porcos, já que isso tem
importante significado para a economia brasileira”. Outro grande benefício será
uma “melhora notável na nutrição de pessoas que baseiam sua alimentação
principalmente no milho”, como é o caso dos habitantes de Viçosa. As
experiências realizadas com 285 pessoas de Viçosa contaram com a
colaboração da UFV e com o financiamento da Agência de Desenvolvimento
Internacional (AID)193.

Esses convênios foram coerentes com o projeto desenvolvimentista da


modernização conservadora: promover a modernização da agricultura
concomitantemente à redução dos conflitos sociais. Por isso a ênfase na produção de
alimentos de baixo custo, como o milho. O aclamado potencial agrícola do Brasil em
contraste com uma população com problemas em adquirir alimentos mostrava os
paradoxos da desigualdade social do país. Na Folha de S. Paulo, o milho opaco-2 é

189
O Globo, 15 de Junho de 1965, Matutina, Geral.
190
Ibidem.
191
Ibidem.
192
Ibidem.
193
O Globo, 07 de abril de 1971, p. 14.
131

descrito no seu potencial de reduzir a desnutrição, “operando milagre ao salvar crianças


condenadas à morte por insuficiência proteica” 194. Obviamente, o desenvolvimento do
milho opaco-2 envolvia a agroindústria, na medida em que sua aplicação também seria
destinada à alimentação suína para produção de carnes.
Outro projeto que recebeu bastante atenção do convênio Purdue-UFV foi o da
soja. Com objetivos diferentes do programa de melhoramento do milho, a soja envolvia
decisivamente o alargamento da rede científica e comercial em torno da expansão da
pesquisa da oleaginosa. Esse cultivo não encontrava solos compatíveis para seu
crescimento, o que redundava na necessidade de pesquisas para adaptação das sementes
e fertilização química dos solos.
O programa de melhoramento da soja começou definitivamente na UREMG na
década de 1960 e foi incrementado na década seguinte, sobretudo sob a participação e
orientação dos cientistas americanos envolvidos com o Projeto Purdue. A interação de
diferentes atores possibilitou condições propícias para a construção de novos
conhecimentos, aquisição de equipamentos e recursos financeiros para os trabalhos de
investigação científica. Paralelamente ao projeto de expansão da soja, havia o
reconhecimento da necessidade de explorar a fronteira agrícola do cerrado brasileiro.
Sem dúvida, esse projeto relacionado ao desenvolvimento da soja atuou diretamente na
associação da agricultura ao parque industrial nacional e internacional. Para a
fertilização dos solos e melhoramento das sementes, as pesquisas serviram às indústrias
de fertilizantes e agrotóxicos, juntamente com as empresas responsáveis pela
mecanização.
Conforme apontado anteriormente, a modernização do campo tornou-se uma
questão de extrema necessidade para a ditadura. De acordo com Gustavo Alonso, o
regime ensejava “ver o campo em compasso com o dinamismo industrial”, com a
“promoção do latifúndio” e o “desenvolvimento de técnicas de produção para a
agricultura” (ALONSO, 2014, p. 96). O convênio Purdue-UFV, portanto, convergia
diretamente com a promoção dos objetivos econômicos da modernização da economia
nacional, uma vez que suas ações se correlacionavam com as intenções do regime em
proporcionar a modernização e integrar a população rural nessa perspectiva.
Além dos projetos citados, um dos pontos fortes do programa foi o intercâmbio
de professores e estudantes para os Estados Unidos, subvencionado pela Usaid. Em

194
Folha de S. Paulo, 29 de julho de 1972, p. 29.
132

minha dissertação de mestrado, abordei as possibilidades de incremento da formação


acadêmica juntamente com a experiência internacional. A primeira modalidade de bolsa
consiste em levar para os EUA cientistas com reconhecida “liderança cultural”. De
acordo com Mattos, o termo “líder cultural” chama a atenção para um processo de
formação de visão de mundo. Consequentemente, o caráter ideológico do intercâmbio
ficava evidente. Para isso, o intercâmbio consistia em apresentar o exemplo dos “países
onde a democracia existia de verdade, como nos Estados Unidos, Suécia ou Noruega,
pois uma vez esclarecidos, esses jovens passariam a lutar em outra trincheira”
(MATTOS, 2013, p. 354).
Enviar brasileiros com posição de liderança na comunidade científica era um
grande passo para um aprendizado presencial, por meio de uma experiência de maior
proximidade com a realidade norte-americana. Não obstante, isso não incluía apenas os
professores da UREMG/UFV, mas também estudantes e até lideranças políticas
envolvidas com a agropecuária. A primeira vez que esse projeto foi citado nos relatórios
do convênio foi em 1966, quando alguns estudantes foram enviados para os Estados
Unidos por um período de seis semanas. De acordo com o relatório:

7 estudantes da UREMG se juntaram com 8 alunos da ESALQ para uma visita


aos Estados Unidos. Os estudantes, todos líderes em suas universidades, foram
selecionados por um comitê de professores da UREMG e Purdue (...) O
objetivo deste projeto é dar aos líderes estudantis a oportunidade de ver por si
mesmos, e interpretar para seus colegas, o sistema econômico e educacional
americano, tecnologia agrícola, empresa industrial e o estilo de vida americano
(...) os estudantes da UREMG retornaram com um melhor entendimento do
sistema universitário americano. Essa viagem os ajudou a ter um melhor
conhecimento e interesse no que ambos, Purdue e UREMG, estão tentando
realizar em Viçosa195.

Dos alunos selecionados em 1966, cabe destacar a presença de Paulo Afonso


Romano. Presidente do Diretório Acadêmico da Escola Superior de Agricultura, ele
atuou na coordenação da Marcha Nico Lopes do mesmo ano e teve problemas com a
polícia por causa do conteúdo supostamente perturbador da ordem, inclusive, sendo
fichado pelo DOPS. Com cartazes críticos à ditadura e à Usaid, Romano e os outros
militantes estudantis enfrentaram o comando da PM e se recusaram a retirar os “cartazes
subversivos” da passeata. A despeito disso, Romano foi selecionado para a viagem aos
Estados Unidos. Após sua formatura, os rumos da participação política do estudante são

195
THIRTY ONE REPORT, 1966. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais. Viçosa-
MG. ACH/UFV.
133

alterados. Ele se filiou à ARENA, tornou-se secretário geral do ministério da agricultura


na gestão de Alysson Paulinelli e, posteriormente, deputado federal pelo PFL. Seria
muito difícil provar que a mudança de comportamento político do antigo presidente do
DA se deveu à sua participação no intercâmbio da Usaid. Porém, de qualquer forma, a
intenção do programa era exatamente esta, a saber, contribuir para uma mudança de
direção política dos estudantes que exerciam algum papel de liderança.
Em 1970, o UFV Informa trouxe uma entrevista com dois estudantes que
participaram do intercâmbio naquele ano. É interessante observar que os alunos
captaram aquilo que o programa objetivava em relação ao envio de jovens nos Estados
Unidos. Ao mostrar um sistema “quase perfeito” aplicado na América do Norte, os
alunos eram desafiados a se formar com a mesma perspectiva. Além disso,
aparentemente o programa induzia o observador ao deslumbramento, com
possibilidades infinitas de ganhos provenientes com a modernização da agricultura. Na
visão do entrevistado e estudante de agronomia:

A agricultura americana é quase totalmente mecanizada, estando (?) ao lado do


avanço tecnológico do país. Existe um elo muito forte entre a indústria e a
agricultura (...) A agricultura ainda tem ajuda muito grande das universidades e
proteção do governo, no que diz respeito a créditos rurais, seguros da
produção, estabilização dos preços etc. (...) A mecanização da agricultura
chegou a um ponto que, cerca de 1.500.000 fazendeiros produzem alimentos
para uma população de 220.000.000 de pessoas e para exportação. Outro
aspecto é que existe nos Estados unidos uma agricultura especializada,
havendo pouca diversificação de produção nas fazendas. Também não poderia
deixar de mencionar a colaboração das cooperativas e um sistema perfeito de
extensão rural196.

Sobre o aproveitamento da experiência da agricultura norte-americana, o


estudante percebe que a realidade observada no estrangeiro é plenamente possível de ser
aplicada no Brasil, “muito se poderia aproveitar da agricultura americana para se aplicar
no Brasil. Por exemplo, as diversas variedades de sementes, certos tipos de máquinas, a
experiência em créditos rurais” 197. Para que isso seja possível, o estudante conclui que
“os agrônomos deveriam tentar utilizar ou aprender tudo que pode ser de interesse para
a agricultura brasileira e para o próprio conhecimento”198. Neste ponto, estão
desconsideradas pelo estudante as condições históricas que limitavam o crescimento da
agricultura no Brasil, principalmente a concentração de terras e a precarização do

196
UFV Informa, 1 de Agosto de 1970. ACH/UFV.
197
Ibidem.
198
Ibidem.
134

trabalho. Diante disso, é perceptível que o perfil dos estudantes selecionados para o
intercâmbio correspondia àqueles que já se apropriaram da concepção de agricultura
moderna como referência para o Brasil. O discurso citado não parece ser uma mudança
de direção, pelo contrário, há um reforço daquilo que outrora já estava estabelecido
entre os estudantes participantes. O caso do Paulo Afonso Romano torna-se uma grande
exceção pelo fato de ter participado ativamente do movimento estudantil em Viçosa.
A segunda modalidade de bolsa enviava para os Estados Unidos indivíduos com
posição de destaque na Universidade ou no meio político. O chamado curso de
reciclagem envolvia diretamente professores com cargos administrativos e políticos
com ligação com o meio acadêmico. O prof. Erly Brandão, que foi codiretor do
Convênio Purdue, ficou um semestre em Purdue para sua formação como gestor na
universidade. Ele teve participação importante na fundação do programa de pós-
graduação em economia rural na UREMG. No campo político, o prof. José de Alencar
Carneiro Viana, ex-aluno e ex-diretor da instituição, foi enviado para esse programa.
Depois, José de Alencar se tornou secretário de agricultura de Minas Gerais na gestão
de Magalhães Pinto. Além dele, Roberto Resende, também secretário da agricultura e
candidato ao governo mineiro em 1966, foi incluído nesse programa. De acordo com o
Convênio, “muitos sentiram que esta viagem forneceu várias ideias e muito estímulo ao
Dr. Resende em operar vários programas do Estado da secretaria de agricultura” 199.
A terceira modalidade de bolsa, com maior orçamento quando comparada às
outras modalidades, incluía professores e estudantes de graduação e pós-graduação,
tanto os que cursavam no Brasil quanto os que faziam sua pesquisa nos Estados Unidos.
O objetivo era o complemento da formação acadêmica com mestrado ou doutorado.
Esse programa contribuiu para o aumento de professores com pós-graduação na
universidade, o que, consequentemente, impulsionou a produção científica local.
Portanto, o oferecimento de bolsas envolvia a assimilação da cultura
americana200 pelos cientistas, políticos e estudantes brasileiros. Acima de tudo, essa
ferramenta atuava, ainda que indiretamente, para a acomodação em relação à ditadura,
com a criação de lideranças “democráticas” por meio das bolsas para os estudantes e

199
REPORTS, 31 janeiro de 1966. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais. Viçosa-
MG. ACH/UFV.
200
Cultura americana (TOTA, 2000), nesse aspecto, refere-se aos valores devotados pelos estadunidenses
no tocante ao desenvolvimento da sociedade moderna, a saber, o individualismo e o capitalismo.
Juntamente com isso, o sonho americano de prosperidade, baseado na propriedade privada e no
empreendedorismo, estão incluídos no que denomino aqui de cultura americana.
135

professores. Ao enviar estudantes e professores para o exterior, as relações entre


governo e as instituições estrangeiras ficavam naturalizadas, sobretudo com a
apresentação de vantagens pessoais advindas desses convênios.
A discussão em torno do programa de intercâmbio de estudantes, professores e
políticos para os Estados Unidos é bastante polêmica. Afinal, o objetivo dos americanos
era de fato o “convencimento forçado” dos brasileiros para que se enquadrassem no
sistema de pensamento norte-americano? Na visão de Rodrigo Molina, a resposta é sim.
Para o autor, esses programas “objetivavam cooptar os professores e estudantes
qualificados para seguir os trabalhos iniciados pelo convênio no Brasil” (MOLINA,
2016, p. 220). Dessa forma, eles “receberiam maior instrução científica e ideológica,
familiarizando-se com o paradigma da agroindústria norte-americana, ou seja, o sistema
produtivo que conhecemos hoje como agronegócio” (MOLINA, 2016, p. 220.). Porém
não se pode perder de vista que o interesse de se apropriar dos valores e tecnologias
americanos partia dos próprios brasileiros. Os cientistas locais não eram uma tábua rasa
em que qualquer ideologia estava pronta para ser assimilada na universidade. Pelo
contrário, os convênios com os Estados Unidos, desde a década de 1920, foram
iniciados com o convite feito para o prof. Peter H. Rolfs dirigir a ESAV, convite este
que foi feito pelo governo brasileiro. Isso já demonstra que a iniciativa partia
essencialmente do Brasil. É óbvio que os Estados Unidos objetivavam expandir seu
modus operandi econômico para a América Latina. Suas práticas de convencimento
envolviam empréstimos, doação de recursos, bolsas de estudos e, sobretudo, a difusão
de elementos da cultura americana como produtos industrializados e até o cinema. No
entanto, os americanos não mudaram a mentalidade dos brasileiros nem os rumos
políticos e econômicos do país. Eles apenas reforçaram e financiaram aquilo que de
antemão era desejado pelas elites locais.
O convênio entre a Universidade de Purdue e a Universidade Federal de Viçosa
evidenciou um caráter associativo que foi além da esfera científica e institucional. O
projeto de desenvolver a agricultura moderna nacional pelo investimento em pessoal e
equipamentos transformou a universidade da pequena Viçosa em celeiro de projetos
científicos com dimensão nacional. Dessa forma, o contexto da Guerra Fria e da
mudança de orientação do Brasil em relação aos Estados Unidos também são
ferramentas explicativas para o incremento da rede científica voltada para a produção
agrícola modernizada. O intento norte-americano de regular as economias periféricas
juntamente com o projeto da ditadura de financiar a agricultura atraindo investimentos
136

estrangeiros fortaleceu ainda mais o intercâmbio com a Usaid e, neste caso, o Convênio
Purdue-UFV se tornou o símbolo de uma parceria bem-sucedida.

2.6 A crise da UREMG, o Convênio Purdue e o campo político


A UREMG vivenciou uma séria crise a partir do ano de 1966, mas antes de
entrar especificamente nesse assunto, faz-se necessário interpretar o momento anterior à
crise propriamente dita. Nos relatórios do Convênio Purdue, percebe-se nitidamente que
existia uma mútua confiança entre o Convênio Purdue-UREMG e o governo estadual
que, naquele momento, estava sob a direção do udenista José Magalhães Pinto (1961-
1965). O grande ponto ressaltado nos relatórios é a reorganização dos estatutos da
universidade e sua consequente aprovação pelo governo do estado: “o governador do
Estado, Magalhães Pinto, em 1964, alterou a estrutura da UREMG, a classificação dos
funcionários, salários etc”201. Há várias menções à reestruturação da universidade
iniciada em 1964 e completada em 1965. Para o convênio, essa reestruturação
transformou definitivamente a UREMG no modelo do land grant college, com a
associação entre ensino, pesquisa e extensão. Um bom parâmetro para isso foi a criação
da carreira de pesquisador e extensionista, além do sistema de créditos e diretores para
cada área da universidade. Resumindo,

O estatuto estabeleceu o critério básico de administração, regulamentou a


organização do ensino, a carreira docente, assistência estudantil, regras
disciplinares, administração financeira, desenvolvimento orçamentário,
administração de contratos, organização do Colégio Universitário. A única
restrição de autonomia foi o orçamento anual, mudança na equipe, níveis
salariais e os estatutos que devem ser aprovadas pelo governador 202.

Na verdade, a existência do convênio Purdue-Viçosa possibilitava oportunidades


de incremento do capital científico na Universidade de Viçosa. A proposição de agendas
de pesquisa, o aumento dos eventos científicos, o aumento na formação acadêmica e a
vinda de maiores recursos para o andamento das pesquisas contribuíram para o aumento
da autoridade cientifica dos professores diretamente envolvidos com os americanos. A
aproximação com as lideranças políticas tornava-se estratégica, na medida em que
ambicionava exatamente a redução da dependência do político sobre o científico. A
perspectiva dos gestores do Convênio em relação ao poder político é bastante simples.

201
TWENTY FIFTH REPORT, 1965. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
202
Ibidem.
137

As instituições do Estado devem garantir a autonomia da universidade. Quanto menos


um governo atrapalha, melhor ele é. Isso fica mais evidente no tocante à aprovação do
novo estatuto. De acordo com os reports,

a universidade foi reestruturada para providenciar mais efetividade


administrativa e permitir mais autonomia do âmbito político. Trabalhando
com oficiais do estado, planos foram colocados para a larga expansão da
efetiva esfera de influência da universidade203. (Grifo nosso)

Certamente, por esse motivo, as reuniões e os encontros com os oficiais do


governo Magalhães Pinto eram considerados bem-sucedidos, afinal, foi nesse mandato
que as modificações estruturais citadas acima se tornaram reais, ainda que com limites.
Portanto, permitir a racionalização da estrutura universitária concatenava a UREMG e o
Convênio ao governo do estado, ainda que um dos objetivos fosse garantir a autonomia
da instituição.
Nesse âmbito, há uma visível aproximação entre a UREMG e o governo
estadual. Isso fica evidente no relatório quando cita que “o relacionamento e apreciação
da UREMG nos ciclos do governo estadual tem sido o auge durante maior parte desse
tempo”204. Para facilitar, José de Alencar Viana, secretário da agricultura, foi professor
da universidade, com relevante participação no Conselho Universitário e no setor de
pesquisa. Em adição, embora o convênio reconhecesse a excelente relação com o
regime, as eleições estaduais começavam a influenciar de alguma forma essa
aproximação com o governo, no entanto, a UREMG parecia viver seus “anos de ouro”.
De acordo com o 27º relatório, “durante este período, o suporte sem precedentes e
reconhecido da UREMG por meio do Governo do Estado continuou” 205. Novamente,
citações de encontros de técnicos de Purdue com o governador do estado prosseguiram.
A sintonia era tamanha que o reitor foi nomeado secretário da agricultura no lugar de
José de Alencar, que renunciou. A saída de Alencar e do secretário de governo Roberto
Resende estão relacionadas com as eleições do estado em 1965. Segundo o relatório,
“em direção ao fim deste trimestre, o secretário do governo, Roberto Resende (UDN),
resignou para iniciar sua campanha como governador”206.

203
REPORTS, 31 de março de 1967. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais. Viçosa-
MG. ACH/UFV.
204
TWENTY SIXTH REPORT, 1965. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
205
TWENTY SEVENTH REPORT, 1965. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
206
Ibidem.
138

Dessa forma, o Convênio Purdue desfrutava de prestígio com o poder político e


a universidade prosseguia com seus recursos garantidos. O otimismo com os rumos do
projeto em Viçosa chegava ao auge. A nova estrutura da UREMG, por meio do estatuto
aprovado pelo governo estadual, possibilitava que cada unidade da universidade fizesse
planejamentos específicos para serem operacionalizados. A concepção de
desenvolvimento institucional estava sendo posta em prática. Ainda não havia
problemas orçamentários, não em 1965. No relatório, é citada até a pontualidade no
recebimento dos recursos: “o orçamento do estado para a UREMG tem sido mais que o
dobro em valor efetivo e os fundos foram recebidos pontualmente. Projetos de rápida
expansão de infraestrutura estão em andamento e outros estão planejados”207. Ou seja,
nova estrutura, desenvolvimento institucional em vigor, orçamento estatal em dia,
pesquisas em pleno andamento, enfim, pouco faltava para o projeto alcançar sua
plenitude.
O bom andamento das pesquisas e o sucesso alcançado pela parceria com
Purdue foram expostos pelo reitor Edson Potsch na grande imprensa. Segundo ele, “a
instituição vivia uma fase de progresso, com reflexos benéficos para a economia
nacional” 208. Para reforçar seu argumento, o reitor cita dezenas de projetos que
incrementaram a infraestrutura da UREMG. Entre os novos desafios com os quais a
universidade se comprometeu para o desenvolvimento agrícola do país, era incluída a
supervisão de toda rede experimental do Estado de Minas, com nove estabelecimentos.
A “propaganda” que o reitor fez da instituição não foi gratuita. Seu objetivo,
certamente, envolvia o convencimento do governo federal da importância da expansão
de verbas para a Universidade. Na argumentação do reitor, mais da metade dos
estudantes da UREMG eram de outros estados e, por isso, ele pleiteava mais verbas do
governo federal.
A aprovação do Estatuto, juntamente com a regularidade no repasse de recursos,
aumentou ainda mais o prestígio do governador Magalhães Pinto com a direção da
universidade. Nesse período, não houve pedidos desesperados por envio de recursos ou
pedidos de socorro para a condução financeira da universidade. Pelo contrário, no
Informativo UREMG, o reitor agradece efusivamente o empenho do governo em
cooperar com a instituição:

207
TWENTY SIXTH REPORT, 1965. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
208
O Globo, 15 de Junho de 1965, Matutina, Geral.
139

[...] registro mais uma vez que a nenhum outro governo deve a UREMG tantos
benefícios quantos os que a ela tem conferido o fecundo governo de vossa
excelência. Deus guarde vossa excelência para que continue sua inigualável
obra de governo em benefício do estado e da pátria209.

Se nunca antes governo algum tinha beneficiado tanto a UREMG, o mesmo


pode se dizer da atitude do reitor, neste caso, também nunca houve tamanho afago da
instituição em relação a um governo. Nesse raciocínio, se Arthur Bernardes liderou o
processo de fundação da ESAV, se Milton Campos proporcionou sua transformação em
Universidade, se, com Juscelino Kubitscheck, a UREMG recebeu mais verbas federais e
assinou convênios internacionais, tudo isso está aquém do tratamento recebido de
Magalhães Pinto.
Em outra notícia do Informativo UREMG, há o mesmo reconhecimento da
atuação do governo estadual pela instituição: “À universidade, por isso mesmo, não tem
faltado o apoio político e financeiro do governo mineiro, nem o reconhecimento
público, tanto nacional como internacional”210. Na visão do editor do jornal, esse
reconhecimento parte em grande medida “do governo do estado, que elevou os
orçamentos da universidade, reestruturando o complexo universitário, dando-lhe
composição compatível com suas funções (...)”211. Em julho de 1965, após a aprovação
do novo Estatuto e do aumento do orçamento da universidade, o governador foi
condecorado com o título de doutor honoris causa e o diploma de benemérito da
Universidade Rural.
Em reuniões envolvendo representantes do estado de Minas Gerais, a
Universidade de Purdue, o governo americano e a Usaid, foram buscados esforços por
uma transformação na maneira de pensar e praticar a agricultura, conforme o relatório:

A ministra Van Dyke foi pra Belo Horizonte para discutir com oficiais do
Estado e do Governo Federal conectados com as atividades da Purdue em
Minas Gerais, incluindo o secretário de governo do Estado, Roberto Resende,
secretário da agricultura, José de Alencar Carneiro Viana, Supervisor Geral da
ACAR, José Paulo Ribeiro, e o diretor da Escola Veterinária, Dr. Leonidas
Magalhães. Estas seções trataram largamente da influência e benefícios das
atividades de cooperação da Purdue com UREMG no desenvolvimento de uma

209
Informativo UREMG, Viçosa. 4 de fevereiro de 1965. ACH/UFV.
210
Informativo UREMG, Viçosa. 5 de junho de 1965. ACH/UFV.
211
Ibidem.
140

“nova mentalidade” na agricultura de Minas Gerais, um reconhecimento da


importância da UREMG no Estado212.

Novamente, fica evidente a interlocução entre a universidade e o poder. A


aproximação com a classe política significava a tentativa de prever problemas,
sobretudo, no esforço de convencer o poder público a priorizar a pesquisa aplicada à
agropecuária. Somada a isso, a inserção dos americanos nos arranjos políticos também é
relevante, com proposição de ideias e participação na elaboração do pensamento
subsumido nas políticas públicas.
A situação começa a mudar no final de 1965. De qualquer forma, o 28º relatório
tentou interpretar a conjuntura com maior otimismo, de forma a valorizar conquistas dos
últimos dois anos, principalmente o novo estatuto da UREMG e seus benefícios.
Juntamente com a expansão física da instituição, são ressaltados o aumento da pós-
graduação e o número de 57 mestres aprovados até aquele trimestre. Em relação ao
cenário político, neste relatório é exposto o resultado da eleição, com a derrota do
candidato da UDN, Roberto Resende, apoiado por Magalhães Pinto. De acordo com o
texto, o “resultado da eleição já se fez sentir da UREMG” 213. O ano foi finalizado com
ótima situação financeira, inclusive a aprovação orçamentária com o valor dobrado em
relação a 1965. Certamente que não foi feito o cálculo político do resultado da eleição
na época da aprovação do orçamento.
Israel Pinheiro pertencia ao PSD. Apoiado por JK para o governo do estado de
Minas em 1966, o político mineiro venceu a eleição e desagradou a alta cúpula militar.
O candidato preferido dos militares era Roberto Resende, que tinha a aprovação de
Magalhães Pinto e também do próprio Convênio Purdue. Não há publicações sobre os
conflitos políticos entre as lideranças de Minas Gerais no tocante à vitória de Pinheiro e
o desagrado americano. Nossa hipótese é que a simpatia dos dirigentes da UREMG pelo
candidato derrotado contribuiu para a UREMG e o Convênio não terem conquistado o
suporte do governo recém-empossado em 1966. Além disso, conforme acentuado no
primeiro capítulo desta tese, Israel Pinheiro foi secretário da pasta de agricultura no
governo de Benedito Valadares nas décadas de 1930/1940, que, no passado, teve muitos
problemas com a direção da antiga ESAV

212
TWENTY SIXTH REPORT, 1965. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
213
TWENTY EIGHTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
141

O tom de otimismo dos relatórios anteriores chegou ao fim. No primeiro ano do


mandato de Israel Pinheiro, o candidato vencedor em 1966, a reclamação passa a ser
constante, principalmente no que concerne à condição financeira da universidade. Os
relatórios relatam o drama dos atrasos de salários e os problemas das outras agências
estatais com a mesma carência financeira:

O suporte financeiro estatal à UREMG tem se tornado um problema sério. Isto


é devido, em partes, aos problemas de financiamentos globais do governo do
Estado. O salário dos funcionários está atrasado e os fundos de pesquisa e
extensão desenvolvidos pela UREMG não estão chegando214.

Em reunião da equipe de Purdue com o governo do estado, o tema da


federalização entrou em pauta. A proposta do convênio foi outra, pelo menos a
princípio, de buscar a redução da influência do setor público: “um esquema para
geração de não dependência de fundos estatais foi proposta à UREMG para
consideração”215. Há um detalhamento no relatório de todas as dificuldades da
universidade pela falta de recursos, como, por exemplo, o prejuízo científico: “os
esforços para o desenvolvimento da pesquisa e extensão são prejudicados pela carência
de fundos básicos de orçamento”216.
A despeito desses problemas, o texto destaca a vinda do vice-presidente de
Purdue à UREMG, com a permanência de duas semanas em Viçosa. Segundo o
relatório, Freehafer trabalhou muito próximo do Reitor Potsch no planejamento e
financiamento da universidade, explicando o plano de desenvolvimento da Universidade
de Purdue. O vice-presidente Freehafer também sugeriu caminhos alternativos de
financiamento de universidades tais como a UREMG, que são sustentadas por
participação da universidade em empreendimento privado através de serviços de
consultoria técnica217.
O fechamento do ano de 1966 é visto pelo Convênio Purdue como ruim. A crise
financeira da UREMG é retratada com maior pessimismo possível. Termos como
“economia draconiana”, “atrasos salariais” e “falta de recursos” dão o tom de
indignação do convênio com o governo do estado:

214
THIRTIETH ONE REPORT, 1966. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
215
Ibidem.
216
Ibidem.
217
Ibidem.
142

As economias draconianas exigidas pela redução e atraso dos fundos do Estado


orçamentados restringiram seriamente os planos de expansão da planta física
da UREMG. Os salários dos professores e outros foram atrasados em 3 meses
até o fim do ano. Outros fundos operacionais foram recebidos em escala
reduzida218.

O contraponto da catástrofe financeira é a reforma administrativa da


universidade, que, segundo o relatório, começava a dar bons frutos naquele momento.
Outro elemento ressaltado é a pós-graduação, que recebeu novo regimento219.
A grande imprensa repercutiu a crise da UREMG nas páginas de seus jornais.
Em uma longa matéria sobre a escassez financeira da universidade, o jornal O Globo
destacou:

Apesar de o funcionalismo estar com seus vencimentos em atraso, fora do local


da solenidade a atividade era mesma de todos os dias, professores, alunos e
funcionários entregues às suas tarefas, na confortadora ignorância dos horários
religiosamente observados nas repartições públicas comuns. E uma instituição
modelar como essa está em crise: perdeu o crédito na praça de Viçosa, em face
do atraso crônico no pagamento dos fornecimentos; o pessoal, sem receber,
disposto, numa atitude afinal desperte atenção para o estabelecimento, a
recorrer à greve220.

Em meio às incertezas diante do cenário político desfavorável à instituição, o


autor da reportagem enfatiza um caráter quase místico existente na universidade. Os
ufevianos mais fervorosos chamariam isso de “espírito esaviano”, a saber, o sujeito
encampado de características cívicas de comprometimento com a instituição, com a
terra e, sobretudo, com a nação. Embora esse elemento seja muito mais um discurso de
afirmação de uma identidade institucional, o repórter conseguiu captar em sua visita ao
campus esse comprometimento quase espartano diante da turbulência econômica. Seria
esse espírito que supostamente teria evitado a debandada geral do corpo docente. De
acordo com a matéria citada,

Realmente, o mais importante na universidade – acima da sua organização


administrativa (...) – é o espírito do seu pessoal, desde o contínuo até o
catedrático. Todos se deixam possuir por uma espécie de misticismo ao entrar
naqueles edifícios voltados uns para os outros, como a contemplar a obra
cultural que ali se realiza. Os técnicos norte-americanos mostram-se admirados
e depois da primeira visita tudo fazem para voltar a Viçosa. Falam a mesma
língua e estão identificados pelo ideal de servir. (...) A serenidade no
cumprimento do dever é o traço comum. Ninguém vai a Viçosa para brincar.
Os estudantes estudam. Os professores lecionam. Os funcionários trabalham. O

218
Ibidem.
219
THIRTY SECOND REPORT, 1966. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
220
O Globo, 20 de Dezembro de 1966, Matutina, Geral, página 3.
143

visitante tem até pressa de sair daquele ambiente, para não quebrar o ar de
respeito e recolhimento221.

Diante disso, o cenário problemático por causa da crise do estado incomoda


seriamente os membros do projeto. O ano de 1967 é o mais emblemático das relações
entre o convênio com a política estadual. A federalização é encarada com maior
seriedade tanto pelo Conselho Universitário quanto pelo Convênio. Apesar de ter
recebido apenas 77% do orçamento, os compromissos da universidade ficaram de pé.
Há uma associação indireta entre a racionalidade administrativa e a capacidade de se
manter apesar dos menores recursos, elemento ressaltado pelos americanos como
essencial para manter a universidade estável naquele momento. Até o convênio passou
por problemas financeiros com repasses inconstantes da Aliança para o Progresso,
ocasionando a necessidade de empréstimos.
De certa forma, os relatórios mostram grande impaciência com o governo
estadual em relação à falta de recursos para o andamento do Projeto e, obviamente, a
respeito da própria penúria financeira da instituição. A crítica ao governo Israel Pinheiro
é explícita. No discurso do Convênio Purdue, falta ao governo mineiro a
responsabilidade em valorizar a educação agrícola no estado. Convencidos da culpa do
governo do estado, os dirigentes do convênio Purdue prosseguem com a retórica que
associa a crise financeira à baixa prioridade da educação agrícola para o governo. O
texto questiona o discurso estatal de valorização da agricultura:

O treinamento universitário de especialistas agrícolas, professores,


pesquisadores e extensionistas juntamente com a produção de novo
conhecimento e tecnologia demonstraram manter uma posição de baixa
prioridade no esquema de desenvolvimento agrícola estadual222.

Dessa forma, a única saída percebida no Projeto foi a federalização: “discussões


com os oficiais do estado revelam uma posição obstinada de não responsabilidade pelo
nível superior da educação agrícola. Assim, o fomento de nível federal torna-se a única
alternativa aparente”223. No entanto, o esforço do convênio é insistir em captar outras
formas de financiamento para a universidade, principalmente a busca por empréstimos.
No momento de maior fragilidade da universidade, na perspectiva dos administradores

221
Ibidem.
222
THIRTY FIFTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais. Viçosa-
MG. ACH/UFV.
223
THIRTY FOURTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
144

do Convênio, “a despeito desses problemas, ganhos significativos foram registrados


nesse trimestre. Um maior empréstimo para construção foi aprovado e finalizado com o
Banco de Desenvolvimento Interamericano”224. Por outro lado, para Purdue, a UREMG
alcançou definitivamente o espírito do “land-grant”, já que “a implementação da trilogia
ensino-pesquisa-extensão recebeu maior ímpeto com o estabelecimento de
regulamentação de promoção de carreira em pesquisa e extensão” 225.
O descompasso da UREMG e do Convênio Purdue com o governo de Israel
Pinheiro foi tão significativo que até no apoio do governador à federalização se vê a
divergência de expectativas. O político mineiro revelou, pela imprensa, que o ministro
da educação Tarso Dutra também apoiava a federalização, sendo o próximo passo a
aprovação no CFE. Para Pinheiro, a Universidade fazia um excelente trabalho no
estado, porém, de acordo com O Globo, “dadas as atuais dificuldades do Tesouro, o
Estado não tem condições para assegurar o funcionamento daquele patrimônio
cultural”226. Para completar seu raciocínio, Israel Pinheiro declarou para o jornal que a
prioridade do governo era formar profissionais de nível elementar e médio para a
formação da mão de obra nas lavouras mineiras:

O governador concluiu dizendo que seu governo deseja, antes de tudo, formar
técnicos de grau médio ou elementar, que possam ser aproveitados como bons
capatazes rurais, porque considera que ao Estado nada adianta formar
profissionais de nível superior, como se vem dizendo em Viçosa, e continuar
com uma infraestrutura obsoleta e arcaica, sem condições de reagir ao estímulo
da técnica moderna227.

Enquanto a universidade se envolvia em pesquisas de âmbito nacional e


internacional para o incremento da produção agrícola, o governador percebia no
“capataz rural” a prioridade da educação agrícola. Pinheiro conhecia muito bem a
universidade de Viçosa. Como secretário da agricultura do governo de Benedito
Valadares, Israel Pinheiro tinha participado inúmeras vezes de reuniões com a direção
da antiga ESAV, além de ter frequentado formaturas e eventos oficiais. Não sabemos a
repercussão dessa fala nos círculos científicos no meio universitário, mas é perceptível
que o governo e a UREMG caminhavam, neste momento, em direções opostas.

224
THIRTY FIFTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais. Viçosa-
MG. ACH/UFV.
225
THIRTY FOURTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
226
O Globo, 16 de Maio de 1967, Matutina, Geral, página 7.
227
Ibidem.
145

Voltando ao conteúdo dos relatórios do Convênio, é evidenciado certo desânimo


da equipe com os rumos do projeto. O alento, na verdade, estava em olhar para trás e
perceber os avanços ao longo desse tempo: “na ocasião, o exercício de retrospectiva
oferece terapia ocupacional valiosa para o especialista envolvido no desenvolvimento
institucional intercultural” 228. Dessa forma, o relatório prossegue com uma avaliação do
Projeto desde os anos 1950 até a presente data. Pela leitura do referido texto, é
perceptível o quanto a universidade cresceu muito no período em que menos recebeu
recursos do governo, o que reforça o discurso do convênio de que uma gestão eficiente
vale mais que volume de recursos mal administrados.
Dessa forma, o convênio Purdue contribuiu para esse crescimento, uma vez que
a concepção de desenvolvimento institucional foi incorporada pela universidade.
Obviamente, o relatório coloca a continuidade do Projeto como primordial para o
crescimento da UREMG mesmo em tempos de crise. Porém, o comprometimento do
corpo docente parece ter sido decisivo, inclusive com a continuidade de professores
aposentados no setor administrativo. Muitos docentes que ficaram meses sem salário
decidiram prosseguir na instituição, o que mostra, entre outras coisas, comprometimento
com o trabalho científico. Em meio aos problemas financeiros, há o reconhecimento dos
americanos do papel desempenhado pelos professores: “não surpreendentemente, a
universidade continuou a funcionar numa base quase normal. Isto é devido em parte à
dedicação da equipe”229.
Mesmo com a persistência da maior parte do corpo docente em enfrentar os
problemas da universidade, o aprofundamento da crise desestabilizou a relação dos
professores com o estado. Os atrasos de salários viraram rotina e a federalização parecia
uma miragem no início do ano de 1968. Segundo o relatório,

[...] declarações apareceram que a UREMG deveria fechar (não abrir para o
começo do primeiro semestre, março) por causa da falta de apoio financeiro do
Estado, seguido pelo anúncio da associação de professores da universidade que
eles se recusariam a dar aulas sem os salários pagos (pesquisa e extensão não
foram afetados) 230.

228
THIRTY FOURTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
229
THIRTY FIFTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais. Viçosa-
MG. ACH/UFV.
230
THIRTY SEVENTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
146

É significativo que as pesquisas tenham prosseguido e o ensino não tenha sido


afetado. O próprio convênio caminhava na normalidade, segundo o relatório. Os
docentes que não tinham pesquisas vinculadas ao Convênio Purdue estavam em maior
prejuízo, pois, com o atraso salarial, as bolsas de pesquisa continuavam.
O maior desafio para a universidade se federalizar nem era a administração do
estado, mas a própria posição do governo militar. Desde 1967, o CFE tinha em mãos o
projeto da UREMG em sair da esfera estadual, mas a proposta do presidente Costa e
Silva para o governador Israel Pinheiro foi a de transformar a UREMG em uma
fundação, com recursos federais, porém ainda atrelada ao estado 231. A dificuldade
financeira seguia, com pagamentos de salários feitos por meio de empréstimos.
Enfim, a federalização foi definida pelo governo federal no segundo trimestre de
1968 e oficializada em agosto de 1969. Por meio da interpretação de antigas leis, a
UREMG poderia ser reconhecida como instituição federal. O conselho geral da
república analisou as duas leis (nº 1254 de 1950 e nº 2.470 de 1955) e considerou
aceitável a incorporação da universidade no âmbito da união como Universidade
Federal de Viçosa. De qualquer forma, a situação financeira parecia ter melhorado, uma
vez que os salários de 1968 estavam sendo pagos. A vinda de recursos da Fundação
Ford (260 milhões de dólares) para o suporte aos programas de pesquisa em economia
rural indicava um novo fôlego para o convênio. Como acentuou o relatório de 1969,

A federalização da universidade foi um processo tedioso. Com a federalização,


contudo, foi fornecido maior e mais oportuno suporte financeiro, aumentou a
moral da equipe e deu maior otimismo para o planejamento sistemático do
progresso da Universidade232. [Tradução nossa]

Os bastidores da aprovação da federalização da UREMG não são conhecidos. Se


o presidente Costa e Silva não planejava aumentar o rol de universidades mantidas pela
União, sua opinião foi voto vencido no CFE e no Conselho Geral da República. A
suposição de lobby da Usaid para federalização da Universidade não seria especulação
absurda, afinal, a influência norte-americana entre os militares era relevante.
Em 1969, com a universidade já federalizada, o reitor Edson Potsch Magalhães
participou de um evento na Universidade de Purdue. O esboço de sua palestra foi

231
THIRTY SIXTH REPORT, 1967. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais. Viçosa-
MG. ACH/UFV.
232
SEMI-ANNUAL REPORT, 1969. Purdue-Brazil Project. Universidade Federal de Viçosa. Viçosa-
MG. ACH/UFV.
147

divulgado nos Reports. Em relação ao convênio propriamente dito, o reitor reconheceu


que sem o suporte dos americanos a pós-graduação da universidade não teria sido
implementada. Embora sua preleção tenha sido em Purdue, seu discurso foi muito além
da bajulação ao Convênio: ele quis mostrar o crescimento da UFV no contexto pós-
1964. Segundo o próprio reitor, foi após 1964 que o sistema universitário brasileiro
como um todo encontrou seu ponto máximo de crescimento, que foi intensificado em
1967: “Ele citou o descontentamento estudantil, tanto no Brasil quanto no mundo, como
um fator positivo para o desenvolvimento das universidades” (tradução nossa) 233. É
importante ressaltar que o reitor enfrentou alguns problemas com o movimento
estudantil durante sua gestão, mas esses fatos serão analisados no último capítulo desta
tese.
Para complementar seu pensamento, o reitor cita diversos exemplos que
comprovam o crescimento das universidades durante o regime militar. A começar pelas
matrículas, que, em três anos, aumentaram de 160.000 para 360.000 estudantes; o
crescimento de novas universidades (públicas e privadas); uma tendência à formação
mais geral, em detrimento da formação orientada, ou seja, a própria UFV deixou de ser
instituição rural para buscar uma diversificação nas formações; o Ministério da
Educação, que antes era o 6º ou 7º em termos de orçamento, em 1970 passaria a ser o
primeiro em termos de recursos; a carreira docente recebeu novos incentivos com novos
níveis salariais; o sistema de cátedras foi abolido; maior ênfase na pesquisa; e o
vestibular geral, quando comparado ao sistema anterior de exames especiais para cada
campo de estudo234. Além disso, o sistema de créditos foi implementado, sendo a UFV a
primeira universidade a colocá-lo em prática, e houve também a criação de centros de
pesquisa da UFV em outros municípios como Capinópolis, Florestal e São João
Evangelista.
A palestra do reitor traz aspectos importantes da relação entre a UFV, o Estado e
a Universidade de Purdue. Primeiramente, ao contrário do que ressaltavam os relatórios
do convênio, o reitor não associa diretamente o crescimento da universidade ao Projeto
Purdue. É óbvio que existe o reconhecimento aos americanos, como, por exemplo, na
pós-graduação, mas a condição sine qua non para o desenvolvimento não vem dos
convênios. Em segundo lugar, antes mesmo da federalização, o reitor visualiza uma

233
REPORTS, Janeiro e fevereiro de 1969. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
234
Ibidem.
148

tendência de crescimento após 1964. Não há menção a governos ou políticos


específicos, porém, seu discurso associa o processo de construção da reforma
universitária como determinante nos rumos da instituição em Viçosa. Somado a isso, a
periodização da transformação da universidade é política, afinal, a escolha pelo ano do
golpe representa uma nova perspectiva para a instituição. Dessa forma, são negadas, por
exemplo, mudanças anteriores como a construção da Universidade de Brasília 235 ou a
LDB de 1961. Isso marca a posição do reitor em relação ao regime autoritário, neste
caso, de satisfação pelos rumos que a educação e a agricultura tomaram com os
militares no poder. Em terceiro, Edson Magalhães identifica na UFV um caso particular
em meio às outras instituições. Seu discurso busca ressaltar as características intrínsecas
da própria essência da instituição, que contribuíram com seu desenvolvimento,
sobretudo em ser pioneira em questões que vão ser implementadas na reforma de 1968.

2.7 A UFV e o Projeto Rondon


Neste capítulo foi abordado o caráter adesista de parte da UFV no contexto da
ditadura militar. O apoio oferecido ao regime autoritário tinha um viés pragmático, uma
vez que se colocar à disposição do grupo que estava no poder poderia redundar em
benesses para a instituição. Além disso, a UFV participou de projetos nacionais que
envolviam pesquisas para melhorar a produção de commodities como a soja e o milho, o
que possibilitou a entrada de mais recursos para a instituição. De forma bastante prática,
quais seriam os benefícios colhidos pela UFV no contexto do regime militar? Essa
questão foi respondida neste capítulo. A convergência com o projeto de modernização
da agricultura do governo federal pôs a UFV em evidência no cenário científico
brasileiro.
Esse reconhecimento da autoridade científica da UFV foi aprofundado com o
envolvimento da instituição no Projeto Rondon. Criado em 1967, o Rondon foi uma
iniciativa do governo Castelo Branco de envolver a juventude estudantil e influenciá-la
positivamente. O enfrentamento com o movimento estudantil contribuiu para criar uma
imagem bastante negativa dos militares junto à opinião pública. Dessa forma, a
necessidade do regime em se afastar do rótulo de ditadura despertou a caserna para atuar

235
A Universidade de Brasília foi inaugurada em 1962 pelo presidente João Goulart. Antes mesmo da
reforma universitária, a universidade tinha elementos que a diferenciavam das outras instituições, tais
como ausência de cátedras, sistema de créditos, professores com dedicação exclusiva, assistência
estudantil, entre outros.
149

lado a lado dos estudantes em prol de um objetivo maior, neste aspecto, a construção do
Brasil. Levar o conhecimento técnico-científico às regiões mais inóspitas do interior do
país e, ao mesmo tempo, contribuir para afastar a ameaça comunista do meio
universitário exigiu grande montante de recursos para operacionalizar tamanho
empreendimento.
Mesmo assim, o Projeto recebeu diversas críticas. A primeira delas, por seu
caráter assistencialista. Estudantes e militares viajavam até a cidade escolhida para os
trabalhos e ali permaneciam durante as férias escolares. O curto prazo da operação não
justificava o montante investido. As necessidades das comunidades interioranas, a
maioria delas rurais, não poderiam ser atendidas em prazo tão reduzido. A segunda
crítica tinha como alvo o proselitismo dos militares em influenciar o meio estudantil.
Afinal, a máquina pública era utilizada para a obtenção de dividendos políticos.
A despeito das críticas, o Projeto Rondon foi abraçado pelo regime com bastante
entusiasmo. Ano a ano o número de participantes crescia e, na década de 1970, o
programa de extensão foi incrementado. Em resposta ao aspecto provisório e paliativo
do projeto, os militares criaram em regiões estratégicas os chamados campi avançados.
Diversas universidades do sudeste e sul do país coordenariam essas instituições com o
objetivo de prolongar a ação extensionista nos locais de maior carência. De acordo com
Lima,
O programa seria uma maneira encontrada pelo Grupo de Trabalho para
interiorizar de forma duradoura o universitário e as universidades, já que um
campus do Projeto Rondon deveria funcionar como posto permanente das
instituições de ensino superior junto às populações do interior brasileiro
(LIMA, 2015, p. 78).

O envolvimento das universidades com o Projeto Rondon permanecia como


objetivo do regime autoritário, principalmente por meio do programa Campus
Avançado. Em uma circular do MEC em 1975, o ministro Ney Braga convocou as
instituições a se vincular às atividades do Projeto:

A Universidade procure conhecer e melhor articular a participação de docentes


e de discentes nas operações desenvolvidas pelo Projeto Rondon, a nível
nacional, regional e nas de caráter especial, procurando, se possível,
compatibilizá-las com suasnecessidades de treinamento ou estágio
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, 1980, p. 15).

