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DIREITO ADMINISTRATIVO E RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Andressa Mara Prestes Barbosa*

RESUMO

O Estado, enquanto pessoa jurídica de Direito Público, é formado por uma estrutura extremamente
complexa, não apenas em razão dos diversos entes centralizados ou descentralizados que com ele se
relacionam, mas sobretudo em função da multiplicidade de agentes que realizam inúmeros atos sob a
“aura” de uma função estatal. Se a percepção divina dos soberanos guarda suas raízes normativas
nos Estados Absolutistas, tal noção ainda paira sobre a sociedade contemporânea, como um tabu a
ser enfrentado. O presente estudo realizará um panorama sobre a evolução histórica da
responsabilidade civil, partindo da tese da irresponsabilidade absoluta, discorrendo sobre as teses
pautadas no Direito Civil, chegando à fase Publicista, com a teoria da culpa administrativa, seguida
pela Teoria Objetiva, com a análise das subdivisões relacionadas à Teoria do Risco. Tais teorias
serão transferidas à realidade brasileira através do estudo das suas variações, especificidades,
excludentes e regramentos. Por fim serão abordados os temas da improbidade administrativa e do
controle social, ferramentais que também propiciam a concretização de uma boa Administração
Pública, responsável por seus atos, ciente de suas responsabilidades e adstrita aos ônus que as
normas jurídicas do Estado Moderno lhe impõe.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil – Risco Administrativo – Administração Pública -


Improbidade – Controle Social

1) ATOS ADMINISTRATIVOS

Sabe-se, de pronto, que a Administração Pública não se manifesta somente


por meio dos atos administrativos, podendo também materializar sua função
através de atos essencialmente ligados ao direito privado, atos políticos ou atos
simplesmente materiais (atos da Administração). Da mesma forma, é verossímil que
os atos administrativos possam ser praticados fora da esfera da Administração
Pública, sendo perpetrados também no âmbito Legislativo e Executivo. A partir desta
análise advém a conclusão de Celso Antônio Bandeira de Mello de que "nem todo
ato da Administração é ato administrativo e, de outro lado, nem todo ato

*
Advogada atuante. Especialista em Direito Administrativo. Especialização em Direito Civil em curso.
2

administrativo provém da Administração Pública"1. Entretanto, a despeito do ato


administrativo não ser a única ferramenta pela qual a atividade administrativa
encontra meios de se concretizar, definitivamente é a que carece maior
aprofundamento teórico, visto seu nível de complexidade plúrima.
Fatos Jurídicos são “acontecimentos naturais ou decorrentes de conduta
humana voluntária ou involuntária aos quais o direito imputa efeitos jurídicos, que se
subdividem em atos jurídicos e fatos jurídicos em sentido estrito”2, de modo que:
- atos jurídicos derivam da atividade humana. Podem ser subdivididos em: (a)
atos da administração, relativos às tarefas realizadas pelo administrador fora da
esfera pública, apenas para consolidar objetivos próprios para o desenvolvimento da
Administração; (b) atos administrativos, materializados quando o administrador
utiliza-se das prerrogativas de sua função pública para manifestar a vontade cogente
da Administração.
- fatos jurídicos decorrem de acontecimentos naturais, sem interferência
humana ou através de sua influência indireta. Quando há intervenção no âmbito do
direito administrativo, o fato jurídico tornar-se-á fato administrativo, ou seja, “a
concretização material da vontade do administrador público. Quando se abordar o
objeto do ato administrativo – objetivo a ser alcançado com a declaração de vontade
expendida – restará evidenciado que o fato administrativo se caracteriza como o
objetivo já alcançado”3.
Não há texto legal que conceitue a espécie ato administrativo, mas é possível
extraí-la da extensa doutrina que trata do tema. Aqui, valendo-se da definição de
Celso Antônio Bandeira de Mello: ato administrativo é a "declaração do Estado (ou
de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço
público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências
jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle
de legitimidade por órgão jurisdicional"4.
Os atos administrativos são compostos por: forma, finalidade, competência,
motivo e objeto. A forma está prevista em lei, podendo o ato ser manifestado de

1
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 389.
2
BACELLAR FILHO, 2009. p. 39.
3
BACELLAR FILHO, 2009. p. 39.
4
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 389.
3

modo oral, escrito, admitindo-se, inclusive, mímicas e sinais convencionais (como os


silvos e os sinais manuais dos agentes de trânsito).
A finalidade estará sempre fundada no fim público (expresso explícita ou
implicitamente na lei), ou seja, sempre que atos e obrigações forem adquiridos,
modificados ou extintos, o serão de modo vinculado ao bem estar coletivo. O ato
administrativo é considerado plúrimo principalmente em razão da considerável gama
de finalidades específicas que podem ser a ele atribuídas: são responsáveis pela
gênese de situações jurídicas (por meio de concessões ou licenças), esclarecem
questões em debates (tarefa consultiva), servem como controle de demais atos
(homologações, aprovações ou veto), verificam ou documentam situações
preexistentes, ou mesmo atuam com finalidade contenciosa.
A competência, por sua vez, está ligada a quem perpetrar o ato, o agente
competente que ostentará prerrogativas e limitações (materiais, temporais,
territoriais ou hierárquicas) impostas pela lei para realizar determinada função
pública. A competência pode ser transferida, seja por delegação, quando o agente
capacita um subordinado hierárquico para determinada tarefa, ou por avocação,
quando o agente superior invoca de um subordinado sua competência específica,
atraindo-a para si; sempre nos termos e limites jurídicos.
O motivo é composto pelas razões fáticas e jurídicas que ensejaram
determinado ato, definindo se este será vinculado ou discricionário. “A presença do
motivo é a garantia da legalidade, permitindo e facilitando o controle do ato. Ausente
o motivo, o ato pode ser considerado inválido, salvo se a lei o dispensar ou se for
incompatível com a sua natureza”5.
O objeto, obrigatoriamente lícito, deve ser considerado possível (realizável),
certo, moral e respeitar a finalidade pública.
Dentro do tema da responsabilidade civil do Estado, é preciso ainda fixar
algumas classificações técnicas que permitirão melhor apreensão dos conceitos
adiante desenvolvidos. Restringindo-se inicialmente às hipóteses de formação do
ato administrativo tem-se que6:
- ato simples: é derivado de uma decisão única, seja advindo de um só agente
público, órgão singular, ou mesmo colegiado.

5
BACELLAR FILHO, 2009. p. 42.
4

- ato complexo: junção de vontades emanadas de locais diferentes (mais de


um agente ou órgão), mas que possuem idêntico conteúdo e finalidade.
- ato composto: advém de uma manifestação única, mas condiciona sua
exequibilidade a uma análise de outro órgão ou agente.
Atos administrativos poderão ter seus efeitos direcionados a um grupo
específico ou a coletividade. Atos internos possuem abrangência interna à
Administração, ecoando entre seus órgãos e agentes; enquanto os Atos externos
fitam efeitos a terceiros e também, em determinados casos, à própria estrutura da
Administração. Poderão, ainda, ser subdivididos em Atos individuais, gerando
direitos ou estabelecendo encargos pessoais; ou Atos gerais, atos normativos ou
ordinatórios de natureza impessoal, que pretendem atingir uma ampla gama de
destinatários.
Diante de tantos desígnios aplicáveis aos atos, é razoável presumir que o
grau de liberdade que a Administração Pública poderá aplicar em cada caso será
variável. Esta variante é o que determinará se o ato será classificado como
vinculado ou discricionário (critério relacionado ao espaço de atuação).
Em linhas gerais, o ato vinculado será aquele praticado por uma
Administração direcionada pelos rígidos ditames legais, sem margens de
variabilidade. Não há liberdade de decisão, pois a lei define um único meio de se
concretizar. Ato discricionário, por sua vez, é o que decorre de lei cuja interpretação
poderá ser eivada de subjetivismo, onde há certa liberdade de decisão na atuação
do administrador.
Celso Antônio Bandeira de Mello explica qual a consequência de normas
absolutamente vinculantes em todos os casos:
Se a lei todas as vezes regulasse vinculadamente a conduta do
administrador, padronizaria sempre a solução, tornando-a invariável mesmo
perante situações que precisariam ser distinguidas e que não se poderia
antecipadamente catalogar com segurança, justamente porque a realidade
do mundo empírico é polifacética e comporta inumeráveis variantes. Donde,
em muitos casos, uma predefinição normativa estanque levaria a que a
7
providência por ela imposta conduzisse a resultados indesejáveis .

Primeiramente deve-se aprofundar a distinção entre os termos "função" e


"competência", como forma de otimização da estrutura do tema exposto. Carlos

6
BACELLAR FILHO, 2009. p. 42 passim.
5

Ayres Britto elucida que a função é atividade típica do órgão, a justificativa para que
ele exista e atue na esfera pública, enquanto as competências são o instrumental
para concretizar a atividade-fim daquela função, os meios garantidores de uma
finalidade específica8.
Hely Lopes Meirelles posiciona-se de modo a afirmar que atos discricionários
propriamente ditos não existem, mas tão somente, a existência de um poder
discricionário que a Administração manifesta por meio de seus atos volitivos,
atuando à sua maneira e nas condições que repute mais convenientes ao interesse
público9. Partidário da mesma interpretação, Celso Antônio Bandeira de Mello
assevera que o ato administrativo em si não será discricionário ou vinculado, mas
somente a apreciação realizada pela autoridade responsável quanto aos elementos
alteráveis e a relação deste ato com a amplitude do universo jurídico 10.
A principal armadilha que permeia a atuação discricionária diz respeito aos
seus limites. Maria Sylvia Zanella Di Pietro explica que:
O poder da Administração é discricionário, porque a adoção de uma ou
outra solução é feita segundo critérios de oportunidade, conveniência,
justiça, equidade, próprios da autoridade, porque não definidos pelo
legislador. Mesmo aí, entretanto, o poder de ação administrativa, embora
discricionário, não é totalmente livre, porque, sob alguns aspectos, em
especial a competência, a forma e finalidade, a lei impõe limitações. Daí por
que se diz que a discricionariedade implica liberdade de atuação nos limites
traçados pela lei; se a Administração ultrapassa esses limites, a sua decisão
11
passa a ser arbitrária, ou seja, contrária à lei .

Alexandre de Moraes, na mesma linha de pensamento de Di Pietro, salienta


que "a Administração Pública deve, como todos os administrados, total obediência
ao primado da Constituição e à legalidade, pois discricionariedade administrativa
não se confunde com arbitrariedade administrativa"12.
Hely Lopes Meirelles ressalta a importância na distinção entre ato
discricionário e ato arbitrário:
Discrição é liberdade de ação dentro dos limites legais; arbítrio é ação
contrária ou excedente da lei. Ato discricionário, portanto, quando permitido
pelo Direito, é legal e válido; ato arbitrário é, sempre e sempre, ilegítimo e
inválido.

7
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 978.
8
BRITTO, 2001. passim.
9
MEIRELLES, 2007. p. 169.
10
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 999.
11
DI PIETRO, 2009. p. 212.
12
MORAES, 2002. p. 132.
6

A discricionariedade administrativa encontra fundamento e justificativa na


complexidade e variedade dos problemas que o Poder Público tem que
solucionar a cada passo e para os quais a lei, por mais casuística que
fosse, não poderia prever todas as soluções, ou, pelo menos, a mais
vantajosa para cada caso ocorrente. [...]
Por isso mesmo, quando se justifica a competência discricionária, a
faculdade discricionária, o poder discricionário da Administração, não se
está justificando qualquer ação arbitrária, realizado ao arrepia da lei. A
atividade discricionária não dispensa a lei, nem se exerce sem ela, senão
13
com observância e sujeição a ela .

A atuação discricionária, a despeito de sua maleabilidade subjetivista, é


atribuída ao agente, de modo explícito ou implícito, sempre por meio de lei. Não
somente a possibilidade de agir ou se omitir, mas, também, quais aspectos e de que
modo poderão ser moldados conforme os critérios adotados pelo administrador.
Diante disto Meirelles afirma que "discricionários, portanto, só podem ser os meios e
modos de administrar, nunca os fins a atingir. [...] Porque não lhe é nunca deixado
poder de livre apreciação quanto ao fim a alcançar"14.
Quanto à análise do ato praticado pelo agente administrativo, pode-se definir
que: os atos vinculados são submetidos ao estudo de sua legalidade, com o fito de
verificar se todos os elementos exigidos em lei foram cumpridos em sua elaboração
e execução; os atos discricionários, por sua vez, além da análise de legalidade,
responsável por analisar os pontos estritamente direcionados através do texto legal,
também serão submetidos ao estudo de mérito, no qual a oportunidade e
conveniência serão colocados à prova, sempre com ênfase no fim maior que é o
bem estar da coletividade.
De acordo com o artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, tem-se que
"nenhuma lesão ou ameaça a direito poderá ser subtraída à apreciação do
judiciário". Este ditame basilar justifica a afirmação de Celso Antônio Bandeira de
Mello, no sentido de que "um ato gravoso, provenha de quem provier, pode ser
submetido ao órgão adjudicante a fim de que este se afira a sua legitimidade e o
fulmine se reputar configurada ofensa a um direito"15.

13
MEIRELLES, 2007. p. 169 et. seq.
14
MEIRELLES, 2007. p. 171.
15
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 974.
7

A afronta a tal princípio constitucional, seja de forma comissiva ou omissiva,


ofende não somente a norma inserta na Carta Magna, como também todo o sistema
normativo brasileiro, face o desrespeito a um princípio tão relevante.
Seja o ato vinculado, ou discricionário, este será submetido a um controle de
legalidade, cuja função será a de proteger os administrados de quaisquer excessos -
sejam eles via omissão ou ação -, cometidos pela Administração Pública. Segundo
definição de Bandeira de Mello:
No Estado de Direito, a Administração Pública assujeita-se a múltiplos
controles, no afã de impedir-se que desgarre de seus objetivos, que
desatenda as balizas legais e ofenda interesses públicos ou dos
particulares. [...] Tais controles envolvem quer aspectos de conveniência e
oportunidade quer aspectos de legitimidade.
Além disto, são previstos controles de legitimidade que devem ser
efetuados por outros braços do Estado: Legislativo, por si próprio ou com o
auxílio do Tribunal de contas, Judiciário, este atuando sob provocação dos
16
interessados ou do Ministério Público .

Adverte o autor que o controle surge como ferramental precursor de ações


para indenização de sujeitos lesados por atos da administração. Sobretudo em
casos nos quais a discricionariedade envolvida torna delicada a análise do ato
administrativo. Mesmo em situações consideradas lícitas, frente à margem de
atuação flexível do agente público, pode haver imputação de indenização em casos
de desvio de poder (os meios utilizados não correspondem ou repelem do fim
almejado) ou quando os motivos determinantes dos atos não fazem jus aos
parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade esperados.17
Di Pietro explica tais teses que, com o objetivo de delimitar a atuação do
poder discricionário, facilitam de sobremaneira a análise por parte do Poder
Judiciário:
- Desvio de poder ocorre quando a autoridade usa do poder discricionário
para atingir fim diferente daquele que a lei fixou. Quando isso ocorre, fica o
Poder Judiciário autorizado a decretar a nulidade do ato, já que a
Administração fez uso indevido da discricionariedade, ao desviar-se dos fins
de interesse público definidos na lei.
- Motivos determinantes, quando a Administração indica os motivos que a
levaram a praticar o ato, este somente será válido se os motivos forem
verdadeiros. Para apreciar este aspecto o Judiciário terá que examinar os
motivos, ou seja, os pressupostos de fato e as provas de sua ocorrência. Se
18
não existiu ou não for verdadeiro, anulará o ato .

16
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 951.
17
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 952.
18
DI PIETRO, 2009. p. 218.
8

A autoridade responsável pelo ato gravoso poderá ser responsabilizada pelo


crime de abuso de autoridade (regulada pela Lei nº 4.898/65 - responsabilidade
administrativa, civil e penal) ou por improbidade administrativa (regulada pela Lei nº
8.429/92 - responsabilidade administrativa, civil e penal) seja por provocação do
particular lesionado ou por manifestação do Ministério Público19.
Os agentes públicos sujeitos a punições legais serão, segundo o art. 2º da Lei
nº 8.429/92:
Artigo 2º: Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele
que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição,
nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura
ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas
20
no artigo anterior .
Artigo 3º: As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele
que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática
do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou
indireta.

A Teoria da Responsabilidade Civil do Estado está sendo paulatinamente


construída em função da necessidade de adequação dos preceitos legais aos
ensejos e necessidades da população e, consequentemente, às normas a eles
precedentes. Destarte, é necessário compreender quais teorias foram desenvolvidas
pelos juristas ao longo da história para que, através de uma análise crítica e
sintética, a aplicação prática destes conceitos seja inserida em nossa legislação
pátria.

2) EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

A concepção de que os danos ocasionados pelo homem devem ser


reparados quando resultantes de ações ou omissões eivadas de injustiça sempre
esteve presente, mesmo nas sociedades mais primitivas que se pautavam no
conceito de vingança pessoal (Lei de Talião). O Direito Romano, sobretudo através

19
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 953.
20
Cf. Art. 1º mencionado: “Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público,
servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao
patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra
com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta
lei”.
9

do advento da Lei das XII Tábuas, procurou estabelecer a regulamentação do poder


público nesta reparação ainda primitiva, semeando as origens do que conhecemos
hoje como responsabilidade civil.
Nas palavras de Rui Stoco:
A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da
palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja,
a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos
danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através
dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de
responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no
grupo social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da
21
natureza humana .

É admissível supor que o Estado, como pessoa jurídica de Direito Público,


sobretudo em razão da complexidade de sua estrutura político-administrativa,
eventualmente gere um prejuízo injusto aos seus administrados, seja individual ou
coletivamente. A correlata reparação desse dano - constitua-se ele como material,
moral ou estético - se hoje é um tópico inquestionável para o Direito Público, teve
sua consolidação extremamente recente quando comparada com o instituto da
responsabilidade civil na esfera privada. Tomem-se, como exemplo, as experiências
dos Estados Unidos e Inglaterra, que assumiram a responsabilização civil do Estado
apenas na metade do século passado22.
A responsabilidade do Estado deve ser analisada através de dois
pressupostos: primeiramente, é uma responsabilidade de natureza civil, visto o
caráter patrimonial da reparação; concomitantemente, devido à sujeição geral das
relações jurídicas ensejadoras de dano, é também classificada como
extracontratual23.
Sendo assim, resolve-se que a “responsabilidade do Estado investiga o dever
estatal de ressarcir particulares por prejuízos civis e extracontratuais experimentados

21
STOCO, 2007. p. 114.
22
“Esta noção é, hoje, curial no Direito Público. Todos os povos, todas as legislações, doutrina e
jurisprudência universais, reconhecem, em consenso pacífico, o dever estatal de ressarcir as vítimas
de seus comportamentos danosos. Estados Unidos e Inglaterra, últimos refratários à tese, acabariam
por assumi-la em 1946 e 1947, respectivamente, embora sem a extensão que seria de desejar, posto
que ainda apresenta caracteres algo restritivos”. In: BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 1009.
23
“Essa responsabilidade não se confunde com a responsabilidade civil contratual do Estado, que
deve ser analisada pela óptica dos contratos administrativos”. In: MORAES, 2002. p. 230.
10

em decorrência de ações ou omissões de agentes públicos no exercício da função


administrativa”24.
A responsabilidade civil do Estado também poderá advir de uma relação
negocial, sendo nestas ocasiões classificada como uma responsabilidade contratual.
Sérgio Cavalieri Filho elucida que “a rigor, não há distinção substancial entre a
responsabilidade contratual e a extracontratual. Na essência, ambas decorrem da
violação de dever jurídico preexistente. A distinção é tão insignificante que até já
existe um movimento no sentido da unificação da responsabilidade” 25. A priori basta
a advertência desta diferenciação. Nos próximos tópicos a responsabilidade
extracontratual será pormenorizadamente discutida, de modo que no ponto 6 a
responsabilidade contratual será devidamente tratada.
O reconhecimento tardio da responsabilidade civil do Estado está diretamente
ligado com as origens do direito administrativo. A ordem jurídica, na sua raiz,
absorve características da sociedade na qual está inserida, de modo que quando se
analisam os códigos jurídicos adotados ao longo da história percebe-se que, mesmo
diante do fenômeno mundial da globalização, a cultura resiste como elemento
legitimador das opções legais adotadas por determinado Estado. Portanto, em
relação ao direito administrativo:
A disciplina experimentou maior avanço nos Estados mais atuantes,
aqueles que não se limitavam simplesmente à manutenção da ordem
pública, desenvolvendo suas atividades nos mais diversos setores, como
saúde, educação, cultura, previdência social e, até mesmo, atuando no
domínio econômico. Desta maneira, é imperioso distinguir o direito
administrativo aplicado no chamado Estado de Polícia daquele exercitado
no Estado de Bem-estar e no Estado Providência, vez que em cada um
destes verificam-se níveis diversos de interferência estatal nas relações
26
com seus cidadãos .

Ainda que não pertencente a um ramo próprio, o direito administrativo já se


encontrava intrínseco ao Direito Civil na Idade Média, mormente em razão das
características peculiares dos regimes absolutistas. “Em decorrência da sobranceira
posição ostentada em relação a qualquer norma jurídica, os monarcas nunca
poderiam ser responsabilizados por qualquer atitude cometida em nome do Poder

24
MAZZA, 2013. p. 317.
25
CAVALIERI FILHO, 2014. p. 333.
26
BACELLAR FILHO, 2009. p. 2.
11

que detinham”27, fundamento este que justificava a sentença: the king can do no
wrong 28.
Com a Revolução Francesa em 1789 as monarquias absolutistas deram lugar
ao sistema de tripartição de poderes do Estado, fator que estimulou de
sobremaneira o estudo de outros ramos do direito, como as áreas constitucional e
administrativa, construindo o chamado Estado de Direito, pautado pelo princípio da
legalidade. Surge, neste ínterim, a necessidade de prescrever competências e
limitações aos novos poderes emergentes, bem como atuar “reconhecendo os
direitos dos particulares em face de atos da Administração e viabilizando os
institutos processuais respectivos” 29.
A priori, é preciso compreender as diferenças conceituais que envolvem os
termos indenização e ressarcimento, dentro da esfera das atividades
administrativas:
- indenização é o pagamento decorrente de uma atividade legítima do Estado.
É o dano causado “em razão do sacrifício de direitos particulares, mas por força do
exercício de uma faculdade concedida em lei ao Poder Público” 30, como na
desapropriação, tombamento, requisição, servidão, execução compulsória de
medidas sanitárias, dentre outras determinações lícitas. É uma obrigação que
converte os interesses privados sacrificados em indenização patrimonial. Nas
palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, “não há responsabilidade,
propriamente dita, quando o Estado debilita, enfraquece, sacrifica um direito de
outrem, ao exercitar um poder que a ordem jurídica lhe confere, autorizando-o a
praticar um ato cujo conteúdo jurídico intrínseco consiste precisa e exatamente em
ingressar na esfera alheia para incidir sobre o direito de alguém”31.
- ressarcimento condiz com a responsabilidade nos casos de danos
provocados pela atividade ilegítima do Estado, “a qual ocorre quando alguém sofre
em proveito alheio uma diminuição nos seus bens jurídicos, sem que exista na
origem do prejuízo qualquer ato contrário ao direito”32.

27
BACELLAR FILHO, 2009. p. 1.
28
Tradução livre: “O Rei nunca erra”.
29
BACELLAR FILHO, 2009. p. 1.
30
CAHALI, 2014. p. 11.
31
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 1011.
32
CAHALI, 2014. p. 12.
12

O ressarcimento, portanto, é o fim da responsabilidade civil do Estado. Mas,


se as atividades legítimas geradoras de indenização estão expressamente
tipificadas em lei, a análise dos fatores que tornam um ato administrativo eivado de
ilicitude é muito mais complexa.
A aparelhagem estatal, dividida em inúmeros órgãos e organismos, detém
nos seus agentes a maneira de viabilizar suas vontades. As pessoas físicas
(funcionários, servidores e prepostos) representam o próprio Estado quando
desenvolvem atividades no exercício de suas funções. Este elemento humano é
fator extremamente complexo e arriscado que enseja a responsabilidade civil, à
medida que, enquanto sujeitos autônomos e plúrimos, eventuais danos podem ser
cometidos, intencionalmente ou não.
A responsabilização do Estado (também chamada de responsabilidade da
Administração Pública33) é consequência do Estado de Direito Constitucional, no
qual, todas as pessoas, tanto públicas quanto privadas, estão sujeitas à ordem
jurídica vigente, “de tal sorte que a lesão aos bens jurídicos de terceiros engendra
para o autor do dano a obrigação de repará-lo” 34.
A concepção de pessoas jurídicas de direito público responsáveis pelo
ressarcimento dos danos provocados, seja em função das suas ações ou suas
omissões, sofreu inúmeras transformações ao longo da história, sendo destacáveis
especialmente três concepções: (a) fase da irresponsabilidade estatal, na qual
restava ao particular apenas a ação em desfavor do agente físico responsável pelo
dano; (b) fase da responsabilidade subjetiva, baseada nos conceitos do Direito Civil
Privado; e (c) fase da responsabilidade objetiva, advinda sobretudo em razão dos
grandiosíssimos avanços decorrentes do Conselho do Estado Francês, no ano de
1872, responsável pela jurisdição administrativa e desenvolvimento dos princípios
fundamentais do direito administrativo.

