Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
1
A educação do desejo como uma
proposta de resistência à conversão
da vida em vida para o consumo
Ariston Azevedo
• A noção de modo de vida {bios} foi pioneiramente
tratada por Pitágoras, quando traçou as primeiras
características do modo de vida contemplativo
{bíos theoretikós}, isto é, de um modo de viver
para o exercício constante da atividade
contemplativa ou teorética, em contraposição a
outras formas de viver, talvez até, para ele, menos
dignas.
• Essa distinção pitagórica marcaria de maneira
significativa a forma como filósofos posteriores
viriam a categorizar e expor os modos de vida
{bíoi} básicos humanos. Aristóteles, por exemplo,
apresenta, em Ética a Nicômaco (EN), uma
A noção de Modo de Vida
categorização dos três principais sua época,
Além da expressão “modo de vida”, é comum
podendo os demais serem reduzidos a um desses
encontrarmos outras, como “gênero de vida” e “forma
ou às suas combinações complexas. Tais modos
de vida”. Aqui, o importante é não confundí-las com a
estariam vinculados, de maneira exclusivista, aos
noção “estilo de vida”.
três fins perseguidos pelos homens que poderiam
ser identificados com a felicidade {eudaimonia}:
• modo de vida apoláustica ou voluptuosa,
que busca o prazer;
• modo de vida política, que aspira às honras
cívicas; e
• modo de vida contemplativa, cuja plenitude é
a sabedoria. 3
• Hannah Arendt segue os passos de Aristóteles ao
segmentar os modos de vida em duas categorias
chaves: vida ativa e vida contemplativa.
• Giorgio Agamben faz uso da expressão “forma-de-
vida”, onde “forma designa o molde sobre o qual
se coloca alguma substância fluida que,
consequentemente, tem seu feitio configurado tal
e qual. A forma aplicada à vida designa aspectos
que compõe uma rotina que chega a definir a
própria vida. A vida pode adquirir assim uma
forma de vida”, isto é, “um modo de vida que, na
medida em que adere estreitamente a uma forma
ou modelo, da qual não pode ser separada, se
A noção de Modo de Vida
constitui por isso mesmo como exemplo”.
Hannah Arendt, Michel Foucault e Giorgio Agamben
• Michel Foucault afirma que “um modo de vida são alguns dos filósofos que recuperaram, no século
pode ser partilhado por indivíduos de idade, passado, a noção de Modo de Vida.
estatuto e atividade sociais diferentes. Pode dar
lugar a relações intensas que não se pareçam com
nenhuma daquelas que são institucionalizadas e
(...) pode dar lugar a uma cultura e a uma ética.”
(grifos meus).
• Exemplar, cultural, ético, político, confrontador, o
modo de vida não é algo natural, nem
naturalmente individual, mas possui caracteres
sociais e coletivos, sem com isso comprometer a
4
autonomia ou autarquia dos agentes.
Modos de Vida Prática Modos de Vida
Referencial
Modos de Vida
Corrompida
Proposição para ressignificar a
administração
Vida Produtiva Vida Expressiva Vida Prazerosa
Bios Paragógikós Bios Ekphrastikós Bios Eythymotikós
Ocorre que nossos estudos sobre o fenômeno da administração, e mesmo nossas experiências
pessoais no exercício de atividades administrativas, confrontam esse discurso comum, causando-nos
um grande sentimento de desconforto todas as vezes que nos deparamos com esse tipo de
literatura ou quando tais discursos reverberam em acadêmicos e práticos.
6
Assim, de nossas investigações sobre o fenômeno da administração, restaram algumas
conclusões:
1. a administração é uma atividade ou ação {práxis} que tem sido especulada e explicada por meio e
em torno de três conceitos nucleares, a saber, gerência, liderança e política;
2. enquanto atividade ou ação, ela pertence a um modo de vida específico, no caso, o modo de vida
prático {bios praktikós}, e tem uma finalidade {télos} que ultrapassa os interesses práticos imediatos e
individualistas que lhes tem sido imputados, uma vez que se dirige ao viver bem ou à vida boa
{eudaimonia}; e
7
O que podemos entender por vida boa?
De acordo com Aristóteles, “bem é aquilo a que todas as coisas tendem” (EN, I, 1, 1094a 1-3). Que
“bem” é esse? No caso, seria o “bem perfeito”, o bem “mais perfeito”, também chamado por ele de
“bem supremo” ou “fim último” de nossas atividades: eudaimonia.
A tradução mais comum para eudaimonia é, em português, felicidade. Porém, não parece ser a
melhor tradução, principalmente por que a ideia do que seja uma “pessoa feliz” tem sido
ideologicamente manipulada pelos meios midiáticos, que a associam à ideia de um consumidor
alegremente contentado com um produto ou serviço. Assim, felicidade estaria mais associada a algo
momentâneo e fugaz, de tal sorte que é mais comum ouvir e dizer “está feliz” do que “é feliz”.