O campus Avançado da UFV em Altamira, cujas atividades começaram em


1971, recebeu o presidente Ernesto Geisel, em 1978, que viajava oficialmente para
150

várias regiões do estado do Pará. A comitiva do general foi recebida pelo reitor e alguns
professores e estudantes da universidade. Prática bastante comum no contexto da
ditadura, a visita presidencial também contou com a presença de centenas de populares,
que saudaram o general em sua visita a Altamira. De acordo com o UFV Informa, “[...]
a prefeitura mandou instalar faixas pelas ruas homenageando o presidente e, no dia
seguinte, uma multidão formada por crianças dos grupos escolares da cidade, homens e
mulheres foi esperá-lo no campo de pouso”236. Ainda de acordo com o periódico, a
visita do presidente foi rápida, mas “suficiente para o presidente ter uma noção do
pioneirismo do trabalho desenvolvido pelo ‘campus’ avançado de Altamira” 237.
Como eco da visita presidencial no campus avançado, o jornal da universidade
produziu uma série de reportagens sobre o Projeto Rondon. Os textos exaltaram o
programa criado pelo presidente Costa e Silva e abordaram o caráter positivo do
programa para as comunidades atendidas. Para o jornal, “a influência do ‘campus’
avançado da UFV nesse cenário, onde a natureza ainda é hostil, é evidente em todos os
setores da vida de Altamira”238. O trabalho dos estudantes de medicina e odontologia
das Faculdades Integradas de Uberaba e dos estudantes de agronomia e economia
doméstica da UFV são detalhados na reportagem.
A classe política em Altamira também reconheceu os esforços dos estudantes e
professores do campus avançado na cidade. O prefeito da cidade, Edmilson Moreira,
“reunido com diversas autoridades e comitiva, expôs os trabalhos realizados pelos
universitários, nos cinco anos de atividades na comunidade local. Ao final, agradeceu à
UFV o apoio e colaboração dedicados ao desenvolvimento do município” 239.
O jornal UFV Informa fez uma matéria sobre a importância do Projeto Rondon e
do Programa Campus avançado no Pará. Com uma narrativa bem afinada aos interesses
do regime que estava no poder, o programa foi comparado a um bandeirante: aquele que
desbrava o interior240. Somado a isso, o jornal divulgou o documento que estabeleceu o
convênio para o funcionamento do campus avançado, em que a UFV deixou explícito
que seu compromisso estava muito além da contribuição técnico-científica na região de
Altamira. O objetivo maior convergia para o plano de desenvolvimento capitaneado
pelo regime militar:

236
UFV Informa. 12 de outubro de 1978. ACH/UFV.
237
Ibidem.
238
Ibidem.
239
UFV Informa. 20 de abril de 1978. ACH/UFV.
240
UFV Informa. 19 de outubro de 1978. ACH/UFV.
151

Promover o intercâmbio técnico-cultural; responsabilizar-se pela elaboração do


planejamento dos trabalhos a serem desenvolvidos pelo “campus” avançado,
compatibilizando-o com a política nacional de desenvolvimento, a política
nacional de educação e com a participação da Fundação Projeto Rondon, na
comunidade (através de suas lideranças formas e informais), dos órgãos
regionais de desenvolvimento e das instituições de ensino superior que tenham
sua sede na área de trabalho do ‘campus’ avançado241. (Grifo nosso)

Dessa forma, a participação da UFV no Projeto Rondon promoveu grande


interlocução entre a universidade e o regime autoritário. Comprometida com o programa
de desenvolvimento do governo, a universidade aproveitou as oportunidades oferecidas
pelo regime e buscou tirar proveito disso no campo científico. Os recursos adquiridos,
as parcerias firmadas, tudo isso contribuiu para aumentar o prestígio da instituição com
o governo e também com a sociedade. Por meio do Projeto Rondon, a universidade
desenvolveu projetos no âmbito de produção energética e também na área da
educação242. A UFV participou também do programa Campus Avançado no interior da
Bahia, em parceria com a UFMG: “A UFV complementará a UFMG nos setores de
agricultura, engenharia florestal e ciências domésticas, competindo à UFMG integrar
seu planejamento global de atividades do campus avançado de Barreiras” 243.
Portanto, os cientistas da universidade buscaram aderir ao projeto de
modernização capitaneado pelo Estado para, de antemão, obter vantagens nesse
processo. De forma bastante pragmática, os cientistas da UFV intentaram, ao se
aproximar do poder, a conquista de recursos para a pesquisa aplicada à agropecuária.
Consequentemente, a promoção da produção acadêmica tornava-se razão suficiente para
o convencimento de grande parte da instituição de que o regime militar assumia o
processo de transformação da economia nacional.

2.8 Considerações finais do capítulo


A política de desenvolvimento econômico e modernização da agricultura do
regime autoritário ofereceu um ponto de interlocução com a Universidade Federal de
Viçosa. Dessa forma, a convergência dos interesses da instituição e da ditadura levou a
uma postura de adesão ao regime militar. De um lado, o governo oferecia subsídios para
pesquisas, colaborava com a existência de convênios internacionais e, sobretudo,

241
Ibidem.
242
UFV Informa. 28 de setembro de 1978. ACH/UFV.
243
UFV Informa. 19 de julho de 1974. ACH/UFV.
152

modificava a estrutura da educação superior com a reforma universitária. De outro, os


cientistas da universidade buscaram aderir ao projeto de modernização organizado pelo
Estado para, de antemão, obter vantagens nesse processo.
Em relação às influências das instituições internacionais na adesão da
universidade ao regime ditatorial, o convênio entre a UFV e a Universidade de Purdue
também representou os interesses de parte da comunidade acadêmica de Viçosa em
cooperação com o projeto modernizador da ditadura. Todo arsenal necessário para o
desenvolvimento agrícola estava contido nos princípios do convênio, o que fortaleceu o
canal de interlocução entre a universidade e o regime autoritário.
O Convênio Purdue-Viçosa foi aproveitado também pelo governo como
tentativa de criação de consenso em relação ao contexto econômico e político do país.
Investir em formação profissional juntamente com a formação política de lideranças nas
universidades significava a criação de simpatizantes dos princípios “não subversivos”.
Reduzir conflitos, neste caso, resultava na divulgação de imagens positivas sobre os
valores do capitalismo e, para não deixar de pensar no caráter internacional do
convênio, na própria internalização do “american way of life”.
Havia também determinada matriz política que aproximou os dirigentes da
universidade em relação ao regime militar. A própria afinidade com o governador
Magalhães Pinto e o apoio ao seu candidato à sucessão, Roberto Resende, e a
tradicional disposição de cooperarem com quem está no poder apontam que o canal
comunicativo com a ditadura, além de pragmático, era também político. Somado a isso,
a contrapartida da universidade em relação ao regime se deu em forma de apoio
político. Militares e aliados foram honrados e homenageados na instituição. Também,
conforme será analisado no próximo capítulo, a UFV contribuiu com o regime militar
ao fornecer informações aos órgãos de informações e segurança e dificultar o
crescimento da esquerda militante.
153

3 A UFV E A DITADURA NO COTIDIANO INSTITUCIONAL

Não escondo que me toca toda a sensibilidade, comovendo-me profundamente a


homenagem que me prestais, homenagem que a minha gratidão jamais esquecerá.
Peço-vos, entretanto, que o merecimento do ato, que vos induziu a convocar-me para
esta assembleia, seja creditado, de maneira muito principal, à ordem revolucionária,
donde lhe preveio a inspiração e da qual tão somente servi de órgão ou instrumento 244
(Ex-presidente Gen. Emílio G. Médici).

3.1 Introdução
No capítulo anterior, foram analisados alguns pontos de interlocução entre a
ditadura e a Universidade Federal de Viçosa. A modernização da agricultura e os
convênios internacionais aproximaram a instituição do regime, uma vez que havia um
“canal comunicativo” eficiente que tanto a universidade quanto a ditadura
vislumbravam oportunidades mútuas de proveitos. Do lado da UFV, o maior ganho era
científico. O apoio à ditadura conferia a garantia de subvenção de pesquisas que
levariam ao objetivo máximo da universidade, neste caso, o desenvolvimento da
agropecuária nacional e a consolidação das carreiras de seus pesquisadores. O
pragmatismo nessa relação aproximava o campo científico do político. Quanto à
expectativa do regime militar em relação à universidade, ficava implícito que a
contribuição com a modernização da agricultura e garantia da ordem dentro dos seus
limites institucionais era suficiente.
Neste capítulo, o objetivo é analisar como a adesão ao projeto de modernização
do regime militar alterou o cotidiano da UREMG/UFV. Embora a finalidade da
universidade consistisse em operacionalizar suas pesquisas e manter em funcionamento
sua rotina institucional, a cooperação com a ditadura redundou em ações que foram
muito além da esfera científica. Práticas autoritárias, a colaboração com os órgãos
investigativos do Estado, o afago aos militares, enfim, um rol de atitudes que fizeram da
UFV um espaço complicado para a oposição à ditadura e, por outro lado, um espaço
relativamente propício para manifestações de apoio ao regime.
De acordo com Rodrigo Motta, “na visão dos vitoriosos de 1964, as
universidades haviam se tornado ninhos de proselitismo das propostas revolucionárias e
de recrutamento de quadros para as esquerdas” (MOTTA, 2014. p. 23). A influência do
pensamento marxista nas instituições educacionais se fez sentir principalmente no

244
Discurso de Médici. Anais da Câmara dos deputados, 1976. Esse trecho representa a gratidão do ex-
presidente em ser homenageado na UFV.
154

movimento estudantil e, em menor escala, entre os docentes. Segundo Motta, “entre os


professores universitários, as ideias de esquerda não encontravam tanta receptividade.
Nos meios acadêmicos eram fortes os laços com valores conservadores, em alguns
casos, até com a extrema direita” (MOTTA, 2014, p. 25).
De forma geral, as universidades não abraçaram por completo o novo governo
surgido em 1964. Seja por desconfiança em torno da legitimidade do regime ou pela
própria incerteza relacionada à permanência e viabilidade do governo dito
“revolucionário”. Houve moções de apoio à intervenção militar, porém, “entre os
apoiadores do golpe, havia muitos que não desejavam a ditadura, apenas o afastamento
de um governo considerado esquerdista demais” (MOTTA, 2014, p. 35). Mas o autor
reforça que, desses apoiadores, grande parte perdeu o entusiasmo com o regime após
sua consolidação.
Da mesma forma, a oposição à ditadura não se generalizou nas instituições
universitárias, exceto no meio estudantil245. A própria busca por autonomia do meio
acadêmico poderia induzir muitos docentes a pensar que as questões políticas seriam
elementos externos ao campo científico. De forma geral, a normalidade institucional foi
afetada após o 1º de abril de 1964, ou seja, com a ditadura que prosseguiu com o golpe
militar. O impacto da “operação limpeza” no meio acadêmico pode ter causado certo
silenciamento dos docentes em relação regime militar. Ficou comprovado com os
expurgos efetuados, fosse por demissões ou aposentadorias compulsórias, que o
cerceamento da oposição se fazia presente nos mais diversos setores da sociedade,
inclusive nas universidades.
Alguns reitores foram afastados e substituídos por interventores, muitos deles
militares, para coordenar as universidades em convergência com o regime. Em certos
casos, os reitores foram afastados por serem aliados do governo de João Goulart.
Consequentemente, foram substituídos por dirigentes escolhidos pelos conselhos
universitários das diferentes instituições. Em outras ocasiões, o próprio MEC, à revelia
das universidades, escolheu os interventores. Independentemente disso, de forma geral,
esses indivíduos que substituíram os dirigentes anteriores se mostraram mais alinhados
ao regime autoritário.

245
Obviamente, nem o movimento estudantil ficou imune às manifestações de apoio ao golpe. Grupos de
direita também influenciaram os estudantes e rivalizaram com a esquerda nas universidades. (SILVA,
2016)
155

Sindicâncias e comissões internas foram criadas nas instituições para investigar


estudantes e professores envolvidos com a subversão. Dessa forma, processos
administrativos redundaram em demissões, pois com o Ato Institucional, a estabilidade
empregatícia no serviço público – o que incluía as universidades – estava suspensa por
seis meses (MOTTA, 2014). No caso dos estudantes, a penalização máxima significava
a própria expulsão da universidade. Assim, um clima de “denuncismo” foi disseminado
em muitas instituições, o que gerou bastante insegurança e incerteza quanto ao futuro. A
debandada de quase três mil professores para o exterior, de acordo com Ludmila Pereira
(2016), revela, de um lado, a descrença de muitos cientistas na condução dos trabalhos
acadêmicos em coexistência com a ditadura, embora em muitos casos as razões do
êxodo fossem estritamente profissionais. E de outro, a necessidade dos militares em
traçar estratégias para manter os pesquisadores do país e, ao mesmo tempo, afastar os
riscos da subversão.
De qualquer forma, passados os primeiros expurgos e a consolidação dos
militares no poder, o cotidiano universitário entrou nos eixos sob a ótica da ditadura. As
discussões sobre a reforma universitária, o aumento dos convênios internacionais e a
nova conjuntura de modernização econômica contribuíram para a impressão de que, a
despeito do autoritarismo, a universidade brasileira entrava em processo de crescimento
e modernização. Não é demais lembrar que essa normalidade era relativa. Enquanto
tudo parecia estável, os estudantes enfrentavam a ditadura nas ruas, professores
debandavam para o exterior em busca de um novo ambiente de trabalho e a estrutura da
universidade continuava aquém da demanda por vagas.
Essa discussão nos leva a problematizar a operacionalização da adesão à
ditadura nas universidades. Conforme acentuado, em muitas instituições houve
manifestações de apoio ao golpe, cooperação nas investigações, demissão ou
aposentadoria compulsória de professores, apoio aos projetos dos militares para o
desenvolvimento econômico e até saudações e honrarias aos militares. Até pouco
tempo, no campo da pesquisa histórica existia apenas a obra do historiador Rodrigo
Patto Sá Motta no que se refere às relações entre as universidades e o regime militar,
sobretudo, sob um aspecto mais geral246. Nos últimos dois anos247, surgiram vários

246
Antes do trabalho do Rodrigo Motta, existiam vários trabalhos especificamente do movimento
estudantil no contexto da ditadura. No campo da historiografia, a única exceção a esta regra é a pesquisa
de mestrado de Jaime Mansan, publicada em 2009. Também, no campo da história da educação, dezenas
156

trabalhos que analisaram, entre outros aspectos, o fenômeno da adesão das


universidades ao projeto modernizador da ditadura, tais como Pelegrine (2016), Pereira
(2016), Motta (2016), Molina (2016) e Cazes (2017), que abordaram o tema em
perspectiva mais específica, com abordagem centrada em uma instituição. Como esta
pesquisa se concentrou no caso da UFV, lançamos mão da historiografia recente para
estabelecer uma comparação com nosso objeto de conhecimento.

3.2 A adesão à ditadura na UFV e em outras universidades


Das universidades brasileiras com o perfil coerente com o projeto de
modernização da ditadura, a ESALQ/USP se destaca. Antes, cabe ressaltar que a
existência de uma tendência à aproximação com o regime militar não elimina as
manifestações de oposição dentro da instituição superior. Havia vozes discordantes
tanto dentro do corpo docente quanto discente de qualquer universidade brasileira.
Porém, assim como a UFV, a ESALQ conservou em sua estrutura uma tendência maior
ao consentimento com os grupos que permaneceram no poder durante os 21 anos de
ditadura. A tese de Rodrigo Molina (2016) sinaliza que, no contexto imediato do golpe
de 1964, “ocorreram intervenções do governo dos Estados Unidos por meio da Usaid e
a ampliação e diversificação da escola com o a implantação da pós-graduação”
(MOLINA, 2016, p. 85). Dessa forma, a ascensão dos militares ao poder, juntamente
com o convênio firmado com a Universidade de Ohio, contribuiu com o crescimento da
universidade. Em outras palavras, a instituição encontrava motivos extremamente
pragmáticos para apoiar o regime, principalmente pelos ganhos científicos decorrentes
do seu caráter modernizador.
Por outro lado, Molina reforça que a ESALQ, desde sua fundação no século
XIX, “contribuiu para o desenvolvimento das ciências agrárias em seu estágio
capitalista” (MOLINA, 2016, p. 86). O discurso modernizador amplamente reforçado
pela equipe econômica dos governos militares encontrava total correspondência com a
tradição da instituição – algo bastante presente também na UFV. Além disso,
historicamente a Escola estava ligada a setores latifundiários e conservadores, como

de autores analisaram as universidades no contexto da ditadura, porém sob um viés mais específico da
estrutura e funcionamento das instituições, sem maiores ênfases nas dinâmicas políticas ou sociais.
247
É importante salientar que, embora o crescimento de trabalhos monográficos sobre as universidades e
a ditadura tenha crescido nos últimos anos, ainda há muito a ser feito. Pouco se conhece sobre as
universidades do nordeste e do norte do país. No livro do Rodrigo Motta (2014), há apenas algumas
menções sobre as instituições dessas regiões. Além disso, com a descoberta de vários documentos ligados
à repressão, divulgados pela Comissão Nacional da Verdade, há muito trabalho a ser feito.
157

mesmo ressaltou Molina. Era bastante comum os filhos dos grandes fazendeiros da
região de Piracicaba estudar na instituição.
A instituição também contribuiu com cientistas que, além do envolvimento com
o conhecimento acadêmico, foram indicados para cargos políticos, tanto em São Paulo
quanto no governo federal. Sua inserção no campo político se deu pela competência
científica no setor agrícola e, obviamente, pela aproximação com os grandes fazendeiros
e suas sociedades de classe. Na ditadura, essa convergência com o poder se tornou ainda
mais forte. O interesse dos militares no desenvolvimento agrícola redundou em
parcerias com a instituição de Piracicaba. Um dos programas mais bem-sucedidos foi o
laboratório de pesquisa nuclear, que envolveu grandes investimentos públicos e
privados na ESALQ.
Assim como a UFV, a ESALQ também saudou ditadores e acolheu os generais
presidentes no seu rol de homenageados. Em 1971, o presidente general Emílio G.
Médici foi convidado como paraninfo da formatura do mesmo ano. Embalado pelo
crescimento econômico do período, a recepção ao presidente foi compatível com o
otimismo relativo aos rumos do país. No seu discurso, o militar sentiu-se bastante
honrado com o convite dos estudantes. Em suas palavras, o presidente politizou o
convite dos estudantes, afirmando que ele representou “não só uma manifestação de
simpatia por ele, mas também pela obra da Revolução” (MOLINA, 2016, p. 274). Após
a cerimônia, o presidente se reuniu com os membros do Centro Acadêmico (CALQ) e
conversaram sobre o mercado de trabalho para os agrônomos e, também, a respeito do
incentivo à agricultura por parte do governo.
Já em 1973, o general Ernesto Geisel, antes ainda de se tornar presidente,
também visitou a Escola. O objetivo da direção da ESALQ consistia em mostrar ao
general as pesquisas em andamento na instituição, com o objetivo de expor “as razões
de a ESALQ/USP ser, na época, o maior complexo educacional e científico das
Ciências Agrárias da América Latina” (MOLINA, 2016, p. 307). Não seria exagero
interpretar o gesto da Escola em associar a desenvoltura da produção científica local em
convergência com a modernização da agricultura ambicionada pelo governo. Em
complemento, o futuro presidente foi recebido pelo CALQ para conversas com os
estudantes.
Até mesmo o centro estudantil atuou próximo do ciclo decisório da ESALQ.
Embora muitos alunos tivessem uma formação política de esquerda, diversas diretorias
do CALQ representaram os interesses da direção da Escola em detrimento das questões
158

estudantis, conforme sinalizou Molina. Na chegada do presidente Médici para as


festividades da formatura em 1971, os estudantes receberam o general com camisas do
Projeto Rondon e com faixas com a seguinte inscrição: “Obrigado, Médici, o presidente
da juventude” (MOLINA, 2016, p. 272). Somado a isso, no contexto do chamado
“milagre brasileiro”, “os sócios do CALQ foram contemplados com mais de 200
estágios em empresas” (MOLINA, 2016, p. 97).
Na Universidade Federal da Paraíba, as lideranças da instituição assumiram
preferencialmente uma atitude de adesão à ditadura, pelo menos até 1976248. O reitor
Mário Moacyr Porto foi afastado imediatamente após o golpe de 1964. De acordo com
Rodrigo Motta, sua destituição foi coordenada pelo comando militar local, não pelas
forças políticas federais. Pela leitura dos relatórios dos órgãos de repressão, o antigo
reitor apoiou atividades dos comunistas, facilitando a atuação da esquerda na
instituição, principalmente com grande aproximação com o movimento estudantil. Em
seu lugar, o interventor nomeado foi o professor de medicina e militar Guilardo Martins
Alves. Sua capacidade de articulação política foi suficiente para ser eleito pelo
Conselho Universitário a permanecer no cargo por sete anos.
No contexto da Operação Limpeza, Motta comenta que nove professores foram
expurgados, além do afastamento de onze estudantes. A situação ficou mais grave na
segunda onda repressiva, após o AI-5, quando 29 professores foram demitidos ou
aposentados compulsoriamente. Segundo o autor citado,

(...) enquanto outros reitores se mostraram menos entusiastas e apenas


seguiram as determinações das autoridades federais, no caso de Guilardo
Alves, a vontade de reprimir levou a uma antecipação às ordens e atos oficiais
provenientes dos escalões superiores (MOTTA, 2016, p. 17).

Isso mostra que a disposição da direção da Universidade em se aproximar do


regime autoritário gerou a iniciativa de ir além das determinações do governo federal.
De certa maneira, os dirigentes eram pressionados a colaborar com o regime militar e
punir qualquer indivíduo considerado subversivo. Porém, em muitas instituições, os
reitores usavam os decretos e legislações como justificativa de apenas cumprir a lei, ou
seja, apoiavam-se nas determinações que vinham “de cima para baixo” e se protegiam
das críticas dos opositores. No entanto, as ações repressivas na UFPB eram de iniciativa

248
Rodrigo Motta aponta que, no contexto da distensão da ditadura, os agentes de informações sofreram
menos pressão para vigiar suspeitos. Dessa forma, os dirigentes das universidades tornaram-se mais
moderados, com maiores oportunidades para acomodação (MOTTA, 2016, p. 20).
159

própria. Tanto é que antes mesmo da criação das Assessorias Especiais de Segurança e
Informação249 (AESI), em 1971, a UFPB já tinha, em 1969, um sistema próprio
semelhante ao que foi criado posteriormente, conforme afirmou Motta (2016).
Conforme acentuado anteriormente, o afastamento de reitores considerados
alinhados com o governo do João Goulart após o golpe de 1964 possibilitou a entrada
de interventores colocados pela ditadura ou pelo menos respaldados pelo MEC. Dessa
forma, isso contribuiu, naturalmente, para o crescimento das lideranças universitárias
com maior perfil adesista, tal como ocorreu na UFPB.
De maneira semelhante ao caso acima, a Universidade Federal Fluminense
conservou em seus quadros diretivos durante a ditadura militar lideranças com grande
inclinação para a ditadura. É bastante elucidativa a saudação à “revolução” elaborada na
primeira ata do Conselho Universitário após o golpe de 1964. A justificativa para o
louvor ao novo regime corresponde à mesma argumentação dos militares para a tomada
do poder, neste caso, a salvaguarda da democracia. De acordo com Ludmilla Pereira, as
moções de apoio ao golpe nunca são acompanhadas apenas por motivações político-
ideológicas. Questões de cunho pessoal e a busca pelo sucesso profissional por meio do
regime político imposto se somavam às preferências políticas dos indivíduos ligados à
administração universitária. As disputas por cargos de direção, de acordo com Pereira,
“envolviam tráfico de influência em todos os níveis: desde indicação de diretores das
faculdades ou institutos de acordo com o grupo político no qual se filiam, até
professores empossados diretamente pelo governo golpista” (PEREIRA, 2016, p. 62).
Dessa forma, a busca pelo poder interno vinculou-se diretamente às novas
expectativas geradas pelo regime militar. As investigações relacionadas à corrupção ou
subversão tornaram-se rotina na instituição, o que abasteceu o aparato repressivo – fosse
na Comissão de Inquérito instaurada pelo MEC ou por meio da ASI – com informações
que atingiam o cotidiano da universidade. O resultado desse processo, pelo menos entre
os docentes, significou a demissão e, em alguns casos, até mesmo a prisão de
professores com ligações com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Além disso, a
AESI da UFF, de acordo com Pereira, “mediou diretamente contratos de professores,
investigou aulas, movimentações estudantis e, efetivamente, reprimiu o movimento
estudantil e docente” (PEREIRA, 2016, p. 51).

249
Ainda neste capítulo, será trabalhado com mais detalhes o papel das AESI na produção de
informações, censura e vigilância nos campi universitários.
160

Por outro lado, a instituição buscou em inúmeras situações resolver os


problemas internos sem o acionamento das instâncias coercivas do governo militar. O
paradoxo dessa iniciativa está em, ao mesmo tempo, reforçar a autonomia da
universidade em manter a normalidade científica e institucional em tempos de ditadura
e, por outro lado, conservar como pano de fundo todo aparato repressivo do Estado
como respaldo para as ações autoritárias. Conforme ressaltou Pereira,

É verdade que, em alguns momentos, pudemos perceber as autoridades


universitárias afirmando que resolveriam “internamente”,
“administrativamente” e “politicamente” os problemas relacionados à agitação
e “subversão”, como forma de evitar medidas “mais fortes” de repressão. Mas
o limite dessa referência a autonomia universitária era claro: tratava-se de fazer
valer internamente, “com autonomia”, os princípios da repressão ditatorial dos
quais se afirmava compartilhar integralmente (PEREIRA, 2016, p. 258).

De forma semelhante, o caso da Universidade Federal do Rio Grande do Sul


(UFRGS) evidencia a extensão da adesão à ditadura no meio acadêmico. Os expurgos
coordenados por uma comissão de professores levaram à demissão ou à aposentadoria
compulsória 18 docentes da instituição, tudo isso apenas em 1964. Essa comissão local
de investigação, a Comissão Especial de Investigação Sumária (CEIS), contou com um
representante de cada unidade de ensino da instituição, o que significou, conforme
acentuou Jaime Mansan, um aspecto singular nesse processo geral da operação limpeza
nas universidades (MANSAN, 2009, p. 84).
Assim como em outras instituições que procederam aos expurgos, as disputas de
poder na UFRGS despertaram o engajamento de muitos docentes na CEIS, neste caso,
para afastar desafetos e ocupar postos administrativos relevantes. Afinal, no campo
científico a busca pelo capital científico envolve a disputa pelo poder. Porém, na
universidade do Rio Grande do Sul, as estratégias para alcançarem esses espaços sugere
uma simbiose maior entre as aspirações pessoais e a matriz política que estava presente
no contexto do golpe de 1964. Segundo Mansan, “um aspecto observado pela análise
das atas da CEIS/UFRGS é a troca de informações entre a comissão e órgãos do
Aparato Repressivo, notoriamente o 3º Exército e o DOPS/RS” (MANSAN, 2009, p.
103).
161

No segundo ciclo repressivo 250, a saber, como consequência do AI-5 em 1968,


novos expurgos foram feitos na UFRGS. Dessa vez, a coordenação esteve com uma
comissão do próprio MEC, a CISMEC. Se em 1964 o controle dos expurgos estava na
mão dos docentes com o apoio do Estado, a situação se inverteu em 1969. O resultado
foi o expurgo de 14 professores, grande parte deles das ciências humanas. Dessa forma,
é bastante provável que o primeiro expurgo tenha maior motivação político-acadêmica
do que o segundo expurgo em 1969. Ainda que o CISMEC tenha se valido de
informações oriundas da própria universidade para fazer os expurgos, o processo foi
controlado pelos militares. Por esse e outros motivos, Mansan reforça seu argumento de
que a existência de outras motivações que vão além do ideológico não altera o profundo
caráter político-ideológico dos expurgos. Para o autor,

Após o Golpe de 1964, certos grupos e indivíduos, mais ou menos alinhados


com a Ideologia de Segurança Nacional, foram instrumentalizados pelo novo
bloco dominante, o que a eles possibilitou a atuação direta no afastamento
sumário de alguns de seus colegas, baseando-se para tanto em critérios e
argumentos político-ideológicos (MANSAN, p. 149).

No entanto, é importante ressaltar que não é possível saber, pela pesquisa de


Jaime Mansan, se outros docentes com posição política de esquerda passaram
incólumes pelo processo expurgatório e permaneceram na universidade. Isso indica que,
de certa forma, o que estava em jogo era tanto o estabelecimento de grupos dominantes
na direção da academia quanto o afastamento da suposta ameaça à ordem. Por outro
lado, o instrumento utilizado pelos docentes para obter ganhos políticos dentro da
universidade foi a aproximação com os militares por meio dos órgãos de informação e
segurança. O ato de investigar o comportamento de seus pares e entregá-los para o
governo encontra, sim, um viés pragmático e político, como duas faces de uma mesma
moeda.
As relações entre a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e o Estado
comandado pelos militares igualmente revelam grande adesão dos dirigentes
acadêmicos à ditadura. Porém, no momento do golpe militar, a reitoria era ocupada pelo
prof. Manoel Xavier P. Barreto Filho, que tinha grande afinidade política com o
presidente Goulart, o que, obviamente, significou seu afastamento da reitoria. No

250
Diferentemente da operação limpeza, o segundo ciclo expurgatório, em 1969, teve como motor “o
desejo dos militares de expurgar seus inimigos dos quadros universitários e impedir que eventos como os
de 1968 se repetissem” (MOTTA, 2014, p. 179).
162

entanto, Pelegrine (2016) aponta que, mesmo assim, Barreto Filho continuou na
universidade como professor. A acomodação do ex-reitor no meio acadêmico refere-se,
sobretudo, à necessidade do campo científico de manter a normalidade acadêmica.
Por mais adesista que a nova reitoria pudesse ser, manter nomes de relevância na
instituição poderia evitar problemas na produtividade acadêmica. É óbvio que,
politicamente, isso era uma estratégia de flexibilizar a repressão e manter a aparência
democrática. A acomodação torna-se, assim, uma válvula de escape da academia para
reduzir as perdas do campo científico. Com a intensa intervenção dos militares no
cotidiano universitário, a acomodação tornava-se um elemento importante para manter
cientistas na ativa e, ao mesmo tempo, não se indispor com o poder instituído. Dessa
forma, em se tratando de uma instituição acadêmica, as motivações políticas e
científicas têm pesos semelhantes.
Na UFES, essa questão é bastante elucidativa. Mesmo que o novo reitor
escolhido pelo Conselho Universitário, Fernando Duarte Rabelo, se comportasse como
aliado dos militares, a Comissão de Inquérito que investigou indivíduos suspeitos de
subversão concluiu em seu relatório “inexistirem simpatizantes ou adeptos de ideologias
contrárias ao regime “democrático” no campus” (PELEGRINE, 2016, p. 75).
Consequentemente, ninguém foi punido. Em dezembro de 1964, o presente marechal
Castelo Branco recebeu o título de doutor Honoris Causa. Na cerimônia de concessão
da honraria ao militar, Pelegrine aponta que o reitor “aproveitou a oportunidade da
visita do novo presidente para invocar o patriotismo, tão valoroso para os militares, e
pedir apoio federal para aprimorar a tendência da academia capixaba para a “formação
de técnicos” (PELEGRINE, 2016, p. 76).
Na verdade, a UFES ainda não tinha infraestrutura compatível com suas
ambições científicas. Os dirigentes vislumbraram na aproximação com o novo regime
uma verdadeira oportunidade para alavancar suas pretensões. De acordo com Pelegrine,

(...) embora houvesse um comportamento político de adesão da Reitoria


capixaba em relação aos militares e sua política modernizadora que se
desenhava, não existia um real o comprometimento do MEC ou do “Comando
Supremo da Revolução” com o aumento nos recursos destinados à UFES no
período – compreensível no bojo da política econômica de contenção de gastos
do governo Castelo Branco (PELEGRINE, 2016, p. 78).

Dessa forma, os contatos com o MEC foram intensificados. Em 1966, a


universidade recebeu o consultor ligado à USAID, o famoso Rudolf Atcon, que tinha
como objetivo modernizar a universidade e adaptá-la aos preceitos do mercado.
163

Certamente, isso contribuiu para criar pontos de interlocução mais estreitos com
o regime para, assim, facilitar a vinda de novos recursos.
No governo do presidente Médici e com a gestão de Jarbas Passarinho no MEC,
a universidade finalmente encontra seu ponto máximo de adaptação ao regime
autoritário. O funcionamento da AESI conseguiu estabelecer o controle sobre a
instituição e estreitar ainda mais os laços com os órgãos investigativos da ditadura. Ao
operacionalizar por meio da AESI a censura de livros, o controle de eventos estudantis,
o cerceamento do movimento estudantil, a pressão aos diretores de centro para filtrar a
contratação de professores “subversivos”, a UFES refletia o caráter intransigente com a
“subversão”, algo bastante esperado pelo governo militar. Não obstante, a face
modernizadora também foi desenvolvida nesse contexto. Em conexão direta com o
governo estadual e federal, a UFES cresceu consideravelmente nesse período. De
acordo com Pelegrine:

Através dessas ações, a Reitoria procurou demonstrar aos órgãos responsáveis


a adaptação da UFES às determinações da Reforma Universitária: essa era a
principal forma de garantir recursos. Outro caminho era firmando alianças com
atores políticos que pertenciam ao segmento regional de poder ou dispunham
de algum prestígio junto ao alto comando do Exército. Em relato posterior,
Máximo Borgo descreveu o dilema enfrentado pela UFES na captação de
recursos durante sua gestão. No discurso, fica evidente o quanto o traço
personalista e negociador esteve presente nas redes de sociabilidade tecidas
entre os atores políticos do regime, especialmente os ocupantes de lugares de
poder, como as reitorias universitárias (PELEGRINE, 2016, p. 95).

Analisando esses diferentes perfis de universidades e suas relações com a


ditadura, percebemos que a aproximação com o regime autoritário oscilou entre
afinidades político-ideológicas e o interesse de alavancar oportunidades acadêmicas ou,
ao menos, a tentativa de diminuir as ameaças sobre o campo científico. Como duas
faces da mesma moeda, o caráter paradoxal do campo científico brasileiro é reforçado: a
busca pela autonomia passava diretamente pela aproximação com o poder, para assim,
alcançar o capital científico.

3.3 A matriz política que aproximou a UFV do regime militar


Qual a matriz política que aproximou os cientistas da UFV ao regime autoritário
de 1964? No primeiro capítulo desta tese, analisamos as relações da antiga ESAV com
os donos do poder. Pela leitura dos documentos históricos da instituição, ficou
evidenciado que a Escola buscou se aproximar do campo político para alavancar as
164

possibilidades de ganhos científicos. Embora a instituição não bancasse publicamente


um viés político-partidário específico, em diferentes situações, as lideranças acadêmicas
se mostraram próximas do poder.
Além disso, a instituição, desde os tempos da ESAV, fortaleceu vínculos com a
classe produtora. A própria direção da Escola permaneceu, nos primeiros anos, atrelada
a uma Junta Administrativa que tinha representantes entre os fazendeiros da região da
Zona da Mata Mineira. Certamente, o papel do órgão nunca alcançou grande relevância
a ponto de alterar os rumos decisórios da antiga Escola. Porém, a presença de
fazendeiros em reuniões administrativas revela um traço de afinidade da classe
produtora com a instituição. Mesmo com o fim da Junta Administrativa e após a
transformação da Escola em universidade, o Conselho Universitário manteve em seus
quadros um representante da classe produtora em suas reuniões.
Essa proximidade com as classes produtoras não parece mera coincidência.
Afinal, uma instituição ligada ao mundo rural buscaria como interlocutor o homem do
campo. Por outro lado, a opção da instituição não foi pelo agricultor comum, conhecido
hoje como o agricultor familiar. O canal comunicativo estabelecido pela
ESAV/UREMG/UFV foi preferencialmente o grande produtor. Até o maior evento da
instituição, a Semana do Fazendeiro, recebeu como alvo da prática extensionista o
grande produtor. Obviamente, o evento abriu espaço para agricultores familiares, mas o
objetivo por muito tempo foi alcançar o grande produtor.
No discurso político propagado na instituição, o aspecto moral é ressaltado como
elemento de grande relevância na prática política. Por esse motivo, a formação moral na
ESAV foi incentivada tanto quanto o saber técnico. As reuniões gerais, conforme
analisadas no primeiro capítulo, são provas inequívocas disso. O profissional formado
na escola, encampado pelos mais altos valores morais, deveria conduzir a população
rural ao verdadeiro conhecimento. De acordo com Oliver,

(...) a função do engenheiro agrônomo como leader ou como técnico implica


nortear um progresso ao campo diferente do progresso urbano, o qual levava
inevitavelmente à corrupção dos valores morais da humanidade, cujas raízes
ainda estavam presentes no interior do país, cabendo ao engenheiro agrônomo
preservá-los (OLIVER, 2005, p. 76).

A própria crença na capacidade ilimitada de desenvolvimento pela ciência


contribuiu para um perfil extremamente técnico nas tomadas de decisão das lideranças
acadêmicas da universidade. Inspirados desde o início no estilo pragmático norte-
165

americano, na ESAV a praticidade estava acima das decisões estritamente políticas.


Próprio do ethos profissional do agrônomo, Sônia Mendonça afirma que desde o
momento de consolidação da profissão no final do século XIX, os “agrônomos se
empenharam em constituir uma matriz discursiva que, exacerbando a cientificidade de
sua atividade, lhes garantisse legitimidade e reconhecimento sociopolítico”
(MENDONÇA, 2010, p. 127).
Em minha dissertação de mestrado, foi analisada, entre outras coisas, a
interiorização do conceito de modernização da agricultura entre os cientistas da UFV.
Na análise do principal periódico da instituição, foi percebida a grande atenção voltada
para a abordagem moderna na agricultura. Naquela ocasião de pesquisa, cheguei à
constatação da imersão dos cientistas em relação à modernização da agricultura,
principalmente com a identificação dos pesquisadores em relação ao padrão tecnológico
como única solução para uma agricultura produtiva, moldada pelas demandas de uma
sociedade urbana. Esse argumento é bastante recorrente na justificativa das pesquisas, a
saber, a única via para o aumento da produtividade está na ciência aplicada à agricultura
(SILVA, 2014, p. 109).
Dentro dessa perspectiva, a ciência seria a indutora do desenvolvimento
econômico do país, podendo esse pensamento também ser aplicado às outras esferas da
sociedade, ou seja, muito além da agricultura. Se com o manejo de técnicas modernas a
produtividade alcançaria patamares exponenciais, o mesmo procedimento pode ser
aplicado ao campo político e à administração pública. Neste aspecto, a praticidade e a
competência técnica têm consequência em qualquer esfera da vida.
Na história das relações da instituição com o poder, grandes benefícios foram
conquistados com os políticos liberais à frente do governo estadual. Em grande parte,
isso se deveu à própria aproximação dos dirigentes universitários a Arthur Bernardes e
seu herdeiro político, Arthur Bernardes Filho, que facilitou o lobby político no poder
legislativo em prol da instituição. No capítulo 1, foi analisado o processo de
transformação da ESAV em Universidade. No site oficial da UFV, tanto o governador
quanto seu secretário da agricultura são saudados pelo êxito em transformar a antiga
Escola em Universidade:

A ESAV deve ao empenho do Governador Milton Campos sua transformação


em Universidade Rural do Estado de Minas Gerais – UREMG, por quem não
166

mediu esforços, juntamente com seus secretários Magalhães Pinto e Américo


René Giannetti251.

No governo de outro udenista com grande interlocução com a UREMG, José


Magalhães Pinto (1961-1965) também contribuiu com as aspirações dos dirigentes
universitários. Entre os aspectos mais relevantes, o governador colaborou com o
fortalecimento do Convênio Purdue-UREMG e assinou o decreto que organizou o novo
estatuto da universidade. Como agradecimento à colaboração do governante, em 1965,
Magalhães Pinto recebeu o título de “doutor honoris causa” e benemérito da
universidade.
A presença de políticos da Arena na Universidade também reforça o argumento
aqui desenvolvido de que havia uma matriz política comum que aproximou a direção da
instituição do regime. Em 1976, a ARENA atuou em vários municípios do país para
angariar mais aliados. Segundo O Globo, “a grande luta do partido é a arregimentação
de jovens e trabalhadores”252. Naquele ano, a UFV recebeu líderes da ARENA que
faziam uma visita à região, que, de acordo com o UFV Informa, “assistiram a uma
projeção de slides sonorizados sobre a UFV, seguindo-se uma exposição do reitor sobre
os planos de desenvolvimento da instituição. Os visitantes fizeram perguntas e
elogiaram os trabalhos que aqui se desenvolviam253.
Outro episódio característico da afinidade da instituição com a ditadura refere-se
à visita do então ex-presidente Médici à UFV, que será mais bem detalhada neste
capítulo. Foi montada uma verdadeira comitiva da universidade para convencer o
general a discursar na instituição. Na verdade, a própria rede de contatos que foi
acionada para organizar o evento de homenagem à Garrastazu Médici já aponta a
ligação dos dirigentes da universidade com políticos da Arena e representantes da classe
produtora. De acordo com o jornal O Globo,

O ex-presidente Emílio Garrastazu Médici aceitou ontem o convite, feito por


uma comissão chefiada pelo Senador Arthur Bernardes Filho, para participar
das comemorações do cinquentenário da Universidade Rural de Viçosa (...)
integraram a comissão - que visitou Médici em sua casa – o presidente do
Sindicato Rural de Viçosa, Arlindo Gonçalves, o representante da Federação da
Agricultura de Minas Gerais, Moacir Lobato, o reitor da Universidade Rural de
Viçosa, professor Antônio Fagundes, o deputado Ciro Maciel e os

251
Extraído de http://www.personagens.ufv.br: 29/02/2018.
252
O Globo, 23 de abril de 1976.
253
UFV Informa, 29 de abril de 1976. ACH/UFV.
167

representantes do Diretório Central dos Estudantes da UFV254, Jussara


Augusta Silva e Francisco Assis Garcia255.

Na ocasião do evento, o ex-presidente foi homenageado com um monumento


erigido na entrada da universidade, em agradecimento ao Funrural, episódio que será
narrado logo adiante.
Diante do exposto, a UFV como instituição buscou aproximar-se do poder como
estratégia de ganho acadêmico. Somado a essa faceta, a afinidade com políticos liberais
que trouxeram dividendos para a universidade também contribuiu para a formação de
uma matriz política que naturalizou a relação da universidade com o regime militar.

3.4 Saudação à “revolução”, aos militares e seus aliados


Neste tópico, serão analisadas de forma mais aprofundada as conexões políticas
estabelecidas com o governo estadual e federal no contexto ditatorial. Em retribuição às
conquistas para a instituição na vigência desses governos, os militares e seus aliados
foram homenageados na UREMG/UFV em diferentes ocasiões.
No capítulo anterior, foi analisada a relação entre a UREMG e o governo de José
Magalhães Pinto, que se tornou um dos líderes do partido da ditadura. Como entusiasta
da aproximação entre o Brasil e os Estados Unidos, o governador udenista contribuiu
para que o convênio Purdue-Viçosa tivesse fluidez operacional nos anos que se
seguiram a seu mandato. Esse foi o período de maior estabilidade financeira da
instituição, com envio regulares dos recursos estatais e bastante cooperação entre o
campo científico e as lideranças políticas. De acordo com o Informativo UREMG, “à
universidade, por isso mesmo, não tem faltado o apoio político e financeiro do governo
mineiro, nem o reconhecimento público, tanto nacional como internacional” 256. Nas
reuniões com técnicos e cientistas americanos, Magalhães Pinto esteve presente sempre
a favor de ampla inserção de recursos oriundos de instituições internacionais.
Além disso, em seu governo, houve o pontapé inicial para a aprovação do novo
estatuto da universidade, considerado por seus dirigentes um marco nas relações entre a
academia e o poder político. Dessa forma, por meio da lei assinada no dia 16 de outubro

254
A presença de representantes do DCE na comissão que visitou o presidente Médici pode ser
questionada. Provavelmente os estudantes presentes não pertenciam ao DCE, mas, sim, eram estudantes
simpáticos ao regime. No contexto da visita do general, o movimento estudantil ufviano estava
inteiramente envolvido com a luta contra a ditadura.
255
O Globo, 9 de junho de 1976.
256
Informativo UREMG. 5 de junho de 1965. ACH/UFV.
168

de 1964, a UREMG foi reorganizada 257. Em complemento à legislação citada, o


governador assinou um decreto em 1965 que dispôs sobre a organização da
Universidade, de forma a estruturar o novo estatuto.
Mas afinal, quais foram as mudanças implementadas por essa legislação? A
autonomia institucional, elemento extremamente cobiçado entre as lideranças das
universidades públicas, foi interpretada pela reitoria como o maior ganho da
reorganização da universidade. De acordo com a ata do Conselho Universitário, a
UREMG passou a ser uma “entidade autárquica, com personalidade jurídica de direito
público”258. Como desdobramento, o reitor, em explicação ao Conselho, argumentou
que as vantagens da nova legislação correspondem à mudança “na dependência da
UREMG, apenas ao chefe do executivo, retirando a interferência do poder legislativo
nos assuntos atinentes à instituição, exceção feita daqueles dependentes de lei
constitutiva”259. Sendo assim, regulada por esse dispositivo da lei, a universidade
compôs seu novo estatuto. Na prática, a lei ofereceu os subsídios para a composição de
sua estrutura administrativa e financeira. Foi possível, por exemplo, a organização da
universidade por meio da reitoria e conselho universitário, conselho de diretores e
departamentos.
O telegrama de agradecimento do reitor ao governador pela transformação da
universidade foi divulgado no Informativo UREMG. De acordo com o jornal, o reitor
Edson Potsch declarou que “a nenhum outro governo deve a UREMG tantos benefícios
quanto os que a ela tem conferido o fecundo governo de Vossa Excelência” 260. Dessa
forma, gratos por esse espírito de cooperação entre o governo mineiro e a universidade,
o Conselho Universitário aprovou a concessão do título de doutor honoris causa e
também o diploma de benemérito da Universidade. De acordo com a ata do conselho, a
honraria significava uma “Homenagem ao governador Magalhães Pinto pelo seu firme
propósito manifestado no sentido de uma aprovação prévia da autonomia desta
universidade”261. O evento foi documentado pelo Informativo UREMG. Além da ilustre
presença do político homenageado, nessa ocasião a universidade recebeu não apenas
membros de toda a comunidade acadêmica, mas também populares. Como

257
Na verdade, a Lei 3.212 de 1964 instituiu a reestruturação dos cargos do serviço civil do Poder
Executivo. Porém, no art. 198, a reestruturação da Universidade Rural é prevista.
258
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 111/1965.
259
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 112/1965.
260
Informativo UREMG. 4 de fevereiro de 1965. ACH/UFV.
261
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 106/1964.
169

complemento, o governador também foi convidado pelos estudantes a paraninfar na


formatura de dezembro de 1964. Infelizmente, os discursos proferidos por Magalhães
Pinto não foram publicados.
Além da aproximação com determinados políticos, outro caráter marcante da
adesão da Universidade à ditadura é a comemoração da “revolução”. Em 1973, a UFV
comemorou o 9º aniversário do golpe militar, neste caso, denominado de “Revolução de
1964”. Por meio da documentação consultada, não foram encontrados outros indícios de
efemérides da “revolução” na universidade. Dessa forma, ficaria difícil afirmar se isso
era uma programação anual ou se 1973 realmente foi uma exceção. Dias antes da
comemoração, o ministro da educação Jarbas Passarinho visitou a universidade em
viagem oficial. A presença do militar poderia, de alguma forma, ter contribuído para o
evento, talvez para impressionar o ministro com o planejamento da celebração à
“revolução” que, neste caso, teria várias programações durante o mês de março:

Comemorando o 9ª aniversário da Revolução de 1964, a Universidade Federal


de Viçosa fez realizar um programa alusivo à data e que teve início dia 31 de
março do corrente mês. Houve o hasteamento das bandeiras do Brasil, pelo
vice-reitor, prof. Renato Sant´Anna, atualmente em função de reitor. E a de
Minas Gerais foi hasteada pelo Diretor da ESA, prof. José Brandão Fonseca, e
da UFV, pelo acadêmico Gerson Luis Renan. A seguir, o prof. Guy Capdeville
proferiu palavras alusivas ao acontecimento, enaltecendo o que representavam
as comemorações do 9º aniversário da Revolução262.

Certamente, o ponto alto da comemoração da “revolução” está no seu caráter


pedagógico e proselitista. Muito mais que mera formalidade, a instituição deixou
marcado, por meio da fala do Prof. G. Capdeville, o lugar ocupado pela ditadura na
universidade. Somado a isso, a participação da comunidade universitária foi expressiva,
com a presença de representantes dos estudantes e professores.
Na UFV, o hábito de homenagear militares e seus aliados cresceu fortemente na
década de 1970. O primeiro deles, o ministro da educação Jarbas Passarinho, visitou a
universidade e conduziu a aula magna da instituição no ano de 1970. Como primeiro
ministro da educação a visitar a UFV, Passarinho foi recebido com muita pompa pela
instituição. De acordo com o UFV Informa, após “haver sido saudado pelo reitor da
UFV, o ministro Passarinho proferiu aplaudida e oportuna conferência” 263. Entre as
diversas obras inauguradas no campus, o militar se impressionou com a estrutura da

262
UFV Informa, 15 de abril de 1973. ACH/UFV.
263
UFV Informa. 25 de novembro de 1970. ACH/UFV.
170

universidade e declarou “ser de justiça o empenho do MEC no sentido de fortalecer e


desenvolver a universidade. Como ‘campus universitário’, sua excelência considerou o
de Viçosa como raro de se encontrar no Brasil” 264.
Em 1973, o general retornou à instituição e novamente discursou para o meio
acadêmico. A presença do ministro foi bastante valorizada pela reitoria, que aproveitou
o ensejo para convidar toda a comunidade viçosense para prestigiar o evento:

A fim de homenagear condignamente o sr. ministro e sua digníssima comitiva,


a UFV tem a satisfação de convidar as autoridades e toda sociedade viçosense
e os integrantes das diferentes unidades acadêmicas e divisões da Universidade
para a recepção do Sr. Ministro, no campo de pouso, e assistirem a aula
inaugural, que será proferida no ginásio da UFV265.