2.1 Teoria da Irresponsabilidade do Estado

33
“Maria Sylvia Zanella Di Pietro critica, com razão, esta última expressão, já que a Administração
Pública não tem personalidade jurídica, não é titular de direitos e obrigações na ordem civil. A
capacidade é do Estado e das pessoas jurídicas públicas ou privadas que o representam no exercício
de parcela das atribuições estatais”. In: DI PIETRO, 1994. apud: CAVALIERI FILHO, 2014. p. 282-
283.
34
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 1013.
13

A irresponsabilidade estatal é, até o presente momento, a que perdurou por


um maior período ao longo das civilizações, marcando notadamente os períodos de
vigência dos Estados Absolutistas, entre os séculos XVI e XVIII. A relação desta
teoria com os regimes despóticos não poderia ser mais estreita levando-se em conta
a proclamada origem divina do Rei, “nesse sentido, a responsabilização do Estado
por qualquer de seus atos significaria submetê-lo a uma situação igualitária diante
de um súdito, o que seria inaceitável e, o que é muito pior, reprovaria uma atitude
divina”35.
Sendo o Rei uma autoridade sobre-humana, responsabilizar o Estado seria
negar a divindade de seus atos, reduzindo-o a uma posição de igualdade com seus
súditos. Os funcionários, que nesse cenário não se confundiam com a figura do
Estado soberano, suportavam diretamente o ônus relativo por seus atos danosos.
Explicita Sérgio Cavalieri Filho que tal teoria configurava a própria negação do
direito, uma vez que o Estado, sujeito dotado de personalidade jurídica, deve agir de
acordo com suas prerrogativas e, consequentemente, sujeitar-se aos ônus delas
decorrentes36. Esse posicionamento, sustentado por inúmeros juristas contrários a
legitimidade da teoria da irresponsabilidade, levou à flexibilização do conceito
através da admissão da “responsabilidade do funcionário, quando o ato lesivo
pudesse ser diretamente relacionado a um comportamento pessoal, seu” 37. Pode ser
referenciada como uma flexibilização relativa, visto que, ainda que houvesse
disponível aos administrados lesados a ação regressiva de responsabilidade contra
o funcionário, sua instauração perante os Tribunais Civis estaria sujeita à aprovação
pela Administração Pública. Essa garantia administrativa dos funcionários perdurou
na França entre os anos de 1799 e 1870.
Três eram os pressupostos que sustentavam a Teoria da Irresponsabilidade
estatal:
1) a soberania do Estado que, por natureza irredutível, proíbe ou nega sua
igualdade ao súdito, em qualquer nível de relação; a responsabilidade do
soberano perante o súdito é impossível de ser reconhecida, pois envolveria
uma contradição nos termos da equação;

35
BACELLAR FILHO, 2009. p. 132.
36
CAVALIERI FILHO, 2014. p. 283.
37
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 1018.
14

2) segue-se que, representando o Estado soberano o direito organizado,


não pode aquele aparecer como violador desse mesmo direito;
3) daí, os atos contrários à lei praticados pelos funcionários jamais podem
ser considerados atos do Estado, devendo ser atribuídos pessoalmente
38
àqueles como praticados nomine proprio.

Apesar de ser tipicamente atribuída ao regime das monarquias absolutistas,


devido a total imunidade atribuída aos entes soberanos neste período, tal concepção
continuou vigente ainda durante o Estado Moderno, balizada no princípio da
separação dos poderes. Países como Estados Unidos e Inglaterra, notórios por seus
avanços jurídicos e sociais, ainda mantinham vigente a irresponsabilidade estatal na
primeira metade do século XX.
A França pode ser considerada como precursora dos movimentos de
responsabilização civil estatal. Inicialmente, em 17 de fevereiro de 1800 (ou 28
Pluvioso do Ano VIII, segundo o calendário Republicano pós-Revolução Francesa),
com a criação de leis que responsabilizassem o Estado de forma explícita em
situação pontuais, e também por aqueles danos resultantes da “gestão de domínio
privado do Estado, bem como os causados pelas coletividades públicas locais”39.

2.2 Teoria Civilista ou Teoria da Responsabilidade Subjetiva40

Se a teoria da irresponsabilidade foi deliberadamente influenciada pelos


preceitos do absolutismo, pode-se dizer, com convicção, que a Teoria Civilista foi
grandemente acendida pelos ideais do liberalismo, apoiando-se na sistemática do
Direito Civil. Não havendo lei anterior que viabilizasse a analogia e, em se tratando
de questão pecuniária, soava lógico valer-se dos conceitos aplicáveis aos danos na
esfera privada, transpondo-os ao domínio público.
Centrada na noção de culpa desenvolvida pelo direito privatístico, caberia à
vítima, quando ingressasse com o pedido de indenização contra o Estado,
comprovar a ocorrência simultânea do: (a) ato lesivo; (b) dano injustamente
suportado; (c) nexo de causalidade entre o ato e o dano; e (d) dolo ou culpa do

38
CAHALI, 2014. p. 18.
39
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 1017.
40
Enquadram-se nessa teoria, conforme critérios distintos de variados autores, a: “Teoria da Culpa
Civil” para Romeu Felipe Bacellar Filho, “Teoria Subjetiva” em Alexandre Mazza, “Teoria Divisionista”
e “Culpa Civilística” na doutrina da Yussef Said Cahali.
15

agente, seja através de atraso, imperícia, imprudência, negligência, ou outra falha na


atividade realizada.
Conforme citado, a teoria da irresponsabilidade conservou adeptos até a
metade do século XX. Natural, portanto, que a teoria civilista, nascida em meados do
século XIX, representasse uma abertura gradativa, superando lentamente a questão
da irresponsabilidade. Esta relativização do paradigma da responsabilidade civil teve
princípio com a Teoria Divisionista, responsável por categorizar os atos do Estado
em atos de gestão e atos de império, conforme:
(a) Atos de império: são aqueles em que o Estado impõe sua Soberania,
agindo como Poder Público. Responsáveis por manter a ordem constitucional e
jurídica, destinar-se-iam a realizar funções essenciais, cogentes ou necessárias.
Tais atos, por representarem o Estado “na qualidade do poder supremo,
supraindividual, atos jure imperii, restariam incólumes a qualquer julgamento e,
mesmo quando danosos para os súditos, seriam insuscetíveis de gerar direito à
reparação”41.
(b) Atos de Gestão: diriam respeito às funções contingentes ou facultativas,
onde o Estado age como gestor do interesse coletivo. Nos atos “jure gestionis, o
Estado equipara-se ao particular, podendo ter sua responsabilidade civil
reconhecida, nas mesmas condições de uma empresa privada, pelos atos de seus
representantes ou prepostos lesivos ao direito de terceiros”42.
Sendo os atos de império sopesados imunes, a culpa civilística restringia-se
aos atos de gestão, de modo que o dolo ou culpa seriam fatores determinantes para
o pagamento ou não da indenização pelo dano causado. Observa-se, desta
maneira, o grande ônus suportado pelo particular lesado ao ter que, em primeiro
momento, comprovar que o ato lesivo enquadrar-se-ia na classificação de ato de
gestão, simultaneamente devendo comprovar a culpa, o dano e o nexo causal.
Juristas contrários a essa tese sustentavam que “o Estado sempre age na
qualidade de Estado, por meio de seus agentes administrativos ou de seus agentes
públicos”43. Buscando superar as deficiências da teoria divisionista, emerge a

41
CAHALI, 2014. p. 20.
42
CAHALI, 2014. p. 20.
43
BACELLAR FILHO, 2009. p. 133.
16

responsabilização de cunho subjetivo, denominada Teoria da Culpa Civil. Na


definição de Romeu Felipe Bacellar Filho:
Pensava-se que o Estado, cuja personalidade jurídica o fazia detentor de
direitos e obrigações, deveria ser responsabilizado como qualquer pessoa
física ou jurídica, desde que demonstrado o agir culposo ou doloso de seus
agentes, propiciador de danos ao patrimônio de terceiros. Tal proposição
representava um ônus excessivo para a vítima do dano dificultando
sobremaneira a responsabilização. Mostrava-se extremamente difícil
identificar, provar e atribuir a culpa a determinado agente do Estado que
sempre tinha a seu favor a sobranceira intenção de cumprimento do dever
legal. Acresça-se a tudo isso a imensa dificuldade que a doutrina sempre
enfrentou em conceituar culpa, repassando se à vítima a dificultosa tarefa
de provar a culpa. Apesar disso, a teoria, ainda que subjetiva, representou
44
um grande avanço no desenvolvimento da responsabilização do Estado.

O culminante marco para a solidificação de uma teoria de responsabilidade


civil desentranhada do direito privado foi a decisão proferida pelo Tribunal de
Conflitos, em fevereiro de 1873, no famoso Arresto Blanco: em novembro de 1871,
Agnès Blanco, de 5 anos, foi atropelada por um vagonete pertencente a empresa
estatal de manufatura de tabaco na cidade de Bordeaux (França). Gravemente
ferida pela ação incauta dos quatro funcionários que dirigiam o veículo, a menina
teve diversas lesões que resultaram, dentre outros traumas, em uma das pernas
amputada. Jean Blanco, pai da menina, ingressou no Tribunal de Justiça francês
pugnando pela indenização em razão da faut du service provocada pelos
funcionários, além de pugnar pela responsabilização civil do Estado Francês. Em
razão do conflito de Jurisdição Civil x Jurisdição Administrativa, o Tribunal de
Conflitos foi instaurado para decidir a competência da causa, porém, sem êxito em
um primeiro momento, visto que culminou em empate (4 x 4). Jules Dufaure,
presidente do Tribunal de Conflitos, e responsável pelo Voto de Minerva, determinou
que a causa fosse remetida ao Conselho de Estado (Jurisdição Administrativa,
portanto), nos termos:
Considerando que a responsabilidade que pode incumbir ao Estado os
danos causados aos particulares, causados pelas pessoas empregadas
pelo serviço público, não pode ser regida pelos princípios que são
estabelecidos no Código Civil, para as relações jurídicas de particular a
particular; que esta responsabilidade não é plena nem absoluta; que ela tem
suas regras especiais que variam de acordo com as necessidades do
serviço e a necessidade de conciliar o direito do Estado (direito público) com
45
os direitos privados (direito civil).

44
BACELLAR FILHO, 2009. p. 133.
45
Arrêt Blanco du Tribunal des Conflits sur Légifrance. Disponível em: <www.legifrance.gouv.fr>.
17

A decisão, proferida em 1873, concedeu pensão vitalícia à pequena Agnès. O


Caso Blanco, precursor da Teoria do Risco Administrativo, também serviu como
reconhecimento da Jurisdição Administrativa para casos análogos, ou seja,
determinou que regras do direito privado não fossem aplicáveis em conjunturas de
responsabilização estatal.
A decisão do Caso Blanco, segundo o grande jurista francês, Gaston Jèze,
figura como a pedra angular do Direito Administrativo francês. Na verdade,
ela define tanto a competência da jurisdição administrativa como o conteúdo
do Direito Administrativo. A decisão reconhece o Serviço Público como o
critério para definir a competência da jurisdição administrativa, afirma a
especificidade das regras aplicáveis aos serviços públicos e estabelece um
nexo entre o fundamento do direito aplicável e a competência da jurisdição
administrativa. Isso é o que os juristas chamam de princípio da ligação (elo)
entre a competência e o fundamento.
Convém ressaltar que a importância dada ao caso Blanco resulta de uma
reconstrução mitológica do Direito Administrativo, feita no início do século
XX sob a influência do Comissário do Governo Jean Romieu. Antes disso,
na verdade, a decisão Blanco não foi praticamente mencionada, nem nas
obras de doutrina, nem nas conclusões dos comissários do governo. Além
disso, essa abordagem é extremamente discutida. Na verdade, duas
escolas doutrinárias se enfrentam sobre esse assunto: a escola do serviço
público (Duguit) e a do poder público (Hauriou). A principal diferença entre
elas reside no critério de aplicação do Direito Administrativo.
É igualmente importante ressaltar que o caso Blanco confirma, em grande
parte, os termos de uma decisão anterior, no caso Rothschild, de 6 de
dezembro de 1855, na qual já havia o entendimento de que o Estado deve
responder pelos danos causados por seus agentes, quando no exercício de
46
suas funções.

Assim, “ainda que nele se fixasse que a responsabilidade do Estado ‘não é


nem geral nem absoluta’ e que se regula por regras especiais, desempenhou a
importante função de reconhecê-la como um princípio aplicável mesmo à falta de
lei”47. O desenvolvimento de teorias que buscassem aprofundar os temas da
responsabilidade estatal, fornecendo subsídios necessários para as construções
legais futuras, deu origem à Teoria Publicista, ou Teoria da Responsabilidade
Objetiva do Estado.

2.3 Teoria Publicista - Teoria da Culpa administrativa48

46
FIGUEIREDO, 2013.
47
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 1018.
48
Muitos autores, como Yussef Said Cahali e Romeu Felipe Bacellar Filho, consideram as Teorias
Publicistas como terceira e última fase desse desenvolvimento histórico. As Teorias da Culpa
18

Surge, nesse contexto, a terceira fase da evolução dos tratados sobre


responsabilidade civil do Estado, denominada de fase da Publicização da Culpa,
Teoria do Acidente Administrativo ou Teoria da Culpa Administrativa. Concebida por
Paul Duez e recebida pelo Conselho de Estado Francês, a faute du service,
transferiu a culpa individual, anteriormente direcionada ao agente público, para uma
culpa do serviço, ou da falta deste.
Reconhecida a inaplicabilidade do direito civil privado às questões que
envolviam a Administração Pública, fez-se necessário desenvolver a ideia de
responsabilidade dentro do campo do Direito Público, daí o termo Publicista.
A Teoria da Culpa Administrativa representou um estágio intermediário entre
a análise subjetiva da responsabilidade estatal, baseada nos princípios privados, e a
responsabilidade objetiva estudada oportunamente. Nesta perspectiva não há
relevância na distinção entre atos de gestão ou atos de império, baseando-se
unicamente na correta ou incorreta atuação do serviço público. Na definição de
Alexandre de Moraes:
A falta do serviço não depende da falta do agente, mas do funcionamento
defeituoso, insatisfatório, ou, na terminologia moderna, ineficiente do serviço
público prestado, do qual decorre o dano. Significa, portanto, uma
deficiência no funcionamento normal do serviço, atribuível a um ou vários
agentes da Administração, mas que não lhes é imputável a título pessoal.
Essa hipótese ocorrerá quando o serviço público simplesmente não
funciona, ou, ainda, funciona de forma precária e insatisfatória. Dessa
forma, a faute du service fundamenta-se ou na culpa individual do agente
causador do dano, ou na culpa do próprio serviço denominada: culpa
anônima, já que não é possível individualiza-la. Caberá, portanto, à vítima a
comprovação da não-prestação do serviço ou de sua prestação ineficiente,
insatisfatória, a fim de ficar configurada a culpa do serviço e,
consequentemente, a responsabilidade do Estado, a quem incumbe prestá-
49
lo.

Ainda que se desenvolva dentro da esfera do Direito Público, a Teoria da


Culpa Administrativa aproxima-se da Teoria Civilista na medida em que mantém a
natureza subjetiva da responsabilidade. Em regra não há presunção de culpa pela
Administração, ou seja, mesmo que o prejudicado não tenha obrigação de
individualizar a conduta que gerou o dano (imprescindível na teoria civilista), ele

Administrativa, do Risco Integral e do Risco Administrativo são analisadas como espectros do mesmo
prisma Publicista. Todavia, por uma questão meramente metodológica, utiliza-se neste artigo a
classificação de Alexandre de Moraes, acatando uma quarta fase evolutiva vista no item 2.4.
49
MORAES, 2002. p. 231.
19

ainda possui o ônus de demonstrar que houve um atraso, má qualidade ou não


prestação do serviço. Excepcionalmente, entretanto, admite-se a presunção de
culpa em casos de impossibilidade explícita de produção de provas pelo particular
lesado, de modo que a inversão de ônus da prova desponta como único meio cabal
de comprovar a responsabilidade estatal50.
O Estado passa a ser visto com uma estrutura una, pautado pelo princípio da
impessoalidade que despersonaliza os seus agentes (teoria do órgão público 51).
Desse modo, não há o que se perquirir sobre uma ação culposa ou dolosa do
agente público, mas tão somente de uma responsabilidade atribuída à estrutura
estatal.
Alguns autores equiparam a Culpa Anônima com a Responsabilidade
Objetiva, ponderando que as duas teorias possuiriam apenas diferença nominal, não
de conteúdo. Todavia, seguindo o entendimento majoritário, representado por
Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Sérgio Cavalieri Filho, Celso Antônio Bandeira
de Mello, dentre outros, há de se considerar a natureza distinta dos dois institutos:
Pondera o já citado Celso Antônio Bandeira de Mello que uma das causas
que concorreram para a equivocada suposição de que a responsabilidade
pela faute du service seja responsabilidade objetiva foi a defeituosa
tradução da palavra faute. Seu correto significado em francês é o de culpa.
Todavia, no Brasil, como, de resto, em alguns países, foi inadequadamente
traduzida como falta (ausência), o que traz ao espírito a ideia de algo
52
objetivo.

Admite-se, mesmo diante da comprovada culpa administrativa, excludentes


como a culpa da vítima, força maior, caso fortuito, dentre outras. Ante os inúmeros
ônus suportados pelos administrados, tanto material quanto processualmente, os
juristas observaram a necessidade premente de promover meios mais hábeis para
obtenção de indenização quando diante de atos lesivos provocados pelo Estado.
Surge, assim, a Teoria da Responsabilidade Objetiva.

2.4 Teoria da Responsabilidade Objetiva ou Teoria do Risco

50
CAVALIERI FILHO, 2014. p. 286.
51
“Pela teoria do órgão (ou organicista), idealizada por Otto Gierke, o Estado é concebido como um
organismo vivo, integrado por um conjunto de órgãos que realizam as suas funções. Organismo
traduz-se num conjunto de partes, às quais correspondem outras tantas funções que, combinadas,
servem a manter o todo; mas cada uma das partes, separadamente, não tem função alguma, não
desempenha nenhum fim fora do organismo em que se integra”. In: CAVALIERI FILHO, 2014. p. 284.
52
BANDEIRA DE MELLO, 2005, apud: CAVALIERI FILHO, 2014. p. 286.
20

Por se tratar de uma tese notadamente Publicista diversos autores


emolduram a Teoria do Risco como pertencente à terceira geração da
responsabilidade estatal. Entretanto, segundo a metodologia adotada por Alexandre
de Moraes, este ponto deve ser analisado como a quarta fase de evolução deste
paradigma em razão de suas peculiaridades.
A Teoria da Culpa Administrativa realiza uma análise subjetiva do ato lesivo,
cabendo ao prejudicado demonstrar, além do ato, do dano e do nexo causal, a
presença de dolo ou culpa por parte da Administração Pública. A Teoria do Risco,
por sua vez, é de natureza objetiva, delegando à vítima apenas a demonstração do:
(a) ato; (b) dano e do (c) nexo causal entre eles.
Não há mais necessidade de ponderação sobre a licitude ou ilicitude do
comportamento, falta do serviço, a culpa de um funcionário ou mesmo a culpa
anônima da Administração, mas tão somente, o fato do serviço que causou prejuízos
indevidamente a um particular. Sua elaboração encontra-se repousada no princípio
da equidade, base do Estado de Direito, e na “ideia de solidariedade social,
distribuindo entre a coletividade os encargos decorrentes de prejuízos especiais que
oneram determinados particulares. É por isso, também, que a doutrina associa tal
teoria às noções de partilha de encargos e justiça distributiva”53.
A Administração Pública capta por meio dos impostos os recursos
necessários para realizar obras e atividades que favoreçam toda a coletividade
abrangida por sua esfera de atuação. Suas atividades envolvem uma ampla gama
de possibilidades de erros, o que decorre muitas vezes em danos a sujeitos
específicos. Essa é uma questão aceitável, presente em qualquer outro setor da
sociedade que dependa diretamente da atuação de indivíduos múltiplos. Todavia, o
que não tem “sentido, nem amparo jurídico, é fazer com que um ou apenas alguns
administrados sofram todas as consequências danosas da atividade
administrativa”54. Por este motivo, elucida Romeu Felipe Bacellar Filho:
[...] uma vez ocasionado o dano é dever do Estado recompô-lo, o mais
imediatamente possível, pretensão que, qualquer teoria de cunho subjetivo
jamais haveria de alcançar. Dando-se conta dessa realidade, sem
abandonar a teoria do acidente administrativo, a doutrina, cônscia de que,

53
MAZZA, 2013. p. 321.
54
CAVALIERI FILHO, 2014. p. 286.
21

em certos casos, a atividade estatal representa um risco, concebeu a Teoria


do Risco que, acoplada à ideia da responsabilização objetiva, haveria de
55
solucionar a pendência.

Cabe à vítima comprovar o nexo de causalidade entre a conduta


administrativa e o dano suportado para que exista possibilidade de indenização. “A
única preocupação na adoção dessa teoria diz respeito aos abrandamentos que lhe
devem ser reconhecidos, sob pena de transformarmos o Estado num ‘Segurador
Universal’”56. Pretendendo estipular mecanismos que limitassem indenizações
indevidas os juristas propuseram a subdivisão57 da Teoria do Risco em dois ramos:
(a) Teoria do Risco Integral e (b) Teoria do Risco Administrativo.

2.4.1 Teoria do Risco Integral

Construída de modo mais extremista, os juristas adeptos a esta vertente da


Teoria do Risco defendem que a responsabilidade do Estado é absoluta, devendo
ser provida a indenização, em qualquer conjuntura, desde que sejam comprovados o
ato, o dano, e o nexo que os vincule.
A responsabilidade civil pública seria invocada mesmo nos casos das
excludentes da responsabilidade no âmbito privado, como a culpa exclusiva da
vítima, culpa de terceiro, caso fortuito ou força maior. Assemelha-se ao que ocorre
na esfera do direito do trabalho, especificamente nos casos de acidentes laborais,
onde nem mesmo a culpa exclusiva da vítima ilide o empregador de reparar os
danos sofridos por seu empregado.58
Admite-se apenas, como forma de afastar a incidência da indenização, a falta
de nexo causal entre a atividade administrativa e o dano suportado pelo
administrado. Dessa maneira é possível perceber a falta de razoabilidade dessa
tese, de modo que ficaria o Estado “obrigado a indenizar sempre e em qualquer
caso o dano suportado pelo particular, ainda que não decorrente de sua atividade,

55
BACELLAR FILHO, 2009. p. 134.
56
SERRANO JÚNIOR, apud: BACELLAR FILHO, 2009. p.134.
57
Existem diversos autores que não reconhecem esta subdivisão e consideram que a Teoria do
Risco Integral e a Teoria do Risco Administrativo são apenas opções semânticas, sem diversidade de
conteúdo.
58
CAVALIERI FILHO, 2014. p. 288.
22

posto que estaria impedido de invocar as causas de exclusão do nexo causal, o que,
a toda evidência, conduziria ao abuso e à iniquidade”59.

2.4.2 Teoria do Risco Administrativo

Conjecturada inicialmente por Léon Duguit e desenvolvida por ilustres


administrativistas, é adotada como regra na Constituição brasileira de 1988, sendo
considerada como a vertente mais branda da Teoria do Risco.
Pretende mitigar a responsabilização civil estatal de modo que, mantendo-se
a irrelevância quanto à culpa ou dolo da Administração, há possibilidade de exclusão
do nexo causal nos casos de: (a) fato exclusivo da vítima; (b) caso fortuito; (c) força
maior ou (d) fato exclusivo de terceiro.
A responsabilidade do Estado, em última análise, decorre do dever de
segurança, conforme explica Sérgio Cavalieri Filho:
E nesta altura cabe a seguinte indagação: se não há responsabilidade sem
violação de dever jurídico e o risco, por si só, não configura nenhuma
violação, qual seria o dever jurídico da Administração cujo descumprimento
ensejará o dever de indenizar? É o dever de segurança a incolumidade de
todos os administrados. O Estado tem o dever de exercer a sua atividade
administrativa, mesmo quando perigosa ou arriscada, com absoluta
segurança, de modo a não causar dano a ninguém. Está vinculado,
portanto, a um dever de incolumidade, cuja violação enseja o dever de
60
indenizar independentemente da culpa.

Tácito, portanto, que diante desse dever de segurança atribuído ao Estado, a


responsabilidade civil seja elemento imprescindível no estudo do Direito
Administrativo e nas suas repercussões em todos os setores da sociedade.

3) RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO

Inúmeros doutrinadores brasileiros61 consideram que o Brasil jamais concebeu


a Tese da Irresponsabilidade Civil do Estado, pois ainda “que não houvesse uma lei

59
CAVALIERI FILHO, 2014. p. 288.
60
CAVALIERI FILHO, 2014. p. 288.
61
Como, por exemplo, os já mencionados Celso Antônio Bandeira de Mello e Sérgio Cavalieri Filho.
Há autores, entretanto, que consideram as Constituições brasileiras de 1824 e 1891, como
representantes da teoria da irresponsabilidade estatal (como Romeu Felipe Bacellar Filho, 2009, p.
134.
23

geral que reconhecesse e firmasse a responsabilidade civil do Estado, ela estava


prevista e consignada em diversos artigos de leis e decretos particulares”62,
enraizada como fator basilar e geral do Direito.
Analisando a evolução normativa no direito brasileiro é possível realizar um
quadro comparativo que forneça subsídios imprescindíveis para compreensão do
atual momento vivenciado pela Administração Pública relativamente à sua
responsabilização civil.

