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Belo Horizonte
2019
GUSTAVO BIANCH SILVA
Belo Horizonte
2019
Dedico esta tese ao meu filho, o pequeno Rafael. Seu nascimento no meio desse
percurso coloriu completamente o cenário dessa minha trajetória.
AGRADECIMENTOS
À Deus devo toda minha vida. Tenho total convicção que toda minha trajetória
tem as marcas do Autor da vida.
Sou muito grato à minha família. Minha esposa, Bárbara, que sempre, em todo
tempo, me deu todo apoio. O primeiro ano de doutorado foi muito complicado. Morar
em Viçosa e fazer disciplinas em Belo Horizonte me exigia muita disciplina e coragem,
afinal, o caminho para capital é cheio de curvas e perigos.
No meio do doutorado, veio o Rafael para abrilhantar essa trajetória. Entre
choros, fraldas trocadas e muito colo, aproveitei todo tempo possível para continuar
com essa pesquisa. Quantas vezes eu esperava ele dormir para só depois começar os
trabalhos. Ainda bem que o Rafa foi/é um bebê tranquilo e que dormia muito bem. Isso
me garantiu energia para levar a pesquisa adiante.
Sou grato também aos meus pais – Maria Isabel e Nivaldo - e meu irmão
Fabiano, pelo apoio incondicional e incentivos. Meu irmão, mesmo não sendo da área,
sempre me indicava leituras e conversava sobre o tema dessa tese. Agradeço também
aos meus sogros, cunhada e cunhado que também me apoiaram e incentivaram.
Sou eternamente grato à minha formação como historiador que começou na
UFV. Tanto na graduação como no mestrado em Extensão Rural, levo comigo as
marcas dos professores e colegas que contribuíram muito com minha formação. À
minha turma de doutorado, sou grato pela caminhada, ainda que curta. Nos primeiros
meses de disciplinas na UFMG, trocamos ideias, leituras e, sem dúvidas, isso contribuiu
muito para esse trabalho.
Agradeço ao Eduardo, funcionário do Arquivo Central e Histórico da UFV. Sem
ele esse trabalho não seria possível. Também sou grato ao Henrique Sena, que fez parte
da Comissão da Verdade de Minas Gerais. Grande parte da documentação analisada
nessa pesquisa foi indicada por ele.
Sou grato aos colegas do ST de movimento estudantil e ditaduras, que frequentei
nas Anpuhs de 2015 e 2017. Posso dizer que as discussões e reflexões nesses
congressos serviram de grande inspiração para esta pesquisa. Também, as reuniões do
grupo de pesquisa de Culturas Políticas e do Núcleo de História Oral me abriram o
horizonte.
Os amigos Fabiana e Bruno, que compartilharam comigo as agruras da vida
acadêmica, sobretudo porque também viveram no trajeto Viçosa-Belo Horizonte por
alguns anos. Ao amigo e historiador Mateus Andrade, pelas conversas que também
contribuíram com esse trabalho.
Ao Rodrigo Motta, toda minha gratidão pela orientação. Senti-me imensamente
honrado por ter sido orientado por uma das maiores autoridades no tema que pesquiso.
Agradeço pelo empenho e ajuda nessa caminhada. Não poderia ficar de fora as queridas
professoras Angélica Müller, Kathya Braghini, Juliana Filgueiras e Miriam Hermeto,
que contribuíram ricamente com esse trabalho na banca de avaliação desta tese. Sou
muito grato pela disposição e ajuda.
À Capes, pela concessão da bolsa de pesquisa, sem a qual eu dificilmente teria
condições de prosseguir neste trabalho.
RESUMO
This doctoral thesis discusses the relationship of the Universidade Federal de Viçosa, in
its institutional trajectory, with political power. The tradition based on academic
excellence and the interest of the agricultural development of the country contributed to
the creation of an institutional ethos that moved the academic leaders from greater
conflicts with the power. This aspect was most evident in the context of the Brazilian
military regime. The speech of the economic modernization of the military governments
that carried out the modern agriculture, created an interlocution between university and
State. The hypothesis developed here associates the local institutional culture with a
specific type of relationship with power, namely with a tendency to negotiate and join.
On the other hand, although the academic leaderships looked for conservative strategies
for the maintenance of the scientific capital, the university did not become unique locus
of adhesion to the dictates of the State. It was verified through this research, different
positions in the institution in its relationship with the politician, which removes any
reductionism regarding the performance of the scientific field in relation to the political.
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 14
O objeto ............................................................................................................................... 14
Referências teóricas................................................................................................... .............. 17
As Universidades, modernização econômica e ditadura. ....................................................... 19
Metodologia de pesquisa e documentação. ........................................................................... 26
Divisão da tese. .................................................................................................................... 27
1 DA ESAV À UREMG: O “ESPÍRITO ESAVIANO” E O SEU LEGADO NA
FORMAÇÃO POLÍTICA INSTITUCIONAL ................................................................. 29
1.1 Introdução ...................................................................................................................... 29
1.2 As origens: a formação e consolidação do “espírito
esaviano”............................................. .................................................................................. 31
1.3 As reuniões gerais. ......................................................................................................... 38
1.4 O internato................................................................................................................. ........ 46
1.5 O “espírito esaviano” entre os estudantes ....................................................................... 47
1.6 O espírito esaviano e o seu legado: a influência política. ................................................ 58
1.7 Esavianos varguistas?. .................................................................................................... 72
1.8 Da ESAV à UREMG: a consolidação do “espírito esaviano”. ......................................... 83
1.9 Considerações finais do capítulo .................................................................................... 93
2 A UNIVERSIDADE E A DITADURA: PONTOS DE INTERLOCUÇÃO .................. 97
INTRODUÇÃO
O objeto
Nos dias de hoje, na entrada da Universidade Federal de Viçosa 1, há uma grande
placa que indica a missão histórica da instituição: “sempre a serviço da pátria”. A
insígnia foi encomendada em virtude da comemoração do aniversário de 90 anos, em
2016. Isso evidencia a finalidade da UFV em sua trajetória, neste caso, servir o país com
a produção de conhecimento. Somado a isso, de forma implícita, servir a pátria significa
também contribuir com o desenvolvimento econômico, na compreensão da ciência
como fonte de engrandecimento do país. A longa duração desse lema institucional
caracteriza a perseverança da universidade em transformar o Brasil em potência. Mesmo
com as dificuldades inerentes a qualquer instituição pública, com os percalços políticos
e econômicos enfrentados, acima de tudo, a universidade se coloca em um projeto
grande e ambicioso.
A tradição da antiga Escola Superior de Agricultura e Veterinária (ESAV),
fundada em 1926, sobrevive na construção do espaço da atual Universidade de Viçosa e
se solidifica nos lugares de memória da instituição. Cada metro percorrido no campus é
recheado de placas e menções honrosas a ex-alunos e outros personagens que
edificaram a história da instituição. Mais do que um lugar de aprendizado e formação
profissional, a UFV tornou-se um museu a céu aberto, um espaço que pulsa história,
memória e narrativas que remontam a experiências que estão entre o passado e o
presente contínuo.
Calcada nos valores dos Land Grant Colleges americanos, a ESAV foi fundada
para promover uma educação que associasse o conhecimento científico ao saber prático.
Em contraposição ao estilo bacharelesco das faculdades que existiam no Brasil, a ESAV
adotou o modelo que buscava conduzir o ensino juntamente com a pesquisa e extensão.
A divulgação científica e o conhecimento difundido além das “quatro pilastras” 2
desafiavam os cientistas locais a colocar em funcionamento a transformação do
panorama produtivo por meio da ciência e da tecnologia.
1
É importante ressaltar minha relação pessoal com a UFV. Fui estudante da instituição na graduação em
história (2005-2009) e também no mestrado em extensão rural (2012-2015). A minha vivência na
instituição como estudante me permitiu escutar em diversas ocasiões, que a universidade teve um
comportamento político bastante conservador no decorrer de sua história institucional. Isso me levou aos
questionamentos que estarão presentes nesta tese.
2
Na principal entrada da Universidade, existem quatro pilastras que marcam simbolicamente a separação
entre a instituição e a cidade.
15
3
O primeiro programa de mestrado do Brasil e da UFV foi inaugurado em 1961, com o programa de
Horticultura e Economia Rural, porém esses programas ainda não haviam sido reconhecidos oficialmente
pelo MEC.
4
No contexto nacional, as federalizações significaram o aumento da rede federal de universidades. Antes
da ditadura, houve federalizações pontuais, que foram aumentando progressivamente até o início dos anos
1970.
16
movimento estudantil. Por isso, as relações dos cientistas com o poder e seus reflexos
na instituição fazem parte do tema central desta tese.
Para delimitar a periodização desta pesquisa, o recorte temporal escolhido é
entre 1952 a 1979, que vai do primeiro convênio firmado com a Universidade de Purdue
– para a construção da Escola de Ciências Domésticas – até o fechamento da década, em
19795, período de profundas mudanças no país com a abertura política do regime
militar, acompanhado por uma recessão econômica sem precedentes, que atingiu o
orçamento das universidades. Ressalve-se que não está no horizonte investigativo deste
trabalho abordar as minúcias da vida universitária em tão largo espaço de tempo. A
relação da instituição com o poder estatal, portanto, é o fio condutor que perpassa todo
esse contexto e permanece como objetivo central neste esforço investigativo.
Embora o marco temporal desta pesquisa esteja circunscrito às décadas de 1950
a 1970, a leitura dos documentos nos levou para os anos anteriores, para o contexto da
fundação da universidade. A hipótese aqui desenvolvida identifica que a tradição da
instituição criou um tipo específico de relação com o poder. Em outras palavras, não
poderiam ser deixadas de fora as implicações da continuidade das práticas políticas que
funcionaram como o “DNA” da universidade. O ethos institucional, neste caso,
denominado de “espírito esaviano” 6, envolvia a criação de uma liderança especializada
em utilizar o conhecimento científico em prol dos ganhos produtivos. A comunidade
acadêmica deveria assimilar o conhecimento científico, associá-lo à prática e, acima
disso, munir-se dos mais altos valores morais aprendidos no cotidiano da instituição.
Sem dúvidas, essa particular visão moral contribuía para a formação de uma prática
política específica, a saber, sempre ao lado daquele que governa.
Referências teóricas
A abordagem de Pierre Bourdieu 7 a respeito do campo científico influenciou
diretamente o nosso olhar em direção às relações da universidade com o político. Para
5
Nesse contexto, os convênios internacionais com a UFV já haviam se esgotado – o Convênio Purdue foi
finalizado em 1973.
6
O “espírito esaviano” representa a identidade do sujeito que compõe a comunidade acadêmica da antiga
ESAV. Típico discurso de afirmação profissional, esse “espírito” estava associado ao compromisso do
indivíduo em relação à escola, ao trabalho no campo e também ao país. Com esse argumento, os
esavianos normatizaram práticas e dramatizaram a força da ESAV no campo científico.
7
A opção pelo uso de conceitos do autor Pierre Bourdieu não faz desta tese uma obra tipicamente
bourdiana. Tampouco, o objetivo do uso dessas categorias teóricas não significa aprofundar em escala
microssocial os pormenores da vida científica na universidade. Em uma escala maior, será analisado aqui
a relação do campo com o poder.
18
Bourdieu, o campo científico como microcosmo social tem relativa autonomia diante
das outras esferas da sociedade, tais como o campo político ou o campo econômico. No
entanto, o autor rechaça qualquer tentativa de imaginar o campo científico como
independente de pressões e imposições do macrocosmo social. Pelo contrário, os
conflitos científicos não estão circunscritos apenas ao aspecto intelectual. Na sua
concepção,
(...) não há “escolha” científica – do campo da pesquisa, dos métodos
empregados, do lugar de publicação (...) que não seja uma estratégia política de
investimento objetivamente orientada para a maximização do lucro
propriamente científico, isto é, a obtenção do reconhecimento dos pares
concorrentes (BOURDIEU, 1983, p. 126-127).
8
O capital científico, para Bourdieu, é uma espécie de capital simbólico que consiste no reconhecimento
(ou no crédito) atribuído pelo conjunto de pares concorrentes no interior do campo científico. O exemplo
dado pelo autor é da busca pelos intelectuais de reconhecimento acadêmico por meio de prêmios
acadêmicos (como o Nobel, por exemplo), citações em periódicos renomados, traduções de suas obras em
outros idiomas etc. (BOURDIEU, 2004, p. 26).
19
9
De acordo com Rodrigo Motta, entre a adesão ao regime e a resistência à ditadura, existiam as atitudes
intermediárias, nominadas por ele de jogos de acomodação: “muitos procuraram maneiras de se acomodar
ao novo sistema de poder, sem que isso significasse, a seus olhos, qualquer compromisso com a ditadura”
(MOTTA, 2014, p. 310). Isso incluía uma gama de concessões – tanto do lado do Estado quanto da
sociedade – para a sobrevivência do sistema.
22
aparato legal e a ação política sobre educação são resultados de uma situação
conflituosa e de um intenso debate político na sociedade” (LIRA, 2010, p. 14).
Por fim, a análise de Rodrigo Patto Sá Motta das universidades e o regime
militar significaram uma pesquisa de amplo espectro, com análise de diversas
instituições educacionais no contexto da ditadura. Houve um olhar mais geral sobre a
modernização da educação e sobre como os atores empreenderam diferentes estratégias
para, juntamente com a crítica ao regime autoritário, aproveitar as oportunidades
oriundas dos governos militares para a promoção do desenvolvimento científico em
suas universidades. O viés interpretativo do autor foi a cultura política brasileira. O
recurso à conciliação de interesses e a busca por evitar os conflitos redundaram em
práticas intermediárias entre a resistência e a adesão 10. Segundo ele, por meio da
conciliação, “procura-se acomodar os interesses de grupos em disputa, em um jogo de
mútuas concessões, para evitar o conflito agudo, sobretudo quando os contendores
principais pertencem às elites sociais” (MOTTA, 2014, p. 14). Esse jogo era duplo na
medida em que forçava ambos os lados a flexibilizar suas propostas. Tanto o Estado
estabeleceu compromissos e buscou atender projetos diferentes, quanto as universidades
assumiram posturas de não oposição aos governos para, sobretudo, contar com as
benesses da modernização do ensino superior. Para Motta,
Esse jogo complexo e, às vezes, ambíguo nos sugere análise mais sutil do
impacto do autoritarismo nas universidades, capaz de iluminar processos que
não se encaixam no tradicional par repressão/resistência. Houve também
arranjo entre repressão/acomodação, repressão/negociação e
repressão/cooptação (MOTTA, 2014, p. 18).
10
Assumimos a preferência pelo conceito de adesão à ditadura ao invés do termo “colaboração”. De
acordo com Rodrigo Motta, pelo fato de no Brasil ter ocorrido ocupação de forças estrangeiras como em
grande parte da Europa nos anos 1940, o termo “colaboração” parece deslocado. Dessa forma, o autor
aponta ser mais coerente afirmar que as pessoas simplesmente apoiaram ou aderiram ao regime
autoritário (MOTTA, 2014, p. 301).
23
11
A junta administrativa, órgão consultivo e deliberativo acima da Congregação da ESAV, tinha diversos
representantes da classe produtora. Depois que a Escola foi transformada em Universidade, a Federação
das Associações Rurais do Estado de Minas Gerais passou a ter representatividade no Conselho
Universitário.
12
A primeira referência do governo estadual à federalização da UREMG em 1969 foi em reunião com
técnicos americanos do Projeto Purdue-UREMG e pessoas ligadas à Secretaria de Agricultura do estado.
(SILVA, 2014)
24
sua dinâmica interna. Neste caso, a política institucional local e a externa, ou seja, a
relação com o Estado, com as lideranças políticas e também com as organizações
internacionais que se conveniaram com a universidade. Buscamos compreender o
processo de construção de uma prática política que se desenha ao longo da história
institucional e atinge seu ponto de culminância na ditadura. As razões dessa
identificação que resultaram em adesão ao projeto de modernização conservadora13
serão analisadas nesta pesquisa. Um exemplo bastante elucidativo dessa questão foi a
contribuição da UFV para o desenvolvimento do campus avançado do Projeto Rondon
em Altamira14, em 1971, que certamente cooperou com o projeto de modernização dos
militares na região.
Portanto, nossa hipótese associa diretamente a tradição institucional –
denominada “espírito esaviano” – às expectativas econômicas do regime militar, que
propiciaram um comportamento político imbricado aos interesses da ditadura. Mais do
que isso, o conceito de campo científico de Bourdieu nos direciona a interpretar as
negociações entre a universidade e o poder, uma vez que a busca pelo capital científico
tipifica uma relação pragmática com o Estado, o que envolve atitudes diversas em torno
do político, oscilando entre a adesão de projetos, a acomodação de interesses e, em
determinadas situações, a resistência.
Portanto, é necessário problematizar a chamada Universidade crítica citada por
Luiz Antônio Cunha, em ela se abre à crítica do seu papel na sociedade e ao
questionamento dos rumos políticos do país. O estudo das relações entre a UFV e o
poder nos direciona a relativizar esse viés contestador pela constatação da complexidade
das aproximações entre as instituições educacionais e o político, marcadas por conflitos,
negociações e acomodações. Se a universidade foi crítica de si, esse elemento não era
uma realidade inequívoca em todo sistema. O caso da UFV fortalece esse argumento,
13
O conceito de modernização conservadora aqui utilizado foi cunhado por Barrington Moore Jr. De
acordo com Motta, “esse autor defendia o argumento de que os processos de modernização seguiriam
trilhas diferentes em alguns países, nos quais as tendências modernizadoras poderiam se mesclar a forças
conservadoras. Essencialmente, o modelo destacava a formação de alianças reunindo burguesia e
proprietários rurais, que, tangidos pelo medo da revolução social, iniciariam processos de modernização
conservadora conduzidos pelo Estado” (MOTTA, 2014, p. 11).
14
O projeto Rondon consistiu na tentativa dos militares de engajar os estudantes em projetos de extensão
no interior do Brasil. Tachado como assistencialista por desenvolver atividades nas férias escolares, na
década de 1970 o Projeto foi incrementado com a criação dos campi avançados. As universidades das
regiões centro-sul do país criaram campi de extensão em regiões estratégicas no centro-oeste, norte e
nordeste do país. Os estudantes eram direcionados para essas áreas e prestavam serviços para a população
necessitada. Cada Campus era dirigido por uma universidade da região centro-sul, sendo a UFV
responsável pela extensão em Altamira, no Pará. Conferir: (LIMA, 2015)
25
uma vez que, em sua trajetória, a proximidade com o poder prosseguiu como elemento
tradicional do comportamento político da instituição.
Não obstante, havia fissuras nesse sistema, o que redundava em grupos e
indivíduos que criticaram o status quo institucional. O movimento estudantil da
Universidade, atuante desde os primeiros anos da instituição, em diversos momentos
contrabalanceou o ímpeto conservador dos dirigentes, sobretudo por meio da imprensa
estudantil, tendo os diretórios acadêmicos utilizado a escrita para questionar, propor
soluções e até analisar a conjuntura nacional do país. No recorte temporal aqui
delimitado, obviamente que o movimento estudantil passou por diversas fases,
alternando períodos de maior cooperação com a direção da universidade e momentos de
maior espírito crítico, inclusive com episódios que tiveram repercussão nacional, como
o caso Hans Rappel15 e a manifestação pela demissão do professor catedrático Alexis
Dorofeeff16.
Por outro lado, nos anos 1960, houve maior aproximação dos diretórios
acadêmicos com a UEE e a UNE. A presença de militantes estudantis de Belo Horizonte
na formação política dos membros dos diretórios acadêmicos, a participação mais
assídua nos congressos nacionais e a acidez nos textos dos jornais demonstram uma
guinada política à esquerda. Na ditadura, os embates dos estudantes com a direção da
universidade foram frequentes. A crítica à legislação que cerceou o movimento
estudantil, aos convênios MEC-USAID e, principalmente, em relação à repressão,
transformou a universidade em um espaço “perigoso” na visão dos órgãos repressivos
do Estado. Alguns estudantes foram presos, outros, expulsos da universidade, a Marcha
Nico Lopes17 foi proibida, houve invasão militar no campus, enfim, a universidade na
pequena Viçosa se tornou palco para embates contra os donos do poder. Não obstante,
a imprensa estudantil foi bastante benevolente em relação ao estabelecimento do
Convênio Purdue na universidade. Também, muitos discentes participaram do Projeto
15
O aluno de agronomia Hans Alfred Rappel, em 1954 escreveu um texto no jornal Tribuna Universitária
tecendo críticas à direção da Escola Superior de Agricultura da UREMG. Depois disso, ele foi expulso da
instituição e, por esse motivo, surgiu um movimento grevista apoiado pela UNE em solidariedade ao
estudante.
16
Os estudantes de agronomia da UREMG decidiram, em assembleia, decretar greve interna para forçar a
demissão do professor catedrático Alexis Dorofeeff, em 1963. O movimento foi apoiado pela UEE e a
UNE, o que gerou muitos embates entre o movimento estudantil e o Conselho Universitário. (LAN-
SANCHEZ, 006)
17
A Marcha Nico Lopes surgiu em 1930 por iniciativa dos estudantes da ESAV. A ideia inicial era uma
marcha até o bar do Sr. Nico Lopes, em que os calouros marchavam junto com os veteranos portando
fantasias e cartazes repletos de sátiras e deboches. Com o passar dos anos, a Marcha ganhou cada vez
mais conotação política, o que despertou a reação da ditadura em 1968, que proibiu o evento.
26
18
Como a UFV era responsável pelo Campus Avançado em Altamira, diversos alunos da instituição
foram enviados para o projeto.
19
A primeira organização docente foi na USP, com a Associação dos Professores Auxiliares de Ensino
em 1956. O interesse dessa primeira associação estava, como o próprio nome sugere, em defender os
interesses dos professores auxiliares que, naquele contexto, tinham menos direitos quando comparados
com os catedráticos. Conferir: http://www.adusp.org.br
27
documentação não foi encontrada no ACH, o que resultou na busca de alternativas para
o aprofundamento no tema. Isso nos levou a buscar na documentação da Polícia Federal
(DPF) e no acervo da ASI de outras instituições que tinham inquéritos de pessoas
ligadas à UFV. Graças ao trabalho de digitalização produzido pelo Arquivo Nacional, o
Fundo SNI e DPF puderam ser investigados para esta pesquisa. Também o acervo do
DOPS no Arquivo Público Mineiro (APM) e a documentação do “Brasil: Nunca Mais”
foram essenciais para a identificação dos atingidos pelos aparatos repressivos.
Como nosso objetivo está circunscrito ao comportamento político dos atores
sociais envolvidos com a Universidade em Viçosa, foram selecionados alguns
periódicos da grande imprensa para analisar a repercussão da universidade em suas
relações com as lideranças políticas e com as organizações internacionais. Jornais como
O Globo, O Estado de São Paulo, Folha de S. Paulo e Revista Veja foram pesquisados
para a interpretação das representações da grande mídia no tocante à UFV.
Neste aspecto, esta pesquisa significou, também, a tentativa de tornar conhecidos
outros personagens importantes da história da universidade, mas que são negligenciados
pela história e memória oficial. A UFV costuma lembrar-se dos “grandes” construtores
da tradição da instituição, enquanto muitos estudantes e professores envolvidos na luta
contra as injustiças não tiveram seus nomes eternizados nas páginas memorialísticas da
instituição. Compreender as escolhas e as justificativas para o uso dessa memória
triunfante no presente tornou-se um dos objetivos da tese.
Divisão da tese
Para a organização desta tese, o texto foi dividido em quatro capítulos. O
primeiro, Da ESAV à UREMG: o “espírito esaviano” e o seu legado na formação
política institucional, tem como objetivo historiar as relações da ESAV com o poder.
Afinal, o modus operandi político institucional foi construído desde os primórdios até
sua transformação em Universidade a partir de 1948. No segundo capítulo, A
universidade e a ditadura: pontos de interlocução, será investigada a natureza dos
vínculos entre a universidade e a ditadura. Quais os canais de interlocução existentes
entre a instituição e o Estado? Neste capítulo, conceitos como adesão e acomodação
serão operacionalizados para compreender o comportamento político dos cientistas em
contexto de autoritarismo, convênios internacionais e modernização da agricultura.
O terceiro capítulo, A UFV e a ditadura no cotidiano institucional, que
complementa o anterior, abordará as consequências da adesão política à ditadura no
28
1.1 Introdução
O objetivo deste capítulo é compreender o ethos institucional da ESAV,
conhecido como “espírito esaviano”, e analisar a influência dessa cultura na prática
política da instituição. Com o crescimento da Escola e sua transformação em
Universidade, os laços estreitos que envolviam estudantes e professores foram
alargados. O “espírito esaviano” teria deixado algum legado para as gerações
subsequentes? A ideia de uma cultura institucional contribuiu para a formação de um
tipo ideal de relação do estudante/professor com o poder?
Para além da questão local, o campo científico tem uma característica intrínseca
à sua natureza, a saber, a necessidade de se manter autônomo dos outros campos da
sociedade. Para tanto, sua relação com o político tem como objetivo conquistar o capital
científico, o que envolve um comportamento bastante pragmático. Obviamente, cada
escola ou universidade tem variáveis distintas, o que nos afasta de tipificar
categoricamente a forma de conexão com o poder vivenciado na ESAV como tipo ideal.
Pelo contrário, embora o campo científico de forma geral tenha tendência em negociar
com o poder para obter ganhos para a produção científica, existem elementos
específicos de cada instituição que geram variadas matizes nessa relação entre
universidade e o campo político.
