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CURSO DE DIREITO
SÃO PAULO
2019
EMANOELA CAMARGO RODRIGUES SANTOS
SÃO PAULO
2019
AGRADECIMENTOS
Obrigada!
“Quando o homem aprender a respeitar até
o menor ser da criação, seja animal ou
vegetal, ninguém precisará ensiná-lo a amar
seu semelhante.”
Albert Schweitzer
RESUMO
Este trabalho se desenvolve com o fito de analisar a maneira por meio da qual a
legislação atualmente vigente em território brasileiro lida com a proteção da flora, e,
principalmente, da fauna, estabelecendo, para tanto, os principais e mais concisos
marcos jurídicos que correspondam a essa monta de proteção. Noutra mão, aqui se
estabelece também a relação contida entre a proteção animal perante a garantia
individual de liberdade de credo e de culto – tecendo-se alguns paralelos com a
garantia de determinação cultural de qualquer sujeito que, no Brasil, resida – para
que assim, debaixo desse esteio, possa-se haver um direcionamento de uma
argumentação fundada no entendimento da senciência dos animais e a vedação – já
existente em legislação materna – a que eles sejam submetidos a situações que se
assemelhem a tortura e que firam sua incolumidade. Isso nos guia às últimas, e até
recentes, decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal com relação a vedação
da manifestação cultural da vaquejada, mas, por outro lado, a autorização a que
religiões que possuam matriz africana possam exercer sua liberdade de credo,
ainda, pelo sacrifício de animais. Assim, ao fim, delineia-se qual, dentro dessa
perspectiva, princípio – (i) liberdade de culto, crença e prática, (ii) manifestações
culturais e (iii) dever de zelar pelos animais – deveria sobrepor-se, frente a evidente
existência de conflitos, em território nacional a seu exercício pleno, apontando-se, ao
fim, a possibilidade de existência de conciliação entre manifestação cultural e
liberdade religiosa em face da proteção aos animais.
This paperwork is developed aiming the analyze on how the Brazilian legislation
deals with flora and, specially, fauna protection, establishing, for this purpose, which
are the legal boundaries that set such perception of protection. In the other hand,
here is also established the relationship between the animal protection facing the
individual rights of belief and cult (worshipping) – drafting necessary parallels with the
individual right of cultural self-determination that anyone in Brazil has – to be able to,
under this surface, arguments towards the defense of animal sentience along with
the prohibition – already present within Brazilian legislation – to animals be put into
situations that resemble torture and hurt their safety. This guides us to the latest
decisions portrayed by Brazilian Federal Supreme Court regarding the prohibition of
the cultural manifestation locally called “vaquejada”, but, on the other hand, the
authorization for religions with an African’s origins to exercise their freedom of creed
through animals’ sacrifice. Thus, in the end, it is outlined which, within this
perspective, principle: (i) freedom of worship, belief and practice, (ii) cultural
manifestations, and (iii) duty to care for animals - should overlap in face of evident
existence of conflicts in the national territory to their full exercise, pointing out, at the
end, the possibility of conciliation between cultural manifestation and religious
freedom in view of the protection of animals.
1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 8
7. CONCLUSÃO .......................................................................................................... 32
REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 34
8
1. INTRODUÇÃO
2. DA PROTEÇÃO DA FAUNA
1 “ARTIGO 5: Cada animal pertencente a uma espécie, que vive habitualmente no ambiente do
homem, tem o direito de viver e crescer segundo o ritmo e as condições de vida e de liberdade que
são próprias de sua espécie.” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1978).
2 “Nenhuma outra legislação vigente define claramente o que considera “maus tratos”, o que por si só
tão-somente, no que tange a esta questão, a competência privativa do Congresso Nacional para
legislar sobre minas e terras da União, em virtude da natureza privatista que predominava naquele
período histórico.” (GREY, 2017).
5 Idem.
13
cidadão é legitimo para propor ação popular com vistas a anular atos lesivo ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico-cultural.
Pontua-se, ainda, que em 1.998 até mesmo sancionou-se a Lei de n.º 9.605,
conhecida como “Lei dos Crimes Ambientais”, que traz um rol de crimes contra a
fauna – estabelecendo suas correspondentes sanções do art. 29 ao art. 376 –,
contudo sem especificar quais animais nele estão7 e sem, sobretudo, estabelecer o
que seriam os referidos maus-tratos a que se, até hoje, refere.
6 Aqui é interessante que se destaque o artigo 32 que, muito semelhantemente ao Decreto n.º 24.645
de 10 de julho de 1934, considera como crime o abuso e maus-tratos que visem ferir ou mutilar
animais, além de vedar qualquer experencia dolosa e cruel, mesmo que com fins científicos ou
didáticos.
7 Isso, em uma análise lexical, permite que interpretemos que tais animais, pela amplitude do
Logo, pode-se estabelecer que o art. 225 foi criado pelo Constituinte não só
com o propósito de proteção a fauna, mas, também, para preservar a vida do
homem e das gerações futuras, visto que um ambiente ecologicamente saudável
está no rol dos direitos e garantias fundamentais – além de ser essencial para que o
ser humano tenha uma existência e vida digna.