Norma Enunciado Tese aplicada


Sérgio Cavalieri Filho
explica que o texto legal
caracterizava a tese da
responsabilidade
Art. 179, XXIX: fundada na culpa civil,
Os Empregados Publicos são strictamente de modo que “o Estado
Constituição responsaveis pelos abusos, e omissões praticadas no só respondia pelos
Imperial de 1824 exercicio das suas funcções, e por não fazerem danos decorrentes de
effectivamente responsaveis aos seus subalternos. atos praticados por seus
(sic.) funcionários se provado
restasse ter este agido
com negligência,
imprudência ou
63
imperícia” .

Decreto 1.930, Responsabilidade


de 26.4.1857 solidária entre o Estado
Relativos aos danos causados pelas estradas de e o funcionário público.
e ferro.
Decreto 9.417,
de 25.4.188564

Decreto 1.663,
de 30.1.1894, art.
Responsabilidade
552
Concernentes à indenização por prejuízos solidária entre o Estado
e decorrentes da colocação de linhas telegráficas. e o funcionário público.
Decreto 4.053,
de 24.6.1891, art.
53865
Art 82 - Os funcionários públicos são estritamente
Constituição responsáveis pelos abusos e omissões em que Repetiu os mesmos
incorrerem no exercício de seus cargos, assim como fundamentos da
Republicana de
pela indulgência ou negligência em não Constituição Imperial de
1891 responsabilizarem efetivamente os seus subalternos. 1824.

62
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 1042.
63
CAVALIERI FILHO, 2014. p. 289.
64
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 1043.
65
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 1043.
24

Decreto 1.692A
de 10.4.1894 art.
8º Responsabilidade
Cuidam da responsabilidade da União ligada aos
solidária entre o Estado
e serviços de Correio, e muitos outros.
e o funcionário público.
Decreto 2.230 de
10.2.1896, art.
6º66

Definiu a “competência
do Judiciário para
julgamento das
questões oriundas de
Art. 13. Os juizes e tribunaes federaes processarão compensações,
Lei Federal 221, e julgarão as causas que se fundarem na lesão de reivindicações,
de 20.11.1894 direitos individuaes por actos ou decisão das indenizações de
autoridades administrativas da União. (sic.) prejuízos ou quaisquer
outras propostas pela
União contra
particulares e vice-
67
versa” .

66
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 1043.
67
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 1043.
25

Art. 15. As pessoas jurídicas de


direito publico são civilmente
Código Civil responsáveis por atos dos seus
Foi o primeiro dispositivo legal a tratar da
representantes que nessa qualidade
de 1916 Responsabilidade Civil do Estado de modo
causem danos a terceiros,
Lei 3.071, de específico, consagrando a Teoria
procedendo de modo contrario ao 68
01.01.1916 Subjetivista Civilista.
direito ou faltando a dever prescrito
por lei, salvo o direito regressivo
contra os causadores do dano.
Art. 1º A União Federal, o Estado
ou o Município não respondem
civilmente pelos atos criminosos dos Reforço da Teoria Subjetiva implantada
Decreto seus representantes, funcionários ou através do Código Civil de 1916,
24.216, de prepostos, ainda quando praticados no determinando a conduta criminosa do
09.05.1934 exercício do cargo, função ou agente como excludente da
desempenho de seus serviços, salvo responsabilidade estatal.
se neles forem mantidos após a sua
verificação.

Art. 171 - Os funcionários públicos


são responsáveis solidariamente
Constituição com a Fazenda nacional, estadual ou Derrogou a isenção da responsabilidade
Federal de municipal, por quaisquer prejuízos do Estado nos casos de condutas
1934 decorrentes de negligência, omissão criminosas de seus agentes públicos.
ou abuso no exercício dos seus
cargos.

Art. 158 - Os funcionários públicos


são responsáveis solidariamente
Constituição com a Fazenda nacional, estadual ou
Manutenção dos fundamentos
Federal de municipal por quaisquer prejuízos
estabelecidos na Carta anterior.
1937 decorrentes de negligência, omissão
ou abuso no exercício dos seus
cargos.

Art. 194 - As pessoas jurídicas de Grande marco para o direito administrativo


direito público interno são civilmente ao estabelecer a responsabilidade
responsáveis pelos danos que os seus objetiva do Estado, na modalidade
Constituição funcionários, nessa qualidade, causem Risco Administrativo. “A partir da
a terceiros. Constituição Federal de 1946 a discussão
Federal de Parágrafo único - Caber-lhes-á ação sobre culpa ou dolo foi deslocada da ação
1946 regressiva contra os funcionários indenizatória para a ação regressiva
causadores do dano, quando tiver intentada pelo Estado contra o agente
69
havido culpa destes. público” .

68
“Ainda na vigência do art. 15 do Código Civil de 1916, alguns autores, valendo-se da já
mencionada ambiguidade da sua redação, começaram a sustentar a tese da responsabilidade
objetiva do Estado, inspirados nas ideias que prevaleciam na França e em outros países europeus.
Destacam-se, nesse período, os nomes de Rui Barbosa, Pedro Lessa, Amaro Cavalcante e outros.
Em luminosos votos, proferidos no Supremo Tribunal Federal, os Mins. Orozimbo Nonato e Filadelfo
Azevedo esboçaram nitidamente o alcance da teoria do risco administrativo. De onde se conclui que,
também entre nós, a responsabilidade objetiva do Estado chegou primeiro à jurisprudência, para
depois se transformar em texto legal”. In: CAVALIERI FILHO, 2014. p. 289.
69
MAZZA, 2013. p. 322.
26

Art 105 - As pessoas jurídicas de


direito público respondem pelos
danos que os seus funcionários,
nessa qualidade, causem a Manutenção da Teoria objetiva fundada
Constituição terceiros. no Risco Administrativo, com
Federal de 1967 Parágrafo único - Caberá ação possibilidade de ação de regresso contra
regressiva contra o funcionário o agente nos casos de culpa ou dolo.
responsável, nos casos de culpa ou
dolo.

Art. 107. As pessoas jurídicas de


direito público responderão pelos
Emenda danos que seus funcionários, nessa
Manutenção da Teoria objetiva fundada
Constitucional nº qualidade, causarem a terceiros. no Risco Administrativo, com
Parágrafo único. Caberá ação
1 possibilidade de ação de regresso contra
regressiva contra o funcionário
de 17.10.1969 o agente nos casos de culpa ou dolo.
responsável, nos casos de culpa ou
dolo.

Art. 37. A administração pública


direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios
O maior destaque trazido pela
obedecerá aos princípios de
Constituição Federal de 1988 foi a
legalidade, impessoalidade,
ampliação da responsabilização estatal.
moralidade, publicidade e eficiência
Anteriormente apenas as pessoas
e, também, ao seguinte:
jurídicas de direito público seriam
Constituição § 6º As pessoas jurídicas de direito
responsabilizadas; com o advento do
Federal de 1988 público e as de direito privado
novo texto constitucional as pessoas
prestadoras de serviços públicos
jurídicas de direito privado
responderão pelos danos que seus
prestadoras de serviços públicos foram
agentes, nessa qualidade,
acrescentadas ao rol dos civilmente
causarem a terceiros, assegurado o
responsáveis.
direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou
culpa.

Art. 43. As pessoas jurídicas de


direito público interno são
Código Civil de civilmente responsáveis por atos
dos seus agentes que nessa
2002 Reitera a aplicação da responsabilidade
qualidade causem danos a
Lei 10.406 de objetiva.
terceiros, ressalvado direito
10.01.2002 regressivo contra os causadores do
dano, se houver, por parte destes,
culpa ou dolo.

Conclui-se, portanto, que o primeiro avanço notável e concreto na


responsabilidade civil estatal brasileira deu-se através da Constituição de 1946.
Instituiu-se no país, a partir desta inovação normativa, a responsabilidade objetiva
27

fundada na teoria do risco administrativo, fato extremamente relevante se


considerarmos que neste mesmo ano os Estados Unidos estavam abolindo a
irresponsabilidade civil estatal em seu território.
Se a obrigação do Estado, ente com personalidade jurídica própria - seja de
direito público ou de direito privado (quando prestadoras de serviços públicos) -, é
objetiva, a responsabilidade do funcionário, a seu turno, é subjetiva. Ou seja:
A responsabilidade civil do Estado é objetiva, independendo da prévia
perquirição de dolo ou de culpa do agente causador do dano. Já a
responsabilidade do agente é subjetiva, ou seja, apenas existente quando
comprovados culpa ou dolo em seu agir, caso em que deverá o Estado,
quando for o caso, ajuizar ação regressiva. As vítimas dos danos causados
serão ressarcidas independentemente da comprovação de culpa, seja da
atuação estatal, seja dos agentes. O Estado repara o dano, impondo-se-lhe,
como obrigação, a apuração de eventual responsabilidade funcional. É
importante a aferição de culpa ou dolo na conduta do agente público, para
ensejar a possibilidade de ação de regresso do Estado, atitude que não
pode interferir, de maneira alguma, na responsabilidade objetiva do Estado.
Afinal, se o agente público ou a estrutura administrativa (por agentes
indeterminados) por ação ou omissão, laborando de modo a configurar
culpa ou dolo, renderam ensejo a motivar desembolso de dinheiro público,
devem estes arcar com o numerário utilizado para ressarcimento da
70
vítima .

A Teoria do Risco Administrativo, adotada como regra no Brasil71, pode ser


melhor compreendida quando se esmiúçam as particularidades presentes na norma
do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988. Partindo do conceito expresso
tem-se que: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa”.
O primeiro elemento que se destaca é a responsabilidade das pessoas
jurídicas de direito público, ou seja, entes de Administração Pública Direta (União,
Estados, Distrito Federal, Municípios) e instituições da Administração Pública
Indireta que adquirem, por força de lei ou interpretação jurisprudencial, a mesma
natureza (Autarquias, Fundações e Associações Públicas). Não há exigência quanto
aos serviços prestados, portanto a responsabilização estará presente independente
do tipo de atividade realizada: “prestação de serviço público, exercício do poder de

70
BACELLAR FILHO, 2009. p. 135.
71
Adiante serão elencadas as exceções que comportam aplicação da Teoria do Risco Integral e da
Teoria da Responsabilidade Subjetiva dentro da jurisdição brasileira.
28

polícia, intervenção no domínio econômico, atividade normativa ou qualquer outra


manifestação da função administrativa”72.
As pessoas jurídicas de direito privado (Empresas Públicas, Sociedades de
Economia Mista, Concessionários e Permissionários), avanço notório na questão da
responsabilidade civil estatal, acrescido ao texto Constitucional de 1988, possuem
como fator de mitigação da sua responsabilidade a obrigatoriedade da prestação de
serviço público quando da ocorrência do evento danoso. Eventuais danos
provenientes de atividades alheias a essa regra, como funções meramente
econômicas ou burocráticas, serão regidas pelas normas de responsabilidade
subjetivas presentes no Código Civil.
Por fim, a Carta de 1988 define que a responsabilização dos agentes públicos
ocorrerá apenas em casos de dolo ou culpa, ou seja, de modo subjetivo, através da
disposição de que ser assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa.
Merece destaque o disposto no art. 5º, X, também da Constituição Federal,
que prevê: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente
de sua violação”. Deste modo passou a ser possível a ação pleiteando indenização
por danos morais decorrentes da responsabilidade estatal, em casos de
cumulatividades com demais danos (materiais, patrimoniais), ou ainda que de modo
isolado.
A responsabilidade objetiva brasileira, pautada na teoria do risco
administrativo, exige a presença dos seguintes elementos: (a) dano; (b) ação ou
omissão da Administração; (c) nexo causal; (d) ausência de causa excludente.
Frise-se, ainda que de modo preliminar, que “a responsabilidade civil do
Estado não se confunde com as responsabilidades criminal e administrativa dos
agentes públicos, por tratar-se de instâncias independentes. Assim, a absolvição do
servidor no juízo criminal não afastará a responsabilidade civil do Estado, se não
ficar comprovada a culpa exclusiva da vítima”73.

72
MAZZA, 2013. p. 325.
73
MORAES, 2002. p. 234.
29

Demonstra-se imprescindível realizar um estudo pormenorizado das


peculiaridades que envolvem este instituto no Brasil, bem como sua aplicação
prática junto aos administrados e demais interessados.

4) FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO BRASIL

Celso Antônio Bandeira de Mello explica a necessária diferenciação entre as


condições deflagradoras da Responsabilidade do Estado e seus fundamentos.
Condições são “os requisitos necessários para colocar em causa uma obrigação de
reparar o dano”, enquanto os fundamentos são a “justificativa da existência de tal
responsabilização, [...] consiste naquilo que supedita as distintas hipóteses de
responsabilização”74.
As indenizações possuem dois fundamentos essenciais: a legalidade, e a
igualdade, sendo sua aplicabilidade relevante conforme classificação dos atos:
(a) Comissivo e ilícito: uma ação jurídica ou material que viole a legislação
vigente, a responsabilidade estará fundamentada no princípio da
legalidade;
(b) Omissivo e ilícito: a violação normativa surgirá em razão da omissão do
agente, a responsabilidade terá duplo fundamento, no princípio da
legalidade, concomitantemente apurado com o princípio da igualdade;
(c) Comportamentos lícitos ou danos ensejados por situação criada pelo
Poder Público: obtém seu fundamento no princípio da igualdade. Tal
princípio advém da necessidade estatal de “garantir uma equânime
repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que
alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de
atividades desempenhadas no interesse de todos”75.

4.1 Os sujeitos que responsabilizam o Estado por seus atos

A personalidade jurídica do Estado nada mais é do que uma criação jurídica


abstrata voltada para conceber aos entes administrativos vontade e ação. “Assim

74
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 1023.
30

como o Direito constrói a realidade (jurídica) ‘pessoa jurídica’, também constrói para
ela as realidades (jurídicas) ‘vontade’ e ‘ação’, imputando o querer e o agir dos
agentes à pessoa do Estado”76. Trata-se, destarte, de uma imputação direta, uma
relação orgânica que transmuta o Estado e seus agentes em uma unidade
indissociável.
Conforme anteriormente exposto a Constituição vigente atribui
responsabilidade civil tanto para pessoas jurídicas de direito público, quanto para as
pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos. Quem irá suscitar
o evento indenizável no plano concreto serão os agentes públicos destas
instituições, desde que estejam no exercício de suas funções.
Vislumbrando as pessoas jurídicas de direito público, tem-se uma grande
amplitude quando se pretende numerar os agentes responsáveis: “os agentes
políticos (entre outros, magistrados e parlamentares), agentes administrativos
(servidores e empregados públicos) ou particulares em colaboração com o Poder
Público, sem interessar o título sob o qual prestam serviços” 77, independente de
remuneração, posição ou influência.
Tais agentes públicos precisam, conforme exigência constitucional, estar
agindo nessa qualidade no momento em que sua ação/omissão gerar dano à
terceiro. Não se trata de dolo ou culpa, visto a natureza objetiva da responsabilidade
aqui discutida, mas sim à conjuntura do ato danoso. O agente deve estar atuando
em nome do Estado, valendo-se das prerrogativas intrínsecas àquela função,
mesmo que, eventualmente, ele não esteja em seu local ou horário de trabalho.
Basta para a jurisprudência mais moderna que a função esteja explícita através do
uso coercitivo do crachá, uniforme ou insígnia. Em síntese: o ato só pôde ser
materializado em razão do sujeito ser agente público.
Amaro Cavalcanti enumera as possibilidades do agente agir na qualidade da
sua função: “1) quando pratica o ato no exercício das suas funções e dentro dos
limites da sua competência; 2) quando pratica o ato, mesmo com excesso de poder,
mas revestido da autoridade do cargo, ou servindo-se dos meios deste, isto é, meios

75
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 1023.
76
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 1024.
77
BACELLAR FILHO, 2009. p. 136.
31

de que não poderia dispor na ocasião, se não se achasse na posse do cargo; 3)


quando o cargo tenha influído como causa ocasional do ato”78.
O Estado delega a prestação de serviços públicos específicos para
determinadas pessoas jurídicas de direito privado, seja por concessão, permissão ou
autorização. Quando os atos administrativos decorrentes destas prestações públicas
delegadas ensejam danos indenizáveis, os agentes delegados respondem direta e
objetivamente. Ressalte que não basta existir a delegação, é requisito indispensável
para a indenização que o dano decorra especificamente deste serviço público
delegado. Entretanto, caso ocorra insolvência por parte dos entes delegados,
prestadores de serviços públicos, “sendo o dano resultante de uma atividade
pública, o Estado é responsabilizado de forma subsidiária, uma vez que a função ou
atividade delegada a ele compete originariamente”79.
Quanto a esta responsabilidade subsidiária do Estado, na precisa definição de
Celso Antônio Bandeira de Mello, tem-se que:
Ademais, para fins de responsabilidade subsidiária do Estado, incluem-se,
também, as demais pessoas jurídicas de Direito Público auxiliares do
Estado, bem como quaisquer outras, inclusive de Direito Privado, que,
inobstante alheias à sua estrutura orgânica central, desempenham
cometimentos estatais sob concessão ou delegação explícitas
(concessionárias de serviços públicos e delegados de função pública) ou
implícitas (sociedades mistas e empresas do Estado em geral, quando no
desempenho de serviço público propriamente dito). Isto porque não faria
sentido que o Estado se esquivasse a responder subsidiariamente – ou
seja, depois de exaustas as forças da pessoa alheia à sua intimidade
estrutural – se a atividade lesiva só foi possível porque o Estado lhe colocou
em mãos o desempenho da atividade exclusivamente pública geradora do
80
dano.

Sérgio Cavalieri Filho justifica que a responsabilidade do Estado junto a seus


agentes delegados não poderá ser tipificada como solidária, “porque a solidariedade
só pode advir da lei ou do contrato, inexistindo norma legal atribuindo solidariedade
ao Estado com os prestadores de serviços públicos”81. O autor baseia-se na própria
Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, referente ao regime de concessões e

78
CAVALCANTI, 1957. Apud: CAHALI, 2014. p. 81.
79
BACELLAR FILHO, 2009. p. 136.
80
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 1025.
81
CAVALIERI FILHO, 2014. p. 306.
32

permissões de serviços públicos, que em seu art. 2582 institui a responsabilidade


direta das concessionárias nos casos de danos ao poder concedente, usuários ou
terceiros. Contrário a este entendimento encontra-se o professor Gustavo Tepedino,
sustentando a solidariedade Estado-agente delegado com base no Código de
Defesa do Consumidor83.
A responsabilidade do servidor estatutário federal está condicionada ao
Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União. A Lei nº 8.112/90 imputa ao
servidor responsabilidade civil, penal e administrativa em caso de exercício irregular
de função, quando ensejadora de prejuízo ao erário ou a terceiros. Nesta última
hipótese o agente federal responderá à Fazenda Pública apenas através de ação
regressiva, não sendo admitida, por força do art. 122, § 2º do Estatuto, a propositura
de ação diretamente em relação ao servidor.
A ação regressiva, quando restar comprovada a responsabilidade subjetiva do
agente, dará origem à reposição e indenização nos termos da Lei 8.112/90:
Art. 46. As reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de
junho de 1994, serão previamente comunicadas ao servidor ativo,
aposentado ou ao pensionista, para pagamento, no prazo máximo de trinta
dias, podendo ser parceladas, a pedido do interessado. (Redação dada pela
Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
o
§ 1 O valor de cada parcela não poderá ser inferior ao correspondente a
dez por cento da remuneração, provento ou pensão. (Redação dada pela
Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
o
§ 2 Quando o pagamento indevido houver ocorrido no mês anterior ao do
processamento da folha, a reposição será feita imediatamente, em uma
única parcela. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de
4.9.2001)
o
§ 3 Na hipótese de valores recebidos em decorrência de cumprimento a
decisão liminar, a tutela antecipada ou a sentença que venha a ser
revogada ou rescindida, serão eles atualizados até a data da reposição.
(Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)

Art. 47. O servidor em débito com o erário, que for demitido, exonerado ou
que tiver sua aposentadoria ou disponibilidade cassada, terá o prazo de
sessenta dias para quitar o débito. (Redação dada pela Medida Provisória
nº 2.225-45, de 4.9.2001)
Parágrafo único. A não quitação do débito no prazo previsto implicará sua
inscrição em dívida ativa. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-
45, de 4.9.2001)

Art. 48. O vencimento, a remuneração e o provento não serão objeto de


arresto, seqüestro ou penhora, exceto nos casos de prestação de alimentos
resultante de decisão judicial.

82
Lei n. 8.987/95. Art. 25: Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe
responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem
que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade.
83
TEPEDINO, 1999. apud: CAVALIERI FILHO, 2014. p. 306.
33

4.2 Elementos da conduta lesiva ensejadora de responsabilidade

O ato administrativo ensejador da responsabilidade civil objetiva pode ser


concretizando de três84 modos: (a) Conduta Comissiva, resultante de um
comportamento positivo do agente; (b) Conduta Omissiva, nas hipóteses em que o
serviço não funcionou, funcionou mal ou funcionou com atraso; (c) Conduta que gere
uma situação propícia ao dano, quando Estado contribui de modo indireto e mediato
para consecução do dano.

4.2.1 Conduta Comissiva - Aplicação da teoria do Risco Administrativo

Em razão da Soberania e cogência dos atos administrativos perpetrados pelo


Estado a responsabilidade civil é naturalmente objetiva, quer seja nos casos de atos
jurídicos ou nos de atos materiais. Pelo princípio da igualdade, se o Estado realiza
atos em benefícios da coletividade, não pode imputar os ônus decorrentes a
administrados específicos, sem que seja obrigado a restaurar o status quo ante do
direito vilipendiado.
Por meio deste princípio, também denominado de isonomia ou equidade,
mesmo condutas comissivas legítimas são pautadas pela responsabilidade objetiva,
pouco importando os elementos subjetivos que se escondam por trás da atuação do
agente.
Por óbvio as condutas comissivas ilegítimas seguirão o mesmo padrão ora
verificado. Tudo em razão da impossibilidade do administrado resistir aos impulsos
provenientes do Estado, assistindo sem defesa a deterioração de seu patrimônio
juridicamente tutelado.

4.2.2 Conduta Omissiva - Aplicação da Teoria Subjetiva

84
Para fins de organização do presente trabalho, tal classificação seguirá os conceitos expostos por
Celso Antônio Bandeira de Mello (ob. cit.). Em casos de discrepâncias com demais autores, quando
relevantes ao debate proposto, estas serão devidamente apontadas ao longo do desenvolvimento
deste tópico.
34

Condutas omissivas do Estado que gerem danos indenizáveis ainda possuem


certa divergência entre os juristas. A posição da doutrina majoritária, bem como o
entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal (julgamento RE 179.147 85), é
o de que só se cogitará a indenização relativa a condutas omissivas quando o
Estado esteja obrigado a impedir o dano e não o fez, aplicando-se, desta feita, a
teoria da responsabilidade subjetiva. Em outras palavras, a responsabilidade
subjetiva advém apenas de atos comissivos ilícitos, “pois não há conduta ilícita do
Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência,
imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma
que o constituía em dada obrigação (dolo)”86.
Supor que o Estado fosse responsável por toda e qualquer conduta omissiva,
independente de qualquer valoração de culpa ou dolo, seria ignorar os próprios
princípios jurídicos que mantém o Estado de Direito, elegendo-o como um segurador
universal. Por outro lado, é perfeitamente plausível e razoável associar a ilicitude da
omissão (ou seja, quando o Estado não cumpriu uma obrigação normativa, ou a
realizou de maneira pouco zelosa) com a responsabilização, visto estarem presentes
os elementos que corroboram a negligência, imperícia, imprudência ou dolo.
Sérgio Cavalieri Filho, partindo da diferenciação proposta por Guilherme
Couto Castro87, classifica a omissão estatal como genérica ou específica. Explica o
autor que a omissão genérica é característica das “hipóteses em que não se pode
exigir do Estado uma atuação específica; quando a Administração tem apenas o
dever legal de agir em razão, por exemplo, de seu poder de polícia (ou de
fiscalização), e por sua omissão concorre para o resultado”88. Trata-se de uma
terminologia diferenciada para se referir à omissão ilícita, sendo questionada a
subjetividade da atuação quando figurar como concausa do dano.