Em relação ao nosso objeto de estudo, grande parte da produção memorialística
e também historiográfica sobre a UFV está ligada à sua origem como Escola Superior
de Agricultura e Veterinária (ESAV). A tentativa de explicar o caráter moderno da
instituição e ressaltar a criação de uma cultura institucional sólida e resistente às
20
Texto escrito por Guimarães Rosa sobre a antiga ESAV, em 1937, em virtude de sua visita à
instituição. O chamado “Livro de Ouro” da UFV abrigou as impressões de diversos visitantes ilustres à
universidade. Ver: UFV Informa, 26 de fevereiro de 1976.
30
construíram a ESAV, chegando a 92% o número de pessoas que não sabiam ler nem
escrever (BORGES, 2006, p. 23).
Essa concepção modernizadora não se restringiu apenas ao ensino na Escola
Superior. O segundo diretor da escola, João Carlos Bello Lisboa, aplicou os princípios
da instituição nos operários que se envolveram na obra de construção da ESAV. Em
relatório21 escrito em 1932, o diretor descreve um cenário de pobreza muito grande
entre os trabalhadores. Foram encontradas, além do imenso índice de analfabetismo,
pessoas que viviam em habitações precárias, alimentavam-se mal, inclusive com grande
estado de desnutrição e com diversos problemas de saúde. O antídoto empreendido pelo
diretor foi a escolarização dos operários pela alfabetização e pelo ensino dos valores
cívicos, morais e higiênicos. Segundo Lisboa,
21
O povo quer se aperfeiçoar: resultado de dez anos de observação na ESAV, por J. C. Bello Lisboa.
ACH/UFV.
22
Ibidem.
23
Ibidem.
35
24
A Cidade de Viçosa, 27 de agosto de 1933, n. 1838.
25
Ibidem.
36
Por isso que a ESAV primou em, juntamente com a ênfase no ensino prático,
estabelecer um padrão cultural supostamente compatível com o profissional formado na
instituição. De acordo com Sônia Mendonça (2010), existia uma ambiguidade no
tocante à valorização da ciência agronômica no Brasil. De um lado, havia o caráter
extremamente prático do ensino agrícola e do trabalho aplicado à produção rural.
Porém, esse “saber aplicado” não tinha o mesmo prestígio social quando comparado à
cultura “bacharelesca”, que valorizava a atividade intelectual em detrimento das práticas
manuais. Segundo Mendonça,
37
Essa matriz discursiva citada pela autora, no caso da ESAV, foi denominada na Escola
de “espírito esaviano”.
No que tange à valorização profissional, na década de 1930 a situação dos
engenheiros começa a se modificar. Com a modernização do serviço público, os
engenheiros progressivamente ocuparam espaços de trabalho na burocracia estatal. De
acordo com Barbosa, a conjunção entre os técnicos e a política “foi impulsionada em
grande medida pela crença que caberia ao técnico produzir informações seguras que
dariam suporte às novas necessidades do Estado e da sociedade” (BARBOSA, 2004, p.
42). Porém, essa talvez seja uma grande contradição vivenciada na ESAV: a valorização
da profissão contava com o investimento do Estado, embora o setor agrícola estivesse
em baixa diante do crescimento dos setores urbanos. Segundo Barbosa, “de um lado, o
contexto lhe abria portas para a atuação profissional, mas, por outro, no pós-1930, foi
posto em questão o predomínio da ordem política, econômica e social típica da Primeira
República” (BARBOSA, 2004, p. 53).
O “espírito esaviano”, dessa forma, incutia no profissional formado na ESAV as
características morais compatíveis com o sujeito moldado pela ciência. Em adição, as
características desse perfil correspondiam ao ethos do profissional das ciências
agronômicas. De acordo com o prof. Edgard de Vasconcelos,
não é preciso possuir senso divinatório, nem poder de devassar o futuro, numa
análise dos acontecimentos presentes para se sentir a predestinação ciclópica da
ESAV como centro de preparação da futura ‘elite rural’ que dirigirá, amanhã,
os destinos do Brasil26.
26
Revista Seiva, nº 13, Agosto-Setembro de 1943. Ano IV
38
Com isso, buscavam desenvolver em seus alunos não só mentes que soubessem
entender o porquê científico dos processos agrícolas, mas que soubessem o
valor moral de sua atuação para aconstrução da verdadeira civilização do
campo. O diplomado pela ESAV era aquele que não só levava os
conhecimentos, mas que escutava e compreendia os males do agricultor, que o
cativava e tentava estabelecer entre o agricultor e a escola uma ponte (...)
(OLIVER, 2005, p. 76)
39
Neste aspecto, o esaviano deveria ser um extensionista por excelência. Criar essa
interlocução entre o agricultor e o conhecimento científico estava fixado no DNA da
Escola. O regulamento da ESAV, de 1932, aponta os principais objetivos da Escola em
relação ao público:
27
Regulamento da Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais (1932), s/p.
ACH-UFV, Caixa 67.
28
Reuniões gerais. 20 de março de 1937. Griffing. ACH/UFV.
29
Ibidem.
30
Ibidem.
40
formula diretrizes didáticas para melhorar a eficácia da transposição das ideias para os
estudantes:
31
Ibidem.
41
32
Rascunho, Bello Lisboa. 14 de outubro de 1930, ACH/UFV.
33
Reuniões gerais. 10 de maio de 1935, ACH/UFV.
34
Preleção, 10 de maio de 1935. ACH/UFV.
35
Preleção, 10 de setembro de 1934. ACH/UFV
42
(...) quero apelar para os senhores para que nas fazendas, nos lugares em que
irão agir, sejam paladinos dessa campanha. E que, ao lado da bandeira da
alfabetização, que daqui muitas vezes já tem sido pregada aos senhores, como
complemento, a formação dos eleitores conscientes. No seu exercício, porém,
jamais queiram se transformar em “cabos eleitorais”, isso é, naqueles que
exigem dos que lhe são subordinados que votem em determinados candidatos36
(...)
36
Ibidem.
37
Preleção, 9 de outubro de 1937. ACH/UFV.
43
Fonte: http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/
38
Gazeta de Viçosa. 6 de março de 1938. N 1, ano XIV.
39
Preleção, 9 de outubro de 1937. ACH/UFV.
44
40
Não foi encontrada nenhuma referência dessa associação em livros sobre os movimentos estudantis
conservadores. Na perspectiva de Motta (2002), as organizações anticomunistas tinham caráter
extremamente efêmero e, portanto, criadas com finalidades tão específicas que eram desorganizadas com
grande facilidade (MOTTA, 2002, p. 177).
41
Preleção, 9 de outubro de 1937. ACH/UFV.
42
A Escola de Viçosa e o Combate ao Comunismo, 1935. ACH/UFV.
45
ESAV sofreu no final de 193543. Por esse motivo, a Escola também abriu um processo
interno na junta administrativa para apurar o caso. Dessa forma, é perceptível que o
bom cidadão, dotado de civismo e civilidade, formado na concepção moderna, se
afastaria dos “extremismos” típicos das “ideologias de esquerda”44.
Na palestra intitulada Biografia Agrícola, Edson P. Magalhães descreve a
mudança no cenário científico brasileiro no tocante às publicações de estudos sobre a
agricultura. Enquanto nos primeiros anos do estabelecimento das escolas superiores
grande parte dos estudos vinham da Europa, o professor mostra que, nos dias atuais,
muitas pesquisas têm sido feitas no Brasil, inclusive na própria ESAV. Não obstante, o
palestrante afasta a influência do “Velho Mundo” e sugere que:
43
Junta administrativa. Processo nº 360, 1935. ACH/UFV.
44
Ibidem.
45
Revista Seiva, nº 14, Setembro-Outubro de 1943. Ano IV.
46
Ibidem.
46
1.4 O internato
Outro elemento formador do “espírito esaviano” foi o internato. Desde os
primeiros anos da Escola, a moradia dos estudantes dentro dos limites da instituição
contribuía para a solidificação dos princípios morais almejados pela direção. Até então
no Brasil, as tentativas de criação de internatos não tinham obtido êxito (BORGES,
2006). A experiência pioneira em Viçosa foi considerada um sucesso, haja vista a
permanência de alojamentos estudantis até os dias atuais na Universidade. Porém o
sistema de internato tal qual planejado na ESAV recebeu algumas críticas durante os
anos iniciais da instituição. A experiência negativa de outras escolas, como a Escola da
Baía e a Escola em Piracicaba (ESALQ), mostrava o risco de colocar tudo a perder 47.
A sociabilidade desenvolvida pelo internato tornava-se essencial para o
desenvolvimento da cultura institucional. A capacidade de manter os alunos envolvidos
integralmente com a Escola fortalecia a adaptação dos estudantes ao padrão moral
preconizado pelos fundadores. Na visão de Simonini, a permanência dos alunos nos
limites territoriais da ESAV permitia que fossem expostos ao modelo de ser “humano
esaviano fomentado no cotidiano escolar: indivíduo de caráter forte, autodisciplinado,
que realizava suas obrigações por livre vontade e por amor à Escola e à Pátria”
(SIMONINI, 2014, p. 257).
Havia um rígido controle de condutas para os moradores do internato, que
buscava homogeneizar condutas e controlar possíveis desvios comportamentais, mas o
sistema disciplinar vigente não correspondia ao modelo baseado em castigos, que eram
muito comuns nas primeiras décadas de século XX. Para Denilson Azevedo, existe uma
contradição entre a “recusa em adotar um regime de força, com base nos princípios
marciais, ao mesmo tempo em que se advoga e legitima o emprego de dispositivos para
controlar os ‘sentimentos de liberdade dos alunos’” (AZEVEDO, 2005, p. 155).
47
Revista Seiva, N.2 Outubro-Novembro de 1940. Ano I
47
48
Revista Seiva, n. 6. Outubro–Novembro de 1941. Ano II.
49
Revista Seiva, n. 6. Outubro–Novembro de 1940. Ano I. A. Secundino S. José. Em 1942 o Centro
Estudantil se transformou em Diretório Estudantil.
48
representava mais do que a exposição de notícias de interesse estudantil, uma vez que a
divulgação científica se tornou o “carro chefe” do periódico.
As palestras organizadas pelo Centro de Estudantes correspondiam à formação
do “espírito esaviano”. O objetivo maior consistia em fazer o jovem, inclusive aquele
que ingressava recentemente à Escola, se identificar com o status quo vigente. Para
exemplificar, o professor e diretor da ESAV Antônio Secundino S. José afirmou:
“havendo recebido um convite do Centro de Estudantes para inaugurar as palestras do
ano de 1941, (...) achei bom alvitre tecer alguns comentários em torno da nossa ‘alma
mater’”50. Sendo assim, o Centro de Estudantes tornava-se ponto chave diante do
objetivo da Escola em formar do indivíduo moldado pelas características cívicas
esperadas de um “bom esaviano”. Para complementar, o professor associa esse ethos
institucional ao sentimento patriótico:
50
Revista Seiva, n. 6. Outubro–Novembro de 1940. Ano I
51
Ibidem.
49
na terra do Tio Sam. Sua palestra foi uma imagem viva dos estudantes
americanos52.
52
Revista Seiva, N.8. Maio–junho de 1942. Ano II.
53
Revista Seiva. N. 5. Agosto – Setembro de 1941. Ano II.
50
“acreditamos que não poderíamos tomar atitude mais justa, desde que, este jornal é um
órgão que interpreta o sentimento geral dos alunos da ESAV, e o nosso tributo não é
senão um reflexo do que vai no íntimo de cada esaviano” 54. No restante do texto, há
várias menções à competência do diretor e das muitas escolhas acertadas de sua gestão,
principalmente o apoio dado aos estudantes na fundação do jornal. Matérias de
semelhante consideração e apreço aos gestores são encontrados nos anos de mudança de
direção. Porém, houve momentos de pressão dos estudantes em relação à direção em
muitas publicações.
Embora em certo aspecto o Centro de Estudantes e, posteriormente, o Diretório
dos Estudantes, fosse um órgão que prestava alguma colaboração com a Escola,
algumas de suas ações representavam pouco o conservadorismo da instituição. Em 1929
foi criada a Marcha Nico Lopes. Esse evento, a princípio, tinha como função
recepcionar os calouros com uma passeata pela avenida principal da instituição. Eram
formados blocos temáticos que satirizavam situações do ambiente escolar e, com o
passar dos anos, questões políticas foram adicionadas ao ambiente festivo do evento.
Na lida diária cercada de formalidades que o padrão moral esaviano exigia, o aluno
encontrava na Marcha um espaço de extrapolação do cotidiano com algumas doses de
“subversão moral”.
Em adição, no jornal O Bonde, alguns textos expressaram as referências do
espírito esaviano, neste caso, associadas ao sistema educacional dos Estados Unidos. De
acordo com J. M. Pompéu Memória 55,
Uma formação intelectual sozinha, não alicerçada por boa formação moral,
patriótica e humanística, desenvolve mentalidades inadaptadas ao meio social.
(...) Sem dúvida, devemos isso à nossa formação nos moldes universitários
norte-americanos. O “espírito esaviano”, que tem sido preservado e transferido
de geração em geração, nada mais é que uma tradução a nosso modo de
espírito universitário americano. Os norte-americanos, com sua mentalidade
pragmática, reconheceram desde cedo a função social da escola e têm se
esforçado continuamente à procura de resolver satisfatoriamente essa questão56.
54
O Bonde, 20 de outubro de 1945, n. 8. ACH/UFV.
55
Extraído de http://www.personagens.ufv.br/?area=joseMariaPompeu: 26/08/2017.
56
O Bonde, 2 de outubro de 1948. ACH/UFV.
51
Não é necessário ser veterano para notar que o tão decantado espírito esaviano
está desaparecendo. Não teremos nós, também, a ventura de, ao deixarmos esta
Casa, espalhar aos quatro ventos aquilo que sobre ela ouvimos, antes de dela
sermos filho? Isto cabe tão somente a nós mesmos. Cooperando com tudo
aquilo que sirva para engrandecer o nome da ESAV; deixando de lado a
mesquinhez das diversões mundanas, poderemos, com orgulho, dizer que
reforçamos aquele esteio prestes a ser derrubado, e que aquele espírito que
regia os que antes se assentaram nos bancos que hoje ocupamos continua
inabalável, para maior glória dessa mãe carinhosa que, deste modo, mais se
orgulhará de seus filhos57.
57
O Bonde, 18 de junho de 1949. ACH/UFV.
52
58
A Associação dos Ex-alunos da UFV surgiu em 1935, ainda nos tempos de ESAV, e permanece até os
dias de hoje. O objetivo dessa organização é, de acordo com seu estatuto, “congregar os ex-alunos da
UFV e os das instituições anteriores a ela, procurando manter seu espírito e suas tradições, robustecendo
os vínculos entre seus ex-alunos e a Universidade”. Extraído de: http://www.ufv.br/exaluno. Sua
atividade principal consiste na organização de um baile anual que atrai a presença de ex-alunos de todos
os períodos da história institucional.
59
Carta. Associação de Ex-alunos da ESAV. Viçosa, 15 de março de 1943. ACH/UFV.
53
60
O Bonde, 13 de abril de 1958. ACH/UFV.
61
O Bonde, 1 setembro de 1955. ACH/UFV.
54
autor se queixa por não presenciar nenhum tipo de comemoração referente ao dia de
nascimento do professor americano. De acordo com o articulista, “é pena que a ESAV
tenha silenciado a esta data. É pena porque P. H. Rolfs não morreu; ninguém morre
depois de uma obra tão bela! Seu aniversário deveria ser comemorado” 62. As
consequências do esquecimento dos protagonistas de sua história são lastimáveis na
versão do autor. Para ele, “nosso mastro nos dizia que a ESAV esquecera seu patrono.
Esquecer P. H. Rolfs é divorciar-se de nossas tradições, é não lembrar do próprio
espírito da ESAV que ele representa”63.
Neste aspecto, a narrativa desses estudantes contribui para identificar uma
cultura institucional resistente ao tempo, porém ameaçada pela ferocidade dos novos
costumes. Mas seria esse tal “espírito esaviano” tão unânime? Nossa hipótese parte de
outra perspectiva. Na verdade, considerando a leitura das fontes e a análise da história
da ESAV, o “espírito esaviano” aparece também como recurso discursivo. Neste caso,
os estudantes faziam uso da tradição para legitimar determinadas práticas ou para
criticar certas posturas de outros alunos.
Além disso, nem todos seguiam os padrões morais elevados defendidos pela
Escola. Na documentação do Arquivo Central da UFV, encontramos algumas
sindicâncias contra professores e estudantes, inquéritos policiais e alguns documentos
referentes aos problemas disciplinares de membros da comunidade escolar. De certa
forma, isso mostra que a cultura institucional não dava conta de circunscrever toda a
comunidade escolar em suas práticas.
Um inquérito policial64 foi aberto em 1937 para apurar o disparo de um tiro de
revólver por um estudante da ESAV. Diante da investigação, foi provado que o tiro foi
acidental, uma vez que a arma do aluno caiu acidentalmente e efetuou o disparo. Ainda
que esse episódio seja pequeno e quase insignificante, a Escola tinha muita preocupação
de solidificar sua imagem na cidade. Porém, de certa forma, a instituição não tinha
controle das ações de seus alunos na cidade.
Em inquérito interno, aberto pelo diretor Bello Lisboa em 1930, há uma longa
investigação de um caso de embriaguez, seguido de confusão envolvendo alguns alunos
da escola. Segundo um dos investigados, o estudante Carlos Piza havia tomado “apenas
um copo de cerveja, no Hotel do Sr. Pereira, em companhia de seus colegas. Disse mais
62
O Bonde, 28 de abril de 1956. ACH/UFV.
63
Ibidem.
64
Delegacia de Polícia Especial do município de Viçosa, 22 de abril de 1937. ACH/UFV.
55
65
Inquérito, 26 de novembro de 1930. ACH/UFV
66
Resultado do estudo de alunos feito em Congregação de 4 de abril de 1937. ACH/UFV
56
Paulino Costa, Fracisco Tabosa, alunos considerados fracos; José de Souza Costa,
possuidor de conduta irregular em geral, em especial nas aulas de agronomia. Todos
esses estudantes deveriam ser chamados à diretoria e observados pelos professores.
Em uma sindicância67, o Prof. Diogo Alves de Mello, um dos mais conceituados
da antiga ESAV, foi investigado pela Comissão de Inquérito. O professor foi
denunciado à Congregação por diversos estudantes da instituição, acusado de: ter sido
desrespeitoso com pessoas estranhas à Escola e ligadas à administração do país; fazer
menção a políticos durante às aulas; fazer críticas aos colegas de trabalho durante as
aulas e também de tentar enfraquecer a diretoria da ESAV. No tocante à política, de
acordo com seus delatores, Mello afirmou em sala de aula que os políticos chegam ao
poder para roubar, inclusive citando nome de políticos como Arthur Bernardes -
chamado de usurpador do dinheiro da nação -, Washington Luis e Epitácio Pessoa.
Disse que o filho do Arthur Bernardes, ao deixar o poder comprou o jornal do Comércio
por 3.000 contos por meio de dinheiro público e, ainda por cima, vivia viajando de
Viçosa ao Rio de Janeiro às expensas do dinheiro público. Em sua defesa, o professor
argumentou que não era político, não seguia partido algum, nunca votou e só discutia
esse tipo de coisa em momentos extraclasse. Negou, sobretudo, a crítica ao presidente
Bernardes, simplesmente por ser responsável pela existência deste estabelecimento,
quando é fato que ele mesmo se considerava um admirador e defensor de Bernardes.
Somado a isso, o professor também negou que tenha criticado seus colegas ou que
trabalhe contra a instituição. No fim das contas, a Comissão de Inquérito acatou as
denúncias contra o professor, porém reconheceu que ele não utilizou os espaços de aula
para proferir suas opiniões, tampouco tenha conspirado contra a direção da Escola.
Principalmente nos primeiros anos da instituição, tornou-se prática comum da
Congregação da Escola a discussão entre os dirigentes a respeito da melhor prática
disciplinar para os alunos. Para moralizar a reputação da instituição em relação à
comunidade, os desvios de conduta eram tratados de forma enérgica, o que envolvia
punições de acordo com a prática desviante do aluno, podendo ser advertências,
suspensão por um ano e até mesmo o desligamento da Escola. Certamente que o espírito
de harmonia apregoado pelos esavianos encontrava limites na realidade cotidiana, uma
vez que casos de subversão do ethos institucional não eram raros. Na reunião de 13 de
dezembro de 1932,
67
Sindicância. ESAV, 12 de julho de 1930. ACH/UFV.
57
Os alunos punidos para o ano de 1933 teriam praticado uma série de condutas
consideradas desviantes para a Congregação da Escola e, consequentemente, avessas ao
“espírito esaviano”. A proposta teve por fundamento:
68
Atas da congregação, 1932. ACH/UFV.
69
Ibidem.
58
podem até se orgulhar do legado construído, porém ele sempre será um vulto diante da
heterogeneidade das práticas no interior da comunidade escolar. As reminiscências têm
o mesmo tamanho das descontinuidades. Entre a tradição e o novo, sempre houve
espaço para o imprevisível.
70
Em 1952, Arthur Bernardes participou da colação de grau da UREMG como paraninfo. Seu discurso,
também publicado no livro que remonta à história oficial da instituição, reforça a transformação no
panorama agrícola mineiro por meio da fundação da ESAV. Somado a isso, o ex-presidente desfila
diversas críticas aos seus adversários políticos que cogitaram transformar a instituição em quartel militar.
Após denunciar aqueles que tentaram acabar com a Escola na década de 1930, Bernardes novamente
reforça a tese de que as dificuldades passadas pela instituição naqueles tempos redundavam das disputas
políticas em torno do seu legado. Segundo ele, “em política, a emulação entre competidores deve consistir
na prestação de maior soma de serviços à coletividade, e nunca em destruírem uns o que outros
realizaram. Além de prejudicar o Estado e a nação, seria isso revelar mesquinhez de espírito e
preocupação de obscurecer a auréola por outros conquistada” (BERNARDES, 2006, p. 58).
59
Brasil em 1934 como vitorioso, coroado posteriormente como o deputado federal mais
votado do país (PANIAGO, 2000, p. 51).
No entanto, a vinculação da imagem de Arthur Bernardes à ESAV não implicou
alinhamento definitivo da direção da Escola às ideias do fundador da instituição. O
pragmatismo nas negociações políticas com as instâncias do poder que, na década de
1930, estava nas mãos de Vargas – o maior adversário de Bernardes – não permitia à
Escola o mesmo apreço pelo ex-presidente que encontramos na narrativa
memorialística. Pelo contrário, há muitos indícios de que a figura do presidente Vargas
era simpática na instituição, o que mostra o caráter político ambíguo da comunidade
universitária frente ao complexo panorama político nacional e estadual.
Neste aspecto, depois de fundada e inaugurada, a ESAV deveria buscar junto às
autoridades estaduais os recursos necessários para sua manutenção. O trabalho dos
diretores e da junta administrativa consistia, entre outras coisas, em negociar com as
instâncias governamentais a atração de verbas para o desenvolvimento das atividades
ordinárias da entidade. Mesmo que o ensino público nesse momento não fosse
completamente gratuito, as despesas não eram cobertas exclusivamente pelas taxas e
mensalidades dos estudantes, sendo necessário investimento do poder público estadual.
Nos primeiros anos da Escola, não havia autonomia administrativa para gestão
dos recursos, conforme foi acentuado por Azevedo (2005). A autonomia da Escola era
relativa porque não havia uma lei específica que regulamentasse a vinculação dos
recursos públicos para a instituição. De acordo com Azevedo, a Escola era
completamente “dependente dos recursos orçamentários do Estado, que não apresentava
nenhuma regularidade no envio das verbas, o que acarretava constantes reclamações e
apelos da Junta” (AZEVEDO, 2005, p. 92). Essa falta de constância redundava em
atrasos de salários e também em grande “malabarismo” em negociar os interesses da
ESAV diante dos arranjos políticos estaduais e nacionais.
Neste contexto, Azevedo cita que, a partir de 1935, a situação parecia melhorar,
uma vez que, por meio de um decreto, a Escola “foi reconhecida como oficial pelo
governo do Brasil, sendo-lhe conferidas as prerrogativas e direitos que assistem por lei,
aos Estabelecimentos Superiores Federais de Ensino” (AZEVEDO, 2005, p. 95). Houve
grande celebração por parte da ESAV diante desse acontecimento. Por outro lado, o
reconhecimento legal não foi acompanhado por uma prática efetiva. Os atrasos nos
repasses financeiros prosseguiam como nos anos anteriores, o que resultou em novos
esforços para manter os compromissos em dia.
60
71
A Cidade de Viçosa, 24 de novembro de 1935, n. 1879.
72
Ibidem.
73
Folha Rural. 20 de novembro de 1935, n 33, ano I. ACH/UFV.
61
74
Carta à Junta Administrativa, Carlos Belo Lisboa, 1932. ACH/UFV.
62
Nos anos posteriores ao conflito de 1932, a Escola era admirada por seu
potencial de contribuir para o desenvolvimento agrícola do país, o que era reverberado
inclusive na imprensa nacional. Em palestra proferida pelo presidente da Associação
Comercial do Rio de Janeiro, publicada pelo jornal A Cidade de Viçosa, a ESAV foi
exaltada com muitos qualificativos, inclusive no reconhecimento do seu “papel
preponderante, pela ação eficiente e modelar na preparação em moldes científicos e
práticos, nos quais encaminha os futuros obreiros da regeneração da população rural” 75.
No entanto, seu potencial ficava restrito às querelas políticas, que impediam seu
crescimento. De acordo com o Hannibal Porto,
75
A Cidade de Viçosa, 24 de setembro de 1933, n. 1843.
76
Ibidem.
