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de todos aqueles que têm recursos financeiros para isso. Aqui, não temos mais que nos haver
com militantes de uma causa, tais como no caso do casamento de Bégles2, nem com represen­
tantes de um conjunto de sujeitos que reivindicam um direito, mas com uma escolha estrita­
mente pessoal, no que concerne a “um ato de amor”, conforme foi dito pelo comentador. O
dispositivo, tal como uma experiência científica, pode ser repetido para todos. Nenhum laço
0 N o m e- do - P aj e n t r e particular de amizade é requerido entre os diferentes atores.
No século XIX, Heinrich Heine fazia valer, através de seu famoso Witz “familionário”, a
transformação do espaço familiar tradicional pela preocupação com a transmissão do capital
REALISMO E NOMINALISMO financeiro. Hoje, os nomes do pai e da mãe encontram-se transformados, remanejados, deslo­
cados, pelas novas demandas e, assim, mergulhados de maneira decisiva no mundo do con­
E m e L A U R E N T (P A R I S ) (ericlaurenl@lacanian.net) trato que, como evidenciou-nos Jean-Claude Milner, é “sem limites”. O espaço europeu da
procriação é, por sua vez, ainda definido pela lei e não considera senão com suspeição o “sem
Um duplo movimento limites", particularmente aquele dos arranjos financeiros procriativos. Por exemplo, pode ser
lembrado como, em 1998, uma irmã se propôs como “barriga de aluguel” para os filhos de seu
Comecemos por uma história em forma de enigma, de conto moral, de fa it divers, ou de irmão, a partir da fecundação de óvulos extraídos da própria cunhada que havia morrido. A lei
dito espirituoso. É uma história contada por Marc Kravetz, no último dia 17 de maio, em France fez obstáculo a isso, e os protagonistas passaram a visar um exílio para os USA.
Culture - quando recebia, no seu programa Matins, o biólogo Henri Atlan - e que contava Mas a lei pode também contribuir, no espaço europeu, para o relaxamento da tradição. Na
depois de tê-la escutado, ele mesmo, mas proferida por uma “pesquisadora” em uma outra França, desde do dia Io de janeiro de 2005, os pais podem escolher dar aos filhos o nome de
rádio, RTL, voltada muito mais para o “grande público”. Essa história vinha no lugar de uma família do pai, da mãe ou dos dois juntos. Devemos essa modificação ao Conselho da Europa,
questão endereçada ao convidado. Interessou-me a estrutura de “boa história", que circula de que zela cuidadosamente pelas discriminações. Não havia razão alguma para se perpetuar
uma rádio para outra, para ser enunciada ao léu, sem ser verificada, comentada, elaborada. uma dissimetria entre os nomes de família do pai e da mãe sob o pretexto de que o pai e a mãe
Tratava-se de um casal homossexual de San Francisco, casado. Mais exatamente, casado são homem e mulher.
segundo uma fórmula equivalente ao PACS1, própria à cidade de San Francisco porque nem o Diante desses remanejamentos tão rápidos com relação ao uso dos nomes, a psicanálise -
estado da califórnia, nem o estado federal norte-americano reconhecem o casamento entre e seu discurso sobre o pai e a mãe - é convocada sob diversos propósitos. Alguns a acusam de
pessoas do mesmo sexo. Esse casal almejava ter filhos, sem recorrer à adoção. Queria ter ter contribuído para dissolver a tradição, outros a criticam por frear os remanejamentos dos
filhos biológicos. Portanto, através do que esse casal reivindicou como “ato de amor”, os ser­ nomes. Toda uma corrente psicanalítica prometeu-nos o apocalipse, caso o tal “alicerce antro­
viços de duas mulheres diferentes foram alugados. Uma era uma doadora de óvulos e a outra, pológico” fosse tocado. No outro extremo do espectro das opiniões, outros se regozijam de­
uma “barriga de aluguel”. Esses óvulos foram fecundados in vitro. Em seguida, foram implan­ vido a esses novos espaços de liberdade e que permitem afrouxar ainda mais as identificações
tados na “barriga de aluguel”. herdadas da tradição. O que está em questão, nesse contexto, não provém tanto da dimensão
Foram estabelecidos dois contratos distintos, precisando as modalidades de cada uma das do arbitrário do signo, mas do estatuto de artefato dos sistemas de parentesco. Não é mais o
duas mulheres que contribuíram para a procriação da criança. A doadora de óvulos poderia, estudo antropológico que registra a variação das álgebras do parentesco, mas é a prática social
se o desejasse, ver a criança a partir do momento em que ela atingisse a idade de dezesseis como tal que efetua variações reguladas sobre usos admitidos anteriormente.
anos e a mãe “barriga de aluguel” teria esse direito desde o nascimento. Nessa definição A Europa apaga os nomes da tradição ou os multiplica. Sua atitude, no que concerne ao
contratual da maternidade, na qual a dimensão jurídica prevalece, vemos se dissolver o antigo nome patronímico, é a mesma daquela que presidiu a escolha das ilustrações das cédulas
adágio.- mater certíssima. O vocabulário da norma jurídica conquistou, desde então, novos bancárias. Na tradição monetária, cunhava-se as moedas com o selo do príncipe. Depois das
domínios para sua extensão. Luzes e da Revolução Francesa, nelas figuravam os homens importantes. Uma vez que cadt
Todos os detalhes dessa história, certamente, não estão verificados: ela é para ser tomada nação tem os seus, esses nomes eram um obstáculo para o espaço monetário comum. Fo:
muito mais como um conto moral ou um dito espirituoso. Ainda assim, ela parecia verossímil isso, sobre nossas cédulas, figuram pontes e arcos que não remetem a lugar algum. Essa vacui
ao biólogo que sublinhava que, nessa montagem, nada era inacessível e que cada vez mais se dade permite sublinhar o utilitarismo estrito da moeda única. A cédula diz exatamente sei
respondia a demandas desse tipo. No caso citado, o que impressiona é a banalidade da de­ uso: a invenção de um espaço monetário comum que não é mais governado por ninguém.
manda, no contexto mesmo em que ela é enunciada, e a facilidade de um arranjo ao alcance Não há quaisquer nomes em comum, como não há política monetária verdadeiramente

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comum. Do mesmo modo, o princípio de não-discriminação, aplicado ao parentesco, consis­ eles, cada um de uma vez, respirou derivados de testosterona extraídos do suor masculino e
te em estritamente defini-lo como sistema jurídico, separado da tradição histórica. Esse de estrógeno proveniente da urina feminina. Já há algum tempo, as pesquisas se multiplicam
relativismo jurídico pode angustiar alguns que, então, irão buscar apoio nos sociólogos que se sobre esse tema, especialmente a partir do momento em que o prêmio Nobel de medicina foi
preocupam com a crise da autoridade, partindo para a busca de uma lei que pudesse garantir para a identificação do módulo do odor. A originalidade dessa pesquisa sueca é de ter consti­
a ordem do mundo. O direito “natural” parece, entretanto, falhar aqui. Assim como um desva­ tuído sua amostra com sujeitos que se declararam homossexuais ou heterossexuais. Os resul­
necimento decisivo da Mãe Natureza não deixará de se produzir quando for elaborado o “di­ tados provaram que os sujeitos que se declararam homossexuais têm as mesmas respostas
reito das mulheres a procriarem sem seus corpos”, tal como almeja Marcela IacuhA O biólogo que aqueles do outro sexo. De imediato, a equipe declara que encontrou um fundamento
Henri Atlan partilha esse ponto de vista quando afirma que “a ectogênese vai instalar uma genético da homossexualidade. Steven Pinker, professor de ciências cognitivas em Havard,
simetria, jamais existente até então, entre os homens e as mulheres”4, dizendo assim muito antigo chomskyano, consultado como especialista sobre as relações da biologia com a lingua­
bem que essa técnica vai revitalizar os debates entre as correntes de opinião qualificadas por gem, comenta assim essa notícia: “a diferença entre as respostas cerebrais dos homossexuais
ele de “modernista” e de “naturalista”, debates que não cessaram desde os avanços das técni­ e aquelas dos heterossexuais não prova, por ela mesma, que a homossexualidade seja inata e,
cas no domínio da procriação. Eles não cessarão. além disso, tanto as preferências adquiridas quanto as inatas devem estar alojadas em alguma
Portanto, aqueles que buscam um “alicerce” para se preservarem da vertigem que os toma parte. Mas, nesse caso, a natureza provavelmente domina a cultura”. Ele vê a prova disso no
não poderão se apoiar em um direito natural. A própria natureza ou, melhor, o que a ciência diz fato de que a homossexualidade é mais freqüente nos gêmeos idênticos do que nos falsos
a esse respeito serve-lhes como apoio. No momento mesmo em que as conquistas relativas à gêmeos. Todavia, ele se dá conta do problema ético colocado por essas pesquisas orientadas
paridade pareciam desorientar, escutamos, no mês de janeiro, as declarações polêmicas de pela psicologia evolucionista da qual ele faz parte: “a homossexualidade é um enigma para a
Lawrence Summer, presidente da prestigiada faculdade de Harvard, que considera o déficit de biologia não porque a homossexualidade não é adaptativa (ela não o é mais do que qualquer
professores femininos em sua universidade como reflexo de uma determinação biológica estri­ ato sexual que não leva à concepção), mas porque uma tendência genética para evitar uma
ta, de uma “atitude intrínseca”. A dissimetria homem-mulher teria um fundamento de tal modo oportunidade heterossexual teria de ser selecionada negativamente há muito tempo”. Esse
irremediável que os esforços de discriminação positiva da Universidade, mesmo em seus trinta grande obstáculo para a redução da sexualidade à transmissão máxima de gens não o impede
anos de prática, não puderam apagar. Essas posições não deixaram de desencadear uma indig­ de produzir uma série de hipóteses a d hoc: “talvez os gens da homossexualidade, quando são
nação geral no âmbito do quadro dé professores (e não apenas entre as mulheres), querelas portados pelas mulheres, têm vantagens compensatórias, tal como reforçar a fertilidade. Tal­
entre especialistas para se saber o que as ciências demonstraram exatamente sobre a diferença vez o meio que desencadeia a homossexualidade hoje não existia quando nossos genes já
dos sexos, desculpas, e a constituição de comissões encarregadas de fazerem propostas’. foram selecionados. Ou, talvez, a causa principal é biológica sem ser genética, tais como as
Do mesmo modo, uma série de estudos, entre os quais o mais recente foi efetuado pelo diferenças de exposição do feto a hormônios ou anticorpos por ocasião de seu desenvolvi­
Ministério do Trabalho Americano, tendem a provar que a gravidez é vivida como uma defici­ mento7. Portanto, decididamente, ele toma o partido da determinação biológica, natural, da
ência pelos empregadores. Em um contexto onde os setores mais conservadores visam fazer escolha sexual, e em seguida explora os usos éticos possíveis.