Embora houvesse entusiasmo por parte da direção da universidade, um forte


esquema de segurança foi montado para acompanhar a chegada do ministro. No seu
desembarque no pequeno aeroporto de Viçosa, duas viaturas foram à frente do carro que
conduzia o coronel, juntamente com motocicletas da polícia militar, uma viatura e dois
carros da polícia federal. Durante o evento, o ministro se reuniu com professores e
estudantes, que debateram com Passarinho e apresentaram reivindicações. À noite, o
ministro lecionou a aula magna e, em seguida, recebeu o título de Doutor Honoris
Causa. Apesar de todo esquema de segurança, nenhum problema foi relatado pelos
policiais envolvidos266, ou seja, a oposição esperada não marcou presença no evento.
O reitor argumentou a razão maior pela honraria concedida ao coronel. Segundo
ele, “a UFV, ao homenagear o visitante, o fazia pela sua relevante contribuição dada ao
ensino do seu país”267. Em complemento, o comentário do jornal sobre a visita do
ministro incluiu um tributo à própria “revolução”:

Sem a educação, não é possível o desenvolvimento. Sem o ensino


profissionalizante, não é possível o desenvolvimento. Ao publicar esta edição
especial, comemorativa da visita de Jarbas Passarinho à Universidade Federal
de Viçosa, este jornal quer inscrever seu nome ao lado de Humberto de
Alencar Castelo Branco, Arthur da Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici,
para que os séculos futuros rendam homenagens àqueles que, efetivamente,
estabeleceram uma nova era no desenvolvimento do Brasil268.

264
Ibidem.
265
UFV Informa. 18 de janeiro de 1973. ACH/UFV.
266
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 6.
267
UFV Informa. 18 de janeiro de 1973. ACH/UFV.
268
Ibidem.
171

A declaração acima aponta que a convergência da universidade em relação ao


regime autoritário estava conectada a uma visão específica de desenvolvimento
econômico. A modernização da agricultura e sua integração ao setor secundário da
economia valorizavam grandemente a produção científica aplicada ao campo, o que
agradava muito aos cientistas. Porém, além disso, havia uma matriz política que
também reforçava a adesão à ditadura. No discurso do periódico, o desenvolvimento
econômico no Brasil alcançava um nível jamais visto, e os grandes responsáveis por
esse crescimento eram os militares, nominados um a um pelo jornal.
No rol dos homenageados pela Universidade, o governador arenista Aureliano
Chaves e o ministro da educação Ney Braga igualmente receberam o título de doutor
honoris causa, no ano de 1976. Antes da honraria propriamente dita, ambos foram
escolhidos como paraninfos, respectivamente, das formaturas de agosto e dezembro de
1975. A participação na solenidade de formatura foi iniciativa dos próprios alunos, de
acordo com as atas do Conselho Universitário. Não sabemos se houve alguma dissensão
em torno da escolha desses dois nomes. O certo é que, mesmo que o movimento
estudantil da UFV atuasse como oposição à ditadura, não pode ser ignorado o papel
desempenhado pelos alunos não alinhados com as ideias de esquerda. O peso na escolha
de lideranças políticas da ditadura mostra que a oposição no meio estudantil da UFV
ainda não havia se fortalecido o suficiente nos primeiros anos da década de 1970.
Em seu discurso, o ministro da educação não poupou elogios à instituição,
sempre propalando sua vocação agrária e sua oportuna contribuição no desenvolvimento
econômico do país. Junto a isso, Braga reconheceu nos convênios internacionais
firmados na universidade um elemento de destaque. Segundo ele, “Nacionalismo não é
xenofobia. A cooperação estrangeira, quando ajustada aos nossos objetivos e planos,
muitas vezes, é oportuna”269.
A cerimônia de formatura de agosto de 1975 foi diferente das outras. Além da
colação de grau, o deputado federal da ARENA, José Bonifácio Lafayette de Andrada,
também recebeu o título de doutor honoris causa. Ney Braga paraninfou a turma de
formandos e assistiu à cerimônia que honrou o deputado citado. Infelizmente, a
documentação disponível não contém os discursos publicados. De qualquer forma,
outro dado importante caracteriza a formatura de agosto de 1975 como excepcional.
Além dos homenageados ligados à ditadura, o prefeito de Viçosa, Antônio Chequer, do

269
UFV Informa. 9 de setembro de 1976. ACH/UFV.
172

MDB, também recebeu honras dos formandos. Conforme será visto no próximo
capítulo, Chequer era considerado perigoso pelos órgãos de investigação, o prefeito
emedebista se aproximou do movimento estudantil para, além de promover sua gestão
na cidade, fazer oposição ao partido do regime militar. O paradoxo dessas homenagens
é a manutenção da homenagem aos militares e seus aliados e, ao mesmo tempo, a
inclusão da oposição ao regime nas comemorações.
Já na formatura de dezembro de 1975, Aureliano Chaves se apresentou aos
formandos de maneira extremamente cordial e familiar, denominando-os de “meus
afilhados”. Com palavras cheias de elogios à Universidade Federal de Viçosa e sua
missão de contribuir com o aumento da produtividade na agropecuária, o político
mineiro afirmou que conseguiu alavancar o papel da agricultura em seu governo.
Consequentemente, os futuros profissionais ali formados teriam grandes
responsabilidades na condução do país ao sucesso:

Ao produzir mais alimentos para satisfazer as necessidades regionais, estaduais


ou nacionais, estareis liberando as regiões e os estados e a nação dos encargos
da importação. Nesse contexto, é lícito admitir ainda que, segundo as
condições da conjuntura, estareis favorecendo as exportações 270.

O discurso do orador da turma não poderia ser diferente. O estudante apresentou


o “currículo vencedor” do governador Aureliano Chaves 271 e, acima de tudo, apontou a
importância dele para a política mineira:

Em 1974, foi indicado pelo presidente da república ao governo do Estado de


Minas Gerais, tomando posse aos 15 dias de março deste ano. Da data de sua
posse até o dia de hoje, quantas realizações! O governador Aureliano Chaves
marca indelevelmente os postos por onde passa o brilho invulgar de sua
inteligência com a atração irresistível de sua bondade. Traz o governador a
tenacidade e a coragem. Minas tem o que há muito tempo pedia: o governador
Aureliano Chaves272.

Na mesma linha de pensamento, o reitor Antônio Fagundes de Sousa


complementou a fala do estudante e exaltou o caráter político de governador:

270
UFV Informa. 19 de dezembro de 1975. ACH/UFV.
271
Em agosto de 1975, o governador Aureliano Chaves esteve na UFV em virtude da comemoração do
centenário do nascimento de Arthur Bernardes. Pouco tempo depois, ele fora convidado como paraninfo
dos formandos de dezembro de 1975, o governador aceitou o convite e novamente compareceu à
Universidade. Essa atitude deixou a universidade bastante prestigiada, conforme acentuou o orador da
turma em seu discurso.
272
UFV Informa. 19 de dezembro de 1975. ACH/UFV.
173

Se o nosso mundo é a universidade, o seu mundo é o grande estado de Minas


com sua significação e importância nos negócios do país. Mas, graças a Deus,
Vossa Excelência, com seu dinamismo e devotamento à causa pública e
descortínio político, tem mantido nosso Estado, com destaque e merecimento,
na vanguarda política nacional (...)273

Entre as celebrações e homenagens aos militares, nenhuma recebeu maior


atenção que a presença de Emilio Garrastazu Médici em Viçosa, em 1976. O convite ao
militar foi feito pela Universidade e pela Federação dos Ruralistas. O objetivo era
comemorar a criação do Fundo de Assistência e Previdência ao Trabalhador Rural
(Funrural) juntamente com o aniversário de 50 anos da UFV. Além disso, Médici
também foi condecorado como cidadão honorário de Viçosa. De acordo com a Revista
Veja274, até os vereadores do MDB votaram juntamente com a ARENA pela honraria ao
general. O militar visitou as instalações da universidade, participou da 37ª Semana do
Fazendeiro, reuniu-se com ruralistas e acadêmicos e, enfim, discursou conforme foi
programado. A repercussão do evento em Viçosa chamou a atenção da imprensa
nacional, simplesmente porque o discurso do então ex-presidente foi considerado
bastante inapropriado diante do início da distensão do regime autoritário.
O ambiente da cidade estava bastante propício para a apresentação do ex-
presidente. De acordo com a Revista Veja, quatrocentos lavradores idosos sentaram-se
nas fileiras da frente para ouvir a mensagem do general. Todos eles estavam bem
vestidos, exibindo “perfumados cravos vermelhos de lapelas (uma lembrança dos
símbolos das campanhas políticas de Artur Bernardes) (...) para assistir no meio de
outros 3000 populares, aos discursos pronunciados na ocasião”275. No ritual de
apresentação do ex-presidente, “erguiam várias vezes os olhos para fixar o auditório,
que também várias vezes interrompeu sua leitura com aplausos”276.
O apoio dado a Médici, representado pela presença de diversos populares na
universidade, elucida o sucesso do regime militar em criar um canal comunicativo com
o homem do campo. O trabalho de Gustavo Alonso sobre as populações rurais no
contexto da ditadura delineia a exaltação do regime por meio das canções no período do
“milagre econômico”. Direitos que até então eram inexistentes passaram a fazer parte da
vida de milhares de brasileiros. Com o processo de modernização do campo, as
populações campesinas ganharam status de relativa importância para o Estado. Segundo

273
Ibidem.
274
Revista Veja. Ed 411, 21 de julho de 1976 p. 20.
275
Ibidem.
276
Ibidem.
174

Alonso, essa possibilidade de transformação do agricultor em um consumidor agradou


os sertanejos. A associação da capitalização do campo com a presença do Estado no
meio rural gerava otimismo na população que vivia na zona rural. Dessa forma, “pela
primeira vez, os camponeses eram contemplados juridicamente com leis que os
beneficiavam com uma justiça que estava além da alçada direta do patrão” (ALONSO,
2014, p. 98). Isso resultou na estatização de serviços legais e jurídicos aos agricultores,
o que possibilitou mudanças nas relações sociais tradicionais de hierarquia rural
(ALONSO, 2014, p. 98).
Poderia ser questionado se o apoio do camponês ao governo Médici não seria
uma demonstração de alienação das classes populares diante do Estado. Para Alonso,
essa questão vai muito além da ideologia. O camponês também pensa por si próprio e,
portanto, é capaz de fazer suas escolhas de forma racional e consciente. Dessa forma,
“grande parte do apoio do homem do campo à ditadura também se deve ao
reconhecimento não apenas de direitos sociais, mas, sobretudo, ao reconhecimento
social e simbólico dos camponeses” (ALONSO, 2014, p. 100). Obviamente, conforme
já foi acentuado no segundo capítulo desta tese, o processo de modernização da
agricultura no Brasil foi incompleto e acentuou a desigualdade regional no país. Porém,
para uma população que pouco tinha em relação a políticas públicas aplicadas ao meio
rural, qualquer mudança, ainda que pequena, fazia diferença. E o tributo dado ao
presidente Médici relaciona-se diretamente a isso.
Na imprensa universitária, a presença do general também foi ressaltada. O UFV
Informa divulgou a fala do presidente do Sindicato dos Ruralistas de Viçosa, que ajudou
a organizar o evento. De acordo com o ruralista, “essa é a primeira manifestação pública
de agradecimento ao Funrural, no país” 277. O presidente do sindicato ainda comparou o
Funrural à Lei Áurea, pois, “se esta trouxe liberdade para muitos, aquela ampliou esta
libertação para milhares de sofredores que passaram a receber uma assistência e um
amparo social que nunca tiveram antes do governo da Revolução” 278.
Aclamado por grande parte da comunidade acadêmica e por milhares de
populares que acompanharam o discurso do ex-presidente, Médici lamentou os rumos
do país após sua saída do comando geral da nação. A distensão política, ainda que
distante de uma abertura propriamente dita, incomodava o general, a ponto de declarar

277
UFV Informa. 1º de junho de 1976. ACH/UFV.
278
Ibidem.
175

seu descontentamento com aqueles que ele denominou de “arautos inconsequentes do


liberalismo”. No argumento de Médici, em nome das liberdades individuais os
subversivos poderiam derrotar os ganhos trazidos com a “revolução”:

Não veem, entretanto, na sua miopia política, os arautos inconsequentes do


liberalismo que se, cavaria por essa forma a ruína total e irremediável daquilo
em cuja defesa se empenham. Na luta contra a onda subversiva, o que se tem
em mira, exatamente, é a preservação da autonomia individual (...)279.

Parte da imprensa criticou duramente o posicionamento de Médici. Segundo a


Folha de S. Paulo,

(...) esperava-se, porém, que o ex-presidente, sem outras preocupações, e mais


perto, agora da opinião pública, fizesse sua autocrítica e que esta não o levasse,
de novo, a contradizer seu discurso de posse nem parecer opor-se à marcha
natural da distensão280.

Na mesma edição do jornal citado, outro autor acusa o discurso de Médici como
antiliberal: “É uma peça antiliberal que jamais um ex-presidente da república,
excetuando Jânio Quadros com sua despudorada entrevista de incensamento à ditadura,
ousou pronunciar. Apenas um monarca destronado endossaria tais teses absolutistas” 281.
Em outra matéria do mesmo jornal, o autor chegou a afirmar que o “ discurso e a
tentativa de ‘reentrée’, na vida política do ex-presidente G. Médici, ocorridos há 15 dias
em Viçosa, mereceram da imprensa a mais salutar repulsa” 282.
Se o discurso do general causou polêmica na imprensa, no campo político nada
mudou. O ministro Armando Falcão declarou à imprensa que a fala do ex-presidente
“foi o discurso de um revolucionário em dia com a Revolução 283. O então governador
de Minas Gerais, Aureliano Chaves, também defendeu o ex-presidente. De acordo com
a Folha de S. Paulo, “indagado na ocasião sobre o que achava do recente discurso do
ex-presidente Médici em Viçosa, quando criticou o liberalismo, Aureliano Chaves, tido
como um liberal, respondeu: ‘Foi um pronunciamento sintonizado com a
Revolução’”284. Em Viçosa, o prefeito Antônio Chequer (MDB) não viu problemas na
presença do ex-presidente na cidade. Pelo contrário, ele preferiu encarar a festa como

279
Discurso de Médici. Anais da Câmara dos deputados, 1976.
280
Folha de S. Paulo, 18 de julho de 1976, p. 2
281
Ibidem.
282
Folha de S. Paulo, 01 de agosto de 1976, p. 10.
283
Folha de S. Paulo, 20 de julho de 1976, p. 4.
284
Folha de S. Paulo, 24 de julho de 1976, p. 3.
176

um esforço para vitalizar eleitoralmente a ARENA do município e alavancar a disputa


eleitoral. De acordo com o Chequer, “temos 90% dos eleitores da universidade” 285. De
modo semelhante, o professor da UFV Mauro Roberto Martinho, candidato arenista a
prefeito, declarou: “É claro que esta festança vai acabar ajudando muito a gente” 286.
Se no âmbito político o discurso de Médici provocou críticas por parte da
oposição, no tocante à agricultura, sua fala estava completamente sintonizada com a
UFV. Defensor da modernização da agricultura, o ex-presidente atingiu em cheio a
expectativa do público presente no evento comemorativo na universidade. Neste
aspecto, o general ressaltou a centralidade da política agrícola para o regime político dos
militares, para ordenar “[...] de modo racional e científico as providências destinadas a
transformar a sociedade rural com o fim último de oferecer aos trabalhadores condições
de vida que os salvem das angústias do subemprego [...]”287. Também, como convidado
tanto pela universidade quanto pela federação dos ruralistas, Médici ressaltou que a
convergência entre os ruralistas e o campo, o que ele chamou de “grande instituto de
ensino”, resulta numa “reiteração da advertência de que entre o desenvolvimento
agrícola e o ensino rural existe uma correlação incindível, de tal sorte que um é, no
mesmo tempo, causa e efeito do outro”288.
A participação de Médici no evento comemorativo dos 50 anos da UFV não caiu
no esquecimento. Sua presença redundou na confecção de uma placa em um
monumento construído bem na entrada da universidade, o chamado Marco de
Integração. Esse monumento foi criado em 1971. Porém, em virtude da presença do ex-
presidente, o monumento foi aproveitado para homenagear o general. Como gratidão
pela criação do Funrural, o sindicato dos ruralistas e a UFV buscaram eternizar a
relação profícua entre o ditador e o setor agrícola. Somado a isso, o monumento torna-se
evidência escancarada do canal de interlocução entre o regime autoritário e a
Universidade.
Figura 2: Marco da integração

285
Revista Veja. Ed 411, 21 de julho de 1976 p. 20.
286
Ibidem.
287
Folha de S. Paulo, 24 de julho de 1976, p. 3.
288
Ibidem.
177

Fonte: acervo do autor.

Figura 3: Marco da Integração - Testemunho da amizade entre a Universidade Federal e a cidade de


Viçosa (1971)

Fonte: acervo do autor.


178

Figura 4: Placa fixada no monumento289

Fonte: acervo do autor

No mesmo ano de 1976, o presidente Ernesto Geisel também foi convidado para
visitar a UFV. Ainda como parte das comemorações do cinquentenário da instituição, a
presença de Geisel era esperada em agradecimento pela assinatura da lei que modificou
a situação trabalhista dos professores e servidores da UFV. Embora a UREMG tivesse
sido federalizada em 1969, diversos profissionais ainda permaneciam como servidores
do estado de Minas Gerais. A lei sancionada pelo presidente Geisel permitiu que eles
fossem integrados como trabalhadores da União. De acordo com o jornal UFV Informa,
foi afixada, também no Marco da Integração – no mesmo monumento que homenageou
o presidente Médici – uma placa de “gratidão e reconhecimento, com a qual os
funcionários e outras autoridades do seu governo, pelos benefícios da lei nº 6315
(...)”290. No entanto, o presidente não pôde participar do evento na universidade,
mandando o ministro Ney Braga como seu representante, que, por sua vez, conforme
mencionado anteriormente, foi condecorado com o título de doutor honoris causa pela
UFV.

289
“Ao Funrural na pessoa do seu ilustre criador, ex-presidente Emílio Garrastazu Médici, na pessoa de
seu consolidador, eminente presidente Ernesto Geisel, esta homenagem de gratidão e reconhecimento do
homem do campo, que se estende, também, a todos os que contribuíram de qualquer forma para a
implantação da previdência e assistência social rural no Brasil. Viçosa, 15/07/1976”.
290
UFV Informa. 8 de julho de 1976. ACH/UFV.
179

É patente no repertório político brasileiro a contínua personalização do poder. A


associação constante entre o indivíduo que sancionou a legislação esconde os embates
que estavam por trás de todo esse movimento. Na verdade, desde a federalização da
UREMG, os docentes lutaram pela categoria diante do longo processo de federalização,
conforme será analisado em momento oportuno ainda neste capítulo. Foram feitas
dezenas de reuniões com autoridades do governo estadual e federal para a completa
federalização da universidade, sem oferecer prejuízos para os servidores. Dessa forma, a
promulgação da lei não pode ser considerada um ato de benevolência do presidente para
com a população, pelo contrário, a lei só foi sancionada por meio de negociações com a
comunidade acadêmica.

3.5 A repressão política na UFV e a ASI


Portanto, a adesão à ditadura foi vivenciada na Universidade Federal de Viçosa
de diferentes formas. Seja por homenagens aos militares ou pela exaltação ao modelo de
modernização da agricultura bancado pelo regime, tendo parte da instituição acolhido
positivamente os governos dos militares. Porém, além da convergência nos setores
econômicos e da política agrícola, a direção da universidade cooperou com o regime na
repressão à oposição.
De acordo com o relatório da CNV-MG, “na memória pública sobre a ditadura
militar no Brasil, prevalece o discurso de que os enfrentamentos entre comunidade
universitária e regime autoritário foram típicos dos grandes centros urbanos” (Comissão
da Verdade, 2017, p. 112). Pessoas ligadas à memória institucional da universidade
respaldam tal afirmação, de forma a negar que a repressão tenha existido nos limites da
UFV. A documentação existente no ACH poderia confirmar essa versão. Poucos são os
indícios de embates entre a comunidade universitária e as forças militares quando se
investiga apenas o arquivo da instituição. Isso nos levou a analisar outros documentos
que, de certa forma, negam a assertiva sobre a calmaria na comunidade ufeviana.
Nos parágrafos a seguir, serão analisadas como a repressão foi operacionalizada
na UFV e como as diferentes formas de luta contra a ditadura foram empreendidas pelos
estudantes e reprimidas pelas forças policiais. Em especial, o desempenho da Assessoria
de Segurança e Informação (ASI-UFV), chefiada pelo Coronel José Ferreira de Aguiar,
criou uma ponte entre os órgãos de segurança e a instituição, ainda que essa relação
fosse marcada por paradoxos. Aguiar era um militar reformado que assumiu a ASI-UFV
em 1971, ou seja, no seu ano de criação. Durante todo período de vigência do órgão, o
180

coronel prosseguiu no cargo. Na década de 1980, Aguiar permaneceu como servidor da


universidade como assessor de segurança patrimonial e comunitária.
Para exemplificar a atuação do aparato repressivo, vale destacar um conflito
entre os estudantes e os policiais de Viçosa, que marcou a progressão dos confrontos na
UFV. Realizada em 16 de abril de 1966, a Marcha Nico Lopes, chamada também de
“Trote aos Calouros”, movimentou centenas de estudantes no campus da UREMG. A
delegacia de polícia de Viçosa elaborou um relatório do evento endereçado à Secretaria
de Segurança Pública do Estado com o objetivo de detalhar para os órgãos de
investigação todas as minúcias ocorridas entre os estudantes.
Os estudantes levaram para a delegacia, conforme aponta o relatório, um ofício
solicitando autorização para o evento. O documento foi assinado pelos representantes de
cada Diretório Acadêmico, neste caso, o Diretório da Economia Doméstica, Escola de
Agronomia e Escola Superior de Florestas. O delegado respondeu aos solicitantes que a
autorização do evento, que ocorreria no dia seguinte à solicitação, só seria concedida se
os estudantes mostrassem os cartazes que estavam sendo confeccionados. A razão para
isso foi explicada pelo delegado. Segundo ele, a inspeção era para “evitar qualquer
manifestação que contrariasse os princípios da autoridade e principalmente aos ideais da
revolução”291. Os estudantes, no entanto, pediram um tempo para as autoridades
presentes para apresentar essa ideia aos demais organizadores da passeata.
No relatório, o delegado mostrou bastante preocupação com o possível teor dos
cartazes. Prevendo o pior, ele cogitou solicitar a colaboração da delegacia de polícia do
município vizinho, a saber, da cidade de Teixeiras. Enfim, os policiais então se
dirigiram para a universidade a fim de analisar os cartazes produzidos pelos estudantes.
Dos 150 cartazes produzidos, o delegado separou 40, que “eram inconvenientes à
exibição, uma vez que era pesados e mesmo subversivos” 292. Sendo assim, a passeata só
estaria aprovada se os 40 cartazes fossem retirados pelos estudantes. Os estudantes
tentaram argumentar com os policiais que não havia nenhum problema com aqueles
cartazes, mas tudo foi sem sucesso.
No dia seguinte, os estudantes convidaram novamente o delegado e os policiais
do município para observar os cartazes na tentativa de persuadi-los a autorizar a
passeata. Junto aos alunos, um professor da instituição reforçou o pedido à força

291
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 17.
292
Ibidem.
181

policial, que, a despeito da presença do docente, reforçou o descontentamento com o


caráter supostamente subversivo dos cartazes. Os estudantes disseram, segundo
relatório, “[...] que os cartazes eram simples e não continuam nada demais, e que suas
opiniões correspondiam com a verdade do momento”293. Dessa forma, os estudantes
quiseram saber o que aconteceria se eles saíssem em passeata carregando os tais
cartazes. A resposta do delegado merece ser exposta aqui:

“A polícia tem por hábito agir com moderação e de acordo com a necessidade
do momento. Disse mais que não impediria a saída dos cartazes, desde que a
pessoa interessada pela sua saída se responsabilizasse, antecipadamente, por
escrito, a fim de que se depois de eles serem submetidos à consideração dos
órgãos competentes (censores) e fossem considerados subversivos, os
responsáveis responderiam a inquérito, ou quem sabe, até mesmo a
I.P.M”294.

Os estudantes saíram da reunião sem declarar se usariam ou não os cartazes na


Nico Lopes. De qualquer forma, o delegado enviou dez policiais militares para o local
onde os estudantes chegariam na praça da cidade. De acordo com o relatório, os
estudantes se reuniram em assembleia para decidir se usariam ou não os cartazes. Diante
do impasse, grande parte dos presentes foi a favor da retirada dos escritos considerados
inadequados. Porém estudantes vindos de Belo Horizonte como representantes da UEE
“inflamaram os estudantes viçosenses, a fim de que saíssem às ruas com os cartazes,
mesmo os censurados, apesar de saberem da proibição por parte da polícia” 295.
Na praça da cidade, enquanto os policiais aguardavam a chegada dos alunos, o
diretor da Escola de Agronomia juntamente com o estudante Paulo Romano e um
jornalista de Belo Horizonte do Jornal Última Hora anunciaram que a Marcha Nico
Lopes estava em funcionamento com os ditos cartazes. Na avaliação dos policiais, seria
impossível conter o fluxo de pessoas que se dirigiam em marcha para a praça da cidade,
uma vez que a estimativa de estudantes era de 1200, sendo que desses, 200 eram
calouros, que, por sinal, carregavam os cartazes.
De fato, a estratégia dos estudantes de colocar a opinião pública contra os
militares surtiu algum efeito. No dia marcado para acorrer o evento, já estava estampada
nas páginas do jornal Correio da Manhã as ameaças contra a Marcha Nico Lopes. De
alguma forma, isso pode ter influenciado pela decisão da força policial em não reagir à

293
Ibidem.
294
Ibidem.
295
Ibidem.
182

ousadia estudantil de carregar todo aquele material considerado subversivo. De acordo


com o jornal citado:

Os alunos da UREMG, sediada em Viçosa, procuraram ontem a Sucursal do


Correio da Manhã, através de um enviado especial, para entregar uma denúncia
do delegado de polícia local, que está ameaçando impedir hoje a tradicional
passeata dos calouros, que se realiza ininterruptamente desde 1939296.

Em 1967 ocorreu a última Marcha Nico Lopes da década. De acordo com o


relatório da polícia militar sobre o evento, “o governo mineiro bem como o federal
foram alvo de crítica e deboche por parte dos estudantes da UREMG” 297. O relato
prossegue com a afirmação que a Marcha foi uma grande “decepção para os assistentes,
porque vários estudantes se encontravam embriagados, havendo entre eles dois vestidos
de padre, além de palavras imorais proferidas, conduzindo ainda cartazes (...)”298. Além
disso, na narrativa policial, a Marcha Nico Lopes como evento estava decadente. De
acordo com o relatório, “nos anos anteriores esta marcha se realizou dentro de uma
disciplina sem que houvesse ofensa moral às autoridades e ao público” 299. O agravante
estava, obviamente, na relação dos estudantes com as ideias de esquerda, que, além de
estimular a rebeldia política, contribuiu com a dissolução moral, no perceptível excesso
de “alcoolismo e palavras imorais” 300.
Por esses motivos, em 1968, a Marcha Nico Lopes foi definitivamente proibida
no campus. Como se verá no capítulo 4, a última Marcha da década foi encerrada de
maneira trágica: com uma “invasão” policial no campus, fechamento dos diretórios
acadêmicos da universidade e punição de estudantes envolvidos na liderança do
movimento. Entre 1968 e 1976, nenhum outro incidente ou confronto entre estudantes e
os militares foi registrado.
No entanto, se, por um lado a repressão diminuiu, por outro, os olhares da
ditadura sobre a instituição e as táticas de vigilância foram aprimoradas, principalmente
com a criação das Assessorias Especiais de Segurança e Informação (AESI). Em
Viçosa, o órgão foi criado em 1971. Em todo seu contexto de funcionamento até a
década de 1980, o coronel José Ferreira de Aguiar esteve na direção da ASI. Na
universidade, não consta no Arquivo Histórico Central nenhum vestígio da

296
Correio da manhã. 16 de abril de 1966, p. 9.
297
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 34.
298
Ibidem.
299
Ibidem.
300
Ibidem.
183

documentação produzida pela Assessoria. Com a abertura pública da documentação


produzida pelo SNI e pela Polícia Federal, a partir de 2006, e com os trabalhos
realizados pelas Comissões da Verdade, foi possível recuperar, ainda que parcialmente,
alguns fragmentos do que foi produzido pelo Coronel durante esse tempo. No caso da
UFV, só foi possível encontrar e acessar essa documentação porque ofícios foram
enviados pela ASI/UFV a outros órgãos do Estado, seja para o Departamento da Polícia
Federal de Juiz de Fora, para o comando da Polícia Militar ou para ASIs de outras
instituições.
Esse caráter colaborativo entre órgãos de segurança possibilitou recuperar parte
da documentação. A informação produzida não era repassada apenas ao órgão superior,
neste caso, o DSI-MEC. Tanto a polícia militar quando a polícia federal recebia da ASI-
UFV os detalhes daquilo que era investigado pelo seu assessor. Dessa forma, o sistema
de informação abastecia os setores responsáveis pela operacionalização das ações
repressivas. Essa troca de correspondência entre os órgãos de informação permitiu que
analisássemos a vigilância sobre a UFV no contexto da ditadura. Afinal, qual foi o
conteúdo produzido pela ASI em Viçosa? Antes de desenvolver essa questão, faz-se
necessário entender o papel das ASI nas universidades.
Na concepção de Rodrigo Motta, a criação de órgãos de informação e segurança
nas instituições públicas, neste caso incluindo as universidades, está relacionada com os
desdobramentos do AI-5. Após a onda de expurgos em 1969, foi identificado pela
cúpula militar que o trabalho preventivo para conter o crescimento da esquerda era
imprescindível. Mais do que reprimir e expurgar, também cabia ao Estado utilizar a
vigilância para antecipar qualquer movimento da oposição. De acordo com Motta,

(...) daí a ideia de criar assessorias de informação dentro das instituições de


ensino superior: elas seriam um “braço” do Sistema Nacional de Informações
(Sisni); funcionariam como uma espécie de correia de transmissão, fazendo
chegar determinações e pressões políticas provenientes dos escalões superiores;
e, ao mesmo tempo, vigiariam a comunidade universitária e os próprios
dirigentes, nem sempre fieis aos desígnios do regime militar (MOTTA, 2014,
p. 193).

No início do regime militar, em 1964, foi criado o Serviço Nacional de


Informações (SNI), com a missão óbvia de produzir informações para operacionalizar
medidas de repressão e combate aos inimigos da ordem nacional. À medida que o
regime se institucionalizava, a necessidade de sofisticar esse aparato investigativo foi
crescendo. Em 1967, o governo federal criou as Divisões de Segurança e Informações
184

(DSI), que coordenariam dentro dos ministérios ações para “assessorar os titulares dos
ministérios no processo de tomada de decisão e em questões de segurança” (MOTTA,
2014, p. 194). Justamente em 1971, foram criadas as AESI, subordinadas ao DSI-MEC,
que produziriam informações relevantes para seu órgão superior e, consequentemente,
para outras instâncias, caso fosse necessário. Mais importante do que assessorar os
reitores em suas decisões diárias, Motta reforça que o mais importante era “alimentar o
sistema de segurança e repressão” (MOTTA, 2014, p. 198).
Especificamente sobre o órgão investigativo na UFV, em uma correspondência
enviada para a AESI-UFMG, o assessor Cel. José Ferreira de Aguiar buscou
informações sobre um professor com caráter e ideias subversivas, que havia se formado
na UFMG. O mais curioso deste exemplo é que o indivíduo investigado não era docente
da UFV, mas, sim, da Faculdade de Ciências Contábeis de Ponte Nova, cidade próxima
a Viçosa. Na carta não há menções sobre como a Assessoria da UFV tinha autorização
para investigar profissionais de outras instituições:

Consta que o nominado, ocupante da cadeira de Sociologia da Faculdade de


Ciências Contábeis de Ponte Nova/MG, vem usando a cátedra para doutrinar
inocentes úteis. Temos conhecimento de fonte relativamente idônea de que é
sintomático seu comportamento com relação ao “Movimento de Março-64”,
visto que não raras vezes é pilhado em conversas informais com alunos do
educandário, demonstrando sua total insatisfação pelo regime atual301.

Esse caso é bastante curioso. As assessorias mantinham sob investigação a


contratação de novos professores nas universidades públicas, porém, nas instituições
privadas, o mais comum era o pedido de atestado de “bons antecedentes”, conforme
apurou Rodrigo Motta (2014).
Além dos docentes, a ASI-UFV buscou produzir informações sobre estudantes
suspeitos de subversão. Em 1976, um ofício da ASI-UFV enviado para a DSI-MEC e
para o DPF, relata um episódio de conflito na universidade. De acordo com o texto, seis
membros da Escola Superior de Guerra e cinco alunos foram para a Universidade
conhecer os trabalhos dos cursos de ciências agrárias. No entanto, um estudante da UFV
fixou “num quadro de avisos, fotos que procuravam de maneira absurda, denegrir a alta
reputação das Forças Armadas do Brasil” 302.

301
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB AT4 - Assessoria de Segurança e
Informações da Universidade Federal de Minas Gerais.
302
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB HE - Delegacia de Polícia Federal em
Juiz de Fora (Minas Gerais). Identificação: Movimento estudantil na UFV.
185

Certamente, pairava a desconfiança sobre a presença dos militares no campus,


ainda que, aparentemente, o objetivo da excursão dos membros da ESG fosse
acadêmico. Rodrigo Motta aponta que muitos militares se matriculavam nas
universidades. Com o objetivo de produzir informações, muitos deles se disfarçavam
entre os alunos. Outros se matricularam para “aumentar a influência da direita nas
universidades” (MOTTA, 2014, p. 204). Por isso não era incomum a discrição em
conversar determinados assuntos publicamente, devido à presença de agentes que
circulavam pelas instituições.
Isso explica a sátira do estudante contra os militares. Ainda de acordo com o
documento, esse foi um “gesto que se pode qualificar de inominável e muito
característico de quem almeja a subversão da ordem”. Além de identificar o autor da
charge, o assessor da ASI “apreendeu as imagens sem ser notado”. O estudante
responsável por essa façanha era desenhista de um jornal discente, O Bandejão. O
conteúdo do cartaz dizia o seguinte: “Briguento do aro e sua turma inspeciona a UFV;
Superior de Guerra que inspeciona a UFV; Conheça as facilidades para estudar na
Escola Superior de Guerra (ex-UFV)”303. E segundo o assessor, esse periódico “(...) tem
feito as mais violentas críticas aos dirigentes desta universidade, adotando a conhecida
técnica da desmoralização das autoridades constituídas, fazendo charges que constituem
verdadeiro acinte aos princípios da moral” 304.
A ASI-UFV também produziu informações sobre um episódio de confronto
entre estudantes e policiais militares em uma república da cidade, no ano de 1976.
Posteriormente, será explicado aqui o que ocorreu nesse episódio. Antes disso, é
necessário mostrar que o texto do assessor responsabilizou o prefeito pela conduta
subversiva dos estudantes. De acordo com o documento,

O envolvimento do atual prefeito no tumulto organizado foi tão ostensivo a


ponto de se reunir com os dirigentes do DCE, em pleno Campus Universitário,
em cuja reunião se planejou uma passeata de protesto pela cidade, que não se
consumou graças à interferência direta do alto escalão superior desta
universidade305.

303
Ibidem.
304
Ibidem.
305
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB HE - Delegacia de Polícia Federal em
Juiz de Fora (Minas Gerais). Identificação: Movimento estudantil na UFV.
186

Além do prefeito Antônio Chequer, o assessor também ressaltou a importância


de dois personagens que ajudaram a inflamar o meio estudantil de Viçosa. O primeiro
deles, o estudante Arismário de Oliveira, que, segundo o documento, “além de agitador
temível, foi responsável direto por uma série de movimentos de agitação nesta
Universidade, durante toda sua gestão, 74/75”306, Nesse contexto, o assessor afirma que
Arismário recebeu, em sua gestão à frente do DCE, o apoio do “ex-Diretor da Escola
Superior de Agronomia, professor José Brandão Fonseca, com o objetivo de subverter a
ordem e causar toda sorte de transtornos para a Administração”307.
O professor citado foi duramente criticado no documento produzido pela ASI. O
assessor afirmou que o professor conseguiu, em seu mandato como gestor, “incitar os
representantes do DCE a se insurgir contra as instituições e o próprio governo,
demonstrando que desejava de fato a desordem, subversão e anarquia” 308. Mais do que
isso, o assessor associou diretamente o estudante, o professor e o prefeito, contribuindo,
assim, para inflamar o movimento estudantil contra a ordem.
Outro ofício produzido pela ASI-Viçosa, em 1976, denominado de “Ato de
Sabotagem com Material Explosivo”, aponta o aprofundamento do conflito entre
estudantes e militares. Segundo o texto enviado para a DSI-MEC e DPF-Juiz de Fora,
uma “ação de ato de sabotagem, verificou-se na UFV (...), em que alguém não
identificado, após preparar uma bomba de alto poder explosivo, coloco-a junto à parede
do Pavilhão de Aulas (...)”309. Para investigar o caso, a reitoria solicitou à Secretaria de
Segurança Pública o envio de um perito criminal. O relatório do perito indicou que o
explosivo foi feito com um extintor de incêndio, enxofre, carvão vegetal e nitrato de
potássio310.
Porém, o mais significativo da investigação nem foi a conclusão da perícia, mas,
sim, a hipótese levantada pelo chefe da ASI.

Minutos antes da detonação, um grupo de universitários se acercou do


vigilante de serviço na área para tentar convencê-lo a permitir que fizesse uma
serenata nas proximidades do alojamento feminino, e enquanto parlamentavam
houve a explosão aproximadamente 300 metros do local onde se achavam,
deixando suspeitar que a ação do grupo de estudantes visou, antes de mais

306
Ibidem.
307
Ibidem.
308
Ibidem.
309
Ibidem.
310
Ibidem.
187

nada, a desviar a atenção do guarda, enquanto a ação criminosa se


consumava311.

O relatório não apontou o nome dos suspeitos. Apenas indicou que um inquérito
foi aberto pela polícia civil para investigar melhor o caso. Independentemente da autoria
do disparo da bomba, é importante analisar que, após todo o histórico de conflitos com
militares da cidade, a relação dos estudantes com as autoridades estava cada vez mais
delicada. Outro fato relevante é que, na narrativa da ASI, os suspeitos eram os
estudantes. Não houve nenhuma tentativa de pensar em outras situações que os
possíveis culpados não fossem aqueles alunos que se haviam envolvido na confusão
com a vigilância.
De fato, o trabalho investigativo das ASI era inconsistente. Motta (2014)
abordou em sua pesquisa que o próprio Conselho de Segurança Nacional (CSN) chegou
à conclusão em 1974 e que o setor de produção de informações das DSI funcionava com
muitas distorções. Os motivos para a ineficiência das assessorias passavam pelo
desleixo, falta de preparação de seus chefes e, às vezes, pela própria corrupção de seus
responsáveis. De acordo com Motta, “o trabalho de ‘informação’ realizado por tais
agências muitas vezes não primava pela qualidade, e há muitos exemplos de
imprecisões e erros primários [...]” (MOTTA, 2014, p. 237).
No relatório da Polícia Federal sobre o caso, é possível entender o grau de
parcialidade da investigação aberta pela ASI e, consequentemente, a sucessão de erros
executados pelo seu assessor. Em primeiro lugar, a polícia federal adiciona um dado não
mencionado no ofício da ASI: o vigilante foi agredido e teve lesões corporais. Somado a
isso, de acordo com o relatório do DPF, “a equipe destinada às apurações não chegou a
um resultado positivo. Tendo sido inquiridos todos os participantes da serenata, não se
conseguiu ligação dos fatos - explosão e serenata”312.
Na conclusão dos policiais federais, a explosão da bomba não teve conotação
política. Segundo eles, “nos anos anteriores, em época de provas finais, os alunos do
último ano tumultuavam a vida daquela cidade” 313. Além disso, conforme acentuou o
texto do DPF, “os universitários que cercavam o Guarda Vigilante são, em sua maioria,
formandos que não registraram antecedentes em movimento estudantil daquela área” 314.

311
Ibidem.
312
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB HE - Delegacia de Polícia Federal em Juiz
de Fora (Minas Gerais). Identificação: Atentado à bomba.
313
Ibidem.
314
Ibidem.
188

Por que essa hipótese não foi levantada pela ASI? De fato, se esses alunos pertencessem
ao movimento estudantil, a suspeita sobre eles poderia ser maior. De alguma forma, o
assessor queria encontrar naqueles alunos a culpa pela explosão, o que reforça o caráter
paranoico do trabalho da ASI.
O ano de 1977 começou a todo vapor para a ASI-UFV. Logo no início do
período letivo, o movimento estudantil organizou vários protestos contra o aumento do
preço do restaurante universitário, de quatro para oito cruzeiros. Não é objetivo deste
capítulo detalhar as ações do movimento estudantil, mas analisar o caráter do órgão de
segurança que atuava na UFV. Dessa forma, além da descrição da movimentação
estudantil, o assessor faz um relato do perfil da liderança do DCE que estava à frente
das manifestações. O presidente era considerado ingênuo na visão do assessor, porque,
ao perceber o alcance do movimento, “ficou totalmente perturbado, numa demonstração
de que lhe falta maior maturidade para liderar a massa” 315. Em adição, o coronel
Aguiar sugere que o presidente do DCE fazia jogo duplo com a reitoria, “querendo
projetar imagem positiva para a administração e adotando comportamento inteiramente
diferente quando pressionado pela classe liderada” 316. Sendo assim, o assessor classifica
os diferentes indivíduos envolvidos com a liderança do movimento por meio de rótulos
de moderados, agitadores e perigoso, descrevendo o desempenho de cada um nas
manifestações.
No mesmo ano de 1977, a ASI investigou um caso de assédio sexual no campus.
Duas vestibulandas teriam sido aliciadas por um servidor da universidade e um amigo
da cidade, sendo inicialmente convidadas para sair e, posteriormente, assediadas pelos
dois homens. As meninas correram e encontraram guarita na vigilância da instituição:

Inconformados com essa atitude, os dois rapazes desceram também do


automóvel para continuar insistindo até o momento em que as duas jovens,
desesperadas e em pânico, saíssem em desabalada carreira pela estrada afora,
até encontrar proteção no Serviço de Vigilância desta Universidade317.

Além do papel de promotora da ordem, a ASI também buscou enquadrar a


universidade nos “bons costumes”. Rodrigo Motta acentuou que os “[...] agentes de
informação lotados das universidades vigiavam com a mesma intensidade subversivos
políticos e indivíduos moralmente ‘desviantes’” (MOTTA, 2014, p. 202). Bastante

315
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB HE - Delegacia de Polícia Federal em Juiz
de Fora (Minas Gerais). Identificação: Movimento estudantil da UFV.
316
Ibidem.
317
Ibidem.
189

preocupada com a imagem da instituição, qualquer incidente maior com a segurança de


seus estudantes poderia prejudicar a universidade. Segundo o documento, “a reitoria
prontamente baixou portaria designando uma comissão para apurar detalhadamente os
fatos, a fim de punir severamente o funcionário responsável pelo deplorável
acontecimento, em plena realização do vestibular” 318. De qualquer forma, as estudantes
não prestaram queixa contra os abusadores.
A ASI, em um determinado acontecimento, pareceu estar ao lado dos estudantes
da universidade. Em episódio bastante estranho ocorrido na cidade de Viçosa, alguns
estudantes foram abordados por policiais militares com suspeita de uso de drogas.
Foram revistados e os policiais encontraram maconha perto dos estudantes.
Obviamente, eles negaram possuir a droga encontrada, sendo então levados para a
delegacia. De acordo com os estudantes, eles foram presos e “submetidos a uma série de
humilhações e torturas”319, inclusive com a obrigação de se despir na frente dos
policiais. O pior disso tudo é que duas mulheres estavam no grupo, o que causou
bastante constrangimento às jovens:

Conforme declarações prestadas ao Dr. Delegado da Comarca em presença


deste Assessor, revelou que foi obrigada a despir-se na presença de vários
policiais, sendo que um deles ainda teve a ousadia de levantar sua calcinha na
frente e atrás sob o argumento de que estava sendo revistada320.

O que se seguiu a este episódio foi uma grande revolta no meio estudantil contra
os militares. Ao invés de pedir uma investigação contra os policiais que usaram da
violência contra as estudantes, o chefe da ASI escreveu aos órgãos de segurança para
acalmá-los quanto a um possível alastramento das manifestações estudantis na UFV. É
possível observar isso na citação abaixo:

Ressalte-se que o episódio, uma vez disseminado pelo "Campus", gerou um


esboço de revolta da classe estudantil local, que passou a exigir do Presidente
do DCE (...) uma tomada da posição, que não vingou, devido à interferência
imediata da Administração, que convocou prontamente os membros do
Diretório para lhes assegurar que, tanto da parte do Dr. Delegado, quanto do
Cmt do Contingente, todas as medidas estavam sendo tomadas, visando a
apurar rigorosamente os fatos e que se ficasse positivada a denúncia, seriam os
responsáveis punidos severamente.
A situação está rigorosamente controlada, inexistindo qualquer possibilidade
de reação anormal por parte da classe estudantil, ligada ao fato presente,

318
Ibidem.
319
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB HE - Delegacia de Polícia Federal em Juiz
de Fora (Minas Gerais). Identificação: Arbitrariedade policial.
320
Ibidem.
190

principalmente porque o Presidente do Diretório soube entender e colaborar


para que os ânimos fossem serenados, haja vista, não ter sido expedido
qualquer nota de protesto, mencionando possíveis arbitrariedades policiais321.