77
Bomeny (1980) descreve o contexto conturbado da sucessão política do estado de Minas após a morte
do presidente Olegário Maciel. A escolha por Benedito Valadares como interventor representava a
tentativa de Vargas de manter Minas como cliente do poder central.
63
muito magoado” (AZEVEDO, 2005, p 97). A consequência dessa recusa para a relação
entre o governo mineiro e a Escola parece não ter sido positiva.
No seu livro de memórias, o ex-governador relata o convite feito a Lisboa e o
possível motivo para sua recusa. Quando convidado, Belo Lisboa não estava no Brasil,
mas, sim, em Roma. A negativa veio por telegrama. E Valadares recebeu a informação
de que o invitado “fora informado de que o governo não duraria vinte dias”
(VALADARES, 1966, p. 60). Não é possível saber a veracidade dessa informação que
chegou até o governador. A aparência de boato com o objetivo de semear contenda é
grande. Porém, essa notícia associa diretamente a recusa de Belo Lisboa à legitimidade
do novo governo.
De qualquer forma, as notícias das dificuldades financeiras da Escola e sua
relação com o governo do estado chegaram também à imprensa nacional. O jornal A
Cidade de Viçosa publicou uma transcrição do periódico carioca Correio da Noite, que
relata a crise financeira da ESAV e seus problemas em razão dos cortes orçamentários
feitos pelo governo. De acordo com o texto,
78
A Cidade de Viçosa, 24 de novembro de 1935, n. 1878.
79
Gazeta de Viçosa. 6 de março de 1938. N 1, ano XIV. De acordo com o jornal, a Gazeta de Viçosa foi
fundada em 1912, tendo suas atividades suspensas em 1919.
64
80
Ibidem.
81
Ibidem.
82
Ibidem.
65
83
Discurso de Carlos Bello Lisboa. Formatura 1935. ACH/UFV.
84
Ibidem.
66
(...) posso adiantar ser pensamento do governo estadual duplicar a sua capacidade
escolar. Deve fazê-lo, porque qualquer quantia que empregue em desenvolvê-la,
retornará mais tarde, aos cofres públicos, com juros acumulados 85.
Estás contente com os atuais governos? Com a baixa de preços dos produtos da
lavoura? Com as proibições do plantio da cana e do café? Com as roubalheiras
do Departamento e do Instituto Mineiro do Café? Estás satisfeito com os
últimos impostos? Sabes que uma saca de café paga de impostos 90$000 e o
fazendeiro vende por 69$000? Ajuda a salvar o teu Estado e tua Pátria, votando
no PRM!87
85
A Cidade de Viçosa, 27 de agosto de 1933, n. 1838.
86
A Cidade de Viçosa. 17 de maio de 1936. N 1889.
87
A Cidade de Viçosa. 31 de maio de 1936. N 1901, ano XLIV.
67
88
Sobre Benjamin Hunnicut, conferir em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Benjamin_Harris_Hunnicutt
89
Carta. 25 de fevereiro de 1937. ACH.
90
Ibidem.
91
Ibidem.
68
promoveu uma sessão solene. Em seu início, Griffing, deu uma pequena palestra e
aproveitou para se colocar à disposição do governo de Benedito Valadares. De acordo
com o jornal Gazeta de Viçosa,
Nessa ocasião, o ex-diretor João Carlos Bello Lisboa recebeu o convite do secretário da
agricultura de Pernambuco para fundar uma escola de agricultura em seu estado. De
acordo com a notícia, “o governo de Pernambuco dá, dentro do Brasil (...), o devido
valor ao grande educador patrício e perfeito conhecedor dos problemas agrícolas do
Brasil, que é o ex-diretor da ESAV de Viçosa” 94.
92
Gazeta de Viçosa. 20 de março de 1938. N 3, ano XIV.
93
A Cidade de Viçosa. 20 de setembro de 1936, n 1911.
94
Ibidem.
69
95
Esse quadro foi composta por meio do site personagens históricos da UFV.
70
96
No período em que Lidiany Barbosa fez sua pesquisa no Arquivo Central da UFV, a documentação
estava extremamente desorganizada. Não havia um arquivista para organizar e catalogar o acervo. Nos
73
últimos anos, esse acervo passou a ser organizado, porém algumas dessas pastas utilizadas anteriormente
foram realocadas para o Registro Escolar da Universidade. Sendo assim, não conseguimos acesso a essa
documentação, o que praticamente nos “forçou” a utilizar as tabelas produzidas pela pesquisadora citada.
74
Magistério 8%
Objetivo não definido 8%
Sociologia rural 4%
Funcionalismo público 4%
Fonte: ACH/UFV, pesquisa com os estudantes, 1937.
Dessa forma, não é possível afirmar que existia um tipo sociológico dominante
ou que a origem urbana de uma “pequena maioria” justificasse a atração desses
estudantes pelo governo Vargas. O interesse pela agricultura e, consequentemente, pelas
questões ligadas ao campo era substancialmente superior aos outros quesitos. Somada a
isso, a expectativa dos estudantes em permanecer no campo e aplicar seus
conhecimentos no meio rural comprova que, apesar da origem urbana de muitos, a
ligação com o meio rural era preponderante. Dessa forma, a variável explicativa
relacionada ao interesse sobre o varguismo recai sobre outros aspectos que serão
abordados aqui.
Se Getúlio Vargas era o inimigo natural do Partido Republicano Mineiro (PRM)
e de Arthur Bernardes, mesmo assim sua figura foi “venerada” na ESAV, sobretudo no
contexto da Segunda Guerra Mundial. Na formatura de 1940, o aluno que discursou na
cerimônia foi enfático em afirmar que os formandos foram brilhantes em convidar o
governador Valadares como paraninfo:
97
Revista Seiva, N.2 Outubro-Novembro de 1940. Ano I.
76
imortal João Pinheiro, serão, pela vida a fora o farol por onde procuraremos nos
orientar”98. A palavra de Israel Pinheiro é uma defesa do governo Vargas e também da
gestão de Valadares em Minas. De acordo com o secretário do governo,
98
Revista Seiva, N. 7 – Março-Abril de 1942. Ano II.
99
Ibidem.
100
Ibidem.
101
Ibidem.
102
Ibidem.
77
103
Na verdade, há menções no Jornal O Bonde sobre eventos da UNE e da UEE que tiveram participação
de estudantes viçosenses, porém, a maioria nas décadas de 1950 e 1960.
104
O Bonde. 27 de outubro de 1945, ACH/UFV.
79
105
Ibidem.
106
Revista Seiva, N. 7 – Março-Abril de 1942. Ano II.
107
Ibidem.
80
Qualquer inimigo que pise o solo pátrio, sobrevoe as nossas cidades ou infeste
o mar territorial, receberá o mesmo castigo infligido aos submarinos que, numa
prática de pirataria, investiram contra nossa navegação costeira e foram
afundados pelos intrépidos e eficientes pilotos das nossas forças aéreas. (...) Os
nacionais dos países com os quais estamos em guerra, que aqui vieram e
construíram seus lares de forma regular e honesta, nada devem recear enquanto
permanecerem entregues ao trabalho, obedientes à lei e prontos a colaborar nas
atividades defensivas do país. (...) O Brasil, como país jovem, de estrutura
social plástica, rico de possibilidades e com uma formação de equilíbrio
adaptável a todas as transformações, está naturalmente projetado para o futuro
e nele terá de encontrar a solução definitiva das equações de seu progresso.
Não deve, portanto, temer os dias vindouros e os sacrifícios inevitáveis que lhe
assegurarão o direito de colaborar nas renovações de ordem política e
econômica que resultarem desse tremendo choque de poderios, mentalidades e
culturas108.
108
Revista Seiva. N.9 – Agosto–Setembro de 1942. Ano II.
109
Ibidem.
110
Revista Seiva. N. 10. Outubro-novembro de 1942. Ano III
81
igualmente porque todos são brasileiros que amam carinhosamente sua pátria e, de
todos esforços, são capazes”111.
Após o fim do governo Vargas, a euforia em torno do seu legado já não era a
mesma. Não se vê nenhuma publicação a respeito do antigo presidente nas páginas dos
jornais ou revistas estudantis. Pelo contrário, na ocasião da formatura dos agrônomos
em 1947, uma referência mostra aversão aos quinze anos governados pelo chamado
“Pai dos Pobres”. Primeiramente, a crítica do orador reside na maior atenção dada por
Vargas ao trabalhador urbano em detrimento dos agricultores. Em segundo lugar, para
Antônio Dias Lopes, a “legislação social brasileira, que muitos decantaram, não chegou
a realizar a sindicalização das classes rurais (...) E embora as estatísticas confessem
sermos 80% agricultores, continuam os problemas de nossas agricultura” 112. E por
último, o orador dos formandos critica o orçamento irrisório para o Ministério da
Agricultura.
Não bastasse o julgamento negativo ao presidente Vargas em relação a seu
desempenho no que se refere à agricultura, o autor desfila elogios ao ministro do
governo do General Eurico G. Dutra, que estava presente na formatura dos estudantes
de agronomia. Segundo o autor,
111
Revista Seiva, N. 11. Março-Abril de 1943. Ano III.
112
Revista Seiva. N. 26. Março–Junho de 1947. Ano VII
113
Ibidem.
82
114
Ibidem.
115
A Escola Superior de Veterinária foi transferida para Belo Horizonte em 1942 por um decreto-lei
assinado pelo então governador Benedito Valadares. Dessa forma, o curso deixou de ser da ESAV. Em
83
de Crédito e Assistência Rural (ACAR) 116 e sua relação com a universidade trouxe para
a UREMG mais recursos e, consequentemente, aumento do número de estudantes. O
patamar da antiga Escola foi elevado com toda essa transformação, conforme será
analisado nas próximas páginas.
1948, com a transformação da Escola em Universidade, o curso de Medicina Veterinária foi reintegrado à
UREMG. Mas houve uma reviravolta em 1961, quando a Escola de Medicina Veterinária é federalizada e
acoplada à UFMG. Só em 1976 que o curso será recriado definitivamente no campus em Viçosa. Ver:
(BORGES, 2006, p. 37).
116
A ACAR foi criada em 1948 em parceria com a AIA (American International Association). Fruto de
uma parceria do governo de Minas Gerais com os Estados Unidos, a criação da ACAR se fez necessária
pela constatação da baixa produtividade diante da grande capacidade produtiva do estado. De início,
Fonseca (1985) aponta que a ACAR funcionava muito mais como facilitadora de crédito, sem prestar
auxílio técnico aos agricultores. Essa ênfase foi alterada a partir de 1952, com o envio de técnicos
americanos para o Brasil e com a criação do Projeto ETA.
117
Revista Seiva, N.2 Outubro-Novembro de 1940. Ano I
84
(...) uma das coisas que mais nos alegravam na Escola era o sentimento
fraternal que existia na comunidade. E, antes de tudo, existiam um grande
respeito e admiração pelos nossos mestres. Bem diferente do que se percebe
hoje nas universidades, podemos afirmar, sem o conhecimento direto, que na
UFV não existem mais esses traços de fraternidade (LAM-SANCHEZ, 2004,
p. 167).
118
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 04/1950.
89
119
Ibidem.
90
120
No livro que narra a história oficial da Universidade, o autor reforça o grande apoio recebido para a
“estadualização” da Escola, por meio do governador Milton Campos, do secretário da Agricultura
Américo René Giannetti e do secretário das finanças José de Magalhães Pinto (BORGES et al., 2006).
121
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 05/1951.
91
recursos para suas necessidades imediatas” 122. Além disso, a UREMG experimentava de
forma especial a vinda de técnicos norte-americanos e recursos para a prática da
extensão rural e também a construção da Escola Superior de Ciências Domésticas.
Informou ainda sobre o “entendimento havido entre a Reitoria e o governo norte-
americano, por intermédio do governo do Estado, relativamente à vinda de técnicos
daquele país para o serviço de extensão e para a Escola de Economia doméstica” 123.
Esse primeiro contato redundou, no ano de 1952124, no primeiro convênio da UREMG
com a Universidade Purdue. Também foi firmado um acordo com a Fundação
Rockfeller. Essas aproximações com as entidades estrangeiras não foram feitas à revelia
do governo estadual. Pelo contrário, todo apoio político foi oferecido à UREMG para
possibilitar a vinda de técnicos e recursos de fora:
Para possibilitar o estudo do assunto, o Sr. Reitor informou ter enviado ao Dr.
Willer a solicitação oficial acompanhada de um ofício assinado pelo Sr.
Secretário da Agricultura contando a informação que do orçamento do
ministério da agricultura consignava uma verba de oitocentos mil cruzeiros
para as Escolas de Agricultura e de Veterinária no exercício de 1952 e ainda
que o governo de Minas se achava no propósito de prestar todo o auxílio
material que fosse necessário para satisfazer as exigências da Fundação
Rockfeller125.
122
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 06/1951.
123
Ibidem.
124
Esse primeiro acordo teve como objetivo único a formação da Escola de Ciências Domésticas da
UREMG. Só em 1958 que um amplo contrato vai ser efetuado entre as duas universidades.
125
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 08/1951.
92
126
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 33/1955.
127
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 39/1956.
128
Ibidem.
93
contava com o curso técnico e superior e economia doméstica. Também a extensão rural
contribuiu para o crescimento da UREMG. O trabalho dos técnicos da ACAR era
desenvolvido em parceria com os cursos técnicos e superiores da universidade. Isso
fazia com que parte das pesquisas desenvolvidas chegasse até os agricultores e,
certamente, ajudava a criar demandas científicas para os pesquisadores. Sem contar que
essa parceria também atraiu recursos para a instituição.
Na outra ponta, os convênios internacionais, capitaneados pela relação da
UREMG com a Universidade de Purdue, também confirmam a boa fase da
universidade. A parceria das duas instituições foi, a princípio, sacramentada pelo então
recém-criado Escritório Técnico de Agricultura Brasil-Americano (ETA)129, em 1953.
Na perspectiva de Mendonça (2010), os acordos firmados entre o Ministério da
Agricultura e o Departamento de Estado Norte-Americano possibilitaram uma maior
inserção dos Estados Unidos na extensão rural no Brasil. Essa presença se deu por meio
de crédito subsidiado, atividades de extensão rural – com assistência técnica aos
agricultores – com a cooperação de cientistas e técnicos norte-americanos no país.
Certamente, a UREMG torna-se lócus privilegiado desse esquema, uma vez que o ETA
possibilitou a aprovação definitiva do acordo da UREMG com a Universidade de
Purdue, sacramentando o chamando Convênio Purdue-UREMG em 1958.
O convênio entre a Universidade de Purdue e a Universidade Rural de Minas
Gerais de 1952 a 1973, foi feito com o objetivo de potencializar a modernização da
agricultura em terras brasileiras. Em virtude das semelhanças institucionais e científicas
das duas universidades – ambas situadas fora dos grandes centros e com grande ênfase
na pesquisa em agropecuária – o intercâmbio científico consistiu na transferência de
recursos juntamente com a especialização de pessoal e know-how para a potencialização
da produtividade acadêmico-científica aplicada ao setor agrícola. Somado a isso, não é
segredo que os convênios entre universidades respaldadas pelas agências de ajuda
externa norte-americanas tinham como intenção maior erradicar a ameaça comunista no
país, potencializar a abertura de novos mercados e contribuir com a ajuda humanitária.
Adriela Fernandez (1991) pontuou que, além disso, esses programas ofereciam mais
oportunidades aos cientistas americanos de adquirir novas experiências em contato com
129
O ETA foi criado para coordenar as ações de extensão rural no Brasil. Como a prática extensionista
estava institucionalizada em Minas Gerais com a criação da ACAR, foi natural a aproximação do
Escritório Técnico com a UREMG. O ETA possuía uma diretoria binacional, com um diretor brasileiro e
outro americano. O escritório também contava com recursos dos dois países. Com a criação da Aliança
para o Progresso em 1961, o escritório ficou submetido à Usaid.
94
130
Curso de Pós-Graduação da Universidade de Viçosa: origem, situação presente e perspectivas futuras,
1969. ACH/UFV.
131
95
132
História, fatos e informação atual sobre a Universidade Rural do Estado de Minas Gerais, 1963.
ACH/UFV.
133
Ibidem.
134
O nome da Vila foi uma homenagem ao político Américo René Gianetti, que foi secretário da
agricultura do governo do Milton Campos e contribuiu para a transformação da ESAV em universidade.
Em relação às casas, a partir da década de 1990, a Vila Gianetti deixou de ser moradia de professores.
Atualmente, as antigas casas são ocupadas por repartições e projetos da universidade. Inclusive o Arquivo
Histórico, o Museu Histórico e a sede da Aspuv (Seção Sindical dos Docentes) estão na Vila Gianetti.
96
2.1 Introdução
O objetivo deste capítulo é analisar os pontos de interlocução entre a
Universidade Federal de Viçosa e o regime militar. Como a ditadura estabeleceu um
canal comunicativo com as instituições superiores? E como a UREMG/UFV vai
responder às expectativas do regime autoritário? Portanto, compreender as conexões
entre os cientistas e as lideranças políticas nos motivou a interpretar o comportamento
político da instituição em um contexto extremamente controverso. De um lado, o Estado
estava desde 1964 sob controle de governos militares, que utilizavam da máquina
repressiva para, entre outras coisas, silenciar a população e reduzir o espaço da
oposição. Por outro, existia uma face modernizadora nesses governos que impulsionava
o desenvolvimento com um volume de recursos jamais visto. A despeito dos paradoxos
inerentes a essa modernização – concentração de renda, êxodo rural, entre outros - a
Universidade se tornava lócus privilegiado nesse esquema, pois a necessidade de
produção de tecnologia induzia a valorização do meio acadêmico nacional.
No contexto da ditadura, as instituições educacionais passaram por
transformações significativas com a modernização das universidades.
Consequentemente, houve aumento significativo de recursos para pesquisa, valorização
da carreira docente, incremento da pós-graduação, parcerias com instituições
internacionais etc. O governo militar assumia, dessa forma, a necessidade de
profissionalizar os quadros internos das universidades, desde a formação acadêmica dos
professores, melhorias no planejamento educacional, até o investimento em
infraestrutura e equipamentos.
Por outro lado, esse processo preteriu a participação dos docentes e do
movimento estudantil na construção da reforma universitária, além de incentivar
135
Texto escrito por Aureliano Chaves, em 1975, na ocasião da comemoração do centenário de Arthur
Bernardes. Esse pequeno texto foi publicado no “Livro de Ouro” da UFV. Ver: UFV Informa, 26 de
fevereiro de 1976. ACH/UFV.
98
136
O cientista Hidelbrando P. da Silva foi um dos atingidos da ditadura nas universidades. Porém, para se
afastar da ameaça de repressão, acabou se demitindo da USP, além de ter ficado três meses preso. Ver
(MOTTA, 2014)
137
“Resistência sutil” seria a recusa de determinados cientistas a cooperar com a ditadura, porém sem
usar os canais tradicionais de protesto e enfretamento político, como publicação de textos, greves ou
participação de manifestações públicas contra o regime autoritário. Motta (2014) cita alguns casos em seu
trabalho sobre a ditadura nas universidades. Professores que se solidarizaram com colegas e acolheram
fugitivos da repressão em suas casas; reitores que fizeram vista grossa e pouco cooperaram para entregar
ao regime professores ou estudantes acusados de subversão.
99
que permaneçam com tanta força lideranças e mecanismos de poder preservados e/ou
construídos no período da ditadura, pela e para a ditadura?” (REIS, 2000, p. 10).
Os questionamentos lançados pelo autor citado são importantes para
problematizar grupos ou instituições que de alguma forma aderiram ao regime militar.
De fato, pensar em uma sociedade vitimizada pelo Estado é superestimar o alcance do
aparato repressivo do Estado. De alguma forma, a ditadura foi eficiente em estabelecer
um canal comunicativo com a sociedade, de forma a atrair grupos que se convenceram
da viabilidade do projeto modernizador do regime.
Portanto, a dicotomia entre ditadura e sociedade contribuiu com uma percepção
distorcida no tocante à longevidade do regime. Rollemberg questiona o uso da memória
para qualificar a permanência da ditadura no tempo como consequência exclusiva “das
instituições e práticas coercitivas e manipulatórias” (ROLLEMBERG, 2011, p. 11).
Assim, a eficácia dos aparelhos repressivos do Estado, que, evidentemente, existiu, é
elevada a um patamar quase absoluto, atomizando o cidadão e sua prática política. Na
perspectiva de Janaina Cordeiro, essa visão silencia sobre o fato de a ditadura não ter se
“estabelecido unicamente por meio de instrumentos repressivos, mas que, ao contrário,
foi produto de parcelas significativas da sociedade e, em certa medida, uma demanda
destas” (CORDEIRO, 2008, p. 16).
Na concepção desses autores, o caráter da construção social dos regimes
autoritários não pode ser desprezado pelos historiadores. Em certa medida, parte da
sociedade concordou, respaldou e apoiou a ditadura. De alguma maneira a ditadura
fornecia elementos que convergiam com os interesses de determinados grupos sociais,
aquilo que foi chamado por Rollemberg de “criação de consensos”. Neste caso, as
sociedades percebem os ganhos em apoiar os dirigentes que tomam o poder. Segundo a
autora, cabe então ao historiador analisar “as acomodações de interesses [que] fizeram-
se em regimes autoritários através de mecanismos traduzidos em ganhos materiais e/ou
simbólicos para as sociedades” (ROLLEMBERG, 2011, p. 17).
Essa perspectiva historiográfica condena radicalmente a visão do Brasil ou da
América Latina como vítima do poder coercitivo do Estado ou das potências
estrangeiras. Para Rollemberg, ao “continente é atribuído uma história linear, sem
cortes, desde a chegada dos europeus até o imperialismo americano. Suas sociedades
seriam sempre manipuladas por governantes pouco preocupados com seus países”
(ROLLEMBERG, 2011. p. 24). Portanto, o aspecto da escolha dos agentes é bastante
101
valorizado por essa historiografia. As ações dos indivíduos são moldadas pelos seus
interesses, e não guiadas por agentes que os manipulam e guiam seus destinos.
Os trabalhos aqui citados demonstraram, entre outras coisas, que a construção do
autoritarismo no contexto da ditadura não foi exclusividade das ações militares. A
participação civil com a adesão de inúmeros indivíduos de diferentes segmentos sociais
ofereceu efetiva base de apoio para a longevidade do regime ditatorial, neste caso, um
espectro ambíguo de atitudes da sociedade diante de governos ditatoriais. Resistência e
colaboração atuaram juntas lado a lado: ora incomodaram a ditadura, ora reforçaram
laços que contribuíram para reforçar a permanência dos grupos que operavam no poder.
138
Nos últimos anos, diversas pesquisas trouxeram à tona diferentes grupos sociais que, até então, eram
preteridos entre os historiadores. Os participantes da Marcha com Deus pela Liberdade, os políticos e
partidários da ARENA, os estudantes de direita etc. (PRESOT,2011; GRINBERG, 2011; LIMA, 2013).
102
representava os embates das diversas correntes políticas dentro das forças armadas, que
digladiavam por maior espaço no governo e, sobretudo, envolvia a disputa em torno do
controle da sociedade por meio da repressão e da limitação dos direitos individuais.
Conter o ímpeto dos generais dos ciclos mais autoritários e evitar rompimentos dentro
do próprio governo exigia bastante dos dirigentes do Estado.
Em segundo lugar, as concessões eram operacionalizadas para evitar ao máximo
as manifestações da oposição. A demonstração excessiva da face repressiva do regime
poderia alimentar os argumentos da oposição. No contexto dos embates entre o governo
de Costa e Silva e o movimento estudantil em 1968, a aprovação às pressas da Reforma
Universitária resultava na expectativa dos militares de reduzir o conflito com os
estudantes sem utilizar a truculência habitual. Afinal, o regime buscou a todo custo
provar sua legitimidade revolucionária perante a população. O aspecto democrático,
ainda que artificial, contrastava com a face autoritária da ditadura. O desafio dos
militares consistia em convencer a população de que a repressão, além de mínima, só
era reservada aos subversivos e inimigos do estado de direito.
E por fim, as concessões eram importantes para seduzir a opinião pública.
Construir a imagem de um regime legítimo, mantenedor da ordem e dos bons costumes,
competente no desenvolvimento econômico e ainda com o rótulo de governo
revolucionário e democrático. A própria insistência dos militares em afastar a aparência
de ditadura e manter alguns aspectos institucionais democráticos – a presença do
legislativo na aprovação de leis, a existência de uma constituição, a continuidade dos
sindicatos e de uma oposição política como o MDB – mostra a preocupação do regime
na busca por algum tipo de aceitação popular.
Dessa forma, o consenso e a adesão não são aspectos naturalizados, em que
apenas a existência do governo ditatorial já aciona nos indivíduos posturas de aceitação
para com o regime. Em outras palavras, a legitimidade do Estado precisa ser construída.
Ora, se a ditadura necessita se justificar para constantemente manter a tutela sobre sua
base de apoio e ao mesmo tempo afastar a oposição e afagar a opinião pública, a adesão
e o consenso não são comportamentos intrínsecos da relação entre ditadura e sociedade
tal qual a “historiografia do colaboracionismo” pressupõe. Pelo contrário, necessita-se
de esforço constante do Estado para garantir o apoio significativo de segmentos da
sociedade.
