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RESUMO
Escolhidos os temas da cultura e da cidadania, neste artigo apoiado na Biologia-cultural, proposta por Humberto
Maturana e Ximena Dávila (MATURANA; DÁVILA, 2009), busco alargar o espaço do nosso saber tradicional sobre a
formação humana e os modos de pensar que adotamos – epistemologias. Mostrar um pouco das implicações em torno
das nossas escolhas a respeito do modo de pensar que adotamos e com os quais produzimos: os mundos, os
conhecimentos, o ensinar/aprender, o educar, e, em última instância, nós mesmos. Enfocar o debate sobre as dinâmicas
intelectuais na produção do conhecimento para os saberes docentes, as quais num sentido restrito, à medida que os
conceitos tomam força no espaço do conhecimento que tornamos válido, a nossa vontade de raciocinar acontece em
conversações coerentes com a utilização mais correta dos conceitos, e nisso e com isso, anda no rumo de perder a
coerência com o viver. E mais, ver que o sentido, que eventualmente pode aparecer através de conceitos, surge
primariamente das coerências do viver de pessoas, e não de coerências entre os possíveis sentidos teóricos que
poderíamos estabelecer através dos próprios conceitos por si mesmos, ou entre si. Entender cultura e cidadania como
abstrações sobre processos em torno do nosso sentir/fazer, portanto de processos vividos em cada ser vivo humano, não
como abstrações apoiadas em elementos que não participam de processos do vivo, no ser humano biológico-cultural.
Alem disso, procurar evocar a atenção sobre a responsabilidade ética e ambiental que se desvela ao vermos nós mesmos,
e tudo que surge com nosso ser e fazer, como seres vivos relacionais, humanos que vivemos no conversar, na dinâmica
do biológico-cultural.
Palavras chave: Cidadania; cultura; formação humana; formação docente; Humberto Maturana.
Introdução
Através do estudo que compõe este artigo, concebido na maneira não tradicional que nos
possibilita a Biologia-cultural, proposta por Maturana; Dávila (2009), busco contribuir no campo da
educação com algumas reflexões para a formação docente. Pretendo enfocar os temas do título, de
modo que possam aparecer dois aspectos que considero básicos na docência. Um deles, o sentido
que alguém dá à formação humana; e outro, o que se refere às escolhas que fazemos desde e sobre
modos de pensar. Através dessa busca, abrir um modo de ver como estas escolhas acontecem
enquanto e durante cada um vive suas interações desde a matriz relacional cultural que surge
consigo a cada momento.
A matriz relacional cultural é uma expressão proposta por Ximena Dávila (MATURANA;
DÁVILA, 2009, p. 177). Sucintamente: ela intenta levar nossa atenção para as dinâmicas do sentir e
fazer cotidianos. De modo que se possa aprender a olhar o que sentimos e o que fazemos. Em outras
palavras, uma maneira de viver na qual alguém, desde si mesmo, esteja atento para “o que se sente
com o que se faz”.
Voltar-se para olhar os temas do cotidiano da educação, neste caso escolhidos os da cultura e
da cidadania de modo a abrir espaços de reflexão sobre a formação humana e os modos de pensar
que adotamos – epistemologias. Encarar essas ações do cotidiano docente, do trabalho acadêmico na
área da educação, ou de qualquer pessoa ou profissional, como a(s) maneira(s) que elegemos no
dizer/escutar/pensar, que, de algum modo, definem sentidos epistemológicos e éticos naquilo que
adotamos para compreender fenômenos básicos das interações humanas nas comunidades que
participamos como docentes, pesquisadores, pais, mães e jovens, artistas, profissionais, etc.
A Biologia-cultural
A Biologia-cultural surgiu como um modo de olhar o viver humano. Nesse olhar as
dinâmicas biológicas e as dinâmicas culturais são vistas como próprias e constitutivas dos processos
básicos do viver e conviver humano. É um olhar que vê essas duas dinâmicas primárias em um fluir
de modulações recíprocas e recursivas no qual se desenrola toda a multidimensionalidade vivida.
Neste sentido, procura fazê-lo evitando seccionar esses espaços processuais – o biológico e o
cultural. Busca desviar das maneiras de sentir/pensar/dizer e do fazer acadêmico que apresentam as
pessoas como se nós fôssemos produto ou tivéssemos origem em coerências operativas entre entes
que não pertencem ao operacional relacional do vivo, ou que frequentemente as apresentamos como
se fossem independentes do fazer do ser vivo humano.