85
Excerto da decisão: “Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal
ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou
imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao
serviço público, de forma genérica, a faute de service dos franceses”.
86
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 1029.
87
“[...] não ser correto dizer, sempre, que toda hipótese de dano proveniente de omissão estatal será
encarada, inevitavelmente, pelo ângulo subjetivo. Assim o será quando se tratar de omissão genérica.
Não quando houver omissão específica, pois aí há dever individualizado de agir”, In: CASTRO, 1997,
apud: CAVALIERI FILHO, 2014. p. 297.
88
CAVALIERI FILHO, 2014. p. 298.
35

A omissão específica enseja a responsabilidade objetiva, pois dela o dano


decorre de maneira direta e imediata. Tal omissão “pressupõe um dever específico
do Estado, que o obrigue a agir para impedir o resultado danoso, quando a vítima se
encontrava sob sua proteção ou guarda”89.
Conforme se verá no ponto 4.2.3, na classificação de Celso Antônio Bandeira
de Mello a omissão específica de Castro e Cavalieri Filho será renomeada como
dano dependente de situação apenas propiciada pelo Estado, ou ainda, valendo-se
da nomenclatura de Alexandre Mazza, dano decorrente da situação de custódia ou
sujeição especial. É imperioso reconhecer as diferentes nomenclaturas para
justificar corretamente a teoria da responsabilidade escolhida diante do caso
concreto.
A subjetividade contém, naturalmente, elementos que exigem uma atenção
mais apurada do julgador ao aplicar a teoria da responsabilidade estatal. Definir
quais critérios distinguem um serviço realizável (quando dentro dos orçamentos e
possibilidades técnicas e orçamentárias do Estado) de um serviço defeituoso (seja
por inexistência, atraso ou má prestação), é a face primordial da responsabilização.
Na definição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
A normalidade da eficiência há de ser apurada em função do meio social, do
estágio de desenvolvimento tecnológico, cultural, econômico e da
conjuntura da época, isto é, das possibilidades reais médias dentro do
ambiente em que se produziu o fato danoso.
Como indício destas possibilidades há que levar em conta o procedimento
do Estado em casos e situações análogas e o nível de expectativa comum
da Sociedade (não o nível de aspirações), bem como o nível de expectativa
do próprio Estado em relação ao serviço increpado de omisso, insuficiente
ou inadequado. Este último nível de expectativa é sugerido, entre outros
fatos, pelos parâmetros da lei que o institui e regula, pelas normas internas
que o disciplinam e até mesmo por outras normas das quais se possa
deduzir que o Poder Público, por força delas, obrigou-se, indiretamente, a
um padrão mínimo de aptidão.
Reversamente, descabe responsabilizá-lo se, inobstante atuação
compatível com as possibilidades de um serviço organizado e eficiente, não
lhe for possível impedir o evento danoso gerado por força (humana ou
90
material) alheia.

Idealize, a título exemplificativo, uma enchente que cause inúmeros danos à


população local. Caso o alagamento tenha sido provocado (ou majorado) em razão
da falha da prestação do serviço público em limpar bueiros e galerias subterrâneas,

89
CAVALIERI FILHO, 2014. p. 298.
90
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 1030.
36

aplica-se a responsabilidade do Estado. Por outro lado, caso fique comprovado que
o serviço foi realizado de modo diligente, o simples fato da natureza, por mais
destrutivo que se apresente, não ensejará a indenização.
A maior questão é: como comprovar este fator subjetivo?
Diante da inviabilidade técnica do lesado comprovar a falta do serviço, nos
casos decorrentes de omissão ilícita aplica-se a presunção juris tantum, com a
inversão do ônus da prova. “Sem embargo, se a entidade pública provar que sua
omissão – propiciatória do dano – não decorreu de negligência, imprudência ou
imperícia (hipóteses de culpa) ou de dolo, ficará excluída a responsabilidade”91.

4.2.3 Danos dependentes de situação apenas propiciada pelo Estado –


Aplicação da Teoria do Risco Administrativo

Conforme visto no item 4.2.2 são também chamados de casos derivados de


omissão específica, decorrentes de relação de custódia ou de sujeição especial,
sendo tutelados pela teoria da responsabilidade objetiva. Segundo nomenclatura
eleita por Celso Antônio Bandeira de Mello, não é Estado que age diretamente, mas
quem cria as situações favoráveis ao dano, “são hipóteses nas quais é o Poder
Público quem constitui, por ato comissivo seu, os fatores que propiciarão
decisivamente a emergência do dano. Tais casos, a nosso ver, assimilam-se aos de
danos produzidos pela própria ação do Estado”92.
Derivam, primordialmente, dos casos em que o Estado possui o dever de
guarda de pessoas ou coisas perigosas, como são as penitenciárias, manicômios,
centrais nucleares, depósitos de armamentos e explosivos, entre outros. Partindo do
mesmo princípio da isonomia outrora abordado, se a sociedade depende da
manutenção destes espaços, seria ilógico que apenas alguns particulares arcassem
com os danos deles decorrentes.
Alexandre Mazza ressalta que responsabilidade objetiva nestes casos é
pautada pela modalidade do risco administrativo, e não pelo risco integral93. Apesar o
dever específico de diligência, bem como da irrelevância da presença de culpa ou

91
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 1033.
92
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 1034.
93
MAZZA, 2013. p. 333.
37

dolo, a força maior ou a culpa exclusiva da vítima configuram excludentes de


responsabilidade.
Suponha a morte de um detento em um presídio: (a) caso ele tenha sido
assassinado por outro detento, fato de terceiro, portanto, não haverá exclusão da
responsabilidade, visto que o Estado possui obrigatoriedade de vigilância e proteção
nesta relação de custódia; (b) em caso de suicídio, a culpa exclusiva da vítima
excluirá a responsabilidade94; (c) caso um raio tenha acertado o detento dentro do
pátio, e ficando provado que o Estado tomou as medidas de segurança necessárias
para a proteção frente a este tipo de intempéries comuns no Brasil, a força maior irá
também afastar a responsabilização estatal.
Outra hipótese recorrente é o caso de fuga de presidiários, dando origem a
uma série de lesões aos particulares: (a) em casos de danos ocorridos em uma
região circunvizinha ao presídio, o nexo causal estará inexoravelmente presente,
não podendo ser afastada a responsabilidade; (b) entretanto, nos casos de danos
que ocorram afastados do estabelecimento prisional, “só caberá responsabilizar o
Estado se o serviço de guarda dos delinquentes não houver funcionado ou houver
funcionado mal, pois será caso de responsabilidade por comportamento omissivo, e
não pela geração de risco oriundo de guarda de pessoas perigosas”95.

4.3 Tese da “reserva do possível”

Originária na doutrina Alemã e adaptada ao Brasil, a tese da reserva do


possível é inclusive acolhida pelo Supremo Tribunal Federal em casos cujo motivo
foi objetivamente comprovado. É lançada pela Administração Pública como forma de
afastar ou mitigar sua responsabilidade quando o dano é relacionado com a
implantação de direito sociais e políticas públicas.
Silas Rocha Furtado explica que:
A regra é a de que limitações orçamentárias não podem legitimar a não
atuação do Estado no cumprimento das tarefas relacionadas ao
cumprimento dos deveres fundamentais. A exceção, em que se aplica a

94
Tal posição é a defendida por diversos autores, como Alexandre Mazza e Celso Antônio Bandeira
de Mello, entretanto o STJ já decidiu no sentido de manter a responsabilidade objetiva em casos de
suicídios por considerar que o dever de proteção do Estado é estendido, inclusive, aos atos que os
presidiários pratiquem contra a própria vida.
95
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 1035.
38

teoria da reserva do possível, é admitida em situações em que seja


demonstrada a impossibilidade real de atuação do Estado em razão das
limitações orçamentárias. Assim, se existem recursos públicos, mas se
optou pela utilização para outros fins, não voltados à realização dos direitos
96
fundamentais, não é legítima a arguição da teoria da reserva do possível.

4.4 Debate sobre a aplicação da responsabilidade subjetiva

Conforme analisado, nos casos de omissão ilícita, também chamada omissão


genérica, aplicam-se ordinariamente os ditames da responsabilidade subjetiva.
Sérgio Cavalieri Filho problematiza a questão ao diferenciar três correntes distintas
que são concorrentemente defendidas em nosso país97:
(a) Atribuída a Flávio Willeman, a primeira corrente defende que o art. 37,
§ 6º da Constituição Federal de 1988, c/c o art. 43 do Código Civil de
2002, instituíram normativamente a teoria do risco administrativo, de modo
que não há possibilidade jurídica de aplicação da teoria subjetiva quando
relacionada às pessoas jurídicas de direito público;
(b) A segunda corrente, já delineada, é a capitaneada por Celso Antônio
Bandeira de Mello, na defesa da teoria subjetiva nas hipóteses em que o
Estado possuía dever legal de agir, mas o fez de modo pouco diligente,
gerando uma falta do serviço, má qualidade ou atraso, concausa de danos
a terceiros;
(c) A terceira corrente, desenvolvida por Sérgio Cavalieri Filho, defende
que a responsabilidade subjetiva deve ser aplicada tão somente nos casos
de omissão genérica.

Percebe-se que Sérgio Cavalieri Filho, a despeito de seu inegável


conhecimento jurídico, considera que Celso Antônio Bandeira de Mello não
diferencia omissão genérica de omissão específica, alegando que o autor defende a
aplicação da teoria subjetiva em ambos os casos. Conforme já visto, o que ocorre é
apenas uma variação terminológica, não material. Em verdade, ambos os autores
atribuem a responsabilidade objetiva nos casos de omissão específica (ou no caso
de Bandeira de Mello, nas hipóteses de danos dependentes de situação apenas

96
FURTADO, apud: MAZZA, 2013. p. 332.
39

propiciadas pelo Estado), e a responsabilidade subjetiva nos de omissão genérica,


divergindo apenas na nomenclatura de tais hipóteses.

4.5 Situações excepcionais adstritas à Teoria do Risco Integral

Alexandre Mazza nomeia hipóteses nas quais o Estado responderá de


maneira objetiva, sem admissão de quaisquer excludentes. A Teoria do Risco
Integral, por ser uma vertente radical da Teoria do Risco Administrativo, deve ser
admitida apenas em casos excepcionais, sendo conhecida no Brasil nas seguintes
conjecturas98:
(a) Acidentes de trabalho: o Estado indenizará o empregado público, em
qualquer caso, na ocasião infortunística de acidente de trabalho;
(b) Indenização coberta pelo seguro obrigatório para automóveis (DPVAT):
conforme o disposto no art. 5º, da Lei nº 6.194, de 19 de dezembro de
1974, “O pagamento da indenização será efetuado mediante simples
prova do acidente e do dano decorrente, independentemente da existência
de culpa, haja ou não resseguro, abolida qualquer franquia de
responsabilidade do segurado”;
(c) Atentados terroristas em aeronaves: em função, sobretudo, dos
atentados terroristas ocorridos nos Estados Unidos em setembro de 2001,
algumas leis específicas foram editadas como forma de enfrentar a crise
na aviação. O art. 1º da Lei nº 10.309/2001 determina que “Fica a União
autorizada a assumir as responsabilidades civis perante terceiros no caso
de danos a bens e pessoas no solo, provocados por atentados terroristas
ou atos de guerra contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras no
Brasil ou no exterior.”. Corroborando este posicionamento o art. 1º da Lei
nº 10.744/2003, determina que “Fica a União autorizada, na forma e
critérios estabelecidos pelo Poder Executivo, a assumir despesas de
responsabilidades civis perante terceiros na hipótese da ocorrência de
danos a bens e pessoas, passageiros ou não, provocados por atentados
terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, ocorridos no Brasil ou no

97
CAVALIERI FILHO, 2014. p. 317 passim.
40

exterior, contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por empresas


brasileiras de transporte aéreo público, excluídas as empresas de táxi
aéreo.”;
(d) Dano ambiental: há divergência entre juristas quanto à teoria aplicável
nos casos de danos ambientais. Alguns, com base no art. 225, §§ 2º e 3º,
da Constituição Federal de 1988, defendem à aplicação da Teoria do
Risco Integral. A posição majoritária dos jusambientalistas, entretanto,
orienta-se pela utilização da Teoria do Risco Administrativo;
(e) Dano nuclear: esta questão também não foi pacificada pelos juristas.
Os partidários da aplicação da Teoria do Risco Integral baseiam-se no art.
177, V, da Constituição Federal de 1988, que estabelece os minérios
nucleares como monopólio da União. Por outro lado, e de modo mais
coerente, aqueles que defendem à aplicação do Risco Administrativo
citam as diversas excludentes (culpa exclusiva da vítima, atos de
hostilidade, guerra civil, insurreição e excepcional fato da natureza)
presentes no bojo da Lei nº 6.453/77.

4.6 Causas excludentes da responsabilidade do Estado

Partindo-se da Teoria do Risco Administrativo como regra em nosso


ordenamento jurídico, é necessário discorrer sobre como o Estado poderá utilizar
elementos para excluir ou mitigar sua responsabilidade. Tratando-se de uma
responsabilidade objetiva, onde o dolo e a culpa são elementos irrelevantes para a
concessão de indenização pelo Estado em favor da vítima, os elementos
excludentes irão incidir diretamente sobre o nexo de causalidade. “Há quem não
admita a atenuação da responsabilidade do Estado por entender que, sendo ela
objetiva, inadmissível falar em culpa concorrente. Atente-se, todavia, a que o
fenômeno não é de concorrência de culpas, mas de causas”99.
São elementos passíveis de enfrentamento do nexo causal:
(a) Culpa exclusiva da vítima: Celso Antônio Bandeira de Mello defende
que “a culpa do lesado – frequentemente invocada para elidi-la – não é,

98
MAZZA, 2013. p. 327 passim.
41

em si mesma, causa excludente. Quando se demonstra que o causador do


dano foi a suposta vítima, não há excludente da responsabilidade. O que
haverá faltado para instaurar-se a responsabilidade é o nexo causal.”100 De
todo modo, independentemente da terminologia adotada por autor X ou Y,
sem nexo de causalidade não há responsabilidade, logo, pode-se dizer
que a culpa exclusiva da vítima é causa de excludente da
responsabilidade;
(b) Culpa concorrente da vítima: a jurisprudência pátria admite a culpa
concorrente da vítima como concausa capaz de mitigar a responsabilidade
do Estado, atenuando o quantum indenizatório devido por este;
(c) Força maior – a força da natureza é relevante na responsabilidade
objetiva apenas quando exclui em definitivo o nexo de causalidade. Em
geral, nos casos ligados à força da natureza, utiliza-se a responsabilidade
subjetiva, dantes citada, recaindo na comprovação de dolo ou culpa;
(d) Caso fortuito: nas interpretações de Alexandre Mazza e Celso Antônio
Bandeira de Mello, o caso fortuito não ilide a responsabilidade estatal;
(e) Culpa de terceiro: a doutrina majoritária considera a culpa de terceiro
(pessoa desvinculada à Administração Pública) como excludente da
responsabilidade, salvo na hipótese de dano causado por multidão, na
qual será aplicada a teoria subjetiva e averiguada a culpa do Estado.

Havendo cumulação de causas (concausa), será solicitada a produção de


prova pericial para auferir a proporcionalidade de culpa no ato lesivo, mitigando a
responsabilidade do Estado.

4.7 Ação indenizatória

O administrado lesado possui duas vias para pleitear sua indenização: (a)
administrativa, realizando o pedido de ressarcimento junto à “autoridade
competente, que instaurará o processo administrativo para apuração da

99
CAVALIERI FILHO, 2014. p. 294.
100
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 1040.
42

responsabilidade e tomada de decisão sobre o pagamento da indenização” 101; (b)


judicial, através de ação indenizatória.
Até 2006 a vítima poderia optar entre ingressar com a ação indenizatória em
desfavor apenas do Estado, apenas do agente público responsável, ou contra
ambos mediante litisconsórcio passivo. O Supremo Tribunal Federal firmou
entendimento, a partir do julgamento do RE 327.904/SP, de 15 de agosto de 2006,
de que a vítima deve propor ação apenas em desfavor do Estado, deixando que a
ação regressiva contra o agente, nos casos de suposto dolo ou culpa do agente,
seja instaurada diretamente pelo Estado em momento posterior.
Por se tratar de uma ação de cunho pessoal, aplicam-se as regras do Código
de Processo Civil para determinação do foro competente para julgamento destas
ações indenizatórias. Independentemente do réu ser pessoa jurídica de direito
público, inexiste o foro privilegiado, sendo possível a propositura: no foro do lugar do
fato, ou no foro do domicílio do autor.102
Ainda quanto à competência algumas particularidades devem ser destacadas:
(a) autarquias federais devem ser instadas junto à Justiça Federal, podendo ser
demandadas no foro de sua sede ou naquele em que se acha a sucursal em cujo
âmbito de competência ocorreu o fato103; (b) as sociedades de economia mista
encontram orientação na Súmula 42 do STJ: “Compete à Justiça Comum estadual
processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista”;
(c) em ação indenizatória contra a Fazenda Estadual em decorrência de prisão
injusta, é permitido ao autor ingressar tanto no local dos fatos quanto no local de seu
domicílio.
O prazo prescricional para o pedido indenizatório é de cinco anos, a partir da
ocorrência do fato danoso, tanto em face da Administração Pública Direta, quanto às
Autarquias e Entidades Paraestatais, com base no art. 1º do Decreto nº 20.910/32:
“As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e
qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual
for a sua natureza, prescrevem em cinco anos, contados da data do ato ou fato do
qual se originarem”.

101
MAZZA, 2013. p. 333.
102
CAHALI, 2014. p. 138.
103
STJ, RT 845/213 apud: CAHALI, 2014. p. 139.
43

Infelizmente, em razão do procedimento utilizado para pagamento de


sentenças judiciárias, a realidade das vítimas é sofrível. A Constituição Federal, em
sua configuração inicial, estabeleceu em seu artigo 100 que: “Os pagamentos
devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em
virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de
apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a
designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos
adicionais abertos para este fim”.
Todavia, com a Emenda Constitucional nº 62, de 09 de janeiro de 2009 104, 16
parágrafos foram acrescidos ao artigo 100, tornando o processo de recebimento dos
precatórios de maior valor105 diluídos em prestações extensíveis por até 15 anos.
O § 15, adicionado pela EC 62/09, delegou à lei complementar à Constituição
a obrigação de estabelecer regime especial para pagamento destes créditos
precatórios de Estados, Distrito Federal e Municípios. Com base nesta amplitude, o
artigo 97 das Disposições Transitórias foi reformulado, sendo redigido como:
Art. 97. Até que seja editada lei complementar de que trata o § 15 do art.
100 da Constituição Federal, os Estados, Distrito Federal e os Municípios
que, na data de publicação desta Emenda Constitucional, estejam em mora
na quitação de precatórios vencidos, relativos às duas administrações direta
e indireta, inclusive os emitidos durante o período de vigência do regime
especial instituído por este artigo, farão esses pagamentos de acordo com
as normas a seguir estabelecidas, sendo inaplicável o disposto no art. 100
desta Constituição Federal, exceto em seus §§ 2º, 3º, 9º, 10, 11, 12, 13 e
14, e sem prejuízo dos acordos de juízos conciliatórios já formalizados na
data de promulgação desta Emenda Constitucional.

Celso Antônio Bandeira de Mello explica como funciona, na prática, este


regime especial para pagamento de precatórios:
Pois bem, de acordo com estas normas mencionadas no artigo em apreço o
Poder Executivo, para fins de pagamento de seus débitos, poderá optar por
uma dentre estas duas formas:
a) Por fazer, mensalmente, em conta especial, um depósito de 1/12 avos de
valor calculado sobre suas receitas correntes líquidas, em percentual
variável conforme se trate de Distrito Federal, Estado ou Município e
conforme a região em que estejam localizados, durante todo o período em

104
Celso Antônio Bandeira de Mello (ob. cit. p. 1061) denomina este dispositivo como “Emenda do
Calote”, nome popularmente utilizado.
105
“Ressalve-se que o regime de precatório a que se acaba de fazer referência não se aplica aos
pagamentos de obrigações definidas em lei como de “pequeno valor” que as Fazendas referidas
devam efetuar em virtude de sentença judicial transitada em julgado”. In: BANDEIRA DE MELLO,
2013. p. 1062.
44

que valor dos precatórios for superior ao valor total destes recursos
vinculados; ou
b) Pela adoção do regime especial pelo prazo de até 15 anos, caso em que
o percentual a ser depositado na conta especial supra referida
corresponderá, anualmente, ao saldo total dos precatórios devidos,
acrescidos do índice oficial de remuneração básica de caderneta de
poupança e de juros simples.
Ao final dos prazos referidos volta a vigorar exclusivamente o art. 100 da
Constituição.
Pelo menos 50% dos recursos aludidos serão utilizados para pagamento de
precatórios em ordem cronológica de apresentação, respeitadas a
preferência para os débitos de natureza alimentícia em relação aos
requisitórios de mesmo ano e para os requisitórios de todos os anos a
preferência será dada para os débitos de natureza alimentícia cujos titulares
tenham 60 anos ou mais ou sejam portadores de moléstia grave assim
qualificada em lei. Os valores remanescentes serão utilizados para
pagamento de débitos por outras formas previstas ali mesmo nas
Disposições Transitórias.

É possível, praticamente, dizer que a morosidade instituída através da


Emenda do Calote funciona como causa extra de atenuação da responsabilidade do
Estado, visto tamanha burocracia que atalha o correto cumprimento das sentenças
judiciais convertidas em precatórios.

4.8 Direito de regresso e denunciação à lide

Conforme previamente tratado, o Supremo Tribunal Federal, a partir de 2006,


posicionou-se no sentido de negar a possibilidade de ação direta da vítima em
desfavor do agente causador do dano.
Destarte, nos casos de culpa ou dolo do agente, a Administração Pública
(pessoas jurídicas de direito público e pessoas jurídicas de direito privado
prestadoras de serviços públicos) deverá pautar-se no disposto no § 6º, do art. 37,
da Constituição Federal, e pleitear o ressarcimento dos valores gastos com a
recomposição da vítima através da ação de regresso. “Em razão do princípio da
indisponibilidade, a propositura da ação regressiva, quando cabível, é um dever
imposto à Administração, e não uma simples faculdade”106, sendo considerada de
forma majoritária uma ação imprescritível107.

106
MAZZA, 2013. p. 335.
107
“Entretanto, quando se trata de dano causado por agente ligado a empresas públicas, sociedades
de economia mista, fundações governamentais, concessionários e permissionários, isto é, para
pessoas jurídicas de direito privado, o prazo é de três anos (art. 206, § 3º, V, do CC) contados do
trânsito em julgado da decisão condenatória”. In: MAZZA, 2013. p. 335.
45

Em face da responsabilidade subjetiva do agente frente ao Estado, o


processo administrativo ou a ação judicial de regresso serão propostos em relação
ao sujeito responsabilizado (ou aos seus herdeiros e sucessores, até o limite do
valor da herança recebida) como forma de garantir a reparação dos prejuízos,
respeitadas todas as garantias processuais.
Em relação à hipótese da denunciação à lide, há grande debate na doutrina e
jurisprudência acerca de sua admissibilidade, e mesmo sobre a sua conveniência.
Romeu Felipe Bacellar Filho explica que:
Denunciar a lide significa incluir na demanda o agente causador do dano,
cuja responsabilidade por ser subjetiva rende ensejo a indesejável tumulto
processual. Com efeito, em procedimento orientado pelo cunho objetivo da
responsabilização, criam-se duas vertentes: a primeira de natureza objetiva
e consistente na relação cidadão-vítima do dano versus Estado; a segunda
de cunho subjetivo envolvendo a relação Estado-agente público, cujo
desfecho nenhum benefício propicia à vítima. Com a denunciação da lide, o
direito do cidadão resta evidentemente prejudicado, pois no tramitar do feito
é natural que sejam discutidas questões atinentes a dolo e culpa do agente
público, temas absolutamente incompatíveis com a natureza da ação
108
proposta.

A controvérsia sobre a oportunidade da denunciação à lide parte,


primordialmente, do disposto no art. 70, III, do Código de Processo Civil de 1973,
segundo o qual: “Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória: III - àquele que estiver
obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do
que perder a demanda”.
No Código de Processo Civil de 2015 a questão relacionada a este tema
encontra-se discutida em seu art. 125, conforme: “Art. 125. É admissível a
denunciação da lide, promovida por qualquer das partes: II - àquele que estiver
obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de
quem for vencido no processo. § 1o O direito regressivo será exercido por ação
autônoma quando a denunciação da lide for indeferida, deixar de ser promovida ou
não for permitida”.
Percebe-se como o legislador afastou o termo obrigatório, substituindo-o pela
expressão é admissível, acompanhando o entendimento majoritário contemporâneo.
Mesmo antes do CPC 2015, a doutrina já entendia que Teoria do Risco

108
BACELLAR FILHO, 2009. p. 137.
46

Administrativo, balizada na Constituição Federal, não tolerava a obrigatoriedade da


denunciação.
Alexandre de Moraes, já em 2002, defendia que a lide formada entre Vítima –
Estado é pautada pela responsabilidade objetiva, ou seja, está focada apenas no
nexo causal entre o ato administrativo e o dano suportado injustamente. Por outro
lado, a relação Estado – agente reveste-se de natureza subjetiva, sendo
indispensável a perquirição sobre a culpa ou o dolo109.
Frise-se que, do mesmo modo como a denunciação à lide não é obrigatória,
tão pouco se encontra totalmente vedada110. Não haverá nulidade processual caso a
denunciação seja ou não proposta, ou mesmo na hipótese em que seja rejeitada, é
uma possibilidade conferida ao Estado como meio de garantir celeridade e eficiência
administrativa.