as mulheres retornarem para o lar, tais resultados seriam interpretáveis como uma vontade de Assistimos, então, a um duplo movimento em nossa civilização. Por um lado, um conjunto
desviar as mulheres da maternidade. de práticas técnico-jurídicas revela cada vez mais o arbitrário do discurso do mestre que nos
É interessante destacar que os sociólogos que defendem a maternidade invocam os designa um nome. Por outro lado, assistimos a busca desenfreada por um fundamento da rela­
hormônios. Vangloria-se as virtudes da oxitocina, produzida pelos mamíferos na maternidade ção familiar na Mãe Natureza. Esse duplo movimento funda a dinâmica entre essas duas tendên­
e no aleitamento: “a pesquisa mostra que a aprendizagem e a memória podem ser melhora­ cias. A medida em que progride a jurisdicionalização de nossas sociedades, uma inquietude
das pela gravidez e pela educação das crianças. Uma equipe de neurocientistas da Virginia febril impele os especialistas a prescrutar as vísceras dos animais de laboratório para interpretar
descobriu que as mães de ratos de laboratório, assim como as mães que trabalham, se desta­ as mensagens biológicas da Mãe Natureza. Nós não ascultamos mais as vísceras dos animais
cam de modo muito demonstrativo na gestão do tempo e da eficácia, correndo através dos prometidos aos deuses. Ascultamos os cérebros dos ratos de laboratório, oferecidos à ciência.
labirintos para encontrar suas recompensas e retom ar para seus filhotes em tempo recorde. Buscamos neles os remédios para nossas perdições, para nossos preconceitos, para nossos pre­
Outras pesquisas mostram o quanto os hormônios mobilizados na maternidade podem pro­ juízos. Não deixamos de buscar neles uma ordem do mundo que permitiria fundar e garantir o
teger as mães da angústia e do stress - um presente oportuno da Mãe Natureza que, por vezes, sistema dos nomes. A dúvida se estende sobre a capacidade do Nome-do-Pai da tradição para
evidencia alguma compaixão”6. amarrar, como um ponto de estofo, o uso nominalista e o real da ciência. Entretanto, não é em
Do lado dos homens, as notícias relativas ao campo hormonal não são menos ruidosas. nome deste real que Lacan afirmava ter levado o Nome-do-Pai à “consideração científica"? Como
Uma equipe sueca passou o cérebro de homens e de mulheres por um scanner, sendo que é que ele conseguiu, precisamente, conduzir o Pai freudiano a essa consideração?

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Do único do pai ao múltiplo do sintom a e da fantasia Sublinhemos que o essencial não é apenas que o pai esteja no fundamento. O complexo
de Edipo deixa um rastro indelével na vida afetiva. A convergência do amor e do ódio sobre a
Em virtude do relativismo dos usos dos nomes, alguns autores criticam de início Freud mesmo pessoa é fonte de transformações espantosas da paixão que liga e desliga os homens
por ter colocado o pai no fundamento de sua antropologia e, ao mesmo tempo, de tê-lo e sua vida social; ela está igualmente na origem de todas as transformações relativas ao lugar
subtraído da história, de ter feito dele um objeto transcendente que sobrecarrega o futuro. do pai. O retorno do recalcado jamais cessa e ele condiciona essas transformações. Não há
Sera que é isso mesmo? Sustentamos que a dimensão trágica do pai freudiano o institui como deslibidinização possível do mundo. O retom o jamais é bom, os termos da troca de gozo são
um objeto insolúvel na perspectiva universalizante, hegeliana, da história. DesdeA interpre­ falseados. O líder, indissociável das formas de organização do mundo dito racional, sempre
tação dos sonhos, Freud enuncia discretamente o papel do pai na gênese das formas do po­ vai derivar seu carisma da nostalgia de um gozo enfim ilimitado, para retomar o termo freudiano.
der e nas religiões: “Dizemos que o príncipe é o pai do povo. O pai é a autoridade mais antiga, A extensão do princípio de culpabilidade sempre se produz, indissociável dessa racionalidade.
a primeira, ele é para a criança a única autoridade. Todos os outros poderes sociais se desen­ Freud não instala apenas o pai como objeto irredutível na história a partir de seu neo-
volveram a partir dessa autoridade primitiva (com exceção do matriarcado)”8. darwianismo. Por um momento, ele se deixou convencer por Sándor Ferenczi, para encontrar
De imediato, tomemos nota dessa exceção devido, por um lado, à popularidade dos traba­ uma causalidade catastrófica para o pai, uma causalidade neo-lamarckiana. A humanidade, de
lhos sobre o suposto matriarcado primitivo, tais como o de Johann Jakob Bachofen e, por início, teria se tornado ansiosa devido a uma grande catástrofe ecológica e o pai, então, teria
outro lado, ao fato de que Freud logo instala, pela tragédia edipiana, um desacordo irredutível sido inventado para ela se p ro teg er dessa angústia: “nossa prim eira hipótese seria,
no âmago de toda teoria da religião: “aqui, como aliás em todo lugar, dever-se-ia desistir da consequentemente, pretender que, sob influência das privações provocadas pela irrupção do
reconciliação entre a providência divina e a responsabilidade humana’51. período glacial, a humanidade se tornou universalmente ansiosa. O mundo exterior, até en­
Desde que Freud se apercebe do lugar do pai como portador do interdito do incesto na tão essencialm ente hospitaleiro e fo rn eced o r de satisfação para toda necessidade,
economia psíquica, ele o toma como pivô da construção tanto do edifício social, quanto do metamorfoseia-se em uma acumulação de perigos ameaçadores. O que justifica experimentar
religioso. Essa será sua palavra primeira10 e também a sua última, retomada em Moisés e o a angústia real diante de toda novidade”14.
