Sei sulla pagina 1di 62

RESUMO

1. A sociologia é o estudo dos fenômenos sociais, da interação e da organização


social.
2. A sociologia é importante para cada dia de nossas vidas, pois fornece
instrumentos para entender as forças externas que regulam nossos
pensamentos, percepções e ações.
3. A sociologia surgiu sob as condições de mudança associadas com: a) o
declínio do feudalismo e o aparecimento do comércio, da indústria e da
urbanização; b) o movimento intelectual conhecido como Iluminismo, no qual
a ciência e o pensamento laico sobre os mundos físico, biológico e social
poderiam prosperar; e c) o choque traumático e a mudança social brusca
decorrentes da Revolução Francesa.
4. O nome sociologia foi proposto pelo pensador francês, Auguste Comte, que
acreditaxia que a ciência da sociedade poderia competir com as ciências
naturais. Comte também sentia que o descobrimento das leis da organização
social humana poderia ser usado para reconstruir a sociedade de uma forma
mais humana.
3. I-ierbert Spencer na Inglaterra similarmente argumentava que as leis da
organização humana poderiam ser desenvolvidas. Essas leis iriam
concentrar-se no crescimento e na complexidade da sociedade, visto que
essas causas criavam pressões para: a) o aumento da interdependência e
troca entre as pessoas e organização de uma sociedade:
e b) o aumento do uso do poder para regular, controlar e coordenar as
atividades desses membros e unidades organizacionais. Spencer fundou
uma teoria sociológica conhecida como funcionalismo, em que a função de
uma estrutura social na manutenção da sociedade era enfatizada.
6. Ëmile Durkheim adotou as idéias de Spencer, mas deu continuidade à tradição
francesa de enfatizar a importância das idéias culturais para a integração da
sociedade. Como Spencer, ele era um funcionalista e acreditava que as leis
da organização humana poderiam ser descobertas, mas acrescentou à teoria
de Spencer a importância de se descobrir as causas e funções dos símbolos
que buscam integrar a sociedadc.
7. Karl Marx, um alemão que foi expulso de sua terra natal e que acabou se
estabelecendo na Inglaterra, enfatizou a natureza contraditória da sociedade,
inspirando uma teoria conhecida como a teoria do conflito ou sociologia do
conflito. Na opinião de Marx, as desigualdades na distribuição de meios de
produção armam o palco para a transformação da sociedade, pois as
pessoas sem os meios de produção se organizam para entrar em conflito
com aquelas que controlani a produção, que detêm o poder, e que manipulam
os símbolos culturais para legitimar seus privilégios. Ao contrário de Comte,
Spencer e Durkheim, Marx não acreditava no desenvolvimento de leis gerais
para a organização humana.
8. Max Weber, outro importante fundador alemão da sociologia, engajou-se
num diálogo vitalício mas silencioso com Marx, enfatizando que a
desigualdade é multidirnensional e não exclusivamente baseada na
economia, que o conflito é contingente em condições históricas e não é o
resultado inevitável e inexorável da desigualdade, e que a mudança poderia
ser causada pelas “idéias” assim como a base material e econômica de uma
sociedade. Ele também realçou que a sociologia deve olhar tanto para a
estrutura da sociedade como um todo para os significados que os indivíduos
conferem para essas estruturas. Como Marx, ele duvidava de que houvesse
leis gerais da organização humana, mas, ao contrário de Marx, ele sentia que
é necessário que sejam isentas de juízos de valor, ou objetivas, na descrição
e análise dos fenômenos sociais.
9. A sociologia norte-americana antiga adotava as idéias européias para
problemas específicos associados com a urbanização e a industrialização,
mas de fato iniciou duas importantes tendências: a) o uso ampliado das
técnicas estatísticas, quantitativas; e b) a proposta teórica conhecida como
Interacionismo, em que a ênfase é dada aos processos que sustentam e
transformam a sociedade, através de interações face a face.
1(1. A sociologia é agora uma área ampla e diversa que analisa todas as facetas
da cultura, da estrutura social, do comportamento e interação e da mudança
social.

No mundo contemporâneo, a ciência tornou-se o modo predominante para se


entender o universo. A ciência não é a ónica forma para isso, pois a religião, o
senso comum, a literatura, a poesia, as ideologias, a filosofia e a intuição pessoal
são também usadas para compreender o mundo. Assim, a ciência tem
concorrentes; e essa competição é mais intensa em algumas áreas do que em
outras. Alguns não-cientistas questionam as alegações dos físicos sobre como
o universo físico funciona; o mesmo é verdade para os químicos, bioquímicos e
biólogos. Entretanto, ainda que ocultamente, as crenças religiosas quanto ao
“creacionismo” freqüentemente se posicionam num patamar de hostilidade em
relação à concepção evolucionista darviniana da espécie. Na área social,
entretanto, a ciência dificilmente reina. (lis homens e suas criações -- sociedade
e cultura não são freqüentemente vistos como acessiveis ao estudo científico. E
há mais de 150 anos, desde a proposta de Auguste Comte (l830-1848), de que
a sociologia poderia ser uma ciência natural, que os próprios sociólogos
permanecem divididos nessa questão: a sociologia pode, ou deve, ser tomada
como ciência? Só porque Karl Marx e Max Weber questionavam as
possibilidades da sociologia científica é, que muitos sociólogos contemporâneos
(Halfpenny, 1982; Denzin,1970) também o fazem. Todavia, por ora, vamos
assumir que essa controvérsia sobre o status científico da sociologia não exista,
e examinar como a sociologia científica procede.

A NATUREZA DA CIÊNCIA

O objetivo da ciência é possibilitar-nos entender e acumular conhecimento sobre


o universo. O veículo para tais entendimentos é a teoria, que procura nos contar
por que os fenômenos existem e como eles funcionam (J. Turner, 1991). As
teorias científicas têm algumas características especiais que as separam de
outros tipos de explicações como as religiosas, as de dogma político e as
opiniões pessoais (J. Turner, 1985a).
Uma característica distinta das teorias científicas é sua abstração. Elas são
determinadas em termos muito genéricos porque o objetivo é explicar os
fenômenos,em todas as épocas e lugares. Por exemplo, a fórmula famosa de
Albert Einstein, E = mc2, não diz qualquer coisa sobre a emissão específica de
energia (E), ou o corpo da matéria (m), ou a velocidade da luz (c) num momento
específico no tempo; o que diz é que a energia, a matéria e a velocidade da luz
são fundamentalmente relacionadas em todos os tempos, em todos os lugares
e em todas manifestações de energia. Em resumo, essa equação revolucionária
e abstrata porque nasce além das particularidades e estados que é verdade em
todos os tempos e lugares em nosso universo. As teorias sociológicas também
podem ter essa qualidade. Por exemplo, como observei no último capítulo,
Herbert Spencer (1874-1896) propôs que com o crescimento populacional os
membros de uma sociedade se tornam mais diferenciados, levando a
fragmentações e especialização de grupos que são integrados por
interdependências e concentrações de poder. Esta teoria é também abstrata
porque não se retere ã uma população específica num ponto determinado do
tempo, mas a boas as populações em todos os tempos e lugares.
Uma segunda característica única das teorias científicas é que elas são sujeitas
a provas. lá foi inclusive dito que as teorias científicas existem para serem
refutadas (Popper, 1959, 1969), posto que o objetivo da ciência seja submeter
suas teorias a tantas provas quantas forem necessárias para se ter a segurança
de que a teoria não é facilmente refutada, e e, portanto, plausível. Pois se uma
teoria permanece intacta após repetidas confrontações de dados empíricos,
então é considerada por ora como a melhor explicação da “maneira” que as
coisas são. Quando as teorias resistem à prova de tempo — isto é, esforços
repetidos de contestação —, então se tornam provisoriamente aceitas como
verdade, como a “maneira” que as coisas realmente são (Popper, 1969).
Esse é o modo de funcionamento de toda ciência. Não é um processo
eficiente, mas éum meio de mantermos nossas teorias presas a fatos reais. Nós
defendemos ceticamente as teorias e constantemente as verificamos contra os
fatos. Compare essa proposta a formas alternativas para a compreensão do
mundo. Em interpretações religiosas, os poderes dos deuses e as forças
sobrenaturais são tidos como controladores do fluxo de acontecimentos, e há
uma suposição de que as coisas deveriam ocorrer; e, se essa visão não
corresponde àmaneira real pela qual os acontecimentos se desdobram, as
crenças no poder dos deuses ou a verdade das suposições não são contestadas,
como seriam no caso de uma teoria científica. Melhor, uma nova interpretação é
oferecida para sustentar as crenças. Similarmente, os preconceitos pessoais são
freqüentemente mantidos quando os fatos os contradizem; de fato, nós nos
apegamos aos nossos preconceitos e percepções porque eles nos confortam e
porque estamos acostumados a eles. As ideologias políticas têm essa mesma
qualidade; as pessoas apóiam-se em suas crenças políticas até mesmo quando
os programas defendidos em nome dessas crenças fracassam. Em
contrapartida, as teorias científicas são finalmente refutadas ou transformadas
quando elas não correspondem aos fatos empíricos.
As teorias não são casualmente testadas, embora freqüentemente
comecemos apenas com a intuição de que os dados correspondem à teoria.
Eventualmente a teoria deve ser avaliada de um modo sistemático, em termos
de alguns procedimentos genéricos, geralmente denominados de método
científico. A idéia geral por trás dos métodos da ciência é desenvolver
procedimentos imparciais para coletar dados e então especificar claramente o
percurso escolhido. Dessa forma, outros dados podem surgir e verificar que
fomos honestos e não cometemos quaisquer erros bobos ou impusemos
preconceitos. Sem dados nos quais possamos acreditar, ou ter confiança, não
sabemos se temos registros precisos dos acontecimentos nem sabemos se os
dados realmente se sustentam na teoria que estamos testando.

QUADRO 2.1 O Que Torna a Ciência Única?

1. A ciência não busca avaliar o que deveria, 5. A ciência usa métodos de


coleta de dados ou não deveria, existir ou ocorrer. que podem ser
contestados por outros
para certificar-se de que os dados
usados
2. A ciência busca apenas compreender para testar as teorias não são
parciais.
por que os fenômenos existem e como
eles funcionam, sem julgamentos de
6. A ciência acumula conhecimento
valor, quando as teorias encontram sustentação
consistente em testes empíricos e quando
3. A ciência gera determinada compreen- aquelas que não recebem tal
sustentação
são que desenvolve teorias abstratas e são refutadas ou modificadas.
isentas de juízos de valo; as quais expli-
cam o como e o porquê dos fenômenos.
4. A ciência então sujeita essas teorias à
verificação empírica, refutando-as ou
modificando-as se os fatos não correspondem a elas.

Assim, a ciência encontra a sociologia à medida que nós usamos teorias


para explicar o mundo social e, ao mesmo tempo, verificamos essas teorias com
fatos reais. Como as teorias são desenvolvidas e testadas, acumula-se
conhecimento e sabemos mais sobre o mundo social que nos cerca.

AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS

Seria bom nesse momento apresentar as grandes realizações da teoria


sociológica para explicar o comportamento humano, a interação e a organização.
Mas atualmente há pouco consenso sobre quais teorias são as melhores, e
tampouco existe entre os pesquisadores a iniciativa de testar cada uma de
nossas muitas teorias e ver qual parece melhor. De fato, a sociologia revela uma
tendência infeliz, para os teóricos, de criar teorias que não são muito acessíveis
aos testes e, para os pesquisadores, de coletar e analisar os dados sem prestar
muita atençao a teoria (Turner e Tumer, 1990). Assim, é triste mas verdadeiro
que os teóricos e pesquisadores tendem a seguir caminhos isolados. O lado
cético das teorias evidencia para a sociologia uma série de propostas teóricas,
interessantes apesar de muitas vezes nao verificadas empiricamente, para
interpretar os fatos no mundo social (Ritzer, 1975, 1988; J. Turner, 1991). Deixe-
me esboçar amplamente algumas das mais importantes dessas propostas,
deixando para capítulos posteriores as teorias específicas que foram
desenvolvidas dentro dessas amplas perspectivas. Nós já encontramos algumas
dessas perspectivas quando discutimos a emergência da sociologia no capítulo
anterior. Aqui seremos mais explícitos nos elementos fundamentais dessas
amplas propostas (1. Turner, 1991).

Teorização Funcional

A teoria funcionalista foi criada por l-lerbert Spencer e retomada por Êmile
Durkheim no século XX. Durante certo período dos anos 50, esse tipo de teoria
dominou a sociologia; agora, representa apenas uma das diversas propostas.
Todas as teorias funcionalistas examinam o universo social como um sistema de
partes interligadas (Turner e Maryanski, 1979). As partes são então analisadas
em termos de suas conseqüências, ou funções para o sistema maior. Por
exemplo, a família seria vista como uma instituição social básica, que ajuda a
manter a sociedade maior, regulamentando o sexo e unindo os adultos, e
socializando os jovens para que eles possam se tornar membros competentes
de uma sociedade. Alem disso, pode-se examinar qualquer estrutura — isto é,
sua atual faculdade ou universidade em termos funcionalistas basta fazer uma
única pergunta: como algum aspecto de sua escola
— conjunto de estudantes, grêmios e~ (issociações, diretório acadêmico, classe,
corpo docente, administradores etc. — contribui para o funcionamento do
sistema global?
A maioria das teorias funcionalistas postula “necessidades ou “requisitos”
do sistema. Quando isso é feito, uma parte é examinada com respeito a como
se preenche uma necessidade ou requisito do todo. Por exemplo, muitos
sistemas sociais têm necessidades de tomar decisões, coordenar pessoas e
alocar recursos; portanto, se issO constituísse um requisito básico, alguém
perguntaria: que partes do sistema preenchem essas necessidades
relacionadas? E então nós explica ríamos como uma parte específica—por
exemplo, o governO, se o nosso sistema central é uma sociedade— funciona
para preencher essa necessidade básica.
Há muitos problemas com teorias funcionalistas. Um dos mais importantes
é que elas freqüentemente vêem as sociedades como demasiadamente bem
integradas e organizadas (Dahrendorf, 1958, 1959). Assim, se toda parte do
sistema tem uma função ou preenche uma necessidade, as sociedades
pareceriam ser máquinas de movimento suave e bem lubrificadas. Todos nós
sabemos, é claro, que isso não é verdade, pois o conflito e outros processos
“disfuncionais” também existem. Contudo, teorias funcionalistas ainda têm um
atrativo porque elas nos levam a ver o universo social, ou qualquer parte dele,
como um todo sistêmico cujos elementos constitutivos funcionam em conjunto;
ou seja, o funcionamento de cada elemento tem conseqüências sobre o
funcionamento do todo.

Teorias do conflito

Karl Marx e Max Weber foram as origens intelectuais de teorias sobre o conflito,
embora outros sociólogos antigos também vissem o mundo social segundo suas
contradições. Ao contrário das teorias funcionalistas, que enfatizam a
contribuição das partes para um todo maior, as teorias do conflito vêem os todos
sociais cheios de tensão e os contradições (Collins, 1975). Embora haja muitas
teorias distintas sobre o conflito, todos partilham um ponto em comum: a
desigualdade é a força que move o conflito; e o conflito é a dinâmica central das
relações humanas. De fato, seria difícil não notar as tensões e os conflitos que
emanam da desigualdade. Por exemplo, em sua aula de sociologia há uma
contradição inerente entre voce e seu professor sobre um elemento básico: sua
nota. O professor controla a nota, e isso significa que ele tem poder sobre você.
Você está, então, numa situação de grande desigualdade, e a tensão está
apenas sob a superfície. Se não consegue a nota que você queria, você pode
ficar contrariado, e, se você pudesse, faria algo para reverter a situação. A
mesma força básica funciona em todas as relações sociais entre atores distintos,
como indivíduos, grupos étnicos, escritórios e pessoal num escritório, classe
social, ou nações.
Ao olharmos ao redor de nossa própria sociedade, vemos os efeitos da
desigualdade que a contradição produz em todo lugar Os trabalhadores e
gerentes nas empresas freqüentemente estão inquietos; as pessoas pobres
agridem as pessoas ricas; as mulheres se ressentem dos salários mais altos e
poder que os homens têm na sociedade; as minorias étnicas se ressentem com
o status de “segunda classe” que lhes é dado; e assim vai. Todas essas fontes
de contradição que se manifestam em formas distintas de conflito—crime
violento, desordens, protestos, manifestaçoes, greves e movimentos sociais —
originam-se da distribuição desigual de recursos valorizados pelas sociedades,
como dinheiro, poder, prestígio, moradia, saúde e empregos. O conflito é,
portanto, uma contingência básica da vida social; ele é potencialmente sentido
em todo lugar, desde as relações interpessoais entre homens e mulheres,
passando pela exigência de interações entre diferentes etnias, até os
ressentimentos contra o poder dos pais, professores e empregadores.