Mesmo sem dizer expressamente, no art. 225, §1º, inciso VII, a Constituição
Federal reconhece a senciência animal8, quando dispõe que o Poder Público deve
coibir práticas que submetam os animais à crueldade. Logo, percebe-se que o
principal objetivo é resguardar a vida do animal, visando impedir o sofrimento, ainda
que aquela ação propriamente dita não esteja, de maneira direta, causando impacto
no ecossistema.
Art. 5. Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo- se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado
o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e as suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa
nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir- se de
obrigação legal a todos imposta e recusar- se a cumprir prestação
alternativa, fixada em lei.
5.1. Vaquejada
(...) para a prova se realizar, o animal, ao ser solto, deve ser perseguido e
ter sua cauda puxada e torcida para que caia exatamente em uma área
marcada no chão. Na queda, o bovino deve ficar com as quatro patas para
cima. Isso causa, além de desconforto físico, ferimentos, danos e dor, um
sofrimento mental e angústia pela perseguição.
No mesmo sentido, a Dra. Irvênia Luiza de Santis Prada (apud LEITÃO, 2002,
p. 23), emitiu parecer técnico:
ele não consegue mensurar o que está acontecendo e fica extremamente assustado
– e, em segundo, a violência física – devido aos ferimentos causados na extensão
do seu corpo e principalmente no rabo –, pois, pela força feita para segurá-lo,
ocasiona-se uma luxação das vertebras, gerando quebra dos vasos sanguíneos e
dos ligamentos, podendo até mesmo levar o animal a óbito.
“De acordo com a Lei nº. 9.605, de 1998, artigo 32, considera-se crime de
crueldade, este tipo de tratamento dado aos animais em vaquejada. Os
animais, como os seres humanos, são dotados de emoções, como amor,
raiva, ansiedade, ciúmes, medo e principalmente a dor. Cadê a
superioridade dos seres humanos? Onde está o respeito ao próximo e aos
animais? Coloquem-se só por um minuto no lugar deles! Existem outras
formas de se divertir. Pois numa diversão todos deveriam sair ganhando!”.
(SENADO, 1998).
Sobre isso perceba-se que a tese elaborada pelo Supremo Tribunal Federal
exatamente restringiu a possibilidade de exercício de culto sob o uso de animais às
religiões que não possuem matriz africana. Não há, aqui, margem a que outra matriz
possa beneficiar-se da decisão proferida pela Corte.
Fala-se que “Segundo a crença, somente quando a vida animal é extinta sem
sofrimento se estabelece a comunicação entre os mundos sagrado e temporal”
(SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2019). “Não se trata de sacrifício para fins de
entretenimento, mas para fins de exercício de um direito fundamental que é a
liberdade religiosa” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2019). Essas assertivas
foram trazidas pelo ministro Luís Roberto Barroso em seu voto para justificar não
23
A priori vale especificar que, por exemplo, CORDEIRO, 2019, traz uma
descrição de como são realizados certos rituais que, sob a ótica plenamente
humana, poderiam ser considerados como abusivos e fruto de “maus-tratos”:
Assim, propõe-se que, aqui, não se quer buscar respostas que não sejam
admitidas dentro de nosso arcabouço legal já existente, contudo também não se
quer que haja um desprezo dos direitos inerentes aos animais não somente já
reconhecidos socialmente, mas, inclusive, pela comunidade legislativa brasileira.
Veja-se que a Lei de n.º 9.605 de 1998 – que justamente propõe-se como
medida legislativa para estabelecer as punições penais e administrativas derivadas
as atividades e condutas lesivas ao meio ambiente – propõe no artigo 15, inciso II,
alínea “m”, que serão considerados agravantes da pena (quando não constituírem
ou qualifiquem o crime) o “emprego de métodos cruéis para abate ou captura de
animais”. Retilineamente, o artigo 32, caput, estabelecido na própria legis, propõe
que “Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres,
domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”. Mas o que é método cruel ou
maltratar um animal, sendo tais seres senciêntes?
Traz-se isso a tona especialmente pelo fato da suprema corte ter concedido
aval para que todos os eventuais meios de prova de que aquele animal tenha sido
capturado – ou confinado – de maneira cruel sejam suprimidos quando condicionou
a possibilidade de utilização de animais no exercício de sacrifícios por religiões de
matriz africana o seu imediato consumo e não desperdício de sua proteína. Não
haveria como apurar se determinada manifestação religiosa está, ou não, exercendo
maus-tratos desde da captura até o abate do animal.
Em seu voto, o Ministro Celso de Mello expõe que o artigo 225, § 1º, inciso
VII, traz a motivação de impedir todas e quaisquer situações que ameacem a vida –
independentemente de ser vida humana ou animal – e não somente ele:
Atos praticados ainda que com caráter folclórico ou até histórico, estão
abrangidos pelo art. 32 da Lei nº. 9.605/98, e devem ser punidos não só
quem os pratica, mas também, em coautoria, os que os incitam, de qualquer
forma. (MACHADO,1998, p.54).