monoteísmo (1939). A antropologia política de Freud é indissociável da secularização de sua O pai foi, então, inventado: “trata-se do tempo da concepção animista do mundo e de sua
teoria das religiões. técnica mágica. Em recompensa por sua capacidade de proteger a vida de muitos outros indi­
O primeiro texto que formula uma teoria geral do pai é Totem e tabu. Ele funda o pai em víduos sem defesa, ele vai se arrogar o poder absoluto sobre eles, [e], devido a sua personali­
sua posição trágica, irredutível à história, a partir de uma evolução longa, neo-darwiniana, e dade, se constitui como o porta-voz de duas leis primeiras [:] não se teria o direito de lhe
p o r um assassinato original. Assim, p ro p õ e um a contribuição à antropologia social deter, nem de lhe contestar a livre disposição com relação às mulheres. No fim dessa época, a
(Vólkerpsychologie)n e tenta “criar um laço entre, de uma parte, etnólogos, linguistas e estu­ espécie humana se cindiu igualmente em hordas dominadas, cada uma, por um macho forte,
diosos do folclore e, de outra parte, psicanalistas”. O último capítulo, intitulado “O retom o prevenido, brutal, e que tinha a função de pai”15.
infantil do totemismo”, examina as contribuições, naquela época, dos mais consistentes teóri­ O pai freudiano não sobrecarrega a história. Ele se mostra irredutível a ela. A intervenção
cos das religiões: James Frazer, Salomon Reinach, Émile Durkheim, William Robertson-Smith. de Lacan consiste, de início, em inserir o pai na história com “O estádio do espelho” e “Os
Freud conclui o seguinte: “aceitemos como um estado de fato que os dois elementos m oto­ complexos familiares”. “Os complexos familiares” são uma reflexão psicanalítica sobre a clíni­
res, o sentimento de culpabilidade do filho e a rebelião filial, jamais desaparecem (...). Os ca e o destino da família no Ocidente. Em uma perspectiva que se apóia em Flegel e em
esforços do filho para tomar o lugar do deus-pai reaparecem cada vez mais distintamente (...). Durkheim, Lacan toma o partido por um pai resolutamente histórico. Sigamos, aqui, a análise
Nascem as figuras divinas de Atis, de Adónis, de Tamuz, etc (...). Mas o sentimento de culpabi­ proposta por Jacques-Alain Miller16. O estudo de 1938 permite a Lacan lançar um olhar crítico
lidade que não é apaziguado por essas criações se exprime nos mitos que distribuem com sobre o complexo de Edipo como mito. Em vez de apreender o Édipo como um invariante
esses jovens amantes de deusas-mães uma vida curta e um castigo que pode ser através da que não muda jamais, ele o faz depender das formas de evolução da civilização. Não experi­
emasculação ou de serem perseguidos pela cólera do deus-pai transformado em animal (...). mentando nenhuma nostalgia com relação às formas tradicionais da família, apreende a famí­
Existia uma outra via para apaziguar esse sentimento de culpabilidade, e foi apenas Cristo que lia moderna em sua evolução rumo a uma redução a sua forma nuclear, núcleo mínimo da
a seguiu. Ele sacrifica sua própria vida e, por esse ato, libera a turma dos irmãos do pecado aliança entre o homem e a mulher. Citemos a seguinte passagem famosa: “não estamos entre
original"12. Freud termina seu ensaio amarrando, como em um ponto de estofo, Totem e tabu os que se afligem com um pretenso afrouxamento dos laços de família. (...) Mas um grande
e o complexo de Edipo: “no final dessa investigação, que conduzi abreviando-a ao máximo, número de efeitos psicológicos parece-nos decorrer de um declínio social da imago paterna.
gostaria de enunciar o seguinte resultado: no complexo de Édipo, encontram-se os começos Um declínio condicionado por se voltarem contra o indivíduo efeitos extremos do progresso
da religião, da moral, da sociedade e da arte”13. social; declínio que se destaca sobretudo, em nossos dias, nas coletividades mais desgastadas

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por esses efeitos: a concentração econômica, as catástrofes políticas. (...). Seja qual for seu como “burguês”, essas tentativas retomavam, em uma perspectiva individualista, as utopias
futuro, esse declínio constitui uma crise psicológica. Talvez seja com essa crise que convém sociais dos kib u tz ou aquelas de Anton Makarenko, na Rússia.
relacionar o aparecimento da própria psicanálise. O sublime acaso da genialidade não é a As consequências das “explorações de 68” não foram sem questionamentos subjetivos.
única explicação de que tenha sido em Viena - centro, na época, de um Estado que era o Muitas demandas endereçadas aos psicanalistas, nos anos subsequentes, foram causadas
melting-pot das mais diversas formas familiares, desde as mais arcaicas até as mais evoluídas, pelas grandes agitações que deixaram um grande núm ero de sujeitos p erd id o s em
desde os derradeiros grupos agnatos de camponeses eslavos até as mais reduzidas formas do lar inebriamentos identitários.
pequeno-burgês e as mais decadentes formas do casal instável, passando pelos patriarcalismos Nessa época, Lacan comenta, no calor dos acontecimentos, o que se passava em 68, tal
feudais e mercantis - que um filho do patriarcado judeu imaginou o complexo de Edipo. Quais­ como testem unha seu Sem inário 17, O avesso da psicanálise. Nesse to u r de force, ele
quer que elas sejam, foram as formas de neuroses predominantes no fim do século passado que anuncia as consequências dos “acontecim entos” e as perspectivas q u e se esboçavam,
revelaram que elas eram intimamente dependentes das condições da família”17. notadamente do triunfo da Universidade. Esse Seminário tem ressonâncias instigantes com
Ao articular a evolução da família rumo a uma forma reduzida, nuclear, Lacan radicaliza o texto de 1920, “Psicologia das massas e análise do eu ”, no qual Freud antecipa o funciona­
uma tese que ele retoma da antropologia. A família “nuclear” corresponde a uma forma míni­ mento dos regimes totalitários.
ma não de parentesco, mas de aliança. Ele se encontra, antecipadamente, com Claude Lévi- No a posteriori desse Seminário, Lacan reescreve uma intervenção feita em 1967, no Con­
Strauss que poderá, só depois, sobre uma apresentação de seu método estrutural, dizer o gresso sobre a infância alienada, organizado por Maud Mannoni - e no qual estiveram presen­
seguinte: “a que tendia meu artigo de 1945? (...) Procurava mostrar que uma estrutura de tes Ronald Laing e David Cooper, todos dois alunos de Winnicott. Nesse texto, Lacan enuncia
parentesco, por mais simples que seja, jamais pode ser construída a partir da família biológica algumas verdades sobre as relações entre a civilização e o gozo que têm incidências sobre a
cpmposta pelo pai, pela mãe e seus filhos, mas que ela implica sempre, como um ponto de família. Estamos, diz ele, na época dos “imperialismos, cuja questão é a seguinte: como fazer
partida, uma relação de aliança"18. A posição de Lacan, entretanto, é mais radical, na medida para que massas humanas, fadadas ao mesmo espaço, não apenas geográfico, mas também,
em que afirma a difração contemporânea do pai e suas consequências para a civilização. A ocasionalmente, familiar, se mantenham separadas?”19. E isso, prossegue ele, anuncia proces­
verdade da família tornou-se a verdade das formas do casamento. De um ponto de vista sos de segregação que não deixarão de se radicalizar. É o tratamento do gozo por uma civiliza­
kojéviano, Lacan enuncia, nesse texto, o fim da história do parentesco e o início da história da ção assim que se torna o problema primeiro. Quanto a isso, a crença no pai é um entre outros
aliança homem-mulher cujos impasses a psicanálise explora. instrumentos, deslocado por essa distribuição comum em um dado espaço, dos “imperíaiis-
Cerca de trinta anos depois, por ocasião da redação de um pequeno texto que permanece­ mos do gozo”.