Por outro lado, a reitoria também cooperou para “abafar” o caso e evitar mais
conflitos com os militares.
Evitar problemas entre estudantes e as autoridades: essa parece ser a grande
função da ASI-UFV nesse contexto. Ainda em 1977, o assessor redigiu um ofício para
os órgãos de segurança com a finalidade de narrar as atitudes da reitoria para afastar um
movimento grevista dos estudantes da instituição. De acordo com o assessor, “a direção
da universidade adotou medidas objetivando esvaziar as articulações grevistas e
esclarecer aos pais e alunos da UFV” 322. A tática utilizada foi o envio de
correspondência para os responsáveis dos alunos para alertá-los dos possíveis prejuízos
da greve. É óbvio que os estudantes não deixaram passar essa reação da administração
da universidade. Eles fizeram uma nota e distribuíram para toda a instituição, intitulada
“Coação e Chantagem”. Além disso, um panfleto também foi distribuído aos alunos,
satirizando a correspondência enviada aos pais. O autor da carta e do panfleto
juntamente com os estudantes que auxiliaram na distribuição do panfleto foram
identificados pelo assessor.
Em todo o ano de 1977, a ASI produziu informações sobre o movimento
estudantil. Os estudantes da UFV estavam cada vez mais articulados com o processo de
reorganização da UNE. E o monitoramento das assembleias locais, a discussão das
demandas estudantis, a participação de eventos fora de Viçosa, os nomes das lideranças
e suas propostas, as táticas de organização do movimento, enfim, tudo isso era
registrado pela ASI. Em documento enviado para o DSI-MEC e DPF-MG, o assessor
descreve o conteúdo de uma assembleia organizada no mês de setembro de 1977. A
discussão foi resumida pelo documento a partir dos termos revigoramento dos Centros
académicos da UFV, participação dos estudantes da UFV no 3º ENE323, ações dos

321
Ibidem.
322
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB HE - Delegacia de Polícia Federal em Juiz
de Fora (Minas Gerais). Identificação: participação dos estudantes no 3º Encontro Nacional dos
Estudantes.
323
Os Encontros Nacionais de Estudantes surgiram em 1975. Como eram organizados por áreas de
conhecimento, eles não eram proibidos. No entanto, por sua grande politização, esses encontros se
tornaram alvo dos órgãos de segurança. Renato Cancian (2008) aponta que o primeiro e segundo ENE
não foi reprimido pelos militares, ao contrário do terceiro evento, que, na perspectiva dos militares,
191

estudantes caso houvesse algum impedimento à participação do encontro, convite ao


senador do MDB Paulo Frossard para palestrar na Universidade e reunião com o reitor
para debater essas questões324. O assessor aponta que essa pauta não foi plenamente
discutida na reunião com o gestor da instituição. O debate foi resumido às questões
internas da universidade. De todo modo, dois estudantes foram enviados ao evento em
São Paulo e representaram a UFV sem maiores problemas. O objetivo do assessor foi
reportar às autoridades que “não havia registro na UFV de qualquer repercussão
decorrente do 3º ENE. A situação atual era de absoluta calma e tranquilidade” 325.
É perceptível o grande dilema da ASI-UFV durante seu funcionamento na
instituição. De um lado, havia necessidade de produzir informação sobre os problemas
com a subversão, seja em relação ao movimento estudantil ou até mesmo no tocante às
questões de cunho moral. Por outro lado, o assessor não poderia transparecer para os
órgãos de segurança que a situação estava fora de controle. Isso poderia significar
fraqueza perante as autoridades. Dessa forma, apontar os problemas e mostrar agilidade
em resolvê-los fazia parte do modus operandi das Assessorias de Segurança e
Informação. Somado a isso, a questão da autonomia institucional também se fazia
pertinente. Acionar a polícia militar ou pedir auxílio às forças militares externas à
cidade de Viçosa poderia significar, novamente, que a autonomia da universidade estava
em xeque. Por isso, em determinadas situações, a informação era produzida juntamente
com a solução encontrada pela Assessoria. Caso contrário, aí sim, os órgãos de
segurança nas instâncias superiores eram acionados.
Em relação ao 3º Encontro Nacional dos Estudantes, a ASI-UFV levantou
informações sobre um estudante estrangeiro da UFV e buscou contribuir para acelerar
sua saída do país. O moçambicano José Manoel F. de Souza Seródio teve seu visto de
permanência negado em maio de 1977. Mesmo assim, o estudante continuou suas
atividades na universidade, o que incluía a militância no movimento estudantil, tanto é
que esteve presente no 3º ENE e, ainda por cima, foi preso pela polícia militar. Mesmo
assim, Seródio retornou à UFV e continuou com suas atividades. É interessante
observar as informações levantadas pelo assessor juntamente com seu pedido para
expulsar o estudante do país. Em seu argumento, Seródio era perigoso por ter vasta

poderiam ser “deliberados os preparativos para a recriação da proscrita UNE” (CANCIAN, 2008, p.
110).
324
Ibidem.
325
Ibidem.
192

literatura subversiva, ter um irmão guerrilheiro e outro ministro e, por isso, julgava ser
fácil sair da prisão caso fosse detido. Sua relação com a universidade era informal, pois
sua matricula estava trancada. No entanto, ele tinha livre acesso ao DCE com os
principais “agitadores” do movimento. Fazia constantes referências elogiosas a Ernesto
Che Guevara e ao capitão Carlos Lamarca. Além disso, em um evento na UFV, o
indigenista Villas Boas foi “perturbado” pelo moçambicano a responder perguntas sobre
os guerrilheiros da Amazônia, que, segundo o assessor, causou constrangimento no
palestrante. Como ele estava ilegal no país, o assessor informou ao SNI e DSI-MEC da
necessidade de retirar logo o estudante do país.
Em 1978, o coronel enviou para a DSI-MEC e DPF-MG informações sobre a
situação recente do movimento estudantil da UFV. Existe uma completa desqualificação
do crescimento das forças estudantis. O coronel responsável pelo órgão de informação
interpretou a mobilização de reorganização da UEE e da UNE como um elemento
circunscrito às necessidades dos estudantes de esquerda, o que desvinculava,
necessariamente, a liderança das “massas estudantis”: “observa-se claramente que a
desorganização é patente, chegando os próprios dirigentes estudantis à conclusão de que
o órgão representativo da classe está totalmente divorciado do estudantado”326. Para
chegar a essa conclusão, o assessor buscou no jornal do DCE, O Bandejão, a alegação
de que o órgão estudantil identificava a divergência entre a liderança e os estudantes. A
desqualificação do Coronel Aguiar em relação ao movimento estudantil não parece
fidedigna. Se a participação dos estudantes fosse tão desorganizada quanto o assessor
sugere, não valeria o esforço da ASI-UFV em investigar o crescimento da mobilização
estudantil.
No mesmo ano, a ASI-UFV informou o DSI-MEC sobre um evento estudantil
organizado no cinema de Viçosa. Esse encontro teve a participação de deputados do
MDB e políticos locais. Esse tipo de evento estava totalmente na mira do assessor, pois,
segundo Motta, era necessário “evitar a abordagem de temas inconvenientes ou a
presença de conferencistas de oposição” (MOTTA, 2014, p. 218). Por esse motivo,
tornava-se estratégico para os estudantes buscar espaços fora da universidade para
debater temas sensíveis aos órgãos de segurança e informação. De acordo com o
assessor, o DCE tem “retomado a posição contra o regime vigente. Alegam que o

326
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB HE - Delegacia de Polícia Federal em Juiz
de Fora (Minas Gerais). Identificação: Eleições da diretoria do DCE.
193

descontentamento continua atingindo grandes camadas da população estudantil e que se


acham em posição de alerta contra a ausência de direitos humanos” 327 . Todos os
estudantes que participaram de forma ativa do debate, com a elaboração de perguntas
aos deputados, foram identificados pelo assessor e suas fichas foram entregues ao DSI-
MEC. As perguntas aos deputados e suas respostas aos alunos foram transcritas, mas
serão analisadas no último capítulo desta tese.
A insistência da ASI-UFV em intensificar a vigilância sobre o movimento
estudantil relaciona-se diretamente ao imaginário anticomunista presente na
comunidade de informações. A associação entre movimento estudantil e as ideias de
esquerda motivava o empenho do assessor em desmobilizar a movimentação dos
estudantes. De acordo com Motta, “(...) eles enxergavam comunistas por toda parte, e
qualquer movimento de contestação era atribuído aos desígnios do movimento
comunista internacional” (MOTTA, 2014, p. 207). E, de certo modo, as ideias de
esquerda ainda fascinavam grande parte da juventude da época.
Sem dúvida, o ano de 1979 foi o mais emblemático para a ASI-UFV, em virtude
do intenso engajamento dos estudantes em Viçosa, além da movimentação nacional em
prol da reorganização da UNE. Os órgãos de segurança produziram relatos extensos
sobre os episódios que culminaram com a invasão policial na universidade. O assessor
da ASI relatou, em ofício retransmitido pela DPF, os problemas decorrentes da
radicalização crescente do movimento estudantil local. Não é objetivo aqui analisar o
engajamento dos alunos, uma vez que isso será feito no próximo capítulo. Interessa-nos,
neste momento, compreender o olhar do Coronel Ferreira em direção ao crescimento da
participação política dos estudantes na UFV que desencadeou uma greve estudantil.
O coronel à frente da ASI interpretou esse novo fôlego dos estudantes como um
“posicionamento radical adotado pela liderança ativa daquele órgão representativo
estudantil, que só confirma a inflexibilidade com que atua ultimamente” 328. Além disso,
o movimento na UFV “estava apoiado por ativistas de outras universidades” 329. É a
antiga tese de que os estudantes locais eram manipulados por alunos que atuavam quase
profissionalmente na política. Para o assessor, o que facilitou o fortalecimento da
liderança local foi o “ponto estratégico para articulação de movimentos estudantis,

327
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR RJANRIO V8 - Serviço Nacional de Informações.
328
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia
Federal. Identificação: Movimento grevista de 1979.
329
Ibidem.
194

graças à facilidade de comunicação com lideranças de outras cidades, tais como Belo
Horizonte, Juiz de Fora, Ouro Preto e até mesmo RJ e SP”330.
Nessa perspectiva, a organização da greve só foi possível pela indução dos
calouros a participar do movimento. Somado a isso, no plebiscito feito entre os alunos
para decidir a continuidade da greve, 40% deles foram contra o movimento. De acordo
com o Assessor, eles “souberam resistir ao processo coercitivo implantado pelos
diretores. Para ilustrar basta dizer que apenas eram entregue aos votantes cédulas com a
palavra ‘sim’”331. Por fim, o reitor convocou as forças militares para entrar no campus e
devolver a ordem. Enquanto os piquetes foram desfeitos, o assessor lamentou o efeito
reverso da invasão militar: “por solidariedade, essa maioria aderiu, chegando a quase
100% de adesão à greve”332.
Pode-se afirmar que os desentendimentos entre estudantes e militares em Viçosa
não eram inéditos. Em toda a ditadura, a existência de pequenos conflitos se seguiu, até
essa invasão policial que obteve o repúdio de toda a categoria estudantil. Depois que a
greve acabou e as negociações foram iniciadas com a reitoria, o trabalho da ASI
prosseguiu. O Cel. Ferreira encerrou seu relatório assim: “Com reuniões diárias entre a
administração da universidade e os estudantes, esses foram acompanhados de perto pela
Assessoria de Informações para posterior informação”333. Ou seja, os olhares dos órgãos
de segurança continuavam bem abertos.
Apesar dos esforços do assessor em manter a ordem na universidade, sua
atuação à frente da ASI foi questionada e o militar foi alvo de algumas denúncias que
quase o comprometeram. Conforme apontou Motta, “ao longo dos anos, alguns
funcionários e chefes de ASI foram afastados dos cargos, acusados de incompetência,
leniência ou corrupção” (MOTTA, 2014, p. 238). E na UFV o assessor ficou na mira de
seus inimigos.
A primeira denúncia foi feita pelo 3º Sargento da PM Jorge Teodoro –
responsável pelo contingente policial de Viçosa - “denunciando procedimento suspeito
por parte do chefe da ASI-UFV”334; apresentação feita ao promotor de justiça de Viçosa
por um detetive da cidade e, por fim, também foi denunciado por um vigilante da UFV.

330
Ibidem.
331
Ibidem.
332
Ibidem.
333
Ibidem.
334
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia
Federal. Identificação: Ministério do Exército.
195

Infelizmente, na documentação anexada à denúncia, há apenas um fragmento do


informe do 3º Sargento e um pedaço da carta do vigilante que, por estar em pequeno
fragmento de texto, não será analisado aqui. O relatório enviado pelo 4º Comando
Militar para o SNI concluiu diante das evidências, a “incompetência e o despreparo do
Sr. Cel. PM José Ferreira de Aguiar para o desempenho de Assessor de Segurança e
Informações da UFV, fato que, aliás, já havia sido comprovado ‘in loco’ por oficial
desta agência”335.
Na denúncia do 3º Sargento, alguns fatos reportados pelo assessor em relação à
militância estudantil são recuperados. Em todos eles, a conduta do assessor é criticada.
De acordo com o 3º Sargento, “em todas essas atividades, o Sr. Coronel demonstrou sua
vaidade de manter em sigilo excessivo, em que naquela oportunidade pudesse deixar
crer que o mesmo estivesse apenas acobertando os atos”336. Nos casos citados, o coronel
não apurou as informações devidas nem se esforçou para entregar os suspeitos. Em um
dos episódios, um estudante suspeito de destruir a bandeira do Brasil,

(...) a assessoria manteve os indícios, enquanto o então delegado de polícia, já


intrigado com a atitude do Sr. Coronel em não dar ciência do caso, quando a
cidade inteira já tinha conhecimento, procurou aquela autoridade. Já neste
interim, houve a danificação de um pavilhão de aula, causado por uma
explosão de bomba 337.

No episódio da explosão citado anteriormente, o sargento insinuou que o


assessor ajudou os estudantes: “Apesar dos suspeitos e dos esforços despendidos pelos
encarregados do inquérito, não se apurou muito, exceto que os implicados estavam bem
instruídos para depor. E o pior, foram vistos sair do gabinete do Sr. coronel minutos
antes de serem ouvidos na delegacia” 338. Em relação à circulação dos jornais estudantis,
o sargento afirmou que, apesar de seu conteúdo subversivo, eles circulam livremente na
instituição: “jornalzinho que ainda soltam à vontade e sob as vistas de toda a UFV, nos
quais através do DCE fazem as piores críticas do governo, e na minha opinião contam o
apoio da alta administração daquele órgão”339. Na visão do sargento, o assessor estava
mais a favor dos estudantes do que da instituição. Em um caso não explicitado no
documento, o sargento comentou que o assessor, ao receber uma informação sobre um

335
Ibidem.
336
Ibidem.
337
Ibidem.
338
Ibidem.
339
Ibidem.
196

determinado caso envolvendo estudantes, “o Sr. Cel. tentou prejudicar o informante,


querendo atribuir responsabilidade a ele pelo que estava ocorrendo, sempre apoiando as
atitudes erradas por parte de alguns estudantes”340.
Nos diferentes eventos em que houve conflitos entre estudantes e as forças
policiais, o sargento afirmou que o assessor estava em viagem e, por isso, alheio aos
problemas: “como é o caso da passeata no dia do soldado, dia da bomba que destruiu
parcialmente o pavilhão de aula, dia de perturbação na localidade do cantinho do
céu”341. Em complemento, em outro conflito entre estudantes e a reitoria – nos protestos
contra o diretor de Assuntos Estudantis, que também era militar – o assessor disse ao
sargento que era “só invocar seu nome que os estudantes parariam a desordem”, ou seja,
insinuando, mais uma vez, a afinidade entre o assessor e o estudantado. Infelizmente, o
restante do documento não foi encontrado.
No entanto, a leitura dos ofícios da ASI não nos leva a crer em tamanha
convergência de interesses entre o Cel. Ferreira de Aguiar e os estudantes. Pelo
contrário, os documentos sugerem grande cooperação do assessor com os órgãos de
segurança. Em muitas situações, sua investigação é extremamente parcial, na busca de
encontrar o culpado a qualquer preço. As denúncias contra o assessor têm dois
significados. O primeiro, em relação àquela situação em que duas estudantes foram
constrangidas a se despir na frente dos policiais que estavam sob responsabilidade do 3º
Sargento. Certamente, o comando da polícia militar de Viçosa ficou insatisfeito em
saber que o assessor repassou essa informação para o SNI e DPF de forma a questionar
o caráter dos policiais envolvidos. Além disso, o detetive P. C. E. Coelho, também
envolvido no episódio de violência contra as estudantes, foi um dos denunciantes do
Coronel. Embora a preocupação do assessor fosse centrada em evitar uma explosão de
revolta na UFV em virtude da truculência dos policiais, ficou nítido em seu ofício o
descontentamento em relação à abordagem dos militares. Em resposta a esse fato, o
assessor sofreu grande retaliação.
O segundo significado da denúncia contra o assessor da ASI-UFV relaciona-se
diretamente com o próprio contexto de distensão política do governo do Gal. Ernesto
Geisel. Determinados setores das Forças Armadas temiam a progressiva redução das
ações repressivas. O discurso do sargento que denunciou o assessor vai ao encontro a

340
Ibidem.
341
Ibidem.
197

esse temor de parte da caserna em relação à distensão política, uma vez que ele aponta
que o crescimento da mobilização estudantil estava imbricado ao relaxamento da ASI-
UFV frente à subversão. Não há na documentação os desdobramentos dessas denúncias
contra o Cel. José de Ferreira Aguiar. De qualquer forma, ele continuou à frente da ASI
até sua extinção na década de 1980 e, posteriormente, tornou-se chefe da Divisão de
Segurança da universidade até sua aposentadoria.

3.6 O comando da polícia militar


Além da documentação produzida pelas Assessorias de Segurança e Informação,
o comando da Polícia Militar também elaborou relatórios concernentes aos problemas
nos campi. Grande parte das informações produzidas coincide com os fatos relatados
pelas ASIs, o que nos leva a pensar que a base desses documentos era retirada das
correspondências recebidas pelos órgãos de informação das universidades. Somado a
isso, em muitas situações a polícia militar era acionada para acalmar os ânimos e conter
o influxo dos “subversivos”.
Assim, a PM também registrava suas impressões sobre os fatos vivenciados na
universidade. Diferentemente da ASI, os relatórios da PM são mais alarmistas no
tocante aos rumos do movimento estudantil e da subversão no meio universitário. Até
porque as assessorias não deveriam passar para seus superiores a impressão de perda de
controle do ambiente universitário, elemento ausente no meio policial. Somado a isso, a
polícia mantinha contato com informações produzidas nas mais diferentes instituições
educacionais. Por isso, seu diagnóstico sobre os embates entre estudantes e as
autoridades é dotado de impressões negativas, sempre prevendo o pior cenário diante da
realidade constituída.
O comando da polícia militar em Belo Horizonte enviou um ofício para o
Departamento da Polícia Federal de Juiz de Fora em 1976 com o objetivo de fazer
conhecido o caráter subversivo do movimento estudantil da UFV. De acordo com o
documento da Polícia Militar, a UFV “tem sido palco de acontecimentos e fatos,
provenientes do setor estudantil, que têm causado preocupação aos órgãos de segurança,
e na sociedade local, clima de tensão”342. O texto busca provar que a origem da
subversão estudantil do ano de 1976 tinha relação com acontecimentos dos anos

342
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia
Federal. Identificação: Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais.
198

anteriores. O documento mencionava a discussão de temas políticos em eventos dos


estudantes de agronomia. Em abril de 1974, no Encontro Nacional de Estudantes de
Agronomia na UFV, um estudante da ESALQ “fez o uso da palavra para proferir
críticas ao governo brasileiro e, ao mesmo tempo, defender a tese de reconstrução da
UNE”343. Ainda de acordo com o texto, “após contatos entre o reitor e os órgãos de
segurança, estabeleceu-se um sistema de vigilância aos debates, não se constatando a
repetição do evento, pelo menos de forma ostensiva” 344. Neste ponto, pode ser
observada a cooperação da reitoria com os órgãos de informação.
O documento da Polícia Militar prossegue com o relato de outro evento
estudantil, neste caso, o I Seminário Regional de Estudantes de Engenharia. Não há
nenhuma menção dos debates produzidos nesse encontro. O texto apenas cita que os
assuntos discutidos se relacionavam com a reforma universitária e o nível de ensino das
universidades. É perceptível que, na concepção dos órgãos de segurança, a discussão
desses temas era motivo de preocupação com a esquerda do movimento estudantil. No
fim do mesmo ano, o DCE da UFV entrou em contato com a reitoria para pedir
autorização para realização de um congresso estudantil. É importante lembrar que a
partir de 1973 a realização de eventos nas universidades foi dificultada pelo MEC. De
acordo com Motta,

[...] o ministro Jarbas Passarinho assinou aviso reservado determinando às


universidades que comunicassem DSI/MEC, com noventa dias de
antecedência, a organização de quaisquer eventos de natureza científica,
acadêmica, cultural ou esportiva. Os objetivos e programas deveriam constar
dos pedidos de autorização, para que agentes de informação averiguassem a
possibilidade de risco (MOTTA, 2014, p. 219).

Como o pedido para o evento foi feito fora do prazo de 90 dias, o reitor negou a
solicitação dos estudantes, sendo permitido apenas o recebimento dos estudantes como
hóspedes. No fim das contas, compareceram seis estudantes, sendo três deles militantes
estudantis de Belo Horizonte.
Já no ano de 1976, o documento relata a prisão de dois estudantes estrangeiros
por uso de maconha. No dia em que eles foram liberados, os estudantes da UFV fizeram
um evento que, supostamente, seria em homenagem ao dia do soldado. Porém, na
verdade, os envolvidos cantaram “sátiras de músicas militares, em ritmo de samba,

343
Ibidem.
344
Ibidem.
199

inclusive o Hino Nacional Brasileiro, que, em certo trecho, falava-se ‘Puta Amada’ ao
invés de pátria amada”345. No relatório da PM, esse evento foi uma comemoração à
soltura dos estudantes presos.
O ponto alto do relato dos militares está em um desentendimento entre a PM e os
estudantes, conforme visto anteriormente no ofício da ASI-UFV em 1976. Durante uma
festa de uma república estudantil, a polícia foi acionada para conter a “bagunça” gerada
no evento. De acordo com o documento, “após uma tentativa de diálogo com o
responsável pela república, foram repelidos e desmoralizados pelos estudantes, ocasião
em que solicitaram a presença do sargento para solucionar o impasse” 346. A chegada do
sargento não melhorou o clima entre os jovens e os militares. Pelo contrário, de acordo
com o relato policial, ele foi agredido pelos estudantes. Para piorar a situação, os jovens
elaboraram um manifesto contra a atitude dos PMs no conflito daquela noite, além da
distribuição do texto para grande parte da população da cidade.
Os militares buscaram associar a reação estudantil à aproximação com o prefeito
da cidade, que pertencia ao MDB. Assim como o Assessor da ASI afirmou, o
documento da PM também culpa o prefeito Antônio Chequer pelos conflitos entre
estudantes e militares. Na verdade, a interpretação da Polícia Militar sobre esses fatos
era mais do que uma questão conjuntural. Dessa forma, segundo o documento, havia
uma orientação bastante clara do movimento estudantil em hostilizar as autoridades e
jogar para opinião pública:

Com um ascenso bastante acentuado e seguindo a linha política posta em


prática pela esquerda estudantil em Minas Gerais e em outros estados, contanto
ainda com o apoio do prefeito local, o Movimento Estudantil da UFV tem
causado tensões e apreensão. Alguns fatos registrados têm demonstrado uma
tendência dos estudantes em hostilizar os elementos da polícia militar e polícia
civil, destacados naquela cidade, de forma a desmoralizá-los perante a
população, procurando enfraquecer a autoridade que exercem no desempenho
de suas funções347.

Além dos tumultos entre estudantes e militares, outro documento do comando da


Polícia Militar relata, ainda que de forma bastante resumida, o embate durante todo o
ano de 1974 entre os discentes e a reitoria por causa do diretor de Assistência Estudantil

345
Ibidem.
346
Ibidem.
347
Ibidem.
200

que, por acaso, também era militar 348. A falta de mais detalhes desse episódio abre a
possibilidade de levantamento de hipóteses sobre esse conflito. Possivelmente, a
presença de um militar à frente de um setor tão importante para os estudantes pode ter
alimentado a disputa entre o movimento estudantil e as autoridades. De qualquer forma,
o objetivo dos policiais consistia em mostrar o longo processo de radicalização dos
estudantes de Viçosa.
Em outubro de 1976, alguns alunos interditaram várias ruas da cidade de Viçosa,
de modo a “exigir dos motoristas uma cédula de propaganda política do candidato
apoiado pelo prefeito à prefeitura local, pertencente ao MDB” 349. No mês seguinte do
mesmo ano, após uma festa oferecida pelo prefeito de Viçosa, houve tumulto na porta
de uma boate da cidade. De acordo com o documento, “após intervenção policial,
resistiram aos apelos do Delegado de Polícia e demais policiais presentes para se
dispersarem e se manterem coesos, na tentativa de pressionar a ação policial em
curso”350. Depois de muita provocação dos estudantes, o mal-estar só foi resolvido com
a intervenção do delegado regional da polícia de Ponte Nova, que se deslocou para a
região a fim de evitar conflito maior. Dessa maneira, fica patente a dificuldade do
comando da polícia local em solucionar os problemas com os estudantes.
O comando da Polícia Militar deixou registrados os debates internos do
movimento estudantil de Viçosa no ano de 1976. De acordo com o texto, em “27 de
novembro de 1976, foi convocada uma assembleia estudantil para discutir o aumento no
preço das anuidades para o próximo ano” 351. Dessa forma, o relatório endossa “a
possibilidade de um posicionamento dos estudantes contra a medida”. Diante da
agitação dos estudantes, certamente, os militares mostravam preocupação. Embora eles
dissessem reagir com prudência diante da ousadia do ME, os militares cultivavam o
medo de perder o controle da situação: “paralelamente, a moderação e a tolerância da
polícia com os estudantes desordeiros têm enfraquecido a autoridade policial e
possibilitando, aos estudantes, maior disposição para resistir a ação policial” 352.
O movimento estudantil em Viçosa, até então, não causava muitas preocupações
aos órgãos de segurança. Para a Polícia Militar, o DCE da UFV que havia sido até

348
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia
Federal. Identificação: movimento subversivo no meio estudantil em Viçosa.
349
Ibidem.
350
Ibidem.
351
Ibidem.
352
Ibidem.
201

recentemente “apático, está dinamizando de forma bastante acentuada as suas


atividades”353. Além do jornal Bandejão, os estudantes começaram a usar as
“correspondências para enviar a divulgação de suas atividades e lutas para outras
escolas de localidades diversas”354. Diante disso, a saída encontrada pelos militares para
evitar o aumento dos conflitos com o movimento estudantil estava na punição dos
envolvidos. Caso contrário, o diagnóstico dos militares era pessimista, de “um futuro
não muito distante, a autoridade dos elementos das policias militar e civil estará
desacreditada entre os estudantes e no seio da população” 355.
Se as correspondências de divulgação do ME para os estudantes incomodaram a
PM, imagine-se a reação quando um rádio transmissor foi achado no alojamento
masculino da UFV, que se acreditava servir para repassar informações subversivas. No
início de 1977, foi encontrado um rádio transmissor na frequência da rádio mundial.
Segundo o informe da polícia, esse aparelho foi usado para “transmitir textos incitando
a administração da Universidade e a polícia local” 356. Foi descoberto pelos policiais que
no ano de 1977 haveria “ações de rua com possibilidade de hostilização dos elementos
das policiais civil e militar de Viçosa” 357. No relato, há um comentário sobre uma fala
de determinado estudante sobre sua posição política. De acordo com o documento, o
estudante deixou “transparecer sua aversão ao governo brasileiro e à revolução de 1964,
estando integrado ao espírito de contestação e oposição das lideranças de esquerda”358.
A Polícia Militar enviou para o DPF a informação do uso do transmissor na
UFV. A polícia federal, então, buscou a providência para solucionar o problema, que
consistiu na solicitação dos seguintes dados: “1) confirmação dos dados conhecidos. Se
positivado, informar se o transmissor está regularizado nesse órgão. 2) Quais as
medidas tomadas pela reitoria daquela universidade”359. Esse pedido da Polícia Federal
chegou até o ministério da comunicação. Em resposta, o Departamento Regional de
Belo Horizonte reconheceu a existência da rádio emissora na UFV. Em resposta à
polícia federal, ela apenas negou o reconhecimento do estudante citado tanto no relato
da PM quanto no texto produzido pela DPF de que as transmissões eram de

353
Ibidem.
354
Ibidem.
355
Ibidem.
356
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia
Federal. Identificação: Movimento Estudantil na UFV / Estação rádio emissora clandestina.
357
Ibidem.
358
Ibidem.
359
Ibidem.
202

responsabilidade de um estudante chamado “Noel de Tal”. De acordo com o


Departamento Regional,

1) Confirma os dados conhecidos, porém, sobre a existência da radioemissora,


se existe, é clandestina, consequentemente, desconhecida desta diretoria, e
irregular; 2) Desconhece esta DR as medidas que por ventura tenham sido
tomadas pela Diretoria da UFV; 3) Esta DR, por não ter equipamento
radiolocalizador de emissoras sonoras, comunicou a denúncia à Assessoria
Especial do Departamento Nacional de Telecomunicações – DENTEL, para
fins convenientes360.

Infelizmente, não há na documentação disponível nenhum desdobramento desse


fato. De qualquer forma, a mobilização dos órgãos de segurança para conter o ímpeto da
mobilização estudantil resultou em esforços conjuntos entre vários setores do Estado.
Por outro lado, além da resistência ao regime autoritário e da adesão a seus valores, na
UFV podemos encontrar outro comportamento político que se ancorou entre esses dois
polos, como se verá no próximo tópico.

3.7 Associação docente: Entre a luta pela valorização da profissional e o medo da


repressão.
A UREMG foi uma das primeiras instituições de ensino superior a organizar
uma associação de docentes. Aliás, em seu primeiro estatuto, em 1963, a Apuremg –
Associação de Professores da Universidade Rural de Minas Gerais abarcava em seus
quadros alguns servidores da universidade, desde que eles tivessem curso superior. Na
primeira ata, a associação logo declarou: “A Apuremg se manterá afastada de
manifestações político-partidárias e religiosas”361. Como a sindicalização do
funcionalismo público era proibida, os docentes criaram uma associação para defesa de
seus interesses. No entanto, a Apuremg não estava congregada a nenhuma central
sindical.
Em seus primeiros anos de funcionamento, a Apuremg teve que se preocupar
com a instabilidade financeira da universidade, principalmente no período de maior
turbulência entre a instituição e o governo estadual, chefiado por Israel Pinheiro (1966-
1971). Naquela ocasião, a carreira docente tinha poucos atrativos. Os professores eram
contratados em regime celetista e apenas os catedráticos tinham vencimentos adequados
às suas funções. Dessa forma, antes mesmo da crise da UREMG, a associação discutiu

360
Ibidem.
361
APUREMG, ata nº1. 1 de junho de 1963.
203

com exaustão a necessidade de aumento salarial, inclusive, com a entrega de um plano


de carreira, que foi enviado ao reitor362.
Em 1966, no contexto de maior crise financeira da instituição com recorrentes
atrasos salariais, os associados convidaram o reitor Edson Potsch Magalhães para
participar de uma assembleia da Apuremg. A participação do reitor foi considerada
positiva e ao lado dos professores. Potsch afirmou que se mantinha sempre combativo
com o governo, inclusive ele defendeu os docentes em uma mensagem na Assembleia
legislativa. Neste ponto, eximiu o conselho universitário dos problemas salariais. Em
sua defesa, o reitor afirmou que o real problema era de responsabilidade exclusiva do
governo363.
A situação da universidade piorou no adentrar o ano de 1966. Os docentes
associados à Apuremg discutiam, em assembleia, qual a melhor atitude a ser tomada
diante de tamanha crise. Os salários chegaram a atrasar durante todo um semestre.
Vários professores pediram demissão. Em novembro do mesmo ano, surgiu uma
proposta que foi meticulosamente discutida em plenário. De acordo com a ata, a
proposta incluía pedir uma audiência com o governador Israel Pinheiro; caso não
fossem atendidos, seria deflagrada uma greve. Também, surgiu uma proposta de greve
imediata caso o salário se atrasasse por mais um mês. O presidente da associação pediu
cautela. Segundo ele, o reitor já estava tratando do assunto em Belo Horizonte 364. Por
trás do receio do presidente, certamente o medo de represália por parte do governo e das
forças de segurança rondava os professores.
Na mesma assembleia citada, um dos associados se indispôs com o presidente da
Apuremg, pois considerou a proposta dele muito tendenciosa. Isso mostra o clima
extremamente pesado entre os docentes nesse contexto. De um lado, o problema dos
salários, e de outro, a necessidade de luta diante de forças políticas totalmente avessas à
manifestação de insatisfação dos trabalhadores. Nesse contexto, a divergência entre os
docentes crescia.
Antes do fechamento do ano de 1966, os associados decidem radicalizar suas
posturas diante do imobilismo do governo estadual. Os docentes se mobilizam em
assembleia permanente para discutir a crise da UREMG. Foi designada uma comissão
de professores para, pessoalmente, conversar com o governador e buscar soluções para a

362
APUREMG, ata nº4. 16 de setembro de 1966.
363
APUREMG, ata nº5. 10 de maio de 1966.
364
APUREMG, ata nº6. 1 de novembro de 1966.
204

crise. Porém, diferentemente das outras reuniões, desta vez a pressão é para, além do
pedido de pagamento dos vencimentos atrasados, negociar uma possível federalização
da universidade365.
Novamente, o reitor Edson Magalhães foi chamado para conversar com os
associados na assembleia da Apuremg. Em sua fala, Magalhães disse ter voltado de
Belo Horizonte e entregue uma carta escrita pelo Conselho Universitário, que esclareceu
a situação financeira da UREMG. Em seu retorno da capital, o reitor mostrou-se
pessimista com os rumos tomados pelo atual governo em relação à universidade. De
acordo com a ata, “o reitor historiou a crise financeira do Estado, mostrando que não
existem esperanças de resolvê-la a curto prazo (...)”366. Sobre a federalização, tema
bastante debatido entre os associados, o reitor Edson Magalhães “disse ter sido
pessoalmente contra a federalização e historiou outras tentativas no mesmo sentido,
durante crises passadas”367. Neste ponto, o reitor mostrou algum apoio ao discurso pró-
federalização com algumas ressalvas, ao afirmar “que a federalização era a melhor
solução para o problema de atraso de salário, mas não a melhor do ponto de vista de
administração de uma instituição”368. Infelizmente, o reitor não explicou as razões pela
suposta dificuldade em administrar uma instituição dentro da rede federal de ensino
superior, porém, ele se mostrou preocupado com determinadas carreiras que eram
específicas da UREMG e que não existiam nas universidades federais, como os cargos
de extensionista e de pesquisador.
Outra preocupação da reitoria era com a possibilidade de perder parte do
patrimônio da universidade que pertencia ao estado de Minas. Além disso, o reitor se
queixou do grupo de trabalho organizado pela Associação para discutir ações a favor da
federalização. Magalhães argumentou que isso não competia aos associados, mas sim,
ao Conselho Universitário. Esse é um ponto que precisa ser reforçado. Antes mesmo de
a federalização ser uma discussão dentro do Conselho Universitário, os docentes, por
iniciativa própria, se mobilizaram em prol dessa questão. Montaram comissões,
discutiram em assembleia, convocaram o reitor para reunião, foram até o governador,
enfim, foi uma iniciativa da Apuremg.

365
APUREMG, 4ª seção. 20 de dezembro de 1966.
366
APUREMG, 5ª seção. S.d. Essa seção não foi registrada a data.
367
Ibidem.
368
Ibidem.
205

Nesse diálogo com a classe docente, um associado fortaleceu o discurso da


federalização, ressaltando que “a situação do Estado é insustentável e que o governo
federal está cada vez mais forte”369. É difícil interpretar a afirmação desse professor
diante do contexto político de 1966. Denominar o governo do Marechal Castelo Branco
de forte, nesse ponto, consiste no reconhecimento da estabilidade do regime militar em
comparação com a situação econômica do estado de Minas Gerais que, dentro da
perspectiva das lideranças políticas mineiras, estava na bancarrota.
As discussões se arrastam para o ano de 1967. Os docentes chegaram à
conclusão da impossibilidade de prosseguimento dos trabalhos no ano letivo. Foi
redigido um abaixo-assinado em que muitos professores declararam que só começariam
as atividades didáticas após o pagamento dos salários e das verbas de manutenção, até
porque os vencimentos estavam com quatro meses de atrasos. Além disso, havia falta de
recursos para a manutenção da instituição. Mesmo assim, muitos professores se
pronunciaram contra a grave, conforme aponta a ata da Apuremg. Entre as várias
argumentações, a maior alegação era a possibilidade de o governo federal reprimir o
movimento grevista. Um associado chegou a afirmar que “o governo poderia fazer
medidas coercitivas, inclusive mandando para Viçosa seus agentes e poderia haver até
danos físicos com borrachas e cassetetes”370. Um dos professores contra-argumentou
que “o DOPS não bateria em reivindicação justa de salário, pois o governo não é
ditador. A greve não era política, mas por questão salarial” 371. Apesar desse discurso, o
medo da repressão motivou a Apuremg a se precaver 372. Foi redigido um texto para o
reitor e para o Secretário da Agricultura com uma exposição da real situação da
UREMG diante da crise. Também, uma série de telegramas foi enviada às autoridades
para explicar os verdadeiros objetivos do movimento grevista na UREMG. De acordo
com a ata, foram enviados telegramas ao Comandante da 4ª Região Militar, ao chefe do
SNI e ao presidente da República, Marechal Costa e Silva373. Ou seja, naquele
momento, não houve greve.
Na reunião seguinte, a discussão sobre a federalização foi continuada.
Novamente, a ameaça de greve foi debatida entre os associados, com bastante

369
Ibidem.
370
APUREMG, 6ª seção. 24 de fevereiro de 1967.
371
Ibidem.
372
Um associado comentou que em 1962 um movimento semelhante a esse que surgia em 1967 logrou
bons resultados. Não foi encontrado no Arquivo Histórico Central nenhum indício desse movimento.
373
APUREMG, 7ª seção. 18 de março de 1967.
206

ponderação sobre a sua possível deflagração. Os associados expuseram as possíveis


consequências da divulgação da imprensa sobre a situação caótica da UREMG. No ano
anterior, uma matéria do O Globo pode ter gerado essa discussão entre os docentes.
Segue abaixo a transcrição de partes da matéria:

A UREMG, que tem sede em Viçosa está atravessando uma das mais graves
crises financeiras de sua história (...) Diante da gravidade da situação, a
Associação dos professores da UREMG declarou-se em assembleia
permanente, aprovou o encaminhamento de memorial ao governador Israel
Pinheiro e designou uma comissão de seis professores para vir a Belo
Horizonte e entregá-lo pessoalmente.
A comissão não conseguiu avistar-se com o governador cujos assessores a
encaminharam, sucessivamente, aos secretários da Fazenda e da agricultura e
ao vice-presidente do Conselho Estadual de Desenvolvimento, que também não
tiveram meios para resolver o problema ou apontar uma solução a curto prazo.
Mais tarde, em visita à sucursal de O Globo, os seis membros da comissão
informaram ser aflitiva a situação da UREMG, cujo reitor, professor Edson
Potsch de Magalhães, já esgotou todos os recursos ao seu alcance para evitar a
completa paralisação daquele centro de ensino superior. Segundo os visitando,
somente não foram afetados pela crise os programas realizados em regime de
convenio, principalmente com a Fundação Ford (...)
O orçamento anual da Universidade é de cerca de 6 bilhões de cruzeiros e, nos
termos da lei, esse dinheiro deve ser liberado pelo tesouro do estado (...) O
pagamento dessas verbas está suspenso, por dificuldades financeiras do estado,
e, em consequência, os professores da universidade estão sem receber há
quatro meses. (...) A comissão terminou fazendo ao governador, por intermédio
de O Globo, um apelo para que determine, com prioridade, a liberação das
verbas indispensáveis à normalização das atividades da UREMG374.

De acordo com um associado, “as publicações feitas pela imprensa sobre a crise
por que passa a UREMG provavelmente provocaram ressentimentos do governo para
com a UREMG”375. O professor, diante disso, “manifestou a opinião de que seria
melhor procurar com os novos secretários reestabelecer o clima de boa vontade para
com a instituição”376. Como ex-reitor da instituição, o associado Joaquim Campos
conhecia muito bem os meandros do poder. E isso estabelecia um dilema entre os
associados: manter a boa convivência com o poder, tal como era um hábito consolidado
na universidade – o conhecido “espírito esaviano” –, ou pressionar as autoridades a
modificar o panorama financeiro da instituição, ao mesmo tempo afastando qualquer

374
O Globo, 22 de novembro de 1966.
375
APUREMG, 8ª seção. 28 de abril de 1967.
376
Ibidem.
207

risco de represália do regime militar. Novamente, a intenção dos docentes consistia em


angariar benefícios para a categoria sem correr qualquer risco diante da ditadura.
Na verdade, o tempo passava e o panorama político não se modificava. Além
disso, o reitor Edson Potsch “comunicou aos associados, dizendo da sua desilusão em
resolver a grave crise financeira da UREMG” 377. Isso motivou mais discussões sobre a
necessidade de uma greve que, definitivamente, sensibilizasse as autoridades do estado.
As iniciativas anteriores de mobilizar a imprensa e informar políticos e militares sobre a
grave crise da UREMG não haviam causado nenhum efeito. E ainda assim, parte dos
professores continuava resistente à proposta de greve. No entanto, por 62 votos contra
14, a greve foi aprovada nos seguintes termos:

Omissão coletiva de 24 horas do dia 6 do mês de junho, de responsabilidade


pessoal e aviso de início de uma suspensão de atividades profissionais por três
dias, a partir do dia 10, quando então a Assembleia, de acordo com as
providências do poder público, tomará nova decisão378.

Na assembleia seguinte, os associados foram informados do pagamento dos


salários e da proposta do reitor de se reunir com os professores no dia 10 de junho, ou
seja, na data marcada para início da greve379. Na discussão dos associados sobre a
possível reunião com o reitor, uma informação importante foi revelada, neste caso, que
os estudantes continuariam em greve mesmo com seu pedido de suspensão pelo reitor.
Se o movimento estudantil se manteve paralisado em suas atividades, o mesmo não
ocorreu entre os professores, uma vez que resolveram não dar prosseguimento à greve
depois da reunião com o reitor.
De fato, até agosto de 1967380, não houve mais reclamação por parte dos
docentes em relação à crise financeira da universidade. Infelizmente, não foi encontrada
nenhuma informação sobre o desfecho da greve estudantil. O presidente da Apuremg
comunicou aos associados que a forma de buscar soluções para os problemas da classe
docente “seria o sistema de sempre se comunicar por escrito com a administração da
UREMG”381. Fica implícito na fala do docente o descarte de medidas mais radicais para
resolver qualquer tipo de problema na instituição. Inclusive, o caráter permanente da
assembleia, que foi iniciado no final de 1966 para resolver a crise da UREMG, foi

377
APUREMG, 9ª seção. 1º de junho de 1967.
378
Ibidem.
379
APUREMG, 10ª seção. 9 de junho de 1967.
380
APUREMG. 14ª seção. 11 de agosto de 1967.
381
Ibidem.
208

finalizado. A impressão era que, por alguns meses, houve certo alívio no tocante aos
atrasos salariais.
No ano de 1968, a situação financeira da universidade voltou a piorar. E o
debate em torno da greve para resolver o problema imediato da falta de salário e a
federalização para romper definitivamente com o governo estadual retornou entre os
docentes. Desta vez, os associados decidiram em assembleia realizar um estudo sobre a
questão financeira da UREMG e mostrar para o governo382. A iniciativa visava,
novamente, a sensibilizar as autoridades em relação ao problema dos salários e da falta
de estrutura proveniente da irregularidade do envio de recursos. Porém, diante do
agravamento da crise, a paralisação das atividades de ensino foi a solução encontrada
pelos docentes. A greve 383, que foi objeto de debate por tanto tempo na Apuremg, enfim
foi efetivada em 1968. Somado a isso, os docentes conseguiram marcar uma série de
reuniões com membros do alto escalão do governo estadual, principalmente para
analisar a proposta de federalização da UREMG.
Foi nesse contexto que foi criada na UREMG uma Comissão para a
Federalização. Formada por professores associados à Apuremg juntamente com o reitor
e diretores da universidade, a comissão saiu dos limites territoriais da instituição para
fazer política. Negociou com o governo do estado, com o Ministério do Planejamento,
Câmara dos Deputados e Senado. Os principais suportes políticos da comissão eram os
senadores Milton Campos e Arthur Bernardes Filho e o então ministro de Relações
Exteriores e ex-governador José Magalhães Pinto. De acordo com as atas da Apuremg,
“A este último foi entregue uma solicitação escrita para que fosse sustado o andamento
do processo da federalização da UREMG até que fosse conhecida a legislação
pertinente à Reforma Universitária” 384. Havia grande receio por parte dos docentes de
que modificações pudessem piorar ainda mais o panorama educacional vigente. No
entanto, a participação do reitor em uma Reunião do Conselho dos Reitores aumentou
ainda mais o desejo pela federalização. “Os reitores das fundações universitárias
federais encontravam-se eufóricos com o tratamento dispensado pelo governo federal às
suas universidades”385.

382
APUREMG, 15ª seção. 12 de fevereiro de 1968.
383
Infelizmente, os desdobramentos da greve de 1968 não foram relatados nas atas da Associação.
384
APUREMG, 18ª seção, 1968.
385
Ibidem.
209

Das opções da UREMG em relação à federalização, a alternativa apresentada


pelo ministério do Planejamento foi a transformação da universidade em fundação. No
encontro que o reitor manteve com o ministro da educação Tarso Dutra, “foi-lhe
afirmado com toda ênfase da impossibilidade da passagem da UREMG para a esfera
federal a não ser sob a forma de fundação. O mesmo pensamento lhe foi também
transmitido pelo ministro Magalhães Pinto”386.
A princípio, os professores vislumbraram alguma vantagem nessa mudança. No
entanto, o reitor comunicou à Comissão de Federalização que as intenções do Ministério
do Planejamento não eram as mesmas da Apuremg. A opção colocada pelo governo
federal sugeria que os funcionários da UREMG continuaram ligados ao governo
estadual, mas a universidade pertenceria à União. Isso foi proposto na reunião da
comissão de federalização junto com o ministério do planejamento. Os professores
discordaram dessa proposta e insistiram na federalização por completo da instituição.
De certa maneira, o trabalho de convencimento das autoridades para
federalização passava também pelo senado. O senador arenista Milton Campos, o
político responsável pela transformação da ESAV em UREMG na década de 1940,
propôs uma emenda constitucional que, entre outras coisas, aumentava a subvenção
federal para a UREMG. Dessa forma, de acordo com a ata, o reitor convidou os
membros da comissão da federalização para uma reunião em sua casa. Assunto: “serem
enviados à Brasília para assegurar a vitória da emenda Milton Campos ao orçamento da
união para 1969, que também aumentava a subvenção da união para a UREMG de 4
para 7 bilhões de cruzeiros velhos” 387. Porém a emenda foi derrotada no senado. E além
disso, a notícia dada aos professores sobre a federalização pegou a todos de surpresa.
Segundo a ata, o “ministério do planejamento aceitaria a transferência da UREMG para
o âmbito federal com a contrapartida do Estado, que consistia na responsabilidade de o
governo mineiro pagar o vencimento dos servidores inativos e efetivos da UREMG” 388.
Não precisa ser nenhum gênio para concluir que a reação dos professores foi de
grande revolta. Ter o patrimônio da universidade repassado à União, mas com salários
atrelados ao estado de Minas Gerais, era aceitar uma federalização de araque. O reitor,
no entanto, assegurou que haveria “suplementação de salários dos funcionários

386
Ibidem.
387
APUREMG, 9 de novembro de 1968.
388
Ibidem.
210

estaduais pela fundação”389. O presidente da Apuremg disse que, na verdade, “no


anteprojeto do Ministério do Planejamento nem ao menos constava a possibilidade de
suplementação”390. Fica evidente o desentendimento da associação docente em relação à
postura da reitoria, que parecia mais atrelada ao governo do que às necessidades da
instituição. Abaixo, segue uma discussão entre o presidente da associação e o reitor no
tocante ao argumento da suplementação dos salários pelo governo federal:

O magnífico reitor respondeu que não havia necessidade, pois isto seria uma
coisa evidente. O presidente da Apuremg alegou então que não havendo
obrigatoriedade legal para a suplementação, tudo dependeria dos dirigentes da
UFV e que de promessa estamos fartos; a situação deveria estar expressa no
preto no branco, no projeto de lei. (Nesta parte, o sr. Presidente foi
interrompido por palmas efusivas do plenário)391.

De acordo com o reitor, a UREMG dificilmente sobreviveria em 1969 dos


recursos do estado e da subvenção da União de 4 bilhões. Na visão do reitor, o ano
seguinte seria pior que o ano de 1968, que teve vários meses de atrasos salariais e
verbas de custeio. Porém, o reitor achava que deveria ser aceita a solução do Ministério
do Planejamento, algo que foi rechaçado pelo presidente da Apuremg. É perceptível que
sua atitude era de não enfrentar as lideranças políticas. Obviamente, a Associação foi
contra a proposta do Ministério do Planejamento e buscou, em assembleia, novas
formas de pressionar o governo a encontrar outra saída para que a federalização fosse
completa. A indignação da Comissão de Federalização e da Associação foi o reitor
aceitar a proposta do Ministério do Planejamento sem consultar a comissão e os órgãos
colegiados da UREMG. Foi até cogitado, no plenário, tirar o reitor do cargo, tamanha
era a revolta dos professores em relação ao dirigente.
Na assembleia que discutiu a proposta de federalização do governo, um membro
da Comissão de Federalização comentou que, em conversa com o senador Milton
Campos, o político concordou com a proposta de federalização da comissão,
recomendando, inclusive, que fosse encaminhada para as autoridades federais. “O reitor,
como dono da universidade, já decidiu que o anteprojeto é bom. Mas como pode ele
decidir os destinos de mais de mil pessoas sem pelo menos consultar seus
representantes”392. Diante disso, a proposta da assembleia foi “que a direção da

389
Ibidem.
390
Ibidem.
391
Ibidem.
392
Ibidem.
211

Apuremg lutasse por todos os meios para melhoria do anteprojeto atual – inaceitável
por nós – e adotasse medidas que achar necessárias” 393. Diante disso, foi colocada pelo
plenário a necessidade de expor à imprensa a situação da universidade e a posição dos
docentes contra a reitoria.
A federalização da UREMG movimentou os professores a se inteirar sobre o
contexto político nacional para lutar por seus direitos. Negociaram com políticos das
diferentes instâncias federativas e enfrentaram o projeto do Ministério do Planejamento,
que pouco mudava a situação da universidade. Pode-se afirmar que o engajamento da
Apuremg nesse contexto foi enorme, pois, no fim das contas, em 1969, a UREMG foi
federalizada e transformada em Universidade Federal de Viçosa. No entanto, os
docentes conquistaram suas demandas sem incomodar o poder ou oferecer ameaça ao
regime militar.
Certamente, a luta pela melhoria da carreira docente da UFV não terminou com
a federalização. Algumas pendências se arrastaram no ano de 1969. A universidade
tornou-se federal, porém, alguns professores e outros servidores continuaram no regime
antigo, vinculados ao estado de Minas Gerais. Essa dualidade gerou constrangimento na
universidade, uma vez que parte dos professores reclamava dos constantes atrasos
salariais. Dessa forma, a antiga Apuremg e atual Aspuv buscou negociar com as
lideranças universitárias e políticas uma solução para esse problema, que teve fim na
metade da década de 1970.
Portanto, ao analisar a atuação da associação docente no contexto da ditadura, o
comportamento político dos associados da Apuremg pode ser interpretado como
coerente com os jogos de acomodação analisados por Rodrigo Motta. Mesmo com
propostas de greve e a não aceitação dos termos para a federalização da universidade -
que supostamente incorria em subversão à ordem nos parâmetros do governo militar -
os professores buscaram deixar claro para as autoridades que suas ações não tinham
caráter político. Neste aspecto, os associados buscaram desvincular o interesse pela
classe docente de qualquer crítica ao contexto político nacional. Por outro lado, a greve
como instrumento de reivindicação e a indisposição de aceitar a federalização nos
termos do Ministério do Planejamento afastaram a Apuremg da adesão ao regime
autoritário, porém, sem resultar em resistência contra a ditadura.