A Biologia-cultural, como um espaço de dinâmicas reflexivas, está apoiada em noções e/ou
reflexões de caráter científico e/ou filosófico da Biologia do conhecer e da Biologia do amar1. Este
modo de fazer se carateriza por um olhar sistêmico-sistêmico (MATURANA; DÁVILA, 2009). Um
modo de olhar que procura evitar o foco causal linear, iato é, evitar a fixação do olhar na busca das
causas a serem encontradas no próximo e imediato às interações, e acaba-se desviando o olhar das
dinâmicas operacionais relacionais.
A Biologia-cultural, apresenta-se como um modo transdisciplinar de estudar, pensar,
pesquisar, e refletir no e sobre o que fazemos como humanos. Assim, não é demais ressalvar que
nasce em derivações reflexivas filosóficas e científicas, sem apego à algum tipo de quebra de
paradigmas ou à desconstruções. Pois, basicamente, pergunta sobre o que se quer conservar, não o
que se quer destruir ou desconstruir.
Nela o filosofar surge mais como reflexão sobre o fazer, de modo a examinar possíveis
fundamentos operacionais relacionais dos fazeres, e menos sobre estabelecer princípios para refletir
sobre fundamentos do fazer. Caracteriza-se mais por propor atenção aos fazeres do que aos rótulos e
conceitos substantivos. Busca abstrair sobre as tramas dinâmicas do operar dos seres vivos nos
processos, de onde examina as possibilidades do descrever e do explicar, de modo que se amplie o
olhar sobre o que emerge com o agir/viver/sentir. Propõe prestar atenção se quero ou não o sentido
ético do que faço, ou seja, as consequências do meu agir/viver/sentir para mim mesmo e para o
outro.
1 Biologia do conhecer e Biologia do amar são denominações adotadas para um conjunto coerente de noções a
respeito da cognição e da biologia humana, conforme Humberto Maturana originalmente começou a apresentar um
modo de abstrair, portanto de conhecer, sobre o operar sistêmico relacional do viver e conviver humano. Conforme,
entre outros escritos, Maturana (2007, p. 75-107; 167-193; 215-228).
Faz-se de modo original, pelo menos no momento em que:
indiretamente nos permite retomar a controversa questão da agressividade humana, pois
inspira um observar desapegado da morbidez psíquica-cultural que se vive no medo, na
desconfiança, na subjugação, na imposição, e na luta. Procura abandonar as teorias, religiões
e ideologias que justificam e sustentam essas orientações psíquica-culturais características
da cultura patriarcal-matriarcal em que estamos imersos;
ao conceber um modo de fazer ciência que leva em conta as possibilidades biológicas do
observador no observar, operacionalmente envolve a filosofia e a ciência ao tentar produzir
um modo de abstrair as dinâmicas e transformações do fazer e do sentir humano cotidiano,
que cada um poderia aprender desde si mesmo sobre si mesmo;
considera e admite uma filosofia da ciência não trivial, ao considerar o vivo no observar do
observador e centrar a atenção nos processos, dinâmicas relacionais e nos fenômenos que
pertencem ao operar e não como entes independentes do operar do vivo;
ao considerar o ser vivo humano no habitar humano na Biologia do amar, alguém encontra-
se à beira sedutora da responsabilidade ética incontornável em todo fazer, inclusive no fazer
científico nas humanas e na filosofia.
Ao ver que não temos outro espaço recorrente em nosso viver que não seja o de seres que
convivemos em conversações, para mim, o fazer intelectual que surge com esse ver, surge de um
modo especial e de maneira muito precisa. O mais central do que ocorre entre humanos acontece na
dinâmica humana no entrelaçamento dos emocionares e do linguajar, ou seja, no conversar. Sinto e
penso que somente vivendo em algum tipo de alienação ou vício, nos é possível deixar de exprimir
o sentido que damos a nós mesmos, enquanto e durante passamos no correr das dinâmicas
relacionais do conviver. Ou seja, fugir do que sentimos e pensamos sobre nós mesmos e/ou sobre o
outro é sempre negar-se a si e/ou ao outro. Não duvido também de que sempre, cedo ou tarde, de
um modo ou de outro, surge com nós o que pensamos e compartilhamos no conviver sobre nossa
condição de humanos.