rá por muito tempo inédito e que, atualmente, pode ser encontrado sob o título de “Nota A “Nota sobre a criança” começa por uma reflexão sobre o estado atual da família na civili­
sobre a criança”, Lacan apresenta um resumo sensacional da história da aliança, tal qual ela se zação a partir da constatação de um fracasso: “ao que parece, ao ver o fracasso das utopias
desenvolveu desde 1938, esclarecida pela psicanálise. Entre “Os complexos familiares” e a comunitárias...”20. Sublinhemos, de início, um ponto referente ao método. O psicanalista aborda
“Nota sobre a criança”, os grandes textos de Lévi-Strauss sobre a família e as estruturas de tudo do ponto de vista do fracasso: o ato falho, o sintoma, o ato sintomático, o truque que
parentesco foram publicados, e Lacan regularmente os integrou, comentou, argumentou à rateia, a coisa que manca. Sobre as coisas que têm sucesso, o psicanalista não tem muita coisa
medida que essa publicação se processava. Nesse ano de 1969, Lacan se distancia do estrutu- para dizer. Ele é, diferentemente, autorizado a apreender o que rateou no bricolage relativo
ralismo lévi-straussiano em seu texto “Radiofonia". Essa “Nota" apresenta também uma leitura aos ideais da família. Lacan lembra-nos aqui a “função de resíduo exercida... pela família con­
inédita do átomo do parentesco. jugal”21. Esse termo resíduo nos introduz a família concebida como resto, objeto a produzido
A “Nota sobre a criança” foi escrita em um momento histórico particular, imediatamente pela história. Há resíduo uma vez que a família permanece aí e que, em todo lugar onde se
após 1968. Até então, a França não havia seguido a americanização dos costumes já adotada acreditou poder substituí-la por sistemas comunitários, isso acabou fracassando. As pessoas
por toda a Europa, particularmente aquela do Norte. O destaque dos homens de Estado que se apressam para reformar as famílias, sejam elas disfuncionais, monoparentais ou recompos­
bancavam o pai, tal como De Gaulle, não havia ainda se dado. Os americanos tinham já adota­ tas. Lacan situa então as funções do pai e da mãe como nomes que marcam uma particularida­
do um Kennedy como estilo juvenil exercido pela autoridade moderna. A recuperação com de do desejo da criança em todas as sociedades. Nisso, ele se distingue de Lévi-Strauss, que
relação à modernidade se efetuou rapidamente. As leis que o Presidente Gisgard d ’Estaing previa a generalização planetária da evolução dos sistemas de parentesco na direção da famí­
conseguiu fazer votar mudaram o sistema de filiação na França e colocaram em sintonia os lia nuclear.
costumes e as filiações. Aquele foi também o tempo de diversas comunidades, mais ou menos Lacan não atribui à ordem familiar um estatuto de alicerce, mas muito mais o estatuto de
estáveis, nas quais o laço do casal parecia ultrapassado. Pequenas seitas aparecem, consagra­ resíduo. O termo vem romper com o ponto de vista histórico ou sociológico. O resíduo se articula
das a explorar sistematicamente os limites. Almejando ultrapassar o laço do casal considerado com os nomes da mãe, do pai e da criança. O nome da mãe vem marcar a particularidade do

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cuidado vital à medida que “seus cuidados comportam a marca de um interesse particulariza­ Maurice Godelier mostra como a antropologia se desliga da fascinação pela mecânica dos
do”. À mãe freudiana, aquela que estabelece a relação anaclítica, Lacan acrescenta, com preci­ sistemas formais e de um certo logicismo do parentesco para passar a considerar os sentidos
são, o “interesse particularizado, mesmo que seja pela via de suas próprias faltas”. Trata-se da e os múltiplos usos que as tais “estruturas” têm podido autorizar. Antes de apresentar as
tradução da expressão de Winnicott: “a mãe suficientemente boa” Ç'good enough m othef'). etapas desse desligamento, ele indica o que lhe parece ser o motor da evolução do parentes­
Esse conceito permitia-lhe resistir ao ideal abrahamo-kleiniano22 da boa mãe, e à dialética co em nossa civilização. Sua posição se encontra com a afirmação de Lacan segundo a qual a
infernal que opõe mãe boa e mãe má. história do parentesco tornou-se aquela da aliança. A valorização do lugar da criança na fanta­
O nome do pai é definido na medida em que “seu nom e é o vetor da encarnação da Lei no; sia dos pais se deduz daí: “quais são, portanto, as forças que modificaram há meio século as
desejo”. A orientação constante no ensino de Lacan consiste em sublinhar que a psicanálise formas e o exercício do parentesco em nossas sociedades? De início, o acento é colocado
não opõe a lei e o desejo. Ele evoca, de bom grado, São Paulo ou os estóicos para evidenciar sobre a livre escolha do outro na fundação do casal (...). A segunda força que se conjuga a
essa aporia. O pai, segundo Lacan, não é simplesmente o pai do interdito, é também o pai que outras para remodelaras relações de parentesco tem sua fonte (...) na pressão social exercida
reune todas as contradições do pai freudiano, é o pai do interdito, mas também aquele que cada vez mais em favor de uma maior igualdade entre os sexos, em todos os domínios da vida
goza da mãe. E, enfim, o pai que mostra o caminho, Moisés, e que, ao preço de sua vida, social e pessoal (...). A terceira força que tem progressivamente afetado o campo do parentes­
eterniza a Lei. Moisés mostra que não basta interditar. Nesse sentido, o pai não deve lançar co é o movimento de valorização da criança e da infância”25.
promessas ao vento. Se ele não humaniza o acesso sexual à mãe e se contenta em interditá-lo, Em seguida, ele se volta para as etapas que marcaram a evolução dos estudos sobre o
q u de gozar dela de modo desumano, ele não é mais do que o pai do pudor, o suporte do parentesco, desde a formalização impressionante de As estruturas elementares do parentes­
interdito, o tirano doméstico, e mesmo o pai do Presidente Schreber. co. Ele nota, de início, que Lévi-Strauss queria, ao logicar o sistema, separar-se da dinâmica
. O pai mostra como a lei é humanizada, como se pode viver com ela, como se pode servir- que a concepção trágica freudiana havia introduzido no parentesco: “Lévi-Strauss, emAses-
se dela. E aquele que consegue fazer da lei alguma coisa de vivo e não alguma coisa de morto, truturas elementares fez pouco caso do fato de que Freud havia fundado as relações de pa­
alguma coisa destacada de tudo, de ideal. E por isso que, mais tarde, Lacan chegará à dimen­ rentesco sobre a troca de mulheres e feito, dessa troca, a consequência da interdição do in­
são do mais além do Edipo. Para além da crença no pai, o pai se encontra reduzido à função de cesto, e isso provavelmente porque o sábio vienense havia sustentado a idéia de que, para sair
ferramenta, de instrumento. da promiscuidade sexual animal, seria necessário ter previamente matado o pai que aterrori­
Nesse sentido, o nome do pai e nome da mãe acabam, ambos, reduzidos à marca da parti­ zava a horda primitiva. Tese infernal que colocava em primeiro plano a sexualidade e sua
cularidade do desejo, à impossibilidade de reabsorção no universal. Ambos acabam por ser repressão e que pretendia explicar, por um ato único inverificável, mas com efeitos irreversíveis
dois instrumentos da inscrição do sujeito. e, além disso, por um assassinato, o que Lévi-Strauss pretendia explicar pelo choque produzi­
As estritas permutações permitidas pelos “átomos de parentesco” de Lévi-Strauss (1949), do pela emergência da linguagem e do pensamento simbólico nos humanos”26.
assim como o evidenciamento da família como nuclear, implicam a existência de uma lógica Essa dinâmica logo teve incidências sobre os antropólogos ingleses que, no quadro da
classificatória. Na estrutura lévi-straussiana, o lugar de cada um, de cada ego, encontra-se de­ filosofia da linguagem de Cambridge, colocavam em causa o logicismo estrutural para subli­
terminado por um termo. A posição de Lévi-Strauss concernente à identificação de um sujeito nhar os múltiplos usos que os nomes podem ter. As objeções de Edmund R. Leach e de Rodney
com um termo que funciona como nome é ainda mais nítida em O pensam ento selvagem. Needham são decisivas para a evolução dos estudos sobre o parentesco nos anos setenta:
Encontra-se, nesse contexto, o desenvolvimento do processo de individualização a partir do “Needham, por exemplo, se afirma estruturalista, ainda que critique Lévi-Strauss por ter cedi­
modelo estrito do processo de classificação. do à ‘paixão das generalidades’, segundo a expressão de Wittgenstein [do qual Needham era
Para Lacan, o sujeito se situa entre dois termos. Assim, os dois nomes, especificando a um admirador fervoroso]. Para Needham, diante da extrema diversidade dos fatos; todas as
família “resíduo”, vêm assegurar a articulação mínima onde o movimento de batimento do definições gerais do incesto, do casamento aparecem como ‘palavras que servem para tudo’,
sujeito se processa, tal como J.-A. Miller o indicou23. Eis então o que testemunha uma ordem, generalizações abusivas. (...) Não se pode fazer qualquer dedução sociológica sobre institui­
“uma outra ordem (...) - [aquela da] constituição subjetiva e que implica a relação com um ções, grupos ou pessoas a partir da estrutura de uma terminologia, sequer se pode deduzir
desejo que não seja anônimo”24. Se isso é admitido, o uso que o sujeito fará desse nomes na que os estatutos denotados por um mesmo termo terão o mesmo sentido”’27.