Não faz muito sentido, seguindo-se todas essas assertivas, que tenha sido
autorizado pelo Supremo Tribunal Federal a possibilidade de sacrificar-se um animal
numa mão e ter proibido o exercício cultural da vaquejada noutra.
Isso significa que, dentro dessa seara, deve-se proibir o exercício cultural e
religioso? Dentro das perspectivas constitucionais e culturais existentes no Brasil,
talvez a resposta para isso seja: em alguns casos sim.
Robert Alexy, como pós-positivista, acreditava que a letra legal não devia ser
imperativo suficiente para coibir, ou autorizar, determinada ação ou medida que,
27
11Artigo 5º, inciso VI e inciso LXXIII; artigo 24, inciso VII; artigo 215, e subsequentes; e artigo 225, e
subsequentes.
28
(...) pode fazer muitas escolhas, mas não pode fazer qualquer escolha, deve
respeitar as valorações objetivas. Há, em consequência dessa premissa,
uma vinculação necessária entre o Direito e a Moral. (MARTINS, 2017).
Pela breve análise feita acima, podemos estabelecer de maneira clara que
em nenhuma das hipóteses descritas haveria a possibilidade de conjugação e
29
Veja-se que, sobre isso, a vedação contida no artigo 5º, inciso VI, não se
apresenta como impeditivo, até porque, segundo essa interpretação, não há
vedação de “liberdade de consciência e de crença”, “livre exercício dos cultos
religiosos” ou “aos locais de culto e a suas liturgias”, mas, na verdade, a vedação de
certas e específicas práticas. E é apenas sobre esse vislumbre que poderíamos
admitir e conceder vez, neste caso concreto, ao princípio de dever de zelar pelos
animais – e diz-se isso porque essa é uma forma de vedação já existente em
território nacional.
Bigamia
Art. 235 - Contrair alguém, sendo casado, novo casamento:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.
§ 1º - Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa
casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou
detenção, de um a três anos.
§ 2º - Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por
motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime.
Caso uma família que possua essas práticas culturais se encaminhe para
Brasil, não teria, sobre eles, vedação do exercício pleno de sua cultura/crença? Não
se formaria, sobretudo, a ação contrária ao inciso VI, artigo 5º, da Constituição
Federal? Veja que não se trata de uma ação deletéria que acometeria a riscos e
danos a incolumidade de alguém, mas, ainda sim, veda-se. Então por qual motivo
rejeita-se a status inferior a incolumidade dos animais – especialmente porque,
nessa matéria de sacrifícios, não há como estabelecer o grau de sofrimento desses?
Não faz sentido estabelecer marcos dessa monta para flagelos contra a
incolumidade humana e permitir a mesma modalidade de tratamento – sob
autorização e tutela estatal – a seres senciêntes que, repita-se: possuem
sentimentos tais quais aos dos humanos.
31
7. CONCLUSÃO
Por outro lado, vê-se igualmente tamanha e incoerente ação quando se veda
que haja a manifestação cultural da vaquejada, pelo mesmo Supremo Tribunal
Federal, mas se autoriza o sacrifício de animais.
Assim, não há como, em ordenamento jurídico local, nem mesmo pelo uso da
teoria da ponderação, a possibilidade de preenchimento total dos três princípios,
neste último tópico, discutidos. Algum deles, prima facie, será vilipendiado
independentemente da decisão a que for proferida – e é por isso que, aqui, tomou-
se e optou-se pela condução do caminho mais difícil a sua formação.
Aqui se optou pela defesa plena dos animais. Defesa plena daqueles que
possuem, tal qual como humanos, vida – devendo vive-la plenamente sem que seja
alo da recreação humana – se muitas das características culturais e religiosas já são
proibidas em território nacional, então por que não optar pela proteção de um
princípio que, em aplicação, posiciona-se satisfatoriamente pela proteção da vida
animal e da flora, positivadas constitucionalmente?
REFERÊNCIAS
GREY, Amanda Elisabeth de Faria Correa. O histórico das leis ambientais brasileiras
e a evolução da proteção à fauna. Jus, Rio Grande do Sul, v. 1, n. 1, p.1-1, jun.
2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/58735/o-historico-das-leis-
ambientais-brasileiras-e-a-evolucao-da-protecao-a-fauna>. Acesso em: 30 out. 2019.
LEITÃO, Geuza. A voz dos sem voz, direito dos animais. Fortaleza: INESP, 2002.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 10. ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Malheiros, 1998.
<http://www.urca.br/ceua/arquivos/Os%20direitos%20dos%20animais%20UNESCO.
pdf>. Acesso em: 30 out. 2019.
SILVA, Chiara Michelle Ramos Moura da. Direito animal: uma breve digressão
histórica. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 06 out 2019. Disponível em:
<https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39899/direito-animal-uma-breve-
digressao-historica>. Acesso em: 6 de outubro de 2019.