Teorias íuteraccionistas

Ë bom falar sobre “partes”, “todos”, “funções”, “desigualdades” e “conflitos”, mas


o que dizer das pessoas reais que devem se encarar e lidar umas com as outras?
As teorias interacionistas tentam responder a essa questão, como veremos em
detalhe no Capítulo 5 quando retornamos ao trabalho de George Herbert Mead
(1934, 1938) e todos aqueles que foram seus discípulos. Por ora, deixe-me
esboçar a posição básica das teorias interacionistas.
Os homens interagem emitindo símbolos — palavras, expressões faciais,
corporais, ou qualquer sinal que “signifique” algo para os outros e para mesmos
(Goffman, 1959, 1961, 1967; J. Turner, 1988). Através de gestos simbólicos,
demonstramos nosso estado de espírito, intenções e sentido da ação; e
contrariamente, pela leitura dos gestos dos outros, obtemos um sentido do que
eles pensam e como eles se comportarão. Nós podemos até mesmo fazer isso
quando outras pessoas não estão fisicamente presentes — por exemplo,
quando você pensa em pedir mais dinheiro de um pai, reclamar de uma nota
dada por um professor ou encantar alguém por quem esteja interessado. Aqui
há uma troca de gestos em sua mente visto que você mentalmente interage com
essa pessoa. Assim, a vida social está mediada por símbolos e gestos; e usamos
esses gestos para nos entendermos uns com os outros, para criarmos imagens
de nós mesmos e das situações e construirmos uma idéia de situações futuras
ou desejadas.
Para os interacionistas, então, a explicação da realidade social deve emanar
da investigação meticulosa do micromundo dos indivíduos que mutuamente
interpretam os gestos, que constroem as imagens de si próprios e definem as
situações segundo certos princípios (Blumer, 1969; Stryker, 1980). As macro ou
grandes estruturas da sociedade — o Estado, a economia, a estratificação e
similares — são construídos e sustentados por microinterações (Collins, 1981,
1986); e para os interacionistas seria impossível entender o mundo social sem
investigar esses encontros no micronível. Pense nos seus gestos e nos das
pessoas que estão ao seu redor numa sala de aula, por exemplo. Ao caminhar
em direção à sua cadeira, como se desvia de seus colegas, como seus colegas
se comportam — antes ou durante as aulas — e, também, os meios pelos quais
os professores tentam se fazer entender Portanto, uma sala de aula “estruturada”
está repleta de gestos, interpretação e reinterpretação, e situações definidas na
perspectiva interacionista; você não é uma “abelha operária” que
obrigatoriamente segue o roteiro de conduta de uma sala de aula (embora isso
seja certamente relevante), porque você está constantemente emitindo sinais e
interpretando a fim de transformar e, às vezes, criar novos roteiros para a
interação. Dessa forma, o interacionismo é contrário às tendências que tomam
a “estrutura” e a “cultura” como exteriores aos atores sociais, tratando-os como
robôs.

Teorias Utilitaristas

Esse conjunto final de teorias fornece hipóteses para a compreensão dos


homens da moderna economia, que, por sua vez, adotavam as idéias centrais
dos filósofos escoceses, tais como Adam Smith (1776) durante a Era da Razão
(Camic, 1979). Aos olhos dos teóricos utilitaristas, os homens são racionais até
o ponto em que eles têm objetivos e finalidades; eles calculam os custos de
várias alternativas para atingir esses objetivos e escolher a alternativa que
maximize seus benefícios (ou o que os economistas chamam de “utilidade”) e
minimizar seus custos. Dessa forma, nós somos seres que tentam tirar algum
proveito de uma situação, ao reduzirmos nossos custos (Ilechter, 1987;
Coleman, 1991). Por exemplo, você pode calcular quanto trabalho você está
disposto a dispender (seu “custo”) a fim de receber determinada nota (seu
“benefício”) neste curso ou, se eu posso ser idealista por um momento,
conhecimentos que você pode usar durante toda a sua vida (a longo prazo, um
benefício muito mais compensador). Assim, todas as situações envolvem uma
“troca” de recursos: você abre mão de alguns recursos (seu custo) a fim de
receber algo que você percebe ser mais valioso (sua utilidade).
Assim, para os teóricos do utilitarismo, todas as relações sociais são, em
última análise, trocas entre atores que incluem custos a fim de obter benefícios
uns dos outros, ou seja, que calculam a relação custo-benefício. Seu professor
incorre num custo (energia e tempo para preparar as aulas, conversar com os
alunos, correção de provas etc.) a fim de receber um salário (da universidade) e,
talvez, sua lealdade e admiração. Da mesma forma, você vai as aulas, lê, pensa
e se submete às pmvas (seus custos) para receber notas, conhecimento, e talvez
uma mesada de alguém como seus pais (seus benefícios ou utilidades). Nós não
fazemos os cálculos conscientemente, na maioria das vezes eles estão
implícitos. Apenas quando não temos certeza do que fazer numa determinada
situação é que tomamos consciência dos cálculos flexíveis de custo-benefício.
Mas, finalmente, os utilitaristas argumentam que em instituições escolares você
troca tempo, energia e dinheiro por notas, diplomas e conhecimento, que você
calcula serem ainda mais valiosos do que vias alternatix’as para dispender seu
tempo, energia e dinheiro.
Para os teóricos do utilitarismo, a interação, a sociedade e a cultura são
finalmente criadas e sustentadas porque elas oferecem bons resultados para
indivíduos racionais. Esses resultados raramente são monetários; em geral, eles
são “posses” menos tangíveis —sentimentos pessoais, afeição, orgulho, estima,
poder, controle e outras moedas “suaves” que estruturam a sociedade. Pode-se
ver isso simplesmente observando uma situação em que você ficou zangado ou
feriu seus sentimentos; em tal situação, uma recompensa (freqüentemente não
monetária) não foi recebida proporcionalmente ao seu custo e investimento; esse
fato indica que, sob a superfície de seus sentimentos, estão implícitos cálculos
sobre custos e recompensas.
A Situação Atual da Teoria Sociológica

Há muitas variantes específicas dessas perspectivas teóricas.


Encontraremos algumas delas à medida que avançarmos na questão da
sociologia. Do ponto de vista da ciência, seria bom ter teorias mais centradas e
precisas que tenham sido sistematicamente testadas e que agora organizariam
essa introdução à sociologia. Mas isso não vem ao caso. Muitos sociólogos não
acreditam que isso possa ou deveria ser o caso (Seidman e Wagner, 1992). Ao
contrário, as teorias sociológicas atuais podem apenas nos ajudar a interpretar
aspectos específicos do mundo social, e então para o presente nossas teorias
não são como aquelas das “hard sciences” (Giddens, 1971, 1976, 1984).
A sociologia tem muitas partes de teoria, tipicamente inspiradas pelos
fundadores, mas a maioria não foi sistematicamente testada e aceita como a
melhor explicação do mundo social. Para alguns, os objetivos da ciência na
sociologia são ilusórios, e o sonho de Comte de uma ciência da sociedade é
apenas um sonho. Para muitos outros, a sociologia ainda não se tornou uma
ciência madura, mas seu potencial está presente nas idéias teóricas que foram
elaboradas através destas quatro perspectivas: funcionalista, de conflito,
interacionista e utilitarista. Além disso, há muitas teorias “menores” ligadas a
essas quatro e outras propostas mais genéricas, que nos ajudam a entender
muitos processos sociais, como veremos.
A sociologia, como as demais ciências, passa hoje por uma crise provocada
pelas transformações que estão atingindo o contexto social da vida humana. E
uma realidade de mudanças confusas e, às vezes, incontroláveis, que provocam
a alteração do papel social da mulher, modificam as relações de trabalho,
fortalecem o sistema capitalista e aumentam a flexibilidade no gerenciamento. A
globalização une os espaços e varre as distâncias, modificando o papel do
Estado-Nação e o comportamento das classes sociais. Essa nova ordem social
exige o repensar das categorias sociológicas. Diz lanni (1997:14): “Diante das
metamorfoses do objeto da sociologia, a teoria logo se vê desafiada, posta em
causa no que se refere a conceitos e interpretações. Não se trata apenas de
acomodar e reformular conceitos e interpretações. Trata-se de repensar alguns
fundamentos da própria reflexao sociológica. Há metamorfoses do objeto da
sociologia que desafiam as categorias de tempo e espaço, micro e macro,
holismo e individualismo, sincronia e diacronia, continuidade e descontinuidade,
ruptura e transformações. Nesse contexto, algumas categorias básicas da
reflexão sociológica abalam-se, parecem declinar ou emergem, desafiando a
imaginação”. Para Ianni, talvez um dos maiores expoentes da Sociologia
brasileira, a crise dos paradigmas provocada pela metamorfose das relações
sociais força um repensar das análises e categorias sociológicas.

MÉTODOS NA SOCIOLOGIA

Na ciência, os dados no mundo real precisam ser sistemática e cuidadosamente


coletados para que os procedimentos possam ser confirmados por alguém. F’ois,
se nós simplesmente descrevemos alguns dados sem dizer aos
outros conto e por quc esses dados foram coletados, ninguém pode nos checar
para ver se os nossos “fatos” são realmente verdadeiros. Assim, na ciencia uma
proposta de procedimento comum — o n11’tl)llo cít’uttWco — direciona a
pesquisa, ou a coleta e análise de informações sobre o mundo.
O método científico é freqüentemente percebido quando há etapas ou
passos, mas não deveríamos nos deixar influenciar demais passando a ver a
ciência como uma marcha para a Verdade e o conhecimento. Melhor, a prática
da ciência, ou a pesquisa, científica depende simplesmente da conformidade a
algumas regras (Babbie, 1992).
O primeiro passo é a formulação de problemas, a problemática da pesquisa, ou
o que se está tentando descobrir Isso pode soar óbvio, mas é fundamental
porque é preciso delimitar o foco da pesquisa. Caso contrário, andaremos em
círculo durante a coleta de dados. Na ciência, as problemáticas de pesquisa são
freqüentemente ditadas por uma teoria e um desejo de ver se a teoria é aceitável.
Na sociologia bem como nas cienctas mais avançadas, as razões de uma
pesquisa vão além da simples verificação de teorias. Uma razão para começar
uma pesquisa é simplesmente a curiosidade sobre algum aspecto do mundo.
Outra é o desejo de um cliente — uma agência governamental, uma corporação,
uma instituição de caridade — de obter informações sobre determinado tema.
Ainda outra é que uma pesquisa de caráter exploratório revela lacunas em nosso
conhecimento, ou estimula novas questões. Assim, enquanto a visão idealizada
da ciência veria toda a pesquisa como guiada pela teoria, a realidade é bem
diferente. Há muitas outras razões para se desenvolver uma pesquisa, e o
método científico pode ser facilmente adaptado a elas.
Um outro tópico importante no desenvolvimento da pesquisa é a questão do
que o pesquisador espera encontrar E sempre conveniente formular uma
hipótese, a qual pode ser criada a partir de uma teoria, mas não obrigatoriamente
sobre os resultados esperados. Dessa forma, os pesquisadores têm um critério
ou padrão com o qual confrontar suas descobertas. Sem uma hipótese para
orientar a coleta e análise de dados, ou pelo menos uma vaga idéia sobre o que
é provável de ser encontrado, fica mais difícil centralizar esforços; de fato,
reuniríamos informações desnecessárias, ou até mesmo irrelevantes em relação
à problemática da pesquisa.
Finalmente, depois de expor um problema e suas expectativas em relação
a ele, um plano de pesquisa é construído. Esse plano reúne o conjunto de
procedimentos ou técnicas para a coleta de informações visto que se relaciona
com a problemática de pesquisa e hipóteses de alguém. Há muitos tipos básicos
de técnicas, mas todas elas tentam expor claramente como a informação deve
ser coletada. A escolha de uma técnica depende de muitos fatores — a natureza
da problemática, a verba disponível e as preferências do pesquisador. Na
sociologia, há quatro tipos básicos de técnicas ou procedimentos empregados
na pesquisa: (1) experimentos, (2) levantamentos, (3) observações; e (4)
histórias. Cada um é brevemente resumido a seguir.

Experimentos

A idéia por trás de um experimento é testar o efeito de um fenômeno


particular em algum aspecto do mundo social, tipicamente as respostas das
pessoas aos estímulos ou situação específicos. O ingrediente-chave de um
experimento é o controle das influências externas que contaminariam a
avaliação dos pesquisadores dos efeitos dos estímulos centrais de uma
situaçao. No clássico procedimento experimental, isso é conseguido com dois
grupos:
(1)0 grupo experimental, o qual recebe o estímulo ou é exposto a uma situação
de interesse; e (2) o grupo de controle, o qual não recebe o estímulo ou não é
exposto à situação. As diferenças entre os dois grupos permitem que o
investigador determine quanto o estímulo ou a situação afetou os indivíduos.
Esse esquema clássico é raramente usado na sociologia, mas o objetivo de
controlar as influências externas ainda orienta a pesquisa. Um procedimento
experimental mais típico na sociologia isola os indivíduos do mundo externo, e
então observa suas respostas a um estímulo ou a uma situação particular de
interesse para os investigadores. Isolando temporariamente os indivíduos, algum
controle sobre as influências externas éconseguido e torna-se possível registrar
as respostas das pessoas a um estímulo ou situação. Por exemplo, digamos que
queremos examinar os efeitos de colocar indivíduos numa situação de poder Nós
isolaríamos um grupo de indivíduos num laboratório, planejaríamos uma tarefa
para eles executarem, e criaríamos uma situação em que um indivíduo tivesse
poder Observando e relatando as respostas, poderíamos examinar os efeitos de
ter poder Assim éa natureza dos experimentos na sociologia.

Levantamento

A técnica de pesquisa mais usual na sociologia são os levantamentos, em que


as pessoas são indagadas sobre um tema de interesse do pesquisador (Rossi
et ai., 1985). Essas perguntas podem ser feitas por um entrevistador que se
senta com o entrevistado ou, mais tipicamente, por um questionário que o
entrevistado simplesmente preenche. A validade dessa técnica depende de
alguns fatores. Primeiro, os entrevistados são a população inteira de interesse
ou, mais habitualmente, uma amostra representativa desta população?
Segundo, todos os entrevistados concordam em responder as perguntas?
Terceiro, os entrevistados respondem precisamente às mesmas perguntas?
Porém, na prática, esses três aspectos são geralmente difíceis de ser
congregados. Pode ser impossível de perguntar a toda a população, ou ela pode
ser de difícil acesso. Pode ser difícil de conseguir que todos respondam, porque
estão ocupados, desinteressados, esquecidos, ou até mesmo adversos a
intromissões em suas vidas. Pode ser que itens de um questionário sejam
interpretados diferentemente pelos vários entrevistados, ou, em se tratando de
entrevistas, os entrevistadores façam as perguntas num tqm diferente ou a
“química” da interação entre o entrevistador e o entrevistado produza respostas
diferentes. Se as amostras são suficientemente grandes, muitos desses
problemas são eliminados, ou se neutralizam. Contudo, ao ser usada
extensivamente, essa técnica revela outros prohlemas (Cicourel, 1964): ela
revela apenas o que as pessoas dizem, não o que elas podem realmente pensar
e fazer; estrutura as respostas dos entrevistados em vez de deixar que eles se
comuniquem àsua maneira; fica facilmente sujeita a mentiras e deturpações; não
examina facilmente os fenômenos que não podem ser confrontados com
perguntas. Os sociólogos, entretanto, empreendem essa técnica, porque é
rapidamente administrada e favorável à aplicação de estatística (Collins, 1984;
Lieberson, 1985, 1992). Além disso, os sociólogos estão freqüentemente
interessados no que as pessoas pensam, sentem e acreditam; e uma entrevista
ou questionário é uma maneira relativamente fácil de conseguir conhecimentos,
percepções, sentimentos e emoções superficialmente.