fantasia torna-se determinante. Uma vez considerados os múltiplos usos de um nome no contexto global de uma civiliza­
A psicanálise contribuiu bastante para a evolução dos estudos sobre o parentesco na an­ ção, torna-se impossível isolar o parentesco das relações particulares que os dois sexos man­
tropologia estrutural. A publicação recente de um compêndio de um aluno de Lévi-Strauss, e têm em uma dada civilização e a significação que eles tomam para cada um. “Os antropólogos
que consagrou sua carreira de pesquisador a situar o lugar certo dos sistemas de parentesco, ficaram, por exemplo, cada vez mais interessados nas relações entre os sexos e na questão das
é a ocasião para se seguir seus deslocamentos. Sob o título de Metamorfoses do parentesco, formas e dos fundamentos dos poderes masculinos e femininos nas esferas da vida privada e

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pública. E o parentesco tinha sido também cada vez mais abordado não mais como um domí­ Hurstel a necessidade de localizar de novo a crise da paternidade em uma grande extensão
nio isolado, mas como um aspecto do processo global da reprodução das sociedades. Ou temporal. Parte da Revolução Francesa para mostrar que a questão da igualdade, encontrada
ainda, em oposição a essa perspectiva global, mas complementar a ela, o parentesco tinha no âmago dos direitos do homem, comportava em si mesma toda a interrogação sobre a
sido considerado como um elemento do processo de construção da pessoa, do eu”28. simetria das posições entre hom em e mulher. O golpe decisivo dado pelo Código Civil
Diríamos com Lacan que, a partir do Outro como tal, e do gozo, pode-se captar o lugar de Napoleônico só podia ser transitório. O “legislador tentou inscrever na lei o ideal revolucioná­
resíduo que ocupam os nomes do parentesco, assim como a fantasia subjetiva. Por fim, M. rio segundo o qual ‘os homens nascem livres e iguais nos direitos’ - e ‘homens’, aqui, é para
Godelier sublinha como, desde os anos 40, os estudos sobre o parentesco colocam em pri­ ser entendido no sentido genérico, compreendendo as mulheres e as crianças, o que ultra­
meiro plano os usos próprios ao sujeito, a serviço de sua construção como ser sexuado, dos passava, talvez, o pensamento dos próprios revolucionários (...). Para se ir diretamente ao
nomes de parentesco. Esses objetos de estudo são assim determinados pelo próprio movi­ ponto, poderá ser dito que esses efeitos foram, entre outros, o acento colocado sobre os
mento que afeta o parentesco em nossas civilizações. O acento é colocado, resolutamente, direitos da mulher, depois sobre os direitos e os interesses da criança. Uma vez destronado o
sobre a história das relações homem-mulher. “Os temas de estudo privilegiados hoje (a cons­ pai (...), é preciso admitir que seu poder seja regulado pelas leis da República e que essas leis
trução da pessoa, as relações entre os sexos, o parentesco no funcionamento global da socie­ levam em conta igualmente os direitos das mulheres e aqueles das crianças”33.
dade, etc.) não são verdadeiramente novos. O novo, de início, é que esses temas passaram a Na medida mesma em que o “novo pacto de filiação" na família contemporânea permane­
se destacar como o primeiro plano das preocupações dos pesquisadores. Ora, isso não se ce incerto, a necessidade de ficções reguladoras da paternidade não deixa de se colocar de
explica unicamente por razões de ordem científica, mas também pelo que se passa em nossas modo insistente. O novo estatuto do pai se inscreve nesse quadro. É o que permite alguns
sociedades, por exemplo, as lutas e as pressões sociais por maior igualdade entre os sexos”29. autores apresentarem a relação moderna com a paternidade como uma definição à la carte
Vemos, assim, a psicanálise e a antropologia, em sentido amplo, convergirem rumo à loca­ do nome do pai, articulada à sua utilidade social. O nominalismo do caso a caso se articula ao
lização de uma outra articulação entre os múltiplos usos do sistema de nomes e a considera­ utilitarismo do melhor cálculo. A psicanalista Geneviève Delaisi de Pareseval o apresenta as­
ção de um real que não é aquele da biologia, mas aquele de um gozo articulado ao sim: nas “sociedades contemporâneas, tudo se passa na realidade como se as coisas tivessem
remanejamento do sistema de nomes. se tornados fluidas, quando se trata de dizer quem é o ‘verdadeiro’ pai; como se a paternidade
estivesse para ser inventada em cada caso, a cada transação ou julgamento (...). [Cada um]
Um outro real para os nomes do parentesco pretende passar conforme sua conveniência, e segundo seus interesses do momento, tanto
para o lado da ordem biológica (natural), quanto para o lado do jurídico (ficção), ou ainda
Na nova desordem amorosa que define o regime de aliança em nossa civilização, o sujeito para o lado do 'sócio-afetivo”'34.
não se mantém menos no casamento e na filiação. Tudo repousa sobre ele, sobre sua energia, Ela apresenta assim um “tornar-se pais” que apaga todas as especificidades da paternida­
sobre seu desejo. É o que Irène Théry denominou como “descasamento”: “é o lugar social da de e todo o seu enigma: “o que diz a psicanálise sobre a psicodinâmica do tomar-se pai? E o
instituição matrimonial que mudou com a transformação das representações do casal: a esco­ homem, no fundo, tão diferente da mulher diante desse tem po essencial da vida referente
lha de se casar ou não torna-se um a questão de consciência pessoal e o casamento deixa de ao tornar-se pais? De maneira paradoxal, a experiência da paternidade pode ser vista como
ser o horizonte intransponível das relações entre os homens e as mulheres. Trata-se do fenô­ uma série de etapas psíquicas análoga àquelas da m aternidade”3’. Essa absorção da paterni­
meno social denominado ‘descasamento’. (...) O ‘descasamento’, mais do que a recusa ou a dade na m aternidade culmina em uma evidência psicossomática que se apresenta como o
crise do casamento, designa a situação historicamente nova ligada à transformação do laço alicerce da paternidade.
conjugal em um sentido mais igualitário, mais privado e mais contratual. Ela apresenta proble­ Jean Le Camus, professor de psicologia, não defende, por sua vez, uma recomposição à la
mas radicalmente inéditos para o laço familiar”30. carte. Ele quer enraizar a paternidade na experiência. Ela, para ele, é mais relacional do que
Uma excelente descrição do estado atual da mutação do laço familiar se lê no exame da psicossomática. Ser pai, para um homem, ele nos diz, é criar uma criança estando implicado
“aventura da paternidade”, efetuado recentem ente em um número extra especial deZe nouvel em interações precoces com ela. Isso lhe permite distanciar-se de uma perspectiva psicanalí­
observateur3'. Pode-se perceber aí todos os mal-entendidos que o pai freudiano pôde engen­ tica evolucionista, como aquela de René Spitz: “diferentemente daqueles que continuam a
drar. A jornalista Sandrine Hubaut, introduzindo um conjunto de contribuições, nota que, circunscrever uma ‘idade da m ãe’, muito precoce e diádica, depois uma ‘idade do pai’, mais
“aliás, é singular que, por volta de 1900, a teoria psicanalítica confere títulos de nobreza à tardia (a partir de três anos, grosso modo) e triádica, acredito que o pai deve tomar seu lugar
figura do pai que rege a Lei, no momento mesmo em que o movimento histórico faz incidir desde o momento do nascimento, nas semanas, nos meses... que se seguem è que são ocupa­
sobre essa imagem um declínio inelutável”32. Para abrir a problemática desse número deZe dos pelas atividades de cuidados, o que é preciso desde então chamar de paternagem
nouvel observateur, Louise Lambrichs extrai com propriedade dos trabalhos de Françoise (caregiving ou parenting, em língua inglesa)”36.

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Ele almeja também se distanciar da necessidade de mediação da mãe: “diferentemente


função. Com efeito, o utilitarismo social esconde o fracasso do Nome. O real ao qual ele se
daqueles que escrevem que o pai só pode intervir se ele foi reconhecido e apresentado pela
articula é outro. Não é possível se alinhar plenamente e de maneira satisfatória sob o nome
mãe, a mediadora incontornável, ou que o pai se encontra inteiramente na mãe e em nenhum
pai porque a função faz objeção a isso. Há algo do impossível em jogo.
outro lugar, acredito que se deve, a partir de agora, evocar uma implicação direta do pai”37.