Na perspectiva de Marcelo Ridenti, a dominação não está vinculada apenas ao
uso da força. A busca por legitimidade e a feitura de acordos e negociações atuam para
103
A questão da “conveniência para os dois lados” faz muita diferença, uma vez
que desloca o viés da resistência e cooptação para o âmbito da negociação. De certo
modo, o Estado também precisa abrir mão de suas prerrogativas de dominação para
acatar as demandas da sociedade, pois a necessidade de construir uma política cultural
consistente demandava a aproximação de setores da esquerda envolvidos com a questão
artística. Em adição, muitos artistas e intelectuais acreditavam que poderiam conseguir
passar algum conteúdo (ainda que mínimo) politizado e crítico pela indústria cultural.
Isso traz à tona os jogos de acomodação analisados por Rodrigo Motta, na medida em
que as lideranças políticas também fazem concessões para concretizar seus interesses.
Em meio a isso, Napolitano ressalta o caráter ambíguo do Estado no tocante à
política cultural. Enquanto a oposição produzia suas obras artísticas inclusive com
objetivos de criticar o regime, a produção cultural estava inserida no mercado,
sobretudo com o apoio do Estado, que “controlava a produção cultural, via censura, mas
105
(...) a liberação de mão de obra a ser utilizada no setor industrial, sem diminuir
a quantidade produzida de alimentos; criação de mercado para os produtos da
indústria; expansão das exportações; financiamento de parte da capitalização
da economia (DELGADO, 2001, p. 161).
107
139
Folha de S. Paulo, 05 de agosto de 1964, página 11.
140
O Globo, 27 de Maio de 1964, Matutina, Geral.
141
Cientistas de outras universidades brasileiras também aproveitaram a oportunidade e fizeram pós-
graduação no exterior, principalmente nos Estados Unidos. No final da década de 1960, muitos
professores fizeram pós-graduação nos Estados Unidos por meio da Latin American Scholarship Program
of American Universities (LASPAU). De acordo com Ayala Pelegrine, “A LASPAU era uma organização
norte-americana de ‘aprimoramento docente’ que atuava em países latino-americanos. Ela estabeleceu
convênios de ‘ajuda’ com mais de quatrocentas instituições educacionais somente no Brasil”, o que
108
incluía o envio para o exterior para pós-graduação, congressos, cursos etc. (PELEGRINE, 2016, p. 84).
Além disso, o convênio entre a ESALQ e a Universidade de Ohio também consolidou oportunidades de
pós-graduação fora do Brasil. (MOLINA, 2016).
142
Folha de S. Paulo, 18 de julho de 1964, página 1.
143
Folha de S. Paulo, 1º de setembro de 1964, p. 1.
109
campo. Nesta esteira, Mendonça (2014) aponta que o Estatuto da Terra era eivado de
ambiguidades, sendo ao mesmo tempo distributivista, com a divisão de terras, e
produtivista, com a ênfase na modernização da agricultura por meio do crédito farto aos
produtores e o investimento em tecnologia aplicada à produção, o que,
consequentemente, beneficiaria os grandes produtores (MENDONÇA, 2014, p. 51).
Por outro lado, as associações de classe como a Sociedade Nacional de
Agricultura e (SNA) e a Sociedade Rural Brasileira (SRB), a despeito do apoio ao golpe
de 1964, criticaram explicitamente o Estatuto da Terra aprovado pela ditadura. Embora
a SNA e a SRB conservassem divergências no tocante ao projeto de desenvolvimento
agrícola, ambas questionaram a temática da desapropriação de terras, ainda que fossem
devolutas do Estado ou por meio de indenização.
O Grupo de Trabalho (GRET) responsável pela construção do Estatuto da Terra
foi influenciado, de acordo com Rodrigo Motta (2006), pelo pensamento do IPES,
Aliança Para o Progresso e também por argumentos elaborados por técnicos e políticos
do governo de João Goulart. Por esse motivo, o governador Carlos Lacerda, apoiador da
“revolução”, disparou contra a política de reforma agrária do governo de Castelo
Branco, o que resultou em sua recusa em participar do evento em Viçosa. Segundo seu
argumento, a política de reforma agrária seguia a mesma linha do reformismo de João
Goulart. Além disso, o então governador da Guanabara também criticou o suposto viés
acadêmico do encontro para discutir o Estatuto da Terra: “não deseja o governo do
estado da Guanabara participar de tal reunião sem a garantia de que ela não será apenas
nova oportunidade para exames acadêmicos da chamada reforma agrária” 144. O mais
interessante é perceber o esforço do regime militar de legitimar suas práticas e afastar
qualquer proximidade com o reformismo de esquerda. De acordo com o relatório do
GRET, “ao perseguir os mais elevados desígnios no setor social sem sacrifício na esfera
econômica, o anteprojeto repudia, por inconsequente, a tendência para uma reforma
agrária radical”145.
O regime militar sofreu, portanto, o descontentamento da classe produtora diante
dos rumos tomados pelo Ministério da Agricultura e, principalmente, pelo teor do
Estatuto da Terra. Na verdade, o evento em Viçosa foi considerado por Regina Bruno
(1995), de certa forma, como elemento de pressão contra a política de reforma agrária
144
Correio da manhã, 28 de julho de 1964.
145
Fundo Paulo de Assis Ribeiro. Relatório de implantação da reforma agrária. Abril de 1964 a março de
1967.
110
Com base nas últimas sugestões da reunião de Viçosa, com as novas emendas
julgadas úteis que foram apresentadas através dos partidos políticos e das
instituições com interesse especial no problema da Reforma Agrária, foram
sendo elaboradas novas edições dos anteprojetos de emenda constitucional e da
lei do Estatuto da Terra (...) Surgiram então, a 7 de agosto, a 7ª edição, a 15 de
agosto, a 10ª edição148 (...)
146
O Globo, 28 de Julho de 1964, Matutina, Geral, página 18.
147
Me refiro às classes produtoras, aos grandes produtores de commodities e pecuaristas.
148
Arquivo Nacional/Distrito Federal. Fundo Paulo de Assis Ribeiro. Relatório de implantação da
reforma agrária. Abril de 1964 a março de 1967.
149
Correio da manhã, 2 de agosto de 1964, página 22
150
Novamente, é importante frisar que seria injusto afirmar que toda universidade respaldou a ditadura
militar. Principalmente, foram os dirigentes que fizeram a interlocução da instituição com o regime
autoritário que melhor representam a adesão à ditadura.
111
151
Diário de Notícias, 6 dezembro de 1964, página 8.
112
152
Folha de S. Paulo, 1º de janeiro de 1965, p. 14.
153
PANIAGO, Euter; CESAL, Lon; ALVES, Eliseu. Revista Ceres. Janeiro a março de 1970 –Vol. XVII,
n. 91
113
154
Milgar; FONTES, LOUREIRO, José Maurício. Hanseniella SP. (Symphyla) Nova praga rizófaga de
Ananas comosus (L.) Merr., no Brasil. Revista Ceres, Maio a junho de 1972. N. 103.
155
TEIXEIRA, Silvio Lopes; ANDERSEN, Otto; CARDINALLI, Lúcio. Influência do período pós-
colheita das hastes de citrus sobre a qualidade das borbulhas para a enxertia. Revista Ceres. Setembro e
outubro de 1971, N. 99.
114
156
UFV Informa, 15 de fevereiro de 1972. ACH/UFV.
157
UFV Informa. 15 de dezembro de 1973. ACH/UFV.
115
A UFV conta, sem dúvida, com uma das equipes mais bem treinadas do
hemisfério, sempre disposta a colaborar com as autoridades
governamentais, no desenvolvimento de uma tecnologia adequada às
condições nacionais, visando a enfrentar o grande desafio158. (Grifo nosso)
Antônio Fagundes disse estar convicto de que, “sob o comando de uma equipe
meticulosamente por ele constituída, trabalhando sintonizada com os altos
interesses nacionais, a UFV continuará desenvolvendo, com eficiência, a
tarefa que lhe cabe no processo do desenvolvimento econômico e social, que
vem projetando o Brasil no conceito dos povos civilizados” 159. (Grifo nosso)
158
UFV Informa. 13 de fevereiro de 1974. ACH/UFV.
159
UFV Informa. 8 de março de 1974. ACH/UFV.
160
UFV Informa. 20 de abril de 1977. ACH/UFV.
116
161
Ibidem.
117
162
Folha de S. Paulo, 29 de agosto de 1972, página 23.
163
Folha de S. Paulo, 09 de setembro de 1972, p. 14.
164
A soja é uma planta relativamente baixa, o que impossibilitaria o uso intensivo de grandes máquinas.
O projeto realizado na UFV possibilitou uma nova espécie de maior porte, que se adaptou perfeitamente
às grandes colheitadeiras.
118
165
REPORTS, 29 janeiro de 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais. Viçosa-
MG. ACH/UFV.
166
Folha de S. Paulo, 10 de julho de 1973, p. 17.
167
Ibidem.
119
todo o país, desde o nível elementar até o superior”168. Somado a isso, o reitor ressalta
que o sucesso na produção de sementes modificadas de milho e soja fez com que a
Universidade garantisse seu nome no cenário nacional como grande contribuinte para o
desenvolvimento agrícola e, também, para a redução da fome e da miséria com a maior
oferta de alimentos a baixo custo:
168
O Globo, 26 de Maio de 1978, Matutina, Economia, página 23.
169
Ibidem.
120
170
USAID/BRAZIL: Questions and answers regarding the program. Extraído de
https://dec.usaid.gov/dec/home/Default.aspx
171
Ibidem.
172
Ibidem.
122
Viçosa estava sob o comando do ETA. Após a renovação do convênio, o programa entre
as duas universidades ficou submetido diretamente à Usaid sem intermédio do ETA.
De forma geral, Fernandez mostra que o objetivo maior do convênio consistia
em “ajudar as universidades brasileiras e as organizações governamentais, na criação de
sistemas mais efetivos de ensino, pesquisa e extensão em agricultura” (FERNANDEZ,
1991, p. 101). Obviamente, no tocante às universidades rurais, a ênfase se concentrou
quase exclusivamente na UREMG/UFV. Outro ponto a ser destacado é a aproximação
do convênio com os governos, que significou a proposição e mediação de agendas
políticas e pautas para o desenvolvimento agrícola. De forma mais específica, o
relatório semestral de 1970 destrincha com minúcias as finalidades do convênio:
É evidente que a participação dos norte-americanos por meio dos convênios não
resultava apenas na transferência de recursos tampouco implicava passividade do lado
brasileiro. O envolvimento era propositivo, tanto que o convênio tinha dois diretores:
um brasileiro e outro americano. Em todas as atividades de pesquisa e em reuniões
estratégicas, a presença de ambos era obrigatória 174. Junto a isso, a equipe
periodicamente se reunia com políticos e autoridades interessadas no desenvolvimento
rural. Conforme salientou Rodrigo Molina, que analisou o convênio entre a ESALQ e a
Universidade de Ohio,
173
RELATÓRIO SEMI-ANUAL, 1970. Purdue-Brazil Project. Universidade Federal de Viçosa.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
174
Em Viçosa, até o processo de federalização da UREMG contou com a participação de membros do
Convenio Purdue-Viçosa, conforme análise no próximo tópico deste capítulo.
123
175
USAID/BRAZIL: Questions and answers regarding the program. Extraído de:
https://dec.usaid.gov/dec/home/Default.aspx
176
Ibidem.
177
Esses acordos foram assinados na gestão do ministro Suplicy Lacerda em 1965 até a década seguinte.
O objetivo desses acordos incluía a modernização da gestão educacional brasileira tanto na educação
básica quanto no ensino superior.
126
Uma das conclusões que a comissão atingiu foi que o Projeto Purdue-UFV
vinha sendo e é um empreendimento altamente bem-sucedido. Contribuiu de
maneira significante para o crescimento e desenvolvimento da Universidade. O
projeto tornou possível à Universidade contribuir mais para o
desenvolvimento da agricultura brasileira do que teria de outra forma
ocorrido178 (grifo nosso).
178
Proposta apresentada à Agência Norte-Americana para o desenvolvimento internacional para Revisão,
Extensão e Financiamento do Projeto da Universidade de Purdue/Universidade Federal de Viçosa, 1971.
179
Ibidem.
180
Ibidem.
181
Ibidem.
127
182
Ibidem.
183
Ibidem.
184
Ibidem.
128
185
José Arapicaca (1979) mostra que grande parte do investimento americano nos convênios foi feita por
empréstimos, que geraram a ilusão do dinheiro fácil e maior dependência econômica.
186
O Globo, 30 de Dezembro de 1966, Matutina, Geral.
187
Folha de S. Paulo, 09 de setembro de 1972, p. 14.
129
188
Folha de S. Paulo, março de 1965, página 2.
130
189
O Globo, 15 de Junho de 1965, Matutina, Geral.
190
Ibidem.
191
Ibidem.
192
Ibidem.
193
O Globo, 07 de abril de 1971, p. 14.
131
194
Folha de S. Paulo, 29 de julho de 1972, p. 29.
132
195
THIRTY ONE REPORT, 1966. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais. Viçosa-
MG. ACH/UFV.
133
196
UFV Informa, 1 de Agosto de 1970. ACH/UFV.
197
Ibidem.
198
Ibidem.
134
trabalho. Diante disso, é perceptível que o perfil dos estudantes selecionados para o
intercâmbio correspondia àqueles que já se apropriaram da concepção de agricultura
moderna como referência para o Brasil. O discurso citado não parece ser uma mudança
de direção, pelo contrário, há um reforço daquilo que outrora já estava estabelecido
entre os estudantes participantes. O caso do Paulo Afonso Romano torna-se uma grande
exceção pelo fato de ter participado ativamente do movimento estudantil em Viçosa.
A segunda modalidade de bolsa enviava para os Estados Unidos indivíduos com
posição de destaque na Universidade ou no meio político. O chamado curso de
reciclagem envolvia diretamente professores com cargos administrativos e políticos
com ligação com o meio acadêmico. O prof. Erly Brandão, que foi codiretor do
Convênio Purdue, ficou um semestre em Purdue para sua formação como gestor na
universidade. Ele teve participação importante na fundação do programa de pós-
graduação em economia rural na UREMG. No campo político, o prof. José de Alencar
Carneiro Viana, ex-aluno e ex-diretor da instituição, foi enviado para esse programa.
Depois, José de Alencar se tornou secretário de agricultura de Minas Gerais na gestão
de Magalhães Pinto. Além dele, Roberto Resende, também secretário da agricultura e
candidato ao governo mineiro em 1966, foi incluído nesse programa. De acordo com o
Convênio, “muitos sentiram que esta viagem forneceu várias ideias e muito estímulo ao
Dr. Resende em operar vários programas do Estado da secretaria de agricultura” 199.
A terceira modalidade de bolsa, com maior orçamento quando comparada às
outras modalidades, incluía professores e estudantes de graduação e pós-graduação,
tanto os que cursavam no Brasil quanto os que faziam sua pesquisa nos Estados Unidos.
O objetivo era o complemento da formação acadêmica com mestrado ou doutorado.
Esse programa contribuiu para o aumento de professores com pós-graduação na
universidade, o que, consequentemente, impulsionou a produção científica local.
Portanto, o oferecimento de bolsas envolvia a assimilação da cultura
americana200 pelos cientistas, políticos e estudantes brasileiros. Acima de tudo, essa
ferramenta atuava, ainda que indiretamente, para a acomodação em relação à ditadura,
com a criação de lideranças “democráticas” por meio das bolsas para os estudantes e
199
REPORTS, 31 janeiro de 1966. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais. Viçosa-
MG. ACH/UFV.
200
Cultura americana (TOTA, 2000), nesse aspecto, refere-se aos valores devotados pelos estadunidenses
no tocante ao desenvolvimento da sociedade moderna, a saber, o individualismo e o capitalismo.
Juntamente com isso, o sonho americano de prosperidade, baseado na propriedade privada e no
empreendedorismo, estão incluídos no que denomino aqui de cultura americana.
135
estrangeiros fortaleceu ainda mais o intercâmbio com a Usaid e, neste caso, o Convênio
Purdue-UFV se tornou o símbolo de uma parceria bem-sucedida.
201
TWENTY FIFTH REPORT, 1965. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
202
Ibidem.
137
203
REPORTS, 31 de março de 1967. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais. Viçosa-
MG. ACH/UFV.
204
TWENTY SIXTH REPORT, 1965. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
205
TWENTY SEVENTH REPORT, 1965. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
206
Ibidem.
138
207
TWENTY SIXTH REPORT, 1965. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
208
O Globo, 15 de Junho de 1965, Matutina, Geral.
139
[...] registro mais uma vez que a nenhum outro governo deve a UREMG tantos
benefícios quantos os que a ela tem conferido o fecundo governo de vossa
excelência. Deus guarde vossa excelência para que continue sua inigualável
obra de governo em benefício do estado e da pátria209.
A ministra Van Dyke foi pra Belo Horizonte para discutir com oficiais do
Estado e do Governo Federal conectados com as atividades da Purdue em
Minas Gerais, incluindo o secretário de governo do Estado, Roberto Resende,
secretário da agricultura, José de Alencar Carneiro Viana, Supervisor Geral da
ACAR, José Paulo Ribeiro, e o diretor da Escola Veterinária, Dr. Leonidas
Magalhães. Estas seções trataram largamente da influência e benefícios das
atividades de cooperação da Purdue com UREMG no desenvolvimento de uma
209
Informativo UREMG, Viçosa. 4 de fevereiro de 1965. ACH/UFV.
210
Informativo UREMG, Viçosa. 5 de junho de 1965. ACH/UFV.
211
Ibidem.
140
212
TWENTY SIXTH REPORT, 1965. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
213
TWENTY EIGHTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
141
214
THIRTIETH ONE REPORT, 1966. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
215
Ibidem.
216
Ibidem.
217
Ibidem.
142
218
Ibidem.
219
THIRTY SECOND REPORT, 1966. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
220
O Globo, 20 de Dezembro de 1966, Matutina, Geral, página 3.
143
visitante tem até pressa de sair daquele ambiente, para não quebrar o ar de
respeito e recolhimento221.
221
Ibidem.
222
THIRTY FIFTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais. Viçosa-
MG. ACH/UFV.
223
THIRTY FOURTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
144
O governador concluiu dizendo que seu governo deseja, antes de tudo, formar
técnicos de grau médio ou elementar, que possam ser aproveitados como bons
capatazes rurais, porque considera que ao Estado nada adianta formar
profissionais de nível superior, como se vem dizendo em Viçosa, e continuar
com uma infraestrutura obsoleta e arcaica, sem condições de reagir ao estímulo
da técnica moderna227.
224
THIRTY FIFTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais. Viçosa-
MG. ACH/UFV.
225
THIRTY FOURTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
226
O Globo, 16 de Maio de 1967, Matutina, Geral, página 7.
227
Ibidem.
145
[...] declarações apareceram que a UREMG deveria fechar (não abrir para o
começo do primeiro semestre, março) por causa da falta de apoio financeiro do
Estado, seguido pelo anúncio da associação de professores da universidade que
eles se recusariam a dar aulas sem os salários pagos (pesquisa e extensão não
foram afetados) 230.
228
THIRTY FOURTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
229
THIRTY FIFTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais. Viçosa-
MG. ACH/UFV.
230
THIRTY SEVENTH REPORT, 1968. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
146
231
THIRTY SIXTH REPORT, 1967. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais. Viçosa-
MG. ACH/UFV.
232
SEMI-ANNUAL REPORT, 1969. Purdue-Brazil Project. Universidade Federal de Viçosa. Viçosa-
MG. ACH/UFV.
147
233
REPORTS, Janeiro e fevereiro de 1969. Purdue-Brazil Project. Rural University of Minas Gerais.
Viçosa-MG. ACH/UFV.
234
Ibidem.
148
235
A Universidade de Brasília foi inaugurada em 1962 pelo presidente João Goulart. Antes mesmo da
reforma universitária, a universidade tinha elementos que a diferenciavam das outras instituições, tais
como ausência de cátedras, sistema de créditos, professores com dedicação exclusiva, assistência
estudantil, entre outros.
149
lado a lado dos estudantes em prol de um objetivo maior, neste aspecto, a construção do
Brasil. Levar o conhecimento técnico-científico às regiões mais inóspitas do interior do
país e, ao mesmo tempo, contribuir para afastar a ameaça comunista do meio
universitário exigiu grande montante de recursos para operacionalizar tamanho
empreendimento.
Mesmo assim, o Projeto recebeu diversas críticas. A primeira delas, por seu
caráter assistencialista. Estudantes e militares viajavam até a cidade escolhida para os
trabalhos e ali permaneciam durante as férias escolares. O curto prazo da operação não
justificava o montante investido. As necessidades das comunidades interioranas, a
maioria delas rurais, não poderiam ser atendidas em prazo tão reduzido. A segunda
crítica tinha como alvo o proselitismo dos militares em influenciar o meio estudantil.
Afinal, a máquina pública era utilizada para a obtenção de dividendos políticos.
A despeito das críticas, o Projeto Rondon foi abraçado pelo regime com bastante
entusiasmo. Ano a ano o número de participantes crescia e, na década de 1970, o
programa de extensão foi incrementado. Em resposta ao aspecto provisório e paliativo
do projeto, os militares criaram em regiões estratégicas os chamados campi avançados.
Diversas universidades do sudeste e sul do país coordenariam essas instituições com o
objetivo de prolongar a ação extensionista nos locais de maior carência. De acordo com
Lima,
O programa seria uma maneira encontrada pelo Grupo de Trabalho para
interiorizar de forma duradoura o universitário e as universidades, já que um
campus do Projeto Rondon deveria funcionar como posto permanente das
instituições de ensino superior junto às populações do interior brasileiro
(LIMA, 2015, p. 78).
várias regiões do estado do Pará. A comitiva do general foi recebida pelo reitor e alguns
professores e estudantes da universidade. Prática bastante comum no contexto da
ditadura, a visita presidencial também contou com a presença de centenas de populares,
que saudaram o general em sua visita a Altamira. De acordo com o UFV Informa, “[...]
a prefeitura mandou instalar faixas pelas ruas homenageando o presidente e, no dia
seguinte, uma multidão formada por crianças dos grupos escolares da cidade, homens e
mulheres foi esperá-lo no campo de pouso”236. Ainda de acordo com o periódico, a
visita do presidente foi rápida, mas “suficiente para o presidente ter uma noção do
pioneirismo do trabalho desenvolvido pelo ‘campus’ avançado de Altamira” 237.
Como eco da visita presidencial no campus avançado, o jornal da universidade
produziu uma série de reportagens sobre o Projeto Rondon. Os textos exaltaram o
programa criado pelo presidente Costa e Silva e abordaram o caráter positivo do
programa para as comunidades atendidas. Para o jornal, “a influência do ‘campus’
avançado da UFV nesse cenário, onde a natureza ainda é hostil, é evidente em todos os
setores da vida de Altamira”238. O trabalho dos estudantes de medicina e odontologia
das Faculdades Integradas de Uberaba e dos estudantes de agronomia e economia
doméstica da UFV são detalhados na reportagem.
A classe política em Altamira também reconheceu os esforços dos estudantes e
professores do campus avançado na cidade. O prefeito da cidade, Edmilson Moreira,
“reunido com diversas autoridades e comitiva, expôs os trabalhos realizados pelos
universitários, nos cinco anos de atividades na comunidade local. Ao final, agradeceu à
UFV o apoio e colaboração dedicados ao desenvolvimento do município” 239.
O jornal UFV Informa fez uma matéria sobre a importância do Projeto Rondon e
do Programa Campus avançado no Pará. Com uma narrativa bem afinada aos interesses
do regime que estava no poder, o programa foi comparado a um bandeirante: aquele que
desbrava o interior240. Somado a isso, o jornal divulgou o documento que estabeleceu o
convênio para o funcionamento do campus avançado, em que a UFV deixou explícito
que seu compromisso estava muito além da contribuição técnico-científica na região de
Altamira. O objetivo maior convergia para o plano de desenvolvimento capitaneado
pelo regime militar:
236
UFV Informa. 12 de outubro de 1978. ACH/UFV.
237
Ibidem.
238
Ibidem.
239
UFV Informa. 20 de abril de 1978. ACH/UFV.
240
UFV Informa. 19 de outubro de 1978. ACH/UFV.
151
241
Ibidem.
242
UFV Informa. 28 de setembro de 1978. ACH/UFV.
243
UFV Informa. 19 de julho de 1974. ACH/UFV.
152
3.1 Introdução
No capítulo anterior, foram analisados alguns pontos de interlocução entre a
ditadura e a Universidade Federal de Viçosa. A modernização da agricultura e os
convênios internacionais aproximaram a instituição do regime, uma vez que havia um
“canal comunicativo” eficiente que tanto a universidade quanto a ditadura
vislumbravam oportunidades mútuas de proveitos. Do lado da UFV, o maior ganho era
científico. O apoio à ditadura conferia a garantia de subvenção de pesquisas que
levariam ao objetivo máximo da universidade, neste caso, o desenvolvimento da
agropecuária nacional e a consolidação das carreiras de seus pesquisadores. O
pragmatismo nessa relação aproximava o campo científico do político. Quanto à
expectativa do regime militar em relação à universidade, ficava implícito que a
contribuição com a modernização da agricultura e garantia da ordem dentro dos seus
limites institucionais era suficiente.
Neste capítulo, o objetivo é analisar como a adesão ao projeto de modernização
do regime militar alterou o cotidiano da UREMG/UFV. Embora a finalidade da
universidade consistisse em operacionalizar suas pesquisas e manter em funcionamento
sua rotina institucional, a cooperação com a ditadura redundou em ações que foram
muito além da esfera científica. Práticas autoritárias, a colaboração com os órgãos
investigativos do Estado, o afago aos militares, enfim, um rol de atitudes que fizeram da
UFV um espaço complicado para a oposição à ditadura e, por outro lado, um espaço
relativamente propício para manifestações de apoio ao regime.