Observações

Às vezes o melhor é deixar os limites do laboratório experimental, desprezar o


questionário, e sair entre as pessoas em situações da vida real e observar o que
elas estão realmente fazendo. A técnica das observações faz exatamente isso
(Whyte e Whyte, 1984; Whyte, 1989): ela coloca o pesquisador numa situação
“natural”, na qual ele observa e toma nota do que vê. Nesse caso, nuanças,
contexto, interações, histórias e relações entre os acontecimentos podem ser
descobertos. Uma das técnicas de observação é a observação participante, em
que o pesquisador realmente se torna um membro do grupo, organização ou
comunidade que está sendo estudada. Como tal, o observador, além de estar
mais intimamente envolvido, pode realmente perceber o mundo de uma maneira
semelhante àquela que observa. Outro tipo de técnica de observação é a
observação discreta, em que o pesquisador nao participa diretamente como um
membro, limitando-se a observar o que está acontecendo. Esse tipo de
procedimento perde um pouco da intimidade e percepção possíveis na
observação participante, mas, em contrapartida, diminui a possibilidade de
influências que pode causar a presença do pesquisador no desenrolar dos
acontecimentos e, conseqüentemente, nos dados coletados para a pesquisa.
Freqüentemente, a observação antecede os levantamentos, porque ela
possibilita a formulação de questões que sejam compreensíveis para os
entrevistados. A grande vantagem da técnica da observação é que se está
investigando o mundo real, não as construções artificiais dos procedimentos
experimentais, ou as perguntas de questionarios e entrevistas (Whyte, 1989). A
grande desvantagem, entretanto, é que os pesquisadores podem ver coisas
distintas segundo suas subjetividades. Além disso, estudos por observação
dificultam a confirmação de que ocorre efetivamente o que o pesquisador diz que
ocorre, porque o grupo pode se extinguir, ou porque diferentes pesquisadores
observam ou estimulam respostas de formas diferentes.

Levantamento Histórico

As vezes queremos saber o que aconteceu no passado. Pode-se, é claro,


perguntar às pessoas nas entrevistas sobre seu passado, mas geralmente
queremos observar a longos alcances da história. É nesse ponto que a história
e a sociologia convergem. Todos os fundadores da sociologia — Spencer, Marx
e Weber, em particular — usaram a História para desenvolver ou ilustrar suas
idéias; e em décadas recentes ressurgiu o interesse pelo levantamento historico
para verificar e ilustrar teorias, ou para descrever o encadeamento dos
acontecimentos nas sociedades passadas. A pesquisa histórica pode extrair
seus dados da pesquisa prévia de historiadores que investigaram arquivos
empoeirados, ou dos dados dos arqueólogos que “escavaram” o passado; e, em
outras épocas, os sociólogos vão eles próprios aos registros ou ao sítio
arqueológico. A diferença principal entre a história e a sociologia histórica é que,
na maioria dos casos, a pesquisa sociológica está interessada em usar a historia
para verificar ou ilustrar uma teoria mais genérica, ao passo que o historiador
busca apenas descrever os fatos de uma época específica no passado. Embora
isso seja uma distinção vaga, captura o sentido das diferenças entre a história e
a sociologia. O grande problema em usar os registros históricos é que eles
sempre estão incompletos e sujeitos a diferentes interpretações (as quais, é
claro, garantem “empregos” aos historiadores); e, como conseqüência, a história
raramente pode fornecer uma “prova” definitiva e conclusiva de uma idéia
teoruca.
Uma vez que os dados são coletados por uma dessas técnicas de pesquisa,
eles são submetidos à análise. O tipo de análise depende da técnica de pesquisa
e da natureza dos dados, mas o objetivo é ser meticuloso, sistemático e
imparcial. Da análise virão nossas conclusões sobre o que descobrimos; e,
portanto, seria melhor estarmos atentos, pois outros nos tomarão como ponto de
partida e, conseqüentemente, verificarão nossas conclusões.
E um passo final no método científico é avaliar a aceitabilidade da hipótese
ou, se hipóteses não foram oferecidas, indicar o que os dados nos informam
sobre os fenômenos estudados.

avaliar a aceitabilidade de:

‘Ir Teoria nova ou existente

\ Formular uma
Interesses
dos clientes ~ problemática —ø. de pesquisa
Conjunto de / dados tornecidos pela pesquisa

Figura 2.1 Elementos do método científico.

Esses passos podem parecer simples bom senso, mas sao muito mais: eles
nos obrigam a ser sistemáticos, permanecer imparciais (ou pelo menos reduzir
nossos preconceitos) e deixar outros saberem o que descobrimos
e como descobrimos. Sem as diretrizes do método científico, não poderíamos
acreditar nas descobertas um do outro e não saberíamos como x’erificá-las e
reavaliá-las. Disso resultaria um conhecimento por “puro acaso” e geralmente
inexato; e não acumularíamos conhecimentos válidos sobre o mundo.

A cIÊNcIA EXCLUI O HUMANISMO?

Meus colegas sociólogos geralmente proclamam que a sociologia é “uma forma


de arte
A idéia genérica é que os sociólogos deveriam parar de aplicar questionários
impessoais e, em vez disso, entrarem contato com os trabalhos reais das
pessoas. Outrossim, deveríamos usar nossa intuição tanto quanto nosso
intelecto para extrair informação sobre o mundo. O dever da sociologia de usar
idéias conceituais genéricas é defendido, mas só quando essas idéias são
influenciadas pela nossa participação ativa com pessoas em situações da vida
real. Sabendo de antemão os interesses, dilemas, problemas e frustrações dos
indivíduos na sociedade, podemos usar nosso conhecimento teórico para ajudá-
los e tornar suas vidas melhores e mais satisfatórias. Os sociólogos que
defendem essa opinião acreditam que sua missão é diagnosticar as fontes de
tensão entre os indivíduos que prejudicam a organização social e então sugerir
possíveis soluções.
Muitos sociólogos profissionais dedicaram-se primeiramente à sociologia
por razões humanitárias. Eles sentiam que certas condições sociais estavam
erradas — discriminação sexual e étnica, a riqueza confrontada com a miséria,
infelicidade e alienação, e outros males sociais — e queriam minimizar esses
males. Afinal, essa foi certamente a motivação de Karl Marx e muitos outros
sociólogos. Eles queriam ajudar as pessoas e fazer um mundo melhor. Do
técnico mais meticuloso ao teórico mais criativo e conceituado, encontramos
motivações humanistas. E claro, esse fato significa que há sempre uma ideologia
rondando
o pensamento de um sociólogo. Às vezes esta ideologia é explicitamente
defendida, mas implícita ou explícita, a maioria dos sociólogos realmente
defende opiniões sobre “o que está errado com a sociedade” e uma proposta
genérica para “o que deveria ser feito a fim de resolver esses problemas”. E
verdade que ao mesmo tempo que somos realistas reconhecemos que é
impossível moldar a sociedade à nossa vontade e ardor. Além disso,
reconhecemos as tendências de nosso pensamento, e tentamos evitá-las ao
“fazer ciência”. De fato, algo geralmente acontece aos sociólogos durante o
percurso acadêmico, especialmente quando estão a caminho de um
doutoramento. De alguma forma, as motivações humanistas e o fervor ideológico
recuam cedendo lugar às habilidades técnicas e ao profissionalismo acadêmico.
Uma conseqüência disso é que os estudiosos que permanecem abertamente
humanistas e partidários tendem a ver os experimentos, estatísticas, métodos
científicos imparciais e teoria genérica como o “inimigo” número um dos seus
conceitos mais práticos. Eles tendem a ver a teoria e os métodos como uma
negação tanto das suas intuições nas situações estudadas quanto de seu desejo
em ajudar as pessoas.
Esse abismo aparentemente intransponível entre a intuição, por um lado, e
a pesquisa, por outro, é desnecessário. Nossas idéias, sentimentos e intuições
são fontes maravilhosas de dados sociológicos. Embora geralmente enfatizemos
os problemas metodológicos de tais dados — preconceitos e julgamentos
pessoais, impossibilidade de verificação empírica, por exemplo—, deveríamos
também reconhecer a grande vantagem que eles nos dão sobre os cientistas
naturais. Visto que somos homens estudando homens e suas estruturas de
organização social, podemos usar nossa intuição para obter informação. Nós
geralmente temos profunda intimidade com a nossa matéria numa medida que
um geólogo ou um tisico nunca pode ter. Em resumo, nossa intuição e nosso
sentimento podem nos dar uma verdadeira percepção sobre o que está
acontecendo. Contudo, não deveríamos ir fundo nessa questão, como muitos
sociólogos fazem.
Nossa intuição pode estar errada, ou apenas parcialmente certa. E se
propomos soluções baseadas em informações incorretas ou partidárias (isto é,
naquilo que pensamos que dt’z’crio ocorrer), podemos, potencialmente, fazer
mais mal do que bem. De fato, podemos machucar as pessoas e criar situações
sociais ainda mais difíceis para aqueles que estamos tentando ajudar. Assim,
precisamos qualificar o nosso entusiasmo pela intuição e pela informação,
reunidas e interpretadas à luz de nossas experiências reais na esfera social. Nós
não deveríamos desprezar essa vantagem intuitiva ou suprimi-la, tampouco
deveríamos reprimir nossos interesses humanistas e desejos de ajudar as
pessoas e fazer um mundo melhor Mas precisamos complementar isso. Essa
complementação surge com o reconhecimento de que a ciência é o que pode
mobilizar e canalizar a intuição e os preconceitos ideológicos com finalidades
construtivas.
Se queremos exercitar nosso humanismo — e esse motivo é o que faz a
maioria de nós se iniciarem sociologia—, precisamos ser hábeis ao reunirmos e
interpretarmos informação sobre as situações que queremos mudar e sobre as
pessoas que queremos ajudar. Nós também precisamos entender por
que e conto as situações funcionam. E precisamos ser capazes de antecipar as
conseqüências de quaisquer mudanças que iniciamos e coletar informação
precisa dessas mudanças. Nós não podemos confiar na intuição e em nossas
ideologias pessoais nessas questões. Nós precisamos de teoria que tenha
contrariado esforços para contestá-la para nos dizer como e por que as coisas
funcionam, e precisamos usar essa teoria determinando o que precisa ser feito
para melhorar uma situação. Nós também precisaremos coletar informação
precisa e analisá-la cuidadosamente para saber exatamente o que existe numa
situação e exatamente quais são as conseqüências de nossas ações
teoricamente concebidas.
Se não temos teoria, não temos estrutura para entender e interpretar o
mundo social. Daí, não sabemos o que fizemos ou o que esperar. Se não temos
métodos, não podemos ter confiança em nossas teorias, visto que elas não
foram verificadas empiricamente, e não podemos saber exatamente o que
precisa ser mudado numa dada situação. Nós podemos usar nossa familiaridade
com uma situação e nossa intuição criativa para fazer valer teorias importantes
e desenvolver formas sistemáticas de coletar informação. Mas nossa intuição
não pode substituir a teoria, métodos meticulosamente construídos e análise
detalhada. Por isso a ciência é uma importante ferramenta para aproximar as
questões sociais e os problemas de interesse dos humanistas.

SOCIOLOGIA CIENTÍFICA E ENGENHARIA SOCIAL

Como mencionei no Capítulo 1, o fundador da sociologia, Auguste Comte,


acreditava que uma ciência da sociedade pudesse servir para melhorar uma
sociedade. Ele observou que, se a sociologia podia desenvolver e provar leis
teóricas como aquelas nas ciências físicas e biológicas, seria possível alcançar
um nível de entendimento sobre a organização humana que facilitaria a
construção de novas formas sociais. Assim, Comte viu que a ciência e o
humanismo não são opostos: uma vez que haja entendimento de como e por
que o mundo social funciona, esse conhecimento pode ser usado para construir
um mundo melhor. Em estilos inteiramente diferentes, Karl Marx e Émile
Durkheim sentiam da mesma forma. Eles desejavam usar seus conhecimentos
conceituais de como o mundo funciona para coustruir unta sociedade melhor.
Palavras como “construir” fazem pensar em engenharia social, em controle
social, em um mundo orwelliano do “Big Brother”, em uma sociedade tecnocrata
estúpida e sem vida. A engenharia é boa, muitos argumentariam, contanto que
a utilizemos para construir pontes e estradas. Mas a engenharia livre do
conhecimento teórico cria coisas como bombas nucleares e outros artifícios
potencialmente prejudiciais. Esses “medos” da engenharia sao, é claro, bem
fundamentados. Mas poderia ser argumentado que os usos nocivos da
engenharia são o resultado da organização em formas societárias que os
encorajam e sustentam. Se soubéssemos mais a respeito do universo social,
seríamos mais bem capacitados para limitar o mau uso do conhecimento. Por
outro lado, entretanto, usaríamos mal o conhecimento da organização social
para criar coisas ainda mais monstruosas.
Essa questão é discutível. O desenvolvimento da teoria e do uso de métodos
de pesquisa vai produzir mais conhecimento sobre o funcionamento do mundo
social. Esse conhecimento — até mesmo em seu atual estado bruto — vai ser
usado para a engenharia social (Hunt, 1985). Nós chamamos a engenharia
social por outros nomes na sociologia —as vezes de prática sociológica, em
outras ocasiões de sociologia clínica e de sociologia aplicada — visto que o título
“engenharia social” tem conotações negativas. Mas deveríamos saber o que
esses títulos mais positivos significam: são esforços para se construir certos tipos
de relações sociais que usam idéias teóricas e descobertas de pesquisa. Como
toda
engenharia, ela pode ser usada para fins bons e maus — devendo “bom~~ e
“mau”, é claro, ser definidos. Assim, não deveríamos ver a sociologia científica
como uma atividade misteriosa e secreta, pois na realidade está sendo usada
para mudar nossas vidas diárias; e é provável que seja usada ainda mais no
futuro.

RESUMO

1. A ciência é o esforço sistemático para compreen~er o universo, partindo de


idéias teóricas que receberam sólido apoio com pesquisas meticulosamente
desenvolvidas.
2. A teoria é, definitivamente, o veículo para se entender o universo, e revela
duas características distintas: (a) abstração e generalidade; e (b)
experimentação/empirismo. Acumula-se conhecimento quando as teorias
abstratas são verificadas e confirmadas.
3. A teoria na sociologia não é tão bem desenvolvida como nas ciências naturais.
Atualmente, quatro perspectivas teóricas genéricas orientam a teoria na
sociologia: (a) o funcionalismo, em que o interesse é compreender como os
fenômenos sociais funcionam a fim de atenderas necessidades do todo
social no qual eles estão inseridos; (b) teorias do conflito, em que a ênfase
está nos efeitos de desigualdades que produzem conflito; (c) o
interacionismo, em que a atenção está voltada para o uso de gestos na
comunicação face a face e adaptações de indivíduos um para com o outro; e
(d) o utilitarismo, em que a ênfase está no cálculo de custos-benefícios na
busca dos objetivos.
4. os dados no mundo empírico são coletados sistematicamente de acordo com
os dogmas do método científico. Esses dogmas incluem: (a) estabelecer uma
problemática de pesquisa; (b) formular uma hipótese; (c) coletar dados ou
promover experimentos, entrevistas e questionários, observações ou
levantamento histórico; (d) analisar os dados; e (e) tirar conclusões com
respeito à validade da teoria, pesquisa exploratória, ou interesses
particulares de um cliente.
3. Os julgamentos preconcebidos quando os homens estudam os homens
também permitem à ciência social uma vantagem: temos uma familiaridade
intuitiva com nossos objetos de estudo.
6. O acúmulo de conhecimento sociológico será usado para construir e
reconstruir as relações sociais. Tais esforços não são obrigatoriamente anti-
humanistas; na verdade, eles podem ser feitos em nome do humanismo. Daí,
a ciência e o humanismo não serem, por definição, contradi tórios.