4.9 O dano indenizável

Muito se fala sobre a comprovação do nexo de causalidade nos casos de


responsabilidade objetiva, ou da comprovação da culpa ou do dolo do agente nas
hipóteses de responsabilidade subjetiva. Todavia, independentemente da teoria da
responsabilidade aplicável ao caso concreto, é preciso, a priori, analisar se o dano é
indenizável.
Existem atos administrativos que naturalmente impõem deveres ou restrições
aos direitos de particulares, e que não darão ensejo à indenização, visto seu caráter
geral, aplicável a toda a sociedade em prol da organização e do interesse públicos.
Uma lei de zoneamento urbano, v.g., irá impor regras limitadoras ao direito de
construção conforme a área na qual o imóvel está localizado, não sendo passível de
indenização.

109
MORAES, 2002. p. 237.
110
Algumas exceções devem ser citadas para não incorrer em generalizações excessivas. Como
exemplo, a Lei 8.112, de 11.12.1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos da
União, Autarquias e Fundações Públicas Federais, veda a possibilidade da denunciação da lide
quando determina em seu art. 122,§ 2º que: “Art. 122. A responsabilidade civil decorre de ato
omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros.
o
§ 2 Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor perante a Fazenda Pública, em
ação regressiva”.
47

Quando decorrentes de atos administrativos ilícitos, a indenização exige que


o dano apresente as seguintes características:
(a) Incidir diretamente sobre um direito legitimamente tutelado. Não basta,
assim, que haja prejuízo econômico ou financeiro, é necessário uma lesão
jurídica. Celso Antônio Bandeira de Mello explica que:
Não há confundir dano patrimonial, dano econômico, com dano em direito.
O primeiro é qualquer prejuízo sofrido por alguém, inclusive por ato de
terceiro, consistente em uma perda patrimonial que elide total ou
parcialmente algo que se tem ou que se terá.
O segundo, ademais de significar subtração de um bem ou consistir em
impediente a que se venha a tê-lo, atinge bem a que se faz jus. Portanto,
afeta o direito a ele. Incide sobre algo que a ordem jurídica considera como
pertinente ao lesado.
Logo, o dano assim considerado pelo Direito, o dano ensanchador de
responsabilidade, é mais que simples dano econômico. Pressupõe sua
existência, mas reclama, além disso, que consista a algo que a ordem
jurídica reconhece como garantido em favor de um sujeito.
Não basta para caracterizá-lo a mera deterioração patrimonial sofrida por
alguém. Não é suficiente a simples subtração de um interesse ou de uma
vantagem que alguém possa fruir, ainda que legitimamente. Importa que se
trate de um bem jurídico cuja integridade o sistema normativo proteja,
111
reconhecendo-o como um direito do indivíduo.

(b) O direito lesado deve ser certo, ainda que futuro, incluindo o que se
perdeu e o que se deixou de ganhar em razão do dano, “ou seja, deverá
ser indenizada nos danos emergentes e nos lucros cessantes, bem como
honorários advocatícios, correção monetária e juros de mora, se houver
atraso no pagamento”112.

Por sua vez, quando decorrente de um ato administrativo lícito, além do dano
a um direito certo, são também exigíveis mais duas situações concomitantes:
(c) Deve ser um dano anormal, que fuja do “absolutamente incondizente
com a atuação do Estado ou das pessoas que o representam na
prestação de serviços públicos”113, é algo que vai além do mero
aborrecimento em razão, por exemplo, de uma obra pública.
(d) O segundo requisito é a especialidade. Deve atingir a um indivíduo ou
grupo específicos, não podendo recair de modo genérico sobre toda a

111
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 1036.
112
MORAES, 2002. p. 235.
113
BACELLAR FILHO, 2009. p. 135.
48

sociedade. Se díspar fosse, a desvalorização da moeda ou um ajuste


fiscal seriam passíveis de indenização.

Em razão da indenização ser pautada em uma lesão de direito, e não sobre


uma lesão patrimonial, é cabível pleitear reparação em virtude de um dano moral
(ainda que não haja outro tipo pedido cumulado), pugnando por uma indenização
pecuniária ou mesmo de outra natureza, como o direito à resposta.
Indenizações por danos morais serão cabíveis quer seja pleiteada por uma
pessoa física, pessoa jurídica ou coletividade, haja vista que as garantias
fundamentais previstas na Constituição são extensíveis a todos os titulares de
direitos.

5) AS PESSOAS JURÍDICAS DO ART. 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

O impulso associativo do homem o fez buscar e aperfeiçoar sua vida em


sociedade, dando origem ao conceito de nação. O Estado de Direito é a nação que
se organizou em torno de sua Constituição, prescrevendo normas e a elas se
submetendo, de modo que “à medida que o Poder Público se organiza, cria um
aparelhamento complexo para cuidar de seus serviços e dar consecução aos seus
objetivos, o qual se denomina Administração Pública”114.
Governo é o ente soberano, composto primordialmente pelos Poderes
Executivo e Legislativo, responsável por definir diretrizes políticas que atinjam a
finalidade pública almejada. Deve se pautar sempre pela Constituição Federal, e não
está sujeito à responsabilização decorrente de sua atuação. A Administração
Pública, por sua vez, é responsável por executar os ditames políticos emanados
pelo Governo através da função administrativa, recaindo sobre ela a
responsabilidade objetiva anteriormente discutida.
Até o ano de 1967 a função administrativa estava centralizada nos órgãos do
Poder Executivo, ocasionando um acúmulo de competências e engessamento das
atividades administrativas. A necessária Reforma Administrativa veio com o Decreto-

114
BACELLAR FILHO, 2009. p. 9.
49

Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967, dispondo, entre outros pontos, sobre a


organização administrativa federal, mais especificamente sobre a ideia de
descentralização administrativa.
A descentralização política foi responsável pela distribuição constitucional de
competências entre os entes federativos (União, Estados e Municípios), enquanto a
descentralização administrativa realizou a divisão de competências “entre os entes
com personalidades jurídicas autônomas dentro de um mesmo nível federativo” 115.
A diferenciação entre pessoas jurídicas de direito público e pessoas jurídicas
de direito privado prestadoras de serviços públicos (elencadas no § 6º, do art. 37 da
Constituição Federal) não pode ser completamente compreendida sem o estudo do
Decreto-Lei 200. Frise-se, preliminarmente, que além de alterações por leis
posteriores, existem alguns entendimentos jurisprudenciais e doutrinários que
complementarão as informações trazidas por este Decreto, e que serão a seguir
discutidos.
O disposto no art. 4º, o qual distingue a Administração Direta da
Administração Indireta, merece especial destaque:
Art. 4° A Administração Federal compreende:
I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na
estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios.
II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de
entidades, dotadas de personalidade jurídica própria:
a) Autarquias;
b) Emprêsas Públicas;
c) Sociedades de Economia Mista.
d) fundações públicas. (Incluído pela Lei nº 7.596, de 1987)

De forma majoritária os autores entendem que a Administração Direta é


sinônima de atividade centralizada, de tal modo que as atividades são realizadas por
uma pessoa jurídica governamental, por meio de seus diversos órgãos
despersonalizados116. A Administração Indireta, por sua vez, seria o equivalente à
atividade descentralizada, na qual o Estado outorga ou delega a pessoas jurídicas
autônomas a prestação de serviço público ou de utilidade pública.

115
BACELLAR FILHO, 2009. p. 10.
116
Pode-se explicar a questão da pessoa jurídica governamental citando, v.g., que o Município detém
personalidade jurídica de Direito Público, e realiza suas funções, por exemplo, através da Prefeitura,
um ente despersonalizado responsável por colocar em prática as diretrizes municipais.
50

Celso Antônio Bandeira de Mello discorda desse posicionamento 117. Segundo


ele, o Decreto-lei 200/67 deveria organizar a Administração Direta e Indireta de
acordo com as características de centralização, no caso daquelas, e de
descentralização, quanto a estas, entretanto, “o referido Decreto-lei adotou critérios
por força do qual as noções mencionadas não se superpõem”118. Continua o autor,
explicando seu entendimento:
O modelo destarte concebido, é bem de ver, revela-se inapto para
descortinar todas as modalidades pelas quais se desempenham atividades
administrativas públicas. Com efeito, a expressão “Administração indireta”,
que doutrinariamente deveria coincidir com “Administração descentralizada”,
dela se afasta parcialmente. Por isto, ficaram de fora da categorização com
a Administração indireta os casos em que a atividade administrativa é
prestada por particulares, “concessionários de serviços públicos”, ou por
“delegados de função ou ofícios públicos” (caso dos titulares de cartórios).
Presumivelmente por isto e para abarca-los, o Decreto-lei 200 também se
vale do vocábulo “descentralização”, atribuindo-lhe, entretanto, uma
119
acepção diversa da que conferiu à Administração indireta.

Tomando por base os conceitos majoritariamente adotados pelos juristas


brasileiros, a responsabilidade civil do Estado deverá ser atribuída conforme a
classificação de pessoas jurídicas inserta no texto constitucional: pessoas jurídicas
de direito público, ou pessoas jurídicas de direito privado.

5.1 Pessoas Jurídicas de Direito Público

Pessoas jurídicas de Direito Público encontram-se vinculadas diretamente aos


preceitos do art. 37, § 6º da Constituição Federal, sendo regidas pela teoria objetiva
do risco administrativo independentemente da atividade prestada. Preliminarmente
pode-se dizer que se tratam dos órgãos da Administração Direta, realizando funções
típicas da Administração de modo centralizado. Entretanto, ao analisar os entes da
Administração Indireta, verifica-se que Autarquias e Fundações Públicas possuem
natureza de Direito Público, sendo moderadas pelas mesmas regras atribuídas aos
entes da Administração Direta.
De acordo com os artigos 41 e 43 do Código Civil de 2002:

117
Não é o objetivo deste trabalho realizar uma análise aprofundada da organização administrativa
brasileira, bastando por hora a percepção de que existe debate doutrinário sobre o assunto. Para
aperfeiçoamento no tema sugere-se a leitura do capítulo III – A Organização Administrativa, na obra
Curso de Direito Administrativo, de Celso Antônio Bandeira de Mello. Editora Malheiros.
118
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 156.
51

Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:


I – a União;
II – os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;
III – Os Municípios;
IV – as autarquias, inclusive as associações públicas (redação dada pela
Leo 11107/05)
V – as demais entidades de caráter público criadas por lei.

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente


responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem
danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do
dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

5.1.1 União, Estados, Distrito Federal e Municípios

União, Estados, Distrito Federal e Municípios são entes federativos com


personalidade jurídica própria, que atuam por meio dos órgãos públicos da
Administração direta a eles vinculados.
Assim, a Administração Pública Direta, encarregada do exercício de
atividades típicas de Estado, seria constituída, (i) no plano federal, pelos
órgãos de serviço integrados à Presidência da República e aos Ministérios;
(ii) no plano estadual, pelo Governo do Estado e pelas Secretarias
Estaduais; e (iii) no plano municipal, pela Prefeitura e pelas Secretarias
120
Municipais.

Estes órgãos públicos, como são doutrinariamente conhecidos, além de não


possuírem personalidade jurídica própria, também não possuem patrimônio ou
autonomia administrativa. Em função destas características, e do disposto no art. 43
do Código Civil, é que o Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) será
responsabilizado civilmente por todo dano causado ao administrado, desde que
comprovado o nexo de causalidade.

5.1.2 Autarquias

A despeito de ser classificada como Administração Indireta no Decreto-Lei


200, a Autarquia possui natureza de pessoa jurídica de direito público, seja em
função do art. 41 do Código Civil, ou mesmo conforme o art. 2º do Decreto-Lei

119
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 159.
120
BACELLAR FILHO, 2009. p. 10.
52

6.016, de 22 de novembro de 1944: “Considera-se autarquia, para efeito dêste


decreto-lei, o serviço estatal descentralizado, com personalidade de direito público,
explícita ou implicitamente reconhecida por lei.” (sic.).
Ainda de acordo com o Dec.-lei 200, considera-se: “Art. 5º. I – Autarquia – o
serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita
próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram,
para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada”.
Na definição de Themistocles Cavalcanti:
[...] foram criadas, precisamente, para estabelecer regimes diferentes,
técnicos, administrativos e jurídicos, adaptados às exigências de cada
órgão, para que possam elas realizar a tarefa própria fora dos padrões
comuns ao exercício da Administração Pública. Por isso mesmo, as
autarquias atendem a fins específicos – transporte, indústria, comércio,
bancos, seguros, previdência etc. -, fugindo aos tipos comuns dos órgãos
administrativos que integram o serviço permanente, essencial, próprio do
Estado. Por isso também a estrutura interna há de ser diversa, por um
princípio elementar de administração e pela aplicação de processos
racionais de organização, sempre condicionados à finalidade de cada
121
serviço.

As autarquias manifestam-se por meio de atos administrativos e, “como tais,


revestidos de presunção de legitimidade, exigibilidade e executoriedade, nos
mesmos termos e condições que assistiriam quaisquer atos administrativos dotados
destes atributos”122. Os contratos administrativos firmados deverão, em regra, ser
precedidos de licitação pública, conforme os ditames da Lei 8.666, de 21 de junho
de 1993.
Por ser dotada de personalidade jurídica, autonomia e patrimônio próprios, é
pacífico o entendimento de que a Autarquia irá se submeter à responsabilidade
objetiva do risco administrativo. Exauridos os recursos capazes de responder
diretamente pelo ato lesivo, a entidade federativa responsável pela criação da
Autarquia irá responder subsidiariamente. “Esta se justifica, então, pelo fato de que,
se alguém foi lesado por criatura que não tem mais como responder por isto, quem a
criou outorgando-lhe poderes pertinentes a si próprio, propiciando nisto a conduta
gravosa reparável, não pode eximir-se de tais consequências”123.

121
CAVALCANTI, “Parecer” RDA 59/333, apud: CAHALI, 2014. p. 98.
122
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 169.
123
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 170.
53

O prazo prescricional para ajuizamento da demanda contra a Autarquia,


conforme o art. 1º do Decreto 20.910/1932, é de cinco anos contados do evento
danoso.

5.1.3 Fundações Públicas

Segundo definição no Decreto-Lei 200/67, tem-se que:


Art. 5º. IV - Fundação Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica
de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização
legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução
por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa,
patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e
funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes. (Incluído
pela Lei nº 7.596, de 1987)

A despeito da conceituação da Fundação Pública como dotada de


personalidade jurídica de direito privado, este não é o posicionamento majoritário
dos juristas brasileiros.
O entendimento de Romeu Felipe Bacellar Filho é casuístico, no sentido de
que:
[...] o legislador, em todas as esferas da Federação, pode escolher a
personalidade jurídica da fundação pública. Se constituída de personalidade
jurídica de direito público, aplicam-se as regras concernentes às autarquias,
excluindo a possibilidade de incidência do novo Código Civil. Ainda,
constituída de personalidade de direito privado, por força do art. 5º, IV, do
Decreto-Lei n.200/67, a ela não se aplicam as regras do CC sobre
124
fundações, com exceção da constituição por registro próprio.

Para Yussef Said Cahali o entendimento de que a Fundação Pública deve ser
dotada de personalidade jurídica de direito privado tende a prevalecer, inclusive da
jurisprudência, de forma que se torna necessário o exame da atividade que lhe foi
cometida pelo Estado, como finalidade de sua instituição125: se o dano foi causado
por um serviço público, a responsabilidade há de ser objetiva, em outras hipóteses a
responsabilidade a incidir sobre o caso será a pautada no Código Civil (subjetiva).
Celso Antônio Bandeira de Mello é taxativo quando determina ser
“absolutamente incorreta a afirmação normativa de que as fundações públicas são

124
BACELLAR FILHO, 2009. p. 19.
125
CAHALI, 2014. p. 106.
54

pessoas de direito privado. Na verdade, são pessoas de Direito Público, consoante,


aliás, universal entendimento, que só no Brasil foi contendido”126.
Atualmente diversos são os julgados que tendem a considerar a Fundação
Pública adstrita a responsabilidade objetiva estabelecida constitucionalmente,
conforme:
RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS -
ACIDENTE DE TRÂNSITO - COLISÃO CAUSADA POR VEÍCULO DE
FUNDAÇÃO PÚBLICA - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO -
ART. 37, § 6.º DA CF - INEXISTÊNCIA DE CULPA CONCORRENTE DA
VÍTIMA. Em se tratando de acidente no trânsito envolvendo viatura policial,
dirigido por agente do Estado, a serviço, a responsabilidade do Estado é
objetiva, devendo o mesmo responder pelos danos causados à vítima,
conforme preceito da CF 37, § 6º. No caso concreto ainda mais se impõe a
condenação, mediante a prova de que o agente não se houve na direção
com a segurança e cuidados devidos, causando o acidente.
(TJ-MG - AC: 10024074428103001 MG Relator: Vanessa Verdolim Hudson
Andrade, Data de Julgamento: 25/03/2014, Câmaras Cíveis / 1ª CÂMARA
CÍVEL, Data de Publicação: 03/04/2014)

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL


DO ESTADO. DANOS CAUSADOS POR AGENTE DE FUNDAÇÃO
PÚBLICA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO FEDERAL. 1. As
fundações públicas possuem personalidade jurídica própria, devendo
responder, portanto, pelos prejuízos que seus agentes causarem a
terceiros, nos termos do disposto no art. 37, § 6º da Constituição da
Republica Federativa do Brasil/88, apenas respondendo a União Federal no
caso das mesmas não possuírem meios efetivos para repará-los.
(TRF-2 - AC: 200002010493665 RJ 2000.02.01.049366-5, Relator: Juiz
Federal Convocado MARCELO PEREIRA/no afast. Relator, Data de
Julgamento: 09/06/2009, OITAVA TURMA ESPECIALIZADA, Data de
Publicação: DJU - Data: 17/06/2009 - Página::148)

5.2 Pessoas Jurídicas de Direito Privado

Pessoas jurídicas de direito privado poderão vincular-se ao Estado para,


através da outorga ou delegação, realizar serviços públicos, ou serviços de utilidade
pública.
Hely Lopes Meirelles conceitua serviço público como “todo aquele prestado
pela Administração Pública ou por seus delegados, sob normas e controles estatais,
para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples

126
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 188.
55

conveniência do Estado”127, enquanto os serviços de utilidade pública serão aqueles


não essenciais, mas convenientes para a sociedade dentro do Estado Social.
Conforme critério estabelecido pelo § 6º, do art. 37, da Constituição, apenas
as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos serão
afeitas pela responsabilidade civil objetiva. Quando estiverem prestando outro tipo
de serviço, ocasião da qual se originar o dano, a responsabilidade estará regida
pelas normas de direito privado estabelecidas no Código Civil.

5.2.1 Empresas Públicas

As empresas públicas são classificadas como entidades paraestatais,


justapostas ao Estado, sem com ele se confundir (extraestatal), por definição do art.
5º do Decreto-Lei 200, são:
Art. 5º. II - Emprêsa Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica
de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União,
criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Govêrno seja
levado a exercer por fôrça de contingência ou de conveniência
administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em
direito. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 900, de 1969) (sic.)

Pode prestar serviços públicos, ocasião na qual estará submetendo seus atos
ao regime e responsabilidade do Direito Público, ou explorar atividade econômica,
nos termos do art. 173 da Constituição Federal: “Art. 173. Ressalvados os casos
previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo
Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional
ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.
Quando estiverem explorando atividade econômica seus contratos possuirão
natureza privada, não sendo regidos, via de regra, pelas normas dos contratos
administrativos. Entretanto, conforme as circunstâncias do caso concreto, admitem-
se exceções nas quais a Empresa Pública poderá responder objetivamente.

5.2.2 Sociedades de Economia Mista

127
MEIRELLES, apud: CAHALI, 2014. p. 86-87.
56

Também prevista no Decreto-Lei 200/67, as Sociedades de Economia Mista


são expressas como:
Art. 5º. III - Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de
personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de
atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com
direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da
Administração Indireta. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 900, de 1969)

Por realizarem atividade econômica estão também adstritas aos requisitos do


art. 173 da Constituição Federal: (a) relevante interesse público e (b) segurança
nacional.
Apesar da previsão legal de que são constituídas para exploração de
atividade econômica, também é possível a prestação de serviços públicos por meio
das Sociedades de Economia Mista. Seu regime de responsabilidade civil segue os
mesmos parâmetros aplicáveis às empresas públicas.
Destaque merecido a Súmula 39, do Superior Tribunal de Justiça, que
estabelece: “Prescreve em vinte anos a ação para haver indenização, por
responsabilidade civil, de sociedade de economia mista”. Precedentes: RSTJ
38/371, 26/445, 33/618, 11/422.

5.2.3 Serviços Sociais Autônomos

Conforme definição de Hely Lopes Meirelles:


[...] serviços sociais autônomos são todos aqueles instituídos por lei, com
personalidade de direito privado, para ministrar assistência ou ensino a
certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, sendo
mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais. São
entes paraestatais, de cooperação com o Poder Publico, com administração
e patrimônio próprios, revestindo a força de instituições particulares
convencionais (fundações, sociedades civis ou associações) ou peculiares
ao desempenho de suas incumbências estatutárias. São exemplos, LBA,
128
MOBRAL, SENAI, SESC, SESI, SENAC.

O chamado terceiro setor, ou serviços sociais autônomos, são uma tentativa


de resolver a crise institucional do Estado, atendendo à crescente demanda
populacional. São entidades sem fins lucrativos que prestam atividades com
finalidade pública.

128
MEIRELLES, 1978, apud: CAHALI, 2014. p. 105.
57

Romeu Felipe Bacellar Filho explica que:


O vínculo entre o Poder Público e a organização social forma-se através do
contrato de gestão que não pode prever atividades econômicas tipicamente
privadas e não pode se constituir em instrumento de alcance de lucro. O
contrato de gestão relaciona-se com as atividades que podem ser
desempenhadas tanto pelo Estado quanto pelo particular, aplicando-se o
regime jurídico segundo o sujeito que a desenvolve. Se a atividade for
desempenhada pelo Estado, o regime jurídico público; se pelo particular, o
regime de direito privado com observância das peculiaridades próprias do
129
regime jurídico administrativo na exata medida do apoio estatal.

6) LICITAÇÕES E RESPONSABILIDADE CONTRATUAL ADMINISTRATIVA

Conforme visto an passant, a responsabilidade civil do Estado admite, além


da modalidade extracontratual estudada até o presente momento, também a
decorrente de uma relação contratual ou, conforme elegem alguns autores, relação
negocial.
Sérgio Cavalieri Filho conceitua que “responsabilidade contratual é o dever de
reparar o dano decorrente do descumprimento de uma obrigação prevista no
contrato. É infração a um dever estabelecido pela vontade dos contratantes, por isso
decorrente de uma relação obrigacional preexistente”130.
Ambas as responsabilidades – extracontratual e contratual - exigem ato, dano
e nexo causal, independente de culpa ou dolo do agente responsável. Nos casos de
responsabilidade decorrente de violação contratual as maiores diferenças são a
existência de uma relação jurídica preexistente ao dano, e a culpa presumida,
aplicando-se a inversão do ônus da prova para comprovar a ausência de culpa ou
exclusão do nexo causal.
São pressupostos da responsabilidade contratual:131
(a) Existência de contrato válido: A responsabilidade civil do Estado só pode
ser extraída, na modalidade contratual, quando há um contrato válido
entre o devedor e o credor. O princípio da obrigatoriedade que vincula os
contratantes não poderá ser invocado na hipótese de um contrato nulo

129
BACELLAR FILHO, 2009. p. 20.
130
CAVALIERI FILHO, 2014. p. 333.
131
De acordo com os conceitos extraídos de CAVALIERI FILHO, 2014. p. 336 et. seq.
58

(vício de origem que lhe afete a validade), desobrigando o responsável


pelo dano indenizável a parte lesada.
(b) Inexecução do contrato: A indenização corresponde a um substitutivo da
prestação contratada nos casos em que, por inadimplemento ou mora,
ocorra a inexecução total ou parcial do contrato.
(c) Dano e nexo causal: nos mesmos termos analisados quando diante de
uma responsabilidade de origem extracontratual.

A prestação de serviços públicos ou de utilidade pública pelas pessoas


jurídicas de direito privado vinculadas pelo art. 37, § 6º da Constituição Federal,
poderão ser realizadas mediante: I) outorga às Autarquias ou Entidades Paraestatais
(Fundações Públicas, Serviços Sociais Autônomos, Empresas Públicas e
Sociedades de Economia Mista), II) delegação via licitação132, sob regime de
concessão, autorização ou permissão, ou por III) acordos de convênios ou
consórcio.

6.1 Licitações

De acordo com o art. 3º da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, a função da


Licitação dentro da Administração Pública é:
o
Art. 3 A licitação destina-se a garantir a observância do princípio
constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a
administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e
será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios
básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da
publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento
convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são
correlatos. (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010).