De acordo com Rodrigo Motta, “na visão dos vitoriosos de 1964, as
universidades haviam se tornado ninhos de proselitismo das propostas revolucionárias e
de recrutamento de quadros para as esquerdas” (MOTTA, 2014. p. 23). A influência do
pensamento marxista nas instituições educacionais se fez sentir principalmente no
244
Discurso de Médici. Anais da Câmara dos deputados, 1976. Esse trecho representa a gratidão do ex-
presidente em ser homenageado na UFV.
154
245
Obviamente, nem o movimento estudantil ficou imune às manifestações de apoio ao golpe. Grupos de
direita também influenciaram os estudantes e rivalizaram com a esquerda nas universidades. (SILVA,
2016)
155
246
Antes do trabalho do Rodrigo Motta, existiam vários trabalhos especificamente do movimento
estudantil no contexto da ditadura. No campo da historiografia, a única exceção a esta regra é a pesquisa
de mestrado de Jaime Mansan, publicada em 2009. Também, no campo da história da educação, dezenas
156
de autores analisaram as universidades no contexto da ditadura, porém sob um viés mais específico da
estrutura e funcionamento das instituições, sem maiores ênfases nas dinâmicas políticas ou sociais.
247
É importante salientar que, embora o crescimento de trabalhos monográficos sobre as universidades e
a ditadura tenha crescido nos últimos anos, ainda há muito a ser feito. Pouco se conhece sobre as
universidades do nordeste e do norte do país. No livro do Rodrigo Motta (2014), há apenas algumas
menções sobre as instituições dessas regiões. Além disso, com a descoberta de vários documentos ligados
à repressão, divulgados pela Comissão Nacional da Verdade, há muito trabalho a ser feito.
157
mesmo ressaltou Molina. Era bastante comum os filhos dos grandes fazendeiros da
região de Piracicaba estudar na instituição.
A instituição também contribuiu com cientistas que, além do envolvimento com
o conhecimento acadêmico, foram indicados para cargos políticos, tanto em São Paulo
quanto no governo federal. Sua inserção no campo político se deu pela competência
científica no setor agrícola e, obviamente, pela aproximação com os grandes fazendeiros
e suas sociedades de classe. Na ditadura, essa convergência com o poder se tornou ainda
mais forte. O interesse dos militares no desenvolvimento agrícola redundou em
parcerias com a instituição de Piracicaba. Um dos programas mais bem-sucedidos foi o
laboratório de pesquisa nuclear, que envolveu grandes investimentos públicos e
privados na ESALQ.
Assim como a UFV, a ESALQ também saudou ditadores e acolheu os generais
presidentes no seu rol de homenageados. Em 1971, o presidente general Emílio G.
Médici foi convidado como paraninfo da formatura do mesmo ano. Embalado pelo
crescimento econômico do período, a recepção ao presidente foi compatível com o
otimismo relativo aos rumos do país. No seu discurso, o militar sentiu-se bastante
honrado com o convite dos estudantes. Em suas palavras, o presidente politizou o
convite dos estudantes, afirmando que ele representou “não só uma manifestação de
simpatia por ele, mas também pela obra da Revolução” (MOLINA, 2016, p. 274). Após
a cerimônia, o presidente se reuniu com os membros do Centro Acadêmico (CALQ) e
conversaram sobre o mercado de trabalho para os agrônomos e, também, a respeito do
incentivo à agricultura por parte do governo.
Já em 1973, o general Ernesto Geisel, antes ainda de se tornar presidente,
também visitou a Escola. O objetivo da direção da ESALQ consistia em mostrar ao
general as pesquisas em andamento na instituição, com o objetivo de expor “as razões
de a ESALQ/USP ser, na época, o maior complexo educacional e científico das
Ciências Agrárias da América Latina” (MOLINA, 2016, p. 307). Não seria exagero
interpretar o gesto da Escola em associar a desenvoltura da produção científica local em
convergência com a modernização da agricultura ambicionada pelo governo. Em
complemento, o futuro presidente foi recebido pelo CALQ para conversas com os
estudantes.
Até mesmo o centro estudantil atuou próximo do ciclo decisório da ESALQ.
Embora muitos alunos tivessem uma formação política de esquerda, diversas diretorias
do CALQ representaram os interesses da direção da Escola em detrimento das questões
158
248
Rodrigo Motta aponta que, no contexto da distensão da ditadura, os agentes de informações sofreram
menos pressão para vigiar suspeitos. Dessa forma, os dirigentes das universidades tornaram-se mais
moderados, com maiores oportunidades para acomodação (MOTTA, 2016, p. 20).
159
própria. Tanto é que antes mesmo da criação das Assessorias Especiais de Segurança e
Informação249 (AESI), em 1971, a UFPB já tinha, em 1969, um sistema próprio
semelhante ao que foi criado posteriormente, conforme afirmou Motta (2016).
Conforme acentuado anteriormente, o afastamento de reitores considerados
alinhados com o governo do João Goulart após o golpe de 1964 possibilitou a entrada
de interventores colocados pela ditadura ou pelo menos respaldados pelo MEC. Dessa
forma, isso contribuiu, naturalmente, para o crescimento das lideranças universitárias
com maior perfil adesista, tal como ocorreu na UFPB.
De maneira semelhante ao caso acima, a Universidade Federal Fluminense
conservou em seus quadros diretivos durante a ditadura militar lideranças com grande
inclinação para a ditadura. É bastante elucidativa a saudação à “revolução” elaborada na
primeira ata do Conselho Universitário após o golpe de 1964. A justificativa para o
louvor ao novo regime corresponde à mesma argumentação dos militares para a tomada
do poder, neste caso, a salvaguarda da democracia. De acordo com Ludmilla Pereira, as
moções de apoio ao golpe nunca são acompanhadas apenas por motivações político-
ideológicas. Questões de cunho pessoal e a busca pelo sucesso profissional por meio do
regime político imposto se somavam às preferências políticas dos indivíduos ligados à
administração universitária. As disputas por cargos de direção, de acordo com Pereira,
“envolviam tráfico de influência em todos os níveis: desde indicação de diretores das
faculdades ou institutos de acordo com o grupo político no qual se filiam, até
professores empossados diretamente pelo governo golpista” (PEREIRA, 2016, p. 62).
Dessa forma, a busca pelo poder interno vinculou-se diretamente às novas
expectativas geradas pelo regime militar. As investigações relacionadas à corrupção ou
subversão tornaram-se rotina na instituição, o que abasteceu o aparato repressivo – fosse
na Comissão de Inquérito instaurada pelo MEC ou por meio da ASI – com informações
que atingiam o cotidiano da universidade. O resultado desse processo, pelo menos entre
os docentes, significou a demissão e, em alguns casos, até mesmo a prisão de
professores com ligações com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Além disso, a
AESI da UFF, de acordo com Pereira, “mediou diretamente contratos de professores,
investigou aulas, movimentações estudantis e, efetivamente, reprimiu o movimento
estudantil e docente” (PEREIRA, 2016, p. 51).
249
Ainda neste capítulo, será trabalhado com mais detalhes o papel das AESI na produção de
informações, censura e vigilância nos campi universitários.
160
250
Diferentemente da operação limpeza, o segundo ciclo expurgatório, em 1969, teve como motor “o
desejo dos militares de expurgar seus inimigos dos quadros universitários e impedir que eventos como os
de 1968 se repetissem” (MOTTA, 2014, p. 179).
162
entanto, Pelegrine (2016) aponta que, mesmo assim, Barreto Filho continuou na
universidade como professor. A acomodação do ex-reitor no meio acadêmico refere-se,
sobretudo, à necessidade do campo científico de manter a normalidade acadêmica.
Por mais adesista que a nova reitoria pudesse ser, manter nomes de relevância na
instituição poderia evitar problemas na produtividade acadêmica. É óbvio que,
politicamente, isso era uma estratégia de flexibilizar a repressão e manter a aparência
democrática. A acomodação torna-se, assim, uma válvula de escape da academia para
reduzir as perdas do campo científico. Com a intensa intervenção dos militares no
cotidiano universitário, a acomodação tornava-se um elemento importante para manter
cientistas na ativa e, ao mesmo tempo, não se indispor com o poder instituído. Dessa
forma, em se tratando de uma instituição acadêmica, as motivações políticas e
científicas têm pesos semelhantes.
Na UFES, essa questão é bastante elucidativa. Mesmo que o novo reitor
escolhido pelo Conselho Universitário, Fernando Duarte Rabelo, se comportasse como
aliado dos militares, a Comissão de Inquérito que investigou indivíduos suspeitos de
subversão concluiu em seu relatório “inexistirem simpatizantes ou adeptos de ideologias
contrárias ao regime “democrático” no campus” (PELEGRINE, 2016, p. 75).
Consequentemente, ninguém foi punido. Em dezembro de 1964, o presente marechal
Castelo Branco recebeu o título de doutor Honoris Causa. Na cerimônia de concessão
da honraria ao militar, Pelegrine aponta que o reitor “aproveitou a oportunidade da
visita do novo presidente para invocar o patriotismo, tão valoroso para os militares, e
pedir apoio federal para aprimorar a tendência da academia capixaba para a “formação
de técnicos” (PELEGRINE, 2016, p. 76).
Na verdade, a UFES ainda não tinha infraestrutura compatível com suas
ambições científicas. Os dirigentes vislumbraram na aproximação com o novo regime
uma verdadeira oportunidade para alavancar suas pretensões. De acordo com Pelegrine,
Certamente, isso contribuiu para criar pontos de interlocução mais estreitos com
o regime para, assim, facilitar a vinda de novos recursos.
No governo do presidente Médici e com a gestão de Jarbas Passarinho no MEC,
a universidade finalmente encontra seu ponto máximo de adaptação ao regime
autoritário. O funcionamento da AESI conseguiu estabelecer o controle sobre a
instituição e estreitar ainda mais os laços com os órgãos investigativos da ditadura. Ao
operacionalizar por meio da AESI a censura de livros, o controle de eventos estudantis,
o cerceamento do movimento estudantil, a pressão aos diretores de centro para filtrar a
contratação de professores “subversivos”, a UFES refletia o caráter intransigente com a
“subversão”, algo bastante esperado pelo governo militar. Não obstante, a face
modernizadora também foi desenvolvida nesse contexto. Em conexão direta com o
governo estadual e federal, a UFES cresceu consideravelmente nesse período. De
acordo com Pelegrine:
251
Extraído de http://www.personagens.ufv.br: 29/02/2018.
252
O Globo, 23 de abril de 1976.
253
UFV Informa, 29 de abril de 1976. ACH/UFV.
167
254
A presença de representantes do DCE na comissão que visitou o presidente Médici pode ser
questionada. Provavelmente os estudantes presentes não pertenciam ao DCE, mas, sim, eram estudantes
simpáticos ao regime. No contexto da visita do general, o movimento estudantil ufviano estava
inteiramente envolvido com a luta contra a ditadura.
255
O Globo, 9 de junho de 1976.
256
Informativo UREMG. 5 de junho de 1965. ACH/UFV.
168
257
Na verdade, a Lei 3.212 de 1964 instituiu a reestruturação dos cargos do serviço civil do Poder
Executivo. Porém, no art. 198, a reestruturação da Universidade Rural é prevista.
258
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 111/1965.
259
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 112/1965.
260
Informativo UREMG. 4 de fevereiro de 1965. ACH/UFV.
261
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 106/1964.
169
262
UFV Informa, 15 de abril de 1973. ACH/UFV.
263
UFV Informa. 25 de novembro de 1970. ACH/UFV.
170
264
Ibidem.
265
UFV Informa. 18 de janeiro de 1973. ACH/UFV.
266
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 6.
267
UFV Informa. 18 de janeiro de 1973. ACH/UFV.
268
Ibidem.
171
269
UFV Informa. 9 de setembro de 1976. ACH/UFV.
172
MDB, também recebeu honras dos formandos. Conforme será visto no próximo
capítulo, Chequer era considerado perigoso pelos órgãos de investigação, o prefeito
emedebista se aproximou do movimento estudantil para, além de promover sua gestão
na cidade, fazer oposição ao partido do regime militar. O paradoxo dessas homenagens
é a manutenção da homenagem aos militares e seus aliados e, ao mesmo tempo, a
inclusão da oposição ao regime nas comemorações.
Já na formatura de dezembro de 1975, Aureliano Chaves se apresentou aos
formandos de maneira extremamente cordial e familiar, denominando-os de “meus
afilhados”. Com palavras cheias de elogios à Universidade Federal de Viçosa e sua
missão de contribuir com o aumento da produtividade na agropecuária, o político
mineiro afirmou que conseguiu alavancar o papel da agricultura em seu governo.
Consequentemente, os futuros profissionais ali formados teriam grandes
responsabilidades na condução do país ao sucesso:
270
UFV Informa. 19 de dezembro de 1975. ACH/UFV.
271
Em agosto de 1975, o governador Aureliano Chaves esteve na UFV em virtude da comemoração do
centenário do nascimento de Arthur Bernardes. Pouco tempo depois, ele fora convidado como paraninfo
dos formandos de dezembro de 1975, o governador aceitou o convite e novamente compareceu à
Universidade. Essa atitude deixou a universidade bastante prestigiada, conforme acentuou o orador da
turma em seu discurso.
272
UFV Informa. 19 de dezembro de 1975. ACH/UFV.
173
273
Ibidem.
274
Revista Veja. Ed 411, 21 de julho de 1976 p. 20.
275
Ibidem.
276
Ibidem.
174
277
UFV Informa. 1º de junho de 1976. ACH/UFV.
278
Ibidem.
175
Na mesma edição do jornal citado, outro autor acusa o discurso de Médici como
antiliberal: “É uma peça antiliberal que jamais um ex-presidente da república,
excetuando Jânio Quadros com sua despudorada entrevista de incensamento à ditadura,
ousou pronunciar. Apenas um monarca destronado endossaria tais teses absolutistas” 281.
Em outra matéria do mesmo jornal, o autor chegou a afirmar que o “ discurso e a
tentativa de ‘reentrée’, na vida política do ex-presidente G. Médici, ocorridos há 15 dias
em Viçosa, mereceram da imprensa a mais salutar repulsa” 282.
Se o discurso do general causou polêmica na imprensa, no campo político nada
mudou. O ministro Armando Falcão declarou à imprensa que a fala do ex-presidente
“foi o discurso de um revolucionário em dia com a Revolução 283. O então governador
de Minas Gerais, Aureliano Chaves, também defendeu o ex-presidente. De acordo com
a Folha de S. Paulo, “indagado na ocasião sobre o que achava do recente discurso do
ex-presidente Médici em Viçosa, quando criticou o liberalismo, Aureliano Chaves, tido
como um liberal, respondeu: ‘Foi um pronunciamento sintonizado com a
Revolução’”284. Em Viçosa, o prefeito Antônio Chequer (MDB) não viu problemas na
presença do ex-presidente na cidade. Pelo contrário, ele preferiu encarar a festa como
279
Discurso de Médici. Anais da Câmara dos deputados, 1976.
280
Folha de S. Paulo, 18 de julho de 1976, p. 2
281
Ibidem.
282
Folha de S. Paulo, 01 de agosto de 1976, p. 10.
283
Folha de S. Paulo, 20 de julho de 1976, p. 4.
284
Folha de S. Paulo, 24 de julho de 1976, p. 3.
176
285
Revista Veja. Ed 411, 21 de julho de 1976 p. 20.
286
Ibidem.
287
Folha de S. Paulo, 24 de julho de 1976, p. 3.
288
Ibidem.
177
No mesmo ano de 1976, o presidente Ernesto Geisel também foi convidado para
visitar a UFV. Ainda como parte das comemorações do cinquentenário da instituição, a
presença de Geisel era esperada em agradecimento pela assinatura da lei que modificou
a situação trabalhista dos professores e servidores da UFV. Embora a UREMG tivesse
sido federalizada em 1969, diversos profissionais ainda permaneciam como servidores
do estado de Minas Gerais. A lei sancionada pelo presidente Geisel permitiu que eles
fossem integrados como trabalhadores da União. De acordo com o jornal UFV Informa,
foi afixada, também no Marco da Integração – no mesmo monumento que homenageou
o presidente Médici – uma placa de “gratidão e reconhecimento, com a qual os
funcionários e outras autoridades do seu governo, pelos benefícios da lei nº 6315
(...)”290. No entanto, o presidente não pôde participar do evento na universidade,
mandando o ministro Ney Braga como seu representante, que, por sua vez, conforme
mencionado anteriormente, foi condecorado com o título de doutor honoris causa pela
UFV.
289
“Ao Funrural na pessoa do seu ilustre criador, ex-presidente Emílio Garrastazu Médici, na pessoa de
seu consolidador, eminente presidente Ernesto Geisel, esta homenagem de gratidão e reconhecimento do
homem do campo, que se estende, também, a todos os que contribuíram de qualquer forma para a
implantação da previdência e assistência social rural no Brasil. Viçosa, 15/07/1976”.
290
UFV Informa. 8 de julho de 1976. ACH/UFV.
179
291
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 17.
292
Ibidem.
181
“A polícia tem por hábito agir com moderação e de acordo com a necessidade
do momento. Disse mais que não impediria a saída dos cartazes, desde que a
pessoa interessada pela sua saída se responsabilizasse, antecipadamente, por
escrito, a fim de que se depois de eles serem submetidos à consideração dos
órgãos competentes (censores) e fossem considerados subversivos, os
responsáveis responderiam a inquérito, ou quem sabe, até mesmo a
I.P.M”294.
293
Ibidem.
294
Ibidem.
295
Ibidem.
182
296
Correio da manhã. 16 de abril de 1966, p. 9.
297
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 34.
298
Ibidem.
299
Ibidem.
300
Ibidem.
183
(DSI), que coordenariam dentro dos ministérios ações para “assessorar os titulares dos
ministérios no processo de tomada de decisão e em questões de segurança” (MOTTA,
2014, p. 194). Justamente em 1971, foram criadas as AESI, subordinadas ao DSI-MEC,
que produziriam informações relevantes para seu órgão superior e, consequentemente,
para outras instâncias, caso fosse necessário. Mais importante do que assessorar os
reitores em suas decisões diárias, Motta reforça que o mais importante era “alimentar o
sistema de segurança e repressão” (MOTTA, 2014, p. 198).
Especificamente sobre o órgão investigativo na UFV, em uma correspondência
enviada para a AESI-UFMG, o assessor Cel. José Ferreira de Aguiar buscou
informações sobre um professor com caráter e ideias subversivas, que havia se formado
na UFMG. O mais curioso deste exemplo é que o indivíduo investigado não era docente
da UFV, mas, sim, da Faculdade de Ciências Contábeis de Ponte Nova, cidade próxima
a Viçosa. Na carta não há menções sobre como a Assessoria da UFV tinha autorização
para investigar profissionais de outras instituições:
301
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB AT4 - Assessoria de Segurança e
Informações da Universidade Federal de Minas Gerais.
302
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB HE - Delegacia de Polícia Federal em
Juiz de Fora (Minas Gerais). Identificação: Movimento estudantil na UFV.
185
303
Ibidem.
304
Ibidem.
305
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB HE - Delegacia de Polícia Federal em
Juiz de Fora (Minas Gerais). Identificação: Movimento estudantil na UFV.
186
306
Ibidem.
307
Ibidem.
308
Ibidem.
309
Ibidem.
310
Ibidem.
187
O relatório não apontou o nome dos suspeitos. Apenas indicou que um inquérito
foi aberto pela polícia civil para investigar melhor o caso. Independentemente da autoria
do disparo da bomba, é importante analisar que, após todo o histórico de conflitos com
militares da cidade, a relação dos estudantes com as autoridades estava cada vez mais
delicada. Outro fato relevante é que, na narrativa da ASI, os suspeitos eram os
estudantes. Não houve nenhuma tentativa de pensar em outras situações que os
possíveis culpados não fossem aqueles alunos que se haviam envolvido na confusão
com a vigilância.
De fato, o trabalho investigativo das ASI era inconsistente. Motta (2014)
abordou em sua pesquisa que o próprio Conselho de Segurança Nacional (CSN) chegou
à conclusão em 1974 e que o setor de produção de informações das DSI funcionava com
muitas distorções. Os motivos para a ineficiência das assessorias passavam pelo
desleixo, falta de preparação de seus chefes e, às vezes, pela própria corrupção de seus
responsáveis. De acordo com Motta, “o trabalho de ‘informação’ realizado por tais
agências muitas vezes não primava pela qualidade, e há muitos exemplos de
imprecisões e erros primários [...]” (MOTTA, 2014, p. 237).
No relatório da Polícia Federal sobre o caso, é possível entender o grau de
parcialidade da investigação aberta pela ASI e, consequentemente, a sucessão de erros
executados pelo seu assessor. Em primeiro lugar, a polícia federal adiciona um dado não
mencionado no ofício da ASI: o vigilante foi agredido e teve lesões corporais. Somado a
isso, de acordo com o relatório do DPF, “a equipe destinada às apurações não chegou a
um resultado positivo. Tendo sido inquiridos todos os participantes da serenata, não se
conseguiu ligação dos fatos - explosão e serenata”312.
Na conclusão dos policiais federais, a explosão da bomba não teve conotação
política. Segundo eles, “nos anos anteriores, em época de provas finais, os alunos do
último ano tumultuavam a vida daquela cidade” 313. Além disso, conforme acentuou o
texto do DPF, “os universitários que cercavam o Guarda Vigilante são, em sua maioria,
formandos que não registraram antecedentes em movimento estudantil daquela área” 314.
311
Ibidem.
312
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB HE - Delegacia de Polícia Federal em Juiz
de Fora (Minas Gerais). Identificação: Atentado à bomba.
313
Ibidem.
314
Ibidem.
188
Por que essa hipótese não foi levantada pela ASI? De fato, se esses alunos pertencessem
ao movimento estudantil, a suspeita sobre eles poderia ser maior. De alguma forma, o
assessor queria encontrar naqueles alunos a culpa pela explosão, o que reforça o caráter
paranoico do trabalho da ASI.
O ano de 1977 começou a todo vapor para a ASI-UFV. Logo no início do
período letivo, o movimento estudantil organizou vários protestos contra o aumento do
preço do restaurante universitário, de quatro para oito cruzeiros. Não é objetivo deste
capítulo detalhar as ações do movimento estudantil, mas analisar o caráter do órgão de
segurança que atuava na UFV. Dessa forma, além da descrição da movimentação
estudantil, o assessor faz um relato do perfil da liderança do DCE que estava à frente
das manifestações. O presidente era considerado ingênuo na visão do assessor, porque,
ao perceber o alcance do movimento, “ficou totalmente perturbado, numa demonstração
de que lhe falta maior maturidade para liderar a massa” 315. Em adição, o coronel
Aguiar sugere que o presidente do DCE fazia jogo duplo com a reitoria, “querendo
projetar imagem positiva para a administração e adotando comportamento inteiramente
diferente quando pressionado pela classe liderada” 316. Sendo assim, o assessor classifica
os diferentes indivíduos envolvidos com a liderança do movimento por meio de rótulos
de moderados, agitadores e perigoso, descrevendo o desempenho de cada um nas
manifestações.
No mesmo ano de 1977, a ASI investigou um caso de assédio sexual no campus.
Duas vestibulandas teriam sido aliciadas por um servidor da universidade e um amigo
da cidade, sendo inicialmente convidadas para sair e, posteriormente, assediadas pelos
dois homens. As meninas correram e encontraram guarita na vigilância da instituição:
315
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB HE - Delegacia de Polícia Federal em Juiz
de Fora (Minas Gerais). Identificação: Movimento estudantil da UFV.
316
Ibidem.
317
Ibidem.
189
O que se seguiu a este episódio foi uma grande revolta no meio estudantil contra
os militares. Ao invés de pedir uma investigação contra os policiais que usaram da
violência contra as estudantes, o chefe da ASI escreveu aos órgãos de segurança para
acalmá-los quanto a um possível alastramento das manifestações estudantis na UFV. É
possível observar isso na citação abaixo:
318
Ibidem.
319
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB HE - Delegacia de Polícia Federal em Juiz
de Fora (Minas Gerais). Identificação: Arbitrariedade policial.
320
Ibidem.
190
Por outro lado, a reitoria também cooperou para “abafar” o caso e evitar mais
conflitos com os militares.
Evitar problemas entre estudantes e as autoridades: essa parece ser a grande
função da ASI-UFV nesse contexto. Ainda em 1977, o assessor redigiu um ofício para
os órgãos de segurança com a finalidade de narrar as atitudes da reitoria para afastar um
movimento grevista dos estudantes da instituição. De acordo com o assessor, “a direção
da universidade adotou medidas objetivando esvaziar as articulações grevistas e
esclarecer aos pais e alunos da UFV” 322. A tática utilizada foi o envio de
correspondência para os responsáveis dos alunos para alertá-los dos possíveis prejuízos
da greve. É óbvio que os estudantes não deixaram passar essa reação da administração
da universidade. Eles fizeram uma nota e distribuíram para toda a instituição, intitulada
“Coação e Chantagem”. Além disso, um panfleto também foi distribuído aos alunos,
satirizando a correspondência enviada aos pais. O autor da carta e do panfleto
juntamente com os estudantes que auxiliaram na distribuição do panfleto foram
identificados pelo assessor.
Em todo o ano de 1977, a ASI produziu informações sobre o movimento
estudantil. Os estudantes da UFV estavam cada vez mais articulados com o processo de
reorganização da UNE. E o monitoramento das assembleias locais, a discussão das
demandas estudantis, a participação de eventos fora de Viçosa, os nomes das lideranças
e suas propostas, as táticas de organização do movimento, enfim, tudo isso era
registrado pela ASI. Em documento enviado para o DSI-MEC e DPF-MG, o assessor
descreve o conteúdo de uma assembleia organizada no mês de setembro de 1977. A
discussão foi resumida pelo documento a partir dos termos revigoramento dos Centros
académicos da UFV, participação dos estudantes da UFV no 3º ENE323, ações dos
321
Ibidem.