A escolha dos temas e o interesse acadêmico
Escolhi a cultura e a cidadania como elementos para esse debate. Estes são modos frequentes
de compartilharmos abstrações sobre nossos desejos entre humanos em comunidade. Através deles
muito tem-se criado de conhecimento acadêmico no campo da educação, em especial na formação
docente, não menos nas humanas de modo geral. Ou seja, na medida e conforme eles têm sido
apresentados em diretrizes curriculares e nos conteúdos disciplinares da formação docente, ou da
pesquisa em educação em geral, configuram-se maneiras de pensar, de ver, e nisso de criar o(s?)
mundo(s?), no(s?) qual(is?) se movem os professores e professoras, pesquisadoras e pesquisadores,
as crianças, os jovens e as jovens discentes.
A formação docente pressupõe o trabalho interativo das professoras e professores, com isso,
o atuar nas interações é parte das preocupações no campo da formação docente. Embora aprender a
atuar, interagir seja constitutivo, espontâneo e permanente desde que alguém nasce, o interesse em
produzir e recomendar conhecimentos tem caracterizado o campo de estudos da educação, através
do trabalho dos estudiosos nessa área. Nesse fazer sistemático, acompanhando as várias
contribuições na história da educação e da pedagogia no ocidente, os conceitos permanecem como
“instrumentos” centrais do conhecimento das interações humanas no campo da educação, como têm
sido também ao largo das ciencias humanas.
Na atualidade, curiosamente, em grande parte dos casos, alguém no seu fazer de
professor/pesquisador, ao assumir a centralidade dos conceitos, quase não encontra abertura para um
espaço de reflexão no qual os discentes possam lidar com os desdobramentos e as tramas que
eventualmente aparecem no viver de cada um, nas salas de aula, na escola, na família, e na
comunidade de modo mais amplo.
O nódulo da questão, da qual surge o que pretendo expor é que: num sentido restrito, à
medida que os conceitos tomam força no espaço do conhecimento que tornamos válido, a nossa
vontade de raciocinar acontece em conversações coerentes com a utilização mais correta dos
conceitos, e nisso e com isso, anda no rumo de perder a coerência com o viver. Vendo assim,
procuro apresentar o modo fundamental de olhar em que podemos nos dispor através da Biologia-
cultural, através do qual os fenômenos aparecem abstraídos como processos do próprio viver das
pessoas. Nisso, o sentido, que eventualmente pode aparecer através de conceitos, surge
primariamente das coerências do viver de pessoas, e não de coerências entre os possíveis sentidos
teóricos que poderíamos estabelecer através dos próprios conceitos por si mesmos, ou entre si.
Ao sentir deste modo a situação de uma parte significativa, talvez predominante, da
produção do conhecimento e da prática docente no campo da educação, encontro oportuno o que
pretendo apresentar com este texto. Trata-se de expor resenhadamente algumas noções básicas que
se encontram através da Biologia-cultural. Adotar esta como suporte epistemológico, considerado
aqui como um modo de pensar e abstrair, desde o qual se diz sobre o que nos acontece, ao evocar os
processos e fazeres nos quais e com os quais produzimos: os mundos, os conhecimentos, o
ensinar/aprender, o educar, e, em última instância, nós mesmos.
O interesse e a curiosidade em conhecer, tudo que desejamos conhecer, neste caso sobre a
cultura e a cidadania, sempre acompanha a nossa, não raramente, dolorida experiência de viver e ver
diversos modos de negação de nós mesmos e de outros: na agressão, enganação, mercantilização de
tudo, miséria, e todo tipo de alienação e indignidade humana. Nesse contexto, resumidamente, de
acordo com a Biologia-cultural, pretendo relembrar, através deste fazer intelectual não tradicional,
como acontecem e se desdobram em nós e com nós, no viver e conviver, esses temas do cotidiano.
Menos como conceitos e mais como processos relacionais.
Este pesquisador questiona se “a teoria está falando de coisas que fazem sentido fora da
teoria”(?); e afirma: “o que os professores não querem é uma teoria que só está falando a outras
teorias.” (ibid., p. 95).
Estas afirmações e preocupações de Charlot, mesmo não correspondendo inteiramente às
minhas neste trabalho, apontam para o desejo de estudar e pesquisar, tal que se possa oferecer aos
docentes e discentes, um modo de pensar que nos permita ver que vivemos em uma matriz
relacional cultural, e a seguir, ver que, se quisermos, podemos viver e manter outra.