393
Ibidem.
212

Dessa forma, é necessário interpretar as razões da acomodação 394 da associação


docente da UREMG em relação à ditadura. Em primeiro lugar, o próprio contexto de
repressão certamente induziu o movimento local a desassociar a greve de qualquer
elemento subversivo. Estavam bastante vivos na memória os expurgos feitos em 1964,
que levaram à demissão e aposentadoria de centenas de professores. Em segundo lugar,
a própria UREMG como instituição tinha bem consolidada em sua prática política
institucional uma boa convivência com o campo político. A prática da negociação ao
invés do conflito marcou a relação dos cientistas locais com o poder. Isso explica, por
exemplo, a negativa de muitos professores em relação à greve, sendo esta sempre a
última posição a ser considerada. Propostas “acomodatícias” como envio de cartas às
autoridades para explicar as ações da Associação diante da crise institucional
exemplificam bem esse ponto. Em terceiro lugar, não havia no Brasil qualquer tradição
associativa da classe docente do ensino superior. A Apuremg era uma associação muito
recente, sem qualquer vinculação com as centrais sindicais existentes. Não tinha
qualquer relação com os partidos de esquerda e seus membros, até onde consta, não
eram militantes de partidos políticos. Tampouco existia uma instituição que congregasse
os interesses das associações docentes ao redor do Brasil. A Associação Nacional de
Docentes do Ensino Superior (ANDES) só foi criada em 1981, em resposta ao
crescimento do movimento docente na segunda metade da década de 1970, o que
coincide com a militância política da associação em Viçosa. Só em meados da década
de 1980, com o surgimento de outras associações docentes e a progressiva
transformação dessas organizações em sindicato, que a Aspuv encampará lutas mais
gerais em relação ao trabalho docente. Até então, as demandas eram completamente
circunscritas ao âmbito local. É importante enfatizar que a Apuremg não tinha em seu
repertório de ações qualquer modificação da categoria docente do ensino superior. Sua
pauta de lutas era circunscrita à realidade da UREMG e, posteriormente, à UFV.

3.8 Considerações finais do capítulo


Neste capítulo, analisou-se como a adesão das lideranças acadêmicas da
universidade à ditadura modificou o cotidiano da instituição. Antes de tudo, existiu uma

394
É bom deixar claro que acomodação no sentido aqui proposto refere-se ao comportamento político
descrito por Motta (2014) como dentro da dinâmica dos “jogos de acomodação”. Dessa forma, os atores
optam por propostas conciliatórias ao invés de enfrentar diretamente o sistema estabelecido, neste caso, a
ditadura militar. Por outro lado, a acomodação não pressupõe necessariamente aliança com o poder
instituído.
213

matriz política que contribuiu com essa interlocução de interesses entre a academia e o
poder. Por meio da documentação analisada, ficou evidenciado que a universidade
buscou se aproximar do campo político para alcançar ganhos científicos e institucionais.
Mesmo que a instituição não expusesse publicamente um viés político-partidário
específico, mostramos aqui que, em diversas situações, os dirigentes universitários se
comportaram próximos do poder. Na verdade, os cientistas pareciam em situação de
“dívida moral” em relação aos governos militares. Dessa forma, em retribuição às
conquistas para a instituição na vigência desses governos, os militares e seus aliados
foram bem recebidos na UREMG/UFV, principalmente em forma de homenagens e
honrarias.
É importante frisar que a adesão à ditadura na Universidade Federal de Viçosa
foi além da convergência nos setores econômicos ou em relação à política agrícola,
tendo a direção da universidade cooperado com o regime na repressão à oposição. A
instituição não se furtou a colaborar com os órgãos de informação do Estado,
principalmente em relação à Assessoria de Segurança e Informação (ASI-UFV), que se
interpôs entre o Estado e a instituição, produzindo informações para os outros órgãos de
segurança, tais como o DOPS, SNI e Polícia Federal. Enquanto o movimento estudantil
questionava e enfrentava a ditadura militar, a instituição apoiou ação repressiva e, em
nenhum momento, se solidarizou com seus estudantes em momentos de maior
enfrentamento com os militares.
Também, neste capítulo foi evidenciado que nem só de adesão se resume a
relação da instituição com o poder. A associação docente criada em 1963 sobreviveu no
tempo e lutou pela qualidade da carreira profissional docente. Embora sua atuação não
afrontasse diretamente os donos do poder, a associação adotou táticas de reivindicação
que não eram aceitáveis para a ditadura, como greve, divulgação da situação financeira
da universidade por meio da imprensa e a não aceitação do projeto de federalização do
Ministério do Planejamento. Por outro lado, os professores fizeram questão de
desvincular o movimento da federalização e a luta pela valorização salarial de qualquer
aparência de rebeldia contra o sistema. Adotaram, portanto, uma postura de acomodação
ao regime, ou seja, optaram pela negociação em busca de seus interesses sem
demonstração de compromisso com os militares.
Dessa forma, mesmo que as lideranças acadêmicas assumissem uma postura de
proximidade com o regime militar, o comportamento político dos atores que compõem
o campo científico está longe de ser uniforme. A mesma universidade que homenageou
214

militares e contribuiu com a repressão à oposição teve uma associação docente que,
embora mantivesse uma postura de aparentemente apolítica, correu riscos de bancar um
projeto que inicialmente não tinha o apoio dos militares. Além disso, a universidade
também tinha em seus quadros estudantes que desafiaram a ordem instituída, tema que
será analisado no próximo capítulo.
215

4 O MOVIMENTO ESTUDANTIL DA UFV

4.1 Movimento estudantil395: da ESAV à UREMG


Conforme visto no primeiro capítulo, o movimento estudantil na ESAV surgiu
oficialmente em 1929, com a criação do Centro de Estudantes. Em 1942, o Centro foi
transformado em Diretório dos Estudantes. Típico do contexto da época, o movimento
da ESAV não era uma agremiação com preocupações fora do universo da instituição.
Não existia nenhuma articulação com centros acadêmicos de outras instituições com a
finalidade de refletir ou agir em relação à qualidade do ensino superior. Pelo contrário,
seu foco estava na organização de eventos acadêmicos, esportivos e culturais na Escola,
com o objetivo de promover a socialização dos estudantes e o fortalecimento dos
vínculos entre os discentes e a instituição.
A Revista Seiva, periódico estudantil criado em 1940 pelo então Diretório dos
Estudantes, representa a percepção dos alunos no tocante ao cotidiano institucional.
Porém, é necessário frisar que a Seiva não era um veículo de notícias sobre o dia a dia
dos alunos, sua pretensão maior consistia na divulgação científica. Na verdade, após
1950, essa faceta fica cada vez mais evidente. Antes disso, o Diretório dos Estudantes
divulgava algumas de suas atividades no periódico, juntamente com discursos de
professores, paraninfos de formaturas e alguns textos com viés político.
De certa forma, um dos objetivos do periódico estudantil era exatamente
engrandecer o nome da ESAV. O primeiro exemplar já deixava bem claro: “Oxalá possa
esta revista inspirar-se no labor obscuro da seiva na manutenção da natureza para
trabalhar incansavelmente na continuidade inquebrantável da ESAV” 396. Longe de
limitarem suas preocupações ao universo acadêmico, os estudantes divulgariam suas
atividades na revista para, assim, mostrar a vitalidade da instituição diante das outras
existentes.
Dos eventos divulgados, nenhum outro se compara à formatura. Em muitos
exemplares da Revista Seiva, as cerimônias são minuciosamente detalhadas, inclusive

395
A complexidade da universidade como microcosmo social nos fez questionar se os estudantes de fato
fazem parte do campo científico. Se o objetivo do campo é a busca por sua autonomia, onde entram os
estudantes nesse jogo de poder? Na verdade, os estudantes também se utilizam do capital científico em
busca de seus interesses, seja para obter vantagens no incremento de sua formação acadêmica ou na
possibilidade de prosseguir com a carreira científica dentro ou fora da instituição. Muito além dessas
questões, os estudantes também estão inseridos nas disputas inerentes à relação da universidade com o
poder. As pressões oriundas do político também afetam o cotidiano estudantil, obviamente. Entender
essas nuances está no horizonte deste capítulo.
396
Revista Seiva, N.1 Agosto-Setembro de 1940. Ano I.
216

com os textos do paraninfo e do orador de turma. A presença de políticos e ex-alunos da


instituição envolvia longos discursos de exaltação à ESAV, à profissão do agrônomo e à
importância da agropecuária para a economia nacional.
Além disso, os eventos esportivos e culturais também eram divulgados nas
páginas da Seiva. A Marcha Nico Lopes, conhecida também como o trote dos calouros,
foi alvo de muitas páginas na revista discente. Diferentemente do teor político adquirido
nos anos posteriores, a Marcha era um espaço de integração estudantil. Muito parecida
com o carnaval fora de época, os estudantes criavam blocos e saíam fantasiados nas ruas
do campus, tendo como “puxadores” os próprios calouros. No ano de 1942, o tema da
marcha foi a “nacionalidade brasileira”. E os desfiles de fantasias, puxado pelos
calouros, representaram elementos da cultura nacional, entre eles: A aviação brasileira,
unidade social brasileira, pan-americanismo e jangadeiros.
Dessa forma, é perceptível que a Marcha Nico Lopes não assumia, naquele
momento, a mesma conotação política dos anos subsequentes, principalmente na década
de 1960. A Marcha misturava elementos do próprio cotidiano da Escola, como a sátira
de situações de aula e da convivência no internato397 com perspectivas externas ao
campus, seja em relação à cultura brasileira ou à política nacional.
A atenção ao espírito cívico por meio da comemoração de datas especiais era
bastante valorizada na imprensa estudantil. A celebração dos símbolos nacionais não
passava em branco nas páginas da Seiva. A chamada semana da pátria, que compreende
o feriado de 7 de setembro, foi lembrada pelos estudantes no periódico. Porém, a alusão
à data foi acompanhada pela identificação do Brasil com os Estados Unidos, no
contexto da Segunda Guerra Mundial. Dessa forma, os estudantes não enxergaram
nenhuma contradição em associar a independência do Brasil com o fortalecimento das
relações com os norte-americanos, muito pelo contrário, ambas estão circunscritas no
mesmo ideal:

Coincidindo a circulação de Seiva com a “semana da pátria”, data comemorada


em todo o país com as mais brilhantes manifestações de civismo, essa revista,
que reflete o pensamento dos estudantes da ESAV, não podia ficar à margem
dessas justas comemorações. Por isso, mostramos os méritos de Maurício
Mesquita, o artista do lápis, a fim de que Seiva apresentasse algo que
apresentasse algo que refletisse o sentimento que anima a modalidade esaviana.
(...) num relance, traçou a imagem que ilustra a nossa capa, entrelaçando as

397
A maior parte dos alunos da ESAV vivia no internato da Escola. Dessa forma, a convivência era
bastante intensa, o que necessariamente aumentava a socialização entre os alunos e seu envolvimento com
a Escola.
217

duas bandeiras – Brasil e América do Norte – hoje irmanadas no mesmo ideal,


qual seja o da redenção dos povos oprimidos (...)398

No capítulo 1 desta tese, foi ressaltado o fascínio que Getúlio Vargas despertou
nos estudantes da ESAV. Na Revista, diversos textos do presidente foram publicados, e
a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial ao lado dos aliados foi muito
comemorada pelos estudantes esavianos. A paixão mostrada pelo governo Vargas está
diretamente ligada ao nacionalismo apregoado pelo ex-presidente. Isso certamente criou
um canal comunicativo entre o governo e os estudantes. Na verdade, a própria
caracterização das profissões agrárias estava conectada ao compromisso do profissional
com seu país. O agrônomo não era apenas um trabalhador que lidava com a terra, seu
papel consistia em gerar renda e desenvolver a economia nacional por meio do
desenvolvimento da agricultura. Isso explica como o discurso nacionalista agradava e
muito aos esavianos. Somado a isso, a luta contra o fascismo e a entrada do Brasil na
Guerra reforçaram a identificação dos esavianos com o presidente e, consequentemente,
com o próprio país.
Um parêntesis necessita ser aberto aqui para explicar a relação dos esavianos
com a política. Não é incomum encontrar nos discursos proferidos na instituição certa
aversão à política, pelo menos no que se refere à dinâmica partidária e institucional.
Enquadrado em uma concepção extremamente otimista em relação ao potencial de
desenvolvimento possibilitado pela ciência, o sujeito cingido com essa noção
automaticamente desconfia da política. Dessa forma, a política é interpretada como um
entrave ao desenvolvimento agrícola. No discurso do formando em agronomia José
Farah, de 1947, isso é bem explicitado. Segundo o estudante, a causa do êxodo rural
está relacionada “A indiferença e o menosprezo que liberais e governos devotam aos
assuntos do campo e da terra, determinaram o divórcio existente entre o homem e o
campo, gerando o êxodo rural” 399. A falta de investimento no campo e o consequente
aumento da pobreza rural afastaram o sujeito de sua atividade econômica principal: o
manejo da terra. Dessa forma, ele migra para a cidade. Para Farah,

(...) escolas não existem. Ouve falar em crédito rural e assistência financeira,
porém, não conhece o guichê dos bancos, a não ser para pagar promissórias
que emite a fim de custear os serviços de cultura agrícola. Por outro lado, as
tentações e os recursos, de que se ouve falar das cidades; os ordenados

398
Revista Seiva, N. 10. Outubro-novembro de 1942. Ano III
399
Revista Seiva. N. 28. Outubro-Novembro de 1947. Ano VIII.
218

pomposos pagos pelas empresas industriais; as leis sociais e trabalhistas criadas


pelo governo (...) falta de assistência social, educativa e econômica são, entre
outros fatores, os responsáveis pelo abandono do campo ou êxodo das
populações rurais, em demanda aos grandes centros400.

No discurso do estudante, há dois problemas que se complementam: o descaso


governamental com o meio rural e os investimentos concentrados nos grandes centros.
Em meio a essas dificuldades encontradas pelo agrônomo que desbrava os campos, o
estudante identifica função por excelência do profissional, a tarefa de modificar os
padrões produtivos das populações rurais. Embora houvesse abandono do poder público
no meio rural, o desafio do agrônomo não estava vencido, pelo contrário, segundo
Farah, “Educar e instruir, a tarefa é a mesma, para o engenheiro agrônomo que labutar
no campo ou para o que fizer pesquisa e ensino em laboratórios e escolas” 401.
Na mesma formatura, o professor e paraninfo Diogo Alves de Melo também
criticou a classe política pela menor atenção depositada no setor primário da economia.
O autor identifica uma grande incompatibilidade entre o crescimento da ciência
agronômica, o aumento do número de agrônomos e a queda na produção agrícola. O
problema não está na execução do trabalho dos profissionais, porém,

(...) as batalhas decisivas da produção, que deviam ser conduzidas pelo


Ministério e Secretarias de Agricultura através de seus técnicos, são
frequentemente entravadas pelos politiqueiros desonestos e ávidos de posições
que lhes satisfaçam a vaidade pessoal402.

Em outras palavras, a política tem atrapalhado a aplicação científica na


produção. Porém, sua crítica mais incisiva se dirige à postura dos cidadãos diante do
Estado. Para Melo, a percepção de um Estado de Bem-Estar Social descaminha o país
para uma maior autonomia. Segundo ele, “precisamos nos libertar da mentalidade
retrógrada de “Estado Providência”, esperando de tudo os seus esforços e recursos,
como se estes não fossem também limitados” 403.
O antídoto para a resolução desses males não foi associado a uma mudança de
postura política. O autor identifica no patriotismo e no engrandecimento do trabalho:
“Patriotismo é produzir, é engrandecer a pátria com o trabalho porque somente ele é
capaz de conseguir esse objetivo”404. Somado a isso, o autor sugere que a valorização de

400
Ibidem.
401
Ibidem.
402
Ibidem.
403
Ibidem.
404
Ibidem.
219

atitudes que façam a diferença. Para finalizar seu argumento, Melo sugere aos
formandos um princípio que estava no lema dos clubes agrícolas das crianças
americanas: “prometo sempre empregar a minha cabeça para pensar com mais clareza; o
meu coração para maior lealdade; as minhas mãos para trabalho mais intenso; e a
minha saúde para uma vida melhor para a comunidade e para a minha pátria” 405.
Em outra parte da revista que aborda a temática da política nacional sob o olhar
estudantil, um fragmento de texto do jornalista e filósofo católico Jackson de Figueiredo
sinaliza um pouco da visão política existente entre os estudantes. De acordo com o
fragmento,

Não creio que estejamos condenados à democracia. Ela não se realizou na


Europa, e já foi ultrapassada no sentido da anarquização. O homem não quer
desaparecer do planeta e é um ser racional, isto é, um ser capaz de vencer-se
nas suas paixões mais brutais, pelo menos, por interesse de viver. Creio
firmemente que acertaremos de novo, mais tarde ou mais cedo, com o nosso
leito natural, ou melhor, com o traçado hierárquico que Deus nos indicou ao
fundir o paganismo e o mundo bárbaro numa sociedade com fins espirituais tão
bem definidos406.

O ponto mais importante dessa citação não é a questão da democracia em si, mas
o cristianismo. Tampouco significa que entre os estudantes a democracia não era um
valor relevante. A prova disso é o apoio irrestrito à entrada do Brasil na Segunda Guerra
e o discurso contra o fascismo. Se a democracia não era um valor permanente, o autor
reforça que a esperança do mundo está em Deus. Em outras partes do periódico, há
diversas menções sobre Deus e a fé cristã.
Portanto, o perfil do alunado da ESAV tendia a uma profunda identificação com
a pátria, com a Escola e, acima de tudo, com Deus. Estava em sua identidade como
estudante o “ser esaviano”, juntamente com a valorização do civismo, nacionalismo e o
catolicismo. O exemplo a seguir representa perfeitamente os fundamentos da identidade
estudantil no contexto da ESAV. De acordo com a Revista:

Entre instituições que educam para a harmonia universal, nossa Escola figura
com seu grande ideal de melhorar a semente, o animal e o homem. Em sua
marcha gigantesca de bandeirante moderna, tem a ESAV procurado abrir
sendas gloriosas à passagem do progresso nacional. Continuando sua marcha
pelo bem da agricultura e da pecuária nacionais, a ESAV entrega neste fim de
ano mais alguns moços ao Brasil para que eles se gastem servindo à bela causa
de tornar a pátria independente. Todos partem saudosos, mas confiantes nos

405
Ibidem.
406
Ibidem.
220

ensinamentos aprendidos da Casa Mater. Quer nas terras ensolaradas do


nordeste, quer nas planícies frias do sul, quer nos campos misteriosos do
centro, os esavianos que partem irão demonstrar a capacidade dos seus
cérebros, a generosidade dos seus corações e a pujança do ideal que os
anima407.

Como consequência, seu comportamento político está aquém do questionamento


às autoridades, seja dentro ou fora da instituição. Porém, isso não impediu que existisse
no meio estudantil alguma movimentação em prol de seus interesses. O Centro
Estudantil da ESAV, segundo a Revista Seiva, “em 1929 foi fundado o primeiro Centro
de Estudantes, morrendo de morte natural, por desavença da Diretoria do Centro com a
da Escola, em 1930”408. Infelizmente, o texto não deixa claras as razões do
desentendimento que culminou no fechamento da organização estudantil. De qualquer
forma, pode-se perceber que, embora os estudantes buscassem engrandecer o nome da
instituição, isso não os imunizava dos conflitos com a direção da Escola
Por meio da leitura das atas da congregação da ESAV, encontra-se a existência
de um movimento de estudantes em protesto contra o rigor da congregação na punição
aos alunos considerados ruins, com suspensões e expulsões. De acordo com o texto, o
movimento de estudantes foi considerado “consequência da época e das agitações
políticas, nas quais, a que o Sr. Presidente classificou o movimento como injusto”409.
Havia uma prática na ESAV que realmente prejudicava a vida de muitos
discentes. Anualmente, a Congregação fazia uma lista dos chamados “Alunos
indesejáveis ao estabelecimento”. Aqueles que estavam arrolados nessa listagem
poderiam ser suspensos por um ou dois semestres e, em alguns casos, expulsos
definitivamente da Escola. De acordo com as atas,

A fim de verificar quais os que, por sua conduta social irregular, falta de
aplicação e aproveitamento nos estudos, se tornaram indesejáveis ao
Estabelecimento e deveriam ser afastados, salvaguardando-se assim o bom
nome, a integridade e a herança desta instituição410.

O rigor dessas e outras práticas foi questionado pelos estudantes. Inicialmente,


pouco mudou quanto a isso. Apenas com o crescimento da ESAV e sua transformação
em universidade é que as normas disciplinares mudaram de patamar. Em nenhuma ata

407
Ibidem.
408
Revista Seiva, N.2 Outubro-Novembro de 1940. Ano I
409
ATAS DA CONGRAÇÃO DA ESAV, 7 de dezembro de 1932.
410
ATAS DA CONGRAÇÃO DA ESAV, 13 de dezembro de 1932.
221

do Conselho Universitária da UREMG ou da UFV foi encontrado algum procedimento


disciplinar semelhante ao citado anteriormente.
Um marco importante no movimento estudantil foi a transformação da ESAV
em Universidade. Esse crescimento contribuiu para a criação de novos cursos e,
consequentemente, no aumento do número de discentes.
Além desse fato, a fundação de um novo veículo da imprensa estudantil, o Jornal
O Bonde, foi importante para amplificar os canais de expressão dos estudantes na
instituição. Diferentemente da Revista Seiva, O Bonde tinha caráter opinativo e bastante
irreverente, sendo recorrente a representação do alunado em relação a diversos temas,
como a vida universitária, a política nacional e as profissões agrárias. Por esse motivo,
esse periódico será utilizado como fonte histórica para analisar as representações desses
estudantes sobre a política brasileira e, sobretudo, para compreender a progressiva
radicalização do movimento estudantil na universidade.
No Jornal O Bonde, os autores propagaram textos de cunho humorístico com
uma temática bastante diversificada, que ia desde assuntos “banais” do dia a dia da
Escola, reivindicação de questões estudantis até notícias e análises da conjuntura
política nacional. Com idas e vindas, o periódico foi escrito de 1945 a 1963,
perpassando as diferentes fases da instituição, neste caso, da ESAV até a transformação
em UREMG.
No seu editorial de fundação, os estudantes reforçam seus objetivos de usar do
jornal para “ser uma tribuna livre para todos os esavianos exporem seus pontos de
vista, quaisquer que forem”411. Isso inclui, segundo o periódico, “um jornal com uma
parte humorística ampla, informativo, difusor de cultura, de técnica e tribuna para
debate dos mais sentidos problemas da nossa ESAV, do Brasil e do mundo” 412. Ou seja,
o jornal também se manteria atento às notícias relevantes do contexto ao redor e
também da própria instituição. Sem dúvida, o aspecto mais conhecido do jornal ficou
com o seu bom humor: “para melhor lenitivo às nossas canseiras e maior proveito das
horas de folgas, pensamos publicar nesta folha os quadros mais curiosos da vida
esaviana – que nem sempre estão ao alcance da vista ou ouvido de todos (...)”413.
No entanto a congregação da ESAV aprovou a existência do jornal com apenas
uma restrição: “que o jornal não abordasse ‘política partidária’ (política... ó pecaminosa

411
O Bonde. 1º de setembro de 1945. ACH/UFV.
412
Ibidem.
413
Ibidem.
222

palavra...) Pois bem, aqui estamos para materializar tudo o mais que dissermos acima,
com esta exceção”414. Essa orientação da direção não foi completamente acatada pelos
estudantes, que, em diversas publicações, analisaram o contexto político nacional.
No período imediato do pós-guerra, os estudantes traçaram uma análise da
conjuntura política mundial. O entusiasmo pelos Estados Unidos continuava,
juntamente com a crítica ao fascismo. De acordo com O Bonde,

Hoje, os americanos, democratas sinceros, livres do fascismo e de sua


influência, cumprem suas promessas, devolvendo pacificamente as bases aero-
navais de nosso território, depois de elas terem servido como trampolins da
Vitória da Democracia sobre o fascismo opressor 415.

Nas comemorações da semana da pátria de 1945, o discurso pró-americano foi


ressaltado novamente, sem perder de vista a guerra contra o fascismo: “Nós, com os
povos democratas do mundo, o vencemos no campo militar. Esta foi a primeira etapa de
luta contra o fascismo. A segunda, é eliminá-lo moralmente (...)”416. Em outro texto, O
Bonde destaca a ameaça à democracia: “Sim, o malogrado integralismo procura
rearticular as suas mesquinhas forças”417.
Dessa forma, a participação do Brasil na Segunda Guerra e sua aliança com os
Estados Unidos ainda aguçavam o imaginário da juventude da época. A retórica da
democracia, que em tempos varguistas era pouco utilizada, começa a ser proferida entre
os estudantes esavianos. Além disso, a participação efetiva de um viçosense na guerra
contribuiu para aumentar o envolvimento dos estudantes com o grande conflito
mundial. Segundo O Bonde, José Maria Alves Torres, que era irmão do professor da
ESAV, Dr. Anibal Alves Torres: “É nos grato e honroso noticiar a sua chegada a
Viçosa, porquanto coube ao bravo expedicionário a honra de primeiro atirar contra os
nazis”418.
De certa maneira, as publicações do jornal em relação à política internacional,
ainda que insistentes no tocante à democracia, suscitaram questionamentos por parte de
alguns estudantes. A insinuação que o integralismo estava a recuperar suas forças,
causou mal-estar a muitos. A resposta do editorial do jornal foi categórica:

414
Ibidem.
415
O Bonde, 8 de setembro de 1945. ACH/UFV.
416
O Bonde, 15 de setembro de 1945. ACH/UFV.
417
O Bonde, 14 de outubro de 1945. ACH/UFV
418
O Bonde, 22 de setembro de 1945. ACH/UFV.
223

O artigo se intitulava “Rearticulação do Sigma” e causou, de par com a


solidariedade da maioria dos esavianos, visível mal-estar por parte de outros.
De imediato surgiram inquirições, palavras de “indignação” pelo acontecido.
“Este jornal não é para tratar de política, como é isto?” Realmente o que
assentamos de início foi que o nosso semanário não trataria de política
partidária. Isto ele ainda não faz, e não o fará. A nossa orientação é
estritamente democrática. E por isto serão publicados os artigos de quem quer
que seja, e cujo assunto esteja enquadrado nas normas democráticas, sem
derivar para o partidarismo, e abordando tema de modo amplo. Urge que se
faça uma distinção entre política e “politicagem”, democracia e fascismo419.

Na continuação do texto acima, o editorial reforça a importância do estudante


em se posicionar politicamente. De fato, o jornal não poderia ser apenas um veículo de
informações do cotidiano escolar sem se ater aos problemas mais gerais da sociedade
brasileira. Para o editorial,

Considerando que hoje todo o mundo vive ou caminha para um clima de


democracia não é absolutamente justo que, por sermos estudantes de
agricultura, encostemos as armas de combate moral a esse regime que fez
verter o sangue brasileiro em águas do Atlântico e no solo europeu 420.

Nem só de democracia vivia O Bonde. A política agrícola também foi alvo de


reflexões dos estudantes. Conforme citado anteriormente, havia muitas críticas
direcionadas à suposta incapacidade do poder público de fazer uma boa gestão do setor
agropecuário. As reclamações constantes na falta de incentivo financeiro às lavouras, no
arcaísmo tecnológico, na desvalorização da profissão do agrônomo, enfim, estavam
presentes no discurso contra a ineficiência do poder público. Como parâmetro das más
escolhas dos nossos governantes, um artigo do O Bonde cita a eficiência dos americanos
no tocante à política agrícola, que protegeu a agricultura e limitou o aumento do preço
dos produtos industrializados. No caso do Brasil, a ausência do protecionismo agrícola
complicou nossa situação econômica. Segundo o texto:

Adotamos a política de povoamento das cidades. E o resultado é o que estamos


vendo. Falta de tudo e vozes e mais vozes a gritarem de todos os cantos que
precisamos produzir, produzir e produzir. Mas produzir sem defesa nenhuma,
ninguém quer. E graças à política voltada à lavoura, tão bem encaminhada pelo
atual ministro da fazenda, é que vamos, pouco a pouco, debelando o nosso
mal421.

419
O Bonde, 3 de novembro de 1945. ACH/UFV.
420
Ibidem.
421
O Bonde, 15 de junho de 1946. ACH/UFV.
224

No entanto, o autor do texto percebeu mudanças na política agrícola no governo


do Gal. Eurico Gaspar Dutra:

Hoje o panorama mudou. O crédito oficial e privado foi canalizado para a


lavoura. O governo prometeu comprar toda e qualquer produção por um preço
razoável e está executando. Os fazendeiros se viram curados dos
intermediários, exploradores, especuladores, que afluem às fazendas por
ocasião das colheitas, para obter o preço do produto por baixo e lançá-los no
comercio a seu belo prazer. (...) Estima-se em 18.000.000 de sacas de arroz,
28.000.000 a de milho e 2 e meio milhões a de feijão. Isto só em São Paulo,
foram Paraná, R. G. do Sul, Minas e outras unidades da federação que também
esperam produções compensadoras. Por aí podemos avaliar a grande eficiência
da proteção oficial à produção. Estimula-a, estabiliza os seus preços com os
produtores, garante e permite melhorar a situação interna e externa da nação.
Pela primeira vez na história o Brasil vai se alimentar e socorrer as populações
famintas da guerra (...)422

É óbvio que os estudantes foram tomados por grande otimismo diante desse
panorama político. Após a Segunda Guerra, a impressão geral era que a democracia
poderia se tornar uma realidade generalizada no mundo. E o Brasil também parecia
entrar nos eixos, ainda mais com novos incentivos na área da agricultura: “Não há quem
ignore o quanto o nosso povo se acha sedento pelo desenrolar dos acontecimentos do
novo governo democrático” 423. Dessa forma, a perspectiva do O Bonde estava na
movimentação dos agricultores em prol dos seus interesses. O pensamento é bastante
simples: com o fortalecimento da democracia e o interesse da classe política em investir
no meio agrícola, resta aos agricultores se unir e buscar a transformação de seus
destinos:

Que se congreguem fundando as Associações Rurais, associações estas que


tenham voz ativa e tornem respeitados os direitos e reivindicações da classe.
Dentro em pouco surgirão os anteprojetos e projetos de leis para o país. E
quem irá defender os interesses do agricultor? Quem senão ele, mais
credenciado para isso? (...) Urge, pois, que se uma a classe agrária para, com
energia, defender os seus interesses junto ao governo424.

No que se refere ao pensamento político propagado no O Bonde, pelo menos nas


décadas de 1940 e 1950, o que se vê é claramente uma postura crítica ao comunismo e,
novamente, a valorização da democracia como sistema de governo. No pós-guerra, o
nacionalismo tão proclamado já não estampava as páginas dos jornais discentes. A
explicação sobre a inviabilidade do comunismo, de acordo com O Bonde, “Os

422
O Bonde, 15 de junho de 1946. ACH/UFV.
423
O Bonde, 5 de outubro de 1946. ACH/UFV.
424
Ibidem.
225

comunistas são comunistas porque não experimentaram outra forma de governo que o
da extorsão monarquista, e por isso, não compreendem ou não querem compreender o
modo de pensar das repúblicas ocidentais” 425. Além disso, o autor prossegue, a “maioria
das republiquetas, da URSS para o sul, é democrática apenas na fachada. Nelas as
classes mais abastadas mandam e desmandam” 426. Não obstante, o jornal não deixa de
criticar as contradições existentes nas nações capitalistas. O autor chega a dizer que “O
capital no poder é igual à corrupção coletiva, compra de consciências, eludibriação das
massas”427. No caso do Brasil, o problema ainda é mais agudo:

Com o nosso Brasil a coisa muda um pouco. Somente 30% de sua população é,
funcionalmente, democrática, isto é, recebe os benefícios e exerce os direitos
de uma democracia. O restante é alijado desse sistema governamental por uma
acéfala lei eleitoral feita para uma minoria que se dá ao luxo de ler e escrever,
já que, nesta Pindorama, alfabetização não é gênero de primeira necessidade428.

Dessa forma, é possível conectar o anseio do movimento estudantil às próprias


aspirações de parte da sociedade brasileira no pós-guerra. A crítica estudantil se
aparelhava ao conjunto de manifestações contra o imobilismo da política em relação aos
“novos tempos”. Na concepção de Carlos Fico, “após a Segunda Guerra Mundial, em
1945, a sociedade brasileira dava-se conta, claramente, dos problemas que afligiam o
país, como a miséria e o analfabetismo” (FICO, 2015, p. 24). Ainda de acordo com
Fico, “os jornais (...) repercutiam tais problemas, faziam comparações com o estágio de
desenvolvimento dos Estados Unidos e dos países europeus e cobravam soluções da
sociedade” (FICO, 2015, p. 24).
O que se observa na leitura do O Bonde é que o discurso de otimismo do início
do governo de Gaspar Dutra foi cada vez mais reduzido com o passar dos anos. De
acordo com o jornal discente, “Enquanto nações que sofreram diretamente os danos da
guerra já começaram a ter suas atividades normalizadas, em nosso país, tem-se a
impressão de qual tal não se dará, ainda por muito tempo” 429. O otimismo foi
substituído por grande desânimo com os rumos da política nacional. O autor até
considerou aspectos positivos no governo de Dutra, porém, o imobilismo suplantou a
urgência na resolução dos problemas:

425
O Bonde, 18 de junho de 1949. ACH/UFV.
426
Ibidem.
427
Ibidem.
428
Ibidem.
429
O Bonde, 15 de outubro de 1949. ACH/UFV.
226

É verdade que ao país não faltam programas de ação, como o Plano Salte e
outros. O que falta, no entanto, é a ação. O presidente Dutra mostra-se imbuído
da melhor boa vontade na solução de nossos magnos problemas, mas é,
infelizmente, pouco apoiado pelos auxiliares430.

Outro ponto da crítica estudantil foi a valorização excessiva do governo em


desperdiçar as divisas acumuladas durante a Guerra na compra de produtos importados
pouco úteis: “Gastamos a rodo nossas divisas na importação de automóveis, rádios,
perfumes, jogos e mil outros artigos de luxo, ao invés de adquirirmos máquinas,
principalmente agrícolas”431. Na verdade, esse é o ponto principal que alavancou o
pessimismo em relação ao governo: o descaso com a agricultura:

Insistimos em afirmar que é o pouco amparo dado pelos governantes à


agricultura um dos principais causadores de todas essas dificuldades do país.
Se esforços fossem enviados com o fim de, com boa assistência, fixar o homem
rural a terra, a situação do Brasil viria a melhorar sensivelmente432.

Em 1950, o pleito para presidente também foi alvo da atenção dos estudantes. A
manifestação do O Bonde não é clara, porém, é provável que a crítica endereçada no
texto tenha sido para Getúlio Vargas. De acordo com o jornal:

Queremos saber se este ou aquele defenderá a classe média e a operária, ou se


continuará dando mãos aos que malbaratam nossa economia, dando apoio a
todos estes que nada fazem e tudo recebem. Queremos um líder de classes,
não um protetor de famílias. Já estamos com idade suficiente para lutar por
nossos direitos políticos e não continuar um joguete nas mãos destes poucos
que usufruem polpudos lucros à custa da miséria alheia433.

A referência a um suposto protetor de famílias pode ser associada a Getúlio


Vargas, chamado pejorativamente de “protetor dos pobres”. Independentemente se de
fato o autor faz um ataque subliminar ao candidato, os discentes não mostraram lado
político, apenas expressaram aquilo que não queriam. De certa forma, isso mostra que
estavam envolvidos com a política nacional, sem qualquer apatia ou descaso para com o
contexto político.
Prova disso, é a manifestação dos alunos da UREMG em solidariedade aos
secundaristas do Rio de Janeiro. Centenas de estudantes protestaram no Rio de Janeiro
contra as taxas nas escolas. O ministro da educação declarou que os protestos tinham

430
Ibidem.
431
Ibidem.
432
Ibidem.
433
O Bonde, 25 de março de 1950. ACH/UFV.
227

inspiração comunista e, por esse motivo, deveriam ser coibidos. Para O Bonde, “a
reunião foi pacífica e ordeira como o são todas as nossas reuniões coletivas (...). Foi
essa reunião fechada pela força. Foi violada uma casa do Estudante do Brasil, isto é, a
UNE”434. O autor lamenta o fato de que, no Brasil, qualquer manifestação se torna
perturbação da ordem pública ou é tachada de comunista. Diante da truculência da
polícia, os secundaristas foram até a ABI para expor o caso para a imprensa e também
foram expulsos. Não bastasse esse episódio, a matéria do O Bonde cita outro exemplo
de embate da classe estudantil e o poder: quando o estudante José Maria Rabello foi
preso pelo simples fato de criticar o governo.
É perceptível que o jornal discente da UREMG não se furtava a emitir opiniões
sobre o universo político brasileiro. Embora os comentários sejam espaçados entre um
exemplar e outro e bastante diluídos diante de vários assuntos, não se pode dizer que os
estudantes estavam alheios aos problemas nacionais. Um bom exemplo disso está na
análise do governo Café Filho, em 1955. O segundo governo Vargas havia acabado
recentemente com a morte do petebista. Mesmo diante da crise econômica e da
repercussão negativa diante do suicídio de Getúlio Vargas, os estudantes teceram
elogios à tentativa de Café Filho de baratear o custo do ensino no país:

Acreditamos na sinceridade com que falou o chefe do Estado, que, como todos
os que são produtos do próprio esforço, deve ter enfrentado numerosas
dificuldades para poder instruir-se. (...) O que parece razoável é ele ir ao
encontro da iniciativa particular, onde quer que esta se exerça honestamente no
preparo e formação da mocidade. Aí, caberia, talvez, uma subvenção, ou coisa
que a isto se assemelhe, no sentido da redução das taxas e demais despesas que,
de ano para ano, são surpreendidos os pais de família. Tabelar o ensino, como
ridiculamente pretendeu a famigerada Comissão de Preços, não entra na cabeça
de ninguém. O ensino é coisa delicada demais para ser confundido com
toucinho e artigos outros tabeláveis435.

Dessa forma, a solução encontrada e divulgada no O Bonde foi o aumento de


impostos de determinados produtos e sua destinação para a educação:

No seu apostolado de muitos anos pela educação, lembrava o professor Miguel


Couto que o governo federal poderia dispor das seguintes verbas para serem
utilizadas exclusivamente naquele serviço: majoração do imposto sobre
bebidas alcoólicas, imposto pesado sobre o jogo, a totalidade do imposto de

434
O Bonde, 31 de maio de 1950. ACH/UFV.
435
O Bonde, 30 de abril de 1955. ACH/UFV.
228

renda, todos os descontos na folha dos funcionários públicos, selos de


educação com múltiplos empregos, a juízo do governo436. (...)
De certa forma, pode-se afirmar que o movimento estudantil da UREMG
depositou alguma esperança no novo presidente, Café Filho, à frente do governo
federal. O discurso em prol da educação proferido pelo governante atraiu os olhares dos
estudantes. Tanto é que um discurso de Café Filho sobre a erradicação do analfabetismo
foi publicado na íntegra pelo O Bonde. Mesmo que o político exaltasse a importância do
ensino privado para contribuir com a qualidade da educação, os estudantes não
visualizaram a faceta privatista como um problema.
A educação nacional, em seus diversos aspectos, apresenta ainda todo um vasto
campo a conquistar. Não é possível ao Governo, nem o assunto pode ser objeto
de esquemas dentro da bitola normal. Eis porque desejo aproveitar esta
oportunidade para encaminhar um apelo a todos os setores que, na composição
da sociedade brasileira, representem a iniciativa privada. (...) A educação não
pode mais ser considerada como um privilégio de ricos, nem depender apenas
da rotina burocrática437 (...)

Dessa forma, o posicionamento político dos estudantes no pós-guerra adotou a


retórica da democracia e a bandeira da defesa da educação como temas de maior
importância. Também, o anticomunismo fez parte do repertório político dos estudantes
da ESAV/UREMG, o que de certa forma contribuiu para um maior afastamento do
movimento local em relação à UNE.
Em matéria divulgada por O Bonde, os estudantes teceram críticas ao congresso
estadual da UEE do ano de 1955. O principal ponto abordado relacionava-se à disputa
pela sucessão da diretoria da entidade, que ofuscou o debate direcionado aos interesses
estudantes. Junto a isso,

As delegações que queriam realmente produzir algo, de início ficaram


decepcionadas, e viram suas aspirações refreadas. Aliado ao pensamento
político sucessório e à demagogia reinante, havia outro elemento inibidor das
verdadeiras finalidades do XIV congresso da estudantada mineira. Pecaram
gravemente os colegas de Itajubá, patrocinadores do Conclave, ao
programarem um excesso de recepções sociais, bailes, coquetéis e churrascos
(...)438.

No tocante à política, o texto exaltou o fato de as questões conjunturais não


terem “atrapalhado” o andamento do congresso. Na visão dos estudantes que
representaram a UREMG no conclave, as questões educacionais deveriam estar acima

436
Ibidem.
437
Ibidem.
438
O Bonde, 15 de outubro de 1955. ACH/UFV.
229

do campo político e, por isso, o debate partidário se fazia completamente impertinente.


Mas o maior destaque, para esses estudantes, foi a ausência dos comunistas no
congresso:

Quanto à política nacional, não tivemos, graças a Deus, a infiltração do


elemento comunista, esse traidor da pátria que costuma aparecer nos
congressos estudantis. Apenas tivemos debates acalorados quando se tentou a
publicação de um manifesto legalista com fortes tendências juscelinistas. O
plenário andou bem ao negar a aprovação de tal manifesto, e assim o
Congresso se manteve numa linha de absoluta neutralidade no que se refere à
política do país”439.

Embora o socialismo não tivesse qualquer prestígio na UREMG, um estudante


filiado ao Partido Comunista trouxe o debate do autoritarismo na instituição. O aluno
Hans Alfred Rappel foi expulso pela Congregação da Escola Superior de Agricultura
por usar o jornal discente Tribuna Estudantil para tecer críticas aos professores e à
própria instituição, que, por sinal, foram consideradas ofensivas pelos dirigentes
acadêmicos. Também o estudante Antônio Luiz Fonseca, colaborador de Rappel no
jornal, foi suspenso por um ano. Segue abaixo a parte do texto publicado pelos
estudantes:

Ao terminar o ano letivo de 1953, tiveram os alunos da ESA o desprazer de


ouvir um patético relatório, de uma administração patética. Ficaram deveras
“entuasiasmados” com o relato: “Pintei muitas casas, reformei outras, consertei
o telhado de algumas, modifiquei o refeitório, criei vários cursos (...) enviei
professores aos EUA e aos diversos congressos realizados no país (...) E o
problema da alimentação? E o cumprimento imediato das leis de ensino
superior, especialmente as relacionadas com o ensino agronômico? Nada. A
administração da ESA necessita extirpar de seu seio o aspecto da tradição, não
da britânica, mas da tradição proprietária da rotina. Parece-nos que com
exceção de P. H. Rolfs, os demais administradores da ESA nada mais fizeram
do que, debilmente, conservar a obra do seu fundado (...) O mais triste é
reconhecermos que estamos numa Escola de Agricultura e tendo ao nosso lado
uma Escola de Ciências Domésticas, onde a teoria abarca todos os setores e a
prática ainda não está muito difundida, e um Serviço de Extensão criado à
véspera da apresentação da lista tríplice para Reitor, patrocinando Semanas
Ruralistas, Semanas de Fazendeiros etc., para inglês ver (no caso, para
americanos verem). (...) Por que não se estuda um meio mais racional de
produção, distribuição e consumo das coisas produzidas nos campos da
Escola?440 (...)

A imprensa estudantil da UREMG não tinha o costume de tecer críticas


acintosas às lideranças universitárias. Sem dúvida, em alguns exemplares pode ser
observada alguma queixa contra a condução da direção da instituição, porém, longe de

439
Ibidem.
440
Tribuna Acadêmica. Nº 3, março de 1954. ACH/UFV.
230

significar qualquer ameaça. No entanto, o texto de Hans Rappel acerta em cheio tudo
aquilo considerado importante para a Congregação da Escola. Em primeiro lugar,
Rappel ataca a tradição da ESA, não a tradição do nome ou dos feitos dos pioneiros,
mas o vazio dessa trajetória sem aplicação aos reais problemas da instituição ou da
agricultura brasileira. Em segundo lugar, o autor ataca a administração da Escola,
considerada ultrapassada e insensível às necessidades da sociedade. Em terceiro, Rappel
denuncia o Serviço de Extensão e a ineficácia da ciência produzida na Escola para
alcançar os mais necessitados. O efeito desse texto não poderia ser mais negativo para
os professores e dirigentes da Escola.
No entanto, a punição dos autores não foi pela publicação do texto, pelo menos
de acordo com os representantes da Congregação da ESA no Conselho Universitário.
Segundo a ata do órgão máximo da UREMG,

Ao contrário do que vem sendo divulgado, o fato que preponderantemente


dominou nos espíritos dos professores foi a conduta pregressa dos alunos
implicados. Os artigos, publicados na “Tribuna Acadêmica” embora em
destaque na ata da Congregação da ESA de 24 de março de 1954, não
representavam na realidade o motivo principal da decisão tomada. Salientou
que os alunos têm propensões a promover agitações internas que traziam à
administração preocupações constantes441.

O conhecimento da militância de Hans Alfred Rappel não ficou restrito ao


campus. A delegacia de polícia de Viçosa investigou o envolvimento do estudante com
organizações de esquerda e, inclusive, enviou um pedido às autoridades policiais de
Belo Horizonte para tomar conhecimento do grau de “periculosidade” do investigado.
De acordo com o delegado, “o Sr. Rappel tem tido atitudes subversivas e agitadoras,
provocando cisão entre alunos dos vários cursos da escola” 442. Em complemento, o
delegado afirmou que o estudante citado “procurou introduzir jornais, revistas e outros
materiais subversivos na biblioteca da Escola Superior de Agricultura” 443.
A expulsão de Rappel e a suspensão de Fonseca causaram comoção entre os
estudantes da UREMG, além de ter mobilizado a UNE em favor da causa de Rappel.
Dessa forma, diversos diretórios acadêmicos nas mais diferentes instituições
incentivaram uma greve estudantil em solidariedade aos estudantes punidos. Sem
dúvida, a repercussão desse fato na imprensa incomodou as lideranças acadêmicas da

441
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 25/1954.
442
APM/DOPS/MG. Pasta: 0002 (Comunismo). Imagem: 35.
443
Ibidem.
231

UREMG. Jornais como o Correio da Manhã, Diário da Manhã e Jornal do Brasil


publicaram notas sobre o episódio na UREMG e a repercussão da revolta dos estudantes
contra o afastamento de Rappel e Fonseca. Somado a isso, o Diretório Acadêmico da
Agronomia entrou com um recurso no Ministério da Agricultura para reverter a
penalização dos estudantes. O ministro à frente da pasta declarou ao Conselho que a
maior preocupação do ministério era “de sustar a deflagração de uma greve estudantil
de caráter nacional, sob todos os títulos perigosa e inconveniente no momento presente
da vida nacional”444.
Com a repercussão da imprensa, a penalidade de Rappel foi atenuada. Na
verdade, Hans Rappel e Fonseca obtiveram permissão para a transferência para outra
instituição, o que foi feito em 1956. No caso de Rappel, os trabalhos escolares
realizados no ano de sua suspensão, em 1954, foram enviados para o Ministério da
Agricultura. Dessa forma, ficaria sob responsabilidade da pasta a revalidação das
avaliações do estudante445.
Esse episódio elucida diversos elementos que contribuem para um melhor
entendimento sobre o comportamento político na UREMG. De certa forma, é difícil
sugerir se a motivação maior para a punição dos estudantes estava na ousadia do texto
publicado ou na trajetória de Hans Alfred Rappel no movimento estudantil. Ambos se
complementam, obviamente, o que deixa a posição da Congregação bastante
desconfortável diante da opinião pública. Além disso, o pavor em relação ao
comunismo, mesmo em um contexto de relativa liberdade política, mostra que o
anticomunismo gestado desde os primeiros anos da instituição ainda estava em voga.
Em relação aos estudantes, fica evidente que o fato de Hans Rappel ser comunista não
afetou a solidariedade da comunidade estudantil quanto à punição.
O desdobramento desse caso, pelo menos em relação ao estudante expulso, foi
de continuidade da sua militância no Rio de Janeiro. E no contexto do golpe militar de
1964, o nome de Hans vai parar nas páginas policiais por sua militância política nas
comunidades rurais (WELCH, 2004). De qualquer forma, é importante salientar que o
envolvimento explícito de Rappel com a militância política de esquerda foi um caso à
parte na UREMG, pelo menos naquele contexto. Diante disso, faz-se necessário

444
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG. Ata nº 25/1954.
445
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG. Ata nº 37/1956.
232

questionar: quando os estudantes da UREMG/UFV vão radicalizar suas posições


políticas?