UM MUNDO DE SÍMBOLOS

Os homens, assim como outros animais, podem fazer algo surpreendente:


podem representar facetas do mundo, suas experiências e praticamente
qualquer coisa com sinais arbitrários. Nós chamamos esses sinais de símbolos
quando as pessoas chegam a um consenso quanto ao que um sinal significa e
o que representa. As palavras que você está agora lendo são sinais (marcas
pretas numa página) com cujo significado nós concordamos; e daí cada palavra
é um símbolo. Essas palavras são organizadas em sentenças, parágrafos e
capítulos. Elas são parte de um sistema organizado de símbolos.
O que é verdadeiro no caso da língua é verdadeiro para quase tudo o que
podemos pensar. Bandeiras, cruzes, punhos fechados, franzir as sobrancelhas,
livros, bíblias e programas de computador, todos são sinais que carregam
significados combinados. Em geral, eles pertencem a sistemas de símbolos, pois
eles invocam outros símbolos e significados relacionados. É através de tais
sistemas de símbolos que lembramos do passado, tomamos conhecimento do
presente e prevemos o futuro. Sem essa capacidade surpreendente, nosso
mundo seria feito de impressões banais e irrelevantes. Nós seríamos
escravizados no aqui e agora. Não teríamos a música, a arte, a matemática, a
piada, o juramento, a leitura, a adoração, ou quaisquer outras coisas que nós,
como homens, aceitamos como verdade. Nossa vida seria chata e rotineira, mas
não “saberíamos” isso, visto que seríamos incapazes de representála com
símbolos.
Podemos perceber o significado dos sistemas de símbolos observando as
formigas e outros insetos sociais, como cupins e abelhas. Nós os chamamos de
“social” porque eles sao organizados, mas eles o são segundo informações muito
diferentes daquelas dos nossos sistemas de símbolos. As informações que
orientam esses insetos e sua conduta estão codificadas nos genes de seus
cromossomos. Dessa forma seu lugar e função na sociedade sao
predeterminados e geneticamente organizados (embora todos os organismos se
adaptem às peculiaridades de seu meio ambiente).
Os sistemas de símbolos humanos não são geneticamente programados. Eles
são criados no imaginário, usados e transformados à medida que nos
defrontamos uns com os outros e com as condições de nosso meio ambiente.
Mas, na prática, eles equivalem aos códigos genéticos dos insetos sociais, pois
eles moldam nossas ações e, sobretudo, nossos padrões de organização
social. O conjunto desses sistemas de símbolos de uma população humana é
geralmente denominado pelos sociólogos de cultura (Kroeber e Kluckhohn,
1973; Parsons, 1951). No dia-a-dia, freqüentemente usamos o
termo cultura para nos referirmos a outras coisas, como um bom vinho, um
bom whisky, um tempero gostoso ou uma cerveja especial, mas isso em si não
é cultura, e sim produtos materiais cuja existência é decorrente da cultura.
Trata-se de coisas criadas simbolicamente a fim de organizar as pessoas para
produzirem novas coisas. Todavia esses produtos também podem ser símbolos
culturais em si mesmos se eles “dizem algo” sobre nós aos outros. Então,
servir uma cerveja especial e não uma marca qualquer pode significar algo,
ainda que de maneira sutil, em sua relação com os outros, assim como dirigir
um automóvel Mercedes-Benz, Lexus ou BMW. Dessa forma, os produtos
culturais (que resultam de símbolos culturais, quando eles organizam a
produção) podem se tornar símbolos e influenciar o comportamento, a
interação e a organização entre as pessoas.

Eu devo, agora, acrescentar uma observação de advertência e qualificação:


essa ênfase na cultura como sistemas de simbolos não é universalmente aceita.
Há muitas definições diversas de cultura (Kroeber e Kluckhohn, 1973), e alguns
querem ver a cultura como a soma total de todas as criações humanas (Singer,
1968): símbolos, artefatos materiais e formas de organização. Quando essa
definição mais global é usada, então uma distinção entre a cultura material
(artefatos físicos) e a cultura não-material (sistemas de símbolos e modos de
comportamento) é às vezes formulada. Entretanto, empregarei um uso mais
restrito, mas é importante estar consciente de que não há uma definição úníca
da cultura nas ciências sociais (Gilmore, 1992).
Assim, o ponto de vista enfatizado aqui salienta o fato de que nosso mundo
éconstruído e mediado por símbolos. Praticamente tudo o que experimentamos,
fazemos, desejamos e vemos está preso a símbolos. Assim, entender a nós
mesmos e o mundo social mais amplo requer um conhecimento maior da cultura.
Nós precisamos reconhecer que os simbolos estruturam nosso mundo, embora
em menor medida do que no caso das formigas, das abelhas e dos cupins
geneticamente pré-programados. Em resumo, não deveríamos subestimar o
poder dos simbolos culturais para ditar nossas percepções, nossos
conhecimentos e nossos comportamentos, tampouco deveríamos superestimar
seu poder Os homens os criam e podem recriá-los à medida que transformam
suas relações uns com os outros quando reorganizam seus mundos sociais ou
quando lidam com novas condições ambientais.
Essa perspectiva pode oferecer subsídios para uma certa compreensão da
cultura brasileira. Se analisarmos a sociedade brasileira, podemos perceber as
transformações dos últimos cinqüenta anos. Entretanto, ainda estamos saindo
da cultura de favores marcada por traços autoritários, em que predominam o
coronelismo e o populismo, para uma cultura de direitos, com ênfase nos valores
da cidade e da democracia. Souza Neto (1993) destaca a trajetória dessas
mudanças sociais nas conquistas das crianças e dos adolescentes no Brasil e
no mundo.

SÍMBOLOS E SOCIEDADE

De certo modo, a cultura e seus produtos são simples recursos que nos
possibilitam fazer as coisas. Sem a linguagem, nossa comunicação é limitada.
Sem a tecnologia (informação sobre como manipular o meio ambiente) não
poderíamos comer e nos abrigar. Os simbolos, então, intermedeiam nossa
adaptação ao meio ambiente, nossa interação com os outros, nossa
interpretação de vivências e nossa própria organização em grupos.
Entretanto, os simbolos são mais que uma intermediação conveniente.
Também nos dizem o que fazer, pensar e perceber Parafraseando Marshall
McCluhan, nossa mediação simbólica também carrega uma mensagem, ou um
conjunto de instruções. Como vimos, eles não nos acorrentam da mesma forma
que a informação nos genes das formigas, abelhas e cupins, mas realmente
limitam nossas opções. Até mesmo um recurso simbólico aparentemente neutro
como a língua carrega uma mensagem escondida (Hall, 1959). Por exemplo, a
língua dos norte-americanos nativos Hopi difere do inglês no sentido em que
trata a noção de tempo (Carroll, 1956). Em inglês, “tempo”é um substantivo, que
significa que pode ser modificado — morto, economizado, gasto, perdido,
desperdiçado. (Por exemplo, você pode estar passando “tempos difíceis” lendo
meu livro, ou você pode considerar tudo isso “um desperdício de tempo”. Mas
para os Hopi, “tempo”é um verbo e como tal não pode ser modificado ou
manipulado como um substantivo; o tempo simplesmente flui e os homens
seguem esse caminho. (Um Hopi provavelmente reclamaria menos deste livro.)
Assim, as respectivas opiniões da pessoa que fala hopi ou inglês variarão, assim
como seus comportamentos e estruturas da organização social. No caso
brasileiro temos a palavra “saudade”, que não encontra uma tradução perfeita
em outras línguas. A cultura, então, éraramente um recurso neutro. A cultura é
uma restrição, e é esse aspecto coercitivo da cultura que mais interessa aos
sociólogos.
Os sociólogos estudam a cultura examinando como os sistemas simbólicos
limitam a interação e a organização humana, e, por sua vez, como os modos de
organização social funcionam para criar, sustentar ou transformar a cultura
(Kroeber e Parsons, 1958). Nós não nos interessamos por todos os sistemas
simbólicos, apenas por aqueles que são relevantes aos interesses da sociologia.
Ou seja, estamos interessados nos simbolos que influenciam nossa visão das
coisas, nossas ações no mundo, nossas interações com os outros e coordenam
nossas ações e comportamentos sociais.

SISTEMAS DE SÍMBOLOS

Os simbolos são organizados dentro de sistemas que os tornam bastante


complexos. Embora haja uma enorme diversidade nos sistemas de simbolos e
entre as populações humanas, estes sistemas são de diversos tipos básicos.
Sistemas de Linguagem

Um primeiro tipo é o sistema de códigos de linguagem que pode classificar desde


palavras faladas e as palavras escritas nesta página até complexas
representações matemáticas e algoritmos de computador. Os tipos básicos de
códigos de linguagem de uma população influenciam amplamente sua
organização. Por exemplo, se uma população tem apenas a língua falada, seus
modos de organização serão limitados, ao passo que, se essa população pode
desenvolver também uma língua escrita, pode armazenar informação de forma
eficaz, conseqüentemente, elaborar outros modos de organização social. E, se
novas linguagens —matemática, lógica, algoritmos de computador e outros
códigos simbólicos — podem ser desenvolvidas, as possibilidades de adaptação
dessa população ao seu meio ambiente podem aumentar, e a natureza das
relações sociais de seus membros e seus modos de organização social serão
fortemente alterados. Pense, por exemplo, no que a linguagem de informática
tem feito para a velocidade, proporção e distância das relações do mundo
moderno, e você pode ver o poder da linguagem para transformar a sociedade.

Sistemas de Tecnologia

Outro sistema cultural básico é a tecnologia, ou a organização de informação e


conhecimento sobre como controlar e transformar o meio ambiente. Se colher
frutos e caçar animais e o armazenamente básico de informação de uma
população — como foi durante 30.00(1 dos 411.000 anos de nossa espécie —,
a organização social e a adaptação ao meio ambiente serão limitadas (embora
devesse ser enfatizado que as sociedades de caça e coleta poderiam ter sido
menos estressadas e mais contentes com suas vidas do que as sociedades
“modernas”). Como a tecnologia se expande, expandem-se as proporções das
sociedades:
podemos produzir mais, ficar maiores e mais complexos. Assim, a tecnologia é
uma das forças motrizes da organização humana, age como uma jamanta
cultural, transformando nossos modos de vida, nossos relacionamentos com os
outros e nossas formas de organização social (Lenski, 1966; Lenski, Lenski, e
Nolan, 1991). De fato, quase todo aspecto de sua vida diária — sua roupa, seu
transporte, seus planos de vida, suas percepções, suas aspirações, seus modos
de comunicação — está circunscrito pelos produtos oriundos de novos
conhecimentos ou tecnologia. De fato, nem podemos imaginar a vida sem
telefone, televisão, carro, apartamento, roupas fáceis de passar, redes de
informática, conversa por e-mail, CD’s, e assim por diante. Se as relações
pessoais se perdem nessa “dança” tecnológica, não deveríamos nos
surpreender.

Sistemas de Valores

Os homens sempre defendem idéias do que é bom ou ruim, adequado ou


inadequado, e indispensável ou dispensável. Essas idéias são valores; e quando
elas são organizadas dentro de um sistema de padrões ou critérios para avaliar
o valor moral e adequação do comportamento, elas constituem um sistema de
valores (Willians, 1970; Rokeach, 1973, 1979).
Os valores possuem um aspecto especial: eles são abstratos dentro de sua
generalidade de aplicações. Eles podem servir a muitas situações diversas
(Kluckhohn, 1951). Sem esta qualidade abstrata, que nos permite adequar os
valores a situações específicas, as pessoas teriam dificuldade de se comunicar
e relacionar-se, porque elas não teriam qualquer padrão moral comum para
avaliar as ações dos outros bem como suas próprias. Imagine uma conversa
entre dois indivíduos que defendem conjuntos de valores bem diferentes. Eles
não concordariam no que deveria ocorrer, o que seria justo, e o que seria um
comportamento adequado. O que é notável na maioria das populações humanas
é o fato de terem, no mínimo, algum consenso sobre os valores. Esse consenso
é raramente perfeito, devo advertir, pois uma das mais interessantes dinâmicas
de uma sociedade é o conflito sobre os valores. Mas uma sociedade sem um
mínimo de consenso de valor seria caracterizada pelo conflito e tensão. É
impressionante que numa sociedade tão grande como a brasileira ou a dos
Estados Unidos, espalhada sobre uma imensa área geográfica, haja algum
acordo sobre o que é bom, ruim, adequado e inadequado. Em grande parte, esse
consenso geral sobre os valores é o que nos faz tipicamente “brasileiros”, e o
que nos possibilita como indivíduos nos adaptarmos dentro e fora de novas
situações sem grande tensão. Quando partilhamos valores básicos, podemos
interagir, embora possamos discordar em muitas coisas.
Quais são alguns dos valores comuns (Williams, 1970)? No Brasil ou na
América, concordamos com valores como êxito (fazer bem, tentar fazer bem),
“atuação” (tentar dominar e controlar situações), liberdade (não ter limites na
busca de nossos sonhos), progresso (aprimorar nós mesmos e o mundo ao
nosso redor), materialismo (adquirir objetos materiais, criteriosamente, é claro)
e eficiência (fazer as coisas de maneira racional e prática).

Essas idéias, assim como outras, nós partilhamos e elas nos servem como
padrões morais para avaliar nós mesmos e os outros nas situações mais
concretas. Nós não concordamos com todos esses valores; de fato, algumas
pessoas rejeitam todos eles. Mas há um grau surpreendente de consenso sobre
eles dentre a maioria das pessoas. Enquanto você e eu poderíamos, por
exemplo, atribuir a esses valores prioridades diferentes, nós provavelmente
concordamos sobre eles de maneira geral. Como conseqüência, podemos
interagir sem grandes dificuldades.
Com a mesma relevância, o todo social e seus elementos — economia,
sistema político, sistema educacional, padrões de coletividade, e assim por
diante — são influenciados por esses valores. Dessa forma, há alguma “cola”
para manter a sociedade junta e lhe dar algum grau de coesão.
Os valores operam, é claro, nos indivíduos quando eles tomam decisões de
se comportar de certas maneiras. Por exemplo, um aluno norte-americano ao ler
este livro éorientado pelos valores centrais de sua sociedade: “atuação”
(dominarei este livro), êxito (terei êxito em compreendê-lo), progresso e
materialismo (tenho de conseguir um diploma que me certifique como qualificado
para um bom emprego) e eficiência (não vou desperdiçar tempo relendo). Todos
esses valores orientam a conduta do aluno num sistema educacional organizado
em torno dessas premissas morais. Além disso, o ingresso na escola marcou
uma aceitação implícita desses valores pelos alunos e desejo de perpetuar o
sistema educacional organizado em torno da “atuação”, do êxito, do
individualismo e do materialismo. O que vale para a escola também vale para
quase todas as situações. Uma das facetas dos valores de um sistema de
valores é orientar as percepções e a conduta dos indivíduos na sociedade.
Uma perspectiva funcionalista enfatiza as ampliações de um sistema de
valores nas ações e motivações das pessoas na sociedade. Se pensarmos na
análise de Émile Durkheim sobre a consciência coletiva e sua função integrantes
para a sociedade, podemos ver que o consenso sobre os valores é crucial. Há
um grande mérito em analisar as funções dos valores, como Durkheim fez há
muito tempo e como fiz aqui, mas não devemos nos esquecer de que os valores
podem ser uma fonte de desintegração numa sociedade. Quando segmentos de
uma população defendem valores distintos, ou, como discutirei brevemente,
crenças diferentes, a cena está pronta para o conflito. As pessoas discordarão
sobre seus padrões morais, sem contudo abandoná-los, pois eles são muito
estimados. A teoria do conflito enfatizaria esse aspecto da vida social e, ainda,
realçaria que os valores são instrumentos para os mais privilegiados que têm
poder para definir quais valores as pessoas deveriam defender. Eu voltarei a
esse ponto mais tarde, mas é importante tê-lo em mente.