José Jimeno Sacristán, afirmou no ano de 1996 que: “A ciência pode ajudar o pensamento
dos professores,” […] “O grande fracasso da formação de professores está em que a ciência que lhes
damos não lhes serve para pensar”. E também afirmou que: “Pensar é algo muito mais importante
para os professores que assimilar ciência”. Vejo estas afirmações, como as de alguém preocupado,
de alguma maneira, com o que estou procurando trazer ao debate com este artigo, ou seja, o que
procurei sugerir com o título: uma escolha entre a maior ênfase nos conceitos ou nas relações (o
operar sistêmico relacional de seres vivos humanos).
O mesmo pesquisador, embora desde uma perspectiva diversa da que pretendo, também se
preocupa com a formação docente e com as pesquisas na área: “Os motivos, as motivações do
professorado têm sido um capítulo ausente da formação de professores e da investigação sobre a
formação de professores.” (GIMENO SACRISTÁN, 2006, p.85-86). Algo que eu consideraria e
examinaria a partir dos fundamentos Biológico-culturais, portanto operacionais relacionais, dos
fenômenos humanos cotidianos – as diversas situações relacionais vividas na escola.
Quando olho o que Gimeno Sacristán apresenta no mesmo texto, originado em uma
exposição oral na reunião nacional da ANPED*, parece-me que se preocupa com as origens do
pensamento dos professores, nelas encontramo-nos com os espaços básicos, aqui re-evidenciados,
* Bernard Charlot, professor na Universidade de Paris VIII, em palestra na ANPED, ano de 2001.
* ANPED: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação.
do viver das pessoas. Aqui pode ser mostrado algo como exemplo de como poderíamos operar em
nosso viver através dos modos de olhar/pensar/dizer levando em conta as dinâmicas biológico-
culturais em nós. Ele usa os termos “vontade”; “motivos” e usa também a expressão “cultura-raiz da
qual provém o professorado”, sob alguma maneira de olhar diversa desta aqui proposta. Desde o
modo de olhar aqui adotado, alguém poderia perceber e colocar atenção nas condutas relacionais e
sentires relacionais íntimos em cada caso, e ver que, quando se fala em “vontade” e “motivos”, o
que podemos examinar é o que alguém diz que sente, o que diz que quer, e, como acontecem as
interações, como é a conduta de alguém nas interações, qual a conduta relacional que surge com
alguém, etc.; e quando fala em “cultura-raiz” está preocupado com a história de interações em
conversações na qual eventualmente vive ou viveu um professor ou professora. Nesta situação é
interessante estar atento para o tipo de conversações adotados nos espaços de relações que uma
pessoa mantém com seu modo de atuar. Neste caso teríamos, precisamente, dois espaços das
dinâmicas operacionais relacionais: um ao qual pertencem as condutas e sentires relacionais e outro
que poderia-se apresentar como o espaço do conversar, desde o qual surgem as conversações e se
configuram as redes de conversações – culturas.
Poderíamos duvidar que ainda conservamos até a velhice o interesse no bem-estar que
sentimos na proximidade na ternura, no respeito e aceitação recíproca espontânea? Eu poderia, mas
não quero. Embora, eu não duvide que estejamos, principalmente ao trazermos com nosso viver
diversas formas culturais e científicas, progressivamente desvalorizando a proximidade espontânea
do bem-estar mamífero entre mãe e filho, com o que temos proporcionado às crianças, desde que
nascem, a tornarem-se quase indiferentes, cegas e insensíveis para o operar biológico espontâneo
humano no amar. Um exemplo disso é o grau de valor que tem se dado à capacitar tecnicamente na
educação infantil, ou seja, nela antecipamos o desenvolvimento dos fazeres do adulto na criança.
Ainda que nos encontremos envolvidos a viver a cultura patriarcal/matriarcal que nega o
amar, vivemos na biologia do amar.