322
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB HE - Delegacia de Polícia Federal em Juiz
de Fora (Minas Gerais). Identificação: participação dos estudantes no 3º Encontro Nacional dos
Estudantes.
323
Os Encontros Nacionais de Estudantes surgiram em 1975. Como eram organizados por áreas de
conhecimento, eles não eram proibidos. No entanto, por sua grande politização, esses encontros se
tornaram alvo dos órgãos de segurança. Renato Cancian (2008) aponta que o primeiro e segundo ENE
não foi reprimido pelos militares, ao contrário do terceiro evento, que, na perspectiva dos militares,
191
poderiam ser “deliberados os preparativos para a recriação da proscrita UNE” (CANCIAN, 2008, p.
110).
324
Ibidem.
325
Ibidem.
192
literatura subversiva, ter um irmão guerrilheiro e outro ministro e, por isso, julgava ser
fácil sair da prisão caso fosse detido. Sua relação com a universidade era informal, pois
sua matricula estava trancada. No entanto, ele tinha livre acesso ao DCE com os
principais “agitadores” do movimento. Fazia constantes referências elogiosas a Ernesto
Che Guevara e ao capitão Carlos Lamarca. Além disso, em um evento na UFV, o
indigenista Villas Boas foi “perturbado” pelo moçambicano a responder perguntas sobre
os guerrilheiros da Amazônia, que, segundo o assessor, causou constrangimento no
palestrante. Como ele estava ilegal no país, o assessor informou ao SNI e DSI-MEC da
necessidade de retirar logo o estudante do país.
Em 1978, o coronel enviou para a DSI-MEC e DPF-MG informações sobre a
situação recente do movimento estudantil da UFV. Existe uma completa desqualificação
do crescimento das forças estudantis. O coronel responsável pelo órgão de informação
interpretou a mobilização de reorganização da UEE e da UNE como um elemento
circunscrito às necessidades dos estudantes de esquerda, o que desvinculava,
necessariamente, a liderança das “massas estudantis”: “observa-se claramente que a
desorganização é patente, chegando os próprios dirigentes estudantis à conclusão de que
o órgão representativo da classe está totalmente divorciado do estudantado”326. Para
chegar a essa conclusão, o assessor buscou no jornal do DCE, O Bandejão, a alegação
de que o órgão estudantil identificava a divergência entre a liderança e os estudantes. A
desqualificação do Coronel Aguiar em relação ao movimento estudantil não parece
fidedigna. Se a participação dos estudantes fosse tão desorganizada quanto o assessor
sugere, não valeria o esforço da ASI-UFV em investigar o crescimento da mobilização
estudantil.
No mesmo ano, a ASI-UFV informou o DSI-MEC sobre um evento estudantil
organizado no cinema de Viçosa. Esse encontro teve a participação de deputados do
MDB e políticos locais. Esse tipo de evento estava totalmente na mira do assessor, pois,
segundo Motta, era necessário “evitar a abordagem de temas inconvenientes ou a
presença de conferencistas de oposição” (MOTTA, 2014, p. 218). Por esse motivo,
tornava-se estratégico para os estudantes buscar espaços fora da universidade para
debater temas sensíveis aos órgãos de segurança e informação. De acordo com o
assessor, o DCE tem “retomado a posição contra o regime vigente. Alegam que o
326
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR DFANBSB HE - Delegacia de Polícia Federal em Juiz
de Fora (Minas Gerais). Identificação: Eleições da diretoria do DCE.
193
327
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR RJANRIO V8 - Serviço Nacional de Informações.
328
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia
Federal. Identificação: Movimento grevista de 1979.
329
Ibidem.
194
graças à facilidade de comunicação com lideranças de outras cidades, tais como Belo
Horizonte, Juiz de Fora, Ouro Preto e até mesmo RJ e SP”330.
Nessa perspectiva, a organização da greve só foi possível pela indução dos
calouros a participar do movimento. Somado a isso, no plebiscito feito entre os alunos
para decidir a continuidade da greve, 40% deles foram contra o movimento. De acordo
com o Assessor, eles “souberam resistir ao processo coercitivo implantado pelos
diretores. Para ilustrar basta dizer que apenas eram entregue aos votantes cédulas com a
palavra ‘sim’”331. Por fim, o reitor convocou as forças militares para entrar no campus e
devolver a ordem. Enquanto os piquetes foram desfeitos, o assessor lamentou o efeito
reverso da invasão militar: “por solidariedade, essa maioria aderiu, chegando a quase
100% de adesão à greve”332.
Pode-se afirmar que os desentendimentos entre estudantes e militares em Viçosa
não eram inéditos. Em toda a ditadura, a existência de pequenos conflitos se seguiu, até
essa invasão policial que obteve o repúdio de toda a categoria estudantil. Depois que a
greve acabou e as negociações foram iniciadas com a reitoria, o trabalho da ASI
prosseguiu. O Cel. Ferreira encerrou seu relatório assim: “Com reuniões diárias entre a
administração da universidade e os estudantes, esses foram acompanhados de perto pela
Assessoria de Informações para posterior informação”333. Ou seja, os olhares dos órgãos
de segurança continuavam bem abertos.
Apesar dos esforços do assessor em manter a ordem na universidade, sua
atuação à frente da ASI foi questionada e o militar foi alvo de algumas denúncias que
quase o comprometeram. Conforme apontou Motta, “ao longo dos anos, alguns
funcionários e chefes de ASI foram afastados dos cargos, acusados de incompetência,
leniência ou corrupção” (MOTTA, 2014, p. 238). E na UFV o assessor ficou na mira de
seus inimigos.
A primeira denúncia foi feita pelo 3º Sargento da PM Jorge Teodoro –
responsável pelo contingente policial de Viçosa - “denunciando procedimento suspeito
por parte do chefe da ASI-UFV”334; apresentação feita ao promotor de justiça de Viçosa
por um detetive da cidade e, por fim, também foi denunciado por um vigilante da UFV.
330
Ibidem.
331
Ibidem.
332
Ibidem.
333
Ibidem.
334
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia
Federal. Identificação: Ministério do Exército.
195
335
Ibidem.
336
Ibidem.
337
Ibidem.
338
Ibidem.
339
Ibidem.
196
340
Ibidem.
341
Ibidem.
197
esse temor de parte da caserna em relação à distensão política, uma vez que ele aponta
que o crescimento da mobilização estudantil estava imbricado ao relaxamento da ASI-
UFV frente à subversão. Não há na documentação os desdobramentos dessas denúncias
contra o Cel. José de Ferreira Aguiar. De qualquer forma, ele continuou à frente da ASI
até sua extinção na década de 1980 e, posteriormente, tornou-se chefe da Divisão de
Segurança da universidade até sua aposentadoria.
342
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia
Federal. Identificação: Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais.
198
Como o pedido para o evento foi feito fora do prazo de 90 dias, o reitor negou a
solicitação dos estudantes, sendo permitido apenas o recebimento dos estudantes como
hóspedes. No fim das contas, compareceram seis estudantes, sendo três deles militantes
estudantis de Belo Horizonte.
Já no ano de 1976, o documento relata a prisão de dois estudantes estrangeiros
por uso de maconha. No dia em que eles foram liberados, os estudantes da UFV fizeram
um evento que, supostamente, seria em homenagem ao dia do soldado. Porém, na
verdade, os envolvidos cantaram “sátiras de músicas militares, em ritmo de samba,
343
Ibidem.
344
Ibidem.
199
inclusive o Hino Nacional Brasileiro, que, em certo trecho, falava-se ‘Puta Amada’ ao
invés de pátria amada”345. No relatório da PM, esse evento foi uma comemoração à
soltura dos estudantes presos.
O ponto alto do relato dos militares está em um desentendimento entre a PM e os
estudantes, conforme visto anteriormente no ofício da ASI-UFV em 1976. Durante uma
festa de uma república estudantil, a polícia foi acionada para conter a “bagunça” gerada
no evento. De acordo com o documento, “após uma tentativa de diálogo com o
responsável pela república, foram repelidos e desmoralizados pelos estudantes, ocasião
em que solicitaram a presença do sargento para solucionar o impasse” 346. A chegada do
sargento não melhorou o clima entre os jovens e os militares. Pelo contrário, de acordo
com o relato policial, ele foi agredido pelos estudantes. Para piorar a situação, os jovens
elaboraram um manifesto contra a atitude dos PMs no conflito daquela noite, além da
distribuição do texto para grande parte da população da cidade.
Os militares buscaram associar a reação estudantil à aproximação com o prefeito
da cidade, que pertencia ao MDB. Assim como o Assessor da ASI afirmou, o
documento da PM também culpa o prefeito Antônio Chequer pelos conflitos entre
estudantes e militares. Na verdade, a interpretação da Polícia Militar sobre esses fatos
era mais do que uma questão conjuntural. Dessa forma, segundo o documento, havia
uma orientação bastante clara do movimento estudantil em hostilizar as autoridades e
jogar para opinião pública:
345
Ibidem.
346
Ibidem.
347
Ibidem.
200
que, por acaso, também era militar 348. A falta de mais detalhes desse episódio abre a
possibilidade de levantamento de hipóteses sobre esse conflito. Possivelmente, a
presença de um militar à frente de um setor tão importante para os estudantes pode ter
alimentado a disputa entre o movimento estudantil e as autoridades. De qualquer forma,
o objetivo dos policiais consistia em mostrar o longo processo de radicalização dos
estudantes de Viçosa.
Em outubro de 1976, alguns alunos interditaram várias ruas da cidade de Viçosa,
de modo a “exigir dos motoristas uma cédula de propaganda política do candidato
apoiado pelo prefeito à prefeitura local, pertencente ao MDB” 349. No mês seguinte do
mesmo ano, após uma festa oferecida pelo prefeito de Viçosa, houve tumulto na porta
de uma boate da cidade. De acordo com o documento, “após intervenção policial,
resistiram aos apelos do Delegado de Polícia e demais policiais presentes para se
dispersarem e se manterem coesos, na tentativa de pressionar a ação policial em
curso”350. Depois de muita provocação dos estudantes, o mal-estar só foi resolvido com
a intervenção do delegado regional da polícia de Ponte Nova, que se deslocou para a
região a fim de evitar conflito maior. Dessa maneira, fica patente a dificuldade do
comando da polícia local em solucionar os problemas com os estudantes.
O comando da Polícia Militar deixou registrados os debates internos do
movimento estudantil de Viçosa no ano de 1976. De acordo com o texto, em “27 de
novembro de 1976, foi convocada uma assembleia estudantil para discutir o aumento no
preço das anuidades para o próximo ano” 351. Dessa forma, o relatório endossa “a
possibilidade de um posicionamento dos estudantes contra a medida”. Diante da
agitação dos estudantes, certamente, os militares mostravam preocupação. Embora eles
dissessem reagir com prudência diante da ousadia do ME, os militares cultivavam o
medo de perder o controle da situação: “paralelamente, a moderação e a tolerância da
polícia com os estudantes desordeiros têm enfraquecido a autoridade policial e
possibilitando, aos estudantes, maior disposição para resistir a ação policial” 352.
O movimento estudantil em Viçosa, até então, não causava muitas preocupações
aos órgãos de segurança. Para a Polícia Militar, o DCE da UFV que havia sido até
348
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia
Federal. Identificação: movimento subversivo no meio estudantil em Viçosa.
349
Ibidem.
350
Ibidem.
351
Ibidem.
352
Ibidem.
201
353
Ibidem.
354
Ibidem.
355
Ibidem.
356
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia
Federal. Identificação: Movimento Estudantil na UFV / Estação rádio emissora clandestina.
357
Ibidem.
358
Ibidem.
359
Ibidem.
202
360
Ibidem.
361
APUREMG, ata nº1. 1 de junho de 1963.
203
362
APUREMG, ata nº4. 16 de setembro de 1966.
363
APUREMG, ata nº5. 10 de maio de 1966.
364
APUREMG, ata nº6. 1 de novembro de 1966.
204
crise. Porém, diferentemente das outras reuniões, desta vez a pressão é para, além do
pedido de pagamento dos vencimentos atrasados, negociar uma possível federalização
da universidade365.
Novamente, o reitor Edson Magalhães foi chamado para conversar com os
associados na assembleia da Apuremg. Em sua fala, Magalhães disse ter voltado de
Belo Horizonte e entregue uma carta escrita pelo Conselho Universitário, que esclareceu
a situação financeira da UREMG. Em seu retorno da capital, o reitor mostrou-se
pessimista com os rumos tomados pelo atual governo em relação à universidade. De
acordo com a ata, “o reitor historiou a crise financeira do Estado, mostrando que não
existem esperanças de resolvê-la a curto prazo (...)”366. Sobre a federalização, tema
bastante debatido entre os associados, o reitor Edson Magalhães “disse ter sido
pessoalmente contra a federalização e historiou outras tentativas no mesmo sentido,
durante crises passadas”367. Neste ponto, o reitor mostrou algum apoio ao discurso pró-
federalização com algumas ressalvas, ao afirmar “que a federalização era a melhor
solução para o problema de atraso de salário, mas não a melhor do ponto de vista de
administração de uma instituição”368. Infelizmente, o reitor não explicou as razões pela
suposta dificuldade em administrar uma instituição dentro da rede federal de ensino
superior, porém, ele se mostrou preocupado com determinadas carreiras que eram
específicas da UREMG e que não existiam nas universidades federais, como os cargos
de extensionista e de pesquisador.
Outra preocupação da reitoria era com a possibilidade de perder parte do
patrimônio da universidade que pertencia ao estado de Minas. Além disso, o reitor se
queixou do grupo de trabalho organizado pela Associação para discutir ações a favor da
federalização. Magalhães argumentou que isso não competia aos associados, mas sim,
ao Conselho Universitário. Esse é um ponto que precisa ser reforçado. Antes mesmo de
a federalização ser uma discussão dentro do Conselho Universitário, os docentes, por
iniciativa própria, se mobilizaram em prol dessa questão. Montaram comissões,
discutiram em assembleia, convocaram o reitor para reunião, foram até o governador,
enfim, foi uma iniciativa da Apuremg.
365
APUREMG, 4ª seção. 20 de dezembro de 1966.
366
APUREMG, 5ª seção. S.d. Essa seção não foi registrada a data.
367
Ibidem.
368
Ibidem.
205
369
Ibidem.
370
APUREMG, 6ª seção. 24 de fevereiro de 1967.
371
Ibidem.
372
Um associado comentou que em 1962 um movimento semelhante a esse que surgia em 1967 logrou
bons resultados. Não foi encontrado no Arquivo Histórico Central nenhum indício desse movimento.
373
APUREMG, 7ª seção. 18 de março de 1967.
206
A UREMG, que tem sede em Viçosa está atravessando uma das mais graves
crises financeiras de sua história (...) Diante da gravidade da situação, a
Associação dos professores da UREMG declarou-se em assembleia
permanente, aprovou o encaminhamento de memorial ao governador Israel
Pinheiro e designou uma comissão de seis professores para vir a Belo
Horizonte e entregá-lo pessoalmente.
A comissão não conseguiu avistar-se com o governador cujos assessores a
encaminharam, sucessivamente, aos secretários da Fazenda e da agricultura e
ao vice-presidente do Conselho Estadual de Desenvolvimento, que também não
tiveram meios para resolver o problema ou apontar uma solução a curto prazo.
Mais tarde, em visita à sucursal de O Globo, os seis membros da comissão
informaram ser aflitiva a situação da UREMG, cujo reitor, professor Edson
Potsch de Magalhães, já esgotou todos os recursos ao seu alcance para evitar a
completa paralisação daquele centro de ensino superior. Segundo os visitando,
somente não foram afetados pela crise os programas realizados em regime de
convenio, principalmente com a Fundação Ford (...)
O orçamento anual da Universidade é de cerca de 6 bilhões de cruzeiros e, nos
termos da lei, esse dinheiro deve ser liberado pelo tesouro do estado (...) O
pagamento dessas verbas está suspenso, por dificuldades financeiras do estado,
e, em consequência, os professores da universidade estão sem receber há
quatro meses. (...) A comissão terminou fazendo ao governador, por intermédio
de O Globo, um apelo para que determine, com prioridade, a liberação das
verbas indispensáveis à normalização das atividades da UREMG374.
De acordo com um associado, “as publicações feitas pela imprensa sobre a crise
por que passa a UREMG provavelmente provocaram ressentimentos do governo para
com a UREMG”375. O professor, diante disso, “manifestou a opinião de que seria
melhor procurar com os novos secretários reestabelecer o clima de boa vontade para
com a instituição”376. Como ex-reitor da instituição, o associado Joaquim Campos
conhecia muito bem os meandros do poder. E isso estabelecia um dilema entre os
associados: manter a boa convivência com o poder, tal como era um hábito consolidado
na universidade – o conhecido “espírito esaviano” –, ou pressionar as autoridades a
modificar o panorama financeiro da instituição, ao mesmo tempo afastando qualquer
374
O Globo, 22 de novembro de 1966.
375
APUREMG, 8ª seção. 28 de abril de 1967.
376
Ibidem.
207
377
APUREMG, 9ª seção. 1º de junho de 1967.
378
Ibidem.
379
APUREMG, 10ª seção. 9 de junho de 1967.
380
APUREMG. 14ª seção. 11 de agosto de 1967.
381
Ibidem.
208
finalizado. A impressão era que, por alguns meses, houve certo alívio no tocante aos
atrasos salariais.
No ano de 1968, a situação financeira da universidade voltou a piorar. E o
debate em torno da greve para resolver o problema imediato da falta de salário e a
federalização para romper definitivamente com o governo estadual retornou entre os
docentes. Desta vez, os associados decidiram em assembleia realizar um estudo sobre a
questão financeira da UREMG e mostrar para o governo382. A iniciativa visava,
novamente, a sensibilizar as autoridades em relação ao problema dos salários e da falta
de estrutura proveniente da irregularidade do envio de recursos. Porém, diante do
agravamento da crise, a paralisação das atividades de ensino foi a solução encontrada
pelos docentes. A greve 383, que foi objeto de debate por tanto tempo na Apuremg, enfim
foi efetivada em 1968. Somado a isso, os docentes conseguiram marcar uma série de
reuniões com membros do alto escalão do governo estadual, principalmente para
analisar a proposta de federalização da UREMG.
Foi nesse contexto que foi criada na UREMG uma Comissão para a
Federalização. Formada por professores associados à Apuremg juntamente com o reitor
e diretores da universidade, a comissão saiu dos limites territoriais da instituição para
fazer política. Negociou com o governo do estado, com o Ministério do Planejamento,
Câmara dos Deputados e Senado. Os principais suportes políticos da comissão eram os
senadores Milton Campos e Arthur Bernardes Filho e o então ministro de Relações
Exteriores e ex-governador José Magalhães Pinto. De acordo com as atas da Apuremg,
“A este último foi entregue uma solicitação escrita para que fosse sustado o andamento
do processo da federalização da UREMG até que fosse conhecida a legislação
pertinente à Reforma Universitária” 384. Havia grande receio por parte dos docentes de
que modificações pudessem piorar ainda mais o panorama educacional vigente. No
entanto, a participação do reitor em uma Reunião do Conselho dos Reitores aumentou
ainda mais o desejo pela federalização. “Os reitores das fundações universitárias
federais encontravam-se eufóricos com o tratamento dispensado pelo governo federal às
suas universidades”385.
382
APUREMG, 15ª seção. 12 de fevereiro de 1968.
383
Infelizmente, os desdobramentos da greve de 1968 não foram relatados nas atas da Associação.
384
APUREMG, 18ª seção, 1968.
385
Ibidem.
209
386
Ibidem.
387
APUREMG, 9 de novembro de 1968.
388
Ibidem.
210
O magnífico reitor respondeu que não havia necessidade, pois isto seria uma
coisa evidente. O presidente da Apuremg alegou então que não havendo
obrigatoriedade legal para a suplementação, tudo dependeria dos dirigentes da
UFV e que de promessa estamos fartos; a situação deveria estar expressa no
preto no branco, no projeto de lei. (Nesta parte, o sr. Presidente foi
interrompido por palmas efusivas do plenário)391.
389
Ibidem.
390
Ibidem.
391
Ibidem.
392
Ibidem.
211
Apuremg lutasse por todos os meios para melhoria do anteprojeto atual – inaceitável
por nós – e adotasse medidas que achar necessárias” 393. Diante disso, foi colocada pelo
plenário a necessidade de expor à imprensa a situação da universidade e a posição dos
docentes contra a reitoria.
A federalização da UREMG movimentou os professores a se inteirar sobre o
contexto político nacional para lutar por seus direitos. Negociaram com políticos das
diferentes instâncias federativas e enfrentaram o projeto do Ministério do Planejamento,
que pouco mudava a situação da universidade. Pode-se afirmar que o engajamento da
Apuremg nesse contexto foi enorme, pois, no fim das contas, em 1969, a UREMG foi
federalizada e transformada em Universidade Federal de Viçosa. No entanto, os
docentes conquistaram suas demandas sem incomodar o poder ou oferecer ameaça ao
regime militar.
Certamente, a luta pela melhoria da carreira docente da UFV não terminou com
a federalização. Algumas pendências se arrastaram no ano de 1969. A universidade
tornou-se federal, porém, alguns professores e outros servidores continuaram no regime
antigo, vinculados ao estado de Minas Gerais. Essa dualidade gerou constrangimento na
universidade, uma vez que parte dos professores reclamava dos constantes atrasos
salariais. Dessa forma, a antiga Apuremg e atual Aspuv buscou negociar com as
lideranças universitárias e políticas uma solução para esse problema, que teve fim na
metade da década de 1970.
Portanto, ao analisar a atuação da associação docente no contexto da ditadura, o
comportamento político dos associados da Apuremg pode ser interpretado como
coerente com os jogos de acomodação analisados por Rodrigo Motta. Mesmo com
propostas de greve e a não aceitação dos termos para a federalização da universidade -
que supostamente incorria em subversão à ordem nos parâmetros do governo militar -
os professores buscaram deixar claro para as autoridades que suas ações não tinham
caráter político. Neste aspecto, os associados buscaram desvincular o interesse pela
classe docente de qualquer crítica ao contexto político nacional. Por outro lado, a greve
como instrumento de reivindicação e a indisposição de aceitar a federalização nos
termos do Ministério do Planejamento afastaram a Apuremg da adesão ao regime
autoritário, porém, sem resultar em resistência contra a ditadura.
393
Ibidem.
212
394
É bom deixar claro que acomodação no sentido aqui proposto refere-se ao comportamento político
descrito por Motta (2014) como dentro da dinâmica dos “jogos de acomodação”. Dessa forma, os atores
optam por propostas conciliatórias ao invés de enfrentar diretamente o sistema estabelecido, neste caso, a
ditadura militar. Por outro lado, a acomodação não pressupõe necessariamente aliança com o poder
instituído.
213
matriz política que contribuiu com essa interlocução de interesses entre a academia e o
poder. Por meio da documentação analisada, ficou evidenciado que a universidade
buscou se aproximar do campo político para alcançar ganhos científicos e institucionais.
Mesmo que a instituição não expusesse publicamente um viés político-partidário
específico, mostramos aqui que, em diversas situações, os dirigentes universitários se
comportaram próximos do poder. Na verdade, os cientistas pareciam em situação de
“dívida moral” em relação aos governos militares. Dessa forma, em retribuição às
conquistas para a instituição na vigência desses governos, os militares e seus aliados
foram bem recebidos na UREMG/UFV, principalmente em forma de homenagens e
honrarias.
É importante frisar que a adesão à ditadura na Universidade Federal de Viçosa
foi além da convergência nos setores econômicos ou em relação à política agrícola,
tendo a direção da universidade cooperado com o regime na repressão à oposição. A
instituição não se furtou a colaborar com os órgãos de informação do Estado,
principalmente em relação à Assessoria de Segurança e Informação (ASI-UFV), que se
interpôs entre o Estado e a instituição, produzindo informações para os outros órgãos de
segurança, tais como o DOPS, SNI e Polícia Federal. Enquanto o movimento estudantil
questionava e enfrentava a ditadura militar, a instituição apoiou ação repressiva e, em
nenhum momento, se solidarizou com seus estudantes em momentos de maior
enfrentamento com os militares.
Também, neste capítulo foi evidenciado que nem só de adesão se resume a
relação da instituição com o poder. A associação docente criada em 1963 sobreviveu no
tempo e lutou pela qualidade da carreira profissional docente. Embora sua atuação não
afrontasse diretamente os donos do poder, a associação adotou táticas de reivindicação
que não eram aceitáveis para a ditadura, como greve, divulgação da situação financeira
da universidade por meio da imprensa e a não aceitação do projeto de federalização do
Ministério do Planejamento. Por outro lado, os professores fizeram questão de
desvincular o movimento da federalização e a luta pela valorização salarial de qualquer
aparência de rebeldia contra o sistema. Adotaram, portanto, uma postura de acomodação
ao regime, ou seja, optaram pela negociação em busca de seus interesses sem
demonstração de compromisso com os militares.
Dessa forma, mesmo que as lideranças acadêmicas assumissem uma postura de
proximidade com o regime militar, o comportamento político dos atores que compõem
o campo científico está longe de ser uniforme. A mesma universidade que homenageou
214
militares e contribuiu com a repressão à oposição teve uma associação docente que,
embora mantivesse uma postura de aparentemente apolítica, correu riscos de bancar um
projeto que inicialmente não tinha o apoio dos militares. Além disso, a universidade
também tinha em seus quadros estudantes que desafiaram a ordem instituída, tema que
será analisado no próximo capítulo.