Sistemas de Crenças

Ainda outro tipo de sistema de símbolo gira em torno das crenças, que são as
cognições e as idéias das pessoas em determinadas situações — educação,
trabalho, família, amizades, política, religião, vizinhança, esporte, lazer e todos
os tipos básicos de situações sociais numa sociedade (Turner e Starnes, 1976).
Algumas crenças representam a aplicação de valores básicos de situações
específicas. Numa faculdade ou universidade, por exemplo, os alunos deveriam
obter boas notas (êxito), trabalhar arduamente (“atuação”, eficiência),
evoluir nos conhecimentos (progresso). Quase todas as situações — trabalho,
diversão, amizades, esporte etc. — envolvem crenças que nascem da aplicação
desses e outros valores comuns. Até mesmo num relacionamento pessoal
imaginamos quão “bem estamos fazendo” (êxito), se estamos progredindo no
relacionamento (progresso) e o que precisamos “fazer para melhorá-lo”
(“atuação”). Dependendo do tipo de relacionamento — namoro, relacionamento
filial, coleguismo, amizade — aplicam-se crenças bastante diferentes, mas todas
elas invocam as mesmas premissas de valor Fazendo isso, elas nos orientam e
nos deixam confiantes de que estamos fazendo a coisa certa.
Outras crenças são, aparentemente, mais concretas. Elas são idéias que
defendemos sobre “o que é e o que existe” numa situação. “Sabendo o que
existe” nos sentimos confiantes para enfrentar determinada situação e agir nela.
Também defendemos crenças sobre situações que não vivemos, que ainda
temos que viver, ou que jamais vivemos —trabalho, casamento, velhice,
pobreza, e outras situações distantes. Membros de uma população podem ser
vistos como “ligados” nos mundos sociais uns dos outros dessa forma.
Possuindo as crenças de outros cenários e contextos sociais, nós vicarialmente
sabemos sobre” esses cenários e podemos potencialmente “agir” neles. Por esta
razão, novas situações não são totalmente desconhecidas. Temos valores
comuns e algumas crenças para nos orientar quando inicialmente nos
atrapalhamos.
Entretanto, nossas crenças concretas não são sempre precisas. Elas são
muito influenciadas por valores e outras crenças sobre o que deveria ocorrer ou
existir numa determinada situação. Mas estamos convencidos de que realmente
conhecemos outros contextos sociais, sentimos um companheirismo vicário com
os outros e a sensação de que poderiamos operar nesses outros contextos. Por
exemplo, a maioria dos norte-americanos acredita que há oportunidades de
emprego para qualquer um que realmente queira trabalhar e que muitos
beneficiários da previdência social são preguiçosos e deturpam sua necessidade
(Kluegen e Smith, 1986; Smith, 1985). Essa crença invoca valores como
“atuação”, êxito, progresso e eficiência para o mundo do trabalho e do bem-estar
Também contém alguns dados supostamente neutros: há muitos empregos lá
fora e muitas pessoas demasiadamente preguiçosas para pegá-los. E carrega
uma presunção: se eu estivesse pobre e sem trabalho, eu pegaria qualquer
emprego e preservaria minha dignidade. Assim, sentimo-nos conhecedores de
um mundo que, na realidade, é provável que não vivamos. Mas os “dados”
nessas crenças podem estar errados: a maioria das pessoas inscritas na
previdência social não podem trabalhar — elas são velhas demais, incapazes
demais e doentes demais, e praticamente metade delas trabalham período
integral ou foram despedidas (1. Tumer, 1993b); assim, os “dados” mais precisos
são que a economia não tem empregos suficientes para todos os cidadãos e que
os salários para muitos empregos não são suficientemente altos para manter as
pessoas fora da pobreza (Beeghley, 1983; Ropers, 1991). Portanto, nossas
crenças sobre o que realmente existe e ocorre podem ser influenciadas pelos
nossos julgamentos de valor. Isso não é ruim; é inevitável em questões
humanas.
De fato surgiu, na sociedade moderna, uma verdadeira indústria para apurar
as ações e as ?piniões públicas — que são, na essência, expressões de crenças.
A indústria da opinião publica vai alem das apurações de eleição e
levantamentos de opinião gerais, como fazem os institutos Gallup e Harris; ela
também envolve as pesquisas de mercado. A percepção de que o
comportamento das pessoas — desde a hora de votar para presidente até
comprar um produto — é influenciado por suas atitudes, que, por sua vez, são
moldadas por seus valores e crenças comuns, mudou amplamente a maneira de
os políticos concorrerem à eleição, assim como a maneira de as empresas
negociarem.
No Brasil, até há pouco tempo, a classe dominante brasileira e mesmo a
classe dominada acreditava que a pobreza era de responsabilidade exclusiva do
indivíduo. O pobre era naturalmente um “vadio”. Essa crença fez com que a
pobreza no Brasil fosse tratada como uma questão de policia e não de políticas
sociais.

Sistemas Normativos

Valores e crenças são genéricos demais para regular e orientar o


comportamento de maneira precisa; eles nos dão apenas uma visão e
perspectiva comuns, habilitando-nos aos comportamentos gerais (Blake e Davis,
1964). Mas eles não nos dizem precisamente o que fazer. As normas
compensam essa deficiência dos outros sistemas, informando-nos o que
éesperado e apropriado numa situação especifica. Imagine-se vir à aula sem
conhecer as “regras” e as expectativas para o comportamento de um aluno. Você
é mobilizado a alcançar sua metas com êxito, a ser ativo e progredir
intelectualmente, mas você não sabe o que fazer — onde sentar, como agir, o
que fazer com suas mãos, pemas, boca e intelecto. Isso pode ser dificil de
imaginar se você não conhece bem as regras gerais do comportamento escolar
Na realidade, se nunca esteve numa sala de aula, se nunca teve seus próprios
livros e se nunca assistiu a uma aula de faculdade, essa nova situação pode lhe
parecer desconfortável. De fato, você pode se encontrar observando como os
outros se sentam na sala de aula e como tomam notas. Assim, pode-se conhecer
as normas gerais elementares de determinadas situações — o que alguns
sociólogos chamam de normas institucionais —, mas cada pessoa deve
aprender normas complementares para adequar o comportamento num
ambiente especial.
Do ponto de vista do interacionismo, esse processo de descoberta é muito
complexo e sutil. Se não conhecemos os aspectos relevantes da cultura que se
aplicam a determinada situação, tornamo-nos intensamente “desafinados” às
ações e gestos dos outros. Nós lemos esses gestos, buscando nos conectar
aos mecanismos intelectuais que os produzem num esforço de aprender como
nos comportar. Geralmente já possuímos valores, crenças e normas
importantes, mas nosso conhecimento é deficiente no que concerne à
proeminência de cada uma delas, e podemos até ser ignorantes em relação a
normas e crenças relevantes. Nossos erros nos entregam, e experimentamos
as sanções e desaprovação dos outros; conseqüentemente nos tornamos
desafinados com os gestos dos outros. Ou então, sabendo de antemão da
nossa ignorância, podemos agir experimentalmente prestando atenção a
movimentos, palavras e gestos de outros, evitando os erros. Uma vez que
damos um sentido aos simbolos culturais relevantes, os processos de interação
sustentam esses simbolos ao mesmo tempo que os reafirmam, reforçando-os.
Cada um de nós se comporta de modo adequado; tais comportamentos
reforçam os valores, crenças e normas; e, quando estes são reforçados, eles
ganham poder para limitar o comportamento. Atos de desvio realmente
ocorrem e quebram esse “ciclo de reforço”, ou de afirmação, mas geralmente
tentamos trazer o desviante de volta ao ciclo, sustentando-o. Dessa forma é
que a cultura é sustentada pelas microações interpessoais dos indivíduos.
As normas variam desde as institucionais, que são concepções gerais para
o comportamento nas esferas sociais básicas (trabalho, escola, amizades, casa
etc.) às mais especificas, que nos dizem precisamente como atuar num ambiente
concreto. Todos temos conhecimento das normas institucionais mais
importantes, e conseqüentemente podemos entrar em novas situações com
alguma orientação. Uma vez lá, podemos aprender as normas complementares,
através da leitura de gestos dos outros. Nós devemos também aprender como
criar novas normas em algumas situações quando interagimos com os outros, e
esse processo pode tornar-se muito difícil, especialmente se as pessoas
defendem diferentes crenças e invocam variações de normas que se
contradizem. Quando as pessoas se casam, por exemplo, elas geralmente
precisam negociar novos acordos sobre como elas vão comportar-se, porque as
opiniões sobre o papel dos homens e das mulheres estão sofrendo
transformações e as normas sobre as atividades da esposa e do marido podem
diferir enormemente. À luz desse fato, não é surpreendente que a taxa de
divórcio nos Estados Unidos seja mais alta no primeiro ano de casamento
(Collins e Coltrane, 1991). A maioria dos recém-casados possuem crenças
extremamente românticas, conhecem apenas as normas institucionais gerais
sobre o casamento, e se apóiam no exemplo dos casamentos de seus pais e de
seus amigos para orientar suas relações. Porém, para sua realização, o
casamento exige outras normas, sem as quais fracassa.
Dessa forma, em sociedades modernas algumas situações exigem de nós
o improviso e o desenvolvimento de acordos normativos à medida que
avançamos. Outras, tal como um emprego de linha de montagem, são altamente
limitadas, mas mesmo aqui as pessoas desenvolvem acordos normativos sobre
como devem trabalhar no emprego. Muito de nossa vida social consiste de nosso
aprendizado, harmonização, criação e renegociação de normas. Isso é
particularmente verdade nas sociedades moderna5, onde a mudança social
constante nos força a viver situações sempre novas.

Estoques de C’ouhecimento

Ao lado da linguagem, da tecnologia, valores, crenças e sistemas normativos, as


pessoas possuem, de forma mais livre e implícita, estoques de informação. O
sociólogo alemão, Alfred Schultz (1932), criou a frase “estoques de
conhecimento à disposição” para descrever os catálogos de informação que 05
indivíduos podem dispor para se adaptar às situações. Por exemplo, um aluno
que entra na taculdade possui estoques de conhecimento inütil sobre as escolas,
salas de aula, hierarquias, ocasiões formais e informais, aulas e discursos
ambientes e maneiras apropriadas para conversas. Estes estoques de
conhecimento são usados para guiar a conduta de um aluno nas primeiras aulas
e encontros, enquanto as normas mais indicadas para cada situação nova são
aprendidas.
Assim, cada um de nós tem um estoque de conhecimento, moldado pelas
experiencias vividas. Usamos esses estoques para nos guiar nas situações; e,
quando as pessoas partilham estoques semelhantes de informação, elas podem
construir uma visão comum de uma situação. Até mesmo quando não falamos a
mesma língua isso é possível; alguém que viajou para um país estrangeiro pode
comprovar como, pelos gestos, podemos freqüentemente consegui ir que os
estrangeiros tirem de seus estoques de conheci mcii ti) informações p rox~ mas
às nossas, especialmente com respeito às situações comuns. Essa capacidade
de usar esses sistemas implícitos de símbolos dá aos homens uma enorme
flexibilidade em sua adaptação a novas situações.
Parte da cultura, então, é uma “inteligibilidade” silenciosa que é extraída
constantemente, quando nos adaptamos um ao outro, às normas e a outros
aspectos das situações. Se pudéssemos catalogar os valores, crenças e
normas, seríamos inflexíveis, como robôs; e se algo novo surgisse fora da nossa
“programação” não saberíamos o que fazer Mas podemos nos adaptar às
nuança porque todos nós possuímos vastos armazéns ou estoques de
conhecimento que podem ser utilizados.
Para sintetizar, podemos afirmar que a organização da sociedade humana
e extremamente facilitada por simbolos culturais. Opostamente, os símbolos
culturais são criados, sustentados ou transformados pela interação social. De
fato, os teóricos do funcionalismo argumentam (Parsons, 1951, Alexander, 1985)
que a integração da sociedade não pode ocorrer sem sistemas de símbolos
comuns. A cultura assim preenche uma necessidade básica da sociedade. E,
como os interacionistas enfatizam, esses sistemas de simbolos são sustentados
pela leitura detalhada dos gestos uns dos outros. Os simbolos mais importantes
para entender nossas ações e modos de organização são os sistemas de
linguagem, de tecnologia, de valores, de crenças, de normas e de armazenagem
de conhecimento. Esses são os equivalentes funcionais dos códigos genéticos
dos insetos sociais, mas com uma grande diferença: eles podem ser
transformados e usados para criar novas formas sociais. Se todos nós não
participássemos de uma cultura comum, estaríamos nos chocando uns com os
outros, insultando nossos amigos e, contrariamente, fazendo a coisa errada. Na
realidade, não somos insetos, e, visto que nosso comportamento não está
geneticamente codificado, há muito espaço para a má informação, informação
inadequada, informação conflitante e informação mutante. Assim, a sociedade
não é como uma colmeia bem organizada ou uni monte de formiga porque nós
nos organizamos com códigos culturais, opostos aos genéticos. E nos simbolos
culturais há um grande potencial para a ambigüidade, divergência e conflito.

VARIAÇÕES CULTURAIS

Os homens criam sistemas de símbolos culturais porque precisam deles. Eles


sao desenvolvidos para facilitar a interação e a organização, como
argumentam os teóricos do funcionalismo. E, porque as pessoas vivem e agem
em diverso meio ambiente, a cultura naturalmente também se diferenciará. E,
como enfatizaria a teoria do conflito, as variações culturais são uma fonte de
constantes contradições e tensão numa sociedade. Exatamente como as
línguas, outros sistemas culturais também diferem, tais como a tecnologia, os
valores, as crenças, as normas e os repertórios de conhecimento. Esse fato
tem enormes implicações. Deixe-me revisar algumas delas.

Cultura ou os sistemas de símbolos


que os homens usam para orientar
seu comportamento

Interações ou adaptações em micro-nível que as pessoas produzem nos


contatos face a face

Figura 3.1 As inter-relações entre estrutura social e cultura.


Estrutura social ou os padrões relativamente estáveis de relações de que os
homens dispõem para organizar a vida social

Os símbolos regulam a interação e estrutura social, mas o contrário não é


verdadeiro:
as pessoas vivem em um sociedade dinâmica e criam cultura em suas inter-
relações diárias; e modos de relações sociais nas estruturas de sociedade (tais
como economia, política, desigualdade, família etc.) podem gerar pressões para
o surgimento de novos sistemas de simbolos. Sem este ciclo de reforço mútuo,
a sociedade humana não se sustentaria, e teríamos muita dificuldade de saber
como se comportar e como interagir um com o outro.

Conflito Cultural

Os sistemas culturais como os valores e crenças são um conjunto “de lentes” ou


um prisma colorido através do qual vemos o mundo. Nossas percepções são tão
influenciadas pela cultura, que percebemos algumas coisas mas ficamos
inconscientes quanto a outras. E por isso que a ciência foi criada como um
esforço consciente para a redução dos preconceitos inerentes de cada cultura.
A ciência é um tipo de sistema de crença e, como outros aspectos da cultura,
surgiu para lidar com os problemas humanos. No caso da ciência, o desejo de
coletar informação precisa e verificar as idéias empiricamente levou ao
desenvolvimento da crença de que o conhecimento é gerado por teorias que são
constantemente verificadas com dados sistematicamente coletados.
lnicialmente, as crenças sobre a ciência, e mais tarde o desenvolvimento de
normas de comportamento para os cientistas, encontraram grande resistência
por parte de outros tipos de sistemas de crenças — religião, filosofia e ideologia,
para citar apenas as mais importantes. E alguns destes ainda vêem a ciência
com grande antipatia. Tal antipatia pode criar conflitos culturais entre indivíduos
que concomitantemente mantêm um número de crenças diferentes, assim como
conflitos maiores entre grupos de indivíduos que aderem a diferentes crenças.
Os fundamentalistas religiosos questionam a ciência quando suas conclusões
violam seus dogmas. Marxistas, de direita ou de centro, geralmente se recusam
a aceitar o conhecimento cientificamente fundamentado. Até mesmo nos
Estados Unidos, onde a ciência é uma crença cultural dominante, o conflito vem
à tona quando questões com forte fator emocional, como o ensinamento da
evolução darwiniana no lugar da Criação divina, são debatidas.
Quando as diferenças nas crenças culturais se tornam a base da
organização política e da ação, conflitos culturais tornam-se mais intensos. Por
exemplo, o conflito atual sobre
o aborto envolve não apenas o desacordo entre as crenças sobre maternidade,
vida e concepção mas um verdadeiro combate entre vários grupos organizados
(Luker, 1984). Tais conflitos são difíceis de resolver porque as crenças dos
“combatentes” são muito diferentes e energicamente defendidas. Conflitos
semelhantes ocorreram inúmeras vezes nos Estados Unidos e em todas as
sociedades complexas em que o consenso absoluto sobre os simbolos é
simplesmente impossível.