Optamos pelo uso do termo “vida boa”, dado que a eudaimonia aristotélica não é um aspecto
quimérico da existência, mas uma atividade permanente peculiar ao homem virtuoso, aquele que
não apenas age segundo a reta razão, mas com a reta razão e sua experiência {peira}.
8
Essa atividade permanente denominada vida boa {eudaimonia} exige, para seu alcance, a
presença da virtude.
Mas o que vem a ser virtude? Ora, a virtude é uma possessão estável que exprime a autarquia ou
domínio que tem sobre si mesmo determinado agente, uma constância no agir que ocorre
frequentemente ou quase sempre, mas não sempre, nem em virtude de uma necessidade natural.
A virtude é um hábito {habitus} ou disposição {hexis} de caráter que habilita seu portador a realizar
perfeitamente uma atividade ou função e, por conseguinte, a praticar boas ações (EN, II, 5, 1106a 14-
25).
É, portanto, a hexis que torna o homem virtuoso {spoudaios}. Ela está associada à capacidade que
o agente possui de “escolher por deliberação” a mediedade {mesotêti} entre a falta e o excesso de
algo ou de alguma coisa, “relativo a nós” {pros hêmas} e não à própria coisa ou algo, e o faz sob a
determinação da razão ou como faz o homem prudente (EN, I, 6, 1106b 35-37).
9
Ele é um agente dotado de certas
virtudes que garantem um agir correto
em direção a fins que não são seus, e
sim, dos homens em busca de uma vida
boa.
É um agente dotado de qualidades
humanas que seriam pertinentes ao
Quem é esse agente virtuoso cuja desempenho de sua função, que consiste
ação é certa e que denominamos de em garantir relações organizacionais
adequadas ao “bem viver” do homem
ADMINISTRADOR? quanto à produção, distribuição e
consumação ou circulação dos bens úteis.
10
11
12
13
14
15
16
“Os encontros dos potenciais consumidores com os potenciais
objetos de consumo tendem a se tornar as principais
unidades na rede peculiar de interações humanas
conhecida, de maneira abreviada, como sociedade de
consumidores. Ou melhor, o ambiente existencial que se
tornou conhecido como sociedade de consumidores se
distingue por uma reconstrução das relações humanas a
partir do padrão, e à semelhança, das relações entre os
consumidores e os objetos de consumo. Esse feito notável foi
alcançado mediante a anexação e colonização, pelos
mercados de consumo, do espaço que se estende entre os
indivíduos – esse espaço em que se estabelecem as ligações
que conectam os seres humanos e se erguem as cercas que
os separam.” SOCIEDADE
(Bauman, vida para consumo, 2008, p. 19)
DE CONSUMIDORES
“Mas em todos os mercados valem as mesmas regras.
Primeira: o destino final de toda mercadoria colocada à
venda é ser consumida por compradores.
Segunda: os compradores desejarão obter mercadorias para
consumo se, e apenas se, consumí-las for algo que prometa
satisfazer seus desejos.
Terceira: o preço que o potencial consumidor em busca de
satisfação está preparado para pagar pelas mercadorias em
oferta dependerá da credibilidade dessa promessa e da
intensidade desses desejos.”
SOCIEDADE
DE CONSUMIDORES
“O marketing cria desejos de consumo? Não cria,
mas estabelece todas as condições necessárias para
seu surgimento (...). Levando-se em consideração os
aspectos essenciais da definição que propusemos
para o conceito de desejos de consumo, qualquer
ação empresarial que gere uma forte motivação
hedonista ou prazerosa em direção a um objeto
determinado, procurando constituir uma sensação de
Marketing: da ênfase nas falta nesse indivíduo, estará criando as condições
para o surgimento de um desejo de consumo. Por se
necessidades para a ênfase nos tratar de um fenômeno eminentemente individual, é
preciso haver a manifestação do desejo por uma
desejos. pessoa, sem a qual o processo gerado pelo marketing
não estará completo.”
(Brei, 2007, 15)
20
Algumas questões que podem
nos ajudar a refletir sobre o
avanço do Marketing, em uma
sociedade de consumidores,
sobre o Desejo:
“Como podemos desejar o que
julgamos ser bom em
preferência do que o que
O Desejo, o desejador e
percebemos ser prazeroso,
uma vez que o bem e não o
a coisa desejada
prazer deve ser o critério para
a ação virtuosa?
Como podemos desejar a ação
por ela ser boa e não por ela
ser prazerosa, se deseja-la
geralmente significa considera-
la prazerosa?”
21
(Aggio, 2017, p. 275)
OBRIGADO !
Ariston Azevedo
ariston.azevedo@ufrgs.br
22