215
395
A complexidade da universidade como microcosmo social nos fez questionar se os estudantes de fato
fazem parte do campo científico. Se o objetivo do campo é a busca por sua autonomia, onde entram os
estudantes nesse jogo de poder? Na verdade, os estudantes também se utilizam do capital científico em
busca de seus interesses, seja para obter vantagens no incremento de sua formação acadêmica ou na
possibilidade de prosseguir com a carreira científica dentro ou fora da instituição. Muito além dessas
questões, os estudantes também estão inseridos nas disputas inerentes à relação da universidade com o
poder. As pressões oriundas do político também afetam o cotidiano estudantil, obviamente. Entender
essas nuances está no horizonte deste capítulo.
396
Revista Seiva, N.1 Agosto-Setembro de 1940. Ano I.
216
397
A maior parte dos alunos da ESAV vivia no internato da Escola. Dessa forma, a convivência era
bastante intensa, o que necessariamente aumentava a socialização entre os alunos e seu envolvimento com
a Escola.
217
No capítulo 1 desta tese, foi ressaltado o fascínio que Getúlio Vargas despertou
nos estudantes da ESAV. Na Revista, diversos textos do presidente foram publicados, e
a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial ao lado dos aliados foi muito
comemorada pelos estudantes esavianos. A paixão mostrada pelo governo Vargas está
diretamente ligada ao nacionalismo apregoado pelo ex-presidente. Isso certamente criou
um canal comunicativo entre o governo e os estudantes. Na verdade, a própria
caracterização das profissões agrárias estava conectada ao compromisso do profissional
com seu país. O agrônomo não era apenas um trabalhador que lidava com a terra, seu
papel consistia em gerar renda e desenvolver a economia nacional por meio do
desenvolvimento da agricultura. Isso explica como o discurso nacionalista agradava e
muito aos esavianos. Somado a isso, a luta contra o fascismo e a entrada do Brasil na
Guerra reforçaram a identificação dos esavianos com o presidente e, consequentemente,
com o próprio país.
Um parêntesis necessita ser aberto aqui para explicar a relação dos esavianos
com a política. Não é incomum encontrar nos discursos proferidos na instituição certa
aversão à política, pelo menos no que se refere à dinâmica partidária e institucional.
Enquadrado em uma concepção extremamente otimista em relação ao potencial de
desenvolvimento possibilitado pela ciência, o sujeito cingido com essa noção
automaticamente desconfia da política. Dessa forma, a política é interpretada como um
entrave ao desenvolvimento agrícola. No discurso do formando em agronomia José
Farah, de 1947, isso é bem explicitado. Segundo o estudante, a causa do êxodo rural
está relacionada “A indiferença e o menosprezo que liberais e governos devotam aos
assuntos do campo e da terra, determinaram o divórcio existente entre o homem e o
campo, gerando o êxodo rural” 399. A falta de investimento no campo e o consequente
aumento da pobreza rural afastaram o sujeito de sua atividade econômica principal: o
manejo da terra. Dessa forma, ele migra para a cidade. Para Farah,
(...) escolas não existem. Ouve falar em crédito rural e assistência financeira,
porém, não conhece o guichê dos bancos, a não ser para pagar promissórias
que emite a fim de custear os serviços de cultura agrícola. Por outro lado, as
tentações e os recursos, de que se ouve falar das cidades; os ordenados
398
Revista Seiva, N. 10. Outubro-novembro de 1942. Ano III
399
Revista Seiva. N. 28. Outubro-Novembro de 1947. Ano VIII.
218
400
Ibidem.
401
Ibidem.
402
Ibidem.
403
Ibidem.
404
Ibidem.
219
atitudes que façam a diferença. Para finalizar seu argumento, Melo sugere aos
formandos um princípio que estava no lema dos clubes agrícolas das crianças
americanas: “prometo sempre empregar a minha cabeça para pensar com mais clareza; o
meu coração para maior lealdade; as minhas mãos para trabalho mais intenso; e a
minha saúde para uma vida melhor para a comunidade e para a minha pátria” 405.
Em outra parte da revista que aborda a temática da política nacional sob o olhar
estudantil, um fragmento de texto do jornalista e filósofo católico Jackson de Figueiredo
sinaliza um pouco da visão política existente entre os estudantes. De acordo com o
fragmento,
O ponto mais importante dessa citação não é a questão da democracia em si, mas
o cristianismo. Tampouco significa que entre os estudantes a democracia não era um
valor relevante. A prova disso é o apoio irrestrito à entrada do Brasil na Segunda Guerra
e o discurso contra o fascismo. Se a democracia não era um valor permanente, o autor
reforça que a esperança do mundo está em Deus. Em outras partes do periódico, há
diversas menções sobre Deus e a fé cristã.
Portanto, o perfil do alunado da ESAV tendia a uma profunda identificação com
a pátria, com a Escola e, acima de tudo, com Deus. Estava em sua identidade como
estudante o “ser esaviano”, juntamente com a valorização do civismo, nacionalismo e o
catolicismo. O exemplo a seguir representa perfeitamente os fundamentos da identidade
estudantil no contexto da ESAV. De acordo com a Revista:
Entre instituições que educam para a harmonia universal, nossa Escola figura
com seu grande ideal de melhorar a semente, o animal e o homem. Em sua
marcha gigantesca de bandeirante moderna, tem a ESAV procurado abrir
sendas gloriosas à passagem do progresso nacional. Continuando sua marcha
pelo bem da agricultura e da pecuária nacionais, a ESAV entrega neste fim de
ano mais alguns moços ao Brasil para que eles se gastem servindo à bela causa
de tornar a pátria independente. Todos partem saudosos, mas confiantes nos
405
Ibidem.
406
Ibidem.
220
A fim de verificar quais os que, por sua conduta social irregular, falta de
aplicação e aproveitamento nos estudos, se tornaram indesejáveis ao
Estabelecimento e deveriam ser afastados, salvaguardando-se assim o bom
nome, a integridade e a herança desta instituição410.
407
Ibidem.
408
Revista Seiva, N.2 Outubro-Novembro de 1940. Ano I
409
ATAS DA CONGRAÇÃO DA ESAV, 7 de dezembro de 1932.
410
ATAS DA CONGRAÇÃO DA ESAV, 13 de dezembro de 1932.
221
411
O Bonde. 1º de setembro de 1945. ACH/UFV.
412
Ibidem.
413
Ibidem.
222
palavra...) Pois bem, aqui estamos para materializar tudo o mais que dissermos acima,
com esta exceção”414. Essa orientação da direção não foi completamente acatada pelos
estudantes, que, em diversas publicações, analisaram o contexto político nacional.
No período imediato do pós-guerra, os estudantes traçaram uma análise da
conjuntura política mundial. O entusiasmo pelos Estados Unidos continuava,
juntamente com a crítica ao fascismo. De acordo com O Bonde,
414
Ibidem.
415
O Bonde, 8 de setembro de 1945. ACH/UFV.
416
O Bonde, 15 de setembro de 1945. ACH/UFV.
417
O Bonde, 14 de outubro de 1945. ACH/UFV
418
O Bonde, 22 de setembro de 1945. ACH/UFV.
223
419
O Bonde, 3 de novembro de 1945. ACH/UFV.
420
Ibidem.
421
O Bonde, 15 de junho de 1946. ACH/UFV.
224
É óbvio que os estudantes foram tomados por grande otimismo diante desse
panorama político. Após a Segunda Guerra, a impressão geral era que a democracia
poderia se tornar uma realidade generalizada no mundo. E o Brasil também parecia
entrar nos eixos, ainda mais com novos incentivos na área da agricultura: “Não há quem
ignore o quanto o nosso povo se acha sedento pelo desenrolar dos acontecimentos do
novo governo democrático” 423. Dessa forma, a perspectiva do O Bonde estava na
movimentação dos agricultores em prol dos seus interesses. O pensamento é bastante
simples: com o fortalecimento da democracia e o interesse da classe política em investir
no meio agrícola, resta aos agricultores se unir e buscar a transformação de seus
destinos:
422
O Bonde, 15 de junho de 1946. ACH/UFV.
423
O Bonde, 5 de outubro de 1946. ACH/UFV.
424
Ibidem.
225
comunistas são comunistas porque não experimentaram outra forma de governo que o
da extorsão monarquista, e por isso, não compreendem ou não querem compreender o
modo de pensar das repúblicas ocidentais” 425. Além disso, o autor prossegue, a “maioria
das republiquetas, da URSS para o sul, é democrática apenas na fachada. Nelas as
classes mais abastadas mandam e desmandam” 426. Não obstante, o jornal não deixa de
criticar as contradições existentes nas nações capitalistas. O autor chega a dizer que “O
capital no poder é igual à corrupção coletiva, compra de consciências, eludibriação das
massas”427. No caso do Brasil, o problema ainda é mais agudo:
Com o nosso Brasil a coisa muda um pouco. Somente 30% de sua população é,
funcionalmente, democrática, isto é, recebe os benefícios e exerce os direitos
de uma democracia. O restante é alijado desse sistema governamental por uma
acéfala lei eleitoral feita para uma minoria que se dá ao luxo de ler e escrever,
já que, nesta Pindorama, alfabetização não é gênero de primeira necessidade428.
425
O Bonde, 18 de junho de 1949. ACH/UFV.
426
Ibidem.
427
Ibidem.
428
Ibidem.
429
O Bonde, 15 de outubro de 1949. ACH/UFV.
226
É verdade que ao país não faltam programas de ação, como o Plano Salte e
outros. O que falta, no entanto, é a ação. O presidente Dutra mostra-se imbuído
da melhor boa vontade na solução de nossos magnos problemas, mas é,
infelizmente, pouco apoiado pelos auxiliares430.
Em 1950, o pleito para presidente também foi alvo da atenção dos estudantes. A
manifestação do O Bonde não é clara, porém, é provável que a crítica endereçada no
texto tenha sido para Getúlio Vargas. De acordo com o jornal:
430
Ibidem.
431
Ibidem.
432
Ibidem.
433
O Bonde, 25 de março de 1950. ACH/UFV.
227
inspiração comunista e, por esse motivo, deveriam ser coibidos. Para O Bonde, “a
reunião foi pacífica e ordeira como o são todas as nossas reuniões coletivas (...). Foi
essa reunião fechada pela força. Foi violada uma casa do Estudante do Brasil, isto é, a
UNE”434. O autor lamenta o fato de que, no Brasil, qualquer manifestação se torna
perturbação da ordem pública ou é tachada de comunista. Diante da truculência da
polícia, os secundaristas foram até a ABI para expor o caso para a imprensa e também
foram expulsos. Não bastasse esse episódio, a matéria do O Bonde cita outro exemplo
de embate da classe estudantil e o poder: quando o estudante José Maria Rabello foi
preso pelo simples fato de criticar o governo.
É perceptível que o jornal discente da UREMG não se furtava a emitir opiniões
sobre o universo político brasileiro. Embora os comentários sejam espaçados entre um
exemplar e outro e bastante diluídos diante de vários assuntos, não se pode dizer que os
estudantes estavam alheios aos problemas nacionais. Um bom exemplo disso está na
análise do governo Café Filho, em 1955. O segundo governo Vargas havia acabado
recentemente com a morte do petebista. Mesmo diante da crise econômica e da
repercussão negativa diante do suicídio de Getúlio Vargas, os estudantes teceram
elogios à tentativa de Café Filho de baratear o custo do ensino no país:
Acreditamos na sinceridade com que falou o chefe do Estado, que, como todos
os que são produtos do próprio esforço, deve ter enfrentado numerosas
dificuldades para poder instruir-se. (...) O que parece razoável é ele ir ao
encontro da iniciativa particular, onde quer que esta se exerça honestamente no
preparo e formação da mocidade. Aí, caberia, talvez, uma subvenção, ou coisa
que a isto se assemelhe, no sentido da redução das taxas e demais despesas que,
de ano para ano, são surpreendidos os pais de família. Tabelar o ensino, como
ridiculamente pretendeu a famigerada Comissão de Preços, não entra na cabeça
de ninguém. O ensino é coisa delicada demais para ser confundido com
toucinho e artigos outros tabeláveis435.
434
O Bonde, 31 de maio de 1950. ACH/UFV.
435
O Bonde, 30 de abril de 1955. ACH/UFV.
228
436
Ibidem.
437
Ibidem.
438
O Bonde, 15 de outubro de 1955. ACH/UFV.
229
439
Ibidem.
440
Tribuna Acadêmica. Nº 3, março de 1954. ACH/UFV.
230
significar qualquer ameaça. No entanto, o texto de Hans Rappel acerta em cheio tudo
aquilo considerado importante para a Congregação da Escola. Em primeiro lugar,
Rappel ataca a tradição da ESA, não a tradição do nome ou dos feitos dos pioneiros,
mas o vazio dessa trajetória sem aplicação aos reais problemas da instituição ou da
agricultura brasileira. Em segundo lugar, o autor ataca a administração da Escola,
considerada ultrapassada e insensível às necessidades da sociedade. Em terceiro, Rappel
denuncia o Serviço de Extensão e a ineficácia da ciência produzida na Escola para
alcançar os mais necessitados. O efeito desse texto não poderia ser mais negativo para
os professores e dirigentes da Escola.
No entanto, a punição dos autores não foi pela publicação do texto, pelo menos
de acordo com os representantes da Congregação da ESA no Conselho Universitário.
Segundo a ata do órgão máximo da UREMG,
441
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 25/1954.
442
APM/DOPS/MG. Pasta: 0002 (Comunismo). Imagem: 35.
443
Ibidem.
231
444
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG. Ata nº 25/1954.
445
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG. Ata nº 37/1956.
232
446
Há de se questionar se a escrita de Arthur Poerner não estaria mais próxima de um trabalho
memorialístico do que da historiografia propriamente dita. Obviamente, a abordagem de Poerner está
mais para a defesa da UNE do que um esforço historiográfico de selecionar a documentação, interpretar
seus vieses e, assim, produzir um conhecimento historicamente relevante. Porém, o pioneirismo do autor
associado ao seu trabalho com as fontes o coloca próximo à historiografia, ainda que sua narrativa esteja
carregada de compromissos ideológicos que sem dúvida estruturam sua interpretação e impediram o
distanciamento do autor com seu objeto de análise. Mesmo assim, a alcunha de clássico permanece e sua
relevância não pode ser menosprezada.
233
Esse algo mais que torna o estudante brasileiro muito mais maduro,
politicamente do que o seu colega europeu ou norte-americano consta de uma
profunda decepção quanto à maneira como o Brasil foi conduzido no passado,
de uma violenta revolta contra o modo pelo qual ele é dirigido no presente e de
uma entusiástica disposição de governá-lo de outra forma no futuro
(POERNER, 2004, p. 39).
É possível afirmar que uma das características centrais dos trabalhos dedicados
ao tema do movimento estudantil brasileiro é a ênfase na autonomia ideológica
e no desvinculamento social do movimento, perdendo-se, assim, a relevância
crucial de sua adscrição [condição que está dependente, sujeição] de classe
(MARTINS FILHO, 1986, p. 9).
Nesse aspecto, Martins Filho busca superar a ideia da militância estudantil como
revolucionária, uma vez que ele parte do pressuposto de que existe relação direta entre o
radicalismo estudantil e as aspirações da classe média. Conforme citamos, o autor retira
o caráter quase místico do radicalismo sobre os ombros do movimento estudantil. Para
descrever melhor essa ideia, Martins Filho identifica que, antes de 1930, os estudantes
eram majoritariamente oriundos da burguesia comercial. Há uma mudança substantiva
com a integração política da classe média nos anos posteriores à Revolução de 1930. O
sistema político reconhece a possibilidade de a classe média influenciar as decisões
políticas. Neste aspecto, o sistema educacional torna-se o locus dessa integração. Isso se
acelera até a década de 1960, pois, segundo o autor, “camadas superiores e tradicionais
estavam cedendo lugar, na universidade, à crescente predominância dos estratos
médios” (MARTINS FILHO, 1986, p. 15).
Como consequência, a escolarização superior torna-se um instrumento da classe
média para a ascensão social de sua descendência. Somado a isso, o contato do jovem
com o conhecimento acadêmico, segundo o autor, não modifica a vinculação de classe
do estudante. Para João Martins Filho, a educação é reprodutora da hierarquia social. O
radicalismo estudantil, portanto, está sujeito à questão de classe. Para o autor, “as
relações que ele passa a estabelecer com seu projeto de carreira assumem importância
fundamental na formação da sua consciência radical” (MARTINS FILHO, 1986, p. 18).
Quando o estudante começa a perceber que seu horizonte se torna incerto e que sua
formação pode não ser suficiente para a ascensão social, ele se radicaliza.
A perspectiva de Luiz Antônio Cunha tem grande convergência com a análise de
João Roberto M. Filho. A radicalização estudantil é decorrente da insatisfação com as
235
447
O Bonde. 9 de abril de 1960. ACH/UFV.
448
O Bonde. 8 de outubro de 1960. ACH/UFV.
449
O nacional-estatismo aqui é entendido de forma semelhante a Reis (2014), quando aborda projeto
nacional-estatista com base na centralidade do Estado na sociedade, com amplo o apoio das classes
populares.
450
Esse jornal discente foi fundado em 1961. Ele tinha uma característica mais formal quando comparado
ao O Bonde, que foi extinto em 1963.
451
A Gazeta Universitária. 26 de maio de 1962. ACH/UFV
240
Em outro texto, o jornal Gazeta Universitária mostra, mais uma vez, a defesa da
necessidade da máquina do Estado para redução das desigualdades. O autor, na verdade,
critica o argumento liberal que associa os órgãos públicos aos comunistas:
452
Ibidem.
453
Ibidem.
454
O Bonde. 28 de maio de 1960. ACH/UFV.
241
455
Ibidem.
456
O Bonde. 13 de agosto de 1960. ACH/UFV.
242
Não foi encontrado nenhum outro documento que apontasse, naquele momento,
essa convergência do DAAB com a UNE. O mais importante é perceber o óbvio, neste
caso, que não havia unanimidade dentro do movimento estudantil e, também, que o
posicionamento a favor da UNE causava mais divergência do que aproximação na
UREMG.
Dentro desta perspectiva, é perceptível que no ano de 1962 houve maior
engajamento dos estudantes na universidade. A começar pela chamada “Greve do 1/3”,
que agitou o cenário universitário brasileiro naquele ano. Mesmo que na UREMG a
UNE estivesse longe de ser unanimidade entre os alunos, a campanha do “Um terço”
mobilizou os universitários da instituição, que, juntamente com diversos outros pares,
também resolveram cruzar os braços e deflagrar uma greve estudantil. Essa greve foi
motivada por um apelo por maior participação discente nos órgãos colegiados das
instituições superiores, que até então, estava restrita a 1/5 dos representantes. Porém o
conteúdo da greve não estava resumido apenas na questão da representatividade nos
órgãos colegiados. Martins Filho (1986) comenta que, de forma geral, estavam também
457
O Bonde. 6 de setembro de 1962. ACH/UFV.
243
458
Não há referências na UREMG/UFV de qualquer relação do PCB com o movimento estudantil. No
tocante à AP, também os indícios são escassos. Apenas algumas sátiras aos jucistas e apistas foram
encontradas na documentação consultada.
459
O Bonde. 19 de outubro de 1963. ACH/UFV.
460
Ibidem.
244
461
O Bonde. 26 de março de 1960. ACH/UFV.
462
A Gazeta Universitária. 7 de abril de 1962. ACH/UFV.
463
Ibidem.
464
A Gazeta Universitária. 26 de maio de 1962. ACH/UFV.
245
Além das demandas educacionais, a questão agrária também atraiu a atenção dos
estudantes. O tema foi reverberado no O Bonde e certamente reflete a preocupação dos
estudantes das ciências agrárias com a carência de políticas públicas para o campo. Em
matéria do Jornal O Bonde, um autor destaca que, das reformas debatidas no cenário
político, “a agrária constitui o ápice das discussões. Daí a necessidade de se analisar, à
luz da realidade e sem preconceitos políticos, as razões em que se baseia o desejo da
maioria da massa brasileira”468. A crítica do autor é ao teor ideológico que a reforma
agrária assumiu no país: “a reforma agrária passou a ter mais um sentido ideológico do
que realmente um meio para atender às aspirações socialmente democráticas de defesa
das classes economicamente menos favorecidas da sociedade rural” 469.
A reforma agrária ambicionada pelos estudantes, ou melhor, nas lentes do Jornal
O Bonde, estava distante do modelo requerido pelas esquerdas. Embora isso não
465
Ibidem.
466
O Bonde. 26 de setembro de 1956. ACH/UFV.
467
A Gazeta Universitária. 26 de maio de 1962. ACH/UFV.
468
O Bonde. 1º de setembro de 1963. ACH/UFV.
469
Ibidem.
246
estivesse escrito com “todas as letras”, um texto do deputado Armando Falcão 470 em O
Bonde elucida bem essa questão:
A reforma agrária deve começar pelo homem (...) De fato, tomar a terra dos
proprietários particulares a pretexto de distribuí-la aos trabalhadores do campo
significa, simplesmente, pôr abaixo toda uma estrutura que ai está – defeituosa
e falha, é certo, porém, responsável, em todo caso, pela produção de alimentos
e bens essenciais à vida de um povo e de uma nação. Implantar um sistema de
desapropriação que liquida o direito de propriedade é dar o primeiro passo à
efetiva instalação do comunismo. Não defendo um privilégio odioso, quando
peço respeito pela propriedade privada, porque ela é um direito legítimo e
natural, reconhecido e proclamado, abertamente, pela Igreja Católica. (...)
Mente quem sustenta que há um clamor pela “reforma agrária”, que é na
verdade a revolução vermelha batendo às portas do Brasil. O povo está
tranquilo e pacífico, exigindo, sim, uma ação governamental firme e
esclarecida, trabalho do poder público bem orientado e lúcido, não abalos nas
nossas estruturas básicas471. (...)
470
Armando Falcão foi por muito tempo deputado federal pelo PSD do Ceará. Na ditadura, filiou-se à
ARENA, tornando-se aliado dos militares. O auge da sua carreira política se deu em 1974 quando foi
nomeado por Ernesto Geisel ministro da justiça (1974-1979).
471
O Bonde. 22 de novembro de 1963. ACH/UFV.
472
O Bonde, 26 de outubro de 1963. ACH/UFV.
247
473
O Bonde, 22 de novembro de 1963. ACH/UFV.
474
Ibidem.
475
Ibidem.
476
Ibidem.
248
mantivessem críticos a seus estilos políticos. Porém, após o golpe de 1964, essa postura
política seria a mesma?
477
A lei definia o voto obrigatório dos estudantes nas eleições do DA. Os faltosos estavam impedidos de
fazer avaliações. Foi fixada também a proibição da manifestação estudantil de caráter político-partidária;
os conselhos departamentais fiscalizariam os órgãos estudantis nas universidades. Além disso, a União
Estadual de Estudantes e a UNE foram substituídas pelo Diretório Estadual de Estudantes (DEE) e
Diretório Nacional de Estudantes (DNE). (SANTANA, 2007).
478
Gazeta, 19 de junho de 1965. ACH/UFV.
249
479
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 105/1964.
480
ATA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UREMG, nº 118/1965.
481
Correio da manhã, 1º de setembro de 1965, p. 9.
482
Ibidem.
250
483
Ibidem.
484
A Gazeta Universitária, 18 de novembro de 1965. ACH/UFV.
485
Ibidem.
486
Ibidem.
251
487
Ibidem.
488
Ibidem.
489
A Gazeta Universitária, 17 de abril de 1966. ACH/UFV.
252
Mas qual o conteúdo desses materiais? Os cartazes podem ser divididos em dois
eixos críticos que incomodaram os militares: a crítica direta ao regime militar e os
ataques à relação do Brasil com os Estados Unidos.
A crítica ao regime militar se fez no seu aspecto mais óbvio possível, a saber, a
natureza do estado de exceção inaugurado em 1964. Neste aspecto, a censura e a
democracia restrita são os principais alvos dos estudantes. As seguintes frases que
foram encontradas nos materiais da Marcha resumem essa questão:
“Ela bem mansamente, você nem percebe qual mal ela traz. Quem? A
ditadura”; “O que faremos com nossos títulos de eleitores?”; “Os estudantes de
escolas militares recebem cama, comida e salário. Os outros estudantes pagam
cama, comida e taxas”; “Democracia no Brasil só nas quatro paredes de
Castelo”; “Brasileiros saudaram a revolução com a bandeira da Esperança e
hoje estão de tanga”; “Exigimos a devolução ao povo de seus direitos
490
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 17.
491
Correio da manhã. 16 de abril de 1966, p. 9.
254
fundamentais”; “Na vontade do povo será fundado toda autoridade, por meio
de eleições com voto em liberdade”; “Estudante pensou, o pau quebrou.
Estudante bambeia tá na cadeia”; Disse Rui Barbosa: eduquem-se os meninos e
não precisa castigar os homens. Então Castelo, por que baionetas?”; “Todo
poder vem do povo, não é adquirido com cassetetes, bombas, etc.”; “O governo
está redemocratizando o país: manifeste seu pensar e ganhe cela”; “Castelo é
branco e a fome é...”; “Estudante pede liberdade e democracia, recebe
pancadaria”; “Ordem e progresso - anarquia e regresso”; “Continuísmo não.
Democracia e liberdade sim”; “Estudante pede liberdade e democracia. E
ganha pancadaria”; “Restauração democrática = fome + cassetete = feijão –
carne + entreguismo”492.
492
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 18.
493
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 24.