Nosotros, los seres humanos, somos seres biológicamente amorosos como un rasgo de
nuestra historia evolutiva. Esto significa dos cosas: la primera es que el amar ha sido la
emoción central conservada em la historia evolutiva que nos dio origen desde unos cinco a
seis millones de años atrás; la segunda es que enfermamos cuando se nos priva del amar
como emoción fundamental en la qual transcurre nuestra existencia relacional con otros y
con nosotros mismos. Como tal, la biología del amar es central para la conservación de
nuestra existencia e identidad humanas. […]
El amar no necessita ser aprendido; se le puede permitir ser o se le puede negar, pero no
necessita ser aprendido porque es nuestro fundamento biológico y única base para la
conservación de nuestra calidad humana así como de nuestro bienestar. (MATURANA,
2007, p. 46; p. 227-228)
O observador como ser vivo, vive imerso operacionalmente no acoplamento estrutural, este
assim definido:
Tenho chamado de acoplamento estrutural esta dinâmica de mudança estrutural congruente
do ser vivo e do meio em que surge e se conserva seu viver e, a relação de congruência
operacional dinâmica num presente cambiante que resulta dela. Dito de outra maneira,
tenho chamado de acoplamento estrutural, entre o ser vivo e o meio que surge com ele, a
relação de congruência estrutural dinâmica que emerge e se conserva momento a momento
no fluxo do viver do organismo enquanto se conserva o viver dele. (MATURANA;
DÁVILA, 2009, 174).
Como seres em nossa auto-produção molecular vivemos nossas interações sem que nada
externo à nossa corporalidade determine as mudanças estruturais que acontecem na nossa
autopoiese (auto-produção molecular). Ao mesmo tempo que, como seres relacionais que vivemos
na linguagem e no conversar, fazemos desaparecer uns aos outros em nossas interações quando
exigimos um certo domínio de interação no conversar. Isto acontece durante e enquanto mantemos
o emocionar que define nossos desejos e junto com isso exigimos do outro ou de nós mesmos que se
disponha neste domínio, de modo que nesse exigir não vemos e não escutamos o outro.
Como seres relacionais no amar, enquanto e durante espontaneamente deixamos o amar
guiar nosso atuar, em nosso atuar no conversar pode-se abrir e ampliar o olhar, o ver e a
inteligência, se vemos o outro, a outra pessoa, a escutamos, sem exigências, sem expectativas, de
onde se age sem alienação, na liberdade com bem-estar de ser que surge com alguém ao ser
escutado, visto e de onde pode ser desde si mesmo, sem precisar de identificação em oposição a
nada, ao simplesmente ser desde si.
Nas interações entre alunos e professores, as dinâmicas acontecem no aprender/ensinar
conhecimentos e através dos modos relacionais de atuar consigo mesmo e com o outro. O
conhecimento, o professor avalia ao observar o que o aluno faz em torno de algo, para depois dizer
se sabe ou não sabe; tem ou não tem tal conhecimento. Quando o professor estabelece um domínio
de fazeres, estabelece, especifica e pede ao aluno que atue disposto neste domínio de fazeres. Se
algum aluno não se dispõe no domínio de fazeres especificado, desaparece como alguém que sabe o
que se exige.
Apesar disso, é óbvio, a extensão dinâmica dos espaços relacionais entre professor e aluno é
mais ampla que os espaços que o professor especifica para que surjam os saberes. Talvez, através do
que discorre no trecho a seguir, poderia ser examinado o alcance do entender que se dá no
transcorrer das dinâmicas do aprender/ensinar, do saber, do ver/não-ver, do escutar/não-escutar, do
amar/desamar. E, ao meditar sobre elas, verificar que tipo de conversações queremos conservar no
pesquisar, no ensinar/aprender, ou que, basicamente como pessoas preocupadas com educação,
queremos conservar entre nós em nosso fazer, e em cada um consigo mesmo.
Es la ternura en el conversar con la mamá y el papá lo que nos conserva Homo sapiens-
amans amans. El conversar educador del alma es fácil, todo depende del querer que se
quiere. Si amas escuchas pues el amar ocurre en el escuchar, si tocas con ternura amas pues
el amar ocurre en el tocar con ternura, si miras y ves amas pues el amar ocurre en el ver. Y
sin saberlo al contestar a los niños y niñas sus preguntas, ellos y nosotros aprendemos los
caminos amorosos del alma. “Mamá, papá, ¿Cómo se hace?” En esa pregunta el niño o la
niña muestra no sólo que quiere aprender un hacer, manual o relacional, sino que quiere
aprender a hacerlo bien. Y hacerlo bien es hacerlo como la mamá o el papá. Todos
queremos hacer bien lo que hacemos si podemos preguntar cómo se hace, y si no somos
negados con una respuesta que no nos ve. Sin duda las mamás y los papás y los profesores y
profesoras no lo sabemos todo, y no perdemos dignidad si decimos “no lo se, pero podemos
buscar la respuesta”, y buscamos con los niños y niñas una respuesta de una manera que sea
conmensurable con el presente de su vivir.