Enfim, ele se distancia de todo fundamento do pai em seu “Nome”, em sua função. Almeja
0 Nome-tlo-Pai, a função simbólica e seu realismo
fundá-lo no hic et nu n c da experiência da paternidade como Erlebnis: “diferentemente da­
queles que limitam a função do pai à introdução da lei, ao exercício da autoridade e à trans­
Não nos esqueçamos, portanto, o efeito de uma nomeação produzida pela função simbó­
missão da herança cultural, acredito ser preciso representar o pai como podendo agir positi­
lica como tal sobre o próprio sujeito. Essa dimensão é situada por Lacan desde “Função e
vamente sobre a criança em uma pluralidade de dimensões”38.
campo da fala e da linguagem”:
Reescreveremos essa “experiência” - ponto de ancoragem suposto da crença - como uma
relação com o sistema de nomes fundado em um uso de gozo. Nessa perspectiva, é a partir
“a função simbólica apresenta-se como um duplo movimento no sujeito: o homem
dos usos que pode ser definida a significação do pai como ficção reguladora, instrumento de
constitui de sua ação um objeto, mas para a ela devolver, em tempo hábil, seu lugar
transmissão. O “pai figura como passador, iniciador com relação às regras e à integração”39.
fundador. Nesse equívoco, que opera a todo instante, reside todo o progresso de uma
Esse pai pode assim se curvar a todas as normas: “permanece o modelo pertinente e válido
função em que se alternam ação e conhecimento.
quando se leva em conta as famílias que não se inscrevem mais na ordem da tradição, isto é,
Exemplos tomados de empréstimo, um dos bancos escolares, o outro do que há de mais
famílias mono e pluriparentais, de uma parte e, de outra parte, as famílias homoparentais?
vivo em nossa época:
(...). Não se vê por que a orientação teórica do modelo - momento de intervenção do pai (ou
- o primeiro, matemático: primeiro tempo, o homem objetiva em dois números cardi­
da figura paterna), mecanismo de sua ação e registro de sua influência - não seria transponível
nais duas coleções que contousegundo tempo, realiza com esses números o ato de
a situações fora das normas (já parcialmente reconhecidas pela lei)”40.
adicioná-los (cf. o exemplo citado por Kant na introdução à estética transcendental, §
As duas primeiras perspectivas de recomposição que isolamos se distinguem. Para um dos
IV, na 2a edição da Crítica da razão pura);
autores, a recomposição à la carte da função do pai permite a cada um escolher o que ele
- o segundo, histórico: primeiro tempo, o homem que trabalha na produção em nossa
tem necessidade no vasto aparelho legado pela tradição. A unidade dessa caixa de ferramen­
sociedade inclui-se na categoria dos proletários; segundo tempo, em nome desse
tas é, em última instância, inata, psicossomática. Para o outro autor, cada um se constrói um
vínculo, ele fa z greve geral"42.
lugar de pai segundo sua experiência. Ele escolhe na diversidade das regras e na evolução das
normas o que ele tem necessidade para dar conta de sua experiência. A oposição dessas duas
O exemplo daquele que toma o nome de proletário para fazer disso, em um segundo
perspectivas mascara, entretanto, sua profunda unidade. O nome do pai se reduz a uma utili­
tempo, o instrumento da ação que vai acrescentar um sentido novo ao termo proletário é
dade social. E um pai apreendido a partir da sociologia. Seria o bastante para definir o que
mais explícito do que a referência ao exemplo de Kant, no qual se trata da “exposição metafísica
Lacan acabou por chamar, no seu ensino dos anos 70, de o pai “ferramenta"?
do conceito de tempo”, mas se trata certamente do mesmo movimento. Nesse parágrafo,
Essa perspectiva tem todo seu preço em nossa civilização utilitarista e permite, sem dúvi­
Kant sublinha que o tempo - como o espaço - é uma representação que não se constroi, ele
da, garantir um lugar para o pai nos séculos pragmáticos. Entretanto, uma dupla objeção pode
precede o trabalho da razão, do conceito. A posteriori, forma-se um conceito ainda que nem
ser feita a essa perspectiva sociológica. A primeira é que o nome poderia se restringir a seu
o espaço, nem o tem po lhe constituam. Jacques Rivelaygue diz isso da seguinte maneira:
conteúdo à la carte, à sua “descrição definida”. A segunda objeção é que a relação do nome
“pode-se, portanto, apenas expor os conceitos que formamos para nós a posteriori, o que
com os sujeitos que nele vêm se alojar é situada como,uma relação de simples conveniência.
não significa, com certeza, que o espaço e o tempo sejam, neles mesmos, conceitos, mas
Ela não comporta efeito de retorno sobre aquele que vem se nomear pai. Ora, esse efeito de
simplesmente que é possível, para pensá-los, formar deles um conceito (...). O espaço e o
retorno é crucial para abordar a função paterna.
tempo precedem a toda representação, eles são a p rio ri e, assim, é possível representar um
Lacan, em seu último ensino, articula o caso a caso com o realismo da estrutura. Ele funda
espaço e um tempo vazios, mas de modo algum uma representação que não seja nem tem po­
o pai em uma posição de exceção: “não importa quem atinge a função de exceção que o pai
ral, nem espacial”43.
tem. Sabe-se qual é o resultado. Trata-se daquele de sua Verwerfung, na maioria dos casos”41.
Há de início, portanto, a experiência do espaço e do tempo e, em seguida, a formação aposteiiori
È aí que o discurso sobre o pai encontra o impossível. Assim, uma relação é estabelecida entre
de um conceito. Enfim, o sujeito vai produzir as matemáticas como ciência não experimental.
o nominalismo e o realismo, não fundada sobre o utilitarismo, mas de preferência sobre a
Lacan qualifica o efeito “só depois” da função simbólica da seguinte maneira: “a mais subjetiva
disfunção, sobre o fracasso para aquele que vem se nomear pai para satisfazer as exigências da
ciência forjou uma realidade nova, as trevas da divisão social armam-se de um símbolo que age’44.
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Esse “só depois” na nomeação ou na categorização é o que interessa também a Ian Hacking, social de quê?, falei de gêneros interativos. Interativos porque existe o que chamei de “efeito
filósofo das ciências. Ele o chama de amarração (boucle) e lhe dá várias versões. Na última de amarração” entre gente e as classificações de gente. O indivíduo classificado é modificado
lição dada este ano no Collège de France, ele explora o que chama de nó filosófico de nomes: ou se modifica, ele mesmo, pelo simples fato de que ele é classificado. Há um círculo de
“aqui, contornamos ainda o nó filosófico de nomes. Parece-me que uma nova maneira de consequências por mim designado como efeito de amarração"'17.