Partindo-se do pressuposto de que o procedimento licitatório foi realizado de


modo escorreito e atingiu seu objetivo, de acordo com o art. 49 e seguintes desta
Lei, a autoridade competente só poderá “revogar a licitação por razões de interesse
público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e
suficiente para justificar tal conduta [...]”, respeitado o contraditório e a ampla defesa.
59

Ocorrendo motivo de relevante interesse público, superveniente à licitação,


que impossibilite a adjudicação, a revogação será considerada lícita. Nestes casos o
licitante vencedor do certame terá direito a ser indenizado, pela autoridade estatal
competente, pelas despesas em que incorreu para disputar a licitação. “Com efeito,
se a Administração exige seriedade dos concorrentes e firmeza em suas propostas,
não pode depois, mesmo socorrida por razões de interesse público, deixar de atuar
com seriedade e honrar a firmeza da convocação que fez, ignorando os gastos em
que incorreu aquele que venceu o certame apresentando oferta satisfatória”133.
Diversamente, Yussef Said Cahali sustenta que a recusa à adjudicação não
autoriza a concessão de perdas em favor do licitante nas hipóteses de falta de
interesse público ou quando constatadas irregularidades nas regras e dados
apresentados pelo licitante134.
Caso contrário, sendo a revogação considerada ilícita, caso a efetivação do
contrato não seja possível, “aquele que teria direito a ele fará jus a uma indenização
que acoberte, já agora, não apenas as despesas que efetuou para disputar o
certame, mas também o que perdeu e deixou de ganhar em decorrência do ato ilícito
que lhe frustrou os proveitos que auferiria como contrato”135.
Caso o procedimento licitatório seja anulado em razão de ilegalidade, segue-
se o disposto no art. 49, § 1º da Lei 8.666/96: “A anulação do procedimento
licitatório, por motivo de ilegalidade, não gera obrigação de indenizar, ressalvado o
disposto no parágrafo único do art. 59 desta lei”.
Por sua vez o parágrafo único do art. 59 referido apresenta que: “A nulidade não
exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver
executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente
comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a
responsabilidade de quem lhe deu causa”.

6.2 Concessão de serviços públicos

132
Cf. Constituição Federal de 1988: “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei,
diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de
serviços públicos”.
133
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 621.
134
CAHALI, 2014. p. 397.
135
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 621.
60

Trata-se do regime de delegação de serviço público ou de serviço de utilidade


pública mais utilizado no Brasil atualmente.
Francesco Garri conceitua que:
[...] a concessão administrativa é expressão de um poder público na
consecução do interesse coletivo; com ela, a Administração provê
indiretamente a gestão de determinada atividade, agindo e estimulando o
desenvolvimento da atividade privada com a atribuição exclusiva aos
particulares de direitos e faculdades: o interesse público atua mediante a
utilização de bens públicos ou a gestão de empresas ou serviços públicos
136
por parte de entidades privadas cuja atividade é demandada.

Regida pela Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, a concessão é


preliminarmente abordada como:
o
Art. 2 Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:
[...]
II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo
poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à
pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para
seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado;

Extrai-se do inciso II que o serviço público é executado pelo concessionário


“por sua conta e risco”, normativa da qual se depreende que os danos decorrentes
da prestação do concessionário são direta e imediatamente a ele atribuídos, sob os
critérios da responsabilidade objetiva constitucional.
Ao Estado, na posição de concedente, há de ser atribuída a responsabilidade
subsidiária nos casos de insolvência do concessionário frente aos danos provocados
a usuários ou terceiros não usuários. Em relação aos contratos assumidos pelo
próprio concessionário com terceiros, como forma de executar os serviços públicos
que lhe foram delegados, permanece o entendimento doutrinário de que não existirá
responsabilidade por parte do Estado, cabendo à parte contratante estabelecer os
meios de garantir a solvência dos seus contratos firmados.137
Corrobora este entendimento o posicionamento do Tribunal Superior do
Trabalho, conforme:
AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERVENÇÃO MUNICIPAL.
CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO DE TRANSPORTE PÚBLICO.
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. Reconhecida a violação do artigo 31,
parágrafo único, da Lei n.º 8.987/95, dá-se provimento ao agravo de

136
GARRI, apud: CAHALI, 2014. p. 105.
137
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 773.
61

instrumento para determinar o processamento do recurso de revista.


RECURSO DE REVISTA INTERVENÇÃO MUNICIPAL.
CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO DE TRANSPORTE PÚBLICO.
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. 1. Extrai-se do acórdão prolatado
pelo Tribunal Regional que a responsabilidade subsidiária imposta ao ente
da administração pública decorreu do fato de ele ter assumido a
administração da primeira reclamada - Transportes Coletivos de Sorocaba
LTDA. (TCS) - em razão de intervenção determinada pelo Município de
Sorocaba. A Empresa de Desenvolvimento Urbano e Social de Sorocaba -
URBES , portanto, assumiu os poderes de gestão dos antigos
administradores da empresa concessionária, o que não implicou, todavia,
qualquer alteração de sua estrutura jurídica. 2. O artigo 31, parágrafo
único, da Lei n.º 8.987/95 - Lei das Concessões - dispõe expressamente
que a concessionária é responsável pelas contratações que efetuar,
inclusive de mão-de-obra, não se estabelecendo qualquer relação entre
terceiros contratados pela concessionária e o poder concedente . Não
se vislumbra na presente hipótese, por outro lado, eventual culpa in
vigilando da Administração Pública relativamente ao inadimplemento das
obrigações trabalhistas, haja vista que a intervenção realizada resulta
exatamente da efetiva fiscalização realizada pelo poder público. Exclui-se
da condenação, assim, a responsabilidade subsidiária imposta à Empresa
de Desenvolvimento Urbano e Social de Sorocaba (URBES), julgando
improcedente, em relação a ela, a pretensão deduzida em juízo.
Precedentes desta Corte superior. 3 . Recurso de revista conhecido e
provido. (TST - RR: 1935002920095150016 , Relator: Lelio Bentes Corrêa,
Data de Julgamento: 25/02/2015, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT
27/02/2015) [sem negrito no original].

Celso Antônio Bandeira de Mello questiona a responsabilidade objetiva


sempre atribuída ao concessionário em decorrência das lesões causadas. Segundo
o autor, “nos casos de danos por omissão, para engajamento da responsabilidade é
necessário que tenha havido omissão culposa ou dolosa, a qual, todavia, há de ser
havida como presumida, admitindo, entretanto, prova em contrário”138.
Em 2005 o Supremo Tribunal Federal adotou o posicionamento de que a
responsabilidade objetiva do concessionário existia apenas frente aos usuários do
serviço público, sendo substituída, perante a lesão de terceiros não usuários pela
responsabilidade subjetiva.139
A partir de 2009140 o Supremo adequou-se à doutrina majoritária, firmando o
entendimento de que a responsabilidade objetiva será mantida, seja em relação a
usuários ou a terceiros não-usuários, atingindo de modo primário os concessionários
de serviços públicos.141

138
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 772.
139
Cf. RE 262.651/SP.
140
Cf. RE 591.874/MS.
141
MAZZA, 2013. p. 337.
62

Na hipótese do poder concedente necessitar retomar o serviço concedido, em


razão de relevante interesse público, antes de findo o contrato, haverá incidência de
indenização pelos lucros cessantes e danos emergentes que o concessionário fizer
jus.

6.3 Permissão de serviços públicos

Também prevista pela Lei 8.987/95, a permissão é ato administrativo


unilateral, discricionário e precário, efetivada por meio de termo de permissão, sendo
que:
o
Art. 2 Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:
[...]
IV - permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante
licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à
pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho,
por sua conta e risco.

Em razão de sua natureza unilateral, o Poder Público poderá modificar ou


revogar a permissão delegada, a qualquer momento, sem possibilidade de oposição
do permissionário. Excetuam-se a esta regra as hipóteses de desvio de finalidade,
abuso de poder ou de permissão condicionada.
Ao permissionário, de acordo com a mesma interpretação realizada com as
concessões, a atuação por sua “conta e risco”, aliada a determinação constitucional,
dá ensejo à sua responsabilidade objetiva. Inclusive nas hipóteses de
permissionários de serviço de transporte público, a jurisprudência reiteradas vezes
confirmou que a objetividade se aplica tanto a passageiros, quanto a terceiros não
passageiros.
Sobre a responsabilidade subsidiária do Estado frente à insolvência do
permissionário, há, ainda, grande debate na doutrina brasileira, conforme se
vislumbra nos excertos abaixo selecionados:

APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL. CONSUMIDOR. PROCESSO CIVIL. ACIDENTE.


TRANSPORTE ALTERNATIVO. PERMISSIONÁRIO. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. 1. O permissionário de serviço público
responde primária e objetivamente pelos danos causados a terceiros na
prestação do serviço, mantida a responsabilidade subsidiária do Estado
63

titular do serviço público delegado (CF 37 § 6º). [...] (TJ-DF - APO:


20100110351547 DF 0016344-38.2010.8.07.0001, Relator: SÉRGIO
ROCHA, Data de Julgamento: 06/08/2014, 2ª Turma Cível, Data de
Publicação: Publicado no DJE : 12/08/2014 . Pág.: 102)

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PERMISSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS.


INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. A permissão de
serviços públicos não importa a responsabilidade subsidiária da
Administração Pública, por ausência de previsão legal, mormente porque
não é beneficiária dos serviços prestados pelos empregados da empresa
permissionária. (TRT-1 - RO: 00518005520065010341 RJ , Relator: Claudia
de Souza Gomes Freire, Data de Julgamento: 26/11/2013, Nona Turma,
Data de Publicação: 06/12/2013)

Hely Lopes Meirelles é partidário da segunda hipótese, defendendo que não


há responsabilidade subsidiária a ser transferida ao permitente. Entretanto, existem
na doutrina e na jurisprudência elementos teóricos para defender ambos os
posicionamentos.

6.4 Autorização de evento ou atividade

Os serviços autorizados, nos mesmos moldes da permissão, realizam-se


mediante atos unilaterais, precários e discricionários, com a finalidade de atender
uma emergência ou situação de excepcional interesse coletivo.
Algumas são as hipóteses que devem ser analisadas nos casos de
autorização, em razão da extrema fragilidade de sua concretização. Caso
determinada atividade dependa de autorização de entidade pública, a ela cabe o
dever de verificar e fiscalizar as condições de segurança e implemento do mesmo.
Na hipótese de dispensa de autorização, firmando apenas mero credenciamento do
ato, Yussef Said Cahali entende que a atuação do credenciado não vinculará a
autarquia em razão de responsabilidade por danos causados.142
Por não estar incluída no rol do artigo 175 da Constituição Federal, diversos
autores consideram que a autorização não corresponde a uma modalidade de
delegação. Sua natureza pouco formal não está normatizada, com exceção da
autorização prevista no art. 131, da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, conhecida
como Lei da Anatel:

142
CAHALI, 2014. p. 126.
64

Art. 131. A exploração de serviço no regime privado dependerá de prévia


autorização da Agência, que acarretará direito de uso das radiofreqüências
necessárias.
§ 1º Autorização de serviço de telecomunicações é o ato administrativo
vinculado que faculta a exploração, no regime privado, de modalidade de
serviço de telecomunicações, quando preenchidas as condições objetivas e
subjetivas necessárias.
§ 2º A Agência definirá os casos que independerão de autorização.
§ 3º A prestadora de serviço que independa de autorização comunicará
previamente à Agência o início de suas atividades, salvo nos casos
previstos nas normas correspondentes.
§ 4º A eficácia da autorização dependerá da publicação de extrato no Diário
Oficial da União.

6.5 Convênios

De acordo com a Constituição Federal, em seu art. 241:

Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios


disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de
cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de
serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos,
serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços
transferidos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Convênios são acordos firmados entre os entes federados (União, Estados,


Municípios e Distrito Federal) com entidades privadas sem fins lucrativos,
normalmente através de licitação. Hely Lopes Meirelles defende que os convênios
diferem-se dos contratos administrativos em geral em razão de:
Convênios administrativos são acordos firmados por entidades públicas de
qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares para
realização de objetivos de interesse comum dos partícipes. Convênio é
acordo, mas não é contrato. No contrato, as partes têm interesses comuns e
coincidentes. Por outras palavras: no contrato há sempre duas partes
(podendo ter mais de dois signatários); uma, que pretende o objeto do
ajuste (a obra, o serviço, etc); outra, que pretende a contraprestação
correspondente (o preço, ou qualquer outra vantagem), diversamente do
que ocorre no convênio em que não há partes, mas unicamente partícipes
com as mesmas pretensões. Por essa razão, no convênio, a posição
jurídica dos signatários é uma só e idêntica para todos, podendo haver,
apenas, diversificação na cooperação de cada um, segundo as suas
143
possibilidades para a consecução do objeto comum, desejado por todos.

Resultado desta igualdade jurídica que propõe uma composição de interesses


entres as partes, conclui-se que a responsabilidade estará condicionada ao período

143
MEIRELLES, 2004, apud: Parecer nº 03 – Advocacia Geral da União, Processo nº
00407.001856/2013-52.
65

de permanência do acordo, não havendo possibilidade de indenização em caso de


retirada de cooperação por denúncia de partícipe oposto.

6.6 Consórcios Públicos

As normas para contratação de consórcios públicos encontram-se dispostas


na Lei nº 11.107, de 06 de abril de 2005.
São contratos firmados entre entidades da mesma espécie, sejam elas
estatais, autárquicas, fundacionais ou paraestatais, para realização de atividade que
interesse à ambas as partes, e do qual resultará uma pessoa jurídica diversa:
Dependendo da forma como se organizarem os consórcios terão
personalidade jurídica de Direito Privado sem fins econômicos ou de Direito
Público, sendo que nesta última hipótese farão parte da Administração
indireta de todos os consorciados. Mesmo quando constituído sob forma de
direito privado, o consórcio público observará as normas de Direito Público
no que concerne à realização de licitação, celebração de contrato,
prestação de contas e admissão de pessoal. Não é difícil perceber que
quando tiverem personalidade de Direito Público serão autarquias
intergovernamentais e quando tiverem personalidade de Direito Privado
serão empresas públicas; ainda que a lei não o diga, neste caso também
farão parte da Administração indireta, porém, apenas da entidade
144
governamental que detiver a maioria acionária.

Quanto a responsabilidade dos entes da Federação consorciados, destaca-se


o entendimento pautado na decorrente responsabilidade subsidiária:

RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CONSÓRCIO PÚBLICO. CONVÊNIO


ADMINISTRATIVO. [...] Além disso, as normas que regem o convênio
firmado entre entes públicos consorciados atribuem expressamente ao
Município a responsabilidade subsidiária pelas obrigações do consórcio
público (Art. 9o do Decreto nº 6.017/2007 - Os entes da Federação
consorciados respondem subsidiariamente pelas obrigações do consórcio
público). (TRT-4 - RO: 00002243120125040211 RS 0000224-
31.2012.5.04.0211, Relator: JOÃO GHISLENI FILHO, Data de Julgamento:
24/10/2013, Vara do Trabalho de Torres)

7) APLICAÇÕES PRÁTICAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

7.1 Danos decorrentes de atos judiciais

144
BANDEIRA DE MELLO, 2013. p. 680.
66

A discussão sobre a reparabilidade de atos judiciais é um dos temas atuais


mais controversos dentro da doutrina brasileira. Alegando a independência da
Magistratura, bem como a definitividade das sentenças transitadas em julgado,
autores como Mário Guimarães, Pedro Lessa e Carlos Maximiliano, defendem – total
ou parcialmente – a irresponsabilidade do Estado pelos atos e omissões dos juízes.
Mesmo o Supremo Tribunal Federal outrora se posicionava no sentido de que
o Estado não seria civilmente responsabilizado pelos atos do Poder Judiciário,
exceto nos casos explicitamente determinados em lei (vide RE 70.121/MG).
Entretanto a partir da Constituição Federal de 1988 a tese da
responsabilidade objetiva (pautada na teoria do risco administrativo) ganhou ênfase.
Além do já citado § 6º do art. 37, a Carta impõe, em seu art. 5º, LXXV, que: “O
Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso
além do tempo fixado na sentença”.
Ressalte-se, preliminarmente, a diferenciação entre: (a) atividade jurisdicional,
aquela exercida exclusivamente por juízes através de atos judiciais típicos 145, como
decisões, acórdãos, sentenças, etc.; (b) atividade judiciária, desempenhada por
todos os servidores do Poder Judiciário, incluindo os juízes, quando diariamente
executam atos procedimentais e administrativos, não jurisdicionais.
O entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência é o de que somente
existirá direito a indenização por parte do Estado o sujeito lesado em decorrência de
atos judiciais tipificados no art. 5º, LXXV, da CF: erro judiciário146, e nos casos de
permanência preso além do tempo fixado na sentença.
Em se tratando de erro judicial, as vias cabíveis para pleitear indenização
serão a ação de revisão criminal ou a ação própria de indenização no juízo cível,
constituindo-se a sentença desta, ou o acórdão daquela, títulos judiciais executivos
liquidáveis no juízo cível.

145
“Convém ressalvar que, nos casos de atos administrativos praticados por órgãos do Poder
Legislativo e Judiciário no exercício de função atípica, havendo dano, a responsabilidade é objetiva”.
In: MAZZA, 2013. p. 338.
146
“Por erro judiciário deve ser entendido o ato jurisdicional equivocado e gravoso a alguém, tanto na
órbita penal como civil; ato emanado da atuação do juiz (decisão judicial) no exercício da função
jurisdicional. Sustenta o Professor Cotrim Neto que essa cláusula tem aplicação em todos os campos
em que o indivíduo possa ser condenado: no juízo criminal como no cível, no trabalhista ou no militar
e até no eleitoral – enfim, onde quer que o Estado, mesmo através do Ministério Público, tenha sido
provocador da condenação”. In: CAVALIERI FILHO, 2014. p. 323.
67

Nas hipóteses de excesso de prisão, seja ela processual, penal,


administrativa, civil ou mesmo disciplinar, a via indenizatória será a ação de
indenização no juízo cível.
A legitimidade ativa, em ambas as proposições, será do próprio preso, ou, em
caso de seu falecimento, daqueles a ele outrora dependentes. A legitimidade
passiva poderá ser do Estado, Distrito Federal ou da União, dependendo de qual
órgão for proveniente o dano.
A indenização deverá abranger danos materiais (danos emergentes e lucros
cessantes) e danos morais, sendo cabível a ação regressiva em desfavor do Juiz
nos casos de comprovado dolo ou má-fé.

7.2 Tabeliães, notários e oficias de registro

Apesar da Constituição Federal, no § 6º do seu art. 37, fazer referência tão


somente a pessoas jurídicas, por suposto a responsabilidade será estendida àqueles
particulares que prestam diretamente serviços públicos, como os tabeliães, notários
e oficiais de registro.
Ademais, esta posição vai além de meras conjecturas, ao ser determinada na
Lei nº 8.935, de 18.11.1994, que dispõe sobre os serviços notariais e de registros.
Seu art. 22, alterado pela Lei n. 13.137, de 19.06.2015, dita que: “Os notários e
oficiais de registro, temporários ou permanentes, responderão pelos danos que eles
e seus prepostos causem a terceiros, inclusive pelos relacionados a direitos e
encargos trabalhistas, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos
primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos”.
Serviços notariais e de registro são atividades eminentemente do Poder
Público, mas que são obrigatoriamente exercidas em caráter privado em razão do
art. 236 da Constituição Federal: “Os serviços notariais e de registro são exercidos
em caráter privado, por delegação do Poder Público.”. A prestação destes serviços é
possível através da delegação de poderes à pessoa natural, “e não sobre pessoa
jurídica (empresa). A delegação, portanto, não se faz por adjudicação em processo
licitatório, nem se traduz em cláusulas contratuais”147.

147
CAVALIERI FILHO, 2014. p. 307.
68

Existem três correntes que procuram determinar qual responsabilidade civil


deve ser atribuída nestas ocorrências: (a) o posicionamento do Supremo Tribunal
Federal defende que a responsabilidade é atribuída ao Estado, em função da
delegação obrigatória; (b) a segunda corrente sugere que a responsabilidade seja do
próprio tabelião ou notário, na modalidade objetiva; (c) e por último há autores que
corroboram a ideia de responsabilidade pessoal do servidor, entretanto conforme os
critérios da responsabilidade subjetiva.
Não há o que se falar em utilização do Código de Defesa do Consumidor
nestas hipóteses, visto que o STJ entende que apenas serviços públicos
remunerados por tarifa são regidos pelo CDC. O Ministro Celso de Mello, em um
posicionamento extremamente coerente, votou na ADIN nº 1.378/MC: “A
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as
custas judicias e os emolumentos concernentes aos serviços públicos notariais e
registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias
de serviços públicos”148.

7.3 Construção de obras públicas realizadas por empreiteiros


particulares

Para doutrinadores como Hely Lopes Meirelles, existem duas hipóteses de


indenização decorrentes de obras públicas realizadas por empreiteiros particulares:
(a) se o dano decorre da própria obra, a responsabilidade é atribuída ao Estado em
razão do ato administrativo que a concebeu; (b) sendo acarretada por uma má
prestação do serviço por culpa (negligência, imperícia ou imprudência) ou dolo do
empreiteiro, a responsabilidade será para ele atraída. 149
Em posição contrária, conforme exposição de Sérgio Cavalieri Filho, “se a
obra é do Estado e sempre deriva de um ato administrativo de quem ordena sua
execução, não faz sentido deixar de responsabilizá-lo simplesmente porque a
mesma está sendo executada por um particular, mormente quando este,
comprovadamente, agiu culposamente”150. A responsabilidade, nesta concepção

148
CAVALIERI FILHO, 2014. p. 312.
149
MEIRELLES, apud: CAVALIERI FILHO, 2014. p. 313.
150
CAVALIERI FILHO, 2014. p. 313.
69

teórica, estará sempre determinada pela Constituição Federal (art. 37, § 6º), sendo
cabível a responsabilidade solidária com o dono da obra e o seu construtor,
independente da presença de culpa151.

7.4 Outras interpretações jurisprudenciais

- uso de algemas
De acordo com a Súmula Vinculante nº 11, o Supremo Tribunal Federal
pacificou a questão relativa ao uso de algemas:
Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio
de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do
preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena
de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e
de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da
responsabilidade civil do Estado.

- estabelecimentos de ensino, lazer e esporte


Seguindo o mesmo raciocínio utilizado na fundamentação da
responsabilidade civil do art. 932, IV152, do Código Civil, compreende-se que há
responsabilidade pela segurança daqueles cujo estabelecimento de ensino mantém
dever de guarda e proteção.
É entendimento recorrente na Jurisprudência que casos de lesões ou morte
de crianças dentro de estabelecimentos de ensino da rede pública ensejam
responsabilização estatal. Cite-se como exemplo a julgamento referente à morte de
uma criança no interior de creche municipal – RT 780/348. Por se tratar de
responsabilidade objetiva na modalidade do risco administrativo, não há o que se
questionar sobre licitude/ ilicitude, ou presença de dolo ou culpa das cuidadoras,
sendo o Município responsável pelo dano causado.

- ocorrência de danos dentro de presídios

151
Conforme julgamento pelo STF, RE 84.328.
152
Código Civil de 2002. Art. 932. “São também responsáveis pela reparação civil: IV - os donos de
hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de
educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos”.
70

Nos casos de lesões corporais ou assassinato de detento por outros presos,


ou mesmo por policiais militares, o Supremo Tribunal Federal entende que há
responsabilidade civil objetiva do Estado em razão do dever especial de custódia.
O informativo nº 90 do STF determinou em 1997 que:

Não ofende o § 6º, do art. 37 da CF ("As pessoas jurídicas de direito público


e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos
danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou
culpa.") acórdão que reconhece o direito de indenização à mãe de preso
assassinado dentro da própria cela por outro detento. Com base nesse
entendimento e afirmando a responsabilidade objetiva do Estado ante a
omissão no serviço de vigilância dos presos, a Turma não conheceu de
recurso extraordinário interposto pelo Estado de São Paulo, afastando a
alegação de que o dano não teria sido causado por agente estatal.
Precedente citado: RE 109.615-RJ (DJU de 2.8.96). RE 170.014-SP, rel.
Min. Ilmar Galvão, 31.10.97.