Y cuando hacemos eso educamos y mostramos que el no saber es tan digno como el saber,
porque la dignidad del saber esta en saber que no se sabe cuando no se sabe, y estar
dispuesto a buscar y aprender. “Mamá, Papá, ¿qué es eso que veo allí?” “Ven mi pequeño
vamos juntos a mirar.” “Juguemos a descubrir lo que es y lo que no es.” Y sin saberlo
generamos el encanto del convivir escuchándonos, creando un mundo juntos, sí, de la mano,
en brazos, caminando, cabalgando en las olas del amar-ver, del amar-oír, en el amar que
hace el placer de hacer juntos lo que hacemos juntos con las flores, los insectos, los otros
seres que nos guían en nuestro ser seres humanos. (MATURANA, 2010).
Não saber a resposta é não saber se mover no lugar que a pergunta especifica para que
alguém se oriente e se movimente nas coordenações de coordenações de ações e emoções no
conversar. Contudo, o buscar a resposta e o alcançar o saber, sempre dependem do “querer que se
quer”, pois tudo se passa, no fluir do presente de cada um, em um ou outro espaço do ver/não-ver,
escutar/não-escutar, respeitar/negar, em última instância, do amar/desamar.
Acredito que faço parte de uma comunidade de estudos acadêmicos sobre educação entre
brasileiros, eu procuro me orientar para a cooperação e co-inspiração para o bem-estar mútuo entre
brasileiros. Apoiado e inspirado em estudos como o que resenho e reflito aqui, aposto na busca de
debates e respostas para perguntas básicas na formação docente, entre as quais: Como queremos
nessa comunidade que as dinâmicas das relações entre pessoas sejam conservadas? Queremos saber
que educação queremos efetivar enfatizando o saber sobre as dinâmicas relacionais ou através das
teorias e conceitos? A educação a que nos referimos está centrada nas dinâmicas como modos de
fazer relacionais ou como orientações para concatenar discursos conceituais? Será que chegaríamos
ao mesmo se buscarmos entender a cultura e a cidadania através do entendimento de dinâmicas
relacionais ou através da concatenação de teorias e conceitos? Sinceramente, eu gostaria de
compartilhar reflexões e debates acerca destas perguntas.
A apropriação, que começa com o pastoreio, não como uma simples consequência deste,
mas como resultado de uma trama de relações na qual o emocionar básico conservado é o medo.
Com o medo recorrente surge a emoção de desconfiança originada eventualmente, que de uma
contingência passa a ser vivida psíquica e culturalmente irrefletidamente válida e regularmente.
Passa de uma desconfiança nas condições de subsistência encontradas no entorno natural, a uma
desconfiança psíquica-cultural, tornando-se um conviver emocional relacional central que guia as
interações entre humanos. O viver guiado no desconfiar aparece como uma modificação cultural,
não pertence ao domínio do biológico. Pois, o que muda no viver e conviver é passar a viver a
negação do fundamental na identidade biológica do humano que é o amar.
Acompanham essa desconfiança originada culturalmente, outros emocionares que guiam o
viver e o conviver na negação do amar. Tais como o controle através da apropriação e depois da
certeza no dizer que sabe. A apologia do procriar originada no querer aumentar o rebanho, junto
com isso a mulher é transformada em instrumento da procriação, através da negação das práticas de
controle reprodutivo. O aumento populacional animal e humano encaminham ao dano ambiental
mais profundo, com ele mais escassez, e com esta mais pobreza. Vem a migração e com ela a guerra
de usurpação.
A manutenção da base psíquica-cultural na desconfiança regular, originada remotamente de
um medo contingente, configura até o momento nosso viver e conviver nas emoções que guiam
relações de dominação/submissão, hierarquias, controle de tudo e de todos, apropriação, ganância,
enganação, mentira, e muitas outras maneiras culturais nascidas com o patriarcado. Na atualidade
são manidas através de inúmeras outras conversações, nas quais surgem justificativas e explicações
que nos mantém alienados nos ânimos psíquico-culturais do patriarcado.
Diariamente são exibidos argumentos que apontam supostos desejos, finalidades, leis
naturais, próprios e necessários, ao comportamento de animais e demais seres vivos, enquanto com
eles se mantém o patriarcado através da chave cultural do sentir/pensar, ou ânimo psíquico-cultural,
em torno da luta, da guerra, vencer, do ganhador e do vencido, do submeter-se, do dominar, do
controlar.