4.2 Historiografia: A esquerda e o movimento estudantil


Antes de problematizar a progressiva radicalização política dos estudantes da
UREMG/UFV, faz-se necessário analisar a historiografia referente à militância
estudantil. O movimento estudantil oscilou entre o ativismo em prol das mudanças
educacionais e a luta por questões políticas de cunho mais geral e estrutural. Questões
como a reforma universitária e políticas assistenciais estudantis se imiscuíam com a luta
contra o imperialismo e o capitalismo. Em certos momentos, assumiu-se uma retórica
revolucionária que delimitava a separação entre as lideranças do movimento e o restante
dos estudantes não engajados em partidos políticos ou ideologias de esquerda.
Somado a isso, a militância dos estudantes nas universidades também contava
com diversas tendências e correntes de pensamento político no seu interior. Inúmeras
organizações clandestinas, partidos revolucionários e grupos de esquerda influenciavam
o movimento em sua dinâmica de ação e pressupostos teóricos que fundamentavam suas
pautas reivindicatórias. O ponto alto dessa aproximação foi, após a sofisticação do
aparato repressivo do Estado – sobretudo a partir de 1969 –, quando muitos militantes
do movimento estudantil trocaram o ativismo nas instituições educacionais para
formação de grupos guerrilheiros contra a ditadura militar.
Nada melhor do que começar essa análise por um clássico. O texto de Arthur
Poerner446, composto no calor das manifestações de 1968, resgata a história e a memória
da militância estudantil desde os primórdios do Brasil até os embates entre a UNE e os
governos militares. O livro ganhou novas versões com o acréscimo de capítulos que
adicionam algumas questões mais recentes na história do movimento, tais como a
reconstrução da UNE no fim da década de 1970 e a participação dos estudantes no
período de Collor até o governo Lula.

446
Há de se questionar se a escrita de Arthur Poerner não estaria mais próxima de um trabalho
memorialístico do que da historiografia propriamente dita. Obviamente, a abordagem de Poerner está
mais para a defesa da UNE do que um esforço historiográfico de selecionar a documentação, interpretar
seus vieses e, assim, produzir um conhecimento historicamente relevante. Porém, o pioneirismo do autor
associado ao seu trabalho com as fontes o coloca próximo à historiografia, ainda que sua narrativa esteja
carregada de compromissos ideológicos que sem dúvida estruturam sua interpretação e impediram o
distanciamento do autor com seu objeto de análise. Mesmo assim, a alcunha de clássico permanece e sua
relevância não pode ser menosprezada.
233

O mérito indiscutível de Arthur Poerner está em consultar uma documentação


ainda inédita no tocante à história do movimento estudantil. Sua narrativa bem
construída é dotada de muitos dados, fatos e evidências que buscam mostrar o
protagonismo do estudante na sociedade brasileira. Por outro lado, a categoria “jovem”
e “estudante” contém um elemento quase mítico, sobretudo na perspectiva do autor, em
associar a rebeldia ao caráter geracional.
A força da juventude perpassa o tempo e mantém sua vitalidade contra a tirania
e o caos político. Sua visão, neste caso, é essencialista: o jovem mantém sua
combatividade no tempo, sem perder de vista o aspecto contextual e as particularidades
de cada época. Tampouco é considerada a infinidade de diferenças entre jovens de
classes sociais distintas ou pertencentes às mais variadas origens étnicas. Todos os
estudantes apresentam ter algo em comum: o espírito combativo. De acordo com
Poerner,

Esse algo mais que torna o estudante brasileiro muito mais maduro,
politicamente do que o seu colega europeu ou norte-americano consta de uma
profunda decepção quanto à maneira como o Brasil foi conduzido no passado,
de uma violenta revolta contra o modo pelo qual ele é dirigido no presente e de
uma entusiástica disposição de governá-lo de outra forma no futuro
(POERNER, 2004, p. 39).

Neste raciocínio, o jovem sempre foi e será o elemento central no


desencadeamento dos principais fatos históricos. Em outras palavras, a supervalorização
do jovem como protagonista da história homogeneizou a figura do estudante, como se
juventude fosse sinônimo de engajamento político de maneira quase universal.
Por outro lado, o contexto de produção em que Artur Poerner estava inserido
explica bastante do seu ponto de vista conceitual. Seu objetivo de fazer conhecida a
história de militância estudantil em plena ditadura tinha um elemento político
importante: defender o caráter democrático e nacionalista do movimento estudantil. De
acordo com Pellicciota, sua obra buscava recuperar o significado da resistência que o
movimento carrega no tempo, neste caso, o estudante como parte da juventude rebelde
(PELLICCIOTTA, 1997, p. 23).
Ao contrário da abordagem conceitual de Poerner, a tese de João Roberto de
Martins Filho constitui uma das obras mais relevantes sobre o tema. Sua linha
interpretativa rechaça a valorização idealística do chamado “poder jovem”. O autor
critica a “romantização” da atuação estudantil, geralmente divulgada pela produção
memorialística do próprio movimento.
234

O ponto de partida da crítica de Martins Filho é a suposta autonomia do


movimento estudantil diante do universo social existente. Para o autor, muitos
estudiosos identificaram na “classe estudantil” a capacidade de reinterpretar
simbolicamente as pressões sociais. Somado a isso, essa autonomia garantiu aos
estudantes um afastamento ideológico das classes que lhes deram origem. Porém, para
Martins Filho,

É possível afirmar que uma das características centrais dos trabalhos dedicados
ao tema do movimento estudantil brasileiro é a ênfase na autonomia ideológica
e no desvinculamento social do movimento, perdendo-se, assim, a relevância
crucial de sua adscrição [condição que está dependente, sujeição] de classe
(MARTINS FILHO, 1986, p. 9).

Nesse aspecto, Martins Filho busca superar a ideia da militância estudantil como
revolucionária, uma vez que ele parte do pressuposto de que existe relação direta entre o
radicalismo estudantil e as aspirações da classe média. Conforme citamos, o autor retira
o caráter quase místico do radicalismo sobre os ombros do movimento estudantil. Para
descrever melhor essa ideia, Martins Filho identifica que, antes de 1930, os estudantes
eram majoritariamente oriundos da burguesia comercial. Há uma mudança substantiva
com a integração política da classe média nos anos posteriores à Revolução de 1930. O
sistema político reconhece a possibilidade de a classe média influenciar as decisões
políticas. Neste aspecto, o sistema educacional torna-se o locus dessa integração. Isso se
acelera até a década de 1960, pois, segundo o autor, “camadas superiores e tradicionais
estavam cedendo lugar, na universidade, à crescente predominância dos estratos
médios” (MARTINS FILHO, 1986, p. 15).
Como consequência, a escolarização superior torna-se um instrumento da classe
média para a ascensão social de sua descendência. Somado a isso, o contato do jovem
com o conhecimento acadêmico, segundo o autor, não modifica a vinculação de classe
do estudante. Para João Martins Filho, a educação é reprodutora da hierarquia social. O
radicalismo estudantil, portanto, está sujeito à questão de classe. Para o autor, “as
relações que ele passa a estabelecer com seu projeto de carreira assumem importância
fundamental na formação da sua consciência radical” (MARTINS FILHO, 1986, p. 18).
Quando o estudante começa a perceber que seu horizonte se torna incerto e que sua
formação pode não ser suficiente para a ascensão social, ele se radicaliza.
A perspectiva de Luiz Antônio Cunha tem grande convergência com a análise de
João Roberto M. Filho. A radicalização estudantil é decorrente da insatisfação com as
235

limitações impostas à sua capacidade de ascensão social. O processo de burocratização


do estado e da monopolização da economia impediu que as classes médias
continuassem atingindo sua autonomia econômica por meio do pequeno comércio. A
educação superior tornava possível a mudança na escala social que, por sua vez, passava
pela busca do “topo das burocracias públicas e privadas” (CUNHA, 2007, p. 43).
Sem a obtenção do diploma, essa ascensão ficava comprometida. Isso explica a
grande procura pelo ensino superior no início da década de 1960, que sobrecarregou o
sistema que não tinha vagas suficientes para o aumento da demanda. Dessa forma, ao
perceber o cenário totalmente desfavorável à sua ascensão social – baixa oferta de vagas
nas instituições, ensino precário, taxas elevadas – o estudante se radicaliza.
Por outro lado, Cunha aponta o fator ideológico como elemento adicional à
questão de classe. Juntamente com a inserção de muitos estudantes no mercado de
trabalho para ajudar no custeio dos seus estudos, o contato com a reflexão das teorias
sociais na universidade contribuiu para o engajamento social. Neste aspecto, a
associação entre a vivência da exploração no mundo do trabalho e as teorias marxistas
criou um ambiente favorável à radicalização. De acordo com Cunha,

Os estudantes passaram a conhecer teorias elaboradas a partir da luta de classes


destinadas justamente a intervir nela como instrumento ideológico do
proletariado. A descoberta de sua situação “privilegiada” numa sociedade
organizada em função da exploração do homem pelo homem levava a
sentimentos culposos que conduziam os estudantes, frequentemente, a posições
extremadas de rebeldia contra a ordem social: “conscientizados”, engajavam-se
na “revolução” (CUNHA, 2007, p 56).

Já o trabalho de Renato Cancian significou outra abordagem sobre a


radicalização estudantil. Sua pesquisa buscou explicar as razões do envolvimento dos
universitários na militância estudantil. Para isso, o autor lançou questões para
compreender os “graus de engajamento” dos estudantes e entender as influências dessa
militância na vida pós-movimento (CANCIAN, 2008, p. 11). A análise desse autor
incluiu problematizar a ação política estudantil em sua historicidade, ou seja, se a
militância consistia apenas à época da juventude ou se existia continuidade dessa
participação após a formatura. Seu objetivo consistia em questionar a corrente
interpretativa que associa militância política apenas a critérios geracionais, ou seja,
como um fenômeno típico da juventude.
Em seus estudos, o autor “constatou que a ‘adesão ideológica’, vinculada à
“militância política”, são os fatores sociológicos determinantes que caracterizam um
maior grau de participação no movimento estudantil” (CANCIAN, 2008, p. 12). Neste
236

caso, para compreender a associação entre ideologia e militância, o autor analisou a


geração de líderes estudantis da década de 1970. Foi constatado que, primeiramente os
militantes assumiram uma ideologia de esquerda e, depois, participaram de algum
grupo, partido ou organização política (CANCIAN, 2008, p. 214).
Consequentemente, muitos dos líderes do movimento estudantil apontaram a
participação ativa no movimento associada à formação política antes do ingresso no
ensino superior, seja por influência familiar ou pela socialização e engajamento na vida
escolar (ensino médio). Grande parte dos militantes também indicou a própria
universidade como elemento de favorecimento ao engajamento e à militância política no
meio estudantil. A questão “ideológica e a vinculação a uma organização política
sustentam a participação mais ativa no movimento estudantil e constituem as bases para
formação das lideranças estudantis” (CANCIAN, 2008, p.232).
Dessa forma, a militância política vem em primeiro lugar e, portanto, torna-se
um fator decisivo no engajamento do estudante na universidade. A participação no
movimento estudantil transforma-se em estratégia da tendência política à qual os
estudantes se vincularam (CANCIAN, 2008, p. 232). O que determina esse engajamento
é o que Cancian chama de “projeto pessoal de tipo societal”. A construção do ideal
societário por parte desses estudantes, neste caso, oferece as bases para sua militância
política. Para o autor, “há uma articulação do interesse pessoal com o coletivo, isto é, o
estudante projeta seu destino profissional tendo como referência o destino da própria
sociedade em que vive” (CANCIAN, 2008, p. 207).
Portanto, o engajamento na universidade tem como pressuposto inicial a
militância política. A participação no movimento estudantil torna-se uma estratégia dos
militantes envolvidos com o ativismo político. Segundo Cancian, “é a militância política
que explica a militância estudantil, ou seja, a militância estudantil assume a
característica de uma variável dependente” (CANCIAN, 2008, p. 232)
A abordagem de Marcelo Ridenti sobre a radicalização do movimento estudantil
ofereceu outro olhar a respeito da vinculação de classe dos discentes e sua imersão na
militância. Assim como Renato Cancian, Ridenti acredita que as lutas estudantis não
podem ser explicadas apenas pela origem social dos universitários. Neste caso, a
questão determinante é a situação de transitoriedade da condição do estudante, que está
“entre as classes de origem e as classes que ajudarão a constituir depois de formados”
(RIDENTI, 1993, p. 141).
237

Junto a isso, Ridenti aponta que, no contexto do populismo, foram oferecidas às


classes médias e populares promessas de novas condições de ascensão social. Porém a
decepção dos estudantes no tocante a essas possibilidades, segundo o autor, contribuiu
para mobilizar as massas estudantis contra o Estado, os governos e, posteriormente,
contra a ditadura.
É evidente que essa leitura também associa a luta estudantil à necessidade de
ascensão social. No entanto, Ridenti desmonta o argumento de João Roberto M. Filho,
que aponta esse caráter como um projeto exclusivo da classe média. Havia diversos
estratos das camadas médias nas universidades, inclusive de estudantes-trabalhadores,
que estavam mais próximos das classes populares. Ridenti mostra também que a
possibilidade de ascensão se tornava ameaçada, seja pela estrutura econômica, pelo
arcaísmo das universidades ou pelo projeto autoritário do regime militar. Dessa forma,
todo esforço canalizado nos estudos parecia transformar-se em coisa vã, o que forneceu

“[...] condições para que os estudantes-trabalhadores se revoltem, quer no


sentido da rebelião para concretizar seus sonhos frustrados de ascensão (...)
quer no limite, transformando a insatisfação num ímpeto revolucionário que os
irmanaria aos demais trabalhadores, no sentido da superação da ordem
capitalista e da hierarquização social que ela supõe” (RIDENTI, 1993, p. 148).

Contudo, a questão da transitoriedade da condição estudantil não explica sozinha


a radicalização do movimento. A Universidade, herdeira da tradição cultural europeia –
marcada pelos valores humanistas – estava ameaçada pela modernização autoritária
preconizada pela ditadura. Esse choque de concepções de mundo atingiu em cheio
grande parte do estudantado, “cuja consciência crítica (...) não podia admitir o novo
modelo político e econômico, que parecia estancar o desenvolvimento econômico e
democrático do país” (RIDENTI, 1993, p. 148).
Para finalizar seu argumento, o autor reconhece que, juntamente com os fatores
classistas e ideológicos, havia um mal-estar mundial em direção à estrutura das
universidades. Dessa forma, a luta dos estudantes brasileiros é somada a uma conjuntura
de revoltas em várias partes do mundo, o que o autor identificou como “crise da cultura
burguesa”, o que será mais bem explorado adiante.
Dessa forma, a leitura de Marcelo Ridenti contribuiu com nossa interpretação
sobre o movimento estudantil da UREMG/UFV. Antes da década de 1960, as
aspirações dos estudantes de Viçosa estavam mais associadas às demandas de suas
classes de origem. No próximo tópico, será analisado exatamente esse fator: o
engajamento do movimento estudantil da UREMG/UFV no contexto da ditadura.
238

4.3 Os estudantes de Viçosa e a crítica ao “sistema”


Conforme analisado no tópico anterior, a historiografia sobre o movimento
estudantil oferece subsídios para a interpretação da transformação da participação dos
estudantes no tocante à política. Na década de 1960, o perfil do alunado já não era o
mesmo. Conforme abordaram Martins Filho (1986), Cunha (2007) e Ridenti (1993), as
universidades não atendiam ao crescimento do interesse pelo ensino superior. A pressão
por vagas, a ascensão social relacionada ao incremento da escolaridade, a estrutura
arcaica das universidades, enfim, são elementos citados na historiografia que explicam
as novas preocupações dos estudantes no que tange à escolarização.
A hipótese aqui levantada por meio da documentação do movimento estudantil
da UREMG/UFV tem como pressuposto a constatação de que, na década de 1960,
houve uma sensível mudança no comportamento político dos estudantes em relação à
universidade e ao campo político. Na dissertação de Martins Filho (1986), o autor
analisou esse progressivo interesse estudantil nas questões mais gerais da política
nacional, sobretudo após 1956. Nesse período, a UNE tinha uma orientação nacionalista
e popular, com organização de protestos, envolvimento em projetos de ação social e em
partidos políticos de esquerda – principalmente o PCB.
Desde 1961, acentua Jorge Ferreira (2003), a UNE tinha como grupo
hegemônico na sua liderança da Juventude Universitária Católica (JUC), que
posteriormente ressurgiu como Ação Popular. Com esses grupos à frente da entidade, a
luta pela reforma universitária se desdobraria nas outras demandas necessárias para
transformação da sociedade. Na concepção de Saldanha (2005), esse elemento
reivindicatório foi radicalizado no interior do movimento estudantil, dando origem à
bandeira da luta anti-imperialista e anticapitalista.
Porém, em Viçosa, a aproximação dos estudantes com a esquerda se deu de
maneira mais incisiva no contexto da ditadura militar, não antes como em outras
universidades. A militância católica por meio da JUC e posteriormente da AP teve
alguma influência no movimento estudantil de Viçosa, como será visto ainda neste
capítulo. Porém, a inserção da esquerda nesse contexto está restrita a pequenos nichos
dentro do movimento, sem qualquer influência na imprensa estudantil ou na
organização dos DAs.
Na UREMG, estudantes divulgaram por meio da imprensa estudantil um
conteúdo politizado e extremamente preocupado com a situação política nacional. Nesse
239

contexto, o clamor por reformas na estrutura do Estado chegou também ao alunado da


UREMG. Das reformas, a primeira identificada como urgente pelos estudantes é a
reforma universitária. Na perspectiva de O Bonde,

As leis e regulamentos da universidade e da Escola não estão ajustados à


época, já não servem mais nos dias de hoje, em que a descentralização
administrativa, a flexibilidade do ensino e a estruturação racional e dinâmica
das partes para harmonia do todo são o apanágio das universidades447.

Em 1960, o congresso da UEE-MG foi em Viçosa, sediado pela UREMG. Os


debates produzidos naquela ocasião mostram essa politização dos estudantes. De acordo
com O Bonde, o congresso orbitou “nas antigas teclas em que batem os estudantes,
como restaurantes universitários, melhoria de ensino, ausência de laboratórios e aulas
práticas, problema de faltas às aulas, diretrizes a seguir em greves” 448. Ou seja, de
alguma forma, o movimento estudantil local estava concatenado com as discussões dos
estudantes além das fronteiras da universidade local.
Dessa forma, os estudantes de Viçosa se apropriaram do discurso nacional-
estatista449 e abraçaram a pauta de reivindicações gerais do movimento estudantil. De
acordo com a Gazeta Universitária 450,

Hoje em dia refere-se ao estudante como detentor do “4º poder constituído”.


Não chegaríamos a este exagero, mas não poderíamos deixar de reconhecer a
grande capacidade do universitariado de influenciar decisões políticas
importantes. O movimento de independência (política) do Brasil, no passado,
estava intimamente ligado a acadêmicos. Manifestações em defesa da
independência política do país, defesa Petrobrás e da moralização nas remessas
de lucros por parte das firmas estrangeiras e outras mais surgem
constantemente nas entidades estudantis451 (...)

O discurso do texto acima aproxima a participação estudantil das demandas mais


gerais da sociedade. O autor prossegue seu argumento, criando um “tipo ideal” de
estudante universitário, neste caso, o sujeito interessado pelas demandas sociais e atento
aos problemas da nação. Junto a isso, caberia ao próprio diretório acadêmico direcionar
o corpo discente a esta árdua tarefa:

447
O Bonde. 9 de abril de 1960. ACH/UFV.
448
O Bonde. 8 de outubro de 1960. ACH/UFV.
449
O nacional-estatismo aqui é entendido de forma semelhante a Reis (2014), quando aborda projeto
nacional-estatista com base na centralidade do Estado na sociedade, com amplo o apoio das classes
populares.
450
Esse jornal discente foi fundado em 1961. Ele tinha uma característica mais formal quando comparado
ao O Bonde, que foi extinto em 1963.
451
A Gazeta Universitária. 26 de maio de 1962. ACH/UFV
240

O estudante sabe bem da necessidade de uma reestruturação básica na


democracia pátria e, por ela, luta ardentemente. Só assim talvez a miséria, a
mortalidade infantil, o analfabetismo, a doença, serão banidos dos lares de
nossos coirmãos, principalmente daqueles que labutam rudes lides no campo.
(...) Por isso insistimos que o estudante desta universidade deve ligar maior
importância na vida política, econômica e social do Brasil. E o diretório
acadêmico o auxiliará452 (...)

Em outro texto, o jornal Gazeta Universitária mostra, mais uma vez, a defesa da
necessidade da máquina do Estado para redução das desigualdades. O autor, na verdade,
critica o argumento liberal que associa os órgãos públicos aos comunistas:

Notamos governos estrangeiros tentando diminuir a atrocidade da fome no


nordeste do país, sem, no entanto, conseguirem êxito esperado, devido a
políticos inescrupulosos lançarem mão dos alimentos graciosamente enviados,
vendendo-os ou distribuindo-os demagogicamente apenas entre seus eleitores
certos, contados a dedo. Por outro lado, obras de vulto, tais como Petrobrás,
Sudene e outras, são sistematicamente perseguidas com as armas mais vis,
como a calunia. Tentam fazer o povo brasileiro ver nessas instituições, focos de
comunistas e traidores da pátria. A conivência criminosa ocorre também,
embora em pequena escala, na nossa universidade453.

Contudo, a convergência dos estudantes da UREMG com a retórica nacionalista


não os aproximou da direção da UNE. A crítica à maior entidade estudantil não era em
relação à sua pauta reivindicatória, mas, sim, à sua vinculação com os partidos de
esquerda e ao comunismo internacional. O Jornal O Bonde, sempre descrente em
relação à entidade máxima estudantil, teve uma publicação que “denunciou” as
manobras políticas da UNE no I Seminário Latino-Americano da Reforma do Ensino
para se filiar à União Internacional de Estudantes. De acordo com o autor:

O presidente da UNE, João Manuel Conrado, tentou o necessário visto para a


entrada no país de representantes da Rússia, China e Tcheco-Eslováquia,
convidados para participar do evento. Começaram, com este expediente, as
manobras por parte da direção da UNE, tentando impressionar o estudantado
brasileiro no sentido de que, por ocasião do próximo congresso nacional de
estudantes, seja conseguida a filiação da UNE à UIE. Como se sabe, a UIE é
controlada por estudantes comunistas e subvencionada pelos governos
totalitários da Cortina de Ferro. O seminário, conforme foi idealizado, tem
méritos inegáveis, mas estende uma manobra política, matreiramente armada
para conseguir a filiação da UNE à UIE454.

É interessante perceber que o autor não tira o mérito do seminário, sendo a


questão muito mais de perspectiva político-ideológica do que qualquer outra coisa. Para

452
Ibidem.
453
Ibidem.
454
O Bonde. 28 de maio de 1960. ACH/UFV.
241

Saldanha, a massa estudantil tornou-se crítica à política desenvolvida pela UNE,


principalmente nos anos 1963-1964. Nesse período, chapas de oposição à esquerda
foram eleitas em várias UEEs pelo país. Seguindo essa mesma ideia, o autor do texto de
O Bonde declarou sua disposição em frear o ímpeto dos comunistas na UNE, de forma a
buscar forças para a participação nos conclaves nacionais e, enfim, fortalecer a oposição
na entidade. Ainda de acordo com o autor,

Em um futuro bem próximo, se Deus quiser, o Congresso Nacional dos


Estudantes selará a derrocada definitiva do grupo que há muitos anos vem
fazendo uma política de desmandos, improvisação e baderna à frente da UNE,
a mesma UNE que tantas vezes abrigou a espírito democrático e renovador dos
moços brasileiros. O trabalho de sapa já começou e no próximo congresso
nacional dos Estudantes (...) lá estaremos para derrubar os alcaguetes da UNE,
os promotores de manifestações anarquistas, os vassalos dos interesses da
esquerda comunista, os vanguardeiros do “nacionalismo” altamente rendoso
para os interesses pessoais. (...) Agora é ficar firme porque as seduções
mirabolantes da época pré-eleitoral são envolventes e tentadoras. Mas de nada
adiantarão formulas, composições, barganhas, ofertas ou seminários: já foi
decretada a falência peremptória da situação da UNE455 (...)

Conforme o prometido pelo autor do texto citado acima, os representantes da


UREMG nos congressos estudantis seriam opositores agudos da chapa à frente da
entidade. No congresso da UNE em Belo Horizonte, também em 1960, o diretório
acadêmico da Agronomia, o DAAB, atuou tanto na denúncia de desvio de verbas da
UNE quanto na indicação de um estudante de Viçosa na direção da UEE:

Conseguiram o DAAB e todos seus associados duas expressivas vitórias: a


constituição de uma comissão de inquérito na UNE para apurar o destino de
17.000 dólares doados à entidade máxima do universitário brasileiro pela UIE
de Praga, manobrada por comunistas. A indicação do colega Fernando Rocha
para ocupar a vice-presidência de assistência, (...) Entretanto o colega declinou
do convite456.

Portanto, é possível afirmar que, no geral, os estudantes da UREMG


concordavam com a necessidade de reformas no estado brasileiro e na educação,
embora rechaçassem as demandas da esquerda que estavam à frente da UNE. É certo
que a pauta da reforma universitária liderada pela UNE tinha apoio da maioria dos DAs
das mais diferentes universidades do país. No I Seminário Nacional da Reforma
Universitária, os estudantes teceram diversas críticas ao sistema educacional vigente,
principalmente em relação à falta de autonomia universitária, crítica à cúpula que dirigia

455
Ibidem.
456
O Bonde. 13 de agosto de 1960. ACH/UFV.
242

as instituições, ao arcaísmo das cátedras vitalícias, aos métodos pedagógicos


ultrapassados etc. Por outro lado, o seminário citado também teceu ataques ao
capitalismo, conforme pontuou Luiz A. Cunha: “Poucas foram as referências ao
contexto internacional. Quando elas foram feitas, surge como tema central, a dominação
imperialista como recurso tanto do capitalismo “retrógrado e classista” para se manter”
(CUNHA, 2007, p. 178). Esse aspecto considerado ideológico encontrava resistência
dos estudantes da UREMG.
Porém, isso não significou ausência de dissensão entre os estudantes de Viçosa
em relação à UNE. O próprio Jornal O Bonde, que na citação anterior elogiou o DAAB
por sua atuação de enfrentamento em relação à União Nacional dos Estudantes, dois
anos depois criticou o diretório da Agronomia por supostamente defender a UNE. De
acordo com O Bonde,

O Diretório Acadêmico Arthur Bernardes precisa de uma nova política.


Política de incoerência é que não podemos aceitar. Incoerência como esta
verificada na Assembleia do dia 10 de agosto. Atitude infantil da UNE:
aplausos do DAAB. Onde andará senso de responsabilidade de cada um de
nós? Para que nos serviram os 75 dias de greve, quando o nosso ideal não foi
concretizado?457

Não foi encontrado nenhum outro documento que apontasse, naquele momento,
essa convergência do DAAB com a UNE. O mais importante é perceber o óbvio, neste
caso, que não havia unanimidade dentro do movimento estudantil e, também, que o
posicionamento a favor da UNE causava mais divergência do que aproximação na
UREMG.
Dentro desta perspectiva, é perceptível que no ano de 1962 houve maior
engajamento dos estudantes na universidade. A começar pela chamada “Greve do 1/3”,
que agitou o cenário universitário brasileiro naquele ano. Mesmo que na UREMG a
UNE estivesse longe de ser unanimidade entre os alunos, a campanha do “Um terço”
mobilizou os universitários da instituição, que, juntamente com diversos outros pares,
também resolveram cruzar os braços e deflagrar uma greve estudantil. Essa greve foi
motivada por um apelo por maior participação discente nos órgãos colegiados das
instituições superiores, que até então, estava restrita a 1/5 dos representantes. Porém o
conteúdo da greve não estava resumido apenas na questão da representatividade nos
órgãos colegiados. Martins Filho (1986) comenta que, de forma geral, estavam também

457
O Bonde. 6 de setembro de 1962. ACH/UFV.
243

em pauta a democratização da universidade, a abertura de vagas e mais subsídios à


educação.
O impacto da greve do 1/3 foi grande no movimento estudantil. Para Martins
Filho, depois da grande paralisação dos alunos, duas tendências são marcadas no
interior do ME: de um lado, o PCB a favor na concentração de “lutas específicas”
enquanto a Ação Popular (AP)458 defendia a campanha pela reforma universitária no
âmbito da mobilização interna e externa (MARTINS FILHO, 1986, p. 68). No entanto,
na UREMG, a preferência dos estudantes será pelas lutas específicas, embora as
questões gerais também estivessem em pauta. Mas a radicalização política juntamente
com o engajamento em partidos políticos ficou mais evidente no contexto da ditadura
militar.
De fato, é difícil afirmar qual era a corrente política mais presente dentro do
movimento estudantil na UREMG. Sabemos que, nos anos 1960, a JUC se fazia
presente em Viçosa. No jornal O Bonde, há algumas referências à juventude católica,
sendo todas elas em tom de ironia, sempre debochando da aproximação dos católicos
com o PCB. De acordo com O Bonde, “um jucista nega o comunista, mas não dispensa
o seu apoio. Para o comunista, o jucista é um marionete” 459. Na mesma edição do O
Bonde, um estudante identificado pelo apelido de Carranca foi denominado pelo autor
de Apista, ou seja, membro da Ação Popular. De acordo com o texto, o estudante citado
é “um dos mais brilhantes apistas de Viçosa. Participa ativamente dos acontecimentos
sociais, angariando adeptos para o movimento revolucionário na UREMG 460.
Independentemente das correntes estudantis, os estudantes dispensaram grande
atenção aos problemas nacionais. As demandas da educação superior e a situação da
universidade brasileira não foram preteridas pelos alunos de Viçosa. Isso fica mais
evidente quando o assunto é a estrutura da própria UREMG. Os estudantes, embora
preocupados com as pautas típicas do movimento estudantil – conforme citado no
parágrafo anterior – não ficaram alheios aos interesses dos outros atores da comunidade
universitária. A reclamação pela falta de recursos para pesquisa e extensão e a baixa
remuneração de professores e servidores também entraram na pauta reivindicatória dos
alunos da UREMG:

458
Não há referências na UREMG/UFV de qualquer relação do PCB com o movimento estudantil. No
tocante à AP, também os indícios são escassos. Apenas algumas sátiras aos jucistas e apistas foram
encontradas na documentação consultada.
459
O Bonde. 19 de outubro de 1963. ACH/UFV.
460
Ibidem.
244

Com orçamento reduzidíssimo para atender a suas necessidades, não pode a


UREMG desempenhar o seu importante papel de fornecedora de profissionais
para a agricultura, se lhe falta o numerário que ergue prédios, adquire material,
remunera (justamente) professores e funcionários e sustenta pesquisa e
extensão. (...) Dinheiro existe porque as revistas e jornais, em caixa alta,
anunciam que os cofres públicos de Minas estão saneados461.

Em 1962, um grupo de estudantes se uniu aos servidores da UREMG, os


chamados operários, para discutir e buscar melhorias para a situação dos servidores da
instituição. Segundo a Gazeta Universitária, “a situação calamitosa dos operários
obrigou os diretórios acadêmicos a nomear uma comissão que se encarregaria de
estudar os problemas do operariado e, se possível, solucioná-los”462. A posição precária
desses trabalhadores com salário muitos baixos sensibilizou os estudantes, que enviaram
relatórios para o governador, secretário da agricultura e para o diretor da ESA sobre a
penúria dos servidores.
A iniciativa estudantil incluiu também a prática extensionista em relação aos
servidores. O jornal Gazeta Universitária divulgou as ações estudantis para amenizar a
situação de pobreza dos operários, neste caso: “o combate à verminose, alfabetização,
educação de base (...)”463. Além disso, a chamada União Operário-Estudantil ofereceu
espaços de lazer e integração para servidores e estudantes. De acordo com a Gazeta
Universitária,

Vimos observando ultimamente, ação benfazeja da União Operário-Estudantil


da UEMG, qual seja, a promoção de sessões cinematográficas a seus nobres
associados. A diversão é um setor de muita importância na vida dos homens
(...) As reuniões têm sido concorridas e bastante proveitosas e bastante
proveitosas no que tange à aproximação dos valorosos operários que a
compõe464. (...)

Outra iniciativa dos universitários, em conjunto com a igreja católica, foi a


promoção da educação de base entre as crianças da cidade de Viçosa. De acordo com o
Jornal,
Os trabalhos se dividiram em dois tópicos. O primeiro é o da educação de base
(...) O segundo é aquele coordenado pelos bravos rapazes e pelo encorajador
Pe. Mendes, o educador. O número de moços e moças ultrapassa quarenta. São
pessoas que se deixam levar pelo puro idealismo, pela sã consciência cristã,

461
O Bonde. 26 de março de 1960. ACH/UFV.
462
A Gazeta Universitária. 7 de abril de 1962. ACH/UFV.
463
Ibidem.
464
A Gazeta Universitária. 26 de maio de 1962. ACH/UFV.
245

pelo alto espírito patriótico. Agora, já se contam mais de 200 jovens


frequentando o curso de admissão e, no próximo ano, funcionará mesmo o
“Ginásio Raul de Leoni”465.

A melhoria no ensino na UREMG também foi pauta de discussão entre os


estudantes. Desde os anos 1950466, a imprensa universitária “denunciava” o estilo
ultrapassado de muitos professores, que insistiam no uso de apostilas em detrimento da
literatura especializada. Já na década seguinte, a Gazeta Universitária publicou um texto
que celebrou a nova orientação de muitos professores em preterir o uso das apostilas.
De acordo com o texto,

Realmente é auspicioso verificarmos que entre nossos professores existem


alguns de espírito renovador, quebrando o velho tabu. Referimo-nos a um
valoroso mestre da nossa universidade, que vem imprimindo nova orientação
ao sistema de ensino, eliminando o velho sistema de caderninhos e apostilas.
(...) Não podemos concordar com o velho sistema, em que o professor dá todo
assunto “mastigado”, dispensando a consulta bibliográfica (...) É imperioso que
o estudante se liberte da dependência exclusiva do professor para seu
aprendizado (...)467

Além das demandas educacionais, a questão agrária também atraiu a atenção dos
estudantes. O tema foi reverberado no O Bonde e certamente reflete a preocupação dos
estudantes das ciências agrárias com a carência de políticas públicas para o campo. Em
matéria do Jornal O Bonde, um autor destaca que, das reformas debatidas no cenário
político, “a agrária constitui o ápice das discussões. Daí a necessidade de se analisar, à
luz da realidade e sem preconceitos políticos, as razões em que se baseia o desejo da
maioria da massa brasileira”468. A crítica do autor é ao teor ideológico que a reforma
agrária assumiu no país: “a reforma agrária passou a ter mais um sentido ideológico do
que realmente um meio para atender às aspirações socialmente democráticas de defesa
das classes economicamente menos favorecidas da sociedade rural” 469.
A reforma agrária ambicionada pelos estudantes, ou melhor, nas lentes do Jornal
O Bonde, estava distante do modelo requerido pelas esquerdas. Embora isso não

465
Ibidem.
466
O Bonde. 26 de setembro de 1956. ACH/UFV.
467
A Gazeta Universitária. 26 de maio de 1962. ACH/UFV.
468
O Bonde. 1º de setembro de 1963. ACH/UFV.
469
Ibidem.
246

estivesse escrito com “todas as letras”, um texto do deputado Armando Falcão 470 em O
Bonde elucida bem essa questão:

A reforma agrária deve começar pelo homem (...) De fato, tomar a terra dos
proprietários particulares a pretexto de distribuí-la aos trabalhadores do campo
significa, simplesmente, pôr abaixo toda uma estrutura que ai está – defeituosa
e falha, é certo, porém, responsável, em todo caso, pela produção de alimentos
e bens essenciais à vida de um povo e de uma nação. Implantar um sistema de
desapropriação que liquida o direito de propriedade é dar o primeiro passo à
efetiva instalação do comunismo. Não defendo um privilégio odioso, quando
peço respeito pela propriedade privada, porque ela é um direito legítimo e
natural, reconhecido e proclamado, abertamente, pela Igreja Católica. (...)
Mente quem sustenta que há um clamor pela “reforma agrária”, que é na
verdade a revolução vermelha batendo às portas do Brasil. O povo está
tranquilo e pacífico, exigindo, sim, uma ação governamental firme e
esclarecida, trabalho do poder público bem orientado e lúcido, não abalos nas
nossas estruturas básicas471. (...)

À primeira vista, parece estranho a existência de um texto tão conservador em


um periódico estudantil. O próprio O Bonde publicou textos a favor das reformas de
base e incentivou a militância estudantil, porém o anticomunismo, muito forte na
universidade desde os tempos da ESAV, juntamente com a grande influência do
catolicismo na instituição podem ter contribuído para que textos desse teor aparecessem
entre os estudantes.
É possível afirmar que O Bonde representa justamente a situação paradoxal por
que o movimento estudantil de Viçosa passava no contexto anterior ao golpe militar.
Sob múltiplas influências políticas, seria difícil criar uma categoria que sugerisse um
“tipo ideal” do estudante daquela época. Um exemplar do jornal citado exemplifica
bastante esse ponto. Em primeiro lugar, por confirmar a presença do então governador
da Guanabara Carlos Lacerda como paraninfo da formatura daquele ano 472. Em segundo
lugar, o texto aponta a postura política ideal naquele contexto, neste caso, uma postura
centrista. O debate acalorado a favor e contra as reformas de base suscitou a dúvida que,
segundo o autor do artigo, “o bom brasileiro, que realmente ama sua pátria, ao entrar em

470
Armando Falcão foi por muito tempo deputado federal pelo PSD do Ceará. Na ditadura, filiou-se à
ARENA, tornando-se aliado dos militares. O auge da sua carreira política se deu em 1974 quando foi
nomeado por Ernesto Geisel ministro da justiça (1974-1979).
471
O Bonde. 22 de novembro de 1963. ACH/UFV.
472
O Bonde, 26 de outubro de 1963. ACH/UFV.
247

choque com os acontecimentos, sente-se envolvido num dilema terrível: dobrar-se à


direita ou à esquerda473?:

Ir contra as reformas é um absurdo, mas desejá-las às pressas e com o emprego


de catequeses em termos de violência, constitui um crime social muito e muito
maior e repudiável. É jogar o povo no abismo (...) O centro é o nosso caminho
certo. Considero como salvação, verdadeiramente nacionalista e patriótica474
(...)

Em artigo no mesmo periódico, há outra menção à postura política de centro


esquerda e seus dilemas na pesada conjuntura nacional. Na perspectiva do texto, “uma
posição de centro esquerda não pode coadunar com mudanças drásticas e rápidas; e as
esquerdas querem-nas e já”475. Talvez este seja o ponto de inflexão de vários estudantes
da UREMG em relação à UNE. Embora sua pauta reformista fosse aceita na
universidade, as formas de luta não encontravam apoio da grande parte dos alunos. É o
que Argelina Figueiredo (1993) chamou de estratégia maximalista de reformas por parte
das esquerdas, que dispensava concessões e negociações com os conservadores. O
dilema que o autor do artigo de O Bonde coloca não é apenas em relação à esquerda,
mas também à direita: “uma posição de centro-esquerda atual tem que admitir certas
reformas necessárias e antitradicionais; e as direitas não as admitem sob nenhuma
hipótese”476.
O que se percebe é que grande parte dos estudantes se sensibilizaram em relação
às necessidades de reformas na universidade e no país como um todo. O atraso do Brasil
em relação às grandes potências, a desigualdade social, o arcaísmo tecnológico no
campo, a concentração de terras, enfim, eram problemas diagnosticados pelos
estudantes da UREMG. O nó górdio desta questão está na apropriação do discurso das
reformas pela esquerda. O desafio dos estudantes tornava-se duplo: abraçar o
reformismo e, ao mesmo tempo, afastar-se do comunismo. A crítica à UNE pela sua
vinculação à esquerda estava sempre presente da imprensa estudantil. No entanto, em
momentos de busca de apoio no contexto da greve de 1962, os DAs da UREMG não se
furtaram a se aproximar das entidades estudantis estaduais e nacionais, ainda que se

473
O Bonde, 22 de novembro de 1963. ACH/UFV.
474
Ibidem.
475
Ibidem.
476
Ibidem.
248

mantivessem críticos a seus estilos políticos. Porém, após o golpe de 1964, essa postura
política seria a mesma?

4.4 Os estudantes e o regime militar


O regime autoritário em 1964 buscou cercear a atuação do movimento estudantil
no ambiente universitário. Ao invés de simplesmente desmontar toda estrutura dos
diretórios estudantis, o Estado permitiu a existência dos órgãos discentes, porém com
maior nível de controle. O maior interesse dos militares consistia na diminuição da
influência dos grupos de esquerda nas universidades e, consequentemente, na maior
participação dos estudantes “não engajados”. Antes da promulgação da lei 4.464,
conhecida popularmente como Lei Suplicy477, o regime autoritário afastou da cena
política os principais líderes estudantis ligados à UNE.
Com o movimento estudantil nacional desbaratado e sem forças após o golpe e
também com o afastamento de sua liderança, a atuação dos diretórios e centro estudantis
locais ficou prejudicada. Diante disso, o formato utilizado pela ditadura para redução
das forças de esquerda de subordinar as organizações estudantis aos departamentos e
faculdades prejudicou o movimento em sua dinâmica de funcionamento. De acordo com
o jornal discente A Gazeta Universitária, a chamada Lei Suplicy “subordina toda a
classe estudantil às congregações e conselhos universitários, tirando sua autonomia,
além de transformar nossos órgãos em simples clubes recreativos, que seriam os DEEs e
DNE”478.
Dessa forma, ainda em 1964, surgem as primeiras manifestações políticas contra
a Lei Suplicy e a favor da participação estudantil. Em prosseguimento, no ano seguinte
acontece a intensificação da luta contra a legislação autoritária e o retorno da
participação estudantil nas universidades. A liderança da UNE estava nas mãos da Ação
Popular (AP), ou seja, a tendência estudantil que enfatizava a luta política em
detrimento das questões estudantis (MARTINS FILHO, 1986, p. 116).
Na UREMG, o Conselho Universitário apoiou o governo na condução da nova
lei em relação ao movimento estudantil, a citada Lei Suplicy. No órgão dirigente da

477
A lei definia o voto obrigatório dos estudantes nas eleições do DA. Os faltosos estavam impedidos de
fazer avaliações. Foi fixada também a proibição da manifestação estudantil de caráter político-partidária;
os conselhos departamentais fiscalizariam os órgãos estudantis nas universidades. Além disso, a União
Estadual de Estudantes e a UNE foram substituídas pelo Diretório Estadual de Estudantes (DEE) e
Diretório Nacional de Estudantes (DNE). (SANTANA, 2007).
478
Gazeta, 19 de junho de 1965. ACH/UFV.
249

universidade, a comissão de Legislação e Ensino aprovou o anteprojeto elaborado pelo


MEC e sinalizou apoio às diretrizes do novo regime. De acordo com a ata do Conselho,
“é de parecer que o anteprojeto elaborado pelo MEC, respeitando os princípios
democráticos e fortalecendo a autonomia universitária, regulando devidamente as
entidades estudantis”479.
Os estudantes não aceitaram as imposições da nova legislação e resolveram
boicotar a eleição para os diretórios acadêmicos. Na ausência de chapas para
concorrência aos cargos, o corpo discente ficou sem representação no maior órgão
deliberativo da universidade, o que certamente causou prejuízo para o movimento
estudantil local. De acordo com a ata do Conselho Universitário,

Justifica também a ausência dos três representantes da classe estudantil: é que


não tendo os corpos discentes das três escolas superiores da UREMG feito as
eleições de seus diretórios nos termos da lei federal nº 4464, de 9 de novembro
de 1964, a chamada Lei Suplicy, não poderiam manter representantes no
Conselho até que cumprissem as exigências daquela lei480.

Dessa forma, o reitor aplicou fielmente os ditames da lei e colocou na


ilegalidade o funcionamento dos DAs. Como eles não lançaram candidatos para as
eleições dos novos diretórios acadêmicos chancelados pelo Diretório Nacional e sem
qualquer ligação com a UNE, os estudantes perderam a representatividade nos órgãos
colegiados da instituição. De acordo com o jornal Correio da Manhã,

(...) impedidos de se reunir nas salas da universidade, os estudantes da


UREMG realizaram uma assembleia geral no cinema de Viçosa, onde
realizaram as eleições estatutárias, decidindo pela continuidade do Diretório
Artur Bernardes Livre481.

Os estudantes enviaram um relato para vários jornais pedindo a divulgação da


arbitrariedade do fechamento de seus diretórios 482. No entanto, é interessante observar
que, embora os estudantes não tenham organizado as chapas para a composição dos
diretórios acadêmicos, o Conselho fez questão de colocar em ata a negação de qualquer
aparência de conflito com o movimento estudantil. A intenção dos dirigentes da
Universidade consistiu em ressaltar o clima de normalidade na instituição e, de alguma

479
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 105/1964.
480
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 118/1965.
481
Correio da manhã, 1º de setembro de 1965, p. 9.
482
Ibidem.
250

forma, mostrar a autonomia da universidade para solucionar suas demandas internas. De


acordo com a ata,

Entretanto, acrescenta, as relações entre os estudantes e a UREMG são as


melhores possíveis, tanto que tinha a satisfação de comunicar ao Conselho que
os alunos “sponte sua” entenderam homenagear quatro professores, que
elegeram como os melhores do ano, numa sessão solene a que ele, o Reitor,
teve o prazer de presidir. Disse mais, a reitoria continuava no firme propósito
de continuar o diálogo franco, o que sempre mantivera com o corpo discente483.

A relação amistosa entre a reitoria e o corpo discente, na verdade, não existiu


naquele momento. Pelo contrário, a recusa em compor chapas para eleições de
representantes não era um lapso estudantil, mas um ato político, neste caso, de
enfrentamento claro às determinações do MEC. Isso ficou claro na publicação de uma
entrevista do jornal discente Gazeta Estudantil, que entrevistou o reitor Edson Potsch
Magalhães. Nas palavras do reitor, havia o interesse da universidade em reconhecer a
existência dos DAs, porém, ressalta Potsch, “estamos chumbados a não reconhecer por
um dispositivo de lei”484.
Os estudantes questionaram qual seria a opinião do reitor sobre a lei 4.464,
chamada pelos entrevistadores de “lei desajustada”. A resposta do professor foi
categórica: “como reitor de uma universidade a mim me cumpre, tão somente, respeitar
e fazer cumprir a lei”485. Porém, como pôde ser observado nas páginas anteriores, na ata
do Conselho, a lei foi considerada democrática, fortalecedora da autonomia universitária
e necessária para a regulação dos órgãos estudantis. Com os estudantes, o dirigente
escamoteia sua opinião para ressaltar apenas o caráter burocrático do seu cargo, que
significa o cumprimento estrito das leis, sem o interesse de qualquer juízo de valor.
O embate com Edson Potsch prosseguiu na entrevista. Os alunos questionaram o
reitor se acaso não seria contraditório pedir a contribuição dos estudantes para o
desenvolvimento institucional, sendo que “foi cassado o direito de representação junto
aos órgãos de administração e de imprensa” 486. Como foi ressaltado no Jornal Correio
da Manhã, nem se reunir nas salas da universidade era permitido. Dessa forma, o reitor
não deixou por baixo a “provocação” dos discentes. Para Potsch, a participação
estudantil não poderia estar condicionada àquilo que sugeriu como troca de favores:

483
Ibidem.
484
A Gazeta Universitária, 18 de novembro de 1965. ACH/UFV.
485
Ibidem.
486
Ibidem.
251

A pergunta é absolutamente capciosa. Jamais entendi que se colaborasse com


alguém em função de favor recebido. Colabora-se com a instituição porque
somos parte da instituição. Nenhum estudante desta universidade presta favor à
universidade colaborando com ela. É de seu absoluto dever, e não é por
recompensa de qualquer natureza que os estudantes devem colaborar com a
universidade. Seria o mesmo que destruir seu próprio lar porque não recebe do
pai as mesadas gordas que gostaria de receber. Não vejo como um estudante,
pelo fato de estar manietado por uma lei que não dependeu nem depende da
universidade, se negar a colaborar com a instituição487.