descrever uma pessoa cria não somente novas maneira de ser, mas também novas maneiras Nessa apresentação de sua investigação, I. Hacking mostra como o nominalismo do caso a
de escolher o que se é”4’. Ele esclarece, por um exemplo escolhido a propósito do uso do caso dos diferentes nomes de um certo tipo não impede a constituição de uma categoria que
nome mãe, o efeito de “só depois” pelo qual cada sujeito interage com o nome que incidg corresponderia, na perspectiva do realismo medieval, a um universal. Essa classe de classes
sobre ele. A avó de Madame de Sévigné teve uma maneira estranha de ser mãe: corresponde extamente a isso. Trata-se de uma modalidade da crítica que Willard Van Orman
Quine tinha feito ao nominalismo para terminar na célebre fórmula a que J. -A. Miller deu
“As mães amam seusfilhos. Os defensores da psicologia evolucionista afirmam que todo lugar no nosso meio: ser, é ser o .valor de urna variável quantificada48. O raciocínio é
todas as mães têm uma necessidade inata de cuidar de seus filhos e amá-los. Esse resumido assim por um filósofo: “tomemos a proposição que todos podem admitir como
instinto é muito útil para a conservação da raça humana e para a transmissão dos verdadeira: as aranhas e os insetos têm em comum algumas características anatômicas impor­
genes da mãe. Ele é fortemente reforçado em todas as sociedades. Mas o infanticídio tantes. Isso pode se escrever assim: para todox e todo jy, sex é uma aranha ç.y é um inseto, há
não é algo desconhecido, e os disfuncionamentos do instinto materno, a crueldade de um z tal que: 2r é uma característica anatômica, z é importante, x tem z e y tem z. (...) O que é,
algumas mães com relação a seusfilhos, bem como o abandono são realidades muito portanto, essa característica anatômica importante... se não for um desses universais dos quais
familiares aos trabalhadores sociais. Triste realidade que não é determinada nem os nominalistas negam a existência?”49. O mesmo raciocínio ontológico pode levar a questões
pelos genes, nem pelo meio. (...) Santa Jeanne-Françoise de Chantai era uma boa mãe, como: os números e as funções existem? Ou, ainda: há objetos modais, ou intencionais? Ao
ela possuía uma família grande. Quando seu filho mais novo fe z sete anos, ela fo i isolar esses diferentes tipos de nomes, considerados no caso a caso, I. Hacking de início supôs
embora para sempre. Eleficou deitado na soleira da casa. Sua mãe passou por cima que eles deviam ter alguma coisa em comum, um universal. Em um segundo momento, ele
dele dizendo [:] 'cumpri meus deveres com relação à minha família, agora vou refuta essa hipótese ontológica, pois considera que essa classe de classe, esse n a tu ra l kin d
fundar um convento, ao lado da abadia de meu amigo Francisco de Assis’. Eis a í um de um novo estilo que ele havia chamado de hum an k in d era um erro de perspectiva. Não
ato que pode ser apresentado como uma grande decisão, mas, como é o caso das existem coisas desse tipo, pois essa lista de nomes é produzida de maneira heteróclita por
decisões de pobres mães delinquentes, ele é apenas um elemento em uma cadeia de uma multiplicidade de ciências e de discursos que podem, aliás, também deslocá-los e remanejá-
pequenas decisões. CelebramosJeanne-Françoise como uma santa, como a avó de los. O “nó de nomes” é que eles estão na encruzilhada de diferentes maneiras de dizer e de
Mme. de Sévigné ou como uma feminista precoce“46. classificar. Eles estão na encruzilhada de tipos múltiplos de saberes e de ações. Cada nome é
agora considerado por I. Hacking como um nó particular, um agenciamento que deve ser
Através dessa definição modesta, muito modesta, do ato, I. Hacking mostra muito bem examinado caso a caso: “o problema é que a idéia de uma classe precisa de gêneros humanos
como Jeanne-Françoise de Chantai mudou o sentido do termo “mãe”, para ela mesma, sua era um erro. Não existe uma tal classe homogênea e bem definida”50. Ele se recusa agora a
família e outros, até se tornar uma santa. Isso o leva a redefinir o objeto de seu estudo: ele uma divisão nítida entre as ciências e os discursos que permitem os efeitos de amarração e os
estuda os sistemas de nomes sob os quais os sujeitos podem se alinhar e interagir com essas outros - divisão que tinha lhe permitido até então separar em duas classes nitidamente distin­
classificações. Isso lhe permite interrogar a natureza da classe formada por esses sistemas de tas os modos de discurso. “Não quero que se entenda que não haja diferença entre as ciênci­
nomes assim como essas “ciências” que classificam, definem nomes como “o perverso”, “o as: eu digo que não há uma categoria de ciências humanas bem definida. Há simplesmente
gênio”. Partindo de uma lista heteróclita de tais nomes - e nos quais poderíamos acrescentar ciências ‘outras’. Entre elas, é possível encontrar interações entre gente e suas classificações,
o nom e pai -, ele a especifica como “uma lista de tipos de gente que as ciências tratam como mas isso não implica uma distinção nítida”. Digamos que I. Hacking encontra-se, nesse con­
gêneros dos quais se pode ter um conhecimento exato (...). No começo das minhas pesqui­ texto, por sua mudança de ontologia, com a posição tomada por Hilary Putnam depois da
sas, pensava em uma classe de tipos de pessoas. Não quero dizer uma classe de pessoas, mas reviravolta operada em sua obra. Se é admissível que existem múltiplos sentidos de “there is",
uma classe de tipo de gente, se vocês quiserem, uma classe de classes. Porque comecei na de “há”, pode-se perfeitamente entender, de modo convencional, esse sentido para incluir aí
tradição analítica, onde se fala de gêneros naturais, de espécies naturais, isto é, os n atural os universais ou alguns tipos de universais.
kinds dos filósofos anglo-saxões, eu pensei que havia uma classe específica desses gêneros de Retornemos ao nome pai. Poder-se-ia fazer a lista nominal, caso a caso, de todas as instân­
pessoas, gêneros como o perverso, o gênio, e assim por diante. A propósito disso, falei de cias em que um pai seria nomeado ou queria se nomear como tal. Essa lista nominalista não
gêneros humanos. Mais tarde, no capítulo IV de Entre ciência e realidade. A construção impede o surgimento do universal do Nome-do-Pai que seria comum a todas essas instanciações

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referentes ao nome pai. Não se pode dispensar um certo realismo da função. É o que criticam '•Idem , ibidem, (p. 3 1 2 ) . # ! : cf. Freud, S. op. cit. (vol.XIII, p. 185).
‘■•Freud, S. (1985). Vue d ’ensemble des névroses de transfert (p. 34). Paris: G allim ard.
algumas teóricas do “gênero” que avaliam que o problema do pai está apenas deslocado quan­ ,5ldem , ibidem, (p. 37).
do ele é apreendido através de um por um dos instanciamentos da metáfora patema. Seria l6Miller,J.-A. (2005, ju n h o). Lecture critique des ‘ com plexes fam iliaux” dejacq u es Lacan. La Causefreudienne, 60,33-51- Paris (Aula de 8 de fevereiro d e 1984)
i:Lacan, J. (2001). Les com plexes fam iliaux d an s la form ation d e l'individu. In: Autres écrits, (pp. 60-1). Paris: Seuil. N.T: n a citação acim a, utilizei a
possível igualmente dizer que Lacan fez do pai uma classe de classes que subsistiria sob o tradução b rasileira já publicada d e ‘'Os com plexos fam iliares...", m odificando apenas, n a frase final, a solução d a d a nessa publicação à “quoi qu il e n soit
modo de um universal? E precisamente isso que ele recusa. Trata-se de um nome que não se (trad u zid a p or m im com o “quaisq u er que elas sejam "); cf.: Lacan, J (2003). Os com plexos fam iliares n a form ação do indivíduo (p. 67). In Outros escritos.
define por uma função, ele não define mais um hum an kin d do que as classes de classes de I. Rio d e Janeiro: Jo rg e Z ah ar Editor.
l8Lévi-S trauss, C. (1973). Anthropologie structurale (to m e 2, p. 102-4). P aris:Plon.
Hacking O Nome-do-Pai, não somente “não importa quem”, homem ou mulher, possa dele, l9L acan ,J. (2001). Allocution su r les psychoses d e l'en fan t. In: Autres écrits (p. 363). Op. cit. N.T: a tradução acim a é u m a transcrição de: Lacan, J. (2003).
se servir, ele tampouco define, necessariamente, uma ontologia particular. Trata-se de uma A locução sobre as psicoses d a criança. In Outros escritos (p. 361). Op. cit.
-’"Idem , (2001). Note su r l'enfant. In: Autres écrits (p. 373)- Op. cit. NT: n a citação acim a, utilizei tradução já p u b lica d a no Brasil: Lacan, J. (2003). Nota
questão de convenção de discurso. O Nome-do-Pai não define um universal ontológico, ele
sobre a criança. In Outros escritos (p. 369). Op. cit.
define um impossível. Trata-se da fórmula lógica que faz passar o “caso a caso” da impotência 21Idem , ibidem .
à altura da função. Admitamos que cada fantasia defina um universo de discurso onde se - É preciso 1er o artig o de A braham sobre o p in to r G iovanni Segantini, escrito em 1911. É com relação a um q u adro desse p intor sim bolista que Karl A braham
em prega 0 term o “m ãe m á". Ele fará disso a ch av e do sistem a interpretativo legado à M elanie Klein, su a genial alu n a. Lacan qualificou a posição de A braham
articula o gozo. O Nome-do-Pai assegura sua consistência ao nomear o impossível. O relativismo n a trasn ferên cia d e “m ãe ideal ". Cf. A braham , K., Segantini, G. (1965). Essai psychanalytique. In Euvres completes (tom o I, pp. 161-211). P aris:Paiot.
sem margens pensa poder reabsorver a multiplicidade das identidades de gozo na pluralidade (1907-1914).
25MiIler, J.-A . (1997, ou tu bro ). Los padres d an s la directio n de la cure. Quarto, 63 ,5 -
dos “gêneros”, sem resto. Sustentamos, com Lacan, que o Nome-do-Pai marca o resíduo
-’’Lacan, J. (2001). Note su r l'enfant. Op. cit. NT: L acan, J. (2003). N ota sobre a criança. Op. cit.
irredutível que assinala a impossibilidade desse empreendimento. “ Godelier, M. (2004). Métamorphoses de la parenté, (p. 14). Paris: Fayard.
Texto publicado originalm ente em : La Cause Freudienne. Paris, n. 60, p. 131-149, juin 2005. Traduzido e publicado em 26Idem , ibidem , (p. 24-25).
27Idem , ibidem , (p. 2 6-27).
português com a autorização de Erie Laurent. “ Idem , ibidem , (p. 31).
Texto traduzido por Sérgio Laia. 29Idem , ibidem , (p. 32).