Quando, na ignorância cultural e alienação que nela vivemos, não vemos que é na negação
do respeito por si mesmo e mútuo que nos perdemos como seres vivos humanos, e que é enquanto e
durante vivemos na negação desse respeitar, que vivemos/sentimos/pensamos os conflitos que nos
levam a viver todo o mal-estar que aflora em cada um com a negação de si e/ou do outro. O viver no
respeito ou fora dele pertence ao viver relacional, não depende estritamente de construções teóricas
e conceituais para ser abstraído. Além disso, sabemos que a cada momento vivemos a possibilidade
de abstrair sobre o que surge com os modos de interagir que adotamos, ou que outros adotam no e
com seu fazer.
Ao vivermos alheios a este saber, estamos sendo irresponsáveis com o mais básico em nós.
Não prestamos atenção para os enredos relacionais que operam no entrelaçamento do biológico-
cultural em nós. Deixamos de ver que o desassossego intelectual racional, que surge acompanhando
o mal-estar nos sentires que emergem com a negação do respeito por si mesmo e pelos outros, é
parte central na trama do viver o biológico-cultural no amar e no desamar. Queremos,
principalmente na educação, continuar culturalmente cegos e alheios às possibilidades que se
ampliam com esse saber?
Final
Questionamentos e algumas das respostas a eles estiveram presentes no decorrer do texto.
Estes escritos estiveram em torno da busca da reflexão. Refletir aqui visto no sentido de que alguém
abandone conhecimentos prévios e respostas costumeiras na tradição psíquica-cultural fundada nos
sentires relacionais íntimos e condutas relacionais próprias do patriarcado-matriarcado. Ou seja,
aqueles sentires e aquelas condutas que escondem alguém de si mesmo, e escondem a pessoa que
sempre está diante de nós, ou seja, eu mesmo e/ou o outro.
Tentei re-lembrar que cidadania e cultura, como todas as palavras, fazem sentido
primariamente em nossas coordenações de coordenações de ações3. Portanto, tem sua origem nas
operações sistêmicas relacionais no viver de alguém. Não são, e não podem ser consideradas como
entes capazes de por si especificarem o que acontece em alguma pessoa.
Frequentemente, parece que vivemos esperando que mude a onda. Alguns dizem aceitar a
onda e não sentir o que sentem no seu fazer. Alguns dizem não ouvir, não ver e não sentir as
negações de si e do outro vividas em nosso dia-a-dia patriarcal. Outros entendem que, podemos
olhar isto depois, porque antes precisamos fazer as coisas imediatas para sobreviver, mesmo que
estas sejam as que justificam e sustentam a negação de cada um dos participantes das relações nas
3 Notar que, a partir do que foi apresentado no texto apoiado na Biologia do conhecer e na Biologia do amar, assim
como na Biologia cultural, falar de coordenações de coordenações de ações para descrever a linguagem, embora
possa parecer semelhante, não é o mesmo que falar em “jogos de linguagem” como Wittgenstein fez.
quais tomamos quase tudo como urgente, na urgência de nos submetermos para sobreviver.
Enquanto isso, vivemos como se fôssemos levados pela onda. Enquanto e durante
convivemos nos educando na urgência das necessidades imediatas, fazemos com que desapareça do
conviver até mesmo a consciência daquilo que menos depende estritamente do material e mais do
relacional – o saber sobre isso que precisamente nos aparece como sentires íntimos e condutas
relacionais, no que poderíamos ampliar o olhar para ver como se processa nosso viver relacional.
Com o qual e no qual somos nódulos de um enredo no qual surgimos em nossos sentires e condutas.
Apesar de doer, com teorias, justificamos a onda, e com elas propalamos em nossos estudos
e pesquisas, e como um lugar comum, com diversos argumentos acabamos por indicar que, de
alguma maneira, não são os seres vivos humanos que fazem a onda. Isso, no meu modo de ver, traz
como resultado diferentes maneiras culturais de nos submetermos e alienarmos como se devêssemos
obediência à onda.
A onda recebeu e pode receber muitos nomes. Não é intenção aqui desvelar algum deles.
Cada um pode desde si ver a que onda obedece. E ver, no exame sério da intimidade do seu sentir,
se quer o querer que diz querer.
Referências bibliográficas