Os estudantes se defenderam da insinuação de troca de favores para o


engajamento na universidade. Eles rebateram o reitor: “manifestamos nossas opiniões
porque é nesta fase em que nos encontramos que a natureza humana expressa, em sua
grande maioria, a plenitude de seu altruísmo” 488. Como os canais de expressão e
participação típicos do movimento estudantil foram obstruídos pela força da lei, os
alunos questionaram o reitor.
Na verdade, a tentativa do primeiro governo militar de cercear a militância
estudantil contribuiu para o inverso do planejado. Saldanha afirma que a Lei Suplicy, de
fato, “conseguiu unir, independentemente da posição ideológica, o movimento
estudantil na defesa de suas organizações” (SALDANHA, 2005, p. 50). Por isso,
mesmo nos primeiros anos da existência do regime militar, o maior foco do movimento
estudantil estava justamente na tentativa de manter vivas suas entidades. E como foi
visto, em Viçosa não foi diferente.
A solução encontrada pelos estudantes para manter sua militância política na
instituição foi por meio dos chamados “DAs livres”. Mesmo com as imposições da
legislação, que limitava a participação estudantil, os alunos se engajaram nos limites
externos à universidade.
Na documentação do movimento estudantil da UREMG/UFV, há poucas
menções aos “DAs livres”. No entanto, isso não significa que eles foram pouco ativos
na universidade. Em 1966, esses DAs organizaram a recepção aos calouros da
instituição. De acordo com o Gazeta Estudantil, os “Das livres, em comum acordo com
a administração da UREMG, em concretizar os planos da ‘Semana do Calouro’, que
visou ao entrosamento deste no complexo universitário e sua conscientização” 489.
Apesar dos embates com a reitoria, a direção da universidade fez “vista grossa” com os

487
Ibidem.
488
Ibidem.
489
A Gazeta Universitária, 17 de abril de 1966. ACH/UFV.
252

DAs livres. De alguma forma, os dirigentes acadêmicos preferiam o envolvimento dos


alunos nas causas locais do que o enfretamento com os estudantes. Por isso, apoiaram
os DAs, apesar de não reconhecerem oficialmente a legitimidade dessas organizações.
No âmbito do movimento estudantil nacional, o debate em relação aos “DAs
livres” foi bastante intenso. A então extinta UNE tentava se reorganizar em congresso
realizado na USP em 1965. Dentro das correntes políticas existentes no movimento,
houve grande predomínio da AP, que significou maior ênfase nas questões políticas
gerais e a luta contra a ditadura como maior bandeira do movimento naquele momento.
Nesse congresso, Santana (2007) aponta que a maior discussão consistiu na participação
ou boicote dos alunos às eleições para DAs e DCEs, que eram obrigatórias. Enquanto o
PCB era a favor, as outras correntes da esquerda estudantil eram contra, tais como a
POLOP, PCdoB e AP. O PCB argumentava que a participação dos estudantes nos
órgãos oficiais definidos pelo regime autoritário poderia ser eficaz no engajamento
interno dos estudantes nas instituições. Porém, Santana afirma que a não participação
dos estudantes “progressistas” prejudicou o movimento dos “DAs livres”, que passou a
atuar mais fora do que dentro das universidades.
No caso da UREMG, é perceptível que os “DAs livres” mesclaram as demandas
acadêmicas com as questões de cunho político. A organização da Marcha Nico Lopes de
1966 é um grande exemplo dessa hibridização de temas que existia no interior do
movimento estudantil local, ainda que a luta contra ditadura assumisse grande
protagonismo naquele momento. Conforme mencionado no capítulo 1, a Marcha Nico
Lopes era um evento tradicional no meio estudantil viçosense, que, desde 1929, buscava
agregar os calouros de forma irreverente e festiva. O estilo carnavalesco das
“procissões” no campus envolvia carros alegóricos, fantasias, bebidas alcoólicas e
muitas sátiras de personagens da universidade e, em muitas ocasiões, do próprio cenário
político nacional.
No contexto da ditadura militar, a Marcha Nico Lopes assumiu um cunho
político jamais visto no campus. O deboche típico da Marcha foi incrementado com
críticas à censura, ao autoritarismo e aos convênios MEC-Usaid. A alegria pela chegada
de novos alunos foi colocada ao lado da tensão pelo contexto de repressão ao
movimento estudantil nacional e, sobretudo, pela própria pressão que os “DAs livres”
sofreram para afastar da Marcha qualquer teor político que subvertesse os valores da
“revolução”. O relatório do Dops sobre o evento na UREMG deixou bem claro que, na
verdade, “os referidos diretórios acadêmicos não são reconhecidos, uma vez que não
253

preencheram as exigências da ‘Lei Suplicy’” 490. Mesmo assim, os estudantes não


deixaram de organizar o evento.
De certa forma, estavam na memória recente daqueles estudantes os percalços
que o movimento estudantil em Belo Horizonte sofrera naquele ano. Em março de 1966,
a Passeata dos Calouros, organizada pelos diretórios centrais da UFMG e PUC-MG, foi
reprimida duramente pela polícia militar. Por causa dos cartazes considerados
subversivos, os militares foram autorizados a arrancar dos manifestantes todo material
que ofendia a honra militar. O episódio rendeu dezenas de prisões, espancamentos e a
depredação parcial da Igreja de São José.
Sobre a Marcha Nico Lopes, analisamos no capítulo 3 desta tese o embate dos
militares com os estudantes no tocante ao conteúdo dos cartazes que seriam expostos no
evento. Conforme visto, mesmo com a proibição de levarem os cartazes para a Marcha,
os estudantes enfrentaram as determinações da polícia local e expuseram suas
mensagens de protesto por toda a cidade de Viçosa. Afinal, por que a polícia militar
vetou a utilização de 40 dos 150 cartazes confeccionados pelos estudantes? De acordo
com o Jornal Correio da Manhã,

(...) o delegado de polícia requisitou todos os cartazes que deverão ser


conduzidos pela passeata de hoje, a fim de censurá-los. Há 28 anos os calouros
da UREMG desfilam nas ruas de Viçosa fantasiados de políticos e com
cartazes de críticas às autoridades491.

Mas qual o conteúdo desses materiais? Os cartazes podem ser divididos em dois
eixos críticos que incomodaram os militares: a crítica direta ao regime militar e os
ataques à relação do Brasil com os Estados Unidos.
A crítica ao regime militar se fez no seu aspecto mais óbvio possível, a saber, a
natureza do estado de exceção inaugurado em 1964. Neste aspecto, a censura e a
democracia restrita são os principais alvos dos estudantes. As seguintes frases que
foram encontradas nos materiais da Marcha resumem essa questão:

“Ela bem mansamente, você nem percebe qual mal ela traz. Quem? A
ditadura”; “O que faremos com nossos títulos de eleitores?”; “Os estudantes de
escolas militares recebem cama, comida e salário. Os outros estudantes pagam
cama, comida e taxas”; “Democracia no Brasil só nas quatro paredes de
Castelo”; “Brasileiros saudaram a revolução com a bandeira da Esperança e
hoje estão de tanga”; “Exigimos a devolução ao povo de seus direitos

490
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 17.
491
Correio da manhã. 16 de abril de 1966, p. 9.
254

fundamentais”; “Na vontade do povo será fundado toda autoridade, por meio
de eleições com voto em liberdade”; “Estudante pensou, o pau quebrou.
Estudante bambeia tá na cadeia”; Disse Rui Barbosa: eduquem-se os meninos e
não precisa castigar os homens. Então Castelo, por que baionetas?”; “Todo
poder vem do povo, não é adquirido com cassetetes, bombas, etc.”; “O governo
está redemocratizando o país: manifeste seu pensar e ganhe cela”; “Castelo é
branco e a fome é...”; “Estudante pede liberdade e democracia, recebe
pancadaria”; “Ordem e progresso - anarquia e regresso”; “Continuísmo não.
Democracia e liberdade sim”; “Estudante pede liberdade e democracia. E
ganha pancadaria”; “Restauração democrática = fome + cassetete = feijão –
carne + entreguismo”492.

É perceptível a convergência do conteúdo apresentado na Marcha e as ideias do


movimento estudantil nacional. Diferentemente de épocas anteriores, os estudantes em
Viçosa reverberaram a luta geral encampada pela UNE. A batalha contra a repressão
policial deu o tom da militância estudantil em 1966. Embora os protestos tenham se
voltado inicialmente para as questões educacionais, a denúncia contra a repressão estava
no centro do foco. Porém, as manifestações aconteceram sem o apoio popular, apenas
com a participação de estudantes (MARTINS FILHO, 1986, pp. 127-128). Dessa forma,
não estava mais em questão se a UNE era uma organização de maioria socialista ou se a
ênfase no discurso político suplantava as questões educacionais. A crítica à ditadura foi
o pano de fundo que homogeneizou discursos em prol de um inimigo comum - o regime
militar.
Porém, não foi essa a percepção dos militares em relação ao engajamento
político dos estudantes da UREMG. Na narrativa policial, o conteúdo subversivo advém
da influência de estudantes comunistas infiltrados. Dessa forma, as ideias de esquerda
não são consideradas “nativas” na região:

Não há dúvida que está havendo uma efervescência de esquerdismo no seio


estudantil de Viçosa, o que deverá ser extinguido dentro do mais breve possível
para que não fermente na camada daqueles que se acomodam com o estado de
coisa e principalmente daqueles que facilmente se deixam influenciar pelos já
“treinados” falsos líderes, os quais se infiltram no meio estudantil com a única
finalidade que é de corromper e subverter493.

O outro aspecto bastante ressaltado pelos estudantes se refere à relação entre o


Brasil e os Estados Unidos. Na verdade, a crítica existente nos cartazes extrapola os
convênios educacionais firmados entre as duas nações. Tanto é que o próprio convênio

492
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 18.
493
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 24.
255

MEC-Usaid494, que naquele contexto era o maior alvo de questionamentos do


movimento estudantil, não é citado no material examinado pelos policiais antes da
Marcha. De certa forma, o que incomodava os estudantes eram a dependência externa
do Brasil e as relações bilaterais consideradas desiguais entre os dois países. Além
disso, a ajuda externa é sempre considerada com um viés econômico, sendo o país
receptor da ajuda aquele que vai “pagar a conta”, cedendo toda sua riqueza natural.
Sendo assim, a crítica dos estudantes é bastante genérica, sem pontuar qualquer
programa ou agência americana que atuava na UREMG. Abaixo, seguem as principais
sentenças consideradas ofensivas e subversivas pelos militares:

“Por que dizer ‘indústria automobilística brasileira’ se ela possui menos de


11% de capital nacional”; “Minério brasileiro sumindo... sumindo... sumindo...
EEUU?”; “Brasil boteco de liquidação – (minérios atômicos, petróleo etc.);
“Brasil cátion trivalente que precipita na presença dos Unites States”; “Se é
brasileiro, é contrabandista. Se é Yankee, é exportador-importador”; “Eu já não
sei mais se é Estados Unidos do Brasil ou Brazil dos Estados Unidos”;
“Negócio da china: leite em pó X minérios atômicos, minérios de ferro e
petróleo”; “Mecanismo colonial: levam riquezas, tomam terras, em troca de
bugigangas... e procuram deixar a impressão de que ajudaram e promoveram o
bem-social”; “Se não nos enganamos existe uma carta sobre autonomia dos
povos. Vamos respeitá-la, não é EEUU?”; “Desde quando a paz necessita de
força, OEA?”; “Um yankee para outro: - Por que os brasileiros não querem
nossa influência na imprensa deles? Eles pensam que são livres...”; “EEUU:
nós ajudamos... mas venha o Urânio”; “Com a Aliança para o Progresso, o
Brasil marcha em regresso”; “Welcome FBI and DOPS Agents in Viçosa
City”495.

Na narrativa policial, não faziam sentido as críticas dos estudantes aos Estados
Unidos e sua relação com o governo brasileiro. De acordo com o delegado, a grandeza
da universidade residia no próprio acordo com as agências americanas, o que parecia
um contrassenso qualquer ataque direcionado aos estrangeiros. Embora isso não tenha
sido colocado no relatório, a UREMG tinha um convênio assinado com a USAID e a
Universidade de Purdue. Recebia anualmente dezenas de cientistas americanos, e
muitos estudantes fizeram intercâmbio nos Estados Unidos e receberam bolsas de
estudos. Segue abaixo o relato do delegado:

A UREMG é sem dúvida um dos órgãos que mais recebem os benefícios da


Aliança para o Progresso; não fosse esta, aquela não teria os recursos que
possui. Contudo, não faltam estudantes da própria universidade e muitos deles

494
Flávia Santana (2007) ressalta que a maior luta do movimento estudantil em 1966, ou seja, no ano da
Marcha Nico Lopes em questão, é exatamente o fim dos convênios MEC-USAID e a democratização da
universidade com a extinção da Lei Suplicy.
495
Ibidem.
256

bolsistas, mesmos estrangeiros, que não têm a mínima complacência quando


tecem as mais severas críticas ao governo americano e por que não dizer ao
próprio governo brasileiro, que, segundo os agitadores, é um instrumento sob o
controle americano496.

Diante das questões relacionadas à ditadura e aos Estados Unidos, as demandas


educacionais ficaram diluídas diante das alegações políticas. O relatório da PM contém
pouquíssimas frases que apontam questionamentos dos estudantes em relação ao
contexto educacional. Na verdade, é bem possível que, entre os 150 cartazes, as críticas
mais pontuais aos problemas estudantis não tenham sido consideradas subversivas pelos
militares que buscaram censurar o conteúdo dos cartazes. Apenas duas sentenças foram
relatadas pelos censores. A primeira delas já foi mencionada anteriormente: “Os
estudantes de escolas militares recebem cama, comida e salário. Os outros estudantes
pagam cama, comida e taxas” 497. Além do aspecto evidente dos privilégios aos alunos
dos colégios militares, o foco da sentença está no custo das instituições públicas que,
naquele momento, não era totalmente gratuito. No entanto, o que possivelmente
indignou o censor nem foi a crítica ao ensino pago, mas, sim, o “ataque” aos privilégios
dos “estudantes de farda”. A segunda frase que fez alguma menção ao contexto
educacional foi uma crítica à influência norte-americana no MEC. De acordo com o
cartaz, “Até o MEC se anexou a USIS498”.
Diante da insistência dos estudantes em levar os cartazes nas ruas da cidade, a
polícia militar quase agiu com violência. Porém o grande número de estudantes e
transeuntes na cidade juntamente com o baixo efetivo militar impediram uma reação
coerciva. No entanto, a imprensa da universidade não relatou os incidentes dos
estudantes com a polícia militar local na Marcha Nico Lopes. Nas páginas do
Informativo UREMG, a notícia do evento foi abordada como um grande sucesso: “Com
o brilhantismo de sempre, realizou-se em Viçosa a tradicional Marcha Nico Lopes,
desfile que tem como finalidade apresentar os calouros à sociedade viçosense” 499. O
Jornal da UREMG noticia sem problematizar as dificuldades que os estudantes tiveram
para realizar a passeata, inclusive com a coação da polícia na proibição do uso de
cartazes críticos ao regime militar. Em complemento, a matéria do jornal abordou o
evento estudantil com grande sinergia em relação à população viçosense: “Cerca de 200

496
Ibidem.
497
Ibidem.
498
Serviço de Imigração e Cidadania Americano.
499
Informativo UREMG. 12 de maio de 1966. ACH/UFV.
257

jovens, pertencentes à UREMG, desfilaram nas ruas da cidade, representando as mais


diferentes cenas, empunhando cartazes e arrancando aplausos da população de Viçosa,
que saiu às ruas para assistir ao espetáculo”500.
É evidente que a maioria das pessoas na instituição conhecia as repercussões
negativas do evento. Os estudantes responsáveis pela Marcha foram fichados pelo
DOPS e tiveram que responder na justiça pelo suposto teor subversivo dos cartazes, mas
o jornal institucional preferiu não expor o problema para o público. Certamente, essa
postura passava para os órgãos de segurança do Estado que a instituição tinha controle
da situação interna.
No ano seguinte, em 1967, mais uma vez, a Nico Lopes tornou-se palco de
ataques à ditadura. No Brasil inteiro havia diversas manifestações do movimento
estudantil contra a ditadura. Além dos protestos contra o caráter autoritário do regime, a
pauta de reivindicações dos estudantes incluía a reforma universitária, o fim dos acordos
MEC-USAID e a resolução da questão dos excedentes501. Isso pode ser explicado pela
mudança nos rumos políticos com o início do mandato do presidente Costa e Silva, que
contribuiu para alterar a ênfase da militância estudantil. O segundo governo militar
mostrou-se inicialmente a favor do diálogo e disposto, ainda que no plano do discurso, à
abertura política. Na perspectiva de Maria Helena M. Alves (1984), com Costa e Silva
houve aquilo que ela denominou de liberalização controlada, com o oferecimento de
concessões à oposição em troca de apoio. Por outro lado, a repressão às manifestações
nas ruas continuava. Certamente, isso motivou maior pressão do movimento estudantil
para mudanças estruturais tanto na política quanto na educação. A resposta violenta às
manifestações incendiou ainda mais o ímpeto oposicionista do movimento.
Somado a isso, a crise universitária alcançou níveis jamais vistos. Em 1967, a
queda nos investimentos estatais na educação superior, juntamente com o aumento da
procura por vagas nas instituições, significou uma insatisfação geral com a estrutura de
ensino no país. Resultado: o foco do movimento estudantil volta-se para questões
específicas, ou melhor, para a Reforma Universitária. O problema dos “excedentes” e os

500
Ibidem.
501
O texto de Katya Braghini (2015) elucida a questão dos estudantes excedentes na década de 1960.
Com o aumento da população jovem na década de 1960, a autora aponta que o aumento da procura por
vagas nas universidades gerou um fenômeno de muita complexidade no meio estudantil. Os excedentes,
nesse aspecto, tinham nota média nos exames vestibulares, porém não conseguiam se matricular, uma vez
que o número de aprovados estava muito além da quantidade de vagas. Muitos estudantes ficavam de fora
e, por esse motivo, em 1967 o movimento estudantil denunciou essa situação caótica.
258

ataques aos acordos MEC-Usaid e Relatório Atcon502 foram preponderantes no protesto


estudantil. Por outro lado, os estudantes também continuaram com os protestos contra o
imperialismo e a ação norte-americana nos rumos políticos brasileiros, o que deixa
evidente que a questão política também estava entre as prioridades (MARTINS FILHO,
1986, p. 168). Obviamente, a Marcha Nico Lopes tornou-se uma grande manifestação
em favor dessas pautas do movimento estudantil.
O relatório da Polícia Militar trouxe algumas fotografias da passeata de 1967.
Infelizmente, nem todas estão com boa nitidez 503, por isso, foram selecionadas apenas
as imagens abaixo.
Figura 5: Negócio da China: minério radioativo em troca de leite em pó504.

Fonte: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/dops/search.php

Figura 6: “Usaid e Abusaid”505.

502
Rudolph Atcon foi contratado para propor alterações nas universidades. Visitou 12 instituições
públicas. Deu palestras e compôs um diagnóstico da educação brasileira, conhecido como Relatório
Atcon (CUNHA,1988). Resumidamente, em seu relatório, Atcon criticou a política salarial dos
professores, a interferência dos governos nas instituições e propôs maior influência das instituições
privadas na educação.
503
Foram selecionadas apenas 4 imagens de 11 no total. As outras realmente não têm nitidez suficiente
para qualquer análise.
504
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 34.
505
Ibidem.
259

Fonte: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/dops/search.php

Figura 7: (...) se deixa governar por gorilas?506

Fonte: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/dops/search.php

Figura 8: Se Israel fosse pro céu, S. Pedro pediria demissão507. (...)

506
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 35.
507
Ibidem.
260

Fonte: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/dops/search.php

Pelo conteúdo dos cartazes juntamente com o relato da PM, é perceptível que o
teor político da Marcha teve a mesma ênfase do ano anterior. No entanto, o relato do
delegado de Viçosa aponta maior grau de radicalização dos estudantes. Para os
militares, diferentemente das edições passadas, em 1967 houve maior degradação moral
– abuso de bebidas alcoólicas e linguajar chulo – e as críticas aos governantes foram
consideradas ofensas morais.
A Figura 5 retoma uma temática recorrente no movimento estudantil: a crítica às
trocas desiguais entre Brasil e Estados Unidos. De modo semelhante à Marcha do ano
anterior, a aversão ao capital estrangeiro e aos considerados “negócios da china” com os
americanos não saíram do discurso dos estudantes. Da mesma forma, a Imagem 2
reforça o mesmo argumento, nesse caso, em relação à Usaid. De maneira irônica, os
estudantes sugeriram a existência dos convênios MEC-Usaid como forma de abuso dos
Estados Unidos nas relações com o MEC. O termo “usai e abusai” dá a entender que
havia um imperativo do campo político brasileiro em aceitação aos ditames vindos da
América do Norte.
Em relação ao regime político, os estudantes não pegaram leve. Infelizmente a
imagem 3 está pouco nítida, mas é perceptível a associação que os estudantes fizeram
dos militares como gorilas, termo pejorativo bastante usado na época. Quando o
delegado relatou que os protestos na Marcha Nico Lopes traziam ofensas aos militares,
certamente esse cartaz estava incluído. Da mesma forma, os estudantes não aliviaram
para o governo estadual, liderado por Israel Pinheiro. A UREMG passava por uma
261

grave crise financeira e, em solidariedade aos professores que estavam com salários
atrasados, os estudantes ironizaram a má administração do governo mineiro.
Em 1968, o crescimento da politização do movimento estudantil e dos protestos
nacionais contra a ditadura impactou o maior evento dos estudantes da UREMG. Além
disso, a documentação do “Brasil Nunca Mais” (BNM) relata sobre o fechamento do
Diretório Acadêmico da universidade. Como na época não existia o DCE, mas, sim,
diretórios das Escolas da instituição, é certo que os três diretórios existentes tenham
sido definitivamente censurados pelo regime militar. De acordo com o documento,
aconteceram o “cerco e a invasão da UREMG com o fechamento do DA com
indiciamento de vários estudantes e expulsão de um. Qualificação de 11 estudantes no
IPM dirigido pelo Coronel Medeiros em Minas” 508. Não temos nenhuma outra
informação referente a esta primeira invasão da polícia militar no campus de Viçosa,
apenas esse trecho na documentação do BNM. Mas é importante ressaltar que o ano de
1968 foi emblemático para o movimento estudantil. Com as manifestações nacionais
contra a ditadura, em prol da reforma universitária e contra os convênios MEC-Usaid, a
repressão alcançou níveis preocupantes.
Mesmo assim, o movimento estudantil da UREMG não ficou inerte. Ainda em
1968, houve o episódio da ocupação da reitoria. Na documentação consultada no
Arquivo Histórico Central da UFV, não foi encontrado nenhum indício desse fato. Nem
na imprensa estudantil houve qualquer divulgação dos desentendimentos dos estudantes
com a reitoria. A única publicação sobre a invasão foi feita pelo jornal Correio da
Manhã. Segundo o periódico,

Colocando em prática a decisão tirada em assembleia geral, os estudantes da


UREMG ocuparam o prédio da reitoria, prendendo o reitor Edson Potsch de
Magalhães e os diretores dos institutos e das três escolas – Agronomia,
Florestas e ciências domésticas – mantendo com o responsável pela UREMG
severas discussões a respeito de um anteprojeto de lei que transforma aquela
universidade em fundação509.

O texto não avança nas repercussões desse caso. O mais importante é


compreender a convergência do movimento estudantil da UREMG com o restante das
manifestações contra a ditadura nas diferentes universidades do país. A radicalização

508
BRASIL: NUNCA MAIS – BNM 055, Doc 129. Brasil Nunca mais. Disponível em: http://
bnmdigital.mpf.mp.br/sumarios/700/665.html Ofensiva da ditadura sobre o movimento estudantil.
509
Correio da manhã, 20 de novembro de 1968.
262

chegou a esse ponto. Mesmo com as punições referentes à Nico Lopes de 1967, poucos
meses depois os estudantes enfrentaram as autoridades universitárias e lutaram por
aquilo que acreditavam ser o melhor para a instituição.
O aprofundamento do envolvimento político estudantil em Viçosa está
conectado com as demandas do movimento estudantil brasileiro como um todo. Como
salientou Rafael Hagemeyer, “o engajamento dos estudantes sob a ditadura militar pode
ser entendido como uma tentativa de construção de uma nova esfera pública”. Dessa
forma, “isso dependia da criação e do desenvolvimento de uma nova sociabilidade,
gerada na própria experiência da revolta, a partir do ataque ao regime militar e ao
imperialismo americano (...)” (HAGEMEYER, 2016, p. 33).
Nessa perspectiva, um grupo de estudantes da UREMG seguiu como
representantes do movimento estudantil de Viçosa no 30º Congresso Nacional da UNE
em Ibiúna. De acordo com o Relatório Comissão da Verdade em Minas Gerais, entre os
920 estudantes que foram presos por participarem do congresso, 84 eram universitários
matriculados nas instituições do estado de Minas 510. De Viçosa, participaram três
estudantes: Gildásio Westin Cosenza, Manoel Seito e Reinaldo do Carmo Neves.
Cosenza foi secretário do DA de agronomia e representante dos estudantes na
Congregação da ESA. Ele ficou três meses preso após o congresso e depois foi
libertado. Em 1969 foi preso novamente. Depois disso, tentou se matricular na UREMG
após esse tempo fora, porém, enquadrado no decreto 477511, ele não conseguiu voltar
aos estudos. Em seu depoimento ao Dops, o ex-estudante da UREMG afirmou ter lido
na universidade um folheto da AP, por isso se filiou ao movimento nas vésperas do
congresso de Ibiúna. Após a tentativa frustrada de retornar à UREMG, Cosenza mudou-
se para Goiânia e intensificou a militância da AP na capital de Goiás e em Brasília. Com
o aumento da vigilância sobre o movimento estudantil, o militante mudou-se para
diversas cidades para continuar sua atuação política sem ser reconhecido pelos órgãos
de segurança do Estado.
Em seu depoimento à justiça militar, Cosenza declarou aos militares os motivos
que o levaram a ser perseguido pelas autoridades policiais. O militante da AP, de forma
bastante destemida, declarou que “a própria lei lhe foi negada, pois não conseguiu

510
COMISSÃO DA VERDADE EM MINAS GERAIS, 2017, p. 1223.
511
O decreto-lei nº 477, de 26 de fevereiro de 1969, previa a punição de estudantes que cometesse
qualquer ato considerado subversivo no ambiente universitário. Esse decreto foi considerado o AI-5 das
universidades, tamanho alcance de cerceamento no meio estudantil.
263

estudar, tendo sido vítima de atos ilegais, que acredita isso, devido à sua atuação como
representante dos estudantes no movimento estudantil (...)”512. Dessa forma, Cosenza
expôs ao juiz as ideias pelas quais ele, como militante, acabou sendo perseguido pelos
órgãos de segurança. De acordo com o militante,

(...) foi devido às suas ideias e constatações de uma realidade que começava
com a quase impossibilidade de estudo daqueles que não têm recursos
financeiros, da péssima qualidade do ensino nos diversos níveis, de sua posição
contrária desde a Lei Suplicy de Lacerda, Decreto 477, que vedava aos
estudantes o direito de associação e livre expressão de ideias513 (...)

Além disso, Cosenza teceu críticas às relações do Brasil com os Estados Unidos.
Em toda documentação consultada em relação ao movimento estudantil de Viçosa, essa
é a única menção crítica à presença norte-americana na instituição por meio do
Convênio Purdue-UREMG:

Que também a posição de condenação à espoliação de que nosso país é vítima,


pelo capitalismo internacional, especialmente aquele de origem norte-
americana; que essa espoliação podia ser contatada inclusive na presença
direta de um enorme número de americanos na universidade em que estudou na
cidade de Viçosa, agiam, como verdadeiros dirigentes da universidade; que
este ponto acabava por colocar a universidade antes a serviço de grupos
estrangeiros do que dos estudantes do nosso povo514 (...)

Depois de muitas décadas do episódio do depoimento de Gildásio Cosenza à


justiça, o ex-estudante da UREMG participou das audiências públicas da Comissão da
Verdade em Minas Gerais. Em uma de suas falas, Cosenza rememora a segunda invasão
ao campus de Viçosa, no ano de 1969:

[...] no dia 28 de janeiro, imediatamente viajei para Viçosa e fizemos um


panfleto de boas-vindas aos vestibulandos, que naquela época o vestibular era
em um dia só, e era só na universidade, não tinha esse negócio de vestibular em
‘n’ lugares etc., era só lá, em um sábado. E fizemos um boletim, dizendo que
eles iam passar a fazer parte de uma pequena elite de universitários, que,
portanto, tinham compromisso com a nação, com o Brasil, porque o Brasil era
o país, já citamos os dados, de miseráveis, de analfabetos etc., dominados pelo
imperialismo, tal. Portanto eles passavam a ter esse compromisso ao entrar na
universidade. Resultado, na segunda-feira a universidade foi invadida por
tropas do Exército, vindas de Juiz de Fora, e do DOPS, vindo de Belo
Horizonte. Dois dias antes do Decreto-Lei 477, que foi de fevereiro de 69. E aí,
imediatamente, na universidade estavam quase todos [...]. Não tinham chegado
ainda, porque as férias estavam acabando, e os professores nos deram apoio
integral. Então eu, com outro companheiro que era o presidente do diretório, eu
já não era mais do Diretório de Agronomia, o Edmundo, o Fábio, fomos

512
BRASIL: NUNCA MAIS – BNM 014. Brasil Nunca mais. Disponível em: http://
bnmdigital.mpf.mp.br/sumarios/700/665.html.
513
Ibidem.
514
Ibidem.
264

escondidos pelos professores numa caixa d’água que estava sendo construída
em um morro ao lado da Universidade, enquanto as tropas revistavam o
campus todo. Depois, fomos para ficar escondidos em um cafezal, e um dos
professores, professor Leonardo, arrumou um carro e nos tirou do campus515
[...].

Não foi encontrado nenhum outro documento que corrobore a versão narrada
pelo ex-militante da AP. Certamente, o impacto desse episódio na comunidade
universitária não pode ser ignorado. Era bastante recente a primeira invasão militar, que
teve como justificativa a Marcha Nico Lopes de 1968. O outro aspecto importante é
observar a banalidade dessa ofensiva dos militares na universidade. A distribuição de
panfletos seria suficiente para atrair a ação repressiva dos órgãos de segurança na
instituição? Possivelmente, o foco da ocupação teria sido a presença de Gildásio
Cosenza no campus da UREMG. Como ele tinha participado do congresso em Ibiúna,
as autoridades poderiam, de alguma forma, supor que o estudante poderia voltar à
Universidade e continuar seu trabalho político.
Ainda sobre os embates do ano de 1968, uma pichação 516 no fórum da cidade de
Viçosa foi utilizada como manifestação de protesto contra a ditadura. O juiz do
município enviou um ofício para as autoridades policiais informando o ocorrido.
Segundo ele, “(...) o prédio do fórum local foi, maldosamente, pichado por estudantes
com os “slogans” costumeiros alusivos à extinta UNE e na porta principal a seguinte
inscrição: ‘QG DA DITADURA’” 517. Esse episódio ocorreu em outubro de 1968, ou
seja, depois da Nico Lopes e da ocupação do prédio da reitoria. Isso indica que o nível
de desgaste dos estudantes com o poder instituído já estava nos limites. De certa forma,
todo esse clima de pressão pode ter contribuído para a invasão policial no ano seguinte,
conforme citado anteriormente:
Figura 9: “O povo na luta vence a ditadura”518

515
COMISSÃO DA VERDADE EM MINAS GERAIS, 2017, p. 121.
516
A repercussão das pichações em Viçosa foi a pior possível. Grande parte da população lamentou muito
o fato, considerando o ato político um vandalismo ao patrimônio da cidade.
517
APM/DOPS/MG. Pasta: 4988 (Viçosa), Rolo: 075. Imagem: 3.
518
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 4.
265

Fonte: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/dops/search.php

Figura 10: “Fora imperialistas”519

Fonte: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/dops/search.php
Figura 11: Viva a UNE. Abaixo a repreção (sic)520.

519
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 5.
520
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 6.
266

Fonte: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/dops/search.php

Figura 12: Abaixo a repreção (sic) da ditadura521

Fonte: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/dops/search.php

Após o recrudescimento da repressão, o movimento estudantil não estampou


mais as páginas dos órgãos investigativos naquela década, sendo apenas a partir de 1976

521
Ibidem.
267

que os conflitos com as autoridades foram registrados. Dessa forma, não foram
encontradas informações sobre a militância estudantil em Viçosa nos anos de 1969 a
1975. Pellicciotta aponta que, entre esses anos, a repressão estava institucionalizada
contra o movimento estudantil. O AI-5 aumentou a capacidade coercitiva do poder
executivo, e a legislação autoritária foi incrementada com o decreto 477. Mesmo com a
desestruturação da UNE e com a possibilidade de expulsão das universidades por
“motivos políticos” a partir do Decreto 477, foi organizada uma resistência centrada nas
condições de ensino, com foco na qualidade formativa e crítica à gestão tecnocrática das
universidades.

4.5 O modus operandi do movimento estudantil da UREMG/UFV na ditadura


É importante compreender as formas de lutas encampadas pelos estudantes em
contexto de controle e real vigilância sobre o movimento estudantil. Conforme
acentuado anteriormente, o regime militar vislumbrou o “tipo ideal” de estudante
naquele momento. Neste caso, o aluno matriculado deveria envolver o máximo com sua
vida acadêmica e o mínimo possível com a militância política. Na verdade, não era
vetada ao estudante a participação na vida política, desejado, pelas autoridades, que esse
envolvimento fosse associado aos partidos políticos oficiais.
No entanto, os estudantes da UREMG/UFV, de forma geral, não se adaptaram a
esse “tipo ideal” imaginado. Se a militância política era vetada na universidade, o
movimento estudantil buscou diferentes formas de representar o universo político de
forma crítica e combativa ao regime autoritário. Entre outras possibilidades de praticar a
militância política, a imprensa universitária funcionou como excelente canal de
insatisfação dos estudantes em relação à administração acadêmica e ao cenário político.
A Gazeta Estudantil, o principal periódico discente da UREMG depois do
fechamento de O Bonde (1963), necessitou justificar para seu público que não havia
qualquer censura em relação ao periódico. Na verdade, a suposição de que havia
censura talvez tivesse sido um boato entre os estudantes. No entanto, a existência dessa
suposição comprova duas coisas. A primeira delas, que causou estranheza nos
estudantes, foi um comportamento menos combativo do jornal nos primeiros anos após
o golpe militar. O segundo aspecto a ser destacado é que, independentemente da
primeira ideia, o medo da censura pairava sobre o ambiente universitário:
268

Logo após o lançamento do número 4, alguns colegas expressaram o que talvez


seja a errônea opinião de muitos outros. Perguntaram-nos se, por ser impressa
pela imprensa universitária da UREMG, a G.U seria controlada, ou sofreria
alguma espécie de censura, por parte da Administração. Refutamos
energicamente, de público, tal proposição. Jamais houve, por parte da
administração, qualquer tentativa de tolher nossa liberdade522.

Nas páginas da Gazeta Universitária, há menções explícitas contra o regime que


se instaurou no Brasil em 1964. Na verdade, a maior revolta estudantil em relação à
ditadura, no momento após a tomada do poder, foi causada pela forma como o primeiro
governo militar tentou impedir a militância política nas universidades. A crítica à Lei
Suplicy aproximou o movimento estudantil da UREMG à UEE e UNE. O discurso
contra a nova legislação é bastante áspero. Para os estudantes, houve, na verdade, uma
intervenção nos órgãos estudantis:

Com a “revolução”, como é sabido, houve intervenção em nossos órgãos


estudantis. Foram destituídas diretorias, colocados interventores no lugar dos
eleitos, desmantelando-se a classe estudantil. Algum tempo depois, o atual
ministro da educação, Suplicy de Lacerda, apresentou lei tentando extinguir
nossos órgãos representativos. A lei impedia a livre escolha de presidentes dos
DAs e demais entidades, subordinando a convocação de assembleia, lista de
candidatos aos cargos eletivos, prestações de contas de verbas próprias e
demais direitos estudantis às congregações das Escolas, além de impedir o
direito de greve nas reivindicações das nossas causas. A lei 4.464 subordina,
portanto, toda a classe estudantil às congregações e conselhos universitários,
tirando sua autonomia, além de transformar nossos órgãos em simples clubes
recreativos, que seriam os DEEs e DNE. Nesta irregular situação nacional, foi
tentada, em BH, a criação ilegal de um desses DEEs, mesmo sem consulta e
aceitação dos estudantes mineiros523 (...)

Por meio da imprensa, os estudantes também expressaram a revolta pelo uso da


violência policial contra as manifestações estudantis. As críticas dos estudantes de
Viçosa contra as arbitrariedades do regime em outras universidades também foram uma
opção política do movimento em Viçosa de mostrar sua indignação pela condução
política dos militares. Na visão do periódico, a autonomia universitária foi
profundamente afetada com a intervenção militar nas instituições. O exemplo citado no
texto se refere à Universidade de Brasília. De acordo com o jornal,

Neste contexto, cabe à universidade um papel preponderante na salvaguarda do


exercício da democracia em um país, desde que seja considerada o mais
qualificado núcleo de cultura de um povo. A autonomia universitária em sua
função de livre investigação dos problemas nacionais, isenta de qualquer

522
A Gazeta Universitária. 9 de maio de 1965. ACH/UFV.
523
A Gazeta Universitária. 19 de junho de 1965. ACH/UFV.
269

proselitismo ideológico – é incompatível com os governos totalitários. Disto


temos exemplos recentes em nossa pátria, quando se chegou ao ponto de
destruir nossa mais séria experiência universitária, com a violentação (sic) da
universidade de Brasília, fato este que mereceu repúdio do mundo inteiro524.

Em outro exemplar, a crítica à violência policial também é destacada:

As violentas formas de repressão utilizadas pela polícia contra as


manifestações estudantis, em todo Brasil, são um verdadeiro atestado de
incapacidade e de despreparo no que concerne à missão de defender a
população e o poder constituído. As classes dirigentes deveriam saber que
revolveres e cassetetes não são o instrumento mais adequado para controlar o
entusiasmo da juventude. Muito pelo contrário, tais demonstrações de força
servem unicamente para acirrar os ânimos e levar _a tomada de posições
radicais, alargando cada vez mais o abismo entre a nova e velha geração525.

É interessante observar que, mesmo com as hostilidades entre estudantes e


militares, a Gazeta Universitária culpou justamente a ditadura pela má imagem que as
forças armadas assumiam naquele momento diante da população. Pela narrativa do
jornal, fica evidenciado que o problema da truculência policial não era do militar em si,
mas da natureza da ditadura. Segundo o jornal,

Os nossos governos estão plantando a semente de uma catástrofe incontrolável.


Estão fomentando ódio entre os militantes. Antigamente, falava-se das forças
armadas, das policiais militares (...) com maior dos entusiasmos. Hoje,
qualquer charge de jornal faz chacota com esta “brava classe”526 (...)

Em relação à política, o cenário nacional era representado pelos estudantes de


maneira bastante pessimista, haja vista o governo militar que estava no poder e não dava
sinais de devolução da ordem democrática. Diante disso, o periódico ressalta as
qualidades do deputado Darcy Berssone (MDB) e sua luta pela restauração da
democracia. De certa forma, com isso fica explícita a crença do movimento estudantil
local na possibilidade de luta política dentro da ordem. Ainda que o Brasil fosse
governado por militares em regime de exceção, as regras do jogo poderiam permitir
alguma mudança que fosse capaz de transformar de fato a situação nacional:

Distinguindo-se como um dos mais ativos homens dos meios políticos


nacionais, o deputado Darcy Berssone vem desenvolvendo trabalho
verdadeiramente inapreciável, no sentido de politização do povo brasileiro.
Preocupa-se com o fato de que o país vive um dos momentos mais difíceis de
sua existência, (...) sobretudo em virtude do regime de força estabelecido desde

524
A Gazeta Universitária, 17 de abril de 1966. ACH/UFV.
525
A Gazeta Universitária, 9 de junho de 1967. ACH/UFV.
526
A Gazeta Universitária, 26 de maio de 1968. ACH/UFV.
270

os idos de 31 de março, tornou-se paladino de uma nova ordem, entregando-se


a uma intensa pregação, visando esclarecer os brasileiros acerca dos imensos
problemas que afetam a nacionalidade. (...) Portanto, e outros grandes
pensadores dos quadros vivos da nação também defendem a mesma posição, o
autor de O Mundo, O Brasil O homem é dos que consideram um erro e uma
completa falta de compreensão dos princípios de liberdade e democracia,
pretender-se alienar da vida política e nacional, o ideal de luta pelo
soerguimento do país, da intimorata mocidade estudantil527. (...)

Os estudantes buscaram a articulação política com determinados deputados para


fortalecer suas ações na universidade. Conforme citado no capítulo 3, em 1978, um
evento com lideranças políticas foi organizado no cinema de Viçosa, com a participação
de deputados do MDB e políticos da região de Viçosa, tais como Tarcísio Delgado,
Silvio de Abreu Junior, Nilton Cardoso e o Pe. Antônio Mendes, professor da
universidade. De acordo com o documento produzido pelos órgãos de informação e
segurança, o evento contou com mais de 200 pessoas, considerado, portanto, um
insucesso para os militares. Na narrativa do documento sobre o encontro,

[...] durante os debates, alguns universitários mais radicais formularam


diversas perguntas, todas de caráter contestatório, frisando alguns que
decorridos mais de 13 anos de regime militar, sob égide de instrumentos
discricionários e excepcionais, esperam que as forças armadas encontrem a
melhor forma de pacificar a nação brasileira, dando-lhe de volta o “Estado de
Direito”, que consideram legítima aspiração nacional528.

Era estratégico para os estudantes buscar forças em personagens da política. Na


verdade, essa era uma orientação da própria UNE nos anos 1970. Mesmo que houvesse
grande desconfiança da entidade em relação ao jogo político eleitoral até então vigente,
a UNE recomendou às suas bases locais que apoiassem políticos do MDB
comprometidos com o retorno à democracia. Em Viçosa, foi grande a interlocução do
DCE com o prefeito Antônio Chequer, que governou o município nos anos de 1973 a
1976. De acordo com a documentação da PM, a associação de Chequer com os
estudantes tinha motivações eleitorais. Segundo o relatório do Comando da Política
Militar, o “prefeito receia perder as próximas eleições para o candidato da Arena
(favorito) e quer contar com o apoio dos estudantes, inclusive para promover tumultos,
no próximo pleito eleitoral” 529. Mesmo depois do término do seu mandato, era comum a
presença do então ex-prefeito da cidade entre os estudantes.

527
A Gazeta Universitária, 09 de junho de 1968. ACH/UFV.
528
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR RJANRIO V8 - Serviço Nacional de Informações.
529
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia
Federal. Identificação: Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais.
271

Diante disso, é notório que os estudantes estivessem convencidos da necessidade


de assumir abertamente a luta pelas questões gerais da sociedade. Crentes no seu papel
de vanguarda do país, o movimento estudantil assumiu um discurso nacionalista, anti-
imperialista e de entusiasmo pelo retorno da democracia. Dentro desse contexto geral, a
reforma universitária é postulada como forma de eliminar a grande distorção social
existente naquela época – ou melhor, de certa forma, vigente até certo grau nos dias
atuais – de um ensino superior voltado para as classes elevadas:

Não podemos deixar de reconhecer a eficiente pressão do universitário


brasileiro nas grandes decisões da conduta e posições nacionais. Isto notamos
desde longos anos até os dias de hoje. Os movimentos de independência
política, financeira e filosófica do Brasil estavam até bem pouco tempo,
intimamente ligados aos acadêmicos. Antes pela Petrobras, moralização
política etc. Hoje, perduram tanto pela reativação da Petrobrás quanto pela
remessa de lucros, de nossos minérios que esvaem a preços irrisórios e, as
vezes, por contrabando em alta escala, pela revogação da lei Suplicy,
moralização político-administrativa, desamericanização da vida nacional
(indústria, ensino, comércio etc.), independência de grupos estrangeiros. Luta-
se pela implantação da democracia, formação de uma ideologia nacional,
reformas de base, ativação e evolução dos sistemas educacionais, em suma,
nacionalização do Brasil. (...) Com frequência, cita-se que o estudante não deve
dedicar-se à atividade extracurricular. Outros entram em clamorosa contradição
quando propagam que o estudante não deve só estudar530 (...)

Portanto, o jornal cada vez mais se posiciona a favor das manifestações


nacionais contra a ditadura. Mesmo diante da truculência militar e das possíveis
consequências contra aqueles que se dedicaram à resistência ao regime, os estudantes
permaneciam firmes na luta contra a ditadura. A constatação do movimento local era
que a reação negativa do governo, naquele momento, do presidente Castelo Branco,
escancarava a divergência entre o discurso de democracia, que estava presente na
autojustificação do regime, e sua real natureza que, na violência praticada contra os
estudantes, mostrava-se claramente ditatorial:

(...) Apreciamos um dos maiores e mais expressivos movimentos de classe


estudantil. Mesmo à frente dos “cassetetes tamanho família”, a esmagadora
maioria dos estudantes dos maiores centros do Brasil enfrentou, corajosamente,
a força repressiva da “situação atual”. Foi mesmo uma vitória da mocidade
representativa do que resta de liberdade em um país que, se já não está,
caminha a passos largos para um regime de completa exceção, de total
submissão de ideias, um regime de força, enfim. O principal proveito que
podemos tirar de todo esse movimento é, justamente, a constatação de que
quaisquer máscaras, que porventura ainda existissem, caíram estrondosamente
ante os fatos covardes e repugnantes que todos conhecem. O espancamento
brutal de quantos se atrevam a censurar os atos do onipotente poder que dirige

530
A Gazeta Universitária, agosto/setembro de 1966. ACH/UFV.
272

os destinos da nação: prisão sumária de quantos elevem a voz contra as


flagrantes injustiças que afligem todo o país; complacência ou mesmo prêmio,
para quantos aceitem o que “aí está” como o natural estado de coisas 531.

Por outro lado, sem esquecer as questões específicas do universo estudantil,


surgia nas universidades um movimento contra as taxas cobradas pelas universidades
públicas, o chamado Movimento Contra as Taxas (MCT) 532. É sabido que o ensino
público naquela época não era totalmente gratuito. Algumas taxas eram cobradas pelas
instituições para manutenção de seus custos. A luta pela qualidade do ensino incluiu a
total gratuidade. E os estudantes aproveitaram a visibilidade do movimento estudantil
naquele momento para pressionar o governo nesse quesito. Na perspectiva de Luiz
Cunha (1988), era interesse dos militares acrescentar na reforma universitária a
regulamentação da cobrança de mensalidades nas universidades públicas. Porém, a
pressão dos estudantes em relação à gratuidade do ensino contribuiu com a supressão
desse quesito na nova legislação.
As atividades do Diretório Acadêmico de Agronomia relatadas na Gazeta
Universitária exemplificam esse interesse dos estudantes nas questões educacionais. É
interessante notar a quantidade de atividades relatadas no periódico. O diretório estava
bastante engajado com os problemas da instituição local, mas sem desconsiderar as
questões conjunturais. Contribuíram com os servidores – na época chamados de
operários – em relação às suas más condições de trabalho, organizaram uma passeata
em solidariedade aos estudantes presos pela ditadura em 1967, marcaram presença em
eventos da UNE e estavam organizando um seminário para debater a reforma
universitária. O diretório acadêmico da Engenharia Florestal recebeu o vice-presidente
da UNE em Viçosa. Eles redigiram uma moção de apoio aos estudantes de Brasília que
sofreram com a invasão policial no campus da UnB 533. Somando a isso, os estudantes
organizaram outro evento também em apoio aos estudantes de Brasília. De acordo com
a Folha de S. Paulo,

Na UFV, mais de 1500 estudantes reuniram-se em assembleia, nos dias 24 e


25, no campus da universidade, para comemorar o “Dia Nacional de Luta”. No
dia 25, os estudantes saíram em passeata, cantando o hino nacional e pedindo
liberdades democráticas. Em solidariedade aos colegas da UnB, os estudantes

531
A Gazeta Universitária, 04 de novembro de 1966. ACH/UFV.
532
Ibidem.
533
A Gazeta Universitária, 07 de maio de 1967. ACH/UFV.
273

fizeram o julgamento simbólico do reitor José Carlos de Azevedo. A passeata


durou mais de 3 horas534.

Os estudantes também analisaram e buscaram intervir, de alguma forma, na crise


financeira que a UREMG passou nos anos de 1967 a 1969. Na perspectiva do
movimento estudantil,

A nossa universidade passou por uma fase desenvolvimentista, cheia de


conquistas, funcionando em ritmo de trabalho realmente digno de nota.
Entretanto, nos últimos tempos, notadamente a partir de meados de 1966, a
UREMG entrou, pode-se dizer, em compasso de crise(...) A situação
econômico-financeira de nosso estado é caótica. Professores não recebem seus
salários desde há muito, estando em certos casos, com pagamentos atrasados há
12 meses – funcionários e operários idem. Cada dia que passa mais uma greve
surge. É o grito de desespero de quem trabalha e não vê o pagamento a que tem
direito. Culpa de quem? 535.