Subculturas

Diferentes subgrupos no interior de uma sociedade geralmente possuem


crenças de alguma forma diferentes e às vezes até mesmo valores diferentes.
Esses mundos culturais diferentes são construídos e sustentados pela interação
face a face, como diriam os teóricos do interacionismo; pois pessoas em
interação freqüente desenvolvem sistemas de símholos comuns para dar
significado a suas experiências. E assim, através da interação, as pessoas de
diferentes subculturas desenvolvem diferentes normas, padrões de discurso,
gestos e expressões corporais. Por exemplo, trabalhadores com contratos
temporários existem num mundo cultural de alguma forma diferente do que os
trabalhadores com garantia de emprego, assim como os negros e brancos, os
hispânicos e anglo-saxônicos, ricos e pobres, executivos e operários,
professores e alunos. Esses subgrupos podem ser denominados de subculturas
porque seus membros veem o mundo através de lentes simbólicas de alguma
forma diferente, e de alguma forma se comportam diferentemente; e geralmente
essas diferenças causam conflito, especialmente quando a elas se aliam
diferenças de poder, riqueza, bem-estar e outros recursos valorizados numa
sociedade. Na realidade, todos nos nos relacionamos porque partilhamos
minimamente da mesma cultura. Mas nossas relações são geralmente limitadas
porque reconhecemos nossas diferenças e tentamos minimizalas através de
interações padronizadas e ritualizadas. E, é claro, às vezes essas diferenças nas
crencas e normas vêm à tona quando o conflito já está declarado — e então
nenhum esforço pode nos salvar de enfrentarmos nossas diferenças.
Como a teoria marxista e outros estudiosos do conflito demonstraram,
algumas suhculturas possuem mais poder e recursos materiais do que outras.
C)s ricos, os detentores de poder político, e osgrandes empresários, por
exemplo, estão mais aptos para impor suas crenças e definir as normas para
aquelas suhculturas sem riqueza, poder político ou poder econômico (Mills,
1959). Saber “o quanto” eles podem influenciar é um assunto de intenso debate
(Alford e Friedland, 1985), mas quase não há dúvida de que os valores básicos,
as crenças elementares e varias normas institucionais tenham sido mais
influenciados por aqueles com riqueza e poder, do que por aqueles sem riqueza
e poder (l3ourdieu, 1984). Às vezes, essa influência desproporcional é
ressentida pelos mais fracos, e surge o conflito. Por exemplo, as mulheres, os
negros norte-americanos, os homossexuais, e outras subculturas na América do
Norte, pressionaram pela redefinição de crenças e normas sobre papéis na
sociedade, cultura branca anglo-saxônica e sexualidade, respectivamente. De
fato, muito da campanha presidencial de 1992 girou em torno de uma defesa das
antigas tradições culturais por aqueles que estão satisfeitos com o status quo de
um lado, e a introdução de novos sistemas de símbolos por aqueles que, por
outro lado, estão cansados de ser culturalmente dominados. Tais conflitos são
inevitáveis numa sociedade com muitas subculturas distintas.
A cultura hegemônica brasileira concebe a cultura das classes populares
ou subalternas como inferior. Essa ótica ganha visibilidade quando
observamos as relações cotidianas das chamadas “minorias”, como é o caso
da mulher, da criança, do idoso, do nordestino, do índio, do homem que vive
na rua, que são tratados como coisas. Isso contraria o pressuposto de que a
cultura é a forma de ser de um povo, de um grupo, e que sua desvalorização
é a desvalorização da própria pessoa.
Contradições Culturais
Não apenas os subgrupos podem possuir crenças culturais diferentes e
outros símbolos, mas os componentes culturais podem eles próprios ser de
alguma forma incoerentes e contraditórios. Nós em geral possuímos valores,
crenças e normas incoerentes; e como conseqüência experimentamos as
contradições culturais. Felizmente, a inteligência humana permite apaziguar,
ainda que receosamente, muito dessa incoerência. Assim, os biólogos podem
aderir ao darwinismo quando pesquisam e podem acreditar na Criação em
seu dia-a-dia; os brancos podem acreditar na igualdade e liberdade enquanto
possuem estereótipos discriminatórios sobre os negros; os alunos podem
acreditar no aprendizado e ainda colar nas provas; e os professores podem
acreditar numa busca imparcial pela verdade e odiar aqueies cuja pesquisa
contradiz a sua própria. Mas há limites para essas “ginásticas da inteligência”.
Incoerência demais pode criar um problema para o indivíduo e, se muitas
pessoas numa sociedade enfrentam contradições culturais, patologias
pessoais surgem e se espalham pela sociedade. Ou contradições culturais
podem levar as pessoas a mudar a sociedade, como foi o caso nos dias que
precederam à guerra civil norte-americana, quando os abolicionistas
reagiram contra as crenças das pessoas que afirmavam tanto que “todos os
homens são iguais” (as mulheres também, esperemos) quanto que a
escravidão era aceitável. Assim, importantes contradições nos valores,
crenças e normas geralmente criam distúrbio tanto pessoal como social. Eles
san a essência da mudança e reorganização numa sociedade.

Etnocen trism o

Finalmente, todos os sistemas culturais fazem com que as pessoas vivam


numa sociedade etnocêntrica — isto é, os indivíduos tendem a ver seu
sistema de \alores, crenças e normas como melhores do que os dos outros.
Esse etnocentrismo leva à intolerância, e a intolerancia leva, por sua vez, ao
conflito e as tensoes.
Assim a crenca dos Estados Unidos em sua superioridade moral pode levá-los
a interferir nas questões das outras nações cujos caminhos são, sob uma visão
etnocêntrica, inferiores. Várias outras sociedades fizeram isso, e portanto nz~o
deveríamos nos punir. O etnocentrismo também existe no interior de uma
sociedade: membros de certas suhculturas podem ver como interiores os de
outras .suhculturas, e isso também pode levar ao conflito.
Observando praticamente qualquer campus universitário nos Estados
Unidos, o etnocentrismo é imediatamente evidente. O esforço para aumentar o
intercâmbio cultural, a convivência, a mistura étnica entre alunos, trouxe aos
indivíduos, de uma forma ou de outra, normas e crenças diferentes e com
diferenças de comportamentos. Cada subcultura
— afro-americanos, hispano-americanos, de origem anglo-saxônica, americanos
brancos e naturalizados, americanos de origem asiática, de classe média, da
classe trabalhadora e assim por diante — vê a outra com desconfiança e aplica
os padrões de sua subcultura ao avaliar os outros. Esse etnocentrismo é claro,
agravado pelo domínio dos brancos de classe média e valores anglo-saxônicos,
suas crenças e normas, na maioria das faculdades norte-americanas, pois
membros de outras subculturas devem constantemente se confrontar com o
domínio de muitos símbolos culturais diferentes de seus próprios.
Um dos desafios da era da globalização é aprender a viver com as
diferenças culturais e utilizá-las como formas de humanização. Nesse sentido, a
educação deve contribuir para formar o projeto na ética da tolerância.

RESUMO

1. A informação que orienta grande parte da atividade humana é simbólica e não


genética. Ao contrário dos insetos sociais, os homens criam os códigos que
orientam seus comportamentos, interações e modos de organização social.
2. A cultura é o sistema de símbolos que uma população cria e usa para
organizar-se, facilitar a interação e para regular o comportamento.
3. Há muitos sistemas de simbolos dentre uma população, mas entre os mais
importantes estão: (a) sistemas de linguagem que as pessoas usam na
comunicação; (b) sistemas de tecnologia que incorporam o conhecimento
sobre como dominar o meio ambiente; (c) sistemas de valores que dizem
respeito aos princípios de bom e mau, de certo e errado; (d) sistemas de
crença que organizam as cognições das pessoas sobre o que deveria existir
e realmente existe em situações e espaços específicos; (e) sistemas
normativos que dão expectativas gerais e específicas sobre como as pessoas
devem se comportar em diversas situações; e (f) estoques de conhecimento,
que dispõem de informação implícita que as pessoas inconscientemente
usam para compreender as situações.
4. A cultura varia dentro e entre as sociedades, e essa situação geralmente
leva ao conflito entre aqueles que possuem valores, crenças ou normas
diferentes. Alguns conflitos permanecem no nível simbólico, mas o conflito
geralmente surge do combate aberto entre partes com crenças diferentes.
5. As subculturas surgem e persistem em sociedades complexas, cada uma
revelando alguns sistemas de simbolos distintos. As vezes, o conflito é
evidente entre as subculturas, especialmente quando algumas subculturas
são capazes de impor seus símbolos às outras.
6. Sistemas de simbolos geralmente revelam contradições e incoerências, uma
situação que pode colocar os indivíduos em conflito pessoal, e às vezes
grupal.
7. O etnocentrismo é um subproduto inevitável das diferenças culturais, com
indivíduos que vêem como inferiores aqueles símbolos culturais distintos dos
seus. O etnocentrismo produz preconceitos que geralmente vêm à tona em
conflitos declarados.

ATORES E INTERAÇÃO

Shakespeare uma vez escreveu: O mundo é um palco, e todos os homens e as


mulheres sao apenas atores: eles têm suas entradas e saídas; e desempenham
muitos papéis de cada vez”. Muito da vida humana é de fato realizado num palco,
mas, ao contrário da vida teatral, nosso palco é montado pelos simbolos culturais
e estrutura social. Num sentido real, todos nós somos atores num palco e
atuamos diante de uma platéia formada pelos presentes e por aqueles que
podemos imaginar Ao mesmo tempo que tentamos interpretar comportamentos
culturais, estamos num palco construído pela estrutura social. A vida social
envolve cada um de nós como atores que, ao interpretar, interagem com os
outros. Este processo é fundamental para a vida social, para a compreensão de
nós mesmos e daqueles ao nosso redor

A NATUREZA SIMBÓLICA DA INTERAÇÃO HUMANA

No começo do século XX cientistas sociais não entendiam como a interação


humana ocorre. Tudo levava a crer que a interação entre as pessoas é o
processo fundamental dentro do mundo social, mas como e por que isso ocorre?
Quais são os mecanismos específicos e os processos envolvidos? Um filósofo
da Universidade de Chicago, George Herbert Mead (1934), desvendou o mistério
desse processo, como observei no Capítulo 1. Mead não teve nenhuma idéia
genial; ao contrário, ele pegou pedacinhos dos trabalhos de outros e os
combinou de maneira a fazer sentido.
A essência da interação, Mead argumentou, é a emissão de sinais e gestos.
Qualquer organismo deve agir dentro de seu meio ambiente, e, quando age
assim, emite sinais ou gestos que marcam seu curso de ação. A interação
ocorre, Mead sentiu, quando (1) um corpo emite sinais ao se mover em seu meio
ambiente, (2) outro corpo vê esses sinais e altera seu curso de ação em resposta
a eles, emitindo, assim, seus próprios sinais, e (3) o corpo original torna-se
consciente dos sinais desse corpo secundário alterando seu curso de ação à luz
desses sinais. Vamos imaginar um gato e um cachorro. O cachorro está
procurando um poste para fazer xixi (emitindo os sinais apropriados); um gato
vadio observa o cachorro vindo em sua direção e entra em pânico, fugindo (seus
gestos); o cachorro vê o gato e altera o curso de sua ação, esquece de sua
bexiga e, em vez disso, vai caçar.
Quando esses três estágios se passaram, então a interação ocorreu. Note
que sinais e gestos são o veículo crítico de interação e que esses sinais não
necessitam ser simhólicos no sentido cultural. Isto é, o gato pode não ser capaz
de ler ou interpretar os gestos do cachorro, nem o cachorro necessariamente
entende o pânico do gato. Mas “essa conversa gestual”, como Mead colocou, é,
todavia, interação.
Mead também pensava que os homens interagem num modo único e especial.
Os sinais que os homens enviam, lêem, recebem e respondem são simbólicos
na medida em que eles significam a mesma coisa para o corpo que envia e
para o corpo que recebe. Em resumo, eles são culturais. Os sinais nesta
página significam mais ou menos a mesma coisa para nós dois; como
conseqüência, a interação é especial porque é mediada por sinais que sao
dados pela definição cultural. Na realidade, com nossa inteligência, podemos
ligar significados comuns, combinados praticamente com todos os nossos
movimentos — fala, gestos faciais, expressão corporal, distância relativa dos
outros, vestuário, corte de cabelo, ou quase qualquer sinal ou gesto que
fazemos. É por isso que nos sentimos “num palco” em frente aos outros, pois
implicitamente sabemos que os outros estão lendo nossos gestos e
interpretando nossa atuação. Mesmo que alguns animais possam também
interagir simboIicamente, eles não podem fazê-lo na mesma medida que os
homens (Seboek, 1968; Aitchison, 1978; Maryanski e Turner, 1992).
Mead observou que a capacidade de ler gestos simbólicos permite que os
homens absorvam papeis ou assumam o papel do outro. O que ele queria dizer
é que, pela leitura dos gestos alheios, podemos nos imaginar em seu lugar;
podemos assumir seu ponto de vista e ter uma percepção do que é provável que
eles façam. Assim, se alguém vem até você encarando, mãos fechadas, e
chamando você de nomes obscenos, você pode imaginar-se na situaçao dele e
adequar suas reações. Todos nós assumimos papéis em toda situação, mas
geralmente não temos a consciência desse processo até que nos encontremos
numa situação complicada em que hesitamos a cada palavra e gesto emitidos
pelos outros. Imagine-se tendo um encontro pela primeira vez com alguém, ou
indo a uma festa onde você não conhece ninguém, ou entrando na escola ou
alojamento pela primeira vez, ou estando em qualquer número de situações
novas em que você dispõe apenas de normas institucionais básicas para se
orientar. Você enfrenta — isto é, você aprende as normas mais específicas para
a situação — assumindo o papel ou observando os outros e usando o que voce
ve para orientar suas reações. Isso é interação simbólica, e é o meio pelo qual
nos ligamos dentro da cultura e seus valores, crenças e normas. Contrariamente,
ao tornar-se consciente de símbolos culturais, podem-se assumir papeis e assim
relacionar-se com os outros em variados status de estruturas sociais específicas.
Como um teórico funcionalista poderia argumentar, a função de assumir papéis
é ligar as pessoas umas às outras e àcultura como um todo, desse modo
facilitando sua cooperação e, finalmente, a integração da sociedade. E então, se
fôssemos incapazes de usar símbolos culturais e assumir papéis, a interação
seria muito complicada de fato, e a sociedade desmoronaria.
Mead também enfatizou outros processos envolvidos na interação humana.
Um é o processo que ele denominou de mente. Para Mead, a mente não era
uma única coisa ou entidade, mas uma série de processos. Para Mead, a mente
é o processo oculto, nos bastidores da ação que antecipa as conseqüências da
escolha de um curso de ação; assim, com base nessa avaliação prévia,
escolhemos ou selecionamos uma ação específica. Mead caracterizou a mente
como o processo de “ensaio imaginário” no qual, como qualquer bom ator que
vá interpretar, ensaiamos nossa ação de diferentes formas e avaliamos a reação
de nossa platéia a essas alternativas. Tais processos mentais são uma parte
íntima da interação humana, pois, como assumimos papéis dos outros,
assumimos suas intenções, e nos conscientizamos das suas crenças e normas
importantes, que se tornam parte de nossas considerações mentais. Nós, então,
imaginamos como os outros reagirão a nós, e avaliamos se estamos tazendo a
coisa adequada em termos de códigos culturais. Um teórico do utilitarismo
acrescentaria algo à descrição de Mead: calcularíamos nossos custos-benefícios
quando imaginariamente ensaiássemos as ai terna tix’as, tentando escolher qual
nos daria o maior retorno.
Por sermos tão hábeis nesse processo, geralmente somos inconscientes de seu
funcionamento. Mas pense novamente sobre uma situação em que você se
sentiu emharaçado ou inseguro. Lembre-se de como você ensaiou seus
caminhos e antecipou qual seria a reação dos outros. Naturalmente não se pode
estar sintonizado o tempo todo; isso seria exaustivo demais. Mas todos nós
estamos sempre envolvidos em ler gestos, assumir papéis, e secretamente (em
nossa mente) imaginando as conseqüências de reações diversas. Pois, se as
pessoas não pudessem entrar nesses processos, a interação não poderia ser
flexível e não poderia envolver mais do que duas pessoas.
Ainda outro processo essencial envolvido na interação é o que Mead rotulou
de eu. De acordo com Mead, cada um de nós vê a si mesmo como um objeto
em cada situação em que nos encontramos, exatamente como vemos outros
objetos — pessoas, carros, cadeiras, casas etc. Quando nos comunicamos com
alguém, lemos gestos: assim fazendo, conseguimos uma imagem de nós
mesmos como um objeto. Assim, os gestos dos outros tornam-se um tipo de “eu
refletido” (Cooley, 1909) ou espelho no qual nós o vemos refletidos. Todos nós
estamos num sentido, implicitamente dizendo “Espelho, espelho meu”, só que
nosso espelho não está na parede do nosso quarto mas nos gestos de outros.
Em cada situação obtemos uma imagem de nós mesmos, mas também
apresentamos para cada situção uma imagem mais estável e tolerante de nós
mesmos como um certo tipo de objeto ou pessoa. Cada um de nós tem uma
auto-imagem, e é a nossa percepção dos gestos de outros, e não seus gestos
reais, que molda nossos comportamentos a fim de não violar essa imagem.
Assim, nossas ações na maioria das situações revelam uma coerência através
da qual buscamos sustentar nossa auto-imagem. Passamos a nos comportar de
modos previsíveis, e devido a nossa coerência os outros são capazes de
harmonizar suas reações com nossos comportamentos. Da mesma forma,
ajustamos nossas respostas aos outros nos moldes dessa interação.
Em síntese, o homem se revela e se reconhece nas relações com o outro e
com as coisas por meio de sím bolos.
Quando você diz coisas do tipo “Desculpe, eu não estou sendo eu mesmo”,
você está reconhecendo que os outros não o verão da forma usual porque você
agiu contrariamente a sua auto-imagem. Ou, quando você diz “Eu não posso
entender como ele pôde fazer isso”, você está realmente dizendo duas coisas:
sua percepção foi ineficaz, e você não pôde ver coerencia, como ditado pela
auto-imagem dele, nas reações dele. Daí você não saber como reagir.
Assim, George Herbert Mead viu a interação como um processo de emissão
e recepção de gestos, e, no caso dos homens, a emissão definiu culturaimente
símbolos que carregam 5ignificados comuns. Esses gestos são usados para
interpretar os significados e ajudar os homens a se tornarem conscientes das
intenções dos outros e suas possíveis linhas de conduta. Com as capacidades
cognitivas fornecidas pela “mente”, podemos ensaiar alternativas, imaginar seu
impacto, inibir reações inadequadas, e selecionar um modo de conduta que
facilitará a interação (ou, de um ponto de vista utilitarista, que maximizara os
benefícios ou recompensas). Além disso, podemos nos ver como objetos em
situações e lhes dar uma autoimagem estável, que nos dá uma bússola para
orientar nossas reações de modos característicos e coerentes. Tal é a natureza
de “interação simbólica” como visto por Mead, e suas visoes neste processo
primordial representam o ponto de partida para pesquisas futuras.