255
Na narrativa policial, não faziam sentido as críticas dos estudantes aos Estados
Unidos e sua relação com o governo brasileiro. De acordo com o delegado, a grandeza
da universidade residia no próprio acordo com as agências americanas, o que parecia
um contrassenso qualquer ataque direcionado aos estrangeiros. Embora isso não tenha
sido colocado no relatório, a UREMG tinha um convênio assinado com a USAID e a
Universidade de Purdue. Recebia anualmente dezenas de cientistas americanos, e
muitos estudantes fizeram intercâmbio nos Estados Unidos e receberam bolsas de
estudos. Segue abaixo o relato do delegado:
494
Flávia Santana (2007) ressalta que a maior luta do movimento estudantil em 1966, ou seja, no ano da
Marcha Nico Lopes em questão, é exatamente o fim dos convênios MEC-USAID e a democratização da
universidade com a extinção da Lei Suplicy.
495
Ibidem.
256
496
Ibidem.
497
Ibidem.
498
Serviço de Imigração e Cidadania Americano.
499
Informativo UREMG. 12 de maio de 1966. ACH/UFV.
257
500
Ibidem.
501
O texto de Katya Braghini (2015) elucida a questão dos estudantes excedentes na década de 1960.
Com o aumento da população jovem na década de 1960, a autora aponta que o aumento da procura por
vagas nas universidades gerou um fenômeno de muita complexidade no meio estudantil. Os excedentes,
nesse aspecto, tinham nota média nos exames vestibulares, porém não conseguiam se matricular, uma vez
que o número de aprovados estava muito além da quantidade de vagas. Muitos estudantes ficavam de fora
e, por esse motivo, em 1967 o movimento estudantil denunciou essa situação caótica.
258
Fonte: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/dops/search.php
502
Rudolph Atcon foi contratado para propor alterações nas universidades. Visitou 12 instituições
públicas. Deu palestras e compôs um diagnóstico da educação brasileira, conhecido como Relatório
Atcon (CUNHA,1988). Resumidamente, em seu relatório, Atcon criticou a política salarial dos
professores, a interferência dos governos nas instituições e propôs maior influência das instituições
privadas na educação.
503
Foram selecionadas apenas 4 imagens de 11 no total. As outras realmente não têm nitidez suficiente
para qualquer análise.
504
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 34.
505
Ibidem.
259
Fonte: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/dops/search.php
Fonte: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/dops/search.php
506
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 35.
507
Ibidem.
260
Fonte: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/dops/search.php
Pelo conteúdo dos cartazes juntamente com o relato da PM, é perceptível que o
teor político da Marcha teve a mesma ênfase do ano anterior. No entanto, o relato do
delegado de Viçosa aponta maior grau de radicalização dos estudantes. Para os
militares, diferentemente das edições passadas, em 1967 houve maior degradação moral
– abuso de bebidas alcoólicas e linguajar chulo – e as críticas aos governantes foram
consideradas ofensas morais.
A Figura 5 retoma uma temática recorrente no movimento estudantil: a crítica às
trocas desiguais entre Brasil e Estados Unidos. De modo semelhante à Marcha do ano
anterior, a aversão ao capital estrangeiro e aos considerados “negócios da china” com os
americanos não saíram do discurso dos estudantes. Da mesma forma, a Imagem 2
reforça o mesmo argumento, nesse caso, em relação à Usaid. De maneira irônica, os
estudantes sugeriram a existência dos convênios MEC-Usaid como forma de abuso dos
Estados Unidos nas relações com o MEC. O termo “usai e abusai” dá a entender que
havia um imperativo do campo político brasileiro em aceitação aos ditames vindos da
América do Norte.
Em relação ao regime político, os estudantes não pegaram leve. Infelizmente a
imagem 3 está pouco nítida, mas é perceptível a associação que os estudantes fizeram
dos militares como gorilas, termo pejorativo bastante usado na época. Quando o
delegado relatou que os protestos na Marcha Nico Lopes traziam ofensas aos militares,
certamente esse cartaz estava incluído. Da mesma forma, os estudantes não aliviaram
para o governo estadual, liderado por Israel Pinheiro. A UREMG passava por uma
261
grave crise financeira e, em solidariedade aos professores que estavam com salários
atrasados, os estudantes ironizaram a má administração do governo mineiro.
Em 1968, o crescimento da politização do movimento estudantil e dos protestos
nacionais contra a ditadura impactou o maior evento dos estudantes da UREMG. Além
disso, a documentação do “Brasil Nunca Mais” (BNM) relata sobre o fechamento do
Diretório Acadêmico da universidade. Como na época não existia o DCE, mas, sim,
diretórios das Escolas da instituição, é certo que os três diretórios existentes tenham
sido definitivamente censurados pelo regime militar. De acordo com o documento,
aconteceram o “cerco e a invasão da UREMG com o fechamento do DA com
indiciamento de vários estudantes e expulsão de um. Qualificação de 11 estudantes no
IPM dirigido pelo Coronel Medeiros em Minas” 508. Não temos nenhuma outra
informação referente a esta primeira invasão da polícia militar no campus de Viçosa,
apenas esse trecho na documentação do BNM. Mas é importante ressaltar que o ano de
1968 foi emblemático para o movimento estudantil. Com as manifestações nacionais
contra a ditadura, em prol da reforma universitária e contra os convênios MEC-Usaid, a
repressão alcançou níveis preocupantes.
Mesmo assim, o movimento estudantil da UREMG não ficou inerte. Ainda em
1968, houve o episódio da ocupação da reitoria. Na documentação consultada no
Arquivo Histórico Central da UFV, não foi encontrado nenhum indício desse fato. Nem
na imprensa estudantil houve qualquer divulgação dos desentendimentos dos estudantes
com a reitoria. A única publicação sobre a invasão foi feita pelo jornal Correio da
Manhã. Segundo o periódico,
508
BRASIL: NUNCA MAIS – BNM 055, Doc 129. Brasil Nunca mais. Disponível em: http://
bnmdigital.mpf.mp.br/sumarios/700/665.html Ofensiva da ditadura sobre o movimento estudantil.
509
Correio da manhã, 20 de novembro de 1968.
262
chegou a esse ponto. Mesmo com as punições referentes à Nico Lopes de 1967, poucos
meses depois os estudantes enfrentaram as autoridades universitárias e lutaram por
aquilo que acreditavam ser o melhor para a instituição.
O aprofundamento do envolvimento político estudantil em Viçosa está
conectado com as demandas do movimento estudantil brasileiro como um todo. Como
salientou Rafael Hagemeyer, “o engajamento dos estudantes sob a ditadura militar pode
ser entendido como uma tentativa de construção de uma nova esfera pública”. Dessa
forma, “isso dependia da criação e do desenvolvimento de uma nova sociabilidade,
gerada na própria experiência da revolta, a partir do ataque ao regime militar e ao
imperialismo americano (...)” (HAGEMEYER, 2016, p. 33).
Nessa perspectiva, um grupo de estudantes da UREMG seguiu como
representantes do movimento estudantil de Viçosa no 30º Congresso Nacional da UNE
em Ibiúna. De acordo com o Relatório Comissão da Verdade em Minas Gerais, entre os
920 estudantes que foram presos por participarem do congresso, 84 eram universitários
matriculados nas instituições do estado de Minas 510. De Viçosa, participaram três
estudantes: Gildásio Westin Cosenza, Manoel Seito e Reinaldo do Carmo Neves.
Cosenza foi secretário do DA de agronomia e representante dos estudantes na
Congregação da ESA. Ele ficou três meses preso após o congresso e depois foi
libertado. Em 1969 foi preso novamente. Depois disso, tentou se matricular na UREMG
após esse tempo fora, porém, enquadrado no decreto 477511, ele não conseguiu voltar
aos estudos. Em seu depoimento ao Dops, o ex-estudante da UREMG afirmou ter lido
na universidade um folheto da AP, por isso se filiou ao movimento nas vésperas do
congresso de Ibiúna. Após a tentativa frustrada de retornar à UREMG, Cosenza mudou-
se para Goiânia e intensificou a militância da AP na capital de Goiás e em Brasília. Com
o aumento da vigilância sobre o movimento estudantil, o militante mudou-se para
diversas cidades para continuar sua atuação política sem ser reconhecido pelos órgãos
de segurança do Estado.
Em seu depoimento à justiça militar, Cosenza declarou aos militares os motivos
que o levaram a ser perseguido pelas autoridades policiais. O militante da AP, de forma
bastante destemida, declarou que “a própria lei lhe foi negada, pois não conseguiu
510
COMISSÃO DA VERDADE EM MINAS GERAIS, 2017, p. 1223.
511
O decreto-lei nº 477, de 26 de fevereiro de 1969, previa a punição de estudantes que cometesse
qualquer ato considerado subversivo no ambiente universitário. Esse decreto foi considerado o AI-5 das
universidades, tamanho alcance de cerceamento no meio estudantil.
263
estudar, tendo sido vítima de atos ilegais, que acredita isso, devido à sua atuação como
representante dos estudantes no movimento estudantil (...)”512. Dessa forma, Cosenza
expôs ao juiz as ideias pelas quais ele, como militante, acabou sendo perseguido pelos
órgãos de segurança. De acordo com o militante,
(...) foi devido às suas ideias e constatações de uma realidade que começava
com a quase impossibilidade de estudo daqueles que não têm recursos
financeiros, da péssima qualidade do ensino nos diversos níveis, de sua posição
contrária desde a Lei Suplicy de Lacerda, Decreto 477, que vedava aos
estudantes o direito de associação e livre expressão de ideias513 (...)
Além disso, Cosenza teceu críticas às relações do Brasil com os Estados Unidos.
Em toda documentação consultada em relação ao movimento estudantil de Viçosa, essa
é a única menção crítica à presença norte-americana na instituição por meio do
Convênio Purdue-UREMG:
512
BRASIL: NUNCA MAIS – BNM 014. Brasil Nunca mais. Disponível em: http://
bnmdigital.mpf.mp.br/sumarios/700/665.html.
513
Ibidem.
514
Ibidem.
264
escondidos pelos professores numa caixa d’água que estava sendo construída
em um morro ao lado da Universidade, enquanto as tropas revistavam o
campus todo. Depois, fomos para ficar escondidos em um cafezal, e um dos
professores, professor Leonardo, arrumou um carro e nos tirou do campus515
[...].
Não foi encontrado nenhum outro documento que corrobore a versão narrada
pelo ex-militante da AP. Certamente, o impacto desse episódio na comunidade
universitária não pode ser ignorado. Era bastante recente a primeira invasão militar, que
teve como justificativa a Marcha Nico Lopes de 1968. O outro aspecto importante é
observar a banalidade dessa ofensiva dos militares na universidade. A distribuição de
panfletos seria suficiente para atrair a ação repressiva dos órgãos de segurança na
instituição? Possivelmente, o foco da ocupação teria sido a presença de Gildásio
Cosenza no campus da UREMG. Como ele tinha participado do congresso em Ibiúna,
as autoridades poderiam, de alguma forma, supor que o estudante poderia voltar à
Universidade e continuar seu trabalho político.
Ainda sobre os embates do ano de 1968, uma pichação 516 no fórum da cidade de
Viçosa foi utilizada como manifestação de protesto contra a ditadura. O juiz do
município enviou um ofício para as autoridades policiais informando o ocorrido.
Segundo ele, “(...) o prédio do fórum local foi, maldosamente, pichado por estudantes
com os “slogans” costumeiros alusivos à extinta UNE e na porta principal a seguinte
inscrição: ‘QG DA DITADURA’” 517. Esse episódio ocorreu em outubro de 1968, ou
seja, depois da Nico Lopes e da ocupação do prédio da reitoria. Isso indica que o nível
de desgaste dos estudantes com o poder instituído já estava nos limites. De certa forma,
todo esse clima de pressão pode ter contribuído para a invasão policial no ano seguinte,
conforme citado anteriormente:
Figura 9: “O povo na luta vence a ditadura”518
515
COMISSÃO DA VERDADE EM MINAS GERAIS, 2017, p. 121.
516
A repercussão das pichações em Viçosa foi a pior possível. Grande parte da população lamentou muito
o fato, considerando o ato político um vandalismo ao patrimônio da cidade.
517
APM/DOPS/MG. Pasta: 4988 (Viçosa), Rolo: 075. Imagem: 3.
518
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 4.
265
Fonte: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/dops/search.php
Fonte: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/dops/search.php
Figura 11: Viva a UNE. Abaixo a repreção (sic)520.
519
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 5.
520
APM/DOPS/MG. Pasta: 5063 (Viçosa), Rolo: 077. Imagem: 6.
266
Fonte: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/dops/search.php
Fonte: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/dops/search.php
521
Ibidem.
267
que os conflitos com as autoridades foram registrados. Dessa forma, não foram
encontradas informações sobre a militância estudantil em Viçosa nos anos de 1969 a
1975. Pellicciotta aponta que, entre esses anos, a repressão estava institucionalizada
contra o movimento estudantil. O AI-5 aumentou a capacidade coercitiva do poder
executivo, e a legislação autoritária foi incrementada com o decreto 477. Mesmo com a
desestruturação da UNE e com a possibilidade de expulsão das universidades por
“motivos políticos” a partir do Decreto 477, foi organizada uma resistência centrada nas
condições de ensino, com foco na qualidade formativa e crítica à gestão tecnocrática das
universidades.
522
A Gazeta Universitária. 9 de maio de 1965. ACH/UFV.
523
A Gazeta Universitária. 19 de junho de 1965. ACH/UFV.
269
524
A Gazeta Universitária, 17 de abril de 1966. ACH/UFV.
525
A Gazeta Universitária, 9 de junho de 1967. ACH/UFV.
526
A Gazeta Universitária, 26 de maio de 1968. ACH/UFV.
270
527
A Gazeta Universitária, 09 de junho de 1968. ACH/UFV.
528
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: BR RJANRIO V8 - Serviço Nacional de Informações.
529
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia
Federal. Identificação: Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais.
271
530
A Gazeta Universitária, agosto/setembro de 1966. ACH/UFV.
272
531
A Gazeta Universitária, 04 de novembro de 1966. ACH/UFV.
532
Ibidem.
533
A Gazeta Universitária, 07 de maio de 1967. ACH/UFV.
273
534
Folha de S. Paulo, 27 de agosto de 1977, p. 17.
535
A Gazeta Universitária, 20 de junho de 1967. ACH/UFV.
536
APUREMG, 10ª seção. 9 de junho de 1967.
274
537
A Gazeta Universitária, 07 de maio de 1967. ACH/UFV.
538
A Gazeta Universitária, 26 de maio de 1968. ACH/UFV.
539
Ibidem.
275
Logo, no nosso modo de entender, a razão da grande antipatia por eles resulta
do fato de que não acreditamos na sinceridade de sua ajuda, porque sentimento
que cada ano somos mais pobres, em virtude do domínio que exercem sobre
nós, não nos deixando nenhuma “chance” de melhoria, em face, sobretudo, do
“mercado de trocas” que mantém e estimulam entre nós540.
Se a crítica aos contratos com a Usaid era frequente, por que o mesmo não era
feito em relação à presença americana na UREMG? A resposta para essa questão não
está clara. Porém, a hipótese levantada nesse estudo identifica certa empatia dos
estudantes em relação ao Convênio Purdue. Diante de grande crise financeira que a
UREMG vivia na década de 1960, os recursos do Convênio ajudaram a manter a
universidade. As bolsas de pesquisa proporcionaram aos alunos a inserção na dinâmica
científica da universidade.
Pelo menos neste ponto, os pressupostos ideológicos dos estudantes ficaram em
segundo plano. Embora os acordos com a Usaid no âmbito educacional gerassem muita
dissensão entre os alunos, o Convênio Purdue não tinha o mesmo desprestígio. Muitos
professores norte-americanos que atuavam pelo programa entre as universidades
orientavam pesquisas de estudantes e lecionavam diversas disciplinas. De alguma
forma, a convivência com esses cientistas pode ter contribuído para que o convênio não
fosse encarado de forma negativa, embora ele também fosse financiado pela USAID.
Um episódio curioso elucida bem essa relação do estudante com o Convênio
com Purdue. A Gazeta Universitária noticiou o caso de um estudante da Universidade
de Purdue que, ao regressar para seu país, escreveu um texto com diversas críticas ao
modo de vida estudantil dos universitários de Viçosa. O artigo do americano ataca
também o modelo educacional da UREMG, com estudos excessivamente teóricos e
pouca prática. Além disso, o estudante americano pontuou que as regras sociais na
instituição eram muito rígidas. O pronunciamento oficial do DA da agronomia não
questionou, em nenhum momento, a natureza do programa entre universidades. A única
ressalva feita foi em relação ao indivíduo que passou meses na UREMG e redigiu o
texto considerado ofensivo:
540
A Gazeta Universitária, 24 de junho de 1968. ACH/UFV.
276
Fica o apelo do DAAB aos dirigentes de Purdue que, quando enviarem alguém,
enviem indivíduos um pouco mais educados, à altura da posição de seu país e
não meros desconhecedores de problemas tais como língua, geografia, história,
relações diplomáticas, vida social e cultural do país que os receberá. E, à
UREMG, apelamos no sentido de que, em próximos convênios, promova a
recepção de indivíduos, entregando-os a quem realmente mereça confiança,
para que no futuro próximo tais dissabores sejam evitados541.
541
A Gazeta Universitária. 23 de abril de 1967. ACH/UFV.
542
No UFV Informa, há várias menções de expedições do Projeto Rondon que tiveram a participação
macia de estudantes da UFV: 1º de novembro de 1978; 1º de fevereiro de 1979; 22 de fevereiro de 1979;
Também, em O Globo foi registrada a participação de estudantes viçosenses em expedições do Rondon:
4 de janeiro de 1971; 09 de junho de 1969.
543
UFV Informa. 16 de agosto de 1974. ACH/UFV.
277
544
Folha de S. Paulo, 19 de maio de 1977, p. 19.
278
545
Folha de S. Paulo, 15 de março de 1979, pg. 28.
546
Ibidem.
279
para reorganizar a Marcha Nico Lopes e utilizá-la como locus de manifestação contra o
regime autoritário, porém, sem abrir mão do caráter festivo e debochado do evento.
De fato, os estudantes estavam certos em não confiar que o fim das “leis de
exceção” daria maior liberdade para a realização da Marcha. A imprensa e os próprios
relatórios da Polícia Militar e da Polícia Federal demonstraram o desespero das forças
policiais com a grande mobilização estudantil no evento. Mais politizada que nos anos
anteriores, a Marcha teve como tema central o repúdio contra a posse do presidente João
Figueiredo. Cientes disso, os militares não permitiram que a passeata fosse para as ruas
da cidade, deixando-a circunscrita aos limites da universidade. No entanto, desde seu
passado mais remoto, nos anos 1930, a passeata começava na instituição até o centro de
Viçosa e, por isso, os estudantes não se limitariam à UFV. De acordo com a Folha de S.
Paulo,
547
Folha de S. Paulo, 18 de março de 1979, pg. 15.
548
Ibidem.
549
A carta aberta à população foi um manifesto pelo fim da ditadura, anistia ampla, geral e irrestrita,
convocação de uma assembleia nacional constituinte livre.
550
Ibidem.
280
551
Folha de S. Paulo, 24 de março de 1979, p. 13.
552
Folha de S. Paulo, 28 de março de 1979, p. 15.
553
Folha de S. Paulo, 29 de março de 1979, p. 23.
554
O Globo, 29 de março de 1979.
281
555
Ibidem.
556
Na visão de Angélica Müller, a grande imprensa teve grande participação nas manifestações estudantis
do final da década de 1970. De acordo com a autora, “podemos entender que a grande cobertura feita das
passeatas e rumos do ME tinha um sentido muito maior de pressão sobre o regime que propriamente de
evidenciar o ressurgimento do movimento” (MÜLLER, 2010, p. 154).
282
(...) Uma coisa que nós não conseguimos entender é que nós, estudantes, não
conseguimos ver que essa meia dúzia de estudantes, que programaram desde a
marcha Nico Lopes até a atual greve, estão todos loucos para serem eleitos na
UEE, que será daqui a poucos dias. No dia da marcha, disseram que seria uma
confraternização dos estudantes e na última hora nós vimos o que aconteceu,
sendo que mesmo com o policiamento na entrada da Universidade, fomos
induzidos à agitação. Será que nós não enxergamos que estamos sendo levados
à anarquia? É isso mesmo que eles querem559.
557
Folha de S. Paulo, 30 de março de 1979, p. 25.
558
Arquivo Nacional/Distrito Federal. FUNDO: Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia
Federal. Identificação: Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais.
559
Ibidem
283
Esta acusação tem como pressuposto que a grande maioria dos estudantes não
tem ponto de vista formado sobre a situação. Que são uma grande massa
amorfa e uniforme, a qual meia dúzia de “agitadores” podem manejar como se
fossem bonecos de barro irracionais. Colegas, para abandonarmos as salas de
aulas, os estudos, (nossa profissão) e assumirmos uma greve geral, cremos ser
necessário muito mais que seis “agitadores”. É necessário antes de tudo
consciência por parte de todos560.
560
Ibidem.
284
CONCLUSÃO
A memória relacionada ao regime autoritário construída após a
redemocratização transformou qualquer aliança da UFV com a ditadura em algo
distante, como se fosse de um passado desconectado com a rotina institucional do
presente. Em 2013, no auge das manifestações que movimentaram jovens de todo país
em prol de uma ampla pauta política, o movimento estudantil da UFV fez uma série de
protestos contra o discurso emergente em prol de uma nova intervenção militar no
Brasil. Uma das formas de protesto foi justamente cobrir de preto o monumento usado
para homenagear o presidente Médici. Depois de muitos anos, aquela parecia a primeira
vez que o tema universidade e ditadura era levantado na instituição. Poucos anos se
passaram depois desse episódio, e a memória da ditadura parece ser outra.
Diante disso, é possível dizer, sem exagero, que escrever a conclusão desta tese
no início de 2019 não foi uma tarefa fácil. Muito além das dificuldades que a própria
atividade acadêmico-científica apresenta, a questão política atual expõe a delicadeza de
estudar o tema ditadura militar no Brasil. Na atualidade, o resgate da memória do
regime militar expõe a mudança na percepção de grande parcela da sociedade quando o
assunto é a natureza autoritária desse governo. Todo desprezo ao caráter ditatorial do
período governado pelos militares passou a ser questionado por parte da opinião
pública. Pedidos de intervenção militar começaram a ser frequentes no país,
principalmente após as manifestações políticas de 2013. No contexto do impeachment
da presidente Dilma Rousseff, um deputado – e atual presidente do Brasil – saudou a
memória do torturador Cel. Carlos Brilhante Ustra. A impressão que tenho diante disso
tudo é que estudar a ditadura militar no presente momento é “remar contra a maré”.
A despeito disso, essa tese buscou apresentar, entre outras coisas, que o caráter
ditatorial do regime militar alcançou de forma aguda as universidades brasileiras, sendo
a UREMG/UFV um caso representativo dentro de um contexto maior. A aproximação
da instituição com o regime militar não se explica apenas pelo interesse da liderança
acadêmica à frente da universidade no contexto pós-1964. Foi analisado, no primeiro
capítulo da tese, que o ethos institucional vivenciado desde os tempos da ESAV
influenciou diretamente a prática política da instituição, que, por sinal, desenvolveu um
estilo bastante pragmático, sempre ao lado do poder. Dessa forma, sempre que possível,
os cientistas e líderes acadêmicos evitavam qualquer tipo de conflito com a esfera
governamental, excluindo as críticas públicas aos dirigentes políticos, mantendo em
aberto os canais de interlocução com o Estado, inclusive em momentos de crise.
286
apolítica, correu riscos de levar para frente um projeto que inicialmente não tinha o
apoio dos militares.
Se a adesão e a acomodação foram práticas recorrentes na Universidade, a
resistência ao regime militar também foi vivenciada na instituição pelo movimento
estudantil. O engajamento dos estudantes em Viçosa tem muitas semelhanças com o
movimento nacional liderado pela UNE. Com o golpe de 1964 e a ditadura, o
movimento estudantil em Viçosa também se radicalizou, porém com características
próprias da militância local. Mesmo que a luta contra o chamado imperialismo norte-
americano fosse um dos principais lemas da UNE, o Convênio Purdue-UFV não foi
criticado pelos estudantes da instituição. O Projeto Rondon, que sofreu muitas críticas
de setores do movimento, não deixou de ser apoiado pelas lideranças estudantis locais.
No tocante à relação dos estudantes com o as lideranças acadêmicas, houve
colaboração da administração em relação aos órgãos de informação do Estado. Porém,
na necessidade de afastar qualquer aparência de descontrole da situação em relação ao
campo político, os líderes também flexibilizaram suas ações com o movimento
estudantil. Sem dúvida, a principal referência das lideranças da universidade era a
preservação do capital científico. Manter a ordem interna e evitar embates com os
quadros estudantis, de alguma maneira, contribuía para isso. Acima de tudo, entre a
violência e a negociação, a interlocução conturbada entre a administração universitária e
o movimento estudantil marcou a história institucional no contexto estudado.
Destarte, essa tese não reforça o pensamento de que a universidade tenha sido
um ambiente quase exclusivo de oposição ao regime militar. A multiplicidade de
interesses deu a tônica na relação do campo científico com o poder. A necessidade da
universidade em preservar seu corpo docente em tempos de crise econômica, manter a
atividade científica e levar a cabo o projeto de modernização da agricultura criou um
ponto de interlocução da instituição com o governo dos militares. No caso de Viçosa,
essa foi a saída encontrada pelos cientistas para maior alcance do capital científico. E
*claro, por esta escolha, eles não ficaram livres de embates.
289
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