- Superlotação presídio
O teor do informativo nº 784 do Supremo Tribunal Federal marcou o
entendimento sobre as indenizações decorrentes de superlotação carcerária,
priorizando o que se convencionou chamar de ressarcimento in natura:

O Plenário retomou o julgamento de recurso extraordinário em que discutida


a responsabilidade do Estado e o consequente dever de indenizar, por
danos morais, o cidadão preso e submetido a tratamento desumano e
degradante. No caso, o tribunal de origem entendera caracterizado o dano
moral porque, após realizado laudo de vigilância sanitária no presídio e
decorrido lapso temporal, não teriam sido sanados problemas de
superlotação e de falta de condições mínimas de saúde e de higiene do
estabelecimento penal. Considerara, ainda, que não assegurado o mínimo
existencial, não se poderia aplicar a teoria da reserva do possível — v.
Informativo 770. Em voto-vista, o Ministro Roberto Barroso proveu o
recurso, para reconhecer o direito do recorrente a ser indenizado pelos
danos morais sofridos, mediante remição de parte do tempo de execução
da pena. Entendeu haver responsabilidade civil do Estado pelos danos
morais comprovadamente causados aos presos em decorrência de
violações à sua dignidade, provocadas pela superlotação prisional e pelo
encarceramento em condições desumanas ou degradantes. Nesse sentido,
o descumprimento do dever estatal de garantir condições dignas de
encarceramento estaria diretamente relacionado a uma deficiência crônica
de políticas públicas prisionais adequadas, que atingiria boa parte da
população carcerária e cuja superação seria complexa e custosa. Enfatizou
não ser legítima a invocação da cláusula da reserva do possível para negar
a uma minoria estigmatizada o direito à indenização por lesões evidentes
aos seus direitos fundamentais. O dever de reparação de danos decorreria
de norma constitucional de aplicabilidade direta e imediata, que
independeria da execução de políticas públicas ou de qualquer outra
providência estatal para sua efetivação. Por outro lado, diante do caráter
71

estrutural e sistêmico das graves disfunções verificadas no sistema prisional


brasileiro, a entrega de uma indenização em dinheiro conferiria resposta
pouco efetiva aos danos morais suportados pelos detentos, além de drenar
recursos escassos que poderiam ser empregados na melhoria das
condições de encarceramento. Assim, seria preciso adotar mecanismo de
reparação alternativo, a conferir primazia ao ressarcimento “in natura” ou na
forma específica dos danos, por meio da remição de parte do tempo de
execução da pena, em analogia ao art. 126 da LEP. A indenização em
pecúnia deveria ostentar caráter subsidiário, cabível apenas nas hipóteses
em que o preso já tivesse cumprido integralmente a pena ou em que não
fosse possível aplicar-lhe a remição. Por fim, enunciou a seguinte tese, para
fins de repercussão geral: “O Estado é civilmente responsável pelos danos,
inclusive morais, comprovadamente causados aos presos em decorrência
de violações à sua dignidade, provocadas pela superlotação prisional e pelo
encarceramento em condições desumanas ou degradantes. Em razão da
natureza estrutural e sistêmica das disfunções verificadas no sistema
prisional, a reparação dos danos morais deve ser efetivada
preferencialmente por meio não pecuniário, consistente na remição de
um dia de pena por cada três a sete dias de pena cumprida em
condições atentatórias à dignidade humana, a ser postulada perante o
juízo da execução penal. Subsidiariamente, caso o detento já tenha
cumprido integralmente a pena ou não seja possível aplicar-lhe a
remição, a ação para ressarcimento dos danos morais será fixada em
pecúnia pelo juízo cível competente”. Em seguida, pediu vista dos autos
a Ministra Rosa Weber. RE 580252/MS, rel. Min. Teori Zavascki, 6.5.2015.
(RE-580252) [sem negrito no original ]

- danos causados por colisão com animal em pista com pedágio


Ao Poder Público cabe a fiscalização e conservação das rodovias e cercas
marginais, seja diretamente ou através de entidades que executem serviços
públicos153. Em relação à esta última, o Tribunal de Justiça do Paraná em 2014
corroborou o entendimento de que a responsabilidade das concessionárias de
pedágio é objetiva, in verbis:
[...] A TURMA RECURSAL DO ESTADO DO PARANÁ, EM DIVERSOS
JULGADOS, JÁ CONSOLIDOU O ENTENDIMENTO SEGUNDO O QUAL A
RESPONSABILIDADE DAS CONCESSIONÁRIAS DE PEDÁGIO É
OBJETIVA, MESMO QUANDO FUNDADA EM ATO OMISSIVO, RAZÃO
PELA QUAL OS ACIDENTES PROVOCADOS POR OBSTÁCULOS OU
ANIMAIS NA PISTA DE ROLAGEM ACARRETAM O DEVER DE
INDENIZAR OS DANOS (MORAIS E MATERIAIS) POR PARTE DA
CONCESSIONÁRIA, CONFORME ENUNCIADO Nº 5.1 DA TJ/PR.
SENTENÇA REFORMADA. DANO MORAL CONFIGURADO QUE SE
EXTRAI DO PRÓPRIO FATO DESASTROSO, INDEPENDENDO DE
PROVA. [...] UNÂNIME. RESULTADO: RECURSO CONHECIDO E
PROVIDO. O julgamento foi presidido pela Sra. Juíza Ana Paula Kaled
Accioly Rodrigues da Costa, sem voto, e dele participaram a Sra. Juíza
Fernanda de Quadros Jorgensen e a Sra. Juíza Letícia Guimarães. Curitiba,
16 de Outubro de 2014 Fernando Swain Ganem, Juiz Relator (TJPR - 1ª

153
CAHALI, 2014. p. 242.
72

Turma Recursal - 0003523-18.2014.8.16.0031/0 - Guarapuava - Rel.:


Fernando Swain Ganem - - J. 21.10.2014)

Yussef Said Cahali orienta ser “razoável a admissão de responsabilidade


concorrente e solidária entre o dono do animal e a empresa exploradora dos
serviços, embora por fundamentos jurídicos diversos: prevalece a responsabilidade
subjetiva do dono ou detentor do animal, sem prejuízo da responsabilidade objetiva
da empresa responsável”154. Prossegue o autor explicando que estas
responsabilidades não necessariamente serão excludentes, de modo que caberá ao
Juiz analisar a concorrência e fixar a indenização a ela proporcional.

- bala perdida
Duas são as hipóteses cabíveis: (a) se a vítima foi atingida por disparo de
arma de fogo durante a atividade policial, como a troca de tiros entre policiais e
bandidos, não importará o questionamento acerca de qual arma houve o disparo
fatal, o Estado sempre será instado a indenizar a vítima; (b) sendo uma bala perdida
totalmente desvinculada à atividade Estatal, se tratará de infortúnio não indenizável.

- leis inconstitucionais
Alexandre Mazza explica que no caso de normas inconstitucionais algumas
características devem ser verificadas155:
(a) O Supremo Tribunal Federal admitiu no julgamento do RE 153.464 que
leis inconstitucionais são passíveis de indenização, desde que a vítima
demonstre o prejuízo anormal e especial, além da apresentação de
declaração formal de inconstitucionalidade emitida pelo próprio STF;
(b) O mesmo vale para os atos regulamentares e normativos ilegais ou
inconstitucionais expedidos pelo Poder Executivo, todavia, admite
exceções;
(c) Leis de efeitos concretos dirigidas a um destinatário determinado
independem de declaração de inconstitucionalidade, bastando apenas a
comprovação do prejuízo que enseje a responsabilidade estatal.

154
CAHALI, 2014. p. 245.
155
MAZZA, 2013. p. 338.
73

- furto de veículo em via pública


Considerando que a Constituição Federal não adota a teoria do risco integral,
o entendimento geral é o de que danos em carros estacionados em vias públicas,
independente se de dia ou à noite, não estão sujeitos à responsabilidade do Estado.
Entretanto, aplicando-se a teoria subjetiva nos casos de omissão, é admissível o
pedido de indenização quando o veículo estiver sob comprovada fiscalização e
proteção de agentes públicos (vide TJSP, 3ª Câm.,AC 074607-5/5-00, rel. Des. Rui
Stoco, v.u., j. 26.7.2000).

8) IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Originalmente três eram as esferas de responsabilidade às quais o agente


público estaria submetido em razão de seus atos: (a) penal, podendo fixar medidas
restritivas de direitos ou liberdades; (b) civil, com a reparação do direito lesado; e (c)
administrativa, revertendo-se em sanções como advertências, suspensões e, em
situações mais graves, demissão.
Através da Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992, “é possível identificar uma
quarta esfera de responsabilização do agente público em decorrência de condutas
praticadas no exercício de suas funções, a saber: aquela decorrente da aplicação da
Lei de Improbidade Administrativa”156.
Constitucionalmente a improbidade administrativa está descrita no art. 37, §
4º: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos
políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento
ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal
cabível”. Alexandre Mazza explica que:
Pode-se dizer que a Lei de Improbidade Administrativa definiu contornos
concretos para o princípio da moralidade administrativa, com base no
enunciado no art. 37, caput, da CF de 1988. Na verdade, o princípio da
probidade é um subprincípio dentro da noção mais abrangente de
157
moralidade.

156
MAZZA, 2013. p. 541.
74

8.1 Moralidade Administrativa

Segundo lição de Canotilho, os direitos fundamentais podem ser


compreendidos em duas fases:
[...] uma, anterior ao Virginia Bill of Rights (12-6.1776) e à Declaration dês
Droits de L'Homme et Citoyen (26-8-1789), caracterizada por uma relativa
cegueira em relação à ideia dos direitos do homens; outra, posterior a esses
documentos, fundamentalmente marcada pela chamada
constitucionalização ou positivação dos direitos do homem nos documentos
158
constitucionais.

Os direitos fundamentais surgem no fim do século XVIII após as declarações


de direitos nos Estados Unidos e na França. Em um primeiro momento, conforme
acepção de Carmen Lúcia Antunes Rocha, associados à separação entre o Estado e
a sociedade, os direitos fundamentais foram caracterizados como direitos de
liberdade, traduzindo a afirmação de um espaço privado vital não sujeito a violações
pelo Estado, o qual apenas e tão somente, deveria cumprir o papel de evitar
conflitos entre liberdades individuais159. Kildare Gonçalves Carvalho explica que,
dentro do crescente contexto político de universalização dos direitos naturais, surge
o Estado Social160. Erguido sob o clamor do pós-guerra (1914-1918), este novo
modelo estatal dá ensejo á coletivização e ao posicionamento prestacional do
estado, surgindo assim os direitos de segunda geração, conhecidos como direitos
sociais. Paulatinamente noções como solidariedade, universalidade e paz mundial
deram origem às demais gerações161 dos direitos fundamentais.
Destaca-se, no que tange aos princípios fundamentais direcionados à boa
administração pública, a moralidade administrativa. Gustavo Dantas Ferraz162,
Promotor de Justiça do Mato Grosso, discorre que, de acordo com o artigo 37 da
CF/88, a administração pública deverá obedecer à moralidade administrativa, entre

157
MAZZA, 2013. p. 542.
158
CANOTILHO, 1991. p. 510.
159
ROCHA, 1999. p. 5.
160
CARVALHO, 2006. p. 478-479.
161
Alguns autores, como por exemplo Paulo Bonavides, preferem usar a expressão "dimensão", pois
consideram que o termo "geração" expressa sucessão, transitoriedade e exclusão; enquanto o que
ocorre com os direitos fundamentais são garantias concomitantes, sobrepostas.
162
FERRAZ, 2006. p. 39.
75

outros princípios163. Entretanto, a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, que prevê


quais os atos de improbidade administrativa serão passíveis de punição, não faz
menção expressa à ofensa à moralidade como um ato de improbidade. Pontos
controversos, tanto entre doutrinadores quanto na análise do ordenamento jurídico,
levantam a necessidade de debate e delimitação desta lacuna, evitando eventuais
dissabores, “a fim de evitar atuações imprecisas pelos operadores jurídicos, quer
mediante uma discricionariedade interpretativa excessiva, a qual dá margem a
arbítrios, quer por meio de uma interpretação demasiadamente restritiva, que
esvazia o conteúdo do princípio, tornando-o inócuo”164.
O autor ressalta que, por ser considerado um princípio (não uma regra), a
moralidade não se encontra atrelada ao plano ontológico do ser, mas está
diretamente vinculada a análise do caso concreto165. Para compreender qual a real
aplicabilidade da moralidade no âmbito administrativo, faz-se imperioso analisar
quais fatores históricos foram decisivos para a constitucionalização deste princípio,
ou seja, buscar qual o contexto original que levou à introdução deste direito na Carta
Magna de 1988.
Continua Ferraz, em relação ao princípio da moralidade administrativa, com a
análise das constituições nacionais que se sucederam ao longo da história:

A sua instituição efetiva no Direito Brasileiro ocorreu, de fato, pela Lei 191,
de 16/01/1936, e, apesar de não constar na Constituição de 10/11/1937, foi
mantido pelo Decreto-lei 6, de 16/11/1937 [...] diretamente ligada ao
princípio da moralidade administrativa.
[...] A ação popular já estava prevista na Constituição do Império, de 1824,
mas nessa época ela possuía caráter penal e com função diversa da atual.
Já na Constituição de 1934, no inciso XXXVIII do art. 113, tal ação passou a
ter contornos semelhantes aos atuais. A Constituição de 1937, proveniente
de período ditatorial, não tratou da ação popular, porém a Constituição de
1946, no § 38 do art. 141, previu-a novamente.
Estudando a ação popular sob vigência da Constituição de 1946, Seabra
Fagundes passou a sustentar que, embora não houvesse menção expressa
a respeito da moralidade administrativa no texto constitucional, ainda assim
era cabível.
[...] regulamentação da Lei 4.717 (Lei da Ação Popular), de 29/06/1965, que
foi recepcionada pela Constituição de 19767, a qual dispõe sobre a ação
popular no §31 do art. 150. Essa lei, segundo Giacomuzzi, "inclui
tacitamente entre nós, o controle da moralidade administrativa. Só não

163
Art. 37 – “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]”.
164
FERRAZ, 2006. p. 40.
165
FERRAZ, 2006. p. 41.
76

usou, no texto legal, o dito signo". O motivo foi a influência da doutrina


francesa da época, já antes referida, que abandonou o termo "moralidade
166
administrativa", preferindo utilizar o "desvio de poder” .

Nota-se que durante todo o período analisado o princípio da moralidade


esteve ligado à noção de legalidade da administração pública. Somente com a
promulgação da Constituição Federal de 1988 a moralidade ganhou autonomia,
tornando-se um elemento previamente alocado à avaliação da legalidade dos atos
administrativos167.
Segundo Cármen Lúcia, através da moralidade o Estado "define o
desempenho da função administrativa segundo uma ordem ética acordada com os
valores sociais prevalentes e voltada a realização de seus fins”168. Consonante com
o exposto, Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que é necessário buscar a
diferenciação entre "honesto e o desonesto; há uma moral institucional, contida na
lei, imposta pelo Poder Legislativo, e há a moral administrativa, que é imposta de
dentro e vigora no próprio ambiente institucional"169. A autora prossegue sua análise
concluindo que a moralidade dentro da administração deve ser observada tanto
pelos órgãos públicos quanto por particulares que com ela se relacionam, de modo
que mesmo comportamentos comumente considerados imorais devam ser afastados
em nome da transparência, eficiência e honestidade do Poder Público. Deste modo:
A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir;
entre os sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios por ela
auferidos; entre as vantagens usufruídas pelas autoridades públicas e os
encargos impostos à maioria dos cidadãos. Por isso mesmo, a imoralidade
salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga em despesas
legais, porém inúteis, como propagando ou mordomia, quando a população
precisa de assistência médica, moradia, segurança, educação, isso sem
170
falar no mínimo indispensável à existência digna .

A supracitada Lei 8.42/92, referente à Improbidade Administrativa, em seu


artigo 4º definiu que: "Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são
obrigados a velar pela estrita observância dos princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhes são
afetos". Entretanto, não elencou a defesa da moralidade como elemento que

166
FERRAZ, 2006. p. 42 et seq.
167
FERRAZ, 2006. p. 42.
168
ROCHA, 2006. p. 45.
169
DI PIETRO, 2009. p. 75 et seq.
170
DI PIETRO, 2006. p. 52.
77

justifique uma punição relativa aos atos administrativos eivados de improbidade.


Antônio Semeraro Rito Cardoso defende que:
A valorização da ética na administração pública é indispensável não apenas
para o atendimento dos princípios constitucionais que a regulamentam, mas
também para a legitimidade da ação do Estado perante os cidadãos e para
a própria efetividade das políticas públicas. De fato, diz Soares, ‘a
preocupação com a ética pública se justifica por seus efeitos perversos que
resultam da sua falta, deixando de ser um problema moral e passando a ser
uma ameaça à ordem econômica, à organização administrativa e ao próprio
171
Estado’.

8.2 Espécies de Improbidade Administrativa

Além de preencher lacunas existentes na definição da moralidade


administrativa, sua vinculação a este princípio constitucional é diretamente
responsável pelo posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, que considera
inaplicável o princípio da insignificância dentro da responsabilização por improbidade
administrativa172.
A Lei nº 8.429/92, responsável por delimitar as características da
improbidade, possui aplicabilidade simultânea em todos os âmbitos federativos, de
modo que sua natureza jurídica de lei nacional diverge das demais leis federais, que
possuem abrangência apenas na esfera federal173.
Três são as espécies passíveis de improbidade administrativa:
(a) Enriquecimento ilícito (art. 9º), no qual o agente público ou terceiro se
beneficiam com um acréscimo indevido do patrimônio particular, em
detrimento de prejuízos causados aos cofres públicos;
(b) Prejuízo ao erário (art. 10), há lesão aos cofres públicos, sem que
implique em enriquecimento ilícito;
(c) Atentado contra os princípios da Administração Pública (art. 11),
considerada a forma mais branda de improbidade.
Na ocorrência de enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário, a autoridade
administrativa responsável pelo inquérito deverá representar ao Ministério Público
para que seja determinada a indisponibilidade dos bens do indiciado, tantos quanto

171
CARDOSO, 2012. p.90.
172
RE 892.818/RS.
173
MAZZA, 2013. p. 544.
78

forem necessários para assegurar o integral ressarcimento do dano, ou sobre o


acréscimo patrimonial ilicitamente adquirido (art. 7º, caput e parágrafo único).

8.2.1 Atos de Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento


Ilícito

O art. 9º define que o ato de improbidade administrativa que importe em


enriquecimento ilícito será aquele no qual o sujeito ativo obtenha vantagem
patrimonial em razão de cargo, mandato, função, emprego ou atividade vinculada às
entidades reconhecidas como sujeitos passivos. Seus incisos apresentam um rol
exemplificativa de condutas características do enriquecimento ilícito:
I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou
qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão,
percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou
indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão
decorrente das atribuições do agente público;
II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a
aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação
de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor
de mercado;
III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a
alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço
por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas,
equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à
disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem
como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros
contratados por essas entidades;
V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta,
para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de
narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita,
ou aceitar promessa de tal vantagem;
VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta,
para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas
ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou
característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades
mencionadas no art. 1º desta lei;
VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo,
emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja
desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou
assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse
suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das
atribuições do agente público, durante a atividade;
IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou
aplicação de verba pública de qualquer natureza;
X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou
indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que
esteja obrigado;
XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas
ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no
art. 1° desta lei;
79

XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes


do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.

Concomitante às sanções penais, civis e administrativas decorrentes de seus


atos, o responsável pelo ato de improbidade considerado enriquecimento ilícito,
poderá sofrer:
Art. 12. I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos
ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver,
perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez
anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo
patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda
que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo
prazo de dez anos.

Tais penas serão arrazoadas pelo Juiz, conforme a gravidade da lesão e o


provento patrimonial obtido pelo agente, sendo aplicáveis isoladas ou
cumulativamente de acordo com o entendimento do julgador.
A penalidade referente a perda da função pública e/ou suspensão dos direitos
políticos, só será efetivada após o trânsito em julgado da sentença condenatória. A
autoridade judicial ou administrativa, conforme determina o parágrafo único do art.
20, poderá ordenar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego
ou função, sem prejuízo da sua remuneração, quando julgar imprescindível à
instrução processual.

8.2.2 Atos de Improbidade Administrativa que causam Prejuízo ao Erário

Determina o art. 10 que prejuízo ao erário é considerado toda e qualquer ação


ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação,
malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art.
1º, especialmente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao
patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas
ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no
art. 1º desta lei;
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize
bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das
entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das
formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado,
ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou
80

valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º


desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares
aplicáveis à espécie;
IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante
do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou
ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de
mercado;
V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço
por preço superior ao de mercado;
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e
regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das
formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;
(Vide Lei nº 13.019, de 2014)
IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou
regulamento;
X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no
que diz respeito à conservação do patrimônio público;
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes
ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça
ilicitamente;
XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos,
máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade
ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei,
bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros
contratados por essas entidades.
XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a
prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar
as formalidades previstas na lei; (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)
XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e
prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na
lei. (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)

Independentemente das sanções penais, civis e administrativas decorrentes


de seus atos, o responsável pelo ato de improbidade considerado prejuízo ao erário,
poderá sofrer:

Art. 12. II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos
bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta
circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de
cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do
dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de
cinco anos;

Tais penalidades também serão aplicáveis pelo Juiz de acordo com a


gravidade da lesão e aproveitamento patrimonial obtido pelo agente responsável.
81

8.2.3 Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os


Princípios da Administração Pública

Conforme preceitua o art. 11, atentar contra os princípios da administração


pública corresponde a qualquer ação ou omissão que viole os deveres de
honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, especialmente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso
daquele previsto, na regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das
atribuições e que deva permanecer em segredo;
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
V - frustrar a licitude de concurso público;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da
respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de
afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

Desvinculada das sanções penais, civis e administrativas cabíveis, o


responsável pelo atentado contra um princípio da Administração Pública estará
sujeito, conforme a proporcionalidade de sua lesão, à:

Art. 12. III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se


houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a
cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da
remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder
Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja
sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

8.3 Sujeitos Passivos

A legitimidade ativa para propositura de ação de improbidade administrativa é


concorrente entre a entidade titular do direito ameaçado ou violado, e o Ministério
Público174. Os sujeitos passivos encontram-se divididos no art. 1º conforme os
distintos graus de sujeições às regras da Lei de Improbidade Administrativa:

I) Os sujeitos citados no caput deste artigo serão aqueles cujos atos lesivos
reportarão à amplitude sancionatória prevista no art. 12, seja nos casos de

174
MAZZA, 2013. p. 545.
82

enriquecimento ilícito do agente, prejuízo ao erário ou mesmo atentado contra os


princípios da Administração Pública.

(a) Administração pública direta: União, Estados, Distrito Federal e


Municípios;
(b) Administração pública indireta ou fundacional: Autarquias, Fundações
Públicas ou Governamentais, Sociedades de Economia Mista, Empresas
Públicas e Associações Públicas;
(c) Empresas incorporadas ao patrimônio público ou de qualquer entidade,
para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com
mais de 50% do patrimônio ou da receita anual: São as Empresas
Públicas e Sociedades de Economia Mista.

II) Por sua vez, os sujeitos citados no parágrafo único deste artigo
demandam, para enquadramento na Improbidade, bem como, para sujeição às
penalidades previstas, que o dano tenha sido contra o patrimônio desta entidade,
não bastando mero enriquecimento ilícito ou ofensa a princípio. A limitação da
sanção patrimonial, por sua vez, estará condicionada à repercussão do ilícito sobre
a contribuição dos cofres públicos.

(d) Entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou


creditício, de órgão público: Este requisito independe do valor investido
pelo órgão público, basta sua existência. Tratam-se “além das pessoas
jurídicas pertencentes ao Terceiro Setor que recebem receitas diretamente
do Estado, tais como as organizações sociais e organizações da
sociedade civil de interesse público, as entidades parafiscais que
arrecadem tributos de seus membros e associados, como os partidos
políticos e entidades sindicais”175;
(e) Entidades para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou
concorra com menos de 50% do patrimônio ou da receita anual:
empresas privadas com participação estatal.

175
MAZZA, 2013. p. 545.
83

8.4 Sujeitos Ativos

O sujeito ativo da Improbidade Administrativa não pode ser ordinariamente


elegido como o servidor público, com vínculo funcional dentro da Administração
Pública. O título de agente público, neste contexto atípico, será imputado a todo
aquele que possua qualquer ligação com os sujeitos passivos antes nomeados,
independente de remuneração, permanência, hierarquia, contratação, etc., sendo as
sanções estendidas, inclusive, ao terceiro (não agente) que se beneficie com a
prática contrária ao Poder Público.
Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que
exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição,
nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura
ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas
no artigo anterior.

Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que,
mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato
de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Aqui permanece o mesmo fundamento já estudado quanto à responsabilidade


civil do Estado, de que a reparação dos danos será atribuída aos sucessores do
agente ativo, até o limite do valor da herança por ele recebida (art. 8º).

8.5 Procedimento Administrativo

A instauração da investigação destinada a apurar a prática de ato


improbidade poderá ser iniciada através de representação junto à autoridade
competente, por qualquer pessoa, desde que cumpridos os requisitos elencados no
§ 1º, do art. 14: “A representação, que será escrita ou reduzida a termo e assinada,
conterá a qualificação do representante, as informações sobre o fato e sua autoria e
a indicação das provas de que tenha conhecimento”. Ausentes tais formalidades, a
autoridade administrativa rejeitará a representação, facultado ao autor encaminhar a
representação junto ao Ministério Público, nos termos do art. 22.
Constituída a comissão processante, o Ministério Público e o Tribunal ou
Conselho de Contas serão informados sobre a existência do procedimento
administrativo em curso (art. 15).
84

O procedimento administrativo, quando encontrados fundamentos fáticos


suficientes para tais medidas, ensejará o sequestro ou bloqueio de bens do
responsável, conforme:

Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão


representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que
requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do
agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao
patrimônio público.
§ 1º O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos
arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil.
§ 2° Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o
bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo
indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais.