A REPRESENTAÇÃO DRAMJ TICA DO EU

Visto que todos nos somos atores num palco, orquestramos nossas emissões
de gestos para nos representar sob uma certa luz, como um certo tipo de pessoa,
e como um indivíduo que espera certas reações dos outros. Alguns de nós são,
é claro, melhores atores do que outros. Mas todos nós somos intérpretes que
manipulam a emissão de gestos. Essa visão de interação é conhecida
como teatraliza ção, um termo que se tornou popular pelo recente sociólogo
Erving Goffman (1959, 1967).
Goffman utilizou nossa analogia do teatro para distinguir os espaços de
interação entre palco e bastidores (Goffman, 1959). No palco, as pessoas
constantemente manipulam e orquestram os gestos de modo a trazer à tona
reações desejadas dos outros — reações que sustentam sua auto-imagem e que
correspondem às exigências normativas da situação. Nos bastidores, as
pessoas relaxam um pouco e tiram suas mascaras. Os bastidores permitem
alguma privacidade com companheiros que partilham as dificuldades de subir ao
palco. Para Goffman, muita interação acontece nas idas e vindas entre os
bastidores e o palco. Se você duvida disso, examine suas próprias rotinas
diárias. Você está nos bastidores quando está se preparando para ir à escola,
no banho, com escova de dentes, secadores de cabelo, bobs, maquiagem,
desodorantes e gel para cabelo. Você está no palco quando está se sentando
na classe, participando de uma reunião de estudantes ou flertando numa festa.
Sem os bastidores, a vida seria extremamente estressante. E ainda, sem o
palco, a organização social seria problemática. Como um funcionalista
argumentaria, a sociedade exige que as coisas sejam feitas e as ações sejam
coordenadas; esse fato, por sua vez, exige que os homens ajam e obedeçam.
Nós seguimos regras; dizemos a coisa certa; e nos conduzimos de forma
apropriada. Se as pessoas se recusassem a fazer assim, a realidade social seria
desordenada e caótica.
A teatralização também aponta um importante aspecto de toda a interação:
o uso de “adereços” físicos durante uma interação. Um desses “adereços” é o
nosso corpo, e seu “arranjo” durante a interação. Um grupo de pessoas de um
círculo fechado, ao interagir, está dizendo algo às pessoas fora desse círculo;
duas pessoas que andam juntas, de mãos dadas, estão numa interação muito
diferente do que outro casal que mantém alguma distancia um do outro; ou uma
classe com cadeiras num círculo terá um sentido diferente, contrária àquela com
fileiras como em um teatro. Assim, como posicionamos i10550s corpos em um
gesto, o qual “diz algo” sobre o fluxo de interação, e usamos “linguagem corporal”
—posição, olhares, toques e outras insinuações — para criar significados sobre
o que está acontecendo.
Outro “adereço” são objetos no espaço — mesas, cadeiras., paredes,
portas, divisórias, bancos e qualquer coisa que seja um objeto físico que
comunique alguma coisa sobre uma interação. Quando uma pessoa se senta à
mesa ou vira uma cadeira para colocar os pés, esse gesto comunica
informalidade. Um professor que se senta sobre a mesa interage muito
diferentemente do que o que permanece de pé atrás de uma tribuna. Ou, na
interação mais personalizada, nós geralmente colocamos ou tiramos barreiras
físicas para comunicar distancia ou proximidade.
Ainda, outro “adereço” é o vestuário, que diz muito aos outros e, como
consequência, estrutura o fluxo de nteraçao. Reagimos e respondemos muito
diferentemente a um professor usando paletó e gravata do que a um vestido
informalmente. Os vários tipos de vestuário— emblema> de associações,
distintivos atléticos, dizeres em camisetas etc. —todos influenciam de modo sutil
o fluxo de interação.
Outro aspecto da teatralização é o que Erving Goffman (1959) chamou de
manipulação de percepções, em que orquestramos gestos, estruturas de palco,
e posição de corpo para apre>entar uma fachada. Fazemos isso a fim de
apresentar determinado eu à nossa platéia e para receber certos tipos de
reações. Então, quando estamos no palco, gerenciamos nossos gestos e outros
adereços disponíveis. Tal manipulação dá ao comportamento de cada pessoa
uma coerência, facilitando a sintonia de comportamentos. É claro que, como
enfatizou Goffman, as fachadas podem tanto manipular quanto decepcionar,
como, por exemplo, quando um “homem de bem” apresenta uma fachada que
mascara suas intenções verdadeiras de roubar Todos nós fazemos isso às
vezes, espero que em menor grau, mas ainda nos percebemos apresentando
uma fachada que não é lá muito verdadeira.

AS TÉCNICAS IMPLÍCiTAS DE INTERAÇÃO

Dividir o mundo em palcos e seguir os roteiros culturais de comportamento não


é suficiente para garantir um sentido de ordenação durante a interação. Todos
nós conhecemos alguém que aparentemente faz qualquer coisa exatamente da
forma que tem de ser e, contudo, nos preocupamos. Algo está faltando — não
temos certeza absoluta do que é —‘ mas algo está errado em como esta pessoa
fala, gesticula e age. Uma razão possível para essa preocupaçao é a falha ou
inabilidade desse indivíduo na utilização de certas técnicas de interação
implícita, porém extremamente importantes. Quando essas técnicas não são
usadas, o sentido de continuidade e ordenação na interação é quebrado (Mehan
e Wood, 1975; Handel, 1982). Assim, a interação depende de alguns processos
complementares que o sociólogo Harold Garfinkel (1967) denominou
etnométodos. Quando interagimos com os outros, usamos uma variedade de
métodos interpessoais ou técnicas para criar e sustentar uma ordem e fornecer
continuidade na interação. Esses métodos interpessoais são tão
inconscientemente empregados que nos conscientizamos deles apenas quando
alguém não os usa, ou os usa incorretamente.
Usando um dos exemplos de Garfinkel (1967), tente imaginar sua reação
se você fosse o sujeito desta interação fictícia:

Si. 11-110: O pneu furou.


E\ni RI\1I \TA1R)R: O que você quer dizer com o pneu furou?
SL Iii o: O que você quer dizer com o que você quer dizer? O pneu furou quer
dizer que o
pneu furou. É isto o que quis dizer Nada especial. Que pergunta louca!
Obviamente, essa interação está perdendo sua continuidade e ordenação, mas
por quê? A razão é que o indivíduo 2 violou uma técnica implícita e combinada
em todas as interações:
não perguntarmos o óbvio e presumirmos (o que não deve ser desafiado) que
partilhamos certas experiências de vida. Os teóricos da etnometodologia
denominaram esse método específico de princípio et cetcra porque
comunicamos com nossos gestos a ordem implícita de não se questionar certas
coisas. Deixe-me agora reconstruir para você um diálogo que eu tive com um
aluno (novamente, imagine-se nesta interação).

Ai t”’co: Você sabe, estou tendo problemas com esta matéria.


Ei : Não, não sei.
Ai c~o: A matéria é tão, tão abstrata, você sabe?
EL’: Não, não sei.
Acu\o: Bem, eu ... eu voltarei uma outra hora.

As pessoas freqüentemente usam a frase “você sabe” em diálogos. Quando esta


pequena frase é usada, o princípio et cetera, ou técnica, está sendo invocado. O
locutor está, na essência, afirmando que devemos aceitar o pronunciamento
dele, mesmo que “não saibamos” o que significa. Balançando a cabeça ou
dizendo “Sim, eu sei”, criamos um sentido compartilhado e ordenamos a
interação.

INTERAÇAO DE PAPÉIS SOCIAIS

Um papel social é simplesmente um conjunto de comportamentos (gestos) que


as pessoas emitem e que os outros aceitam como significando um tipo e curso
de ação particular Como vimos no último capítulo, muitos papéis sociais são
ditados por normas e por nosso status numa estrutura social (Parsons, 1951).
Por exemplo, quando você atua como aluno (vestindo-se de um certo modo,
falando de uma maneira particular, tomando notas, participando de aulas, e
assim por diante), o conjunto de seus comportamentos revela uma coerência e
um estilo que quase qualquer um pode reconhecer como “apenas de um aluno”.
Este papel social é, em grande parte, ditado pelas normas culturais e atuação
em uma estrutura escolar Essas mesmas características podem ser encontradas
na empresa.

QUADRO 5.1 Ver ficando Rupturas na Interação

Uma maneira de descobrir o universo sutil não pronuncie nenhuma palavra e


tente
dos métodos é verificar, você mesmo, não mexer seu rosto ou como. Se você
seguir
uma ruptura. E isso é muito fácil, porque alguma dessas sugestões, uma
interação
toda e qualquer interação face a face en- provavelmente se desintegrará
diante de
volve o uso de técnicas implícitas. Aqui seus olhos.
estão algumas sugestões: na próxima vez que Outra boa idéia seria agir
como um convialguém usar a frase “você sabe” diga que dado na casa de
seus pais: pergunte se você
você não sabe, ou tome a afirmação mais pode usar o banheiro, peça
permissão para
óbvia que uma pessoa faz (“Estou atrasado pegar algo para comer, pergunte
se você
para a aula”) e pergunte o que a pessoa pode se deitar, e assim por diante,
como se
quer dizer (“O que você quer dizer com afta- você fosse um convidado. Seus
pais imagisado?”), ou, ainda melhor, permaneça narão”oqueestáerrado”
etentarãoreconsindiferente quando alguém fala com você, truir um sentido de
ordenação.

Ainda, os códigos culturais e o status de alguém em uma estrutura social são,


no melhor dos casos, caracterizações gerais (R. Turner, 1962). Há sempre muito
espaço para manobras; é sempre possível apresentar-se de um modo específico
(como aluno atleta, aluna “rainha da beleza”, membro da associação estudantil,
membro do grêmio, aluno intelectual, aluno louco, aluno arroz-de-festa etc.). Isso
é o que Goffman denominou de manipulação de percepções, parte da qual
envolve gestos orquestrados para avaliar que papel social vamos desempenhar
Na realidade, os outros estão esperando ler nossos gestos para descobrir esse
papel social. Como parte de nossos estoques de conhecimento (Schutz, 1932),
todos nós carregamos dentro de nós mesmos idéias gerais de vários papéis
sociais —o de aluno, mãe, pai, namorado, trabalhador, estudioso, atleta,
“caxias”, cômico, paquerador, professor, motorista, gerente, calouro, amigo,
colega, e assim por diante. Para cada papel social provavelmente temos muitas
concepções sobre os comportamentos adequados. A interação é bastante
facilitada pela habilidade de armazenar papéis sociais em nossa memória
porque, uma vez que o papel social de alguém é estabelecido de acordo com
essas idéias, podemos antecipar, pelo menos até certo ponto, como aquela
pessoa reagira conosco. A vida é muito menos estressante quando somos
capazes de colocar alguém em um papel social, pois podemos então assumir o
papel social recíproco e, de certa forma, continuar no piloto automático. E
quando não conhecemos o papel social de um indivíduo te temos de trabalhar
na interação. Temos de ler gestos mais ativamente, absorver um papel mais
cautelosamente, olhar fixamente e com atenção através cio “eu refletido”,
permanecer mais mentalmente alertas e fazer muitos exercícios mentais
cansativos. A vida é muito mais fácil quando os outros orquestram seus gestos
para informar que papel social e4ão desempenhando.
Esses processos de interaçao s~o dados em sua mais articulada expressão
pelo sociologo Ralph li. Tu rner (190 19ó8 1980). Turner argumentou que não
apenas assumimos papéis perante os ocitros (para ver qual é o papel social
deles) mas também criamos papéis. Como parte de nossa representação teatral,
nós consciente e inconscientemente manipulamos gestos — palavras, postura,
inflexão de xoz, vestuario, expressões faciais — para dizer aos outros que papel
estamos desempenhando, xisto que os outros estão buscando nesses gestos
um sinal de nosso papel. Além disso, eles assumem que os nossos gesto)s ser~o
coerentes e quis nossos respectix’os papéis 5~o todos coerentes; e assim, uma
vez que eles tenham lido alguns gestos e colocado uma pessoa em um papel,
eles esperam que outros gestos sejam coerentes com esse papel. E as pessoas
estão) constantemente x’erificando e reveri ficando os papéis umas das outras
apenas para certiticar-se de que elas os desempenharam de modo certo.
A>sim, todas as interações envolvem os processos de representação de
gestos para avaliar um papel, buscando descobrir os papéis dos outros, e
reax’aliando e reverificando os papeis. Entretanto, uma vez que somos
colocados dentro de um papel pelos outros, égeralmente difícil escapar, porque
os outros continuam a reagir a nós como representantes daquele papel. As
pessoas relutam em nos deixar de fora de um papel, porque elas não querem
reajustar seus comportamentos, a menos que sejam forçadas a isso. Somente
através de um esforço persistente é que as pessoas podem recriar seus papéis
em uma situação.
Tente agora lembrar-se de algumas situações pessoais em que essas
dinâmicas de papéis funcionaram. Você lembrou de situações em que foi~”
malcompreendido” e colocado em um papel errado; ou lidou com pessoas que
“x’ocê não poderia compreender” porque seus comportamentos não revelavam
um papel que você conhecia; ou você se viu ou viu outros indivíduos tentando
fazer um papel para si mesmos que eles simplesmente não podiam representar
e nos quais eles não poderiam ser levados a sério. Se essas situações
i.aracterizassem toda a vida social, a interação seria embaraçosa e difícil.
Felizmente, na maioria das interações desempenhamos papéis, criamos papéis
e verificamos papéis sem dificuldade. Como conseqüência, nossas interações
acontecem facilmente.