•“ Théry, I. (1998). Couple, filiation et parenté aujourd’hui. Paris: Odile Jacob.
31L'aventure d e la patern ité" (décem bre 2002-jan v ier 2003). Le nouvel observateur, hors série n° 49.
lN.T: PACS é a sigla p a ra Pacte Ciliil de Solidarilé (Pacto Civil de S o lidariedade), form a contratual q u e pode ser firm ad a n a F ran ça e n tre d u as pessoas
•y H ubaut, S. R egards croisés su r le père. Le nouvel observateur, 4 9 ,2 3 .
m aiores, d e m esm o sexo ou d e sexo diferente, com a finalidade d e o rg an izar-lh es a v id a em com um . Foi reg ulam en tad a em 1999-
* Lam brichs, L. De l'art... d 'incom m oder les pères? Le nouvel observateur, 4 9 ,7 .
2N.T:. No d ia 5 d e junho de 2004, foi celeb rad o em Bègles o casam ento e n tre dois hom ossexuais m asculinos, inclusive com o u m apelo a u m a o u tra form a de
*D elaisi de P arseval, G. La p atern ité négociée. Le nouvel observateur, 4 9 ,4 5 .
u n ião diferente daquela prom ovida p elo PACS que, po r su a vez, não se refere ap en as a casais do m esm o sexo. Essa celebração, além d e ter sido em p re­
55Idem , ibidem , (p. 44).
en d id a com o u m desdobram ento fran cês d o que já v in h a acontecendo em S an F rancisco (EUA) e de ser contestada judicialm ente, tem g erad o to d a u m a •^Le Cam us, J. L'invention du paternage. Le nouvel observateur, 4 9 ,2 4 . N.T: trad u zi parentage po r “patern ag em ", considerando a precisão feita com
p o lêm ica n o q u e concerne à “c a u sa gay", n a m edida em que esse m atrim ô n io não foi u m PACS e e a p ró p ria instituição “casam en to ", n ão au to riz a a união relação a term os sim ilares em inglês e que, d esig n an d o os cuidados (especialm ente os prim eiros) dispensados a u m a criança, rem ete-nos, m as ag o ra tendo
en tre pessoas do m esm o sexo. P ara m aio r detalhes, ver notícias, po r exem plo, no site do Jo rn al Le Monde:
0 pai com o referência, ao que encontram os em textos de psicologia e de psicanálise com o “m atem agem ".
h ttp ://w m v .lem o n d e.fr/w eb /artid e/0 ,l-0 @ 2 -3 2 2 6 ,36-640802,0.htm l
}7ldem , ibidem , (p. 26).
5M athieu, M. (20 0 5 ,1 0 de m arço). M arcela Iacub, u n iq ue en son genre. Le Monde.
“ Idem , ibidem , (p. 26).
4Atlan, H. (2 0 0 5 ,1 6 a 22 de ab ril). Un en fan t san s grossesse ni acco u ch em en t [proposições recolhidas p o r Frédéric Joignot], Le Monde2, n. 61, p. 22.
-^Idem, ibidem , (p. 26 ).
’P o d er-se-á ler u m a excelente p o n tu a ção sobre as conseqüências dessas d eclarações, e os “posicionam entos" (spins) p o r ela gerados, no artig o d e A lan
’"Idem , ibidem , (p. 27).
F inder: “H arv ard earm arks diversity fun d s" (International Herald Tribune, p. 5 ,1 8 d e m aio d e 2005).
’’Lacan, J. (1975, m aio). Le sém inaire. Livre 2 2 , R.S.I. Leçon du 21 janvier 1975. Ornicar?, 3 ,1 0 7 . Paris:Lyse.
6Ellison, K. (20 0 5 ,1 8 de m aio). T his is y o u r b rain on m otherhood. The Hew York Times, p. 12.
^Id em ( 1966 ). F onction et ch am p de la p arole et d u lan g ag e en psychanalyse. \nÉcrits, (p. 285). Paris:Seuil. NT: L acan, J. (1998). Função e cam po d a fala
'P in k er, S. (20 0 5 ,1 7 de m aio). Sniffing o u t th e gay gene. The New York Times, p. 21.
e d a linguagem em psicanálise. \nEscritos. (pp. 2 8 6 -2 9 7 ). Rio d e Janeiro:Jorge Zahar.
'F reu d , S. (1973). Einterpretation des rêves (p. 192). P aris: PUF. NT: E m bora n ão u tilizad a n a trad u ção d a passagem acim a, os interessados poderão
’ 5R ivelaygue,J. (1992). Leçons de métaphysique allem ande (tom o 2, pp. 7 0 -1 ). Paris:G rasset.
co n su ltar a versão brasileira desse texto; cf. Freud, S. (1974). Edição S tan d a rd das Obras Psicológicas Completas de S. Freud, (vol. IV, p. 231, n ota). Rio
^L acan , J. ( 1966 ) . Fonction et ch am p de la p aro le et du lan g ag e en psychanalyse (p. 286). Op. cit. NT: Lacan, J. (1998) Op. cit. (p. 287).
d e Jan eiro : Im ago.
45Hacking, I. (2005). Façonner les gens (2). C urso do Collège de France 2 004-2005, tran scrição d a lição do d ia 29 de m arço d e 2005, p. 4. Atran scrição
’Idem , ibidem (p. 230). NT: cf F reud, S. (1974). Edição S tan dard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, (vol. IV). d essas lições en co n tra-se disponível no site do Collège de France: h ttp://w w w .college-de-france.fr/site/ph i_ h is/p .998922592913-htm .
' “D esde 1897, Freud fala com Fliess sobre su as p rim eiras concepções a esse respeito, liberadas em su a dita auto-análise. Em su as notas à Standard Edition
^Id em , ibidem , (p. 6 ).
p a ra Totem e tabu, James S trachey revela a c arta d e 4 de ju lho de 1901, en d ereçad a a Fliess, n a qual Freud, leitor de jornais, com enta as descobertas de
47Idem , ibidem , (p. 7 ).
K nossos: “ J á leu que os ingleses d esen terra ram um velho p alácio em C reta (Knossos) e o declararam com o o verdadeiro labirinto de M inos? Z eus parece ter
“ Q uine, W. V. O. (2003). On w hat th ere is. P a ra trad u ção francesa, ver “De ce q u i é" In: Du point de vue logique. Paris: J. Vrin.
sido p rim itivam en te um touro. O p ró p rio D eus d e nossos p ais, antes de su a sublim ação ser efetivada pelos Persas, teria sido ad o rado sob a form a d e um touro.
^Inw agen, P (2 0 0 5 ,2 9 de ab ril). W hat there is. Times Literar)’ Supplément, p. 11.
Eis então o que nos faz p en sar em m u itas coisas q u e não p oderíam os ain d a escrever..." (cf. Strachey, J. E d ito r's note Totem undtabu. Standard Edition o f
«H acking, I. (2005). Op. cit. (p. 14).
the completepsychological works o f Sigmund Freud, vol. XIII. L ondon:H ogarth Press e Institu te of Psycho-analysis, 1953, p. X-XI )N .t. N ão utilizei, aqui,
a trad u ção b rasileira já existente desse texto d e S trachey; p a ra co n su ltá-la, cf. Freud, S. (1974). Edição S tan dard das Obras Psicológicas Completas de
Sigmund Freud (vol. X III., p. 13-16). Rio d e Janeiro: lm ago.
"Idem (1993). Totem et tabou. P aris:G allim ard (1912-13). A T : P ara a trad u ção brasileira, cf. Freud, S. Edição S tan dard das Obras Psicológicas Comple­
tas de Sigmund Freud (vol. XIII, pp. 17-191).
'-Idem , ibidem , (pp. 3 0 5 -6 ). N.T: P a ra a trad u ção brasileira, n ão utilizada p o r m im n a citação acim a e n as subseqüentes, cf. F reud, S. Edição S tan dard das
Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (vol. X III, p. 181).

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Editada por Edições Eolia
Colaboração: Fundação do Campo Freudiano e Associação Mundial de Psicanálise
Acordos com “La Lettre M ensuelle” da École de la Cause freudienne
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Integra a rede Scilicet III que reúne ao lado de Ornicar? as seguintes publicações:

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6 Ricardo Seldes, No one can buy tomorrow, no one can sell their sorrow
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A DOUTRINA DO PASSE
44 Bernardino Home, A doutrina do Passe
51 Carlos Augusto Nicéas, Cartel do Passe na EBP: 0 que se renova?

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58 Eliana Bentes Castro, O caso F. Efeitos terapêuticos num tempo


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