Exatamente em 1967, os estudantes da UREMG entraram em greve em


solidariedade aos professores e operários que estavam sem receber salários 536. A
documentação não traz a duração exata dessa greve, porém, sabemos que os
professores, também parados por causa da crise, voltaram ao trabalho pouco tempo
depois. Os estudantes prosseguiram em greve por mais tempo.
Esse contexto reivindicatório local vai diretamente ao encontro da perspectiva de
Pellicciotta. Para a autora, o movimento reivindicatório estudantil por direitos
acadêmicos adquire consistência coletiva à medida que politiza os seus problemas
específicos (PELLICCIOTTA, 1997, p. 36). O debate sobre a estrutura da Universidade
cresce e se orienta para demandas maiores, mais gerais. Ou seja, é na área educacional
que a militância universitária se desloca para os problemas gerais da sociedade.
Das temáticas escolhidas pela Gazeta Universitária, a crítica à relação entre
Brasil e Estados Unidos também ganhou destaque. Assim como na Marcha Nico Lopes,
os estudantes reforçaram o caráter desigual dos acordos entre os dois países, na
imprensa essa questão foi repetida. Na verdade, a própria UEE-MG orientou suas
células nas diferentes universidades a encampar a luta contra o imperialismo. A
exemplo disso, a UNE realizou em 1967 o Seminário Nacional sobre a infiltração
imperialista no ensino, que deixou evidente a ênfase da entidade naquele contexto.
Dessa forma, a crítica dos estudantes aos acordos MEC-Usaid também foi
encontrada no Jornal Gazeta Estudantil. O argumento utilizado pelo autor do texto parte

534
Folha de S. Paulo, 27 de agosto de 1977, p. 17.
535
A Gazeta Universitária, 20 de junho de 1967. ACH/UFV.
536
APUREMG, 10ª seção. 9 de junho de 1967.
274

de uma perspectiva nacionalista. De acordo com ele, ao abrir o Ministério da Educação


para a vinda de consultores estrangeiros, o país abria mão de sua soberania e entregava
o setor educacional aos norte-americanos. Do mesmo modo como era feito com outros
setores da economia, o Brasil progressivamente permitia que suas riquezas se
exaurissem por meio de acordos desiguais com os americanos. Porém, não há nenhuma
menção ao Convênio Purdue-Viçosa na imprensa estudantil. Segue abaixo o texto:

O interesse de um pequeno grupo sobrepuja os interesses do que deveria ser a


nação brasileira. Em decorrência, o que se vê é esta política de entreguismo
generalizado de nossas principais riquezas: minérios; indústrias locais sendo
engolidas pelos trustes estrangeiros, pecuária prejudicada pelo leite em pó
norte-americano etc. Agora a “entregação” passou para o campo educacional.
(...) De uma dessas comissões surgiu o famigerado acordo MEC-USAID, que é
um projeto de reforma universitária nos moldes do relatório do Sr. Rudolph
Atcon, que previu uma universidade latino-americana para melhor atender aos
interesses dos nossos “irmãos do outro hemisfério, que visa ao controle de toda
a orientação cultural e ideológica, impondo bibliografia norte-americana,
quando não brasileira, promovendo, assim, a tecnização cada vez maior de
nosso ensino537. (...)

As críticas às relações bilaterais com os Estados Unidos estavam sempre


presentes na imprensa estudantil. No entanto, um texto da Gazeta Estudantil mostra a
posição dos estudantes – ou parte deles – sobre os Estados Unidos e o Brasil. De acordo
com o texto, não há necessariamente um problema intrínseco na existência de
investimentos estrangeiros no país. Muito pelo contrário. De acordo com a Gazeta
Universitária, “A conclusão óbvia a que se chega é de que não só os investimentos de
capital estrangeiro não devem ser evitados, pelo contrário, devem ser atraídos
entusiasticamente”538. A grande crítica é na aplicação desses fundos. Para o autor, o
resultado desses investimentos tem sido o desenvolvimento do patrimônio dos
investidores em detrimento dos interesses do bem-comum:

A ajuda econômica dos EUA aos países subdesenvolvidos não é


proporcionalmente econômica, não ajuda os países. E é tão racional quanto se
possa imaginar. A ajuda não desenvolve a infraestrutura. Os investimentos
estrangeiros não servem, em geral, às necessidades do país ajudado, mas aos
investidores. Podemos concluir é que, enquanto os “ajudados” ficam mais
pobres, os que ajudam ficam mais ricos539.

537
A Gazeta Universitária, 07 de maio de 1967. ACH/UFV.
538
A Gazeta Universitária, 26 de maio de 1968. ACH/UFV.
539
Ibidem.
275

Exatamente por não confiarem nessa ajuda americana, os estudantes


interpretaram o fenômeno do crescimento do ódio aos norte-americanos. A antipatia
com os Estados Unidos, portanto, estava diretamente ligada à falta de coerência na
ajuda norte-americana aos países subdesenvolvidos:

Logo, no nosso modo de entender, a razão da grande antipatia por eles resulta
do fato de que não acreditamos na sinceridade de sua ajuda, porque sentimento
que cada ano somos mais pobres, em virtude do domínio que exercem sobre
nós, não nos deixando nenhuma “chance” de melhoria, em face, sobretudo, do
“mercado de trocas” que mantém e estimulam entre nós540.

Se a crítica aos contratos com a Usaid era frequente, por que o mesmo não era
feito em relação à presença americana na UREMG? A resposta para essa questão não
está clara. Porém, a hipótese levantada nesse estudo identifica certa empatia dos
estudantes em relação ao Convênio Purdue. Diante de grande crise financeira que a
UREMG vivia na década de 1960, os recursos do Convênio ajudaram a manter a
universidade. As bolsas de pesquisa proporcionaram aos alunos a inserção na dinâmica
científica da universidade.
Pelo menos neste ponto, os pressupostos ideológicos dos estudantes ficaram em
segundo plano. Embora os acordos com a Usaid no âmbito educacional gerassem muita
dissensão entre os alunos, o Convênio Purdue não tinha o mesmo desprestígio. Muitos
professores norte-americanos que atuavam pelo programa entre as universidades
orientavam pesquisas de estudantes e lecionavam diversas disciplinas. De alguma
forma, a convivência com esses cientistas pode ter contribuído para que o convênio não
fosse encarado de forma negativa, embora ele também fosse financiado pela USAID.
Um episódio curioso elucida bem essa relação do estudante com o Convênio
com Purdue. A Gazeta Universitária noticiou o caso de um estudante da Universidade
de Purdue que, ao regressar para seu país, escreveu um texto com diversas críticas ao
modo de vida estudantil dos universitários de Viçosa. O artigo do americano ataca
também o modelo educacional da UREMG, com estudos excessivamente teóricos e
pouca prática. Além disso, o estudante americano pontuou que as regras sociais na
instituição eram muito rígidas. O pronunciamento oficial do DA da agronomia não
questionou, em nenhum momento, a natureza do programa entre universidades. A única
ressalva feita foi em relação ao indivíduo que passou meses na UREMG e redigiu o
texto considerado ofensivo:

540
A Gazeta Universitária, 24 de junho de 1968. ACH/UFV.
276

Fica o apelo do DAAB aos dirigentes de Purdue que, quando enviarem alguém,
enviem indivíduos um pouco mais educados, à altura da posição de seu país e
não meros desconhecedores de problemas tais como língua, geografia, história,
relações diplomáticas, vida social e cultural do país que os receberá. E, à
UREMG, apelamos no sentido de que, em próximos convênios, promova a
recepção de indivíduos, entregando-os a quem realmente mereça confiança,
para que no futuro próximo tais dissabores sejam evitados541.

Se os convênios com os Estados Unidos eram criticados pelos estudantes, outro


alvo do movimento estudantil era o Projeto Rondon. Conforme foi ressaltado no
capítulo 2, o Projeto Rondon recebeu diversas críticas, tanto pelo seu caráter
assistencialista como pelo aspecto proselitista dos militares, neste caso, de buscar
influenciar o movimento estudantil por meio do nacionalismo. A intenção original dos
militares era exatamente essa: afastar o perigo do socialismo entre os jovens, engajando-
os em operações de assistência social no interior do país. Isso, de certa forma, trouxe
grande desconfiança por parte da militância estudantil em relação ao Projeto Rondon.
Porém, em Viçosa, as expedições para o interior do país não foram encaradas
dessa forma542. Na verdade, a participação de Viçosa no Projeto foi intensa a ponto de o
DCE ter uma sala do Projeto Rondon em suas dependências 543. Mesmo sendo um
programa dos militares para a universidade, os estudantes que tinham um discurso
agressivo no tocante à condução política dos militares não percebiam nenhuma
contradição entre esse discurso e o Projeto Rondon. Isso foi discutido por Gabriel Lima
em sua dissertação de mestrado. Em sua pesquisa, Lima concluiu que o Projeto Rondon
foi vivenciado pelos estudantes por meio de diversas experiências distintas. Não é
possível afirmar que todo estudante que participava do Rondon se tornava
necessariamente colaborador do regime, uma vez que os interesses eram bastante
heterogêneos no tocante às expedições para o interior.
Portanto, o mesmo movimento estudantil que levantou a bandeira do anti-
imperialismo e da luta contra a ditadura como elementos fundamentais de sua militância
também deixou passar as críticas ao Convênio Purdue e apoiou o Projeto Rondon. Esses

541
A Gazeta Universitária. 23 de abril de 1967. ACH/UFV.
542
No UFV Informa, há várias menções de expedições do Projeto Rondon que tiveram a participação
macia de estudantes da UFV: 1º de novembro de 1978; 1º de fevereiro de 1979; 22 de fevereiro de 1979;
Também, em O Globo foi registrada a participação de estudantes viçosenses em expedições do Rondon:
4 de janeiro de 1971; 09 de junho de 1969.
543
UFV Informa. 16 de agosto de 1974. ACH/UFV.
277

elementos não são contraditórios em si, pelo contrário, comprovam a pluralidade do


movimento e a multiplicidade de interesses no interior da instituição.
Outra estratégia desenvolvida pelos estudantes na sua militância na universidade
foi a greve. Vimos nesse capítulo que as greves estudantis foram utilizadas para
pressionar as autoridades acadêmicas em relação às demandas estudantis. Em 1954 –
caso Rappel -, em 1962 – greve do 1/3 e em 1967 – greve em relação à crise financeira
da universidade. As greves movimentavam o campus e causavam muita tensão entre as
autoridades acadêmicas e os grupos políticos locais. Em 1977, outra paralisação das
aulas sacudiu bastante a universidade. Nada foi encontrado na documentação
pesquisada na UFV sobre esse episódio, nem na própria imprensa estudantil. Apenas a
grande imprensa, por meio da Folha de S. Paulo, divulgou o episódio:

Em Viçosa, a 224 quilômetros de Belo horizonte, na Zona da Mata Mineira, os


3.700 estudantes da UFV decidiram entrar em greve hoje e promover uma
concentração no campus universitário, em frente à Escola Superior de
Agricultura. O Clima na UFV é de tensão. O Dops enviou anteontem duas
viaturas para reforçar o esquema policial interno da escola, que conta com
centena de policiais. E há duas semanas, segundo informa, um grupo de
estudantes foi mantido em prisão local por 24 horas e uma estudante obrigada a
se despir na cela diante dos policiais544. (...)

A matéria do jornal não explicita com detalhes as motivações da greve naquele


contexto. Porém, o autor evidencia a tensão que a universidade vivia naquele momento.
Müller (2010) aponta que 1977 foi o ano das greves estudantis. A principal pauta foi a
luta contra o aumento das mensalidades nas faculdades privadas e manifestações em
prol do aumento de verba para a educação. De modo geral, os estudantes foram às ruas
com uma pauta política de amplo espectro: reivindicações por melhorias na educação,
anistia política, redemocratização etc. Esse é um momento novo dentro da história do
movimento estudantil. De acordo com Müller,

A capacidade de renovação do movimento era demonstrada nas ruas, e o


comportamento dos atores, ao se colocarem de frente para o regime, também se
modificara, porque estavam orientados por uma nova cultura política, que se
caracterizava pela defesa dos princípios democráticos, não mais pelo ideal de
revolução que orientou grande parte da atuação dos jovens estudantes entre
meados da década de 1960 até a de 1970 (MULLER, 2010, p. 148).

544
Folha de S. Paulo, 19 de maio de 1977, p. 19.
278

No caso da greve de 1977 em Viçosa, antes mesmo de o movimento ganhar


força e mobilizar mais de três mil estudantes, duas semanas antes um grupo de alunos
foi detido. Essa prisão, já relatada no capítulo 3, pode ter contribuído ainda mais para
inflamar o ímpeto grevista dos estudantes. Além disso, o jornal acentua a presença do
Dops no campus, que contribuiu com o aumento do efetivo policial que já estava nas
dependências da universidade. Esta foi a terceira invasão policial que a UFV sofreria em
sua história.
Na UFV, o ano de 1979 contou com grande mobilização do movimento
estudantil, com organização de greves, invasões à reitoria, reorganização da Marcha
Nico Lopes, criação de manifestos contra a ditadura, entre outras coisas. O que motivou
tamanha movimentação na universidade foi, em primeiro lugar, o próprio contexto
político nacional. O regime militar não encontrava a mesma legitimidade com a
população como em anos anteriores. Já estava consolidada a ideia de uma transição
política para o retorno dos civis ao controle do poder executivo, o que,
consequentemente, abria grandes expectativas em relação à participação de movimentos
sociais. Em segundo lugar, a possibilidade de reorganização da UNE fortaleceu
grandemente os grupos estudantis locais e, certamente, Viçosa não ficou de fora.
Conforme mostrado anteriormente, a última Marcha Nico Lopes havia sido em
1968. Com a repercussão da invasão policial no campus e prisão de estudantes, a
Marcha ficou sem ser realizada durante esse tempo. Uma matéria da Folha de S. Paulo
elucida bem esse episódio. De acordo com o periódico, “o DCE de Viçosa debita o fim
da passeata à repercussão de 1968, mas não acredita no tom e abertura e o fim das leis
de exceção que proporcionaram sua realização este ano”545. É possível afirmar que o
medo da repressão afastou os estudantes de organizar a Marcha. Depois do aumento da
repressão e da sofisticação dos aparatos de vigilância, o maior evento estudantil da UFV
praticamente caiu no esquecimento. O jornal completa que os estudantes estavam
pensando em realizar a Marcha antes, porém, “somente agora, depois de pesquisa a
respeito, na qual se constatou que a Marcha Nico Lopes era uma tradição da
Universidade e do povo, resolveram revivê-la depois de 11 anos de interrupção,
segundo relataram”546. Ou seja, o movimento estudantil da UFV resgata sua história

545
Folha de S. Paulo, 15 de março de 1979, pg. 28.
546
Ibidem.
279

para reorganizar a Marcha Nico Lopes e utilizá-la como locus de manifestação contra o
regime autoritário, porém, sem abrir mão do caráter festivo e debochado do evento.
De fato, os estudantes estavam certos em não confiar que o fim das “leis de
exceção” daria maior liberdade para a realização da Marcha. A imprensa e os próprios
relatórios da Polícia Militar e da Polícia Federal demonstraram o desespero das forças
policiais com a grande mobilização estudantil no evento. Mais politizada que nos anos
anteriores, a Marcha teve como tema central o repúdio contra a posse do presidente João
Figueiredo. Cientes disso, os militares não permitiram que a passeata fosse para as ruas
da cidade, deixando-a circunscrita aos limites da universidade. No entanto, desde seu
passado mais remoto, nos anos 1930, a passeata começava na instituição até o centro de
Viçosa e, por isso, os estudantes não se limitariam à UFV. De acordo com a Folha de S.
Paulo,

A Marcha Nico Lopes foi cercada, inicialmente, no campus da UFV, por


policiais armados de fuzis, baionetas, cassetetes, lança-bombas e protegidos
por escudos transparentes, que impediram a saída dos estudantes em passeata
pelas ruas da cidade. Enganando os soldados, os universitários dispersaram-se
após um breve ato público, para, logo a seguir, saírem cautelosamente pelos
fundos do campus, utilizando a via férrea, por onde caminharam até a cidade,
carregando cartazes e faixas547.

Na narrativa do jornal, a efetivo da polícia não percebeu a movimentação dos


estudantes para a cidade, o que resultou em um recuo dos militares e seu consequente
retorno ao quartel. A partir daí a passeata seguiu em festa pelas ruas da cidade, com
gritos, cânticos e palavras de ordem: “Na cidade, as manifestações se engrossavam,
agora com a participação do povo, que aplaudia das sacadas o desfile de protesto dos
universitários”548. A chegada dos estudantes até a praça da Igreja da Matriz no centro
foi bastante tumultuada. Mesmo assim, foi lido um manifesto 549 contra a posse do
presidente Figueiredo, quando a polícia chegou para dispersar os manifestantes: “um
batalhão de choque da PM começou a reprimir a manifestação com bombas de gás
lacrimogêneo, conseguindo dispersar a multidão. Um estudante foi preso, mas libertado
logo depois”550.

547
Folha de S. Paulo, 18 de março de 1979, pg. 15.
548
Ibidem.
549
A carta aberta à população foi um manifesto pelo fim da ditadura, anistia ampla, geral e irrestrita,
convocação de uma assembleia nacional constituinte livre.
550
Ibidem.
280

O conteúdo das manifestações estudantis mudou em sua essência no final da


década de 1970. Segundo Müller, nos eventos de reconstrução da UNE, não estava
prevista nenhuma demanda relativa à conjuntura internacional, o que, de acordo com a
autora, “atesta a própria realidade vivenciada. Vê-se que a conjuntura nacional era mais
importante no momento e que, independentemente do que estivesse acontecendo,
mesmo nos países vizinhos, o combate estava centrado primeiro no inimigo interno”
(MÜLLER, 2010, p. 184).
A mobilização estudantil não terminou ali, na praça central da cidade.
Fortalecidos após o sucesso da Marcha, os estudantes entraram em greve poucos dias
depois. A pauta estava relacionada, em grande parte, ao aumento do preço do ticket de
refeição da universidade, o famoso “bandejão”. De acordo com a Folha de S. Paulo,

3900 estudantes estão em greve desde a última terça-feira realizaram


anteontem concentração em frente ao prédio da reitoria da UFV,para exigir do
reitor que recebesse uma comissão de estudantes e aceitasse discutir o elenco
de reivindicações que provocou paralisação551.

Diante da paralisação das aulas, o reitor aceitou conversar com os representantes


dos estudantes, porém, as negociações não avançaram e os estudantes resolveram
continuar com a greve por tempo indeterminado. Depois de 7 dias de paralisação, o
reitor autorizou a entrada da polícia no campus, constituindo, portanto, a terceira
invasão militar na Universidade no contexto da ditadura. De acordo com a Folha de S.
Paulo, “4 mil estudantes da UFV foram surpreendidos ontem pela manhã quando dois
ônibus, com tropas de choque da Policia Militar, invadiram o campus, com autorização
do reitor Paulo de Giudice” 552. Os militares ficaram dois dias na universidade. A reitoria
informou à imprensa que “as tropas invadiram para impedir os piquetes promovidos
pelos alunos”553. O nível de tensão foi grande, a ponto de uma comissão de deputados
federais do MDB se deslocar até Viçosa para ajudar nas negociações entre estudantes e
reitoria. De acordo com O Globo, o deputado Ronan Tito relatou que “a ida à Viçosa foi
em ‘atendimento ao apelo dos estudantes, atemorizados com a invasão do ‘campus’ e a
falta de diálogo por parte do reitor”554.

551
Folha de S. Paulo, 24 de março de 1979, p. 13.
552
Folha de S. Paulo, 28 de março de 1979, p. 15.
553
Folha de S. Paulo, 29 de março de 1979, p. 23.
554
O Globo, 29 de março de 1979.
281

Na assembleia legislativa de Minas Gerais, deputados entraram em divergência


em relação ao episódio da invasão dos militares na instituição. De acordo com a Folha
de S. Paulo,

Na assembleia legislativa de Minas, o deputado Rui da Costa Val, da Arena,


defendeu a invasão do campus pelas tropas da PM, alegando que os estudantes
estavam cometendo violências. Em seguida, leu na tribuna da Assembleia uma
nota oficial da UFV – que está sendo divulgada nos jornais como matéria paga.
O deputado do MDB, Marcelo Caetano, defendeu os estudantes e denunciou
outras irregularidades ocorridas no campus de Viçosa, principalmente no que
se refere à moradia e ao baixo nível de ensino555.

Se no âmbito da força os estudantes não tinham como vencer os militares, no


campo do discurso o movimento estudantil ganhava força. Enquanto suas demandas
pareciam longe de serem atendidas, a imprensa divulgava diariamente o descompasso
entre o regime militar e os estudantes556. De certa forma, isso contribuía para afetar
negativamente a imagem dos militares com a opinião pública. No entanto, a greve
chegou ao seu fim após dias de conflitos, tensão e muito cansaço de ambas as partes.
Sim, o movimento estudantil venceu a batalha:

Os estudantes da UFV voltaram às aulas, ontem, após mediação dos deputados


federais do MDB, Ronan Tito e Fued Dib, entre estudantes e reitoria. A reitoria
está disposta a atender todas as reivindicações dos universitários. Como prova
de boa vontade, a reitoria concordou em congelar o preço da refeição estudantil
(Cr$8,00) durante o período de negociação – preço que poderá vir a ser
alterado ou não, dependendo do acordo que vier a ser acertado. Concordou
também com a criação do Conselho de Administração dos Moradores, com
participação dos estudantes que moram nos alojamentos da universidade. Foi
feita a reformulação do calendário escolar – a greve durou oito dias – e também
o reaparelhamento dos laboratórios da engenharia civil será feito com a
liberação de uma verba de 70 milhões de cruzeiros. Também foi atendida a
reivindicação de abrir a biblioteca aos sábados e domingos. Único item ainda
não atendido foi a dilatação do horário de entrada no prédio para as
universitárias, que só podem chegar até as 23h. (...) Segundo o deputado Ronan
Tito, os universitários de Viçosa estão bastante amadurecidos e no campus têm
surgido novas lideranças. Por sua vez, o deputado Fued Dib informou que, ao
contrário do que o vice-reitor e o coronel responsável pela segurança do
campus afirmaram, o policiamento ainda não havia sido retirado do local. Pelo
menos 1% das tropas permanece. O parlamentar ainda disse que o coronel

555
Ibidem.
556
Na visão de Angélica Müller, a grande imprensa teve grande participação nas manifestações estudantis
do final da década de 1970. De acordo com a autora, “podemos entender que a grande cobertura feita das
passeatas e rumos do ME tinha um sentido muito maior de pressão sobre o regime que propriamente de
evidenciar o ressurgimento do movimento” (MÜLLER, 2010, p. 154).
282

elogiou o comportamento dos estudantes, ressaltando o caráter pacifico e


ordeiro da greve557.

Conforme assinalado no capítulo 3, os órgãos de informação do Estado


produziram relatórios sobre o episódio da greve de 1979. Na narrativa oficial, havia
grande dissensão entre os estudantes que queriam a permanência da greve e aqueles que
desejavam seu fim. Também o processo decisório de continuidade da greve foi
considerado ilegítimo na visão dos órgãos de informação, sendo os estudantes
praticamente coagidos a aprovar a paralisação: “Isso redundou tamanha provação que
gerou revanchismo entre alunos grevistas e não grevistas. (...) Os estudantes passaram a
andar armados para se defenderem de possíveis agressões” 558.
Portanto, é evidente que a greve juntamente com a Marcha Nico Lopes daquele
ano tomou grandes proporções na universidade. E consequentemente, não houve
unanimidade entre os estudantes no tocante à condução desses eventos. Na
documentação da Polícia Federal, alguns panfletos e cartas produzidas pelos alunos
foram anexados ao processo contra os envolvidos. É interessante perceber a mobilização
dos dirigentes do DCE em explicar para comunidade, tanto a universitária quanto a
própria cidade de Viçosa, as motivações para o movimento grevista. Também foi
encontrado um panfleto de estudantes que se opuseram à greve. De acordo com o
material:

(...) Uma coisa que nós não conseguimos entender é que nós, estudantes, não
conseguimos ver que essa meia dúzia de estudantes, que programaram desde a
marcha Nico Lopes até a atual greve, estão todos loucos para serem eleitos na
UEE, que será daqui a poucos dias. No dia da marcha, disseram que seria uma
confraternização dos estudantes e na última hora nós vimos o que aconteceu,
sendo que mesmo com o policiamento na entrada da Universidade, fomos
induzidos à agitação. Será que nós não enxergamos que estamos sendo levados
à anarquia? É isso mesmo que eles querem559.

O discurso acima foi utilizado pelos militares na composição do relatório que


descreveu os conflitos na universidade. A tese defendida pelos militares era que existia
um pequeno grupo de agitadores que constrangia a massa estudantil a entrar nas

557
Folha de S. Paulo, 30 de março de 1979, p. 25.
558
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia
Federal. Identificação: Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais.
559
Ibidem
283

manifestações. Em contrapartida, o Comando da Greve rebateu a acusação dos


estudantes que redigiram o texto acima:

Esta acusação tem como pressuposto que a grande maioria dos estudantes não
tem ponto de vista formado sobre a situação. Que são uma grande massa
amorfa e uniforme, a qual meia dúzia de “agitadores” podem manejar como se
fossem bonecos de barro irracionais. Colegas, para abandonarmos as salas de
aulas, os estudos, (nossa profissão) e assumirmos uma greve geral, cremos ser
necessário muito mais que seis “agitadores”. É necessário antes de tudo
consciência por parte de todos560.

4.5 Considerações finais do capítulo


O engajamento estudantil em Viçosa tem muitas semelhanças com o movimento
estudantil nacional, liderado pela UNE. Até 1960, os alunos se envolviam bastante com
a vida universitária e tinham bastante apreço pela instituição. O envolvimento com
grupos políticos de esquerda não era expressivo, o que nos leva à conclusão de que as
preocupações dos estudantes, de modo geral, estavam mais concentradas no cotidiano
da Universidade, sem maiores referências aos problemas nacionais. Obviamente, isso
não foi uma realidade absoluta. Para pensar os problemas locais, os estudantes faziam
sempre comparações com o contexto nacional, porém, com maior ênfase nas questões
educacionais.
O início de uma militância estudantil mais engajada teve início na década de
1960, com a própria influência dos movimentos católicos – JUC e posteriormente a AP
– e do crescimento da UNE no governo do João Goulart. Com o golpe de 1964 e a
ditadura, o movimento estudantil em Viçosa também se radicalizou. A lei Suplicy, a
solidariedade com os estudantes de outras instituições que sofreram com a repressão, o
AI-5, o decreto 477, a necessidade de uma reforma universitária, enfim, todos esses são
elementos que ajudaram a convergir o interesse dos estudantes de Viçosa em relação ao
movimento estudantil nacional. Além disso, nos 1970, o movimento estudantil local se
engajou na reorganizacão da UNE e na luta pela redemocratização.
No entanto, esse processo também é marcado com tonalidades locais. Embora
em Viçosa os estudantes fossem críticos à relação desigual entre Brasil e Estados
Unidos, o Convênio Purdue-UFV não apareceu no rol de reivindicações e críticas desses
estudantes. O Projeto Rondon, que da mesma forma sofreu muitas críticas de setores do
movimento, foi bastante apoiado pelas lideranças estudantis locais. Dessa forma, não

560
Ibidem.
284

havia unanimidade dentro do movimento em relação a esses temas, inclusive a própria


greve de 1979 recebeu críticas entre alunos que discordavam do engajamento na greve.
A liderança acadêmica, sempre interessada em manter coesa a instituição, se
posicionou de maneira firme com o crescimento da militância política na universidade.
Na necessidade de afastar qualquer aparência de descontrole da situação em relação ao
campo político, os líderes também flexibilizaram suas ações com o movimento
estudantil, inclusive fazendo vista grossa para o movimento dos “DAs livres”. No
entanto, esse processo foi conduzido de maneira contraditória e com violência, uma vez
que a polícia foi autorizada a entrar no campus em pelo menos quatro situações.
285

CONCLUSÃO
A memória relacionada ao regime autoritário construída após a
redemocratização transformou qualquer aliança da UFV com a ditadura em algo
distante, como se fosse de um passado desconectado com a rotina institucional do
presente. Em 2013, no auge das manifestações que movimentaram jovens de todo país
em prol de uma ampla pauta política, o movimento estudantil da UFV fez uma série de
protestos contra o discurso emergente em prol de uma nova intervenção militar no
Brasil. Uma das formas de protesto foi justamente cobrir de preto o monumento usado
para homenagear o presidente Médici. Depois de muitos anos, aquela parecia a primeira
vez que o tema universidade e ditadura era levantado na instituição. Poucos anos se
passaram depois desse episódio, e a memória da ditadura parece ser outra.
Diante disso, é possível dizer, sem exagero, que escrever a conclusão desta tese
no início de 2019 não foi uma tarefa fácil. Muito além das dificuldades que a própria
atividade acadêmico-científica apresenta, a questão política atual expõe a delicadeza de
estudar o tema ditadura militar no Brasil. Na atualidade, o resgate da memória do
regime militar expõe a mudança na percepção de grande parcela da sociedade quando o
assunto é a natureza autoritária desse governo. Todo desprezo ao caráter ditatorial do
período governado pelos militares passou a ser questionado por parte da opinião
pública. Pedidos de intervenção militar começaram a ser frequentes no país,
principalmente após as manifestações políticas de 2013. No contexto do impeachment
da presidente Dilma Rousseff, um deputado – e atual presidente do Brasil – saudou a
memória do torturador Cel. Carlos Brilhante Ustra. A impressão que tenho diante disso
tudo é que estudar a ditadura militar no presente momento é “remar contra a maré”.
A despeito disso, essa tese buscou apresentar, entre outras coisas, que o caráter
ditatorial do regime militar alcançou de forma aguda as universidades brasileiras, sendo
a UREMG/UFV um caso representativo dentro de um contexto maior. A aproximação
da instituição com o regime militar não se explica apenas pelo interesse da liderança
acadêmica à frente da universidade no contexto pós-1964. Foi analisado, no primeiro
capítulo da tese, que o ethos institucional vivenciado desde os tempos da ESAV
influenciou diretamente a prática política da instituição, que, por sinal, desenvolveu um
estilo bastante pragmático, sempre ao lado do poder. Dessa forma, sempre que possível,
os cientistas e líderes acadêmicos evitavam qualquer tipo de conflito com a esfera
governamental, excluindo as críticas públicas aos dirigentes políticos, mantendo em
aberto os canais de interlocução com o Estado, inclusive em momentos de crise.
286

Essa característica da instituição somou-se à própria natureza do campo


científico, que, por definição, tem necessidade de manter coeso o campo e seus
interesses, sendo que, em diversas situações, se vê ameaçado pelas pressões da
sociedade, em especial do campo político. Conforme analisado aqui, as soluções
encontradas para refratar as investidas externas não estão circunscritas ao ambiente
universitário. A própria negociação política, com a interlocução de indivíduos e
instituições, é utilizada para soluções relacionadas ao meio acadêmico. No caso da
UREMG, a estratégia recorrente foi fechar parcerias com políticos que de alguma forma
tinham algum interesse na região de Viçosa e na própria universidade, como o deputado
e senador Arthur Bernardes Filho. Não obstante, em determinadas situações, os
professores fizeram “jogo duro” para alcançar seus interesses, o que significou a
renúncia parcial da cordialidade para defender as necessidades do meio acadêmico. Ou
seja, mais importante que o estilo político conciliador, estava a sobrevivência do campo
científico.
Outro ponto trabalhado nesta tese foi a interlocução da universidade com o
regime militar por meio da política de desenvolvimento econômico dos militares e da
modernização da agricultura. Dessa forma, a convergência dos interesses da instituição
e da ditadura contribuiu para uma postura de adesão ao regime militar. De um lado, o
governo oferecia subsídios para pesquisas, colaborava com a existência de convênios
internacionais e, sobretudo, modificava a estrutura da educação superior com a reforma
universitária. Em contrapartida, os cientistas da universidade aceitavam o modelo de
desenvolvimento proposto pelos militares, uma vez que havia, por parte dos
pesquisadores, grande entusiasmo na questão da modernização da agricultura. Nesta
perspectiva, a aproximação com as instituições internacionais contribuiu com a
cooperação dos cientistas em direção ao projeto modernizador da ditadura. Todo arsenal
necessário para o desenvolvimento agrícola estava contido nos princípios do convênio,
o que, naturalmente, fortaleceu o canal de interlocução entre a universidade e o regime
autoritário.
Especificamente no caso da UFV, o Convênio Purdue-Viçosa também foi
aproveitado pelo governo como tentativa de criação de consenso em relação ao contexto
econômico e político do país. O investimento na formação profissional, juntamente com
a formação política de lideranças nas universidades, significava a criação de cidadãos
afastados de qualquer ameaça subversiva. Reduzir conflitos, neste caso, resultava na
287

associação dos valores do capitalismo e em melhor posicionamento do Brasil em


relação ao mercado internacional.
Juntamente com o pragmatismo dos cientistas em vislumbrar oportunidades do
contexto econômico vigente, pode-se afirmar que determinada matriz política
aproximou os dirigentes da universidade em relação ao regime militar. A contrapartida
da universidade em relação ao regime se deu em forma de apoio político. Prova disso
foram as honrarias e homenagens que militares e aliados receberam da instituição.
Conforme analisado, ainda que a instituição evitasse expor publicamente um viés
político-partidário específico, foi mostrado nesta tese que, em diversas situações, os
dirigentes universitários não hesitaram na escolha pelo regime militar. De fato, os
cientistas mostravam certa gratidão às benesses adquiridas no período. Dessa forma, em
retribuição às conquistas para a instituição na vigência desses governos, os militares e
seus aliados foram bem recebidos na UREMG/UFV e homenageados.
Não bastava para a universidade a convergência com a ditadura em seu aspecto
modernizador. A direção da universidade cooperou com o regime na repressão à
oposição. A instituição colaborou com os órgãos de informação do Estado, sobretudo
mediante a Assessoria de Segurança e Informação (ASI-UFV), que se interpôs entre o
Estado e a instituição, com a produção de informações para os outros órgãos de
segurança, tais como o DOPS, SNI e Polícia Federal. Isso redundou em dificuldades
para a resistência ao regime militar, capitaneada pelo movimento estudantil, em levar à
frente a militância política.
Por outro lado, a adesão não foi a única forma de relação da instituição com o
poder, a exemplo da postura da Associação Docente (Aspuv) diante da crise da
universidade na década de 1960. Naquela ocasião, a Aspuv adotou táticas de
reivindicação que não eram aceitáveis para a ditadura, como greve, divulgação da
situação financeira da universidade por meio da imprensa e a não aceitação do projeto
de federalização do Ministério do Planejamento. Porém, os docentes fizeram questão de
despolitizar o movimento da federalização e a questão da valorização salarial, de forma
a retirar qualquer aparência de afronta contra o regime militar. Em outras palavras, foi
adotada uma postura de acomodação ao regime, ou seja, optaram pela negociação em
busca de seus interesses sem demonstração de compromisso com os militares. Isso
aponta ausência de uniformidade no comportamento político no campo científico. A
mesma universidade que homenageou militares e contribuiu com a repressão à oposição
teve uma associação docente que, embora mantivesse uma postura aparentemente
288

apolítica, correu riscos de levar para frente um projeto que inicialmente não tinha o
apoio dos militares.
Se a adesão e a acomodação foram práticas recorrentes na Universidade, a
resistência ao regime militar também foi vivenciada na instituição pelo movimento
estudantil. O engajamento dos estudantes em Viçosa tem muitas semelhanças com o
movimento nacional liderado pela UNE. Com o golpe de 1964 e a ditadura, o
movimento estudantil em Viçosa também se radicalizou, porém com características
próprias da militância local. Mesmo que a luta contra o chamado imperialismo norte-
americano fosse um dos principais lemas da UNE, o Convênio Purdue-UFV não foi
criticado pelos estudantes da instituição. O Projeto Rondon, que sofreu muitas críticas
de setores do movimento, não deixou de ser apoiado pelas lideranças estudantis locais.
No tocante à relação dos estudantes com o as lideranças acadêmicas, houve
colaboração da administração em relação aos órgãos de informação do Estado. Porém,
na necessidade de afastar qualquer aparência de descontrole da situação em relação ao
campo político, os líderes também flexibilizaram suas ações com o movimento
estudantil. Sem dúvida, a principal referência das lideranças da universidade era a
preservação do capital científico. Manter a ordem interna e evitar embates com os
quadros estudantis, de alguma maneira, contribuía para isso. Acima de tudo, entre a
violência e a negociação, a interlocução conturbada entre a administração universitária e
o movimento estudantil marcou a história institucional no contexto estudado.
Destarte, essa tese não reforça o pensamento de que a universidade tenha sido
um ambiente quase exclusivo de oposição ao regime militar. A multiplicidade de
interesses deu a tônica na relação do campo científico com o poder. A necessidade da
universidade em preservar seu corpo docente em tempos de crise econômica, manter a
atividade científica e levar a cabo o projeto de modernização da agricultura criou um
ponto de interlocução da instituição com o governo dos militares. No caso de Viçosa,
essa foi a saída encontrada pelos cientistas para maior alcance do capital científico. E
*claro, por esta escolha, eles não ficaram livres de embates.
289

REFERÊNCIAS
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O Bonde, 15 de outubro de 1949. ACH/UFV.
O Bonde, 15 de outubro de 1955. ACH/UFV.
O Bonde, 15 de setembro de 1945. ACH/UFV.
O Bonde, 18 de junho de 1949. ACH/UFV.
O Bonde, 18 de junho de 1949. ACH/UFV.
O Bonde, 2 de outubro de 1948. ACH/UFV.
O Bonde, 20 de outubro de 1945, n. 8. ACH/UFV.
O Bonde, 22 de novembro de 1963. ACH/UFV.
O Bonde, 22 de setembro de 1945. ACH/UFV.
O Bonde, 25 de março de 1950. ACH/UFV.
O Bonde, 26 de outubro de 1963. ACH/UFV.
O Bonde, 28 de abril de 1956. ACH/UFV.
O Bonde, 3 de novembro de 1945. ACH/UFV.
O Bonde, 30 de abril de 1955. ACH/UFV.
O Bonde, 31 de maio de 1950. ACH/UFV.
O Bonde, 5 de outubro de 1946. ACH/UFV.
O Bonde, 8 de setembro de 1945. ACH/UFV.
O Bonde. 13 de agosto de 1960. ACH/UFV.
O Bonde. 19 de outubro de 1963. ACH/UFV.
O Bonde. 1º de setembro de 1945. ACH/UFV.
O Bonde. 1º de setembro de 1963. ACH/UFV.
O Bonde. 22 de novembro de 1963. ACH/UFV.
O Bonde. 26 de março de 1960. ACH/UFV.
O Bonde. 26 de setembro de 1956. ACH/UFV.
O Bonde. 27 de outubro de 1945, n. 7. ACH/UFV.
O Bonde. 28 de maio de 1960. ACH/UFV.
O Bonde. 6 de setembro de 1962. ACH/UFV.
O Bonde. 8 de outubro de 1960. ACH/UFV.
O Bonde. 9 de abril de 1960. ACH/UFV.
Tribuna Acadêmica. Nº 3, março de 1954. ACH/UFV.

Atas do Conselho universitário da UREMG


ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 111/1965.
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 112/1965.
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 106/1964.
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 04/1950.
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 05/1951.
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 06/1951.
299

ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 08/1951.


ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 33/1955.
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 39/1956.
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 25/1954.
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 25/1954.
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 37/1956.
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 105/1964.
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 118/1964.

Imprensa da UREMG/UFV
UFV Informa, 15 de fevereiro de 1972. ACH/UFV.
UFV Informa. 15 de dezembro de 1973. ACH/UFV.
UFV Informa. 13 de fevereiro de 1974. ACH/UFV.
UFV Informa. 8 de março de 1974. ACH/UFV.
UFV Informa. 20 de abril de 1977. ACH/UFV.
UFV Informa. 12 de outubro de 1978. ACH/UFV.
UFV Informa. 20 de abril de 1978. ACH/UFV.
UFV Informa. 19 de outubro de 1978. ACH/UFV.
UFV Informa. 28 de setembro de 1978. ACH/UFV.
UFV Informa. 19 de julho de 1974. ACH/UFV.
UFV Informa. 9 de setembro de 1976. ACH/UFV.
UFV Informa. 19 de dezembro de 1975. ACH/UFV.
UFV Informa, 29 de abril de 1976. ACH/UFV.
UFV Informa. 18 de janeiro de 1973. ACH/UFV.
UFV Informa, 1 de Agosto de 1970. ACH/UFV.
UFV Informa, 15 de abril de 1973. ACH/UFV.
UFV Informa. 1º de junho de 1976. ACH/UFV.
UFV Informa. 8 de julho de 1976. ACH/UFV.
FV Informa. 25 de novembro de 1970. ACH/UFV.
UFV Informa. 18 de janeiro de 1973. ACH/UFV.
UFV Informa. 19 de dezembro de 1975. ACH/UFV.
UFV Informa. 16 de agosto de 1974. ACH/UFV.
UFV Informa, 26 de fevereiro de 1976. ACH/UFV.

Informativo UREMG. 12 de maio de 1966.


Informativo UREMG, Viçosa. 4 de fevereiro de 1965. ACH/UFV.
Informativo UREMG, Viçosa. 5 de junho de 1965. ACH/UFV.
Informativo UREMG. 5 de junho de 1965. ACH/UFV.
Informativo UREMG. 4 de fevereiro de 1965. ACH/UFV.

Folha Rural. 20 de novembro de 1935, n 33, ano I.

Imprensa nacional
Correio da manhã, 2 de agosto de 1964, página 22.
Correio da manhã, 28 de julho de 1964.
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Diário de Notícias, 6 dezembro de 1964, página 8.

Folha de S. Paulo, 05 de agosto de 1964, página 11.


Folha de S. Paulo, 18 de julho de 1964, página 1.
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Folha de S. Paulo, 18 de julho de 1976, p. 2
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Folha de S. Paulo, 24 de julho de 1976, p. 3.
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O Globo, 27 de Maio de 1964, Matutina, Geral.


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O Globo, 20 de Dezembro de 1966, Matutina, Geral, página 3.
O Globo, 23 de abril de 1976.
O Globo, 22 de novembro de 1966.
O Globo, 26 de Maio de 1978, Matutina, Economia, página 23.
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Revista Veja. Ed 411, 21 de julho de 1976 p. 20.

Jornais de Viçosa
A Cidade de Viçosa, 24 de novembro de 1935, n. 1879.
A Cidade de Viçosa, 24 de setembro de 1933, n. 1843
A Cidade de Viçosa, 24 de novembro de 1935, n. 1878.
A Cidade de Viçosa, 27 de agosto de 1933, n. 1838.
A Cidade de Viçosa. 17 de maio de 1936. N 1889.
A Cidade de Viçosa. 31 de maio de 1936. N 1901, ano XLIV.
A Cidade de Viçosa. 20 de setembro de 1936, n 1911.
A Cidade de Viçosa, 27 de agosto de 1933, n. 1838.
Gazeta de Viçosa. 6 de março de 1938. N 1, ano XIV.
301

Gazeta de Viçosa. Viçosa, 6 de março de 1938. Nº1, ano 15.


Gazeta de Viçosa. 20 de março de 1938. N 3, ano XIV.

Revista Ceres
PANIAGO, Euter; CESAL, Lon; ALVES, Eliseu. Revista Ceres. Janeiro a março de
1970 –Vol. XVII, n. 91
Milgar; FONTES, LOUREIRO, José Maurício. Hanseniella SP. (Symphyla) Nova praga
rizófaga de Ananas comosus (L.) Merr., no Brasil. Revista Ceres, Maio a junho de
1972. N. 103.
TEIXEIRA, Silvio Lopes; ANDERSEN, Otto; CARDINALLI, Lúcio. Influência do
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enxertia. Revista Ceres. Setembro e outubro de 1971, N. 99.

Documentação avulsa
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implantação da reforma agrária. Abril de 1964 a março de 1967.

Discurso de Médici. Anais da Câmara dos deputados, 1976.

Documentação da USAID
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Gerais. Viçosa-MG. ACH/UFV.
USAID/BRAZIL: Questions and answers regarding the program. Extraído de:
https://dec.usaid.gov/dec/home/Default.aspx

Documentação do Convênio Purdue-UREMG/UFV

RELATÓRIO SEMI-ANUAL, 1970. Purdue-Brazil Project. Universidade Federal de


Viçosa. Viçosa-MG. ACH/UFV.

Proposta apresentada à Agência Norte-Americana para o desenvolvimento internacional


para Revisão, Extensão e Financiamento do Projeto da Universidade de
Purdue/Universidade Federal de Viçosa, 1971.

THIRTY ONE REPORT, 1966. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas


Gerais. Viçosa-MG. ACH/UFV.
REPORTS, 31 janeiro de 1966. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas
Gerais. Viçosa-MG. ACH/UFV.
TWENTY FIFTH REPORT, 1965. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas
Gerais. Viçosa-MG. ACH/UFV.
REPORTS, 31 de março de 1967. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas
Gerais. Viçosa-MG. ACH/UFV.
TWENTY SIXTH REPORT, 1965. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas
Gerais. Viçosa-MG. ACH/UFV.
TWENTY SEVENTH REPORT, 1965. Purdue-Brazil Project. Rural University of
Minas Gerais. Viçosa-MG. ACH/UFV.
TWENTY SIXTH REPORT, 1965. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas
Gerais. Viçosa-MG. ACH/UFV.
TWENTY SIXTH REPORT, 1965. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas
Gerais. Viçosa-MG. ACH/UFV.
302

TWENTY EIGHTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of


Minas Gerais. Viçosa-MG. ACH/UFV.
THIRTIETH ONE REPORT, 1966. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas
Gerais. Viçosa-MG. ACH/UFV.
THIRTY SECOND REPORT, 1966. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas
Gerais. Viçosa-MG. ACH/UFV.
THIRTY FIFTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas
Gerais. Viçosa-MG. ACH/UFV.
THIRTY FOURTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas
Gerais. Viçosa-MG. ACH/UFV.
THIRTY FIFTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas
Gerais. Viçosa-MG. ACH/UFV.
THIRTY FOURTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas
Gerais. Viçosa-MG. ACH/UFV.
THIRTY FOURTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas
Gerais. Viçosa-MG. ACH/UFV.
THIRTY FIFTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas
Gerais. Viçosa-MG. ACH/UFV.
THIRTY SEVENTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of
Minas Gerais. Viçosa-MG. ACH/UFV.
THIRTY SIXTH REPORT, 1967. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas
Gerais. Viçosa-MG. ACH/UFV.
SEMI-ANNUAL REPORT, 1969. Purdue-Brazil Project. Universidade Federal de
Viçosa. Viçosa-MG. ACH/UFV.
REPORTS, Janeiro e fevereiro de 1969. Purdue-Brazil Project. Rural University of
Minas Gerais. Viçosa-MG. ACH/UFV.

Documentação do DOPS
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 6.
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 34.
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 17.
APM/DOPS/MG. Pasta: 0002 (Comunismo). Imagem: 35.
APM/DOPS/MG. Pasta: 4988 (Viçosa), Rolo: 075. Imagem: 3.
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 17.
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 18.
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 24.

Documentação do Fundo SNI/DPF


Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB AT4 - Assessoria de
Segurança e Informações da Universidade Federal de Minas Gerais.
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB HE - Delegacia de Polícia
Federal em Juiz de Fora (Minas Gerais). Identificação: Movimento estudantil na UFV.
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB HE - Delegacia de Polícia
Federal em Juiz de Fora (Minas Gerais). Identificação: Atentado à bomba.
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB HE - Delegacia de Polícia
Federal em Juiz de Fora (Minas Gerais). Identificação: Movimento estudantil da UFV.
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB HE - Delegacia de Polícia
Federal em Juiz de Fora (Minas Gerais). Identificação: Arbitrariedade policial.
303

Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB HE - Delegacia de Polícia


Federal em Juiz de Fora (Minas Gerais). Identificação: participação dos estudantes no 3º
Encontro Nacional dos Estudantes.
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB HE - Delegacia de Polícia
Federal em Juiz de Fora (Minas Gerais). Identificação: Eleições da diretoria do DCE.
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR RJANRIO V8 - Serviço Nacional de
Informações.
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR RJANRIO V8 - Serviço Nacional de
Informações.
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: Divisão de Inteligência do Departamento
de Polícia Federal. Identificação: Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais.
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: Divisão de Inteligência do Departamento
de Polícia Federal. Identificação: Movimento grevista de 1979.
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: Divisão de Inteligência do Departamento
de Polícia Federal. Identificação: Ministério do Exército.
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: Divisão de Inteligência do Departamento
de Polícia Federal. Identificação: movimento subversivo no meio estudantil em Viçosa.
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: Divisão de Inteligência do Departamento
de Polícia Federal. Identificação: Movimento Estudantil na UFV / Estação rádio
emissora clandestina.

Documentação da APUREMG/ASPUV
APUREMG, ata nº1. 1 de junho de 1963.
APUREMG, ata nº4. 16 de setembro de 1966.
APUREMG, ata nº5. 10 de maio de 1966.
APUREMG, ata nº6. 1 de novembro de 1966.
APUREMG, 4ª seção. 20 de dezembro de 1966.
APUREMG, 5ª seção. S.d. Essa seção não foi registrada a data.
APUREMG, 6ª seção. 24 de fevereiro de 1967.
APUREMG, 7ª seção. 18 de março de 1967.
APUREMG, 8ª seção. 28 de abril de 1967.
APUREMG, 9ª seção. 1º de junho de 1967.
APUREMG, 10ª seção. 9 de junho de 1967.
APUREMG. 14ª seção. 11 de agosto de 1967.
APUREMG, 15ª seção. 12 de fevereiro de 1968.
APUREMG, 18ª seção, 1968.
APUREMG, 9 de novembro de 1968.
APUREMG, 10ª seção. 9 de junho de 1967.

Brasil: Nunca mais

BRASIL: NUNCA MAIS – BNM 055, Doc 129. Brasil Nunca mais. Disponível em:
http:// bnmdigital.mpf.mp.br/sumarios/700/665.html Ofensiva da ditadura sobre o
movimento estudantil.
BRASIL: NUNCA MAIS – BNM 014. Brasil Nunca mais. Disponível em: http://
bnmdigital.mpf.mp.br/sumarios/700/665.html.

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