8.6 Processo Judicial

A ação judicial, nos termos do artigo 17 e parágrafos da referida Lei, será


proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, de acordo com
o rito ordinário, no prazo de até trinta dias da efetivação da medida cautelar.
Eventualmente a Fazenda Pública poderá ser instada a promover as medidas
necessárias para complementar o ressarcimento do patrimônio público prejudicado.
Caso o Ministério Público não atue como parte, deverá, obrigatoriamente,
atuar como fiscal da lei, sob pena de nulidade.
São vedadas a transação, acordo ou conciliação nas ações judiciais que se
pautem na improbidade administrativa, não havendo previsão legal para elaboração
de Termo de Ajustamento de Conduta, conforme ocorre na Lei de Ação Civil
Pública.176
O processo judicial seguirá os prazos assim estabelecidos no bojo do art. 17:

o
§ 7 Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará
a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que
poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de
quinze dias. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)
o
§ 8 Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão
fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de
improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.
(Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)
o
§ 9 Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar
contestação. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

176
MAZZA, 2013. p. 556.
85

§ 10. Da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo de


instrumento. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)
§ 11. Em qualquer fase do processo, reconhecida a inadequação da ação
de improbidade, o juiz extinguirá o processo sem julgamento do mérito.
(Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)
§ 12. Aplica-se aos depoimentos ou inquirições realizadas nos processos
o
regidos por esta Lei o disposto no art. 221, caput e § 1 , do Código de
Processo Penal. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de dano, ou


decretar a perda dos bens ilicitamente adquiridos, determinará o pagamento ou a
reversão dos bens, conforme o caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo
ilícito (art. 18).
Os prazos prescricionais serão de: (a) até cinco anos, após o término do
exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; ou (b)
dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares
puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo
efetivo ou emprego. (art. 23).

9) CONTROLE SOCIAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: TRANSPARÊNCIA

Os mecanismos de controle da Administração Pública são princípios


fundamentais da Administração Pública, natureza jurídica extraída do Decreto-Lei nº
200/67, em seu art. 6º, V: “As atividades da Administração Federal obedecerão aos
seguintes princípios fundamentais: a) planejamento; b) coordenação; c)
descentralização; d) delegação de competência; e) controle”.177
Marçal Justen Filho delibera que o controle da administração possui uma
dúplice função: a de fiscalização (“acompanhamento e fiscalização") e a de
orientação ("determinação da conduta alheia"). O agente estatal, como servidor
público, legitima seus atos através da análise fática e jurídica, de modo que o
controle democrático torna-se a própria instrumentalização da "realização
democrática dos direitos fundamentais”178.

177
MAZZA, 2013. p. 683.
178
JUSTEN FILHO, 2009. p. 981.
86

Odete Medauar esclarece que, já em 1789, com a Declaração dos Direitos do


Homem e do Cidadão, estava preconizado que "a sociedade tem o direito de pedir
conta, a todo agente público, quanto à sua administração"179. Esta forma de controle,
segundo as palavras da autora, "[...] se liga a questão da visibilidade ou
transparência no exercício do poder estatal, sobretudo da Administração [...] e
relaciona-se em profundidade com o tema da corrupção"180, sendo que quanto mais
eficazes os meios para controle desta atividade, menor a violação dos interesses
públicos. A autora faz referência a dois tipos de controle: I) os institucionalizados,
detentores do controle técnico, que decorrem do próprio agente público, mas que,
segundo sua concepção, possuem total ineficiência no Brasil; e o II) controle não
institucionalizado, ou controle social, que devido ao grande poder de repercussão
pública e mobilização de massas, tende a possuir maior capacidade de produzir
resultados concretos.
São diversos os modelos encontrados para sistematização do controle
administrativo conforme o doutrinador pesquisado. Para fins deste trabalho será
utilizado o sistema classificatório de Odete Medauar181 por ser considerado mais
conexo com o objeto de investigação. Assim, em relação às modalidades de
controle, temos:
A) quanto ao modo de desencadeamento182
a.1) Controle de ofício: ação do agente;
a.2) Controle por provocação: de pessoas, entidades ou associações;
a.3) Controle compulsório: em momento oportuno, conforme norma
regulamentadora.

B) quanto ao aspecto incidente183


b.1) Controle de legalidade: seja geral ou financeira;
b.2) Controle de mérito: análise do valor defendido;
b.3) Controle da boa administração: produção, eficiência e gestão.

179
MEDAUAR, 2006. p. 375.
180
MEDAUAR, 2006. p. 375.
181
MEDAUAR, 2006. p. 376 et seq..
182
MEDAUAR, 2006. p. 377.
183
MEDAUAR, 2006. p. 376.
87

C) quanto ao momento184
c.1) Controle prévio: antes dos resultados da medida ou decisão;
c.2) Controle concomitante: durante a realização do ato;
c.3) Controle sucessivo: a posteriori.

D) quanto à amplitude185
d.1) Controle do ato: específico;
d.2) Controle da atividade: conjunto de atuações.

E) quanto ao agente controlador


e.1) Controle interno186: exercido pela própria administração visando a
legalidade, boa administração, averiguação de conveniência e oportunidade,
estímulo de ações, análise de custo-benefício, entre outros. São nove espécies:
- Autocontrole - a própria autoridade que editou o ato é responsável pela
fiscalização prévia da sua atuação;
- Controle hierárquico - quando órgãos superiores fiscalizam seus
subordinados;
- Controle de gestão - baseado em metas de produtividade e análise de
eficiência;
- Inspeção, auditoria, correição - três modelos de fiscalização que buscam
extrair dados sobre a atividade administrativa e proferir relatórios às autoridades
competentes;
- Supervisão - supervisão, coordenação e controle dos órgãos que se
submetem ao Ministério;
- Pareceres vinculantes - função de controle preventivo, onde decisões de
entes jurídicos devem obrigatoriamente vincular as decisões tomadas no âmbito
administrativo;
- Ouvidoria - função de receber as queixas da população contra ineficiência
de órgãos e servidores e invocar órgãos responsáveis pela correção das mesmas;

184
MEDAUAR, 2006. p. 377.
185
MEDAUAR, 2006. p. 377.
186
MEDAUAR, 2006. p. 377 et seq..
88

- Controle financeiro - análise contábil, financeira e orçamentária realizada


pela própria administração, antes do envio dos relatórios para o Tribunal de Contas;
- Controle da administração indireta - não se trata de subordinação
hierárquica, apenas uma supervisão ministerial para garantir a execução de
atividades de interesse público, aprovar orçamento, realizar auditorias, e outras
medidas necessárias.

e.2) Controle externo: realizado por instituições políticas, técnicas ou jurídicas.


São quatro modalidades:
- Controle parlamentar187: através de pedidos escritos de informações no
âmbito federal; convocação de agentes para comparecimento para prestar
esclarecimento sobre assuntos relativos à administração; fiscalização de atos da
administração pública direta ou indireta, e através de Comissão Parlamentares de
Inquérito (CPI), criadas temporariamente para análise de fatos específicos;
- Controle do Tribunal de Contas188: emite pareceres sobre contas prestadas
pelo Presidente da República; exerce auditoria financeira, orçamentária, contábil,
operacional e patrimonial; analisa contas relativas a bens e valores públicos; verifica
legalidade nas admissões, aposentadorias, pensões e reformas; analisa licitações e
contratos quanto à legalidade; fiscaliza contas de empresas supranacionais e toma
providências quando verifica ilegalidades em qualquer uma destas esferas
analisadas;
- Controle jurisdicional da administração189: apreciação do poder judiciário
quanto à atos, processos, contratos, atividades e omissão/inércia da administração.
- Ombudsman190: termo de origem sueca que significa "homem encarregado
de missão pública", analisa reclamações e denúncias referentes à administração
pública e emite recomendações para corrigir as falhas.

e.3) Controle Externo Popular : também conhecido como controle por


provocação, ou controle social. São os mecanismos que propiciam a fiscalização da

187
MEDAUAR, 2006. p. 387.
188
MEDAUAR, 2006. p. 389.
189
MEDAUAR, 2006. p. 391.
190
MEDAUAR, 2006. p. 391.
89

Administração diretamente pelos seus administrados. O exemplo mais conhecido é


disposto no art. 31, § 3º da Constituição Federal: “Art. 31. A fiscalização do
Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo,
e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei. §
3º As contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à
disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá
questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei”.

Manoel Eduardo Alves Camargo e Gomes191 explica que as ferramentas


tradicionais de controle estatal encontram-se de sobremaneira reduzidas em face do
poder do não, onde quaisquer impulsos sociais contraditórios à ordem econômica
vigente são afastados, sobretudo em meio à crescente globalização econômica. O
"controle administrativo tem certa inoperância decretada já em sua própria natureza
(autotutela). Em geral são procedimentos administrativos que acabam por assumir
um caráter discricionário [...] tingidos pelo corporativismo e servilismo"192. O controle
judicial, por sua vez, perde a função de interesse público, na exata medida de sua
onerosidade e lentidão. O controle político, seja legislativo ou parlamentar,
transforma a fiscalização em uma ferramenta de barganha partidária, sem cunho
ideológico ou legítimo. Diante de tamanha insuficiência de controle efetivo, o
Ombudsman surge como "um vigoroso aporte no sentido de corrigir o aludido
desequilíbrio existente na relação entre cidadão e Estado” 193
, constituindo
importante meio de controle social.
Romeu Felipe Bacellar Filho considera que o controle social encontra-se
inserido no rol de controles externos à Administração, servindo como ferramenta de
concretização dos princípios democráticos e constitucionais. Segundo o autor:
[...] a Constituição Federal de 1988 instituiu um regime jurídico
administrativo vinculado à implantação de uma Administração Pública
democrática, razão pela qual garante a participação direta do cidadão na
gestão da coisa pública. Contudo, a participação dos indivíduos não se
reduz à possibilidade de influenciar na tomada de decisões administrativas.
Com efeito, para que o direito fundamental de participação seja
efetivamente concretizado é preciso garantir aos indivíduos a possibilidade
de exercer, diretamente, o controle da atividade administrativa.

191
GOMES, 2011. p. 82.
192
GOMES, 2011. p. 84.
193
GOMES, 2011. p. 89.
90

Nesse sentido, o controle social surge como um mecanismo posto à


disposição dos cidadãos de modo a permitir a sua atuação fiscalizadora da
194
Administração Pública.

Segundo a Controladoria Geral da União, em informação divulgada em seu


Portal da Transparência:
As idéias de participação e controle social estão intimamente relacionadas:
por meio da participação na gestão pública, os cidadãos podem intervir na
tomada da decisão administrativa, orientando a Administração para que
adote medidas que realmente atendam ao interesse público e, ao mesmo
tempo, podem exercer controle sobre a ação do Estado, exigindo que o
gestor público preste contas de sua atuação.
A participação contínua da sociedade na gestão pública é um direito
assegurado pela Constituição Federal, permitindo que os cidadãos não só
participem da formulação das políticas públicas, mas, também, fiscalizem de
forma permanente a aplicação dos recursos públicos.
Assim, o cidadão tem o direito não só de escolher, de quatro em quatro
anos, seus representantes, mas também de acompanhar de perto, durante
todo o mandato, como esse poder delegado está sendo exercido,
supervisionando e avaliando a tomada das decisões administrativas.
É de fundamental importância que cada cidadão assuma essa tarefa de
participar de gestão pública e de exercer o controle social do gasto do
dinheiro público. A Controladoria-Geral da União (CGU) é um dos órgãos de
controle da correta aplicação dos recursos federais repassados a estados,
municípios e Distrito Federal. No entanto, devido às dimensões do Estado
Brasileiro e do número muito grande de municípios que possui (5.560), a
CGU conta com participação dos cidadãos para que o controle dos recursos
seja feito de maneira ainda mais eficaz.
Com a ajuda da sociedade, será mais fácil controlar os gastos do Governo
Federal em todo Brasil e garantir, assim, a correta aplicação dos recursos
195
públicos.

Notável exemplo de controle social desenvolvido no Brasil nos últimos anos


são o planejamento e a transparência atribuídos à responsabilidade da gestão fiscal
das finanças públicas. Destaque-se que tais disposições estão diretamente ligadas
ao estudo da responsabilidade civil do Estado e da Improbidade Administrativa, pois
fornecem meios diretos e adequados para que o cidadão fiscalize os atos
administrativos realizados com o orçamento público.
Conforme Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, no Art. 1º, § 1º:

o
Art. 1º. § 1 A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação
planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios
capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento
de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e
condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com
pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária,

194
BACELLAR FILHO, 2009. p. 147.
195
Disponível em: <http://www.portaldatransparencia.gov.br/controlesocial/>.
91

operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de


garantia e inscrição em Restos a Pagar.

Inclusive a tese da reserva do possível, citada no ponto 4.3, pode ser


instruída (ou desconstruída), com base na divulgação de dados contábeis que
demonstrem a adequada ou errônea aplicação do erário estatal na implementação
de políticas públicas e serviços de atendimentos aos cidadãos.
O controle social pode ser realizado diretamente pelo cidadão, de forma
individual, ou através de conselhos gestores de políticas públicas. Os conselhos são
“espaços públicos de composição plural e paritária entre Estado e sociedade civil, de
natureza deliberativa e consultiva, cuja função é formular e controlar a execução das
políticas públicas setorias”196.
Os Conselhos estão presentes na União, Estados e Municípios e são
compostos por conselheiros representantes do Estado e conselheiros
representantes da sociedade civil, geralmente197 em igual número. Suas funções são
direcionadas conforme suas áreas de fiscalização198:

Conselho de Alimentação Escolar


Controla o dinheiro para a merenda. Parte da verba vem do Governo
Federal. A outra parte vem da prefeitura.
Verifica se o que a prefeitura comprou está chegando nas escolas.
Analisa a qualidade da merenda comprada.
Olha se os alimentos estão bem guardados e conservados.

Conselho Municipal de Saúde


Controla o dinheiro da saúde.
Acompanha as verbas que chegam pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e
os repasses de programas federais.
Participa da elaboração das metas para a saúde.
Controla a execução das ações na saúde.
Deve se reunir pelo menos uma vez por mês.

Conselho de Controle Social do Bolsa Família


Controla os recursos do Programa.
Verifica se as famílias do Programa atendem aos critérios para fazer parte.
Verifica se o Programa atende com qualidade às famílias que realmente
precisam.
Contribui para a manutenção do Cadastro Único.

196
Disponível em: < http://www.portaldatransparencia.gov.br/controlesocial/ConselhosMunicipaiseCo
ntroleSocial.asp>.
197
Este regramento de composição paritária admite exceções, como por exemplo os Conselhos de
Saúde que possuem 25% dos seus membros compostos de representantes de entidades
governamentais, 25% de entidades não-governamentais, e 50% de usuários dos serviços de saúde
do SUS.
198
Cf. Disponível em: <http://www.portaldatransparencia.gov.br/controlesocial/ConselhosMunicipaise
ControleSocial.asp>.
92

Conselho do Fundef
Acompanha e controla a aplicação dos recursos, quanto chegou e como
está sendo gasto. A maior parte da verba do Fundef (60%) é para pagar os
salários dos professores que lecionam no ensino fundamental. O restante é
para pagar funcionários da escola e para comprar equipamentos escolares
(mesas, cadeiras, quadros-negros, etc.).
Supervisiona anualmente o Censo da Educação.
Controla também a aplicação dos recursos do programa Recomeço
(Educação de Jovens e Adultos) e comunica ao FNDE a ocorrência de
irregularidades.

Conselho de Assistência Social


Acompanha a chegada do dinheiro e a aplicação da verba para os
programas de assistência social. Os programas são voltados para as
crianças (creches), idosos, portadores de deficiências físicas.
O conselho aprova o plano de assistência social feito pela prefeitura.

Através do art. 48, da Lei Complementar 101/2000, a transparência é eleita


como instrumento de destaque para consecução do controle social sobre a gestão
pública, vinculando-a, inclusive, com a fiscalização das Diretrizes Orçamentárias.

Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será
dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público:
os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de
contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução
Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas
desses documentos.
I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas,
durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de
diretrizes orçamentárias e orçamentos; (Incluído pela Lei Complementar nº
131, de 2009).
II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em
tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária
e financeira, em meios eletrônicos de acesso público; (Incluído pela Lei
Complementar nº 131, de 2009).
III – adoção de sistema integrado de administração financeira e controle,
que atenda a padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder
Executivo da União e ao disposto no art. 48-A. (Incluído pela Lei
Complementar nº 131, de 2009).

A Lei de Diretrizes Orçamentárias, por sua vez, tem sua fundamentação na


disposição do artigo 165, § 2º da Constituição Federal, in verbis:
Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
I - o plano plurianual;
II - as diretrizes orçamentárias;
III - os orçamentos anuais.
[...]
§ 2º A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades
da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o
exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária
anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a
política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.
93

O Portal da Transparência se apresenta como uma ferramenta de


participação popular responsável por fornecer conteúdo de natureza informativa,
fomentando o controle social pelos administrados. É o instrumento de prevenção e
combate à corrupção adequado aos avanços tecnológicos da contemporaneidade.
Inicialmente instituído no âmbito da Controladoria Geral da União, hoje se
encontra disponível nos diversos entes federativos:
O Portal da Transparência (www.portaldatransparencia.gov.br), lançado
pela Controladoria-Geral da União (CGU) em novembro de 2004, constitui-
se em um canal pelo qual o cidadão pode acompanhar a execução
financeira dos programas de governo, em âmbito federal. Nesse site estão
disponíveis informações sobre os recursos públicos federais transferidos
pelo Governo Federal a estados, municípios e Distrito Federal - para a
realização descentralizada das ações do governo - e diretamente ao
cidadão, bem como dados sobre os gastos realizados pelo próprio Governo
Federal em compras ou contratação de obras e serviços, por exemplo.
A partir da iniciativa pioneira do Governo Federal, atualmente diversos
estados e municípios também procuram dar transparência às suas contas
por meio de Portais de Transparência. Destaque-se também que o Senado
Federal e a Câmara dos Deputados recentemente criaram portais de
199
transparência, devido a demandas internas e externas.

Com o objetivo de aperfeiçoar a Lei Complementar nº 101/2000, a Lei


Complementar nº 131, de 27 de maio de 2009 (publicada no dia 28.05.2009,
entrando em vigor imediatamente à sua publicação), adicionou importantes artigos
objetivando aperfeiçoar o controle social da Administração Pública Brasileira, quais
sejam:
Art. 48-A. Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art.
48, os entes da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou
jurídica o acesso a informações referentes a:
I – quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras no
decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, com a
disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente
processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou
jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento
licitatório realizado;
II – quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das
unidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários.

Art. 73-A. Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é


parte legítima para denunciar ao respectivo Tribunal de Contas e ao órgão
competente do Ministério Público o descumprimento das prescrições
estabelecidas nesta Lei Complementar.

199
Disponível em: <http://www.portaldatransparencia.gov.br/controlesocial/TransparenciaInstrumento
Controle.asp>.
94

Art. 73-B. Ficam estabelecidos os seguintes prazos para o cumprimento


das determinações dispostas nos incisos II e III do parágrafo único do art.
48 e do art. 48-A:
I – 1 (um) ano para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
com mais de 100.000 (cem mil) habitantes;
II – 2 (dois) anos para os Municípios que tenham entre 50.000 (cinquenta
mil) e 100.000 (cem mil) habitantes;
III – 4 (quatro) anos para os Municípios que tenham até 50.000 (cinquenta
mil) habitantes.
Parágrafo único. Os prazos estabelecidos neste artigo serão contados a
partir da data de publicação da lei complementar que introduziu os
dispositivos referidos no caput deste artigo.

A título de encerramento, é imprescindível para o estudo do controle social e


transparência a menção ao dispositivo jurídico: a Lei nº 12.527, de 18 de novembro
de 2011, responsável por regulamentar o acesso a informações. Dentre outras
inovações legislativas trazidas ao ordenamento jurídico pátrio, merece destaque o
art. 32, responsável por tipificar novas condutas no rol das responsabilidades do
agente público ou militar, quais sejam:
Art. 32. Constituem condutas ilícitas que ensejam responsabilidade do
agente público ou militar:
I - recusar-se a fornecer informação requerida nos termos desta Lei,
retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la intencionalmente
de forma incorreta, incompleta ou imprecisa;
II - utilizar indevidamente, bem como subtrair, destruir, inutilizar, desfigurar,
alterar ou ocultar, total ou parcialmente, informação que se encontre sob
sua guarda ou a que tenha acesso ou conhecimento em razão do exercício
das atribuições de cargo, emprego ou função pública;
III - agir com dolo ou má-fé na análise das solicitações de acesso à
informação;
IV - divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou permitir acesso indevido
à informação sigilosa ou informação pessoal;
V - impor sigilo à informação para obter proveito pessoal ou de terceiro, ou
para fins de ocultação de ato ilegal cometido por si ou por outrem;
VI - ocultar da revisão de autoridade superior competente informação
sigilosa para beneficiar a si ou a outrem, ou em prejuízo de terceiros; e
VII - destruir ou subtrair, por qualquer meio, documentos concernentes a
possíveis violações de direitos humanos por parte de agentes do Estado.
o
§ 1 Atendido o princípio do contraditório, da ampla defesa e do devido
processo legal, as condutas descritas no caput serão consideradas:
I - para fins dos regulamentos disciplinares das Forças Armadas,
transgressões militares médias ou graves, segundo os critérios neles
estabelecidos, desde que não tipificadas em lei como crime ou
contravenção penal; ou
o
II - para fins do disposto na Lei n 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e
suas alterações, infrações administrativas, que deverão ser apenadas, no
mínimo, com suspensão, segundo os critérios nela estabelecidos.
o
§ 2 Pelas condutas descritas no caput, poderá o militar ou agente público
responder, também, por improbidade administrativa, conforme o disposto
os
nas Leis n 1.079, de 10 de abril de 1950, e 8.429, de 2 de junho de 1992.
95

Em seu art. 34, a Lei 12.527/11 realiza a aplicação do dispositivo


constitucional do art. 37, § 6º, em seu rol recém-criado de responsabilidades:
Art. 34. Os órgãos e entidades públicas respondem diretamente pelos
danos causados em decorrência da divulgação não autorizada ou utilização
indevida de informações sigilosas ou informações pessoais, cabendo a
apuração de responsabilidade funcional nos casos de dolo ou culpa,
assegurado o respectivo direito de regresso.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se à pessoa física ou
entidade privada que, em virtude de vínculo de qualquer natureza com
órgãos ou entidades, tenha acesso a informação sigilosa ou pessoal e a
submeta a tratamento indevido

Ou seja, a prescrição de que “os órgãos e entidades públicas respondem


diretamente pelos danos [...] cabendo a apuração de responsabilidade funcional nos
casos de dolo ou culpa, assegurado o respectivo direito de regresso” nada mais é do
que a teoria do risco administrativo, cuja responsabilidade objetiva é atribuída ao
Estado, respondendo o agente responsável, caso se cogite seu dolo ou culpa, de
forma subjetiva e regressiva.

CONSIDERAÇÕES

Após o encerramento da pesquisa deve-se voltar à problemática levantada


preliminarmente: como destituir a “aura” quase inabalável dos atos administrativos
realizados em nome da função estatal? Não é possível declarar como verdade
incondicional que a percepção de divindade emanada dos atos públicos tenha ficado
relegada aos Estados Absolutistas. Se outrora havia a máxima do the king can do no
wrong, hoje se sustenta a tese da reserva do possível. Se antes os agentes eram
responsáveis pelos atos do Rei, hoje o Estado responde, em inúmeras
possibilidades, apenas como responsável subsidiário, frente à insolvência dos seus
entes delegados.
Princípios constitucionais, sejam explícitos como a moralidade
administrativa, ou mesmo implícitos tal qual a boa administração pública são,
efetivamente, direitos fundamentais. E, a plena efetividade desses direitos necessita,
inarredavelmente, de ferramentas que possam levar à sua implementação. Não
haveria sentido em defender a moralidade pública, se todas as escusas de
responsabilidade estatais fossem aceitas de modo inquestionável. Equivalente
96

prejuízo causaria a posição contrária, onde o Estado acabaria por assumir a posição
de segurador universal da sociedade.
A discussão sobre a responsabilidade civil do Estado brasileiro remonta a
legislação da época Imperial, o que demonstra o constante interesse (e
necessidade) do país em aplicar e aperfeiçoar suas ferramentas de combate à
corrupção, improbidade, e má administração estatal, evitando os excessos
decorrentes da sua aplicação absoluta ou nula.
Por meio da responsabilidade objetiva pautada na teoria do risco
administrativo, constitucionalmente prevista no art. 37, § 6º, a sociedade obteve a
fundamentação material para combater os atos lesivos praticados pelo Estado.
Legislações posteriores, como a Lei de Improbidade Administrativa e a
regulamentação do acesso à informação, visam fornecer os elementos fáticos para
concretização deste direito.
O Controle Social não se presta a uma função meramente fiscalizatória de
contas públicas e folha de pagamentos, ele corresponde, em sua verdadeira
natureza, à melhoria da posição dos administrados frente aos atos emitidos pelo
Estado. Conhecer os limites orçamentários e as opções realizadas pelos entes
administrativos fornece subsídios suficientemente fortes para iniciar um
procedimento administrativo ou mesmo judicial em face de irregularidades
encontradas, seja de modo preventivo ou mesmo combativo.
Há ainda muito que se desenvolver em termos não apenas legislativos, mas
principalmente em relação à formação de doutrina e jurisprudências alinhadas de
modo a promover decisões adequadas aos anseios da população. São inegáveis os
avanços realizados, mas a busca por melhorias deve sempre estar pautada na
realização dos princípios constitucionais, concretizando uma sociedade
verdadeiramente democrática, participativa e verdadeiramente justa.

REFERÊNCIAS

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2009.
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