OS ESTEREÓTIPOS NAS INTERAÇÕES

Freqüentemente as pessoas desempenham papéis que são tão conhecidos e


estereotipados que interagimos com eles como modelos, como não-pessoas ou
como categorias. Não épreciso ser insensível e mesquinho para tratar as
pessoas como não-pessoas; mas, na vida ocupada que todos nós levamos,
achamos mais fácil fazer as coisas quando podemos interagtr com pessoas
como estereótipos. Se tivéssemos que interagir pessoalmente com todo
funcionário, transeunte, colega de classe, professor, zelador, administrador, ou
vendedor de alimento, tratando cada um como um ser humano único e fascinante
que merece O) nosso) mais sensivel e preciso desempenho de papel, nós nos
consumiríamos, e jamais conseguiríamO)s fazer qualquer coisa. Assim, em uma
sociedade complexa em que participamos de muitas situações, a interação em
termos de categorias é essencial, um ponto enfatizado pelo) so)cioilogo) alemão
prectirso)r Alfred Schutz (1932). Para esses brex’es mas tuncionalmente
essenciais enco)ntro)s, as pessoas muttiamente cate çartzam, ou constro)em
tipificações. Isto é, elas imediatamente colocam umas às outras em papéis
altamente característico)s e co)m isso) fazem seu negócio sem dificuldade.
Quando uma pessoa compra mantimento)s em uma loja, ela e o funcionário
estereo)tipam um ao outro, interagem de maneiras muito) previsíveis, e mal se
dão conta um do) o)utro. E claro que, se ela se torna uma “cliente regular” (outro
tipo de estereótipo), então ambas as partes trabalham um pouco mais
arduamente e tentam ser um pouco mais pessoais.
As interações obviamente variam em seu grau de categorização mútua. Além
disso, quando elas são sustentadas, elas tendem a se desenx’olver no tempo
desde o altamente estereotipado ao) mais particular. Entretanto, esse processo
deve acontecer durante o decorrer do) tempo). Se alguém “avança rápido
demais”, “se atira sobre você”, ou “invade seu espaço”, vo)cê percebe desde o
movimento muito rápido) de uma interação estereotipada ate uma que é mais
pessoal e íntima. Um primeiro namorado que confessa setis mais íntimos
sentimentos está violando o papel de “recém-conhecido” e o estereotipando
como um “primeiro namorado”. Nessa situação a pessoa se sente embaraçada.
Um médico que faz a você perguntas muito) íntin)as e revela seus sentimentos
pessoais está provavelmente “provo)cando uma reação em você” (sua nova
designação do papel do médico) e, como conseqúência, está violando seu
estereótipo de médico.
Até certo ponto, as normas nos dizem catita as situações íntimas ou
estereotipadas devem ser. Mas também, to)dos temos idéias implícitas sobre
essas questões. Nós raramente damos ouvidos aos estereótipos, a menos que
eles sejam violados, forçando-nos a agir de forma mais interpessoal do que
queremos.

MOLDURAS DE INTERAÇÃO
Sem a capacidade de diminuir o campo da interação, teríamos de gastar muita
energia buscando dar sentido às interações. Felizmente, os homens dispõem de
um importante atalho: eles usam seus gestos e “adereços” para enquadrar a
interação. Mais uma vez, Erving Goffman (1974) nos fornece uma importante
análise, usando a metáfora de uma moldura de quadro que engloba e destaca
certos objetos (o quadro) e exclui tudo o mais fora dela. Os homens criam
molduras simbólicas com seus gestos, indicando o que érelevante e irrelevante
para a interação. Por exemplo, quando alguém diz “Posso falar com você em
particular”, esse conjunto de gestos enquadra a interação de uma maneira
particular. Ou, quando alguém diz “Eu não quero falar sobre isso”, assuntos
potenciais de interação estão sendo colocados fora da moldura.
Enquadrar é tão importante à interação que é geralmente usado
involuntariamente. Pegue um “bom artista” novamente; um bom artista cria duas
molduras, uma “própria” de seus pensamentos, é a base para a interação e outra,
mais secreta, que difere da anterior. Ou pense sobre alguém que parece estar
manipulando outro: a pessoa que manipula está em geral criando uma moldura
para aparências e uma outra para fins privados para que os outros não
percebam.
Molduras são criadas de muitas formas. A fala é, naturalmente, a mais
óbvia: “Mãos à obra”, “Estou apaixonado”, “Estou com dor de cabeça”,
“Precisamos conversar”, e assim por diante. Mas além das palavras faladas,
usamos outros gestos e “adereços” também (J. Turner, 1988). Por exemplo, o
número de pessoas e seu enquadramento em uma situação, como é o caso para
uma aula em que os corpos são alinhados em fileiras e este alinhamento
enquadra a situação, em termos do que pode, e não pode, ocorrer. Ou a
distância física entre as partes para uma interação enquadra a situação,
tornando evidente a movimentação de alguém dentro de nossa “área pessoal”.
Ao lado do enquadramento corporal, nossa conduta — expressão corporal, por
exemplo — faz muito do trabalho de moldura, visto que se abaixar contra uma
parede e permanecer em pé e se jogar para frente significam duas coisas
opostas. Estruturas físicas também enquadram interações; por exemplo, os
alunos podem rapidamente notar quando vão do corredor em que estavam
conversando para a sala do professor.
As molduras podem ser trocadas, ou reencaixadas nos termos de Goffman
(1974). Quando alguém diz “Não vamos mais conversar sobre isso”, está
mudando de moldura. De fato, qualquer interação que resiste pode experimentar
diversas trocas de molduras —por exemplo, fofoca geral para trabalhar como
relatos sobre confidências pessoais, de volta à fofoca geral, e assim por diante.
Uma vez que entendemos os palpites para a troca de molduras, torna-se
possível mover-se sem dificuldades através da essência sempre mutante da
interação. Além disso, podemos assentar interações em múltiplas molduras,
assim as pessoas em um ambiente de trabalho (uma moldura) conversam
informalmente como amigos (outra moldura dentro da primeira), com alguns se
tornando bons amigos ou companheiros (outra moldura dentro da última) e com
outros se tornando namorados (ainda outra moldura). Assim, a interação é
assentada e laminada em molduras, e podemos ir de uma para a outra um tanto
facilmente — como denota uma simples frase como “Bem, de volta ao trabalho,
eu espero”.
Sem enquadrar, a interação seria muito mais trabalhosa. Em nossos “estoques
de conhecimento” nós adquirimos discernimentos sobre os significados dos
gestos com relação a molduras, e molduras reencaixadas. Como temos essa
facilidade, podemos facilmente determinar o que é relevante e apropriado para
uma situação, e então atuar sem muitas preliminares. Se nossa facilidade no
enquadramento é fraca, entretanto, pareceremos perdidos e “fora dela”,
expressando afirmações e comportando-nos de maneiras que pareçam
estranhas aos outros.

RITUAIS DE INTERAÇÃO

Nós todos provavelmente já passamos por algum conhecido e dissemos “Oi”, e


não recebemos nenhuma resposta. E uma experiência muito incômoda, até
mesmo se não conhecemos bem a pessoa. A razão para esse desânimo, talvez
até mesmo raiva ou aborrecimento, é que um ritual de interação foi violado. Muito
da interação humana émediada pelos rituais interpessoais; isto é, cada indivíduo
está comprometido com um comportamento altamente estereotipado (Goffman,
1967). E interações entre as pessoas, que estão mutuamente estereotipadas,
são quase todas ritualizadas. Por exemplo, “Como vai você hoje?”, “Muito bem”,
“O tempo está bom”, “Sim”, “Tenha um bom dia”, “Tchau”, e “Até logo” são todos
rituais de interação. O mesmo é verdade para o caso das molduras, em que
rituais são freqüentemente usados para enquadrar inicialmente, e então
reenquadrar uma situação. Nós estamos comprometidos nesses rituais de
interação porque eles nos dão uma sensação de ser uma linha dentro do tecido
social.
É mais provável que a interação seja ritualizada sob certas condições
(Collins, 1975):
entre estranhos e entre pessoas de status muito diferentes. As pessoas que não
se conhecem bem conx’ersam com base em estereótipos, sentindo-se cada qual
distante, e fazendo contato sem compromisso. Aqueles de poder, prestígio e
riqueza desigual interagem em padrões ritualizados para esconder a tensão
latente entre as diferenças. Aqueles em status subordinados procuram não
demonstrar suas dificuldades, ao passo que as pessoas de alto status
geralmente desejam reconhecimento de seu status imponente, sem provocar
rancores e sem ter que controlar o respeito dado pelos indivíduos de baixo
status. Lembre-se, por exemplo, de uma conversa que você pode ter tido com
um professor: toda a sua informalidade aparente é altamente ritualizada, pois a
interação é entre as pessoas de status muito diferente. Assim a teoria do conflito
enfatiza um importante aspecto de interação:
as pessoas na interação estão geralmente em situação de desigualdade e, como
conseqüência, em um estado de tensão. Essa tensão pode ser minimizada por
um ritual e distanciada, mas está sempre lá, pronta a surgir dentro da mais
antagônica interação.
Assim, os rituais nos permitem conservar nossas máscaras e manter nossa
dignidade e ao mesmo tempo reforçarmos nossos sentimentos de pertencer a
um todo social maior. Os rituais mais críticos são estes do dia-a-dia, que
desempenhamos rotineiramente e não acidentalmente a íueuas que alguém não
participe. E neste caso vemos como eles são importantes, pois nosso sentimento
de continuidade social é interrompido.
Na realidade, interações cotidianas são estruturadas por rituais (J. Turner,
1986a, 1988, 1989; Turner e Collins, 1989). Há rituais de abertura (“Oi, como vai
você”) e rituais de fechamento (“Até logo”); e no meio dessa abertura e
fechamento há rituais para reparar rupturas (“Oh, desculpe-me, eu não sabia”),
para enquadrar e reenquadrar (“Isto ébastante”), para dar seqüência à conversa
(“Isto é realmente interessante, mas você pensou em ... ‘)e que organizam o fluxo
da interação. Aqueles que não podem usar esses tipos de rituais interpessoais,
ou que os usam de um modo errado, parecem embaraçados e difíceis; a
interação torna-se convulsiva, e falta continuidade e fluxo.
Assim, rituais são essenciais à interação. Se você tem dúvida disso, viole
apenas um ritual, tal como não dando uma abertura ou fechamento onde é
pedido ou violando qualquer um dos muitos rituais que você implicitamente
entende. Se você fizer isso, a interação se tornará forçada de repente, indicando
como os rituais são importantes à estrutura social.

JNTERA ÇÃO COM GRUPOS DE REFERÊNCIA E PESSOAS AUSENTES

Henry David Thoreau implicitamente capturou uma importante dinâmica da


interação humana quando escreveu: “Se um homem não acompanha os passos
de seus companheiros talvez seja porque ele ouve um tambor diferente. Deixe-
o ater-se à música que ele ouve, apesar do ritmo e da distância”. Em todas as
interações, lidamos não apenas com aqueles imediatamente presentes, mas
com muitos “tambores distantes”. Podemos simultaneamente interagir com
pessoas presentes e com pessoas ausentes. Esse processo é, às vezes, óbvio
com filhos jovens, os quais, quando brincam juntos, invocam seus pais (“Olha, o
meu pai diz ...“ ou “O que sua mae vai achar disso?”). Todos nós também
interagimos com pessoas importantes que nao estão presentes — um cônjuge,
um namorado, um pai, um filósofo, ou qualquer um que consideramos
significatix’o para nós. Em geral, a reação percebida ou introduzida desses
indivíduos distantes é bem mais importante do que as reações daqueles bem a
nossa frente. Todos nós gostamos de pensar em nós mesmos (especialmente
nos Estados Unidos), como individualistas convictos que somos, e assim
disfarçamos ou evitamos saber o quanto, ao interagir com o “outn)” ausente,
nossa conduta é orientada.
Ereqüentemente as pessoas distantes personificam valores culturais e
crenças, e interagindo com eles nos ligamos à cultura geral ou a uma subcultura
específica (Kelley, 1958). E, com a mesma freqüência, assumimos o ponto de
vista de um grupo grande de indivíduos~,sem separar, até mesmo sabendo
disso, um indivíduo particular que personifica este ponto de vista (Shihutani,
1955). Melhor, temos uma idéia geral do que esses grupos de referência
esperam, e nós, desse modo, ajustamos nossa conduta. George l-lerhert Mead
referiu-se a esse processo de interação como o “outro generalizado”.
O fato de que a interação geralmente envolve pessoas distantes e grupos de
referência pode potencialmente criar tensões com aqueles que não sabem sobre
esses tambores distantes. O que eles podem ver é alguém que perde os palpites
ou que viola as normas da atual situação. Normalmente, somos bastante bons
em reconciliar nossos comportamentos com aqueles tanto próximos quanto
distantes. Mas às vezes temos dificuldade, e, como conseqüência, dizemos e
fazemos coisas estúpidas, pelo menos no ponto de vista daqueles a nossa
frente. Outras vezes, reconhecemos que andamos em direção a diferentes
tambores e ritualizamos nossas interações. Por exemplo, atletas e intelectuais,
negros e brancos, hispânicos e anglo-saxônicos, velhos e jovens, ricos e pobres,
educados e mal-educados, todos ritualizam seus encontros iniciais para evitar
as tensões e embaraços criados por nossa interação com pessoas distantes não
familiares e grupos de referência (Merton e Rossi, 1968).

INTERAÇÃO E ORDEM SOCIAL

Finalmente, a sociedade é mantida unida pelas pessoas em contato face a face.


Naturalmente, os indivíduos criam um universo de símholos culturais e estruturas
de grande porte que limitam o que eles podem fazer quando se encaram e
quando emitem sinais e interpretam gestos mutuamente. De fato, os sistemas
de símbolos e matriz de estruturas sociais têm x’ida própria, sendo dirigidos
pelas dinâmicas que podem esmagar os indivíduos; e, ainda, são as pessoas
que ocupam status em estruturas sociais, desempenham papéis, têm simbolos
que orientam suas vidas, e sustentam a cultura e estrutura da sociedade. Assim,
o processo de interação fortalece as organizaçoes sociais e eu 1 turais.
É difícil fazer a conexão entre a interação de micronível e as
macroestruturas e sistemas culturais. Nós sabemos que eles estão ligados — o
micro não é possível sem a existência da macro, e vice-x’ersa — mas a influência
mútua dos dois níveis é difícil de discernir e analisar. Este problema e
denominado de problema de micro-macro “vínculo” ou micro-macro “intervalo”
(J. Turner, 1983; Alexander et ai., 1986). Ainda, para nossas finalidades,
precisamos apenas reconhecer que os processos esboçados neste capítulo são
os que sustentam as estruturas e símbolos do mundo social. Sem a habilidade
de manipular códigos, desempenhar papéis e interpretar gestos, as estruturas
da sociedade e os sistemas de simbolos da cultura (língua, tecnologia, estoque
de conhecimento, valores, crenças, normas) nao poderiam existir.
Contrariamente, essas estruturas e sistemas de simbolos limitam e orientam o
curso da interação.

RESUMO

A interação envolve a emissão mútua de sinais e leitura de gestos e o ajuste de


respostas àemissão de gestos. A interação humana, de acordo com G. 11.
Mead, também envolve as capacidades pela mente (pensamento,
consideração e ensaio de alternativas) e o eu (vendo a si próprio como um
objeto).
2. Na análise de Erving Coffman, a interação ocorre em um teatro, tanto o palco
quanto os bastidores, e usa “adereços” para orquestrar uma fachada pessoal
como parte de um processo mais generico da manipulação de códigos.
Goffman também desenvolveu a noção de “moldura” como parte da
manipulação, desse modo os individuos mostram o que deve ser incluído e
excluído como consideração relevante durante o curso de interação.
3. A etnometodologia enfatiza que muito do sentido de ordem dos homens é
sustentado por técnicas, que são implicitamente usadas pelos indivíduos
para preservar a idéia de que eles experimentam o mundo social de maneiras
semelhantes.
4. A interação ocorre em estruturas sociais, em que as considerações de papéis
sociais se tornam importantes. As pessoas gerenciam sua emissão de
gestos para desempenhar papéis sociais para si mesmas, e ativamente lêem
os gestos umas das outras a fim de descobrir os papéis sociais que os outros
estão tentando estabelecer. Esse processo é possível porque os indivíduos
dispõem, em seus estoques de conhecimento, de conjunto de papéis sociais
que eles adotam ao representar o papel para eles próprios e ao interpretar
os gestos de outros. Os indivíduos também buscam verificar e reverificar os
papéis uns dos outros.
3. Muitas interações procedem em termos de estereótipos mútuos, nos quais
os indivíduos se veem como categorias segundo as quais adaptam suas
respostas.
e. A interação depende de rituais, ou seqüências estereotipadas de gestos, que
indicam a abertura,
o fechamento, a estruturação e outros aspectos do processo de interação.
A interação envolve conscientização de, e adaptações para, expectativas dos
outros e ponto de
vista de grupos não fisicamente presentes numa situação. Tais grupos de
referência e outros
distantes geralmente orientam e dirigem os comportamentos e reações dos
indivíduos.
8. Interação, estrutura social e cultura são inter-relacionadas. Cada uma não
poderia existir sem a outra.

Potrebbero piacerti anche